Identificação. As lavouras onde trabalhavam os pais. As lembranças da infância em Barão Geraldo. O desenvolvimento urbano da cidade, a substituição de antigos imóveis e estabelecimentos de novas instituições. As primeiras experiências profissionais, já como sapateiro. As brincadeiras de infância e as lojas de Barão Geraldo. Período que passou viajando pelo Brasil. O encontro com a esposa. Comentários sobre os meios de transporte utilizados. A abertura de sua própria sapataria. O perfil de sua clientela e a proximidade com a Unicamp. A atividade de sapateiro. A família e balanço de sua vida.
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome completo é Altamiro de Freitas e minha data de nascimento é 25 de maio de 1951. Nasci em Tupã, Estado de São Paulo.
FAMÍLIA
Meus pais são Antônio Ermógenes de Freitas e Ana Maria de Jesus Freitas. Vieram de Minas Gerais, para São Paulo nos anos de 46, 47. Deixaram todos os parentes e nunca mais tiveram contato. Viveram da lavoura, eram lavradores. Tenho um irmão que é mecânico.
MIGRAÇÃO
Meus pais decidiram vir pra Campinas porque, na época, trabalhavam em fazendas de bicho-da-seda e tinha alguns compradores de Campinas que iam para lá. Meu pai pegou amizade com aquele pessoal e arrumou um sítio para vir trabalhar aqui. Era um sítio recém formado, de uma família, e ele arrumou a casa e o trabalho para ele e minha mãe. Era um sítio de plantio geral, desde de verduras até pomar com frutas. Meus pais comentavam que ficaram impressionados com Campinas, que era uma cidade muito maior, porque eles vinham de pequenas cidades de Minas. Passaram por algumas cidades como Tupã, Duartina, cidades pequenas. Encontraram aqui em Campinas uma cidade maior do que a que eles tinham conhecido e vivido. Viemos em 1951.
INFÂNCIA
De criança, eu tenho memória de mais ou menos 5 a 6 anos de idade, já morando em Barão Geraldo - que é onde eu sempre morei. Lembro que eram dois ou três armazéns, uma estação ferroviária e poucas casas. Os dois ou três armazéns eram pra suprir não a cidade, mas os sítios que rodeavam as fazendas. Havia a fazenda Santa Genebra, muito grande; inclusive, uma parte dela, hoje, é a Unicamp e outra parte é a Costa e Silva; outra parte é a Vila Cury; a outra parte aqui, é o Ceasa. Então, no meu tempo de garoto, idade de sete, oito anos, eu saia muito com a minha mãe e a gente ia nessas partes das fazendas, principalmente, em época de algodão, apanhar, algodão, em locais que hoje são tudo cidade, inclusive o Shopping Dom Pedro também. Barão Geraldo era muito pequeno, com três armazéns: do seu Paulo Lanza, que é um dos antigos; Gebraé Mocarzel e o Francisco de Barros, que tinha um, acho que era o primeiro bar, porque os outros eram armazém, e ele montou um bar, Francisco de Barros. Hoje, não existe mais isso. Até mesmo a padaria – só havia a padaria do seu Miro, que hoje está com os filhos - é um outro tipo de comércio. Então, dos antigos, eu acho que não tem mais nenhum. Os filhos do Paulo Lanza - eu não sei se ainda é vivo - não tem mais o comércio. Os filhos dele têm uma imobiliária, até uma das maiores de Barão, que é a Imobiliária Lanza.
CIDADES / CAMPINAS / SP
Vim tomar conhecimento da cidade a partir dos 12 anos, quando eu vim trabalhar aqui na Rua Barão de Atibaia, esquina com a Avenida Brasil. A Avenida Brasil ainda era uma mão só, não era asfalto, era paralelepípedo, e isso foi 1962. Eu fiquei por uns seis meses trabalhando ali. Depois eu fui trabalhar na Rua General Osório, 1211, uma sapataria que foi muito famosa, a Sapataria Expressa Paulista que era mais conhecida como a Sapataria do Romeu. Naquele tempo, a gente descia a rua, uma quadra pra baixo do Café do Povo, que não existe mais, e muitas outras coisas foram mudando. Grandes bares, grandes restaurante que eram famosos naquele tempo já não tem mais hoje. Campinas mudou. O Largo do Rosário era completamente diferente, os ônibus coletivos eram poucos e ainda eram da CCTC, Companhia Campineira de Ônibus, e tinha o bonde. Eu fazia muita entrega de bonde. O patrão dava dinheiro pra gente ir pra um bairro como o Botafogo, outros bairros distantes pra onde tinha bonde. A gente preferia ir de bonde porque, muitas vezes, você conseguia ir sem pagar. Porque passava de um lado, passava para outro. Mas conheci Campinas bem. O centro das atenções das pessoas que vinham dos bairros, das fazendas, era o Mercado Municipal. Não tinha terminais, nada; onde é o terminal lá do Mercado hoje, antigamente era um colégio, chamava Correia de Melo. Então, são boas lembranças que eu tenho de Campinas. Mudou muito daquela época para hoje. Depois que minha mãe se casou pela segunda vez, a gente saiu do sítio e fomos morar em Barão Geraldo. Tanto a minha mãe como meu padrasto trabalhavam na cidade e eu tinha um irmão que já morava fora; ele morava com umas pessoas aqui no Botafogo, trabalhava e morava aqui. Eu era sozinho em casa e fui, praticamente, criado como aquele moleque de rua. E, tinha adoração - como todos os meninos da minha época - por caminhão. Eu pensava em ser motorista. A única coisa que eu nunca pensei em ser foi sapateiro (risos). Minha mãe me trouxe na cidade para falar com o sapateiro: “Olha, se o senhor quiser ficar com ele aí para trabalhar, você só me paga a passagem de ônibus que eu não tenho condição de pagar, e ele fica por aí trabalhando para ir aprendendo alguma coisa, porque em casa ele não tem o que fazer, fica na rua e tal”. E aí, comecei a trabalhar com ele. Isso em 62, em maio, e, graças a Deus, fui bem. Primeiro mês, já tive um ordenado, que foi uma coisa gozada: eu recebi 25 cruzeiros, cheguei em casa e dei para minha mãe; no outro dia, minha mãe perdeu o dia de serviço para voltar comigo no serviço para perguntar se, realmente, ele tinha me pagado aquele dinheiro (risos). Ela era uma pessoa muito enérgica, gostava das coisas muito direitas. Eu estou há 44 anos nisso e se fosse para trocar de profissão hoje, eu preferia a mesma. Gosto muito do que eu faço. Eu era um menino que brincava muito. Em sítio, a gente brincava muito de pega-pega, a gente ia nadar. Tinha fruta aonde a gente morava, mas ia pegar fruta no pomar do outro, que era mais gostoso. Era aquela brincadeira bem sadia, bem coisa que não se vê mais em menino, brincadeira de artes e molecagem sem nada de hoje; os meninos de hoje são mais sábios, vêem muita televisão, muita internet. No meu tempo, eram aquelas brincadeiras comuns, fazer carrinho. Naquela época, o lixo de Campinas - isso nos anos 56, 58 - era vendido para as chácaras, a maioria em Barão Geraldo, porque naquele tempo, o lixo não tinha plástico, então ele apodrecia e virava húmus e esterco. O sítio ali mesmo onde eu morava, e outros sítios vizinhos, pegavam o lixo, e a gente que era menino ia muito para o lixo e achava brinquedo velho, brinquedo quebrado. Comia muita coisa que vinha no lixo, que criança daquele tempo não tinha oportunidade que os outros têm; então, se achava alguma coisa diferente, uma bala, não interessava se estava no lixo (risos). Achava pedaço de carro - porque ninguém tinha condições de ter os carrinhos, principalmente a gente que morava em sítio - fazia os brinquedos. Até mesmo aqueles filtros de óleo de caminhão - que tem um furo no meio -, passava um arame, que tudo era brinquedo. Era assim... Era uma coisa que se a gente analisar e dizer pra uma criança o que a gente fazia naquele tempo, eles não querem nem olhar, mas pra gente era muito porque não tinha outra coisa. Ninguém tinha nada de especial, de poder comprar um carrinho. Chegava Fim do Ano, no Natal, às vezes, o pai comprava lá aqueles que vendiam muito no mercadão, uns carrinhos de madeira, uns caminhõezinhos, mas era assim. Uma vida de moleque muito ativa, de caçar passarinho, fazer armadilha para caçar passarinho, caçar com estilingue e, às vezes, trabalhar também. Na idade de seis, sete anos, menino, naquela época, quando chegava a época, ia tudo para o algodão, catar algodão junto com a mãe.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Eu lembro de um empório muito grande que a gente ia, na General Osório com a José Paulino, chamava, Sebastião Maria. A gente vinha de Barão Geraldo a pé, que era estrada de terra - a ligação entre Barão Geraldo e Campinas era terra - e a gente vinha a pé pra esse empório, chamado Sebastião Maria. Eles tinham pneu de bicicleta, bala de revólver, o que se pensasse. Era como se fosse um hipermercado hoje, só que era um armazém. Depois ele acabou, foi vendido para uma Benson Calçados, que depois incendiou-se. Hoje ali é outra coisa. Mas eu me lembro bem que vinha, mais ou menos em 55, 56. Naquele tempo, quase todo tipo de compra era feito no mercadão. Era roupa, tudo e o pessoal que vinha das cidadezinhas circunvizinhas, de distrito, como eu de Barão, o pessoal não se expunha muito em andar na cidade; então, localizava tudo no mercadão, tudo o que tinha que comprar se fazia ali. Não havia, assim como hoje, outros lugares diferentes. Naquele tempo, São Paulo, para nós, era muito diferente, era uma coisa muito longe (risos), muito distante.
FORMAÇÃO
Eu freqüentei a escola em Barão Geraldo. Antes de fazer a primeira escola grande em Barão Geraldo, tinha uma escola, que hoje é uma firma chamada Sun Sing New, que era do seu Gibraé. Esse que é Gibraé Mocarzel, ele cedia duas salas para as aulas das crianças. Depois disso, foi construído um ginásio que chama Grupo Escolar Barão Geraldo Rezende. Aí eu me mudei dessa escola, que era das duas salas, pra esse Grupo Escolar, que é uma escola grande, que até hoje tem em Barão. E lá eu tirei o meu diploma de quarto ano. Conheci muito as escolas aqui da cidade, mas sem ter freqüentado.
TRABALHO
Minha mãe queria que eu me ocupasse. Só que naquele tempo o trabalho era muito difícil. Minha mãe sempre falava que jamais queria que eu fosse como ela; que me criasse na lavoura como ela foi criada. Fui trabalhar logo depois que eu tirei o diploma. Naquele tempo, um diploma de quarto ano de escola era uma grande coisa. Então, ela disse: “Você sabe ler, você sabe escrever, você tem que arrumar um serviço melhor. Tem que arrumar um serviço na cidade que é para você conhecer a cidade.” Em Barão Geraldo existiam pessoas com 30, 40 anos que não vinham para cidade, que tinham medo da cidade, tinham medo de andar, não conheciam. E minha mãe achou que seria uma abertura pra mim, começar naquela sapataria que, inclusive, o dono falou: “Ah, eu não tenho muito serviço, mas ele vai ficar aí pra desmanchar algum serviço, fazer alguma entrega”. O que realmente ela queria, era que eu não tivesse o mesmo futuro de outros garotos que continuaram trabalhando na lavoura. Se a lavoura fosse nossa era outra coisa, mas éramos empregados. Às vezes, os pais pegavam uma empreitada para fazer, levavam os filhos pequenos para ajudar, mesmo sem um ganho. Acho que, talvez, ela pensando mais numa liberdade pra mim, mais pro comércio, um aprendizado, conhecer melhor a cidade... Depois de uma semana, por incrível que pareça, eu já estava... Não sei se por ter sido o meu primeiro serviço, mas eu já estava me apaixonando por aquilo que eu fazia. E fazia cada vez melhor e cada vez mais. Tanto é que com, mais ou menos, cinco meses de serviço, uma pessoa que trabalhava nessa sapataria comentou com esse senhor que era dono dessa sapataria - que era a maior sapataria que teve em Campinas: “Olha, tem um neguinho trabalhando, assim, assim, assim, ele é bom. Você não quer trazer ele para cá?” Ele me convidou, me ofereceu três vezes mais do salário que eu ganhava. Aí fui trabalhar com ele. Essa é a Sapataria Expressa Paulista. Ficava na Rua General Osório 1211. O proprietário dela é vivo até hoje, chama-se Romeu Mosqueta. E lá, eu fiquei por seis anos.
JUVENTUDE
A minha juventude foi tumultuada. Eu saí de casa em 1969, fiquei quatro anos e meio fora de casa. E nesse tempo eu andei por 20 Estados do Brasil. Eu ia trabalhando, pegava um dinheirinho, trabalhava um mês, 15 dias, dois meses, às vezes, pegava algum dinheirinho que desse pra ir pra um outro lugar, e eu ia. Assim foi passando. Durante esses quatros anos e oito meses, eu rodei 20 Estados. Fui do Oiapoque ao Chuí, desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, por vontade de conhecer. Sempre pensava em conhecer, em conhecer. E, um dia, trocando idéia com uma pessoa, ele falou pra mim: “Mas por que você não vai trabalhando?” E, nessa época que eu fui, era muito fácil o trabalho de sapateiro; não é como hoje. Hoje, não é que o trabalho é difícil; difícil são os profissionais para trabalhar, porque existem muito poucos. E na minha época, não. Existia em muitos lugares, porque, a maioria dos sapateiros não só consertava, como fazia calçados. Você ia numa cidade, pedia serviço, não tinha; outra, tinha e você trabalhava ali alguns dias. E nisso eu fui passando. Onde eu fiquei mais tempo, sete meses, foi no Rio Grande do Sul, que lá, na época também, era um pólo de trabalho muito maior. Depois, teve um tempo, uma fase na minha vida, que eu fui alcoólatra. Trabalhava normalmente, mas bebia muito. Quando eu estava com 32 anos, eu me amasiei com a minha esposa, vai fazer 26 anos que nós estamos juntos. Ela conseguiu me tirar do alcoolismo, o que foi muito bom. Na época, eu trabalhava de empregado também, numa grande sapataria aqui de Campinas, a Sapataria Mug. Eu trabalhei muito tempo lá, e, por incentivo do meu próprio patrão, resolvi abrir uma sapataria pra mim. Comecei aos poucos. Hoje tenho quatro funcionários, tem mais minha esposa que ajuda, graças a Deus, tenho além da minha expectativa. Eu era, na juventude, um assíduo freqüentador de bar. Tomava conta de time de futebol. Participei muito de comunidade, tanto comunidade de jovens católicos como sociedade amigos do bairro. Cheguei a ser presidente da Sociedade Amigos do Bairro. Cheguei a participar de congressos em Brasília, da Conam, Confederação Nacional das Associações de Moradores. Sempre tive muito envolvimento com o trabalho político. E, aquele trabalho não para mim, trabalho político para comunidade, era necessário, a gente, principalmente, time de futebol, precisava de um jogo de camisa, dumas bolas. Então, nós íamos atrás de um político, quando era época de eleição, “vamos trabalhar para você e tal”. Eu tive muito envolvimento com isso. Trabalhei em circo, como palhaço. Quando o circo era ao redor de Campinas, eu sempre ia, e o pessoal já me conhecia, fazia participações neles. Nunca viajava pra longe, sempre estava aqui em volta. Alegria e festas, eu gostava muito. Era muito divertido em partes de excursões que hoje quase não têm mais. O pessoal fazia uma excursão para Santos, principalmente, eles me davam uma passagem de graça, só porque eu ia bagunçando, ia cantando, o pessoal gostava muito. Sempre fui uma pessoa muito descontraída. E, apesar de ter perdido muito tempo da juventude com o alcoolismo, eu tive uma juventude ótima. Eu viajei, mais ou menos, de 68 a 73. Eu acho que tive todo o tipo de transporte, muito mais de ônibus. Ônibus, a pé, carona, e até mesmo de charrete, de jegue, que eu fui para o Norte, Nordeste, também. Cheguei a andar de trem. Eu acho a viagem de trem maravilhosa. Se tivesse hoje pra tudo quanto é lugar, jamais eu iria num ônibus. É uma viagem lenta, quer dizer, lenta nos trens de antigamente, mas muito confortável. Você pode sair, pode ir a um toalete, pode ir a um restaurante e voltar. Então, eu acho ótimo Eu acho que é uma perda irreparável tirarem os trens de circulação como tiraram.
TRANSPORTE
Eu ia para o trabalho de ônibus. Morava em Barão Geraldo que não tinha mais o trem por volta de 62 para 63. Barão Geraldo não tinha ônibus. O ônibus vinha de Paulínia, passava por Barão pra vir a Campinas. Passava por uma estrada que, hoje, chama-se Rodovia Milton Tavares. Vinha por aquela estrada que era sem asfalto, de terra, uma pista só. E, se eu não me engano, o asfalto de Barão Geraldo a Campinas foi inaugurado em 1960 no governo de Rui Novaes. Antes não tinha, era terra.
CASAMENTO
Na época, eu coordenava uma comunidade de jovens e eu tinha uma amiga que me ajudava. A minha esposa tinha separado, acho que há três anos do marido, e ela se sentia muito sozinha. Essa amiga a convidou pra ir na comunidade, pra se enturmar com o povo, apesar de ela ter dois filhos: uma menina, com quatro anos e o menino com um ano e pouco. Aí, ela começou a freqüentar e a gente começou a se conhecer. E num Natal, nós fizemos uma festa na minha casa. Ela foi. Eu comprei um ramalhete de flores, já estava gostando dela, e levei. E dali, a gente começou a se entender, a se conversar. Depois de seis meses fui morar com ela. A gente alugou uma casa, não tinha condições de muito... Eu trabalhava, era empregado, ganhava pouco, mas achamos uma casa. Aí comecei a minha vida. Quando fomos morar juntos, dormíamos os dois numa cama de solteiro, porque não tínhamos de casal e nem condições (risos) de comprar. Ela trabalhava e eu, mesmo trabalhando de empregado, comecei fazendo uns bicos, à noite em casa, consertando sapato. Ela me ajudava. Ela trabalhava de manhã, fazendo faxina; à noite, ela ia à casa da mesma pessoa para ficar com as crianças, para pessoa fazer faculdade. E, me ajudando sempre, como até hoje me ajuda. E, graças a Deus, a gente conseguiu, hoje, ter uma boa casa, ter um comércio com portas abertas, dar serviço pra mais quatro, cinco pessoas. Tudo isso, eu devo muito a ela também, que ela sempre fazia um esforço tremendo. Até hoje, ela fica em casa, às vezes, na maioria dos dias até a hora do almoço, e depois do almoço, ela vai lá para sapataria. E faz pintura, conserta, bola, faz sapato, tudo. Nós temos uma filha, que é a nossa caçula, que está com 20 anos. Tem uma outra, que é só filha dela, com 29, que nos deu um neto que está com dois anos e meio; é o xodó da casa. Eu me considero um vencedor em tudo. Lembro que eu era bem pequeno e meu pai sempre dizia pra mim e pra meu irmão: “O negro não pode fazer bem, ele tem que fazer melhor. Ele tem que ser melhor em tudo para nunca sofrer preconceito”. E pus isso na cabeça. Realmente, eu nunca sofri preconceito. Se eu tive, eu não fiquei sabendo (risos). Porque eu sempre procurei andar direito com as minhas obrigações, trabalhar. Hoje eu sou praticamente uma das pessoas do comércio - caso alguém perguntar - das mais conhecidas de Barão Geraldo. Todo mundo me conhece. Eu tenho que agradecer muito a Deus, à minha esposa, que me ajudou muito, e aos meus clientes, que sempre me prestigiam. Eu nunca tive oportunidade de fazer propaganda, nada, a propaganda era sempre o meu trabalho.
SAPATARIA
Eu 88, eu comecei a trabalhar por conta, trabalhava na minha casa. Só que meu serviço era muito pouco. Então fazia bico em outras sapatarias por fora, dois, três dias por semana, trabalhando para algum outro sapateiro. E fazia o meu serviço em dois ou três dias. Às vezes, à noite, para poder me manter. Aí, o meu estabelecimento, foi aberto em 94. Logo depois tive que contratar esse rapaz, que trabalha comigo. Já antes de 94 tinha contratado ele, mas eu não tinha uma firma aberta nem nada. Depois que a coisa foi dando certo, quando começou a engatilhar, eu fiz abertura de firma. Estou batalhando até hoje, graças a Deus. De lá para cá, as mudanças foram muitas. O acréscimo de trabalho foi muito grande, muito. Muito mais dinheiro, muito mais preocupação, muito mais despesas (risos). Eu acho que fui um cara abençoado por Deus, com muita sorte de ter montado um comércio, apesar de sempre ser morador de Barão Geraldo. A maioria dos meus fregueses não são nem pessoas antigas, que me conheciam de antes, são pessoas novas da Cidade Universitária. Eu dei muito certo em Barão porque sapataria só dá certo em lugares assim, onde tem classe média e média alta. Duas classes não consertam sapato: nem rico e nem pobre. Porque o pobre já compra um sapato que não tem conserto, uma coisa muito barata, não tem como consertar. E o rico? O rico não conserta o sapato, o rico que eu digo, é o bem rico. Então, o sapato fica entre a classe média e a classe média alta. Porque você comprando um sapato de 50, 60 reais compensa você gastar dez, cinco reais. A madame já compra um sapato de 200, 300, ela gasta até 20, 30 conto num calçado. A pessoa que montar uma sapataria num bairro pobre, passa fome. Agora o bairro rico, não, porque o bairro rico, hoje em dia, ele é o bairro, nome de bairro rico, mas, geralmente, quem mora nele são pessoas da classe média alta. Como a Cidade Universitária é tido como um bairro de rico, mas é classe média alta. E os ricos, que eu digo, são aqueles milionários que nem sabem que existe sapateiro (risos), porque não precisam disso. Apesar de que eu tenho muitos fregueses de posse financeira que vão lá consertar sapato comigo. Tem, inclusive, ali em Barão Geraldo, muitos artistas, pessoas famosas. Bem perto de onde eu tenho a sapataria têm três companhias de teatro: tem o Lume, que é da Unicamp; o Barracão do Teatro, que é escola, também de teatro; tem o Teatro da Verônica, que agora, ela comprou uma casa ao lado, que está fazendo um salão para o teatro. Lá é lado de muito pessoal que vive de arte. Muitas pessoas famosas da Unicamp, cada um no seu segmento. Vão lá, levam o calçado para eu consertar. Um senhor que está sempre na televisão, além de freguês, é meu amigo, morei vizinho dele, que ele é Pró-reitor da Unicamp, senhor Mohamed. Várias pessoas importantes que vão e é como digo: “São pessoas importantes, que dão importância pra gente também”. Porque por mais importante que a pessoa seja, ninguém vive sozinho. Eu me sinto muito lisonjeado das pessoas freqüentarem. Esse aqui de Campinas que é, inclusive, o Maurício, do vôlei, esteve lá. Minha filha foi pedir autógrafo pra ele. Então, são pessoas bacanas que têm certo conceito, um certo conhecimento, que dão preferência pra gente. E Barão Geraldo tem outra coisa de bom: o povo que mora em Barão Geraldo, principalmente, o povo da Cidade Universitária, dá muita preferência para o bairro. Porque existem bairros que eu conheço de Campinas, que a pessoa sofre muito porque a pessoa deixa o que tem no bairro e vai dar preferência ao centro da cidade e outros lugares. E Barão, não. O pessoal da universidade faz de tudo pra que não precise sair de lá. Agora, o refúgio deles, um pouco, é Barão e o Shopping Dom Pedro. É bem pegado. Isso é muito gratificante. Eu sempre tenho a dizer que o povo de Barão Geraldo, me acolheu e a gente procura retribuir o máximo pra conservar, porque eu construí uma freguesia fantástica e, às vezes, o duro é conservar a freguesia.
OFÍCIO DE SAPATEIRO
Estou tendo, de tempos para cá, muito problema, porque eu não tenho mão-de-obra. Na minha profissão não existe mais mão-de-obra especializada. Às vezes, é muito serviço para pouca gente trabalhar. As pessoas não têm mais interesse em aprender o ofício porque, isso, para os países desenvolvidos, já é passado. Como na Europa, dificilmente, se acha um sapateiro, não tem mais. E aqui o que acontece? Nessa profissão é muito difícil um garoto se interessar. Antigamente, os garotos se interessavam até porque eram engraxates. Já partia daquela coisa de engraxar sapato pra entrar numa sapataria. E hoje, nem engraxate existe mais. Hoje em dia, as poucas profissões que se dizem profissões “sujas”, porque é mão-de-obra, trabalha com a mão, se suja, e os garotos querem apenas neste tipo de trabalho, a oficina mecânica. Não tanto pela oficina mecânica pela mecânica, mas pra dirigir um carro, pôr um carro para dentro da oficina (risos), tirar, aprender a dirigir. Então, eles se interessam, mas na minha profissão, não. O grande problema hoje é que a maioria como nós, que temos nossa sapataria um pouco maiores, nós não temos condições de ensinar. Você tem que pegar alguém que resolva. Se você for parar para ensinar, você se atrasa. E o interesse, também, é muito pouco. Às vezes, passa a mãe lá, fala: “Oh, você não está precisando de um garoto para ensinar?” Mas é mais aquela coisa de tirar o garoto da rua. E você traz para ensinar, primeira coisa que ele entra e pergunta pra você: “Quanto é que eu vou ganhar? O que eu vou fazer? A que horas eu vou sair? Quando são minhas férias?” Então, é muito difícil, sabe (risos). Tem o negócio da informática... Isso tudo dificulta.
COTIDIANO DE TRABALHO
Tenho tido algumas negligências. Porque quando eu comecei, eu fazia. Hoje, eu não sento mais para fazer o trabalho, eu administro. Fico focado só no balcão, só no atendimento. Até assim mesmo, ainda tem um, às vezes, mais um ou dois para me ajudar a atender. Então, passa despercebido, às vezes por causa, da correria. E eu tenho tido, até mesmo, reclamações de freguês: “Ah, mas quando o senhor fazia não era assim e tal”. E isso acontece, mas é a conseqüência do aumento; às vezes, você não dá conta. A minha quantidade seria, mais ou menos, de 70 a 80 pares de sapato por dia e 20, 30 bolsas e malas. São coisas pra se administrar. Eu tenho comigo que cresci muito, desordenadamente. Eu não imaginava. O crescimento foi aparecendo tão rápido que eu não tive um tempo pra parar e começar a pensar de ter outra pessoa para dirigir, ter uma pessoa pra ficar no balcão. Tanto é que eu tento deixar outra pessoa no balcão pra eu poder trabalhar, mas eu não consigo. Porque o pessoal chega e quer falar comigo. Então, torna-se difícil. Eu tenho consciência de que tenho algumas falhas. Geralmente, com uma boa conversa, a gente acaba explicando para o freguês, e ele acaba entendendo. A gente não pode é perder o freguês. O freguês, como se diz, “sempre tem razão”. Sempre tem mesmo porque eu dependo dele. Ele vai, às vezes, e o serviço não está pronto, não está de acordo como ele quer. A gente conversa, fala: “Não, o senhor vem apanhar mais tarde, ou eu mando entregar na tua casa”. Ou se a gente vê que o serviço foi feito de um modo que não é o correto, fala: “Não, o senhor vai deixar aí que eu vou reparar isso para o senhor”. Tiro, mando fazer tudo de novo. Mas eu acho que não é só da minha profissão, todo tipo de profissão tem sempre uma divergência de um freguês que não gosta de alguma coisa. Eu conserto calçados, também, pra algumas lojas. O pessoal vai lá, compra sapato e ele vem com defeitinho. Às vezes, mandam pra fábrica. Às vezes é no Sul, às vezes é de Franca. Então, pequenas coisas, eles mandam pra mim e eu faço os reparos. Acontece também de a pessoa vender sapato, a pessoa vai lá, vai brigar com o vendedor. Às vezes, ele nem sabe qual o defeito porque existem defeitos mínimos. O vendedor não sabe que o sapato está com uma tirinha começando a descosturar, que precisaria olhar. Acho que são conseqüências do comércio em geral. E lidar com o publico é uma questão de arte, que é muito difícil, e é muito gostoso. Mas é muito difícil. A gente encontra pessoas de todo tipo. Pessoas que elogiam, pessoas que criticam e a gente tem que rebater as críticas com os elogios, e ir tocando o barco. Na época em que eu comecei a trabalhar eram muito poucos os consertos de sapatos. Eram, geralmente, de sola, saltinho de mulher, principalmente. O saltinho começou a aparecer bem depois de 65, 66, que houve uma mudança de salto fino para... Eram muito poucas as pessoas. Eu ainda cheguei a fazer muito esse tipo de trabalho, porque eu trabalhava nessa sapataria aqui na General Osório. Era conhecida por toda a classe alta de Campinas. Então, ainda existiam sapatos de salto. Mas em bairro, as pessoas dificilmente usavam sapato de salto, eram apenas sapatos baixos. O conserto era bem menos. Hoje, o conserto maior é saltinho de sapato de salto, que tem muito, que as mulheres usam mais constante, é mais social. As solas também, antigamente, você punha a sola no sapato, ela durava quatro, cinco anos; hoje, são três, quatro meses. Hoje, quase não se trabalha com couro, se trabalha com borracha e com sintético. A mudança de quem trabalhou naquele tempo para cá foi muito grande. A qualidade dos materiais de antigamente, tanto dos sapatos, como dos materiais que a gente trabalhava, é muito diferente. Hoje, realmente, as coisas são descartáveis. Até o material que a gente coloca, a gente sabe que não tem uma boa ação, mas não existe outro, é aquele. É a lei do consumo.
EMBALAGENS
Antes os sapatos eram feitos e quando prontos, colocávamos, numa prateleira. Um em cima do outro; dividia o branco do escuro para não sujar e colocava um em cima do outro. As sapatarias menores usavam jornal, embrulhavam com jornal. Aquelas que já eram um pouco mais sofisticadas tinham aquelas bobinas de papel, aquele papel rosa, tiravam, embrulhava e levava o calçado. Hoje, já é diferente. Na minha sapataria tem uma série de prateleira que tem, mais ou menos, 650 caixas de sapato. Assim que eu termino o sapato, eu abro, ponho dentro da caixa e ponho uma etiqueta com um clip grande; uma etiqueta para o lado de fora com o número porque é dada uma notinha com dois números para o freguês. Os sapatos ficam dentro da caixa e assim que o freguês chega, eu retiro de dentro da caixa e coloco numa sacola. Essa sacola plástica que eu compro, essa embalagem. Algumas sapatarias seu nome timbrado na sacola. A minha não tem, é uma sacola comum, mas eu compro as sacolas novas e os fregueses levam na sacola.
OFÍCIO DE SAPATEIRO
A estrutura de móveis de uma sapataria mudou muito. Antigamente, a sapataria precisava de poucas coisas. Havia a banca de sapateiro que era uma mesinha quadrada com várias repartições em cima, feitos com umas tabuazinhas, mais ou menos, de um centímetro e meio a dois, tipo umas caixinhas onde se colocavam os pregos. Havia também a cadeira que é chamada tamborete, um quadrado com tiras de couro, em que se ficava sentado o dia todo ali, e uma máquina de acabamento. Então, a diferença duma sapataria de antigamente para a sapataria de hoje chega a ser bem grande. Hoje, já não se têm mais – quase - aquela banca; trabalham com prateleira, usa-se muito pouco prego. Antigamente, sapataria, você entrava na sapataria era prego; hoje não, hoje é cola. Quase tudo à base de cola porque os calçados de hoje nem dão para pregar porque por dentro as bases não são de couro, são de papelão. Se você prega, o prego passa pro outro lado. Tudo é muito diferente do tempo em que havia os pequenos sapateiros que usavam sovela, as costuras de mão. Hoje, já tem máquina para costurar a sola. A mudança da minha época de 40 anos atrás para cá é quase uma mudança do dia pra noite. Poucas coisas que um sapateiro antigo usava são usadas hoje, com exceção das ferramentas, que são quase as mesmas. Antigamente, havia uma tina de água pra molhar a sola; precisava molhar e bater a sola. Hoje, as solas vêm cilindradas, não precisam mais ser batidas. Já não têm aquelas sovelas que fazem costura a mão, as máquinas fazem. A transformação facilitou muito porque um garoto que trabalha, hoje, há dez anos como sapateiro, talvez, ele não faria 20% do serviço que era feito há 30, 40 anos atrás, que era tudo manual. Hoje é fácil preparar, lixou, vai lá a máquina costura, vem, a outra máquina faz isso, a outra faz aquilo. Naquele tempo, a gente fazia até o serviço de lixa; era feito com caco de vidro, era tudo completamente diferente. Inclusive, tem ferramentas da minha época que esse garoto mesmo que está há 15 anos comigo, ele nunca viu, não conhece, porque não tem mais necessidade dela, pela modernização.
FORMAS DE PAGAMENTO
Eu trabalho sempre com pagamento à vista. Alguns fregueses me dão cheque pré-datado. Agora, inclusive, estão pra ser instaladas nessa semana, devido a muito pedido, duas máquinas de cartão, do Visa e do MasterCard. Porque lá o pessoal usa muito cartão. Inclusive, bem próximo à minha sapataria tem uma moradia dos estudantes da Unicamp e estudante só lida com cartão. Às vezes, o dinheiro é regrado pelo pai, então vou pôr essas duas máquinas de cartão para facilitar o cliente a me pagar em duas ou três vezes. Mas o pagamento, geralmente, é à vista. A não ser quando são muitos pares de sapato, mas, geralmente, são coisas de dez, 20, 15, 30 reais. Aí, quando são vários pares, pode atingir 40, 100, até mais. O serviço mais corriqueiro é o conserto de saltinho de mulher, que, geralmente, custa sete, oito, dez, todos com pagamento, praticamente, à vista.
CLIENTES
Conserto, também tênis. Estudantes usam muito tênis, usam muito Hoje em dia, o tênis é um dos calçados mais difíceis de consertar. A sapataria tem o seguinte: sapato sempre sobra. Todo fim de ano você tem um monte de sapato que o freguês levou e não foi buscar. E se tiver 200 pares de sapato, dez são tênis, 190 são sapatos. Tênis, o pessoal não deixa. Geralmente, o estudante usa até estourar tudo. Quando estiver bem estourado (risos), ver que não dá para andar mais, aí troca. E sempre a gente dá um jeito. Inclusive, para os estudantes - tenho um conceito - sempre tenho um precinho acessível, porque o pessoal ali, da moradia da Unicamp, são pessoas pobres que não conseguem pagar um aluguel numa república. Sempre procuramos fazer um precinho melhor para eles. Já aconteceu de pessoas que eu conheci como estudante, que se formaram, que continuam sendo meus fregueses, depois de médico, depois de advogados. Inclusive, tem uma cliente minha que eu sempre fazia os serviços, sempre fiz num preço bem baratinho para ela, porque ela se formou, ela era muito doente. Conseguiu se formar médica, escreveu um livro, lançou o livro esses dias. Uma pessoa fantástica Filha de um servente de pedreiro e de uma empregada doméstica. Era de São Paulo e se formou médica na Unicamp. Ela tem essa doença que o nome popular é “bicho de porco” na cabeça. Ela esteve internada muitas vezes, fez uma série de operações e conseguiu se formar, conseguiu escrever um livro da vida dela e continua sendo minha freguesa. Nós sabíamos das dificuldades dela. Às vezes, fazíamos alguma coisa e nem cobrávamos. São pessoas que merecem, têm consideração. Eu sou assim, no meu trabalho, também, procuramos ajudar os outros. Os sapatos que ficam lá um tempo, mando para algumas entidades circunvizinhas do Barão. Dou uma cooperação da minha firma que é tão pouquinha, mas eu coopero com três entidades mensalmente. Alguns trabalhos que vão lá pra eu fazer, como já foi, do Boldrini, faço e não tem custo para eles. Eu tenho alguns tipos de serviço que são supérfluos, são serviços caros, como cobrir um sapato para casamento, fazer uma bolsa e cobrir do mesmo tecido. São serviços que eu cobro bem; as pessoas reclamam e eu falo: “Gente, isso é supérfluo, isso é para quem tem dinheiro, você tem? Paga. Você não tem? Vai fazer o quê?” Mas, a gente procura ajudar. Tem pessoas que vão lá, precisando de um calçado: “Ó, arrumei um serviço e não tenho um sapato para ir, só tenho esse velho, você me arruma? Só que eu não tenho dinheiro”. Já cheguei a arrumar, e realmente, as pessoas vêm pagar, são pessoas honestas. O comércio mostra muito o lado das pessoas. A gente que está nele há muito tempo conhece com facilidade a pessoa que realmente é honesta, que realmente está precisando, ou não. É muito bom. Só é possível retirar o sapato mediante o pagamento. De dois anos para cá, eu optei por 50% adiantado. Não são todos que pagam, mas muitos pagam e às vezes chegam até a pagar o total. Mas eu não sei o que acontece, às vezes, de deixar sapato. Existem sapatos bons, novos, que a pessoa deixou pago e não vem mais buscar. Existem pessoas que esquecem, por incrível que pareça. Existem pessoas que mudam, pessoas que morrem; é uma série de coisas. Os estudantes, muitos da moradia não são brasileiros, são colombianos, peruanos, chilenos. Chega o fim do ano, às vezes, só está fazendo doutorado, já vai embora. Deixa um sapato, uma bolsa, correria do fim, ele arruma a mala e vai embora para o Chile, etc, não volta mais. Já me aconteceu de pessoas irem lá, véspera de casamento do filho, brigar comigo, fazer o maior “brigueiro”. Nossa, me pôs louco Tinha que levar o sapato do filho para engraxar para o casamento, chegou em casa, ligou pra mim: “O sapato está aqui no porta-malas, eu não levei”. Então, existe esse tipo de coisa, sabe? (risos) Eu acho que a correria hoje em dia faz muito isso. Como a gente dá um comprovante, às vezes, a pessoa perde, acha que, também, perdeu o sapato, então não vai mais atrás. Acaba ficando. Faz parte.
PROPAGANDA
A única publicidade que eu faço, acho que, há uns cinco, seis anos, é uma lista telefônica, chamada Onde Comprar. Inclusive, ela faz sobre Barão Geraldo, mas ela é daqui de Vinhedo e faz essa publicação, é conta telefone. Eu faço só nessa lista, eu não tenho outro tipo. Me ofereceram em jornais, em revista, tem revista da Unicamp, têm dois jornais em Barão Geraldo que já me ofereceram para fazer. Mas é o seguinte: eu, modéstia à parte, eu não dou conta do meu serviço. Então, não posso propagar muito; depois o serviço vem demais e eu não tenho como.
PROMOÇÕES
O que eu faço, é assim: mais ou menos, cada um ano e um mês, um ano e dois meses, eu separo uns sapatos que ficam lá, com essa data já há mais de 12 meses. E alguns que são serviços grandes, serviços que eu investi material, porque eu pago funcionário, pago aluguel, material. Alguns dos serviços que são bons sapatos, eu faço um tipo de um bazar. Até a minha mulher que se incumbe de separar e vender. Aí, vende pelo preço do conserto, dez conto, cinco conto, quanto for. Se o sapato custa 100 conto e o conserto dele foi cinco, ele vai por cinco. E alguns outros eu dôo. Dôo para umas duas ou três entidades lá que fazem bazar. Inclusive, esses dias, eu dei para uma aqui de Campinas que eu não sei nem o nome, eu sei que ela passa lá, eles deixam panfleto, e eles me pediram e falei: “Toma, isso aí e tal.” Mas eu gostei do modo que eles me pediram e mandei para eles. Eu ia mandar para outra, mas eu não tinha prometido. Eles disseram que não aceitavam dinheiro. Eu acho que quando uma entidade não aceita dinheiro, eu acho que é séria (risos), não é não? Então, disse que não aceitavam dinheiro, só se tivesse alguma coisa para doar. Eu mandei uns dois sacos de sapato. E alguns, a gente vende. Meio receoso, porque não existe lei. A lei do consumidor só favorece o consumidor. Se você deixar o sapato lá um ano, se eu vender o seu sapato e você tiver o comprovante, você pode reclamar na justiça e eu tenho que te pagar. Então, realmente, é o país que mais tem lei errada e descumprida, porque ninguém cumpre. É assim: eu pago água, luz, meus impostos, aluguel, compro o material, emprego e faço, e deixo ali. Agora a pessoa não vai mais buscar e eu não posso me desfazer deles.
FAMÍLA
Eu tenho essa minha filha com certo interesse pelo comércio. Apesar de ela estar com 20 anos agora, e ela pretende fazer um técnico ou uma faculdade mais em engenharia de alimentos, em nutricionismo. No fundo, no fundo, vocação não tem não. Ninguém se interessa muito não. Talvez, tem a outra minha filha... Tenho um filho, que é um filho da minha esposa que tem 29 anos, ele tem um retardamento de idade, então, ele não trabalha. Esteve por muito tempo aqui numa escola especializada, não conseguiu alfabetizar. É uma pessoa normal, se você ver, conversar com ele, você não vai nem perceber. Tem essa outra filha que é casada, que tem o genro que trabalha comigo. Ele tem dois trabalhos: comigo e no clube da Petrobras. Como ele é guarda à noite, trabalha uma noite sim e outra não, ele faz um bico comigo. Tem interesse. Já está comigo há três anos, já aprendeu muita coisa. Não sei se o interesse é pela profissão ou porque ele é o único herdeiro (risos). Tenho a intenção de parar futuramente. Eu gostaria muito, se um dia, tivesse condições com uma aposentadoria mais ou menos, de vender aquilo e parar. Aí, talvez, eu iria fazer o que eu queria: pegar dois ou três garotos, montar uma coisa bem pequenininha e poder ter tempo para ensinar esses garotos para que essa profissão não acabe, mas é meio difícil. É uma profissão que está se acabando como já acabaram os alfaiates, vão se acabando os sapateiros e costureiras...
DESAFIOS
Um dos maiores desafios que eu tive foi deixar de beber. Eu era um alcoólatra consciente, trabalhava, mas tomava, mais ou menos, um litro de cachaça por dia. Isso me prejudicava muito. Isso foi um grande desafio. Outro desafio foi começar do nada. Quando eu trabalhava, estava numa garagem, todo feliz e satisfeito. Tinha comprado um carro, estava todo feliz, porque morava numa casa de aluguel; pagava um aluguelzinho bem barato. Estava tudo bem. Mas, o dono da casa chegou e pediu a casa urgente. Eu não sabia para onde ir com a sapataria, com nada. Eu vendi o carro, comprei um terreno e construí uma casa de 200 metros; construí em três anos, sozinho. Não sei onde eu arrumei o dinheiro, mas eu arrumei. Fiquei três, quatro anos pendurado nos bancos, nas financeiras, mas, graças a Deus, consegui pagar. Eu acho que foram os grandes desafios. E um dos maiores foi que eu consegui alguma coisa na minha vida, o dia que eu pensei que ter dívida não era o fim do mundo. Eu comecei a pôr na cabeça que os outros ficavam devendo, por que só eu tinha que ser honestíssimo? Pagar tudo, não sobrava nada. Tinha medo de fazer uma dívida. Através de umas palestras que eu freqüentei com um amigo da Seicho-No-Iê, eu consegui deixar minha liberdade, de começar: “Não. Eu vou botar a cara, eu vou comprar isso. Mas eu não posso Não Eu posso, eu sei que eu posso”. Acho que confiar mais em mim. Um dos grandes desafios da pessoa é saber aquilo que ela pode; você tem medo de fazer, mas você pode. Então, você deixar de ter medo e fazer. Entrar em dívida. Vamos comprar. Ah, não pagaram. Vem a cobrança hoje, não deu. Nunca dever pra gente pequena, nem pra parente; quando dever, dever pra banco, pra financeira (risos) que não vem bater na tua porta para cobrar. Mas, realmente, foi um dos desafios. Eu acho que é tudo assim, muita, muita força de vontade. É pensar que é possível, pensar que você pode. Não ficar subestimando, achando que você é menos do que ninguém; que fulano é isso e você não é. Sempre pus na minha cabeça que pode ter gente igual a mim, mas melhor do que eu não tem: “Ah, mas fulano faz isso. Mas ele não faz uma sola igual a que eu faço”. Acho que todos nós temos os nossos dons. Eu acho que desde o gari até o presidente da República é muito útil.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Comercialmente, Campinas não é uma cidade tão forte. Campinas é uma cidade muito forte num nível bancário, no nível financeiro. E o comércio de Campinas, eu acho que ele é um bom comércio, só que, hoje em dia, ele está sendo para classe média baixa. Simplesmente, pela violência. A pessoa prefere pagar um, dois reais mais caro e ir num shopping center que é muito mais seguro, do que subir e descer uma Rua Treze de Maio. Acho que o comércio de Campinas perdeu muito com os shoppings. Perdeu em termos: perdeu o comércio e ganhou o povo que vai a um Shopping Dom Pedro e anda a vontade sem saber que vai vir um pivete atrás, puxar sua bolsa e sair correndo. E o que acontece muito na cidade é a violência. Eu acredito que o centro comercial de Campinas nunca foi muito evoluído, nunca ofereceu muito, pra ela própria. Você vê que em matéria de couro, você sai de Campinas e vai a Serra Negra. A diferença é do dia pra noite. É de 50% a diferença do preço. Porque Campinas sempre foi tida como cidade de rico, mesmo não sendo. Tudo aqui parece que tem que ser mais caro. Tenho uma vizinha que faz três, quatro vezes por mês, uma excursão daqui pra 25 de março [rua de comércio popular em São Paulo, capital]. Leva o pessoal pra fazer compra em São Paulo porque aqui o comércio não oferece muito. Eu me considero campineiro, mas Campinas não oferece nada, não oferece comércio, não oferece lazer. A pessoa fala: “O que tem em Capinas?” “Tem a Lagoa Taquaral”. Só pra você ir lá e andar. Ela cresceu muito financeiramente. É cidade de transação bancária que cresceu, evoluiu muito. Mas o comércio de Campinas, acho que deixa muito a desejar em preço. Lá em Barão Geraldo - eu tenho o privilégio de morar ali - o que eu tenho ali? Tenho um Makro, o Atacadão, o Supermercado Tenda, o Iga, o Carrefour e está abrindo um outro grande lá, que eu não me lembro o nome. Estão a dez minutos da minha casa. Eu tenho um cunhado que mora lá no Campo Grande. O cara tem que atravessar a cidade inteira para ir ao hipermercado. Então, acho que ela é muito mal dividida, localizaram todos os grandes hipermercados de um lado. Você vê, ali tem o Ceasa, tem tudo, e esse lado daqui nada. Por aqui nessas regiões do Campo Grande, do Ouro Verde um dos mercados mais próximos que vão encontrar - já entrando aqui na cidade - é o Extra. Eu acho que é um comércio mal dividido. Agora estão fazendo outro aqui, mas parece que é o Extra, onde era o falecido Eldorado. Campinas tem muito comércio, mas a pessoa sai daqui vai a Serra Negra, vai a Salto, Itu, comprar vestuário. Campinas não oferece isso, para que as pessoas venham para cá. Não tem nada de extraordinário. O que tem é que as pessoas vem no Shopping Dom Pedro; fazem as compras, mas vêm pra visitar o shopping, pra conhecer. Inclusive, eu tenho uma sobrinha que mora em Goiânia, sai de lá em excursão pra ver o Shopping Dom Pedro (risos). Incrível
MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS
Quando me ligaram pela primeira vez, eu fiquei meio na dúvida, mas quando falaram sobre o Sesc que há muitos anos atrás já fui associado, quando eu era empregado, eu falei: “Não, então, se é um Sesc é uma coisa séria.” E, até depois estive conversando com o seu fotógrafo quando ele foi lá. Ele esteve me dizendo, mais ou menos como era o projeto, cheguei a ver esses livros editados, tal. Eu acho que foi uma satisfação dar essa entrevista. Eu acho que tudo que se faz, hoje em dia, pra guardar memórias, deveria fazer muito mais. Eu vejo algumas fotos de Campinas, não tão antigas, porque não estou tão velho (risos), de 35, 40 anos atrás, e a gente fica olhando... Deveria ter uma biografia maior dos grandes personagens de Campinas que eu conheci na minha época, como Mané Falaó, a Gilda e outros personagens tradicionais da cidade. Lugares como o Bar Rosário, o Bar Ideal, Café Caruso que não dá nem pra você contar uma história pra um filho seu, do que foi Campinas antigamente. Porque eu acho que Campinas está muito pobre de historiador, tinha o Lombardi Neto e alguns que já faleceram, que falavam muito de Campinas. Hoje o pessoal, acho que vive muito na atualidade. Não que você tenha que olhar pra trás, mas eu acho que recordar... Essa entrevista minha quando for publicada num livro, daqui a 20 anos, 30 anos, um neto da gente pode pegar e ler; pode falar: “Puxa, isso foi meu avô e tal.” Então, eu acho que o povo, hoje em dia, está evoluindo demais e estão esquecendo dos seus antepassados. Antes de ontem fez o aniversário da morte do Toninho [ex-prefeito de Campinas, assassinado]. Alguma rádio falou de manhã, outras nem comentaram... Quer dizer, foi um homem público da cidade. Deveria ter alguma... Nós temos memória curta, todo mundo esquece tudo muito fácil. Passou, passou, acabou. Mas tenho uma satisfação muito grande de fazer essa entrevista com vocês. E eu acho que é bem mais pra mim do que pra vocês, porque tanto comércio que tem em Campinas, eu tive a sorte de ser um dos escolhidos. É muito bom
Memórias do Comércio - Campinas (MCCAMP)
Vida de sapateiro
História de Altamiro de Freitas
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 05/08/2008 por Museu da Pessoa
P/1 - Senhor Altamiro de Freitas, primeiramente, nós gostaríamos de agradecer sua presença, e que o senhor nos dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome completo é Altamiro de Freitas, data de nascimento: 25 de maio de 1951.
P/1 - E onde o senhor nasceu?
R - Tupã, Estado de São Paulo.
P/1 - Quais os nomes dos senhores seus pais?
R - Meus pais “é”: Antônio Errmógenes de Freitas e Ana Maria de Jesus Freitas.
P/1 - Qual seria a origem da sua família? De onde eles vieram...
R - Vieram de Minas Gerais.
P/1 - O senhor se lembra de seus avós?
R - Não.
P/1 - Não.
R - Não, nenhum, nem maternos e nem paternos.
P/1 - O senhor tem notícia por histórias que contavam das atividades deles?
R - Não, porque minha mãe e meu pai vieram “pra” São Paulo, isso ainda na década, talvez, de 46, 47, e deixaram todo os parentes e nunca mais tiveram contato.
P/1 - Mas o senhor sabe do quê que eles viviam?
R - É, sempre lavoura.
P/1 - Lavoura
R - Lavoura.
P/1 - Lavradores.
R - É.
P/1 - Qual era a atividade do senhor e seus pais?
R - É, tanto o meu pai como minha mãe, os dois trabalhavam, né? Minha mãe, além de do lar, também trabalhava na lavoura.
P/1 - O senhor tem irmãos?
R - Tenho um irmão só.
P/1 - Qual é a atividade dele?
R - Hoje, ele é mecânico.
P/1 - Mecânico. E, o senhor nasceu em Tupã?
R - Tupã.
R/1 - Com que idade o senhor veio pra Campinas?
R - Com dois meses.
P/1 - Por que que o senhor veio? Como que a sua família decidiu vir, e por que Campinas?
R - Decidiu vir a Campinas porque, na época meu pai trabalhava em uma fazenda que “tinha” alguns compradores, trabalhavam em fazendas de bicho-da-seda, e tinha alguns compradores de Campinas que iam pra lá, e, através, deles ele pegou amizade com aquele pessoal, e arrumou aqui num sítio, que era um sítio recém formado de uma família, arrumou a casa e o trabalho pra ele e minha mãe aqui no sítio, então, eles resolveram vir aqui pra Campinas.
P/1 - E qual era a cultura? Era agricultura de algum setor...
R - Não, esse que ele veio aqui pra Campinas era um sítio de “prantio” geral, desde de chácaras, verdura, até pomar com frutas...
P/1 - Eles chegaram a contar pro senhor, as impressões que eles tiveram quando chegaram à cidade de Campinas?
R - É, geralmente, eles comentavam que ficaram até um pouco impressionados, que era muito porque eles tinham vindo de pequenas cidades de Minas. Aí passaram por algumas cidades aí na Central como, Tupã, Duartina, cidades pequenas, né? Então, quer diz, encontraram aqui em Campinas uma cidade maior do que a que eles tinham conhecido, vivido já, né?
P/1 - O senhor veio pra Campinas, então, com dois meses em 1951.
R - Cinqüenta e um.
P/1 - O senhor poderia nos contar como era a cidade, o bairro que o senhor morava, quando o senhor era pequeno ainda, quando o senhor era criança, o senhor tem em memória...
R - É, de criança, que eu tenho memória, mais ou menos, de idade de 5 a 6 anos que eu já morando em Barão Geraldo que é onde eu sempre morei, e eram dois ou três armazéns, uma estação ferroviária, muito poucas casas, quer dizer, os dois ou três armazéns, geralmente, eram pra suprir, não da cidade, mas mais os sítios, né, que rodeavam as fazendas, a fazenda santa Genebra que é uma fazenda muito, era uma fazenda muito grande, né, que inclusive uma parte dela hoje é Universidade de Campinas (Unicamp), que é onde é a fazenda Santa Genebra, outra parte é a Costa e Silva, outra parte é a Vila (Cury?), a outra parte aqui, é onde é o Centrais de abastecimento de Campinas S.A. (Ceasa). Então, no meu tempo de garoto, aí, idade de sete, oito anos, eu saia muito com a minha mãe e a gente ia nessas partes das fazenda, principalmente, em época de algodão, apanhar, algodão, que hoje são tudo, praticamente, cidade, inclusive o Shopping Dom Pedro também.
P/1 - Naquele local?
R - Naquele local. Então, são umas lembranças que eu tenho. E Barão Geraldo era muito pequeno, com três armazéns, parece, do seu Paulo (Lanza?), que é um dos antigos; (Gebraé Mocarzel?), e tinha também, era Francisco de Barros, que tinha um, acho que era o primeiro bar, porque os outros eram armazém, né, e ele montou um bar, Francisco de Barros.
P/1 - Algum deles ainda persiste?
R - Olha, eu acho que vivo dos mais antigos, não.
P/1 - E os estabelecimentos?
R - Os estabelecimentos... deixe-me ver, também não, também não, não persiste. Aí, até mesmo a padaria, que tinha uma única padaria do seu Miro, que hoje estão com os filhos, mas é um outro tipo de comércio. Então, dos antigos, eu acho que não, não têm mais. Eu não sei, talvez, o Paulo (Lanza?), eu não sei se ainda é vivo, mas não tem mais o comércio, os filhos dele que têm, que hoje têm uma imobiliária, até uma das maiores de Barão, que é a imobiliária (Lanza?), mas são dos filhos.
P/1 - O senhor falou, descreveu bem o seu bairro, Barão Geraldo. O senhor tem lembrança de como era a cidade quando o senhor era pequeno, criança?
R - Olha, cidade, eu vim tomar mais conhecimento a partir dos 12 anos, quando eu vir trabalhar cidade. Aí eu vim trabalhar aqui em Campinas na Rua Barão de Atibaia, esquina com a Avenida Brasil, e a Avenida Brasil ainda era uma mão só, não era asfalto, era paralelepípedo, e isso foi 1962. E eu fiquei por uns seis meses trabalhando ali, depois eu fui trabalhar na General Osório, 1211, uma sapataria que foi muito famosa aqui em campinas, chamada sapataria do, era conhecida como Sapataria Expresso Paulista, mas era conhecido como a Sapataria do Romeu. Então, naquele tempo, a cidade também tinha, mudou-se muito, né? Que a gente descia a rua e eu era uma quadra pra baixo do Café do Povo, que não existe mais, e muitas outras coisas que tinham naquele tempo que não, quer dizer, que foram mudando, né, inclusive, grandes bares, grande, restaurante que eram muitos famosos naquele tempo, que já não tem mais hoje, né? Então Campinas mudou, Largo do Rosário era completamente diferente, os ônibus coletivos era muito pouco e ainda era da Companhia Campineira de Transportes Coletivos (CCTC), né, Companhia Campineira de Ônibus, e tinha o bonde. Eu fazia inclusive muita entrega de bonde, como a gente era garoto, o patrão dava dinheiro pra gente ir pra um bairro como, aqui o Botafogo, outros bairros assim distante que tinha bonde, e a gente preferia ir de bonde porque, o bonde muitas vezes você conseguia ir sem pagar, né, porque passava de um lado, passava pra outro. Mas conheci Campinas bem, onde o Centro, principalmente, o centro das atenções das pessoas que viam dos bairro, das fazendas, era o Mercado Municipal, né? Quer dizer, na época não tinha terminais nada, quando eu comecei a trabalhar tinha o Mercado Municipal, e aonde é o terminal lá do Mercado hoje, antigamente era um colégio, chamava Correio de Melo. Então, são boas lembranças que eu tenho de Campinas, assim, quer dizer, mudou muito, né, daquela época pra hoje.
P/1 - O senhor começou a trabalhar muito cedo, seu Altamiro, mas o que o senhor gostava de fazer quando era criança? Que brincadeiras? O senhor tinha muitos amigos? Como era?
R - Eu tinha, eu, praticamente, é o seguinte: depois que minha mãe se casou pela segunda vez, a gente saiu do sítio que a gente morava, e foi morar num bairro em Barão Geraldo mesmo, então, tanto a minha mãe, como meu padrasto trabalhava na cidade, e eu tinha um irmão que na época já morava fora, ele morava com umas pessoas aqui no Botafogo, trabalhava, e morava aqui. Então, eu, praticamente, era sozinho em casa, e eu fui, praticamente, criado aquele menino, aquele moleque de rua. E, pensei em mil, tinha adoração, como todos na minha época, os meninos tinham muita adoração por caminhão _________, e pensava muito em ser motorista, e a única coisa que eu nunca pensei em ser foi sapateiro (riso). E aí, minha mãe me trouxe aqui na cidade que ela conheceu essa pessoa que era sapateira, através de uma pessoa, conheceu, me trouxe, e me falou pro senhor, falou: “Olha se o senhor quiser ficar com ele aí pra trabalhar, você só me paga a passagem de ônibus que eu não tenho condição de pagar, e ele fica por aí trabalhando pra aprendendo alguma coisa, porque em casa ele não tem o que fazer, fica na rua, tal”. E aí, eu comecei a trabalhar com ele, e isso em 62, em maio, e, graças a Deus, fui bem. Primeiro mês, já tive um ordenado, e comecei a, um ordenado que foi uma coisa mais gozada, eu recebi 25 cruzeiros, e cheguei em casa e dei pra minha mãe, no outro dia minha mãe perdeu o dia de serviço pra voltar comigo no serviço pra perguntar se, realmente, ele tinha me pagado aquele dinheiro (riso). Então, era assim pessoa muito enérgica, sabe, gostava das coisas muito direito e...
P/1 - Que bom.
R - Eu tô há 44 anos nisso, e se for preciso, se fosse pra trocar de profissão hoje, eu preferia a mesma, gosto muito do que eu faço.
P/1 - E o senhor brincava do que, na verdade? O senhor chegou a brincar...?
R - Não, eu era um menino muito, brincava muito, e em sítio a gente brincava muito de pega, a gente ia nadar, a gente ia, tinha fruta onde a gente morava, mas ia pegar fruta no pomar do outro, que era mais gostoso. Mas aquela brincadeira bem sadia, bem coisa que não se vê mais em menino, brincadeira de artes e molecagem de moleque, sabe, sem nada de hoje como o pessoal, os meninos mais sábios vêem muita televisão, muita Internet, no meu tempo, não, no meu tempo era aquelas brincadeiras comum, prá fazer um carrinho eu... Naquela época o lixo de Campinas, a maioria do lixo de Campinas, isso na década de 56, 58, por aí, eram vendido pras chácaras, a maioria em barão Geraldo, porque naquele tempo, o lixo não tinha plástico, então, ele apodrecia e virava húmus e esterco, e o sempre sítio ali mesmo onde eu morava, e outros sítios vizinhos pegavam o lixo, e agente que era menino ia muito pro lixo, então, no lixo a gente achava brinquedo velho, brinquedo quebrado; comia muita coisa que vinha no lixo, que criança daquele tempo não tinha oportunidade que os outros têm, então, se achava alguma coisa diferente, uma bala, não interessava se estava no lixo (riso), então, comia, e achava pedaço de carro porque ninguém tinha condições de ter hoje, os carrinhos, principalmente a gente que morava em sítio, fazia só prá comer, né, e fazia os brinquedos, até mesmo aqueles filtro de óleo de caminhão que tem um furo no meio, passava um arame, pra que tudo era brinquedo. Então, era muito assim, era uma coisa, se a gente analisar e dizer pra uma criança o que a gente fazia naquele tempo, eles não quer nem olhar, mas prá gente era muito porque não tinha outra coisa, né, ninguém tinha nada assim de especial, de poder comprar um carrinho, chegava fim do ano, no Natal, às vezes, o pai comprava lá, aqueles que vendiam muito aí no mercadão, uns carrinhos de madeira, uns caminhãozinho e, mas era assim. Mas a vida, assim, de moleque, assim, muito ativa, sabe, de caçar passarinho, fazer armadilha prá caçar passarinho, prá caçar com estilingue e, às vezes, trabalhar também, porque principalmente uma idade já de seis, sete anos, menino naquela época, quando chegava a época de algodão, ia tudo pro algodão, catar algodão junto com a mãe, tal. Mas era uma vida, assim, de criança de bem menino, assim, da minha época, né, porque hoje é completamente diferente.
P/1 - O senhor disse que vivia em Campinas e tem lembranças de Campinas. O senhor se lembra das lojas que o senhor ia com a sua mãe em Campinas? Fazer alguma compra...O quê que o senhor lembra?
R - Olha, eu lembro de uma loja, mas não era bem uma loja, era um empório, muito grande que a gente ia, General Osório com José Paulino, chamava, Sebastião Maria. E a gente vinha de Barão Geraldo a pé, que era estrada de terra, a ligação entre Barão Geraldo e Campinas era terra, e a gente vinha a pé, e ia pra esse empório chamado Sebastião Maria, e era muito. Eles tinha desde de pneu de bicicleta, bala de revólver, o que se pensasse, era como se fosse um hipermercado hoje, só que era um armazém, e até ele depois ele se acabou, que ele foi vendido por uma ________calçados, que depois incendiou-se também, hoje ali é outra coisa. Mas eu me lembro bem que vinha isso daí, mais ou menos na década de 55, 56, mais ou menos, e a gente vinha nesse empório. Agora as loja que comprava, geralmente, naquele tempo era difícil, quase todo tipo de compra era feito no mercadão, então, era roupa, tudo, e o pessoal que vinha das cidadezinhas circunvizinhas, assim de distrito como eu de Barão, o pessoal não se expunha muito em andar na cidade pra outra coisa, então, localizava tudo no mercadão, tudo o que tinha que comprar se fazia ali, não saia muito assim como hoje, né, varia, outros lugares diferentes.
P/1 - O senhor se recorda se a sua mãe, ou alguém da sua família, costumava fazer compras em São Paulo?
R- Não, não fazia. Naquele tempo São Paulo, pra nós, era muito diferente, era uma coisa muito longe (riso), muito distante, sabe?
P/1 - Certo. O senhor se lembra das escolas que o senhor freqüentou? O senhor freqüentou escola em Campinas, em Barão Geraldo...?
R – É, eu freqüentei escola só mesmo em Barão Geraldo. Eu freqüentei antes de fazer o primeira escola grande em Barão Geraldo, tinha uma escola, que hoje é uma firma em Barão Geraldo chamada (Sun Sing New?), que era do seu (Gibraé?). Esse que é (Gibraé Mocarzel?), e ele cedia duas salas pra que tinha começo que tinha aulas prás crianças. E depois disso foi construído um ginásio que chama Grupo Escolar Barão Geraldo Rezende. Aí eu me mudei dessa escola, que era duas salas, já mudamos pra esse Grupo escolar, que é uma escola grande, que até hoje tem em Barão. E lá eu tirei o meu diploma de quarto ano e, também não freqüentei as outras, conheci muito as escolas aqui da cidade, mas sem ter freqüentado, só foi mesmo em Barão Geraldo.
P/1 - O senhor disse que a sua mãe o levou pra uma sapataria. O senhor acredita que ela tivesse uma intenção? Que o senhor seguisse essa profissão como ela disse pro proprietário de estabelecimento? Ou ela queria que o senhor se ocupasse?
R- É, realmente, ela queria que eu me ocupasse. Mas só que naquele tempo era muito difícil tipo de trabalho. E esse, minha mãe sempre falava pra mim que jamais ela queria que eu fosse. Criasse na lavoura igual a ela foi criada. Então, na época, foi logo que eu tinha tirado diploma. Naquele tempo um diploma de quarto ano de escola era uma grande coisa. Então, ela disse: “Você sabe ler, você sabe escrever, você tem que arrumar um serviço melhor, e você tem que arrumar um serviço na cidade que é pra você conhecer a cidade.” Porque, inclusive, em Barão Geraldo existiam pessoas com 30, 40 anos que não vinham pra cidade, que tinham medo da cidade, não tinham medo de andar, não conhecia, né? E minha mãe achou que seria uma abertura pra mim, começar naquela sapataria que, inclusive, o dono falou: “Ah, eu não tenho muito serviço, mas ele vai ficar aí prá desmanchar algum serviço, prá fazer alguma entrega”. Mas eu acho que, realmente, o ela queria mesmo era que eu não tivesse o mesmo futuro, talvez, de outros garotos que continuaram trabalhando na lavoura, né? Se a lavoura fosse nossa era outra coisa, mas a gente era empregado. Então, às vezes, os pais pegavam uma empreitada prá fazer, e levava os filhos pequeno pra ajudar, né, mesmo sem um ganho, tal. Então, eu acho que, talvez, ela pensando mais assim numa liberdade pra mim mais pro comércio, um aprendizado, conhecer melhor a cidade...
P/1 - O senhor disse que se o senhor tivesse que voltar, o senhor assumiria a mesma profissão.
R - Sim.
P/1 - O senhor sentiu desde o início uma inclinação?
R - Olha, eu senti assim, coisa assim de uma semana, por incrível que pareça, eu já estava, não sei se talvez por ter sido o meu primeiro serviço, mas eu já estava me apaixonando por aquele que eu fazia, e fazia cada vez melhor, e cada vez mais. Tanto é que com, mais ou menos, cinco meses de serviço, uma pessoa que trabalhava nessa sapataria, que era no Centro, me vi trabalhando, e comentou com esse senhor que era dono dessa sapataria que era uma das, aliás, a maior sapataria que teve em Campinas, e comentou, falou pra ele: Olha, tem um neguinho trabalhando, assim assim assim, ele é bom. Você não quer trazer ele prá cá?”Ele me convidou, que na época, eu sei que ele me ofereceu três vezes, talvez mais do salário que eu ganhava. Aí eu fui trabalhar com ele.
P/1 - E o senhor se lembra do nome dessa sapataria?
R - Lembro. Essa que é a Sapataria Expressa Paulista, ficava na Rua General Osório 1211. E o proprietário dela é vivo até hoje, chama-se Romeu Mosqueta. E lá, eu fiquei por seis anos.
P/1 - E a sua juventude? O senhor falou do seu trabalho e aí...
R - É, a minha juventude foi assim, uma juventude...não, talvez, tumultuada. Eu saí de casa em 1969, fiquei quatro anos e meio fora de casa. E nesses quatro ano e meio, eu andei 20 Estado do Brasil. Então, eu ia trabalhando, pegava um dinheirinho, trabalhava um mês, 15 dias, dois meses, às vezes, algum lugar, pegava algum dinheirinho que desse pra ir prá um outro lugar, e eu ia pra um outro lugar, e assim foi passando...Durante esses quatros anos e oito meses, eu rodei 20 Estados, fui do Oiapoque ao Chuí, desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte.
P/1 - E como nasceu essa idéia?
P/1 - Vontade de conhecer. Sempre pensava em conhecer, em conhecer. E, um dia, trocando idéia com uma pessoa, ele falou pra mim: “Não, mas por que que você não vai trabalhando?” E, nessa época que eu fui, era muito fácil o trabalho de sapateiro, não é como hoje. Hoje, não é que o trabalho é difícil, difícil são os profissionais prá trabalhar, porque existe muito poucas. E na minha época, não. Existia em muitos lugares, porque, a maioria dos sapateiros não só consertava, como eles faziam calçado. Então, você ia numa cidade, pedia serviço, não tinha, outro tinha, e você trabalhava ali alguns dias. E nisso eu fui passando. Onde que eu fiquei mais tempo, foi sete meses, que eu fiquei no Rio Grande do Sul, que lá na época também, um pólo de trabalho era muito maior. Mas, e depois, tive um tempo, uma fase na minha vida, que eu fui por, acho que uns 15 anos eu fui alcoólatra. Trabalhava normalmente, tudo, mas só que bebia muito. E depois de, quando eu estava com 32 anos, eu me amasiei com a minha esposa, que eu estou até agora, que vai fazer 26 anos que nós estamos juntos. E ela conseguiu tirar o alcoolismo de mim, que foi muito bom. E na época, eu trabalhava de empregado também, numa grande sapataria aqui de Campinas que até hoje, aliás, é a maior sapataria aqui de Campinas, que é a Sapataria (Mugui?). Eu trabalhava muito tempo aí, e, por incentivo do meu próprio patrão, eu resolvi abrir uma sapataria pra mim. E, comecei aos pouco, tal. Hoje em dia, eu tenho quatro funcionários, tem mais minha esposa que ajuda, graças a Deus, tenho além da minha expectativa.
P/1 - O senhor, além de viajar, que foi uma experiência fascinante, né, que o senhor teve. O senhor freqüentava bailes? Como eram as suas outras distrações?
R - A outras distração meu, bom, sempre foi, quer dizer, na minha época, principalmente, um assíduo freqüentador de bar. É...tomava conta de time de futebol. É...participei muito de comunidade, tanto comunidade de jovens católico, como sociedade amigo do bairros, cheguei a ser presidente da Sociedade Amigos do Bairro. Cheguei a participar de congressos em Brasília, da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), que era Conselho Nacional de Moradores. É...sempre tive muito envolvimento com o trabalho político. E, aquele trabalho não pra mim, trabalho político prá comunidade, era necessário, a gente, principalmente, time de futebol, precisava de um jogo de camisa, dumas bolas. Então, nós ia atrás dum político, quando era época de eleição, vamos trabalhar pra você, tal. Então, eu tive muito envolvimento com isso. Trabalhei em circo, como palhaço por alguns___. Quando o circo era ao redor de Campinas, eu sempre ia, e o pessoal já me conhecia, e fazia participações neles. Nunca viajava pra longe, mas sempre quanto estava aqui por volta. Ah...sempre assim muito...é uma vida assim muito, muito regrada a alegria, e festas, e coisa e tal, gostava muito. Eu era muito divertido em partes de excursões que hoje quase não têm mais. Então, o pessoal fazia uma excursão prá Santos, principalmente, ele me dava uma passagem de graça pra mim, só porque eu ia bagunçando, ia cantando, então, o pessoal gostava muito. Então, eu sempre fui uma pessoa muito descontraída, sabe? E, tive uma juventude, apesar de ter perdido muito tempo nessa juventude com o alcoolismo, mas mesmo assim, eu tive uma juventude ótima.
P/1 - O senhor viajou muito. O senhor se lembra quais foram os meios de transporte que o senhor usou? O senhor viajou, mais ou menos, em que período?
R - Olha, eu viajei, mais ou menos, de 68 a 73. Eu acho que tive todo o tipo de transporte, muito mais de ônibus, né, ônibus, a pé, carona, e até mesmo de charrete, de jegue, que eu fui pro Norte, Nordeste, também. E tive todo esses tipo, mas a maioria mesmo foi de ônibus.
P/ 1 - O senhor chegou a andar de trem?
R - Cheguei.
P/1 - Como era a viagem? Como o senhor via a vigem? Como o senhor se sentia na viagem?
R - Olha, eu acho a viagem de trem maravilhosa. Se tivesse hoje pra todo quanto é lugar, jamais eu iria num ônibus se tivesse o trem. É uma viagem, é lenta, quer dizer, lenta dos trens de antigamente, né? Mas muito confortável, onde você pode sair, você pode ir a um toalete, você pode ir a um restaurante, e voltar. Então, eu acho ótimo! Eu acho que é uma perca irreparável tirarem os trens de circulação como tiraram.
P/1 - Quando o senhor ia pro trabalho, o senhor ia de bonde, também?
R - Não, porque quando eu ruia pro trabalho, já morando em Barão Geraldo. Em Barão Geraldo não tinha, tinha na época já não tinha mais o trem que seria em 62 prá 63. Já tinha excluído os trem, então, a gente vinha de ônibus, porque Barão Geraldo não tinha ônibus. O ônibus vinha de Paulínia, passava por barão pra vir a Campinas.
P/1 - O ônibus vinha por qual estrada?
R - Hoje, chama-se, a Rodovia Milton Tavares, ele vinha por aquela estrada. Só que na época, uma estrada sem asfalto, de uma pista só, né, sem asfalto, de terra. E, se eu não me engano, quando foi o asfalto de Barão Geraldo a Campinas, foi em 1960, no governo de Rui Novaes que foi inaugurado o asfalto de Capinas a Barão Geraldo, que antes não tinha, era terra.
P/1 - Quando o senhor ficou morando em Campinas, e o senhor conheceu a sua esposa... O senhor podia contar um pouco como foi esse encontro com a sua esposa que foi tão importante pra sua vida?
R - É, realmente, foi...Eu, na época, eu coordenava uma comunidade de jovens. E, eu tinha uma amiga que me ajudava na comunidade, e a minha esposa tinha separado, acho que há três anos do marido, e ela se sentia muito sozinha, tal. E ela convidou ela prá ir à comunidade prá se enturmar mais com o povo, apesar de que ela tinha dois filho. Tem uma menina, na época, com quatro anos , e o menino com um anos e pouco. Aí, ela começou a freqüentar, e a gente começou a se conhecer... E num Natal, nós fizemos uma festa na minha casa. E ela foi. E eu comprei um ramalhete de flores, que eu já estava gostando dela, e levei pra ela... E dali, a gente começou a se entender, a se conversar...E depois de seis meses, aí eu fui morar com ela. A gente alugou uma casa. E não tinha condições de muito, os dois, que eu também trabalhava de empregado, ganhava pouco, mas achamos uma casa. Aí, eu fui morar com ela. Aí, eu comecei a minha vida, dali. E quando a gente foi morar, a gente dormia os dois numa cama de solteiro, porque não tinha de casado, e nem, nem condições (riso) de comprar. E dali, ela trabalhava, e eu comecei a, mesmo trabalhando de empregado, fazendo uns bicos, à noite em casa, consertando sapato, e ela me ajudava. E ela trabalhava de manhã fazendo faxina, à noite, ela ia à casa da mesma pessoa prá ficar com as criança, prá pessoa fazer faculdade. E, me ajudando sempre, como até hoje me ajuda. E, graças a Deus, a gente conseguiu, hoje, ter uma boa casa, ter um, né, um comércio com portas abertas, dá serviço prá mais quatro, cinco pessoas. Mas tudo isso, eu devo muito à ela também, que ela fazia, sempre fazia um esforço tremendo. Até hoje, ela fica em casa, às vezes, na maioria dos dias até a hora do almoço, e depois do almoço, ela vai lá pra sapataria. E ela faz pintura, ela conserta bola, ela faz sapato, faz tudo. Então, realmente, e nós temos uma filha, que é a nossa filha de nós dois, que tá com 20 anos, a caçula. E tem uma outra, que é só filha dela, com 29, que deu prá nós um neto, que ta há dois ano e meio, que é a xodó da casa. Mas eu me considero um vencedor em tudo, que eu comecei. E num lembro que eu era bem pequeno, meu pai sempre dizia prá nós, prá mim e pro meu irmão: “O negro não pode fazer bem, ele tem que fazer melhor Ele tem que ser melhor em tudo prá nunca ele ter preconceito”.E, realmente, eu pus isso na cabeça e, realmente, eu nunca tive. Se eu tive, eu num fiquei sabendo (risos). Porque eu sempre procurei andar direito com as minhas obrigações, né, trabalhar...Hoje eu sou um cara, praticamente, uma das pessoas de, comercialmente, se alguém perguntar, mas uma das pessoas mais conhecidas de Barão Geraldo, em matéria de comércio, que todo mundo me conhece. E, eu tenho que agradecer muito isso a Deus, e a minha esposa que me ajudou muito, e meus cliente, né, que sempre me prestigia. Eu nunca tive oportunidade de ter propaganda, nada, era sempre...a propaganda era meu trabalho.
P/1 - Certo. Quando o senhor começou, a sua esposa o ajuda. O senhor tinha mais algum funcionário no seu estabelecimento? Naquele que o senhor conseguiu fundar, que o senhor conseguiu abrir?
R - É, esse que é o (Rocinval?). O funcionário mais antigo que eu tenho é o (Eric?). Ele começou a trabalhar comigo com 13 prá 14 ano. Tá com 15 anos que ele trabalha comigo, de estrada. E, depois deles, uns entraram, saíram, mas fora ele, eu ainda tenho mais três funcionário.
P/1 - Certo. E quando o senhor abriu a sua sapataria, o senhor se lembra o ano, exatamente?
R - Olha, eu abri em 1990... 86... Foi em 88, eu comecei a trabalhar por conta, mas eu não era, eu trabalhava na minha casa. Só que meu serviço era muito pouco. Então, eu fazia bico em outras sapatarias por fora, dois, três dias por semana, trabalhando pra algum outro sapateiro. E fazia o meu serviço em dois ou três dias. Às vezes, à noite, pra poder me manter. Aí, o meu estabelecimento, foi aberto, mesmo, em 94. E aí, foi já quando logo depois já tive que pegar esse rapaz, que trabalha comigo. E ele que antes de 94, já tinha pego ele, mas eu não tinha uma abertura de firma nada. Depois que a coisa foi dando certo , quando começou a engatilhar, então, que eu fiz abertura de firma. E tô batalhando até hoje, graças a Deus.
P/1 - Se for possível, o senhor poderia nos contar quais foram as transformações que o senhor observou no seu estabelecimento, na sua sapataria, desde a sua fundação até hoje?
R - Olha, o que eu___________,o acrescento de trabalho muito grande, né, muito. Ah...o que mais que seria? Muito mais dinheiro, muito mais preocupação, muito mais despesa (risos). Talvez, eu não sei, eu acho que eu... fui um cara abençoado por Deus, assim com muita sorte, sabe, de ter montado um comércio, apesar de que eu conhecia, é...de sempre ser morador de Barão Geraldo, tal. Mas a maioria dos meus fregueses não são nem pessoas antigas, que me conhecia de antigamente, são pessoas nova, da Cidade Universitária. E, eu dei muito certo em Barão, porque sapataria só dá certo em lugares assim, onde tem classe média e média alta, que duas classe não conserta sapato, nem rico e nem pobre.
P/1 - Por que?
R - Porque o pobre já compra um sapato que, uma que já não tem conserto, uma coisa muito barata. Então, não tem como consertar, e o rico? O rico não conserta barato, não conserta o sapato, o rico que eu digo, é o bem rico. Então, o sapato fica entre a classe média, e a classe média alta. Porque você comprando um sapato de 50, 60 reais, então, compensa você gastar dez, cinco reais. A madame já compra um sapato de 200, 300, ela gasta até 20, 30 conto num calçado. Então, uma pessoa que montar uma sapataria num bairro pobre, ele passa fome. É mesma coisa, sair aqui e montar___. Agora o bairro rico, não, porque o bairro rico, hoje em dia, ele é o bairro, nome de bairro rico, mas, geralmente, quem mora nele são classe média alta, né? Como a Cidade Universitária é tido como um bairro de rico, mas é classe média alta. E os rico, que eu digo, são aqueles milionário que nem sabe que existe sapateiro, né (risos), porque não precisam disso. Apesar de que eu tenho bastante fregueses de posses, né, financeira, que vai lá consertar sapato comigo, entendeu? Tem, inclusive, têm muitos, ali em Barão Geraldo, têm muito artistas, têm, têm muitos artista, pessoa famosa. Até mesmo perguntaram: “Não, mas quem que ta aí consertando a mala, e coisa, e tal?” Falei: “Não é fulano, assim”. Então, vão, sabe, as pessoas vão lá, gente famosa. Inclusive, Barão Geraldo tem tido muito artista. É...bem perto de onde eu tenho a sapataria têm três companhias de teatro.
P/1 – Ah, fala um pouco sobre isso senhor Altamiro.
R - É, têm três companhia de teatro. Tem o (Lumi?), que é da Unicamp. Tem o Barracão do Teatro, que são escolas também de teatro, né? E tem o teatro da Verônica, que inclusive, agora, ela comprou uma casa ao lado, que ela tá fazendo pra ela como um salão mesmo pro teatro. Então, lá é dado de muito pessoal que vive de arte, né? Muitas pessoas da Unicamp. Muitas pessoas famosas da Unicamp no seu, cada um no seu... Que vão lá, que levam o calçado pra mim que, né? Inclusive, um senhor que tá sempre na televisão, aí, que, além de freguês, é meu amigo, que eu morei vizinho dele, que ele é Pró-reitor da Unicamp, seu (Morramed?). E, várias pessoas importantes, sabe? Que vão, e, realmente, é como digo: “São pessoas importantes, e que dão importância pra gente também”. Porque______a gente faz o trabalho pra gente, né? Porque por mais importante que a pessoa seja, ninguém vive sozinho, né?
P/1 - É verdade.
R – Mas é muito bom. Eu me sinto muito lisonjeado das pessoas me freqüentar. Esse aqui de Campinas que é, inclusive, quem perguntou foi esses dias nas vésperas das Olimpíadas, o Maurício do Vôlei. Ele esteve lá, inclusive, minha filha foi lá pedir autógrafo prá ele, tal, sabe? Então, são gentes assim, pessoas bacanas que têm um certo conceito, um certo conhecimento, né, e que dão preferência pra gente. E Barão Geraldo tem outra coisa de bom, que o povo que mora em Barão Geraldo, principalmente, o povo da Cidade Universitária, eles dão muita preferência pro bairro. Porque existem bairros que eu conheço de Campinas, que a pessoa sofre muito porque a pessoa deixa o que tem no bairro, e vai dar preferência ao Centro da cidade, e outros lugares. E Barão, não, o pessoal, principalmente, aquele pessoal da universidade, eles fazem tudo pra que não precise sair de Barão. Então, agora, o refúgio deles, um pouco, é Barão e o Shopping Dom Pedro, né, que é bem pegado, né?(riso) Têm muitas das coisas também que as pessoas podem ir. Mas é muito gratificante. Eu sempre tenho a dizer que o povo de Barão Geraldo pra mim, me acolheu duma certa maneira... e a gente procura retribuir o máximo, né pra conservar, porque eu construí uma freguesia fantástica e, às vezes, o duro é conservar a freguesia. E eu tô tendo de uns tempos prá cá, muito problema, porque eu não tenho mão-de-obra. Na minha profissão, não existe mais mão-de-obra especializada. Então, às vezes, é muito serviço prá pouca gente trabalhar.
P/1 – E, por que o senhor acredita que não tenha interesse em aprender esse ofício? As pessoas não têm tanto interesse como antigamente...
R - Não, não tem interesse porque, o seguinte, isso, pros países subdesenvolvido, já é passado, né? Como na Europa, dificilmente, se acha um sapateiro coisa e tal, não tem mais, né? E aqui o que acontece, uma: nessa nossa profissão, é muito difícil um garoto se interessar por aquilo. Antigamente, os garotos se interessavam, até porque, eram engraxates. Então, já partia daquela coisa de engraxar sapato prá entrar numa sapataria. E hoje, nem engraxate existem mais, né? Então, hoje em dia, as suas poucas profissões que se dizem profissões sujas, suja porque é mão-de-obra, trabalha com a mão, se suja, tal, que os garotos querem, a única coisa que eles pensam é oficina mecânica. Não tanto pela oficina mecânica, como pela mecânica, prá dirigir um carro, por um carro pra dentro da oficina (risos), tirar, aprender a dirigir. Então, eles se interessam, mas na minha profissão, não se interessam. E o grande problema hoje, é que a maioria como nós, que temos nossa sapataria um pouco maiores, nós não temos condições de ensinar. Você tem que pegar alguém que resolva, porque se você for parar prá ensinar, então, você se atrasa. E o interesse, também, é muito pouco, viu? É aquela coisa de, às vezes, passa a mãe lá fala: “Oh, você não tá precisando de um garoto pra ensinar?” Mas é mais aquela coisa de tirar o garoto da rua. E você traz ele pra ensinar, primeira coisa que ele entrar, ele já pergunta pra você: “Quanto é que eu vou ganhar? Quê que eu vou fazer? Quê hora que eu vou sair? Quando que é minhas férias?” Então, é muito difícil, sabe (risos)? É, hoje em dia o pessoal, o negócio da informática, tal, né? Então, é por isso que dificulta. E os velhos profissionais da gente, o que não estão...
Troca de fita
P/1 - O senhor estava falando, então, que o senhor gosta muito de Barão Geraldo, que o senhor foi muito bem recebido, e que o senhor, hoje, encontra bastante dificuldade em transmitir esses conhecimentos que o senhor tem. O senhor percebe com os seus clientes que existiram algumas transformações naquilo que eles querem, em relação aos consertos dos sapatos? Ou o senhor acredita que tenha ficado sempre do mesmo jeito, desde que o senhor começou?
R - Não, não. Tenho tido algumas negligências sim. Porque quando eu comecei, eu fazia. Hoje, praticamente, eu não sento mais prá fazer o trabalho, eu administro o trabalho. E, eu fico focado só no balcão, só no atendimento. Até assim mesmo, ainda tem um, às vezes, mais um ou dois prá me ajudar a atender. Então, passa-se despercebido, muitas das coisas, às vezes, por causa, talvez, da correria. E eu tenho tido, até mesmo, reclamações de freguês, que diz: “Ah, mas quando o senhor fazia não era assim, tal”. E isso acontece, mas isso é a conseqüência do aumento e, às vezes, você não... É muitos, a quantidade minha, seria, mais ou menos, de 70 a 80 pares de sapato por dia. Isso, 20, 30 bolsas, bola, mala. Então, às vezes, as coisas são muito pra mim administrar. E eu tenho assim comigo consciente, de que eu cresci muito, desordenadamente. Eu não imaginava, o crescimento foi aparecendo tão rápido, que eu não tive um tempo prá parar, e começar a pensar de ter outra pessoa prá dirigir, ter uma pessoa pra ficar no balcão. Tanto é que eu tento deixar uma outra pessoa no balcão, no caso, supor, poder trabalhar, mas eu não consigo. Porque o pessoal chega, quer falar comigo. Então, se torna-se difícil. Então, eu tenho consciência de que tenho algumas falhas. Mas, geralmente, com uma boa conversa, a gente acaba explicando pro freguês, e o freguês acaba entendendo, né? A gente pode é não perder o freguês, né? O freguês, como diz que “o freguês sempre tem razão”. Sempre tem mesmo, que eu dependo dele. Então, ele vai, às vezes, o serviço não tá pronto, às vezes, não tá de acordo como ele quer. A gente conversa, fala: “Não, o senhor vem apanhar mais tarde, ou eu mando ele entregar na tua casa”. Ou se o serviço, a gente vê que foi feito de um modo que não é o correto, fala: “Não, o senhor vai deixar aí, que eu vou reparar isso aí pro senhor”. Tiro, mando fazer de novo tudo. Mas eu acho que não só a minha profissão, todo tipo de profissão tem sempre uma divergência, de um freguês que gosta de uma coisa, que não gosta. Inclusive, eu conserto algumas calçados, também, prá algumas lojas. Que o pessoal vai lá, compra sapato, o sapato vem com defeitinho... Então, às vezes, eles mandar na fábrica que, às vezes, é no Sul, às vezes, é em Franca... Então, pequenas coisas, eles mandam pra mim, e eu faço os reparo. Eles diz que é o mesmo problema da gente. Acontece também, a pessoa vende sapato, a pessoa vai lá, vai brigar com o vendedor_______. Às vezes, ele nem sabe qual o defeito que é, porque existem defeito de sapato mínimos, né, coisa que o vendedor também ta vendendo...ele é um vendedor de sapato, né? Então, às vezes, ele não sabe que o sapato, às vezes, tá com uma tirinha começando a descosturar, que precisava olhar, tal. Mas eu acho que são conseqüências do comércio, em geral. E lidar com o publico é uma questão de arte, que é muito difícil, e é muito gostoso, mas é muito difícil. E agente encontra pessoas de todo tipo, né? Pessoas que elogiam, pessoas que criticam. E a gente tem que rebater as críticas com os elogios, e tocando o barco.
P/1 - É verdade. O senhor falou que o senhor conserta bolas, malas, bolsas, sapatos... O senhor percebe umas mudanças nas solicitações, naquilo que os clientes pedem mais pra consertar hoje em relação ao que eles pediam pra consertam quando o senhor começou? Eram os mesmos artigos que o senhor consertava?
R - Não, não. Na época que eu comecei a trabalhar, eram muito poucos os consertos de sapatos, eram, geralmente, de sola. Mas eram coisa que aturavam muito. Saltinho de mulher, principalmente. O saltinho começou a aparecer bem depois de 65, 66, que houve uma mudança de salto fino pra... Mas eram muito poucas as pessoas. Eu inda cheguei a fazer muito esse tipo de trabalho, porque eu trabalhava nessa sapataria aqui na General Osório, que era uma sapataria das maiores de _________, a maior de Campinas, era a sapataria central. Era conhecida por toda a classe alta de Campinas. Então, ainda existia sapato de salto. Mas em bairro, quem trabalhava em bairro________, não existia sapato, só que as pessoas dificilmente usavam sapato de salto, eram só sapatos baixos. E o conserto era bem menos, hoje, o conserto maior é saltinho de sapato de salto, que tem muito, que as mulheres usam mais constante, né, mais social o sapato de salto. Mas as solas também, antigamente, você ponha a sola no sapato, ela durava quatro, cinco anos, hoje, é três, quatro meses. E hoje, quase não se trabalha com couro, se trabalha com borracha e com sintético. Então, a mudança de quem trabalhou naquele tempo prá cá foi muito grande, muito grande. A qualidade dos materiais de antigamente, tanto dos sapatos, como dos materiais que a gente trabalhava com os de hoje, então, é muito diferente. Hoje, realmente, as coisas são bem descartável. Até mesmo o material que a gente coloca, a gente sabe que não tem uma boa ação, mas não existe outro, é aquele. É a lei o consumo, né?
P/1 - O senhor sempre embala os produtos pra entregar, os artigos que o senhor conserta? O senhor embala? Como que o senhor fazia antes a embalagem dos produtos, e como o senhor faz hoje?
R - É, antes os sapato eram feito na, numa... a gente, terminava o sapato e colocava, assim, numa prateleira. Colocava um em cima do outro, dividia, um pouco, o branco com o escuro prá não sujar, e colocava um em cima do outro. E quando as pessoas chegavam, as sapatarias menores usavam jornal, embrulhavam com jornal. Aquelas que já eram um pouco mais sofisticada, tinha aquelas bobinas de papel, aquele papel rosa, tiravam, embrulhava e levava o calçado. Hoje, já é diferente, hoje, que nem, na minha sapataria tem uma série de prateleiras que tem, mais ou menos, 650 caixas de sapato. E, assim que eu termino o sapato, eu abro, ponho dentro da caixa e ponho uma etiqueta com um clips, um clips grande, uma etiqueta pro lado de fora com o número, que é dado uma notinha com dois número, um pro freguês. Então, os sapatos ficam dentro da caixa, e assim que o freguês chega, eu retiro de dentro da caixa e coloco numa sacola. Essa sacola plástica, que eu compro essa embalagem, têm algumas sapatarias, que têm timbrado, com o nome da sapataria. A minha não tem, é uma sacola comum, mas eu compro as sacolas novas, e os freguês levam na sacola.
P/1 - O senhor falou que o senhor organizava antes os sapatos nos balcões.
R - Certo.
P/1 - O percebe uma sua loja, uma mudança além dessa, por exemplo, existiam balcões que agora não existem, cadeiras...? Como é que o senhor, o senhor vende? O senhor produz artigos? O senhor produz sapatos?
R - Não, eu só conserto sapatos.
P/1 - Só conserta.
R - Só conserto.
P/1 - E, como o senhor, então, poderia dizer, o quê que o senhor mudou no mobiliário, nos móveis da loja?
R - Ah, na estrutura. É, realmente, antigamente, a sapataria eram poucas coisas. Eram banca de sapateiro. A banca de sapateiro era uma mesinha, quadrada, com em cima, várias repartições feitos com umas tabuazinhas, mais ou menos, de um centímetro e meio a dois, que era tipo dumas caixinha onde se colocava os pregos prá ser pregado. E, geralmente, uma cadeira que é se chamado tamborete. É um quadrado com tiras de couro, que a gente ficava sentado o dia todo ali. E, uma máquina de acabamento. Então, a diferença duma sapataria de antigamente como a sapataria de hoje, ela chega a ser bem grande. E hoje, então, já não tenho. Hoje, as pessoas já não têm mais quase aquela banca, trabalham com prateleira, usa-se muito pouco prego. Antigamente, sapataria________da sapataria era prego, hoje não, hoje é cola. Então, quase tudo a base de cola, porque os calçado de hoje nem dão pra pregar porque por dentro, as bases deles não são de couro, são tudo papelão. Então se você prega, o prego passa de outro lado. Então, tudo assim é, é diferente do tempo que tinha os pequenos sapateiros que usavam sovela, as costuras de mão. Hoje, já tem máquina pra costurar a sola. Então, a mudança da minha época de 40 anos atrás pra cá é quase uma mudança de dia pra noite. São poucas coisas que um sapateiro antigo usava naquela época que a gente usa-se hoje, as não dizendo, menos as ferramentas, que são quase as mesma. Mas muita coisa, hoje, não é usado como tinha antigamente em sapataria, uma tina de água pra molhar a sola, precisava molhar, precisava bater a sola. E, hoje, as solas já vêm, já vêm cilindrada, então, elas não precisam mais ser batida. Já não têm aquelas sovelas que fazem muito costura a mão, as máquinas fazem. Então, realmente, a transformação facilitou muito, porque um garoto que trabalha, hoje, há dez anos de sapateiro, talvez, ele não faria 20% do serviço que era feito há 30, 40 anos atrás, que era tudo manual. Hoje é fácil preparar, lixou, vai lá a máquina costura, vem, a outra máquina faz isso, a outra faz aquilo. E, aquele tempo, a gente fazia até o serviço de lixa, era feito com caco de vidro, era tudo completamente diferente. Inclusive, tem ferramentas da minha época que um, esse garoto mesmo que ta há 15 anos comigo, ele nunca viu, não conhece, porque num tem mais necessidade dela, pela modernização.
P/1 - O senhor disse que o senhor tem clientes fiéis, e o perfil da sua clientela, também o senhor mencionou, que é uma clientela de classe média e média alta, na grande maioria, proveniente da Cidade Universitária.
R - Certo.
P/1 - O senhor tem alguma forma de pagamento? Financiada? O senhor parcela? Como é que o senhor faz?
R - Não, olha, eu trabalho sempre à vista. Ou alguns fregueses me dão algum cheque pré-datado. E, agora, inclusive, tá prá ser instalada essa semana, porque divido a muito pedido, vou colocar duas máquinas de cartão, que é o Visa e o MasterCard. Porque lá, o pessoal usa muito cartão. Inclusive, bem próximo à minha sapataria tem uma moradia dos estudantes da Unicamp. E, geralmente, estudante só lida com cartão, né, porque, às vezes, o dinheiro é regrado pelo pai, então... E eu vou pôr essas duas máquina de cartão que, inclusive, aí pode até facilitar o cliente a me pagar em duas ou três vezes, né? Mas o pagamento, geralmente, é à vista, porque, geralmente, a não ser quando são muitos pares de sapato, mas, geralmente, são coisas de dez, 20, 15, 30 reais. Aí, quando são vários pares, aí, pode atingir 40, 100, até mais. mas, geralmente, são coisas corriqueira, que é o que dá mais é o saltinho de mulher, que, geralmente, é sete, oito, dez... então, são todos com pagamento, praticamente, à vista.
P/1 - O senhor mencionou os estudantes, né, da Unicamp. Como é a utilização de tênis?
R - É, eu conserto, também, os tênis. Eles usam muito tênis, usam muito. hoje em dia, o tênis é um dos calçado mais difícil de consertar. Ah... pela questão de o seguinte, deixa eu te frizar como assim. Bom, a sapataria o seguinte: sapato sempre sobra, todo fim de ano você tem um monte de sapato que freguês levou e não foi buscar. Vamos supor, uma hipótese: se tiver 200 par de sapato, dez são tênis, 190 são sapato. Tênis, o pessoal não deixa, então, o pessoal vem na... E, geralmente, estudante usa, às vezes, até estourar tudo, quando estiver bem estourado, (risos) quer ver que não dá pra andar mais, aí vai. E sempre a gente dá um jeito, sabe, dá um jeito. E a gente, inclusive, pros estudante, eu sempre tenho um conceito, né, inclusive, com o pessoal que fica no balcão, sempre tenho um precinho acessível, porque, principalmente, o pessoal ali que mora na moradia, são pessoas pobres, que não dão pra pagar um aluguel duma república. Apesar de que tem alguns que não são, mas tão lá pro meio também (risos). Então, a gente sempre procura fazer um precinho melhor pra eles, tal. Já aconteceu aqui de pessoas que eu conheci como estudante, que se formaram, que continuam sendo meus fregueses, depois de médico, depois de advogados. Inclusive, tem uma cliente minha que eu sempre fazia os serviços, sempre fiz num preço bem baratinho pra ela, porque ela se formou, ela é doente, muito doente. Conseguiu se formar médica, escreveu um livro lá, lançou um livro esse dias, né?
P/1 -Que ótimo!
R - É! Uma pessoa fantástica! Filha de um servente de pedreiro e de uma empregada doméstica. E era de São Paulo.
P/1 - Lá da Unicamp?
R - É, se formou na Unicamp, se formou a médica. Ela sem essa doença que o nome popular é bicho de porco na cabeça.
P/1 - Certo.
R - Ela esteve internada muitas vezes, fez uma série de operação e conseguiu se formar, conseguiu escrever um livro. Ela tem um livro da vida dela, e continua sendo minha freguesa. E foi uma pessoa que sempre quando ela ia lá, a gente sabia das dificuldades dela. Às vezes, fazia alguma coisa, nem cobrava. Se cobrava, cobrava menos. E, mas são pessoas que merece, têm consideração, deixam lá pra gente. Eu sou assim, no meu trabalho lá, a gente, também, procura ajudar os outros. Eu tenho, às vezes, sapatos que ficam lá tempo, esse sapatos, eu mando prá algumas entidades lá que são circunvizinha do Barão. Tenho uma cooperação da minha firma que é tão, tão pouquinha, mas eu coopero com três entidades mensalmente. Alguns trabalhos que vão lá pra mim fazer, como já foi, do (Boldrini?), coisa e tal, que eu faço, e não tem custo pra eles, que a gente sabe que são entidades que né,____, A única coisa que lá, às vezes, eu sempre digo, eu tenho alguns tipo de serviço lá que são supérfluos, são serviços caros, como cobrir um sapato prá casamento, fazer uma bolsa e cobrir ela do mesmo tecido. Então, esses são serviços que eu cobro bem, e, às vezes, as pessoas reclamam e eu falo: “Gente, isso é supérfluo, isso é prá quem tem dinheiro, você tem? Paga. Você não tem? Vai fazer o quê, né?” Mas, a gente procura ajudar. Às vezes, tem pessoas que vão lá, precisa dum calçado, que nem aconteceu já. Pessoas ir lá, falar: “Ó, arrumei um serviço e não tenho um sapato prá ir, só tenho esse velho, você me arruma? Só que eu não tenho dinheiro”. E, já cheguei de arrumar e, realmente, as pessoas vêm pagar, porque quando são essas pessoas, são honestas, né? Então, o comércio, ele mostra muito o lado das pessoas. A gente que tá nele há muito tempo, você conhece com facilidade a pessoa que, realmente, é honesta, que, realmente, está precisando, e não, né? Mas é muito bom.
P/1 - E o senhor disse, então, que tem algumas pessoas que deixam os sapatos ali. Existem, também, pessoas que deixam os sapatos não pagam os sapatos.
R - Certo.
P/1 - Existem pessoas que retiram os sapatos e não pagam depois?
R - Não, porque eu não deixo retirar. Só retiram mediante o pagamento. Agora, acontece que, inclusive, há dois anos prá cá, eu optei por 50% adiantado. Não são todos que pagam, mas muitos pagam, e, às vezes, chega até a pagar o total. Mas eu não sei o que acontece, às vezes, de deixar sapato. Existem sapatos bons, novos, que a pessoa deixou pago e não vem mais buscar.
P/1 - E, o senhor atribui a quê essa...
R - Às vezes, a medida é o seguinte: existem pessoas que esquecem, por incrível que pareça, existem pessoas que esquecem. Existem pessoas que mudam. Pessoas que morrem. Então, às vezes, é uma série de coisas. Que é mesmo a parte de estudante aqui. Muitas pessoas que moram na moradia não são brasileiras, são colombiano, peruano, chileno. Chega o fim do ano, às vezes, só tá fazendo doutorado, já vai embora. Chega o fim do ano, ele deixa um sapato, uma bolsa, correria do fim do ano, ele arruma a mala e vai embora pro Chile, pro ______, não volta mais (risos), entendeu? Então, tambám, e muitas pessoas, também, que esquecem, porque tem pessoas que, incrível, tem pessoas que esquecem, tem pessoas... Já me aconteceu de pessoas ir lá, véspera de casamento do filho, brigar comigo, fazer o maior brigueiro, eu, nossa! Me pôs louco! Que eu tinha trazido sapato do filho pra engraxar pro casamento, depois a pessoa chegou em casa, liga prá mim: “O sapato tá aqui no porta-mala, eu não levei”. Então, existe tudo esse tipo de coisa, sabe? (risos) Eu acho que a correria hoje em dia, do dia-a-dia, faz muito isso, né? Como a gente dá um comprovante, às vezes, a pessoa perde o comprovante, acha que, também, perdeu o sapato, então, não vai mais atrás. Então, acaba ficando, sabe? Mas faz parte, né?
P/1 - O senhor disse que não tem o hábito de fazer nenhuma estratégia de publicidade. O senhor não faz publicidade da sua loja?
R - Não, a única publicidade que eu faço já, acho que, há uns cinco, seis anos, é uma lista telefônica, chama Onde Comprar. Inclusive, ela faz sobre Barão Geraldo, mas ela é daqui de Vinhedo, e ela faz essa publicação, é conta telefone____. Então, eu faço só nessa lista, eu não tenho outro tipo de...me ofereceram em jornais, em revista, tem revista da Unicamp, têm dois jornais em Barão Geraldo que já me ofereceram pra fazer. Mas é o seguinte: eu, modéstia à parte, eu não dou conta do meu serviço. Então, não posso propagar muito, depois o serviço vem demais, e eu não tenho como...entendeu?
P/1 - O senhor costuma fazer alguma promoção ou liquidação?
R - O que eu faço, às vezes, é assim: mais ou menos, cada um ano e um mês, um anos e dois meses, eu separo uns sapatos que ficam lá, com essa data já há mais de 12 meses. E alguns que é serviço grande, que é um serviço que eu investi material, que eu pago funcionário, pago aluguel, material. Alguns dos serviços que são bons sapatos, eu faço um tipo de um bazar. Até a minha mulher que se incumbe de separar eles e vender. Aí, vende pelo preço do conserto, dez conto, cinco conto, quanto for. Se o sapato custa 100 conto e o conserto dele foi cinco, ele vai por cinco. E alguns outros que já estão assim, que já não têm tanta qualidade prá venda, tal, é onde eu dôo. Dôo pra umas duas ou três entidade lá que fazem bazar. Inclusive, esses dias, eu dei pra uma aqui de Campinas que eu não sei nem o nome, eu sei que ela passa lá, eles deixam panfleto, e eles me pediram e falei: “Tó, isso aí é pra tal...” Mas eu gostei do modo que eles me pediram, que eu mandei pra eles. Eu ia mandar pra uma outra, mas eu não tinha prometido. Eles disse que não aceitavam dinheiro. Eu acho que quando uma entidade não aceita dinheiro, eu acho que é séria (risos), não é não? Então, disse que não aceitavam dinheiro, só se tivesse alguma coisa pra doar. Eu mandei, eram uns dois sacos de sapato. E alguns, a gente vende, vende meio receoso, porque não existe lei, né? Que a lei do consumidor, só favorece o consumidor. Se você deixar o sapato lá um ano, e eu vender o seu sapato, e você tiver o comprovante, você reclamar na justiça, eu tenho que te pagar. Então, realmente, é o país que mais tem lei errada e descumprida, né? Porque ninguém cumpre. Mas, realmente, é assim. Então, pra todo mundo, quer dizer, se eu pago água, pago luz, pago meus impostos, pago aluguel, compro material, emprego, e faço, e deixo ali. Agora a pessoa não vai mais buscar, e eu não posso me desfazer deles, mas fazer o quê?
P/1 - Pro senhor, senhor Altamiro, o senhor já falou pra gente quais são os seus segredos prá ter um estabelecimento de tanto sucesso. O senhor percebe na sua família, nos filhos que o senhor teve com a sua esposa, e nos que, praticamente, o senhor adotou dela. O senhor percebe alguma inclinação da sua família em relação ao seu estabelecimento, algum dos seus filhos tem intenção de continuar?
R - É, eu tenho essa minha filha que ela tem assim, um certo interesse pelo comércio. Apesar de que ela tá com 20 anos agora, e ela pretende fazer um técnico ou uma faculdade mais em engenharia de alimentos, em nutricionismo. Mas no fundo, no fundo, vou passar não tendo. Ninguém se interessa muito, não, entendeu? Talvez, tem a outra minha filha... Eu tenho um filho, que é um filho da minha esposa que tem 29 anos, ele tem um retardamento de idade, então, ele não trabalha. Ele não trabalha. Ele teve por muito tempo aqui numa escola especializada, não conseguiu alfabetizar. É uma pessoa normal, se você ver, conversar com ele, você não vai nem perceber. A não ser que você converse alguns minutos, você vai perceber, então, ele tem um retardamento. E tem essa outra filha que é casada, que tem o genro que trabalha comigo Ele trabalha comigo, ele tem dois trabalho, ele trabalha, um trabalho num clube da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás). Como ele é um guarda à noite, trabalha uma noite sim, a outra não , ele faz, como se diz, um bico comigo. Tem um interesse, assim, sabe? Já tá comigo há três anos, já aprendeu muita coisa. Não sei se o interesse, é um interesse tanto pela profissão, porque, talvez, tenha, mais ou menos, consciência de que seria (risos) o único herdeiro ali que iria tocar aquilo tudo pra frente. Mas eu tenho, não sei, talvez, futuramente, eu teria intenção até de parar. Eu gostaria muito, se um dia, tivesse condições com uma aposentadoria mais ou menos, e vender aquilo e parar. Aí, talvez, eu iria fazer o que eu queria: seria pegar dois ou três garoto, montar uma coisa bem pequenininha, e poder ter tempo prá ensinar esses garoto a fazer. Prá que essa profissão não acabe, mas é meio difícil. É uma profissão, realmente, que tá, como já se acabaram os alfaiates, e vão se acabando os sapateiros, e costureiras...
P/1 - É verdade.
R – É a época, né?
P/1 - Pro senhor, senhor Altamiro, quais seriam e foram os maiores desafios enfrentados?
R - Olha, eu acho que um dos maiores desafios enfrentado... Você diz, em relação à vida ou à profissão?
P/1 - Tudo.
R - Tudo. Bem, a vida, um dos maiores desafio enfrentado que eu tive, foi deixar de beber. Eu era um alcoólatra consciente, trabalhava. Mas tomava, mais ou menos, um litro de cachaça por dia, isso me prejudicava muito. Isso foi um grande desafio. Um outro desafio foi começar do nada, quando eu comecei. E quando eu trabalhava, estava trabalhando numa garagem, todo feliz e satisfeito. Tinha comprado um carro, estava todo feliz, porque era um aluguel, morava numa casa de aluguel que pagava um aluguelzinho bem barato. Então, estava tudo bem. O dono da casa chegou e pediu a casa urgente. Eu não sabia pra onde ir com a sapataria, com nada. Aí, eu vendi o carro, comprei um terreno e construí uma casa de 200 metros de construção, e construí em três anos, sozinho. Não sei onde eu arrumei o dinheiro, mas eu arrumei. Fiquei um monte, três, quatro anos pindurado nos banco, nas financeiras, mas, graças a Deus, consegui pagar. Então, eu acho que foi os grandes desafio. E um dois maiores foi, que eu consegui alguma coisa na minha vida, o dia que eu pensei que ter dívida não era o fim do mundo. Então, que eu poderia ficar, que eu comecei a pôr na cabeça que os outros ficavam devendo, por qu que só eu tinha que ser honestíssimo? Pagar tudo, então, não sobrava nada. Porque tinha medo de fazer uma dívida. E eu, através, de umas palestra que eu freqüentei com um amigo da Seicho-No-Iê, eu consegui deixar minha liberdade, de começar: “Não eu vou botar a cara, eu vou comprar isso. Mas eu não posso! Não, eu posso, eu sei que eu posso!” Eu acho que confiar mais em mim. Eu acho que um dos grandes desafio da pessoa, é você saber aquilo que você pode, você tem medo de fazer, mas você pode. Então, você deixar de ter medo e fazer. Entrar em dívida. Vamos comprar. Ah, não pagaram. Vem a cobrança hoje, não deu. Nunca dever pra gente pequena, nem pra parente, quando dever, dever pra banco, pra financeira (risos) que_____não vem bater na tua porta prá cobrar. Mas, realmente, foi um dos desafio. Eu acho que é tudo assim, muita, muita força de vontade. É pensar que é possível, pensar que você pode. E, não ficar subestimando, achando que você é menos de que ninguém, que fulano é isso, e você não é. Então, e aquilo que eu acho, sabe? Sempre pus na minha cabeça que eu...é...pode ter gente igual eu, mas melhor de que eu não tem. Porque tem____fala: “Ah, mas fulano faz isso. Mas ele não faz uma sola igual o que eu faço”. Quer dizer, então, eu acho que todos nós temos os nossos, né? Eu acho que desde o gari até o presidente da República é muito útil, né?
P/1- Como o senhor, só prá comparar, o senhor já comparou isso no início da nossa conversa. Como o senhor compara o comércio da cidade de Campinas com o comércio de hoje? O senhor falou muito de Barão Geraldo. E de Campinas, como um todo, Campinas, região?
R -É, Campinas sempre foi uma cidade... É que Campinas é o seguinte: é que comercialmente, Campinas não é uma cidade tão forte. Campinas é uma cidade muito forte num nível bancário, no nível financeiro. E o comércio de Campinas, eu acho que ele é um bom comércio, só que, hoje em dia, ele está sendo prá classe média baixa. Simplesmente, pela violência. A pessoa prefere pagar um, dois reais mais caro e ir num shopping center que é muito mais seguro, do que subir e descer uma 13 de maio que é muito arriscado. Então, acho que o comércio de Campinas perdeu muito com os shoppings. Perdeu em termos, perdeu o comércio, e ganhou o povo de você poder ir num Shopping Dom Pedro, e andar a vontade, sem saber que vai vir um, um pivete atrás, e puxar sua bolsa, e sair correndo. E o que acontece muito na cidade, a violência. Mas Campinas, eu acho que o centro comercial de Campinas, nunca foi assim... muito evoluído, nunca ofereceu muito, pra campinas. Você vê que em matéria, principalmente, em matéria de couro, você sai de Campinas e vai a Serra Negra. A diferença é do dia pra noite. É de 50% a diferença do preço. Porque Campinas sempre foi tida como cidade de rico, mesmo não sendo tão verdadeira, mas sempre foi. Então, tudo em Campinas parece que tem que ser mais caro. Quer dizer, inclusive, eu tenho uma vizinha minha, que ela faz três, quatro vezes, às vezes, duas, três vezes por mês, excursão daqui pra 25 de março, o pessoal fazer compra em São Paulo, porque campinas, realmente, o comércio dela não oferece muito. Aliás, infelizmente, eu me considero campineiro que eu estou aqui___, mas campinas não oferece nada, não oferrce comércio, não oferece lazer. Você vê que Campinas não tem, a pessoa fala: “O quê que tem em Capinas?” “Tem a lagoa Taquara”. Só pra você ir lá e andar, e ainda ser...num...então, não tem. Eu acho que Campinas, pelo tamanho da cidade, ela cresceu muito financeiramente. É cidade de transação bancária, por isso que é uma cidade que, que cresceu, evoluiu muito. Mas o comércio de Campinas, eu acho que ele ainda deixa muito a desejar... em quantidade de preço... Você vê, eu, principalmente, lá em Barão Geraldo,.a gente tem um lugar, um privilégio de morar em Barão Geraldo que eu tenho ali, eu tenho um Makro, tenho o Atacadão, tenho oTenda, tenho o (Iga?), tenho o Carrefour, são todo, lugares que são...agora tá abrindo um outro grande aí que eu não me lembro o nome. São há dez minutos da minha casa. Agora que mora lá____. Eu tenho um cunhado que mora lá no campo Grande. O cara tem que atravessar a cidade inteira pra ir no hipermercado. Então, acho que ela é muito mal dividida, ela foi dividida, localizaram todos os grandes hipermercados. Você vê, ali tem o Ceasa, tem tudo, e esse lado daqui... quer dizer, ficou por aqui nessas região do Campo Grande, do Ouro verde ali... um dos mercado mais perto que eles vão encontrar, já entrando aqui na cidade que é o Extra. Então, eu acho que é um comércio mal dividido, né? Então, agora estão fazendo um outro aqui também, mas parece que é o Extra, onde era o falecido Eldorado, né, que acabou ali. Mas eu acho que Campinas, comercialmente, tem muito comércio, mas não de uma... não oferece prás pessoas saírem de outra cidade, como a pessoa sai daqui, vai a Serra Negra, vai a Salto, Itu, comprar vestuário. Campinas não oferece isso, pra que as pessoas venham pra cá. Não tem assim, nada de extraordinário, né? O que tem que vem pra cá, é pessoas que vem no Shopping Dom Pedro, que faz as compra, mas vêm prá visitar o Shopping, né, prá conhecer. Inclusive, eu tenho uma sobrinha que mora em Goiânia, sai em excursão de Goiânia pra ver o Shopping Dom Pedro (risos), incrível, né?
P/1 - Incrível!
R - O senhor poderia dizer como o senhor se sente em conceder esta entrevista ao Sesc prá esse projeto. O que o senhor pensa desse projeto, Memórias do Comércio de Campinas? E da sua gentileza em conceder essa entrevista?
P/1 - Não, eu realmente, eu, inclusive, quando me ligaram pela primeira vez, né? Eu fiquei meio na dúvida, mas quando falaram sobre o SESC que, inclusive, há muitos anos atrás já fui associado aqui, quando era empregado, tal. Então, eu falei: “Não, então, se é um Sesc, tal, é uma coisa séria, né?” E, até depois estive conversando com o seu fotógrafo quando ele foi lá, né? Ele esteve me dizendo, mais ou menos. Aí, eu cheguei a ir, vi esses livros editados, tal. Eu acho que, realmente, pra mim foi até uma satisfação. E eu acho que tudo que se faz, hoje em dia, prá guardar memórias, entendeu? é que deveria fazer muito mais, né? É muitas coisas como Campinas, como já passaram os anos, quando... e hoje em dia, eu vejo algumas fotos de Campinas, não tão antiga, porque não tô tão velho (risos), mas aí de 35, é 40 anos atrás, e a gente fica olhando, que deveria ter uma biografia maior, inclusive, de grandes personagens de Campinas que eu conheci na minha época, como (Man Falaó?), a Gilda, e outros personagens tradicionais da cidade. Lugares como, o Bar Rosário, o Bar Ideal, Café Caruso, que você não dá, nem pra você contar uma história prum filho seu que que foi Campinas antigamente. Porque eu acho que Campinas tá muito pobre de historiador, são muito poucas as coisas de... tinha o Lombardi Neto, alguns que já faleceram, que falavam muito de Campinas. Hoje o pessoal, acho que vive muito na atualidade. Não que você tenha que olhar prá trás, mas eu acho que recordar muita coisa do tempo. Quer dizer, talvez, isso aí, essa entrevista minha seja publicada num livro daqui há 20 anos, 30 anos. Um neto da gente, pegar e ler, fala: “Puxa, isso foi meu avô, e tal”. Então, eu acho que, que o povo, hoje em dia, estão evoluindo demais, e estão esquecendo, assim, partes, antepassados. Você vê, antes de ontem, fez o aniversário da morte do Toninho, alguma rádio falou de manhã, outras nem comentaram... Quer dizer, foi um homem público da cidade, né, deveria ter, né, alguma... Então, eu acho que o... Bom, nós temos memória curta, esquece tudo muito fácil, né? Passou, passou, acabou. Mas tenho uma satisfação muito grande de fazer essa entrevista com vocês. E eu acho que é bem mais pra mim do que pra vocês, porque tanto comércio que tem em Campinas, eu tive a sorte de ser um dos escolhidos. É muito bom!
P/1 - É que seu estabelecimento e o senhor são referências em São Geraldo. A gente fica muito agradecido da sua presença, e esperamos nos encontrar novamente pra voltarmos a conversar. Muito obrigada>
R- Se Deus quiser. Eu quem agradeço.