Tuba Schor conta sobre a sua militância, aventuras, perseguições e fugas por conta do seu ideal comunista. Foi presa política na Romênia, país onde nasceu e veio pro Brasil fugindo da repressão. Relembra sobre os seus trabalhos para o Partido Comunista, sobre a organização que ajudou a criar, AFIBE, e sobre a viagem que fez à Rússia e a Cuba.
Eu me chamo Tuba Schor. Nasci na Bessarábia, na cidade de Rischkol, Romênia, em 18 de julho de 1914.
Rischkol era uma cidade pequena. Tinha burgueses, proletários e camponeses. Meu pai trabalhava como negociante e minha mãe fazia todo o trabalho de casa. Éramos três filhos, eu tinha uma irmã e um irmão. Só uma infelicidade marcou a minha infância. Meu irmão, que era o único filho homem, subiu a escada da escola, caiu e rolou até embaixo. Bateu o joelho e ficou muitos anos doente. Deu muito trabalho para a minha mãe, mas ela logo decidiu sair da minha cidade e ir para uma cidade grande ver um especialista. Queriam tirar a perna do meu irmão, mas ela não deixou. Correu de um lugar para o outro, e salvou o menino.
Os três filhos estudavam. Tinha uma escola muito boa na minha cidade. Era o ginásio junto com o científico. Então, se estudava História, Geografia, Química, Física, Línguas, todas menos Inglês. Não sei por que não se estudava inglês. A escola era muito grande. Sempre traziam os melhores professores e os melhores diretores para aquela escola. Era freqüentada por toda a cidade. Era paga, mas aceitavam também uma parte dos alunos sem pagar.
Não tive uma educação religiosa. Meus pais não eram religiosos, iam na sinagoga nos dias que todo mundo ia, dias importantes da religião. Na minha casa não era como na daqueles judeus em que não se come leite junto com a carne, nem se cozinha na mesma panela[1]. Na minha cidade ninguém era fanático. Se comemoravam as festas com as comidas típicas daqueles dias, como na Páscoa, dias de fazer comidas diferentes. Isso tudo nós tínhamos. Mas fanatismo não.
Eu tive educação política. Depois da Primeira Guerra a juventude já se dividia. Ou era fascista, ou era comunista. Cada um escolhia aquela que simpatizava. Então, eu fui para a esquerda. Mesmo na escola já se escolhia, mas não abertamente, freqüentava pouco, pois era proibido. Mais tarde já trabalhava abertamente. Nós organizávamos os camponeses para não vender as coisas mais baratas, os trabalhadores para não trabalhar por ordenado pequeno e com os operários, para exigir direitos. Isso era a esquerda.
Numa cidade pequena como a nossa, não se tem grandes ocupações. A gente lia muito, tínhamos tempo. Então nos ocupávamos com uma vida cultural intensa. Líamos de tudo na época. Jornais, revistas, livros. Tinham escritores israelitas da esquerda muito bons, como o Peretz. Também se fazia muita conferência. Quando a esquerda fazia conferência, os fascistas vinham e discutiam. Não havia ainda um confronto entre a juventude de esquerda e a juventude fascista. Não tinha lutas, tinha discussões. Nós queríamos convencê-los eles para serem da esquerda e eles queriam nos convencer para ser da direita. Mas não lutamos um com o outro. E foi muito interessante.
Eu não queria ficar na cidade pequena. Achei que era um absurdo perder a vida numa cidade pequena no lugar de ficar em uma cidade grande, perto de uma fábrica grande haveria mais possibilidades de fazer o trabalho[2] de que gostávamos tanto. As pessoas então diziam "Você vai para a cidade grande? Nem jornal você não vai ter tempo para ler porque a cidade tira o tempo da gente.”
Eu tive de sair logo da minha cidade porque a polícia não nos largava. Tive muita sorte porque começaram a me procurar e eu consegui fugir, eles não me encontraram. Fui para Bucarest. Tinha um primo lá que tinha uma indústria. Mas eu não gostava de viver com ele pois tinha que dar satisfações; “Aonde você vai, o que você vai fazer?” Preferi me juntar a duas ou três moças, alugar um quarto e morarmos juntas.
Como eu não tinha profissão, eu fazia qualquer coisa que tinha e que dava para viver.
Costurava botões. Dávamos muitas risadas, pois trabalhávamos numa mesa em que ninguém tinha profissão. A gente costurava e para não acabar a costura, costurava sem nó. E desse jeito, com pouco, muito pobremente nos sustentávamos. Vivíamos muito no coletivo, quem ganhava mais um pouco ajudava o que ganhava menos. Éramos muito unidos.
Nosso grupo era todo da esquerda, comunistas. Havia judeus e não judeus, não fazíamos diferença. Haviam jovens de várias cidades e de Bucarest também Tinha indústrias muito grandes onde as pessoas sempre se dividiam. Eram da esquerda ou da direita.
Em Bucarest, vivi muito tempo sem a polícia me incomodar, mas depois houve uma greve de metalúrgicos, uma greve muito importante. Já se sabia que essas greves eram sustentadas pelos comunistas. Então, a polícia saiu para nos procurar. Eu estava num quarto com um rapaz, conhecido como comunista, e uma moça. A polícia bateu na porta e nos prendeu os três. Aí nosso colega perguntou “E a chave do quarto é para entregar para o dono?” Então, a polícia respondeu: “Com certeza, ela vai sair, e levar a chave.”, apontando para mim. Eu, com dezoito ou dezenove anos, tinha cara de criança. Era magrinha, baixinha. A polícia achou que eu seria logo solta. Mas foi o contrário.
Na Romênia não era como no Brasil que se você trabalhava no Rio e depois ia para São Paulo apagava tudo. Se trabalhei em Beltz, e fui para Bucarest, tudo o que foi registrado contra mim já estava lá, guardado numa gaveta. Quando fomos presos, tiveram que transferir alguns de nós da polícia para a cadeia porque não tinha lugar para tantos. Antes de transferir, abriram as gavetas para ver o que tinha contra as pessoas. A mim já não mandaram para a cadeia porque descobriram que eu era um elemento muito perigoso, segundo o que encontraram. Eu já estava sendo procurada desde Beltz. Estavam me chamando lá para o processo, pois naquela ocasião tinha sido preso o secretário do comitê que reunia várias cidades. Além dele foram presos vários elementos. Dos trinta e quatro que eles estavam procurando, ainda faltavam quinze.
Meus colegas tinham sido mandados para a cadeia e eu fiquei presa sozinha na polícia de Bucarest, pois estavam esperando informações de Beltz. Me puseram com os presos comuns, prostitutas e ladronas. Eu gostava de conversar com as meninas que me contaram porque elas viraram prostitutas. Depois chegaram duas mulheres muito elegantes, muito bonitas. Eram da alta sociedade, também ladronas. O marido de uma dessas mulheres tinha sido o chefe de polícia de Beltz. Viviam Bucarest, fazendo parte de em grupo de ladrões. Eu não estava de acordo com o que faziam, mas gostava mais de me encostar nelas, limpas e cheirosas, do que nas prostitutas que eram sujas e mal-cheirosas. Dormíamos todas no chão. Então, ficava muito perto, elas gostavam de mim. Quando foram me mandar para Beltz, a esposa do antigo chefe da polícia procurou uma oportunidade e pediu o marido fizesse um bilhetinho para mandar para o chefe de polícia de Beltz, pedindo para não me baterem. Eles batiam muito, a gente saia sem as unhas, sem os dedos, às vezes matavam. Era a coisa mais bárbara. E ela conseguiu. Até uma comunista a quem eu falei do bilhetinho, me disse “Joga fora. Você nem vai chegar perto do chefe de polícia. Eles fazem tudo que eles querem fazer com a gente e põem no porão” Mas, eu levei assim mesmo.
Em Beltz eu cheguei perto do chefe de polícia porque me puseram em uma cela de espera com um guarda para tomar conta de mim. Então, de noite traziam prostitutas, colocavam numa mesa e batiam nelas, eram coisas bárbaras. Então, uma vez eu não agüentei ver como eles batiam numa prostituta, toda rasgada, toda sem roupa e disse “Por que é que vocês batem nela? Ela está bêbada para contar o que vocês querem saber. Deixa ela dormir. Quando ela acordar, ela vai saber o que fez e o que não fez.” Então, ficaram muito bravos “Olha, sua atrevida, comunista, ninguém te perguntou nada. Você vem se meter!” Me puseram no quartinho que era perto do chefe. Aí, eu entreguei o bilhetinho. Ele, para me mostrar que não tem influência nenhuma, fez uma cara feia, gritou, mas não me bateu.
Fiquei presa muito tempo Aí, eu declarei uma greve de fome. Antes disso, a gente usava muito greve de fome para ter liberdade, para conseguir alguma coisa. Mas depois, o partido resolveu não fazer greve de fome porque, como a gente estava nos porões, o chefe de polícia nunca chegou a saber de nada. Mas, como eu estava ao lado dele, pensei “aqui vai resolver”. Declarei greve de fome. Greve de fome eles não agüentaram. Eu já era muito magrinha e os primeiros três, quatro dias a gente não consegue nem levantar. Dá umas tonturas tremendas. Mas depois que se acostuma levanta e anda. Eu suportei treze dias Só água, mais nada.
Aí começou o processo. Me levaram para falar num outro lugar. Durante a semana eles procuravam aqueles que estavam faltando. No Sábado eu falava. Então um deles queria me dar um privilégio por causa da greve de fome. Esperar em casa durante a semana para no Sábado voltar para o processo. Fui para minha casa e me puseram um soldado na porta.
A minha família me recebeu muito bem. Tinham muito bom senso. Meus pais eram muito bons e gostavam muito dos filhos. Não me acusaram, não ficaram bravos comigo por eu ser comunista. O que eles podiam me ajudar, me ajudaram.
Justo naqueles dias, chegou um chamado da minha irmã para eu vir para o Brasil. Ela casou em 1931 e foi embora para o Brasil. Morava em Juíz de Fora. Era início de 1933 e ela mandou um chamado no meu nome. Minha mãe ficou muito satisfeita, queria muito que eu fosse embora Eu sabia que iam me condenar, iam me por na cadeia por uns três, quatro anos. Então, uma noite resolvi sair e ir embora para o Brasil.
Era inverno. Os soldados que tomavam conta ficavam sentados em frente da casa e às quatro da manhã adormeciam. Eu saí neste horário e fui embora. A minha saída foi preparada. Uma charrete me esperava fora da cidade e me levou a Chernovitz. De lá tomei um avião para Trieste. Tudo foi pago, arrumado. O partido ajudou muito. Meu pai também juntou um pouco de dinheiro, deram um jeito para eu poder ir.
Quando me lembro disso, como é que a gente não tinha medo? Não tinha medo de nada. Eu nunca tinha medo de nada.
Fiquei oito dias em Triste esperando o navio sair. Perto do porto tinha um restaurante com um hotel e algumas casas. Trieste não era ainda uma cidade. Então, os rapazes descobriram que tinha uma mocinha lá naquele hotel, esperando. Vieram e me levaram para a casa deles. Eu me diverti, era Páscoa, me levaram para passear, para jantar. Foi uma beleza. E aí fui embora para o Brasil, de navio. Uma viagem de vinte e dois dias.
A viagem foi muito boa, muito gostosa. Depois de uma greve de fome, a gente come até pedra. O navio era muito bom, tinha jovens. E tive sorte porque eu tinha cara de criança e no navio tinha uma velha muito rica que ficava sozinha no apartamento. Então ela pediu para eu ficar com ela. Tinha o quarto dela e mais um onde eu fiquei, um lugar muito bom. Fiquei perto da velha, me diverti com os jovens, foi uma viagem maravilhosa.
Como eu não avisei, achei que minha irmã não sabia que eu estava chegando. Tinha muito pouco dinheiro e resolvi mandar um telegrama quando chegasse perto do Rio e pegar um trem para ir vê-la. Ela tinha um menino de oito meses e eu não queria dar trabalho. O chefe do navio me dizia "quando você chegar só vai ter um negro te esperando". Eu nem dava confiança.
O navio foi chegando de noite no Rio, uma coisa mais maravilhosa. Você vê só as lâmpadas com as montanhas, um sonho. O navio demorou um pouco a encostar. E um negro subiu com uma caixa de laranjas para mim. Todos deram risada “Olha, o negro já está te esperando”. Quem mandou a caixa era um colega meu de ginásio, que estava morando no Rio já há um tempo e soube que eu estava chegando, veio e me mandou as laranjas. Minha irmã também soube e estava lá com o filho.
Ela me levou para Juiz de Fora. Mas eu cheguei lá e não queria ficar. Era um lugar pequeno. Eu não sabia onde estava o Partido. Sozinha, eu não me sentia bem, quis ir embora. Veio um amigo do meu cunhado para fazer alguma coisa na cidade e eu me queixei com ele. Ele disse: “Eu te levo para o Rio” Ele me levou e me pôs numa oficina. Eu trabalhava e ganhava um pouco. Me sustentava, não precisava muito.
Fiquei alguns dias na casa de uma prima e depois eu fui morar num quarto na casa de uma família, no Meyer. Era muito amiga da minha irmã, ela cobrava muito pouquinho. Quando eu cheguei, me apresentaram ao pessoal do Partido e disseram: “O melhor do Partido está na ilha.” Naquela ocasião, quando prenderam os comunistas no Rio, mandaram para a ilha[3]. Eles tinham uma prisão numa ilha só para políticos. "O melhor comunista do Rio, Hirsch Schor, está nessa ilha". Ele já estava lá há dez meses. Ficou mais dois e voltou para o Rio. Era jovem, logo ficou sabendo de todas as novidades, soube que tinha uma "gringa" que também veio para o grupo. Ele me procurou, nós andamos um ano e casamos.
No Rio, continuei com as minhas atividades. Eu que trabalhava na oficina, logo comecei a organizar os moços, que ganhavam pouco, para ganhar mais, viver melhor, ter casas melhores. Só para melhorar a vida do povo, esse o nosso trabalho. Nem sabíamos o que Stalin falava. A gente nunca nem pensou nessas coisas. A Rússia não era uma fronteira aberta que a gente ia e vinha. Então, só sabíamos que na União Soviética derrubaram o capitalismo e tinha o socialismo. Cada país criou uma teoria de socialismo. A Rússia tinha certas obrigações porque como eles tomaram o poder, tinham que lutar contra muita coisa severa que atrapalhava. Nós, dos países capitalistas, tiramos só o bom, trabalhar para ganhar melhor, para não ser expulso, lutar contra a polícia que maltratava. Cada país fazia os seus programas. Às vezes vinham pessoas de lá e contavam algumas coisas. Mas não éramos dirigidos pela Rússia não. Naquela fase, eu não era do partido. Até trinta anos era da juventude comunista.
Tinha comitês para trabalhar em comunicação com os operários, ligações para organizar sindicatos, não havia sindicatos ainda. Tinham errado muito nisto. Eu fiquei horrorizada como eles organizavam o sindicato aqui. Na Romênia não cheguei a trabalhar no sindicato, foi só uma pequena experiência, mas a gente entende como deve se fazer. Quando eu criticava diziam “Ela veio com uma prática.”.
Eu, quando cheguei no Brasil, achava que todo mundo aqui era polícia, porque aqui, todos olham muito as mulheres, os pés. Na Romênia, eles controlavam as mulheres porque olhavam como comunistas, não olhavam os pés e nem a beleza da mulher.
Eu tinha também atividades na comunidade judaica. No Rio tinha uma biblioteca. Éramos perseguidos e usávamos biblioteca para os encontros. Lutávamos para os estrangeiros não serem expulsos. Também trabalhava ajudando a organizar o pessoal que vinha de fora para ganhar a vida. O partido sempre se propôs a ajudar em tudo o que precisava.
Em 1936, o partido resolveu tomar o poder e a polícia era mais forte. Naquela ocasião, o meu marido estava na faculdade de Medicina, ele não tinha se formado ainda. Ele esperou passar esse período em que muitos foram presos. Então, eu combinei um encontro com o meu marido. Nós saímos de manhã, ele foi para um lugar e eu fui para um outro lugar. A gente ia a reuniões. Eu combinei de me encontrar com ele às seis horas, na porta da Faculdade dele. Éramos muito pontuais, quando tinha encontro, não esperávamos muitos, se um não chegasse íamos embora. Como eu não o encontrei, fui embora. Se não veio pontualmente é porque estava preso. Cheguei em casa, estava muito cansada, mas me levantei e fui embora. Tive muita sorte ao partir. Sabia que não podia ficar mais, pois se estava preso e eles batem muito, muitos acabam falando, nem podemos acusar porque tem pessoas que não agüentam de tanto apanhar. No caminho para a casa da minha mãe, passei no Meyer onde tinha um conhecido. Quando eu entrei na casa dele, já sabiam que a polícia estava na casa da minha mãe para me procurar. Meu marido fora preso e a polícia disse para ele: “Nós temos que encontrar muito a sua mulher” Não sei porque não me prenderam. No Brasil, não me prenderam nenhuma vez. Só o meu marido. Prenderam no Rio e depois em São Paulo outra vez.
Aí, comecei a me esconder e viajei muito pelo Brasil todo. Fui ficando onde o Partido me mandava, casa das famílias. Quando começou a ficar mais calmo e o meu marido saiu da cadeia, ele veio me buscar e eu voltei para o Rio. Pouco tempo depois, foi declarada a nova constituição de Getúlio Vargas. Aí, saíram outra vez para prender os comunistas. A polícia foi para a casa da mãe do meu ex-marido. Eles falam: “Aonde está a mulher dele? Se você não vai falar aonde ela está, vamos prender outra vez teu filho.” Mas contra ele, já não tinham nada. Já tinha ficado um ano na cadeia. Ela não sabia onde eu estava, mas se soubesse não ia falar. Logo vieram me avisar que estavam me procurando. Então, resolvi ir para São Paulo.
Eu pedi para o meu marido. Isso era em novembro em dezembro ele ia se formar. Disse “você não vai. Nem um dia, você vai não vai ficar sozinha.” Eu respondi “Você fica aí e se forma, eu vou embora para São Paulo". Mas naquela ocasião, a gente tinha muito cuidado um com o outro. Ele veio comigo para São Paulo no começo de 1937. Ele estudou, se preparou, voltou e prestou exames de volta.
Eu cheguei aqui e fui trabalhar. Ele tinha se formado naquela ocasião, não estava ainda com o diploma nem estava naturalizado, apesar de ter chegado com seis anos. Eu que vim depois já estava naturalizada. Então, ele lutou para normalizar a vida dele, trabalhou com amostra grátis. Médico quando se forma no começo é assim. Então, vivemos. Honestamente, vivemos. Não tinha problemas, a gente se arrumava com pouca coisa, sempre se arrumava. Fiz pequenos trabalhos até ele começar a ganhar um pouco. Mas, também, passei sete anos sem ter o meu filho. O Nelson nasceu só sete anos depois. Depois ele não quis mais que eu trabalhasse de jeito nenhum, já ganhava como médico.
Eu me lembro bem do Prestes. O Prestes chegou no Brasil, me parece em 1935, com aquela revolução. A gente tinha ligação com os elementos do Partido porque o Partido controlava a Juventude. Eles nos orientavam, organizavam a Juventude Comunista. Eu ouvi falar muito em Prestes. Depois, quando o Prestes chegou, a gente ouviu muito falar também na Olga[4]. Foi preso em 1935. Depois que o Prestes saiu da prisão, em 1945, ele veio para São Paulo, e a primeira casa em que se hospedou foi a minha casa. Veio fazer um comício no Pacaembu[5], foi o primeiro grande comício. Eu gostava dele, era uma pessoa muito simpática. Nunca esqueço desse dia em que Prestes estava na minha casa. Ele saiu para o trabalho. Não se sabia ainda se Olga, tinha sido morta ou não. E eu saí em seguida e comprei o jornal, abri e li a notícia da morte dela. Fiquei gelada. Ele chegou na minha casa com o jornal embrulhado debaixo do braço. Sentou à mesa, abriu e começou a ler. Eu não sei se ele chorou, ou estava suando. Ele ficou se enxugando. Ali ele soube da morte dela. Quando chegou o Mílton Caires de Brito[6], que foi quem trouxe Prestes para ficar na minha casa, eu disse: “O Prestes não vai poder falar, hoje, depois do choque.” Ele disse: “Não se preocupa, Tuba, se o Prestes não puder falar, eu falo.” O meu marido também falava muito bem.
O Prestes ficou assim, sentado um tempão, depois entrou no banheiro e lavou o rosto e se vestiu, foi embora e fez o comício. A polícia veio para a minha casa trazendo o jornal. Aí, saiu no jornal que o Prestes soube no trem da morte da Olga, mas não foi assim. Eu gostava muito do Prestes. Uma pessoa com um caráter muito bom. Depois acharam que ele era um elemento fraco, o Partido precisava de elementos mais fortes. Para dar esse impulso para organizar, precisava ser um elemento com muita iniciativa, com muita força. Não é fácil organizar.
Quando acabou a Guerra soubemos que muitas mulheres ficaram viúvas, sem os maridos e muitas crianças sem os pais. Muitas na Polônia, e também muitas crianças que foram para Israel. Sentimos que tínhamos a obrigação de ajudar. Daí nasceu a Associação Feminina Israelita Brasileira, AFIB. Começamos a juntar dinheiro e mandar roupa para a Polônia. Até mandamos para Israel três aparelhos de infra-vermelho para ajudar as crianças. Pensamos que essas crianças deviam se sentir muito mal em perder os pais e perder tudo. Nos organizamos para escrever cartas de amizade para essas crianças para eles sentirem que tinha gente interessada nelas. Fizemos de tudo para ajudar as crianças e também as mulheres. Essa era a AFIB. E isso era o nosso trabalho. Depois, soubemos que uma mulher que era muito ativa e se chamava Vita Kempner, lutou muito contra o imperialismo na Alemanha. Era uma lutadora maravilhosa. Então, demos o nome dela à associação, sem nem perguntar a ela.
Nós éramos poucas no início. Mas logo tivemos muitas que aderiram. Depois a gente procurou organizar grupinhos nos bairros. A gente conhecia uma, uma conhecia outra. Assim, nós nos organizamos em todos os bairros. Tínhamos também atividades culturais. A gente fazia círculo de leituras. Lia todos os noticiários para estar a par, durante a semana em casa e depois, quando a gente se encontrava, discutia o que lia. Uma sempre ficava responsável por ler um livro e então ela falava sobre o livro e a gente discutia. Era uma coisa maravilhosa. Éramos só mulheres, muitas eram viúvas, achávamos que deviam ser só de mulheres os grupos.
Nós até tínhamos um local na Barão de Itapetininga, uma sala muito boa, com uma secretária. A gente fazia empreendimentos para fazer dinheiro. Depois, uma das nossas amigas, a Leia esteve em Paris e de lá ela trouxe a idéia das colônias de férias feitas pelas organizações de esquerda. Aí, entramos nesse empreendimento.
Primeiro começamos a juntar dinheiro. A primeira colônia que nós resolvemos fazer, foi em Lindoya, como uma experiência. Havia um família de muito prestígio em São Paulo. A família Rosenblatt. O marido era um homem muito rico e muito bom, gostava de jogar cartas. Convidamos a mulher dele, Riva Rosenblatt para ser nossa presidente. Porque a gente não tinha interesse de ser presidente. Eu nunca queria ser presidente, eu queria fazer o trabalho que precisava fazer. Nós não tínhamos essa ambição. Isso ajudou muito. Numa reunião, ele nos disse “Vocês querem fazer uma colônia de férias em Lindoya.? Eu faço o jantar na minha casa, com jogo. E fez 90 contos. Eu me lembro do 90, eu não sei que dinheiro era naquela ocasião. E nós organizamos a colônia com 90 crianças, 30 do Rio, 30 de São Paulo, e também vieram crianças de Belo Horizonte e de Santos. Foram algumas mulheres e homens do Rio para acompanhar essa colônia. Foi uma colônia maravilhosa. Num hotel de Lindoya.
Havia muitas atividades. Primeiro, tinha crianças que não estavam acostumadas a fazer amizades. Tinha atividades para fazer amizades, discutir as coisas, ler. Tinha as atividades que a gente programava para todas as noites. E muito esporte, sempre tínhamos um professor de esporte. Jogavam bola, piscina, tudo isso que a criança gosta. Eles nunca esqueceram da colônia. Eram 20 dias.
A segunda vez fomos para Guararema. Aí depois, resolvemos fazer grandes empreendimentos para comprar uma colônia própria. No Rio, tínhamos um coro muito bonito. Trouxemos o coro do Rio para São Paulo, para cantar no Teatro Municipal. Depois, fizeram na Casa do Povo e deu dinheiro. A gente fazia esses empreendimentos e juntava dinheiro. Também ia pedir de casa em casa.
Aí, saímos, eu com um amigo de São Paulo, e a Carlota com outro do Rio para escolhermos um lugar para comprar a colônia". Tinha que ser perto de São Paulo ou do Rio Escolhemos em Sacra Família, no Estado do Rio. Não sou egoísta para querer a colônia perto da minha casa. Eu estava com a Carlota e discutimos “Olha, no Rio o grupo de ativistas é maior. Tinha mais gente, gente muito forte. Então, é melhor comprar a colônia mais perto do Rio. Depois fui criticada a vida toda. “Você foi escolher a colônia para o Rio e não pra São Paulo.”
Quando compramos não tinha quase nada. Tinha uma casa quebrada, feia e um barracão lá fora. Só o terreno muito bonito, um lugar muito bom para uma colônia, clima ótimo. Escolhemos e estamos construindo a colônia até hoje. Sempre aos poucos.
E logo depois que compramos já fizemos a primeira colônia. Com menos crianças e com muito sacrifício. Não com as comodidades que eles tinham quando foram para o hotel, mas fazia-se colônia. As crianças gostavam muito.
Preparávamos tudo. O pessoal do Rio preparava os monitores e o programa. A gente também mandava pessoas responsáveis pelos trabalhos e também fazia um programa. Então chegando lá juntavam os programas. Sempre tinham muitas atividades para as crianças. Tinha atividades culturais, jogos, esportes, passeios muito bonitos para fazer em volta. As crianças nunca esqueciam das responsabilidades que tinham de arrumar os quartos, as camas, lá eles tinham uma vida completamente diferente e diziam que era ótimo ficar sem a mãe, sem o pai dizendo ”Você já fez isso, fez aquilo?” Ficam mais independentes. Eles faziam de tudo. Também tinham muitas discussões. Sobre a vida dos jovens, sobre as obrigações do jovem, coisas revolucionárias. Sempre o tempo atual. O tempo que a gente vivia naquela ocasião
Eu ia também. Até, o pessoal ficava bobo. A primeira colônia que os meus filhos foram eu também fui. E eles estavam acostumados a ficar junto com outros jovens, trabalhar com jovens, ninguém chegou perto de mim. Não eram crianças que ficam atrás da saia da mãe. Quando souberam que eu tenho três filhos na colônia, ficaram bobos de ver. Porque, em geral, as mães que estavam com os filhos sofriam. Eles ficavam pendurados na mãe.
Nunca esquecemos da colônia, vinha um grupo de 30, 40 crianças de São Paulo e 30, 40 do Rio. Quando era para ir embora, o ônibus de São Paulo parava, entravam os paulistas e o pessoal do Rio ficava do lado de fora para se despedir deles, chorando. Uns embarcaram chorando e os outros ficavam chorando. Uma vez, eu vi o meu neto subindo no ônibus chorando tanto. Eu disse: “Breno porque você está chorando tanto?” Ele estava se despedindo dos amigos dele do Rio. As amizades eram tão bonitas, tão puras que era uma coisa louca. Os meus filhos, eu criei na colônia e os meus netos, eu também criei lá na colônia.
Durante o ano havia outras atividades para estas crianças. Nós não queríamos perder todo o trabalho. Então, pensamos em fazer os clubinhos. As crianças também gostavam muito. Os clubinhos chamavam as crianças que iam para a colônia, convidávamos pessoas para fazer palestras, víamos o que precisava se fazer para cada idade. Tinha clubinhos em todo lugar. Em São Paulo, no Rio, Belo Horizonte. Em São Paulo, nós até tínhamos uma sala na Casa do Povo.
A Casa do Povo também era um das nossas organizações. Essa casa que tem nome de Casa do Povo, foi feita depois da Guerra. Tínhamos um grande capitalista aqui em São Paulo, o Sr. Casoy, que se dizia simpatizante. Ele dizia assim: “Se a Alemanha perder a Guerra, eu dou dinheiro para vocês fazerem uma casa própria para as organizações progressistas que vai se chamar a Casa do Povo.” Ele deu o dinheiro, depois ele se comeu vivo porque prometeu sem pensar muito. E ele não estava disposto a dar tanto dinheiro. Assim foi comprada a Casa do Povo. É no Bom Retiro e está até hoje lá. Eu vivi na Casa do Povo. Eu não saía de lá.
Depois da Guerra, o trabalho continuou. A preocupação e a ajuda aos imigrantes, a organização dos jovens para terem uma vida coletiva, uma vida progressista, para não virar fascista.. Aqueles que não sofreram a guerra não sabem que o melhor trabalho é lutar contra a guerra. Depois de 60 enfraqueceu um pouco o movimento porque veio uma reação forte. Depois da guerra ainda tínhamos uma ligação com o Partido. Muitos anos depois da guerra, a gente ainda fazia esse trabalho porque a nossa organização fazia muitos trabalhos que o Partido precisava.
Fiz também várias viagens. Apareceu um congresso internacional na União Soviética. Tinha mulheres do mundo inteiro. Não era só do partido. Era um congresso para organizar exigências, reivindicações das mulheres. Eu nem pensei em ir pois naquela ocasião, estava meio chateada, me separando do meu marido. E o Marighella[7], com quem eu trabalhava e de quem eu gostava muito, disse “Tuba, você vai para esse congresso". Eu disse: “Eu não vou.” “Você vai para o congresso” Ele me embarcou sem eu querer, gostava muito de mim. Fui embora e foi maravilhoso. Discutimos reivindicações, situação e exploração das mulheres. . O que deve e o que pode ser melhorado na vida das mulheres. Foram 20 dias de congresso. Tinham grupos de todos os países, até de Israel. Como Israel tem dois partidos, tinha dois grupos. Passeamos dois ou três dias, levaram o grupo para Leningrado, Moscou, vários lugares. Foi muito bem organizado. Depois um grupo com várias mulheres da China.
Veio me falar que eu era um bom elemento no Partido, e me convidaram para ir para a China. Eu e mais dez mulheres foram escolhidas. Outras quiseram, mas não foram. Fui embora para a China onde fiquei vinte dias. Não podia ser menos, eles diziam: “Você quer ir para poucos dias, como passeio, depois você vai falar das coisas que viu e que não viu. Tem que ficar para ver tudo bem direitinho. Tudo que você for contar sobre a China tem que ser certo.” Foi uma coisa maravilhosa.
Na Rússia eu não fiquei satisfeita porque o congresso deu pouco tempo para ver a Rússia. Depois de cinco ou seis anos voltei lá, para ficar um mês. Fui para o hotel em Leningrado, onde tenho um primo, para ficar seis dias e fiquei catorze, não queria ir embora. Leningrado é tão lindo.
Tudo mudou muito lá na Rússia. A gente sente muito porque tudo é diferente. Uma grande desilusão. A Rússia tinha uma grande influência nos jovens. O forte do partido é a juventude, porque da juventude é que vem o partido. Então, a juventude teve uma grande desilusão com a Rússia. Mas ainda tem partidos progressistas que funcionam muito bem. Não é tudo fascismo não.
Fiz também muitas coisas para a família. Fazia um monte de coisas. Ajudava os meus filhos, ajudei a criar os meus oito netos. Meus filhos são todos médicos e eu ajudei muito eles. Eu viajei muito com os meus netos, além de levar para a colônia. Para Águas Quentes, para Brasília, para todo lugar eu ia com os meus netos. Primeiro, eu levei os oito para Campos do Jordão. Aluguei uma casa e fiquei com os oito duas vezes. O meu filho mais velho diz: “Mamãe, nós nunca tínhamos férias. Férias foi você que nos deu. Porque ficar sem os filhos pequenos por quinze dias eram as melhores férias que podíamos ter. Se você quer dar mais férias para a gente, leva as crianças para um hotel". Era muito trabalho, muita responsabilidade e ele ficou preocupado. Então, fui para Lindoya no hotel com os oito netos pequenos. Eles nunca esquecem, se davam muito bem. O mais novo tinha um ano naquela ocasião.
Eu trabalhava muito. Isso era o que o pessoal dizia “A Tuba trabalha mais do que esses que trabalham para ganhar.” Ainda dava um tempinho para as atividades de lazer, atividades culturais. Eu usava muito a minha casa, fazia muita reunião. Recebi muitos elementos de fora. Isso era a minha vida. Eu não tinha outra vida.
Agora, está mais difícil, estes últimos três anos. Pois aconteceu que cheguei muito alegre da casa de um filho meu. Me deixaram aqui e foram embora. Entrei na cozinha e sentei perto do forno para fazer um cafezinho. Tocou o telefone, eu levantei depressa para atender e caí em cima do braço. Era domingo, quando eu não tenho empregada, quatro horas da tarde. Fiquei deitada no chão, não conseguia nem levantar, nem chamar. Fiquei até às dez e meia no chão, deitada em cima do braço quebrado. Depois disso, acabou os sonhos de viagens, de querer muita coisa. Hoje eu faço menos coisas. O que eu faço? O que uma velha faz? Eu gostaria de fazer muita coisa. De ir ao cinema, ao teatro, viajar mais um pouquinho. Eu queria ir para Cuba. No ano passado, eu estava pensando ir para Cuba. Estive lá, mas foi no começo, achei que deveria ir agora, mas não dá. Eu vejo que agora não dá mais. Paciência. Eu tenho que me conformar. Agora, eu já não ando direito, achei que era por velhice. Na semana passada, os meus filhos estavam meio sentimentais. Os três filhos, o Nelson, o Nestor e o Nílton me levaram para o melhor médico de coluna, para ouvir a opinião dele. Ele disse que esse negócio das pernas não é da velhice, é da coluna. Eu queria andar melhor um pouco. Eu preciso fazer mais fisioterapia.
Eu ia muito na Casa do Povo. Sempre tem conferências muito boas. Sempre de progressistas. A gente paga a mensalidade, eu recebo o programa, mas não tenho ido porque primeiro, tem uma escadaria enorme para subir. Eu tenho muito medo de cair porque, ultimamente, eu caio, eu não tenho muita firmeza. E nem sempre estou de acordo com o trabalho da Casa do Povo. Agora, nos últimos anos, também ficou mais fraca a questão. Quase não tem o trabalho que tinha antes. É fraco, e depois a gente envelhece e não dá. Tem gente velha que continua até a morte trabalhando nisso. Para mim não dá mais. Eu não tenho ido à Casa do Povo.
Eu gostei muito de dar este depoimento, muita gente sabe que eu fiz muito e que eu tenho muita coisa para contar. Então, me pedem. Eu não conto tudo aqui, o que eu vi o que eu passei.. Eu nunca queria contar nada para ninguém. É a primeira vez que eu conto. Eu gostei de vocês. É um ambiente muito gostoso. Eu não achei ruim não. Não sei porque, eu não estou arrependida de ter contado.
Eu não estou arrependida de nada do que eu fiz na vida. Há muitos para quem tudo era a Rússia. Como a Rússia mais ou menos não deu certo dizem “Perdi a minha vida" Muitos acham que deram tantos anos de trabalho para nada. Esquecem que o que aconteceu lá nos ajudou um pouco aqui. Eu nunca vou dizer que eu perdi a vida. Eu ganhei a vida. A melhor coisa é fazer alguma coisa quando a gente é jovem. Ter um ideal é a melhor coisa da vida. “Quero isso, quero aquilo. Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo e fazer.” Não é só dizer que quer, mas fazer.
[1] Referência aos preceitos judaicos da cashrut, que proíbe a mistura de qualquer alimento derivado de leite com carne
[2] A depoente usará os termos trabalho e trabalhar como sinônimo de militância e militar
[3] Referência à ilha Grande, no litoral carioca, onde funcionava um presídio em ficaram muitos comunistas
[4] Olga Benário, esposa de Prestes, deportada, grávida para a Alemanha, por decisão de Getúlio Vargas.
[5] Referência à manifestação realizada em 15 de julho de 1945 no estádio do Pacaembu, onde Prestes lança a campanha "Constituinte com Getúlio".
[6] Deputado pelo Partido Comunista
[7] Deputado eleito em 1947 pelo Partido Comunista, abandonou o partido e aderiu à luta armada durante o regime militar.
Museu Aberto (MA)
Uma vida dedicada a um ideal
História de Tuba Laber Schor
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 22/07/2003 por Museu da Pessoa
P/1 – Eu queria que a senhora começasse dizendo o seu nome e a cidade aonde a senhora nasceu?
R – Eu me chamo Tuba Schor. Nasceu na (Passarábia?), a cidade era Skoll, que deu Romania.
P/1 – Em que ano foi?
R – 1914. 18 de julho.
P/1 – Como se chamavam os seus pais?
R - ________ Laber e a minha mãe, Rosa Laber.
P/1 – E o que é que eles faziam nessa cidade?
R – Meu pai era negociante; minha mãe era uma dona de casa.
P/1 – Quantos irmãos? Quem morava na sua casa?
R – Tinha a minha irmã e o meu irmão. Só. Tinha só um irmão e uma irmã.
P/1 – Existia uma comunidade... Era uma comunidade pequena... Como era a sua cidade?
R – A sociedade?
P/1 – É.
R – Porque era uma cidade pequena e tinha várias sociedades. Tinha a sociedade burguesa, tinha uma sociedade proletária, tinha camponeses. Tinha várias sociedades nessas cidades pequenas porque (Volta?) era camponeses. Então, tinha... Na cidade mesmo, tinha muitos camponeses que morava na cidade.
P/1 – Quem morava na sua casa além da senhora, seus pais e seus irmãos?
R – Só nós.
P/1 – Como é que se dividia tarefas na sua casa? Quem era responsável pelo que, como isso funcionava?
R – Meu pai trabalhava como negociante, a minha mãe fazia todo o trabalho de casa, que os três filhos estudavam. Tinha escola, uma escola muito boa na minha cidade, e todos os três, nós trabalhávamos. Só uma infelicidade que aconteceu que meu irmão, que era o único filho homem... Na escola, tinha uma escada para subir. Ele subiu a escada, e caiu, e rolou até embaixo, e bateu o joelho e ficou muitos anos doente. Então, deu muito trabalho para a minha mãe, mas salvou o menino porque como ela foi a primeira que saiu da minha cidade e foi para uma cidade grande para irmos _________, para ______________, ela não deixou e correu de um lugar para o outro, e salvou o menino.
P/1 – Como era essa escola, dona Tuba, que a senhora freqüentava?
R – Foi uma escola muito boa. Era o Ginásio junto com o Científico. Então, se estudava história, geografia, química, física, línguas, todas as línguas quase, menos inglês. Não sei por que naquela ocasião não se estudava inglês, mas se estudava alemão, se estudava italiano, se estudava francês, só inglês não se estudava.
P/2 – Com quantos anos vocês iam para a escola?
R – Com sete anos.
P/2 – Sete anos.
R – Com sete anos. Até 17, 18, que a gente fazia essa escola.
P/2 – A senhora ficou todo esse período numa escola só?
R – Numa escola só. Uma escola muito grande com muito bons professores. Sempre trazia os melhores professores, melhores diretores tinha naquela escola.
P/1 - E quem é que frequentava essa escola? As pessoas do bairro? Como funcionava?
R - Não. Era da cidade toda. Era pago e uma parte, eles aceitavam sem pagar.
P/2 - A senhora também recebeu educação religiosa?
R - Não. O meu pai não era religioso mas ele frequentava a sinagoga naqueles dias de religião _______, ele ia para a sinagoga. Mas, na minha casa não tinha essa parte religiosa como os judeus tinham que o (Deus?) come leite junto com a carne não podia estar perto, não se cozinhava na mesma panela. Na minha cidade ninguém era fanático. Meu pai e a minha mãe iam para a sinagoga quando eram os dias que todo mundo ia, mas fanatismo não tinha.
P/2 - E se comemorava as festas?
R - Se comemorava como uma festa com as comidas típicas daqueles dias porque os judeus têm comidas típicas; Páscoa com uma comida típica. Sabe, nesses dias fazem comidas diferentes, então tudo isso, nós tínhamos. Mas, fanatismo não.
P/2 - E a senhora teve educação política? A sua família tinha simpatia por alguma... Como é que era?
R - Sim, principalmente, eu.
P/2 - Como é que isso entrou na sua vida?
R - Porque depois da guerra...
P/2 - Da primeira guerra?
R - Da primeira guerra. A juventude se dividia; ou era fascista, ou era comunista. Então, cada um escolhia onde se simpatizava. Então, eu fui para a esquerda, não para a direita.
P/2 - Foi na escola?
R - Logo depois da escola.
P/2 - É, mas isso foi depois da saída da escola?
R - Mesmo na escola, a gente também já escolhia, mas não abertamente. Depois trabalhava abertamente.
P/2 - E como é que a senhora se aproximou disso? Havia atividades, como é que era?
R - As atividades, nós organizávamos os camponeses para não vender as coisas mais baratas para quem trabalhava (por ordenado?), tudo isso a gente organizava. E com os operários, a mesma coisa. Quando tinha a oficina com os operários, a gente organizava para não trabalhar por ordenados muito baixos. Para exigir os seus direitos. Isso era da esquerda.
P/2 - Esse era da esquerda. Era uma militância? Enfim, a senhora tinha atividades e tinha tarefas?
R - Sim.
P/2 - Isso era na sua cidade?
R - Comecei essa vida fora da escola. Acabei a escola, comecei com isso.
P/2 - Quando acabou a escola?
R - Na escola, a gente também frequentava um pouco, mas era proibido. A escola proibia todas as atividades fora da escola. Então, se a gente fazia alguma coisa era proibido.
P/2 - Dona Tuba, existia confronto entre a juventude de esquerda e a juventude fascista?
R - Nós não lutamos entre si. A gente só procurava _____ porque cidade pequena tem uma vida muito cultural. Porque como a gente não tem grandes ocupações, então só se ocupa com isso para desenvolver para ter um nível melhor. Então, se fazia muita conferência. Quando a esquerda fazia conferência, eles vinham na nossa conferência e discutiam. Saíam com as opiniões deles e aí discussões, mas não lutamos um com o outro. Não tinha lutas. Tinha discussões um com o outro. Nós queríamos convencer eles serem da esquerda e eles queriam convencer a gente da direita. E foi muito interessante.
P/2 - E o que vocês liam nessa época?
R - Se lia tudo. Se lia jornais, se lia revista. Tinha... Mesmo os livros, tinha _______, tinha escritórios israelitas da esquerda muito bons. A gente lia muito. Na cidade pequena, a gente lia muito porque a gente tinha tempo. Até eu era muito (sectária?). Eu não queria ficar na cidade pequena. Achei um absurdo, a gente perder a vida em uma cidade pequena e no lugar de ficar em uma cidade grande. Perto de uma fábrica grande, aí há possibilidades de fazer o nosso trabalho que a gente gostava muito. Então, eu dizia: “Mas, você vai para a cidade grande? Nem jornal você não vai ter tempo para ler porque uma cidade tira o tempo da gente com _________, com tudo.” E cidade pequena, a gente tinha muito tempo para ler.
P/2 - E a senhora saiu da cidade pequena para a cidade grande?
R - Eu tive de sair logo porque a polícia não largava a gente. Eu tive muita sorte da _____.
P/2 - Por que?
R - Começaram a me procurar, consegui fugir de um lugar para outro e eles não me encontraram. No fim, eles me encontraram em Bucareste. Fui presa em Bucareste. Antes de vir para o Brasil, eu vivi um ano em Bucareste. O último ano na Romênia. Bucareste é a capital da Romênia.
P/2 - E o que a senhora fazia em Bucareste?
R - Como eu não tinha profissão, qualquer coisa que tinha e que dava para viver, eu ia fazer.
P/2 - E o que a senhora fez?
R - Eu também tinha um primo lá que tinha uma indústria. Costurava botões. Então, a gente dava risada porque nós éramos uma mesa que não tinha profissão. Então, a gente costurava e para não acabar a costura, a gente costurava sem nó. Então, puxava o fio e nunca acabava a costura. (risos) E desse jeito, a gente se sustentava. Pouco, muito pobremente porque nós vivíamos muito no coletivo. Quem ganhava mais um pouco ajudava esse que ganhava menos. A gente era muito unido.
P/2 - Que grupo era esse?
R - Da esquerda.
P/2 - Então, todos foram para Bucareste?
R - Não, Bucareste tinha não só da minha cidade, mas de todas as cidades e deles mesmos também. Porque tinham indústrias muito grandes. E na indústria, a comunidade sempre se dividia. Era da esquerda ou da direita.
P/2 - E em Bucareste, a senhora morava com quem?
R - Sempre me juntava a duas ou três moças e morávamos juntas. Alugava um quarto e morávamos juntas. Eu tinha um primo também, em Bucareste. Mas, eu não gostava de viver lá porque tinha que dar satisfações; “Aonde você vai, o que você vai fazer?” Então, a gente se juntava duas ou três moças. Alugava um quarto e morávamos juntas.
P/2 - E esse grupo de esquerda reunia judeus e não judeus? Eram todos comunistas?
R - Sim, nós não fazíamos diferença entre judeu e não judeu. Sempre éramos muito unidos. Todos
P/2 - E a polícia começou a perseguir a senhora por conta das atividades. Como é que foi isso?
R - Porque em Bucareste, eu vivi sem incomodar ninguém, mas depois, houve uma greve de metalúrgicos. Houve uma greve muito importante. Então, eles saíram e já sabiam que essas greves era sustentadas pelos comunistas. Então, a polícia saiu para juntar os comunistas. Eu tive tão pouca sorte que naquela ocasião, eu estava em um quarto de um rapaz e uma moça. O rapaz era conhecido como comunista. Então, a polícia bateu na porta e prendeu os três. Quando era para entregar a chave, o moço perguntou: “E a chave do quarto é para entregar para o dono?” Então, a polícia respondeu: “Com certeza.” Porque tinha cara de criança. Eu tinha 18, 19 anos e era magrinha, baixinha, cara de muito jovem. Então, a polícia: “Ela com certeza vai sair, ela vai levar a chave.” E foi ao contrário; quando me prenderam, aqui no Brasil quando se trabalha no Rio e vai embora para São Paulo apagou tudo. Não tem ligação a polícia um com o outro. Na Romênia não. Se você trabalhou em (Beltis?), por exemplo, na minha cidade quando se estava em Bucareste, então tudo que era contra mim, Bucareste já tinha uma gaveta com _____ . Abre e tem tudo que tem contra mim. Quando prenderam nós três, então prenderam muita gente. Então, não podia ficar todos na polícia. Tinha que transferir eles para a cadeia porque não tinha tanto lugar. Mas, antes de transferir para a cadeia, abriram as gavetas para ver o que tinha contra as pessoas. A mim já não mandaram para a cadeia porque acharam que só um elemento muito perigoso _______ encontraram nessa gaveta.
P/2 - E o que tinha na gaveta sobre a senhora?
R - Que me procuram por isso, por aquilo porque tinha muita coisa que já tinha contra mim denunciado. E não me encontraram. Procuraram e não me encontraram. Mas, tudo isso eles tinham anotado. Eles tinham anotado que estavam me procurando em (Beltis?). Estavam me chamando para um processo em (Beltis?) porque naquela ocasião, foi preso ________ da minha cidade, foi preso o secretário... Porque cada cidade tinha o seu comitê. Depois tinha o secretário... O comitê de várias cidades juntas. Então, o secretário principal foi preso e foram presos vários elementos. Mas, um desses elementos, tinha o pai muito rico. Então, esse rapaz que estava lá, eles não julgavam. Eles queriam pegar esses que estão faltando. Estava faltando 14 elementos porque estavam procurando 34 e faltava 15 pessoas. Então, eles fizeram esses processos em todos os casos e durante a semana toda, procuravam. Então, encontraram o que eles estavam procurando lá. Para o processo de (Beltis?). Depois me mandaram para (Beltis?).
P/2 - E a senhora ficou presa?
R - Sim, fui presa.
P/2 - Muito tempo?
R - Em Bucareste, eu fiquei um mês, que me seguraram. Depois, me mandaram para (Beltis?). Quando eu cheguei no Brasil foi muito sério. Mas foi uma coisa muito interessante que ninguém que eu conto consegue entender. Eu quando estava presa em Bucareste, estava junto com as ladronas porque como os comunistas todos foram mandados para a cadeia, eu fiquei sozinha, me seguraram sozinha. Porque eles tinham que se informar com (Beltis?), e ver tudo isso e depois me mandar. Então, me puseram junto com os presos comuns. Isso foi uma coisa horrorosa. Eu gostava porque falava com as meninas para me contar por que elas viraram prostitutas. Me contaram das mães porque a mãe também era. Tudo isso, eu gostava das histórias e das ladronas, mas depois entraram duas mulheres muito elegantes, muito bonitas. Essas mulheres eram da alta sociedade. Também eram ladronas. Uma dessas mulheres era antigamente... O marido dela era o chefe de polícia de (Beltis?) e, depois, ele perdeu o emprego. Eles viviam em Bucareste e tomaram parte em um grupo de ladrões. E foram presos. Então, estava ela e a amiga dela que também era da alta sociedade. Também uma ladrona. Então, eu gostei... Eu não estava de acordo com ela, mas gostava mais de me encostar delas do que nas prostitutas. Porque nós dormíamos no chão e para se encostar naquelas moças estava muito sujo, mal cheiro. E elas eram limpas e cheirosas. Então, ficava muito perto delas. Elas gostaram de mim. Quando me levaram para mandar para (Beltis?), então essa mulher que o marido dela era, antigamente, chefe de polícia de (Beltis?), procurou uma oportunidade e pediu ao marido... O marido dela também estava preso. Para o marido dela fazer um bilhetinho para mandar para o chefe de polícia de (Beltis?) para me dar, pedindo para não me bater porque eles batiam muito, matavam. Em geral, a gente saia sem as unhas, sem os dedos. (Beltis?) e a Alemanha eram a coisa mais bárbara. E ela conseguiu o bilhetinho do marido dela para eu levar para (Beltis?). Até quando entrou uma comunista e eu disse que tinha o bilhetinho, disse: “Joga fora. Você nem vai chegar perto do chefe de polícia de (Beltis?) porque a gente não chega perto. Eles fazem tudo que eles querem fazer com a gente e põe no porão. Você não chega.” Mas, eu levei o bilhetinho. Aconteceu que em (Beltis?) eu cheguei perto dos ______ porque me puseram em uma cela, uma cela de espera. Puseram uma mesa, me puseram em cima daquela mesa e puseram um guarda para tomar conta de mim. Então, uma vez naquela sala, de noite trouxeram prostitutas que batiam uma na outra, uma matou a outra. Eram coisas bárbaras que a gente via. Então, uma vez eu não aguentei de ver como eles batiam em uma prostituta. Toda rasgada, toda sem roupa. Então, eu disse assim: “Por que é que vocês batem nela?” Ela estava bêbada. Para ela contar isso, eles queriam saber dela, “o que é que você fez, o que é que você não fez”. Eu disse: “Por que é que vocês batem nela agora quando ela está tão bêbada? Deixa ela dormir. Quando ela acordar, ela vai saber o que contar.” Então, ficaram muito bravos com ela. “Olha, sua atrevida, comunista, ninguém te pergunta nada. Você vem se meter!” E me tiraram da mesa e me puseram no quartinho que era perto do chefe. Aí, eu entreguei o bilhetinho. Aí, ele para me mostrar que não tem influência nenhuma, ele fez uma cara feia, gritou, mas não me bateu.
P/1 - E a senhora ficou presa quanto tempo?
R - Muito tempo. Aí, eu declarei uma greve de fome. Antes disso, a gente usava muito greve de fome para ter liberdade, para conseguir alguma coisa. Mas, depois, resolveram não fazer greve de fome porque, como a gente estava nos porões, chefe de polícia nunca chegou a saber de gente em greve de fome. Então, só emagreceram, ficaram doente. Então, resolveu não se fazer mais greve de fome. Mas, como eu estava ao lado do chefe de polícia, eu achei “aqui vai resolver a greve”. Declarei greve de fome. Greve de fome eles não aguentaram. Eu já era muito margina e os primeiros três, quatro dias a gente não consegue nem levantar. Dá umas tonturas tremendas. (risos) Mas, depois acostuma com a greve de fome. A gente se levanta e anda.
P/2 - Quanto tempo a senhora suportou a greve de fome?
R - 13 dias.
P/2 - 13 dias?
R - 13 dias.
P/2 - Sem água? Bebendo água?
R - Água sim.
P/2 - Água sim.
R - Só água, mais nada.
P/1 - E aí, o que aconteceu?
R - Aí, começou o processo. Começaram a me levar para dizer, para falar. Então... Porque isso era todos os sábados. Durante a semana, procuraram esse que estava faltando. Todos os sábados. Então, um dos da polícia, da mesa, quando me levaram para... Como é que se chamava aquela parte da justiça? Ele achou que não devia ficar lá a semana toda. Depois da greve de fome. Então, queria me dar esse privilégio porque estava em greve de fome. Para me mandar para casa, para ficar a semana toda em casa e sábado voltar para o processo. E me puseram um soldado na porta para me...
P/1 - Na sua casa?
R - Da minha casa.
P/1 - E como a sua família recebeu a senhora?
R - A minha, muito bem.
P/1 - Muito bem.
R - Minha mãe era... Tinha muito bom senso. Era gente muito boa. Meus pais eram muito bons e gostavam muito dos filhos. E achavam que... Não me acusaram, não ficaram bravos comigo porque eu sou comunista, nem nada. O que eles podiam me ajudar, me ajudaram. Então, um dia... Porque eu sabia que iam me condenar. Eu tinha uma irmã já aqui no Brasil. Ela casou em 1931. Era 1933, no começo. Em 1931, a minha irmã casou e foi embora para o Brasil. Justo naqueles dias, chegou um chamado da minha irmã para vir para o Brasil.
P/1 - Para a senhora?
R - Para mim.
P/1 - No seu nome?
R - No meu nome para carta da minha família. Então, minha mãe ficou muito satisfeita; queria muito que eu fosse embora. Então, eu sabia que iam me por na cadeia por uns três, quatro anos. Então, uma noite resolvi sair e ir embora para o Brasil.
P/1 - Então, a senhora fugiu?
R - Eu saí às 4:00 da madrugada. Naquela ocasião, era no inverno, _____________. Os soldados que tomavam conta da gente, que estavam sentados na frente às 4:00, adormecidos. Eu saí às 4:00 e fui embora. Quando me lembro disso, como é que a gente não tinha medo? Não tinha medo de nada. Eu nunca tinha medo de nada.
P/1 - E a senhora saiu e como é que foi a sua...
R - Foi preparada uma charrete fora da cidade, em um lugar onde eu ia até lá. Eles me levavam até (Chernobits?). Em (Chernobits?), entrava em um avião e foi até Trieste, de Trieste foi embora. Tudo foi pago, foi arrumado.
P/1 - Pelo partido?
R - O partido ajudou muito. Meu pai juntou um pouco de dinheiro; eles deram um jeito para poder ir. Eu cheguei em Triste, fiquei oito dias em Triste porque o navio saia só oito, 10 dias depois que eu cheguei. Então, perto do porto tinha um restaurante que me seguraram lá. E Triste não era ainda uma cidade. Perto do porto tinha algumas casas, algumas família. Então, os rapazes descobriram que tinha uma mocinha lá naquele hotel, esperando... Então, vieram, me buscaram, me levaram para a casa deles. Eu me diverti em Triste os oito dias. Era justo a Páscoa. Me levaram para passear, me levaram para jantar. Foi uma beleza. E fui embora para o Brasil.
P/1 - A senhora foi de navio para o Brasil?
R - De navio e 22 dias.
P/2 - A sua irmã já estava aqui e o seu irmão e os seus pais continuaram lá?
R - A família toda lá.
P/2 - Toda lá.
R - Só a minha irmã. Ela morava em Juiz de Fora. Eu sei que ela não sabe que eu ia chegar porque eu não mandei telegrama, nem telefonei, nem nada.
P/1 - Como é que foi essa viagem?
R - Muito boa, muito gostosa. Era um navio muito bom. Depois de uma greve de fome, a gente come até pedra e o navio estava bom. Tinha jovens também, me diverti. Depois, eu tive sorte porque tinha muito carro de criança. Tinha uma velha que ficava sozinha no apartamento, uma velha muito rica que estava indo de um lugar para outro, então ela pediu para eu ficar com ela. Tinha o quarto dela e mais um quarto para ficar com ela. Eu fiquei em um lugar muito bom perto da velha e me diverti com os ________. Uma viagem maravilhosa. Mas, como eu não avisei para a minha irmã, achei que ela não sabia. Como eu tinha muito pouco dinheiro, eu resolvi, ou dar telegrama quando eu chegar perto do Rio para ela vir me buscar. Se não, como tenho pouco dinheiro, eu pego o trem e vou para lá. Ela tem um menino de oito meses para eu ir para lá para não dar trabalho. Quando o chefe do navio ____________ só negro. “O negro está te esperando que vai te pegar quando você estiver chegando no Rio”. Eu nem dava confiança. Mas quando o navio parou de noite no Rio, como ele disse, era uma beleza.
P/1 - Como era?
R - A coisa mais maravilhosa. Para ver o Rio, chegando de navio é uma coisa maravilhosa. Você vê só essas lâmpadas com __________, um sonho. Eu demorei um pouco para ir até encostar no Rio para olhar tudo mas depois quando eu fui ver, me subiram uma cesta de laranja e o pessoal dando risada. Pareceu um negro quando eu olhei para baixo. Apareceu um negro e dava risada. “Olha, o negro já está te esperando.” Isso era um amigo meu que estava estudando junto comigo no ginásio e estava morando no Rio já um tempo. E ele soube que eu estava chegando. Ele sabia o meu quarto do navio e me mandou as laranjas para cima. E a minha sobe e veio também. Me esperando com o menino dela. E me levou para Juiz de Fora. Eu cheguei em Juiz de Fora _______.
P/1 - Isso em 1930 e...
R - 1933. Primeiro, em Juiz de Fora, lugar pequeno. Eu não sabia ________. Sozinha, eu não me sentia bem. Eu estava muito acostumada a ficar ligada. Então, eu queria ir embora. Até, chegou um amigo do meu cunhado para fazer alguma coisa lá, eu ______ com ele. Ele disse: “Eu te levo.” Ele me levou para o Rio e me pôs na oficina dele. Eu trabalhava e ganhava um pouco. Eu me sustentava, não precisava muito.
P/1 - Quando a senhora chegou no Rio, a senhora foi morar aonde?
R - Fui morar... Eu tinha uma prima, então eu fiquei alguns dias na casa de uma prima e, depois, eu fui morar na casa de uma família ________ , a sogra dela. Era muito amiga da minha irmã, eu fui morar em um quarto da casa dela. Ela cobrava muito pouquinho. É (Meyer?), eu morava no (Meyer?). E eu fui morar na casa dela. E quando eu cheguei, me apresentaram ao pessoal do partido; “esse é do partido, aquele é do partido, tudo era do partido”. E me disseram: “O melhor do partido está na ilha.” E naquela ocasião, quando prenderam os comunistas no Rio, mandaram para ______. Tinha uma ilha.
P/2 - Uma ilha grande?
R - Uma ilha _________ dos políticos. Eles tinham uma ilha só para políticos que mandavam embora para essa ilha. O melhor comunista do Rio está nessa ilha. Então, eu sabia que tem um muito bom na ilha.
P/1 - E quem era?
R - Era o meu marido. (risos) Ele ficou um ano lá. Mas, já era uns dez meses que ele estava lá. Depois, ele voltou para o Rio e sabe, ele como jovem, logo fica sabendo de todas as novidades que tem. Tem uma gringa aí que também veio para o nosso grupo, ele me procurou e nós (andamos um ano?) e casamos.
P/2 - A senhora poderia dizer o nome dele, dona Tuba?
R - (Ischor?). Já ouviu falar? É aquele médico ginecologista.
P/1 - Dona Tuba, como é que eram as atividades do partido quando a senhora chegou no Rio? E que atividades a senhora tinha?
R - Bom, as atividades, eu por exemplo, que estava naquela oficina que aquele amigo me levou, logo, eu comecei a organizar (almoços ganhando o povo para ganhar mais?) Porque nós não éramos os comunistas como no Rio que Stalin fazia. Nem sabíamos o que Stalin falava. A gente nunca nem pensou nessas coisas. A gente organizava para ganhar melhor, para viver melhor, para ter casas melhores. Só para melhorar a vida do povo. Esse era o nosso trabalho.
P/1 - E tinha alguma atividade da comunidade judaica?
R - Tinha.
P/1 - Como é que era?
R - Tinha até uma biblioteca... No Rio tinha uma biblioteca que eles se encontravam porque era muito perseguido naquela ocasião. Então, para poder se encontrar, eles faziam em uma biblioteca. Também, lutando para não serem expulsos os estrangeiros porque eles expulsaram muitos estrangeiros. Também, ajudando a organizar o pessoal que vinha de fora para se organizar para ganhar a vida. Sabe, tudo que precisava, o partido sempre se propôs para ajudar.
P/1 - E como é que surgiu essa idéia de formar a FIBE? Da onde saiu essa idéia? Quem foram as pessoas?
R - Isso já é depois da guerra.
P/ - Ah, está bom.
P/2 - Dona Tuba, a senhora conseguiu se naturalizar ou...
R - Eu me naturalizei depois que já chegamos em São Paulo. Meu filho tem 60 anos. Eu me naturalizei sete anos depois que eu cheguei no Brasil. Eu me naturalizei depois que o meu filho nasceu.
P/1 - Dona Tuba, a senhora estava falando que se fazia um trabalho de organização que não se sabia das coisas do Stalin. O que é isso que a senhora estava falando?
R - Porque a gente não sabia. A Rússia não era uma fronteira aberta que a gente ia e vinha. A gente não deixava entrar e não deixava sair. Então, só sabíamos que na União Soviética derrubou o capitalismo e tinha o socialismo. O socialismo, cada país criou uma teoria de socialismo. Não era socialismo que fazia... Bom, a Rússia _____ certas obrigações porque como eles tomaram o poder, para poder sustentar aquele poder tinha que lutar contra muita coisa severa que atrapalhava. Nós, dos países capitalistas, tiramos só o bom para ganhar melhor, para não ser expulso, contra a polícia que maltratava desse jeito. Essas indicações, cada país tinha as suas indicações.
P/2 - Mas vocês não recebiam nenhuma orientação da Rússia, no sentido de um...
R - Vinha pessoas. Vinha de vez em quando um e contava algumas coisas. Mas para ser dirigido pela Rússia não.
P/2 - As orientações eram do partido comunista brasileiro?
R - Cada país fazia os seus programas.
P/1 - Mudou alguma coisa quando começou a segunda guerra? O que aconteceu? Como é que foi?
R - A segunda guerra?
P/1 - É. A senhora já estava aqui, enfim... Como é que ficou o ambiente aqui?
R - O Brasil não entrou logo na guerra. Entrou muito mais tarde, mas se organizaram grupos que foram para ajudar a guerra. Os poloneses foram ajudar a guerra. Foram para a Polônia e a gente mandava o que podia mandar. Mandava ajudando a se organizar para a segunda guerra. Mas, o Brasil não entrou na segunda guerra. Bem mais tarde entrou lá para a guerra.
P/2 - E a senhora como participante do partido comunista tem uma lembrança do Prestes?
R - Eu nem cheguei... Naquela fase, eu não era do partido porque partido era depois de 30 anos. Até 30 anos era da juventude comunista. Era da juventude.
P/2 - E vocês conheciam de ou vir falar sobre o Prestes? Tinha alguma imagem formada sobre ele?
R - O Prestes... Eu cheguei em 1933, 1934... O Prestes chegou no Brasil, me parece em 1935. Foi em 1935 que chegou com aquela revolução. A gente tinha ligação com os elementos do partido porque o partido controlava a juventude. Eles que orientavam. Eles que organizavam a juventude comunista. Quer dizer, eu ouvi falar muito em Prestes. Ouvi falar muito. Depois, quando o Prestes chegou, a gente ouviu muito falar na Olga. _______ com a Olga. Em 1935 quando ele foi preso. Eu sabia, lógico que eu sabia. Depois que o Prestes saiu, quando ele veio para São Paulo, a primeira casa onde ele se hospedou foi para a minha casa.
P/1 - Quando que a senhora veio para São Paulo?
R - Em 1934.
P/1 - Em 1934.
R - Não. 1937.
P/1 - Por que a senhora veio para São Paulo?
R - Porque em...Quando que teve a revolução lá no Rio? Em trinta e quanto? O partido queria se organizar lá no Rio para tomar poder... Só que a gente faz os maiores absurdos. Também, eu não vou dizer tudo que a gente fazia. Estava muito bem feito, muito bem pensado. No Rio, como é que foi aquela... Era muito planejamento para tomar o poder para tirar o Getúlio Vargas do poder porque o Getúlio era muito severo com o comunismo. Ele maltratava muito o comunismo. E tinha muita miséria no Brasil como tem até hoje. Então, como é que foi aquilo? Deixa eu me lembrar. (pequena pausa)
P/2 - Não foi em 1935, dona Tuba?
R - Não, foi antes.
P/1 - Vocês decidir vir para São Paulo, foi isso? Nesse momento?
R - Não. Em 1936... A primeira revolução... (pequena pausa) Em 1937 que eu vim para São Paulo. Em 1936, o partido resolveu tomar o poder e a polícia era mais forte que o partido e dominou o partido. Naquela ocasião, o meu marido estava na faculdade, ele não tinha se formado ainda. Ele estava na faculdade, então ele esperou passar esse período de 1936. Quem eles encontravam fácil, eles prenderam. Então, em 1936, eu combinei com o meu marido para me encontrar na porta da... Nós saímos de manhã, ele foi para um lugar e eu fui para um outro lugar. A gente ia a reuniões. Eu combinei com ele às 18:00, me encontrar na porta da faculdade onde ele estava. Eu fui lá me encontrar com ele porque nós éramos muito pontuais porque a polícia... Eu, quando cheguei no Brasil, achava que todo mundo aqui era polícia. Porque aqui, eles olham muito as mulheres... Os pés e na Romênia, eles controlavam as mulheres porque olhavam como comunistas, não olhava os pés e nem a beleza da mulher. Então, a gente quando tinha encontro, não esperava muitos minutos e se não encontrava, ia embora. Como eu não encontrei ele na porta da faculdade, eu fui embora. Já sabia que ele estava preso porque se ele não veio pontual... Porque estava preso. Eu cheguei em casa, eu estava muito ________ no quarto. E estava muito cansada, mas eu tive muita sorte. Se existe sorte, eu tive sorte ao partir. Eu fiquei no quarto e sabia que eu não posso ficar no quarto. Ele estava preso e eles batem muito. E tem muita gente que acaba falando que a gente nem pode acusar porque tem pessoas que não aguentam de tanto apanhar. Eu me levantei e fui embora para a casa da minha mãe. No caminho para a casa da minha mãe, eu resolvi no caminho (Meyer?), tinha uma casa de um conhecido e eu entrei lá. Quando eu entrei lá, já sabia que a polícia estava na casa da minha mãe para me procurar. Aí, comecei a me guardar e viajei muito pelo Brasil todo. Em tudo que é cidade que a senhora quiser.
P/1 - ________?
R - Andando. E ficando aonde o partido me mandava na casa das famílias _______. E depois, encerra em 1936... No começo de 1937 que eu vim para São Paul. Começou a ficar mais calmo e o meu marido saiu da cadeia. Ele veio me buscar e eu voltei para o Rio. Quando eu voltei para o Rio, pouco tempo depois, se declarou a nova constituição de Getúlio Vargas. Aí, saíram outra vez para prenderem os comunistas. Aí, a polícia foi para a casa da mãe do meu ex-marido. Eles falam: “Aonde está a mulher dele? Se você não vai falar, aonde está a mulher dele, vamos prender outra vez o seu filho.” Porque contra ele, já não tinham nada. O que ele tinha, já pagou um ano na cadeia. Nem sabiam onde eu estava e nem se soubessem, eles não iam falar. Ela não falou, mas vieram logo me avisar _______. Então, resolvi ir para São Paulo. Eu pedi para o meu marido, “você não vai.” Porque isso era em novembro e dizia para ele para se formar. “Você fica aí e se forma.” Eu vou embora para São Paulo. Mas naquela ocasião, a gente tinha muito cuidado um com o outro. Ele dizia: “Nem um dia, você vai ficar sozinho.” E veio comigo para São Paulo. Então, viemos em 1937. Viemos para São Paulo, ele estudou, se preparou, voltou e prestou exames de volta.
P/1 - E se formou. E como é que foi esse primeiro período em São Paulo? A senhora chegou aqui...
R - Eu cheguei aqui e fui trabalhar. E ele, também, procurou... Ele tinha se formado naquela ocasião, não estava ainda com o diploma na mão e nem estava naturalizado. Eu que vim, estava naturalizada. Ele que veio com seis anos devia ser como brasileiro. _______, mas ele não se inscreveu. Então, ele lutou para normalizar a vida dele. Eu fui trabalhar. Ele trabalhou com amostra grátis, sabe quando o médico quando se forma no começo. Então, vivemos. Honestamente vivemos. Não tinha problemas. A gente se arrumava com pouca coisa. A gente sempre se arrumava. Não tinha problemas. Mas, também, passei sete anos sem ter o meu filho. O Nélson foi só sete anos depois.
P/1 - Aí, depois já era 1940, quando a senhora teve o seu filho.
R - 1937.
P/1 - Em São Paulo, a senhora ficou trabalhando fazendo esses pequenos trabalhos. É isso?
R - Pequenos trabalhos. Até ele começar a ganhar um pouco. Porque como só ganhava um pouco, ele não quis porque ele como médico para eu trabalhar em qualquer coisa, ele não quis de jeito nenhum.
P/2 - Dona Tuba, em São Paulo, a senhora não teve mais problema com perseguição policial, enfim?
R - Eu não tive. Ele foi preso.
P/2 - Aqui?
R - Sim. Foi preso e a polícia disse para ele: “Nós temos que encontrar muito a sua mulher, mas preso você está.” Não sei porque não me prenderam.
P/2 - E onde ficava preso aqui? Era no (DOPS?)
R - Não, preso, ele não estava aqui. Preso, só na Romênia.
P/2 - A senhora não.
R - No Brasil, não me prenderam nenhuma vez.
P/2 - Só o seu marido.
R - Só o meu marido. Prenderam no Rio e depois em São Paulo outra vez.
P/1 - Dona Tuba, quando é que começaram as primeiras atividades para a comunidade se organizar? Foi nesse período?
R - Bom, quando eu cheguei já tinha...
P/1 - O que já tinha?
R - Tinha comitês para trabalhar em comunicação com os operários, ligações para os sindicatos. Para organizar, não tinha sindicatos ainda. Eles tinham muito errado a organizar, principalmente, o sindicato. Eu fiquei admirada porque quando eu cheguei, eles tinham começado a organizar os sindicatos. Eu lá na Romênia, não cheguei a trabalhar muito no sindicato. Eu fui uma vez quando me mandaram para o sindicato, aí eu tive uma pequena experiência. Mas, se a gente entende, também não só o que está fazendo, mas a gente entende como deve se fazer para ser melhor. Eu fiquei horrorizada como eles organizavam o sindicato. Até ele, quando eu criticava, ele dizia: “Ela veio com uma prática.” Eles achavam que eu tinha muita prática.
P/1 - E a organização da AFIBE, quando é que ela começou?
R - Depois da guerra, começou a AFIBE quando nós soubemos que muitas mulheres ficaram viúvas, sem os maridos e muitas crianças sem os pais. Então, sabíamos que tem muitas crianças que chegaram da guerra da Polônia, de Israel muitas crianças depois da guerra. Então, nós estávamos sentindo que tínhamos a obrigação de ajudar. Começamos a juntar dinheiro e mandar roupa para a Polônia. Até mandamos para Israel, mandamos um aparelho de infra-vermelho... Três aparelhos, nós mandamos para Israel para ajudar as crianças. E isso era o nosso trabalho. Até, nós estávamos pensando que essas crianças devem se sentir muito mal em perder os pais que perderam tudo. Organizamos para escrever cartas de amizade para essas crianças para eles sentirem que tem gente que tem interesse neles. Fizemos de tudo para ajudar e essas mulheres. Essa era a AFIBE.
P/1 - Assim, nasceu a AFIBE.
R - Desse jeito nasceu a AFIBE. Depois, soubemos que uma mulher que era muito ativa e se chamava (Witaker?) que trabalhou muito contra o (nazismo?) alemão. ________ era uma luta maravilhosa. Então, demos o nome dela, _______. Se perguntarem, _______ demos o nome dela.
P/1 - Quem eram as pessoas que se organizaram para formar a AFIBE? Quem eram?
R - _______, eu, a Leia, a Bela, a (Inga?). Nós éramos poucos que começaram, mas logo tivemos muitos que aderiram. E depois, a gente procurou organizar nos bairros, nos grupinhos dos bairros. A gente conhecia um , uma conhecia outro. Assim, nós organizamos os grupinhos em todos os bairros.
P/1 - E qual era a atividade da AFIBE, além dessa de assistência? Que mais ela fazia?
R - A gente fazia círculo de leituras.
P/1 - O que vocês liam?
R - A gente sempre... A gente lia todos os noticiários para estar a par. A gente lia a semana toda. Era obrigação de ler em casa e depois, quando a gente se encontrava daquele dia, se discutia o que se lia. E sempre, uma ficava responsável de ler um livro. Então, ela falava sobre o livro e a gente discutia quais eram os absurdos sobre o livro. Era uma coisa maravilhosa.
P/1 - E eram só mulheres?
R - Só mulheres.
P/1 - Por que eram só mulheres?
R - Porque nós organizamos porque achávamos que tem muitas viúvas, de mulheres de homens, e só de mulheres.
P/2 - Ah, entendi.
R - Começamos só para as mulheres.
P/2 - Entendi. Vocês tinham um local específico onde vocês se reuniam?
R - Nós até tínhamos um local na Barão de Itapetininga, uma sala muito boa. Tínhamos uma secretária. Sabe, a gente juntava dinheiro, fazia empreendimentos para fazer dinheiro. Depois, uma das nossas amigas, a Leia estava em Paris... Sabe a gente se interessa no que a gente faz, ela se interessou e pediu para a organização da esquerda de fazer colônia de férias. Aí, ela voltou para São Paulo e (montou?) colônias de férias. Aí, entramos nesse empreendimento e (fizemos coisas?) maravilhosas.
P/1 - Como é que começou essa história de fazer colônia de férias?
R - Colônia de férias começou primeiro para juntar dinheiro. Nós fizemos empreendimentos, fizemos jantares. A primeira colônia que nós resolvemos fazer, _______ como uma experiência. Então, tínhamos... Até a mulher dele, nós convidamos ela porque como era uma família de muito prestígio, convidamos para ela ser a nossa presidente. Porque a gente não era essa. Eu não queria ser presidente, eu queria fazer o trabalho que precisava fazer. Mas, nós não tínhamos essa ambição de crescer. Isso ajudou muito. Convidamos essa mulher.
P/1 Quem era ela?
R - (Arita Rosa Goulart?). Não sei se vocês já ouviram falar? Ele era um homem muito jogador de carta, mas um homem muito rico e um homem bom. Então, quando ela já estava presidente, nós estávamos falando da colônia de férias, ele nos disse: “Vocês querem fazer uma colônia de férias? ______, eu faço o jantar na minha casa. Com jogo. E fez 90 contos, não sei o que era. Eu me lembro do 90, eu não sei que dinheiro que era naquela ocasião. Ele fez 90 e nós organizamos 90 crianças, 30 do Rio, 30 de São Paulo, vieram de Belo Horizonte, veio de Santos e mandamos para Lindóia. Foram algumas mulheres e homens do Rio para acompanhar essa colônia. É a turma de São Paulo que falou “vamos para Lindóia.” Foi uma colônia maravilhosa.
P/1 - Em que lugar foi feita essa colônia?
R - No hotel.
P/1 - No hotel. E quais eram as atividades para as crianças?
R - As crianças? Primeiro, tem crianças que não estão acostumadas a dar amizades... Para fazer amizades, para discutir as coisas, para ler as coisas. Tinha várias atividades que a gente programava para toda noite para fazer atividades. Era muito esporte. Sempre tínhamos um professor de esporte. Que eles jogavam bola, piscina, tudo isso que a criança gosta. Eles voltaram da colônia, nunca esqueceram da colônia.
P/1 - Quantos dias?
R - 20 dias.
P/1 - 20 dias. 90 crianças.
R - 90 crianças.
P/1 - E vocês foram várias vezes para Lindóia? Como é que foi?
R - Não, uma vez só.
P/1 - Uma vez só.
R - Uma vez para Lindóia. Segunda vez para Guararema. Aí depois, resolvemos fazer grandes empreendimentos para comprar uma colônia própria. Aí, saímos. Eu com um homem de São Paulo, a (Carlota?) com outro homem aqui do Rio. Andamos ________ de carro para procurar colônias. Escolhemos essa colônia.
P/1 - Em (Sacra?)
R - Em (Sacra Família?) onde está agora. A gente não é egoísta, que a colônia é perto da minha casa. Eu estava com ela lá com a Carlota, estava discutindo: “Olha, porque no Rio, os ativistas era o maior grupo. Tinham mais gente, gente muito forte.” Então, é melhor comprar a colônia mais perto do Rio. Tinha que ser perto, ou de São Paulo, ou do Rio. Melhor mais perto do Rio. Aí, depois fui criticada a vida toda. “Você foi escolher a colônia, você escolheu no Rio e não para São Paulo.”
P/1 - A senhora foi visitar esse terreno? A senhora participou dessa decisão?
R - Sim, por isso que nós saímos em quatro pessoas. Duas do Rio e duas de São Paulo. Então, esses dois eram eu e o homem também, um amigo. Do Rio, foi a Carlota e escolhemos essa colônia que compramos.
P/1 - O que tinha nesse terreno quando a senhora foi ver?
R - Quase nada. Tinha uma casa quebrada, feia. Tinha um barracão lá fora. Tinha só um terreno muito bonito e o nome do lugar era muito bom nome para uma colônia. Um lugar muito bom, o clima muito bom. Então, escolhemos esse. De todos que vimos, escolhemos essa colônia.
P/1 - E como é que se conseguiu dinheiro para comprar esse terreno e para começar a construir?
R - Fizemos empreendimentos. Jantares... Nós já tínhamos no Rio, foi organizado um grupo que era coro muito bonito. Tenho aqui fotografias. Vocês já viram fotografias das colônias? Um coro muito bonito. Trouxemos o coro do Rio para São Paulo. Fizemos no Teatro Municipal deu dinheiro. Depois, fizeram na casa do coro e deu dinheiro. A gente fazia empreendimentos e juntava dinheiro. A gente ia de casa em casa pedir dinheiro.
P/1 - E com isso foi possível comprar o terreno...
R - Comprar a colônia toda. Já tinha esse caseiro, Francisco... Não sei como ele chama e começou a colônia.
P/1 - Quanto tempo levou para construir e...
R - Até hoje, estamos construindo. Sempre aos poucos.
P/1 - E logo depois, já houve colônia lá?
R - Logo, com menos crianças e com muito sacrifício. Não é essas comodidades como eles tinham quando foram para o hotel, mas fazia-se colônia. As crianças gostavam muito. Nunca a gente esquece, vinha um grupo de 30, 40 crianças de São Paulo e 30, 40 do Rio. Quando era para ir embora, então parou o ônibus para São Paulo entrar e ir embora. Então, o Rio todo do lado olhando para se despedir deles chorando. Essas que embarcaram chorando e essas que ficaram chorando. Uma vez, eu mostrei que o meu neto, agora médico, eu vi ele subindo no ônibus chorando tanto. Eu disse: “Por que o Breno está chorando tanto?” “Ah, porque ele estava se despedindo dos amigos dele do Rio.” As amizades entre um e outro eram tão bonita, tão pura que era uma coisa louca.
P/1 - E os seus filhos iam para a colônia?
R - Todos. Os meus filhos, eu criei na colônia e os meus netos, eu, também, criei lá na colônia.
P/1 - E como é que se organizava, um grupo fazia a programação em São Paulo e outro no Rio. Como é que funcionava isso?
R - Bom, a (Léia?) preparava as colônias. Ela preparava _________, mandava gente, eles esforçavam pelos trabalhos. Então, a (Léia?) preparava com o programa e São Paulo programa. Chegando lá, juntaram os programas e dividiam no meio. Sempre tinham programa para as crianças.
P/1 - Entendi. Enfim, durante o ano havia outras atividades desse grupo?
R - Foi o que nós pensamos. Nós não queríamos perder essas organizações desses trabalhos porque deu muito trabalho para depois perder. Nós não queríamos. Então, pensamos o que precisa fazer. Então, precisa fazer clubinhos. Então, começou-se a fazer clubinhos. As crianças também gostavam muito.
P/1 - O que tinha no clubinho?
R - Os clubinhos chamando as crianças que iam para a colônia sempre com programa. Convidando gente para dar conferência, anotar dados do que precisa para a criança de cada idade. E tinha clubinhos em todo lugar. Em São Paulo, no Rio, Belo Horizonte. Em todo lugar, tinha clubinhos.
P/2 - E onde eles se reuniam aqui em São Paulo?
R - Em São Paulo, nós até tínhamos uma sala na Casa do Povo, a gente alugava uma sala. A gente fazia de tudo, todos os empreendimentos, a primeira coisa que a gente garantia era o funcionamento das colônias.
P/2 - O que foi a Casa do Povo, dona Tuba?
R - Essa casa que tem nome de Casa do Povo, foi feito depois da guerra que tínhamos um grande capitalista aqui em São Paulo que se dizia simpatizante. Ele dizia assim: “Se a Alemanha perder a guerra, eu dou dinheiro para vocês fazerem uma casa própria para as organizações progressistas que vai se chamar a Casa do Povo.”
P/1 - Como ele se chamava?
R - (Casoy?). Ele deu o dinheiro, depois ele se comeu vivo porque ele deu isso sem precisar muito. E ele não era disposto a dar tanto dinheiro porque ele tinha que dar muito dinheiro. Se comprou a Casa do Povo.
P/2 - Onde era?
R - A Casa do Povo está no Bom Retiro e está até hoje lá. E o Rio deve ter uma casa.
P/1 - E aí na Casa do Povo, que atividades haviam? O que se fazia?
R - Aí é o que eu contei para a senhora. Ver sempre o programa. Eu vivi na Casa do Povo. Eu não saía da Casa do Povo.
P/1 - O que tinha na Casa do Povo?
R - Sempre tem conferências muito bons.
P/1 - Daquele mesmo grupo progressista?
R - Sempre progressistas. Tem sempre progressistas. Me chega toda semana, os programas. Eu não tenho ido mais porque primeiro, tem uma escadaria enorme para subir. Eu tenho muito medo de cair porque, ultimamente, eu caio, eu não tenho muita firmeza. Então, eu não tenho ido já a alguns meses. Mas me vem toda semana, a gente paga toda a mensalidade. A gente paga, se vem toda semana, se vem programa do mês. Essa semana chegou, mas eu joguei fora como eu não vou. Para não juntar muitos papéis, eu joguei fora.
P/1 - E a senhora continuou trabalhando sempre na colônia? A senhora passava as temporadas na colônia também? A senhora ia também?
R - Eu ia também. Até, o pessoal ficou bobo. A primeira colônia que os meus filhos foram _____, eu também fui. E eles estão acostumados a se introduzir junto com outros jovens, trabalhar com jovens, que ninguém chegou perto de mim. Não são crianças que ficam atrás da saia da mãe e para perguntar, para querer saber. Nem chegou perto de mim. Depois, ________ teve três filhos lá que nunca me viram com ninguém, ficaram bobos de ver. Porque, em geral, as mães que estavam com os filhos sofreram. Ficavam sempre pendurados em cima da mãe.
P/1 - E quais atividades que tinham para as crianças? Tinham esportivas, tinham culturais também? Que mais se fazia para as crianças?
R - Tinha culturais. Tinha jogos. Tinha esporte. Tinha tudo. Tinha passeio muito bonito. As crianças nunca esqueceram a responsabilidade que cada um tinha, se não o outro tinha responsabilidade pelo quarto. Para arrumar as camas, sabe? Eles tinham uma vida completamente... Depois como eles diziam: “É ótimo ficar sem a mãe, sem o pai.” Você já fez isso, fez aquilo?” Ficar mais independente. Eles faziam de tudo. Muito boa as discussões. Sempre boa as discussões.
P/2 - As discussões eram sobre o que?
R - Sobre a vida dos jovens, sobre as obrigações do jovem, coisas revolucionárias sobre as guerras. Sempre o tempo... Atuava o tempo que a gente vivia naquela ocasião.
P/2 - Enfim, nesse período coincidiu a criação da colônia, depois o seu marido foi solto. Como é que foi a continuidade dessa sua atividade junto ao partido?
R - Eu sempre trabalhei muito. Agora, nos últimos anos também ficou mais fraca a questão. Quase não tem o trabalho que tem, mas é a Casa do Povo. Eu nem sempre estou de acordo com o trabalho ______. O trabalho é muito fraco e depois, a gente envelhece e não dá... Tem gente velha que continua até a morte trabalhando nisso. Eu conheci _______. Eu não tenho ido na Casa do Povo.
P/2 - Mas, a senhora continua as suas atividades durante a década de 40, 50, a senhora tinha uma atuação bastante efetiva ainda?
R - Sim, mas agora eu não continuo.
P/2 - Agora não?
P/1 - E como é que foi essa época? Depois passou a guerra, essas instituições recebiam os imigrantes e elas continuaram atuando?
R - Sim, lógico.
P/1 - Como é que foi a continuidade desses trabalhos?
R - A preocupação com os imigrantes, ajuda para os imigrantes, os jovens para terem uma vida coletiva, uma vida progressista _________. Para lutar contra a guerra. Aqueles que sofreram a guerra não sabem o que era o melhor trabalho é lutar contra a guerra.
P/1 - E como é que ficou esse grupo de pessoas depois do golpe militar de 64? Mudou alguma coisa para vocês?
R - Não, não mudou. Depois de 60 e pouco enfraqueceu um pouco __________. Enfraqueceu, mas agora está se levantando.
P/1 - E nesse período houve algum problema com os participantes? Houve gente presa do grupo, em função, da...
R - Ultimamente não teve.
P/1 - Eu queria voltar um pouquinho, a senhora começou a contar e a gente fez outras perguntas. A senhora mencionou que o Prestes ficou na sua casa em São Paulo. Como é que foi essa história?
R - O Prestes quando ele saiu da cadeia, depois de 10 anos que ele ficou, ele veio para São Paulo para fazer um comício na praça da... No Pacaembú que ele fez o primeiro grande comício. Ele veio para a minha casa porque o Mílton Cais de Brito que era muito ativo, _____ que era muito ativo, o Médici... O grupo todo trabalhava. Não só ________, o meu marido também trabalhava muito. Então, quando ele veio, trouxeram ele para a minha casa. Eu gostava dele. Era uma pessoa muito simpática. Então, eu nunca esqueço esse dia, que o Prestes saiu na rua e a Olga Prestes, a mulher dele, não se tinha certeza se mataram ele. Daquela ocasião, não se sabia se mataram ele. Depois, que a mãe foi buscar o menino, essas coisas todas já sabiam. Logo depois da guerra, não se sabiam. E ele estava na minha casa e saiu para o trabalho dele. E eu saí, comprei jornal e quando eu abri o jornal, estava a mulher, Olga Prestes, como mataram a Olga? Eu fiquei gelada. Provavelmente, ele chegou na minha casa com o jornal embrulhado de baixo do ombro, sem ter visto. Mas, sentou na mesa e abriu o jornal. Ele começou a ler na mesa o jornal. Eu não sei se ele chorou, ou estava suando. Ele estava se enxugando enquanto ele lia essa história da Olga. Quando chegou o Mílton, eu disse: “O Prestes não vai poder falar, hoje, depois do choque.” Ele disse: “Não se preocupa, se o Prestes não poder falar, eu falo.” O meu marido falava muito bem, o ______ fala. “Alguém de nós vai falar se ele não poder falar ______” Ele ficou, assim, sentado, depois entrou no banheiro e lavou o rosto e se vestiu e foi embora. Quando ele voltou, a polícia para contar, veio para a minha casa. Porque quando ele entrou no trem, a polícia ficou ________ e trocou ele para ver que a Olga estava morta. Aí, saiu no jornal que o Prestes sofre no trem porque a Olga morreu. Eu gostava muito do Prestes. Uma pessoa com um caráter muito bom, muito (fraco?). O partido, depois, achava que ele era um elemento fraco porque o partido precisava de elementos mais fortes.
P/1 - Por que eles achavam o Prestes fraco?
R - Porque para dar esse impulso para organizar, precisa ser um elemento com muita iniciativa, com muita força. Não é fácil ______.
P/2 - Vocês tinham uma ligação oficial com o partido? Vocês eram de uma militância oficial dentro do partido?
R - Sim.
P/2 - E até quando existiu essa ligação da senhora e do seu marido com o partido comunista?
R - Esse do Prestes é depois da guerra. Muitos anos depois da guerra, a gente ainda fazia esse trabalho porque a nossa organização também era muito ligada no partido. A gente fazia muitos trabalhos para o partido.
P/1 - Como é que foi dentro desse seu trabalho, essas suas viagens para a União Soviética e a China. Como é que isso apareceu e o que a senhora viu?
R - Apareceu um congresso na União Soviética, um congresso internacional do mundo inteiro. Tinha mulher do mundo inteiro. Não era só do partido. Era um congresso de mulher para fazer exigências das reivindicações de mulher. Eu nem precisei ir. Naquela ocasião, eu já estava meio chateada. Eu estava me separando do meu marido. Eu moro em _______, eu não sei se vocês já ouviram falar? _______, eu tinha muita ligação com ele, eu trabalhava muito com ele. Eu gostava muito dele e ele gostava de mim. Quando chegou esse congresso, ele disse “Tuba, você vai para esse congresso?” Eu disse: “Eu não vou.” “Você vai para o congresso.” Ele me embarcou sem querer. Me embarcou para o congresso. Eu fui embora para o congresso. Era maravilhoso.
P/1 - O que a senhora viu lá, dona Tuba?
R - Discutindo as reivindicações. Discutia a situação das mulheres, exploração das mulheres. Sabe, tudo em torno da situação da vida das mulheres. O que deve ser e o que pode ser melhorado na vida das mulheres. Então, eram 20 dias de congresso. A gente saiu para dois, três dias, levou o grupo para Leningrado, para mostrar Leningrado. Mostraram Moscou, mostraram vários lugares. Foi muito bem organizado. E depois, como tinham grupos de todos os países, tinha um grupo de várias mulheres da China, várias mulheres. Até de Israel. Como Israel tem dois partidos, tinha dois grupos. O grupo chinês... Como eu não sei se elas resolveram falar que eu era um bom elemento no partido, eles me convidaram para ir para a China. Não só eu. Elas convidaram 11 mulheres. E os outros que queriam, de jeito nenhum. Elas escolheram essa e tinha que ser essa. Porque tinha ______ do Rio que queria muito ir também. Ela não conseguiu. Fui embora para a China. Também para os 20 dias, se alguém, quisesse ir para menos dias, eles não levavam. Eles diziam: “Você quer ir para poucos dias, como passeio. Depois, você vai voltar e vai contar coisas que viu e que não viu. Vai para lá para 20 dias e vê tudo bem direitinho. Tudo que você vai contar sobre a China para ser certo.” Então, eu fiquei 20 dias na China. Foi uma coisa maravilhosa. A Rússia e eu não estava satisfeito porque o congresso deu pouco para ver a Rússia. Então, eu passo cinco, seis anos... Como eu tenho família na Rússia, eu fui embora para um mês para a Rússia para conhecer a Rússia melhor. Eu fui para a Rússia. Fui para o hotel porque o meu primo que mora em Leningrado, ele morava em um quarto só com o filho. Foi no hotel. Eu fui para ficar seis dias em Leningrado e fiquei 14. Eu não queria ir embora. Leningrado é tão lindo. Fiquei um mês na Rússia e depois eu voltei. Sonhar que quer ir para a Rússia, eu quero ir para Cuba, eu fui uma vez, mas foi, também, logo no começo...
P/2 - Que ano que foi que a senhora foi para Cuba?
R - 1974. ________. Logo no começo quando eles tomaram o poder.
P/1 - E como é que a senhora vê todas essas mudanças nesses países que estão menos comunistas? Como é que a senhora sentiu essa mudança?
R - A gente sente muito porque tudo é diferente. Uma grande desilusão. Uma desilusão com a Rússia. Era uma grande influência nos jovens porque o forte do partido é a juventude. Porque da juventude é que vem o partido. Então, a juventude tinha uma grande desilusão com a Rússia. Então, era uma fraqueza em todo lugar, mas ainda tem partidos progressistas que funcionam muito bem. Não é tudo fascismo não.
P/1 - Dona Tuba, como é que é, a senhora teve filhos? Os seus filhos cresceram indo na colônia e como é que é o seu cotidiano hoje? O que a senhora faz?
R - O que eu faço?
P/1 - É.
R - O que uma velha faz?
P/1 - Eu não sei.
R - Faço nada. Eu fazia um monte de coisas. Eu ajudava os meus filhos, ajudei a criar os netos.
P/1 - O que fazem os seus filhos? Os seus filhos são...
R - Médicos.
P/1 - Médicos. E a senhora teve quantos netos?
R - Eu tenho oito netos. Ajudei muito eles. Eu viajei muito com os meus netos. Fora que eu levei eles muito para a colônia, depois da colônia, eu viajei... Para Águas Quentes, para Brasília, para todo lugar, eu ia com os meus netos. Primeiro, eu levei os oito e fomos embora para Campos do Jordão. Aluguei uma casa em Campos de Jordão e fiquei com oito netos em Campos de Jordão. Duas vezes em Campos de Jordão. A terceira vez, o meu filho mais velho se preocupa muito, dizia: “Mamãe, nós nunca tínhamos férias. Férias foi você que nos deu.” Porque tirando os filhos da gente, 15 dias sem filhos pequenos era as melhores férias que eles poderiam ter. “Se você quer dar mais férias para a gente, leva as crianças para um hotel. Porque eu ir para uma casa com uma cozinheira, uma arrumadeira é muito trabalho. É muita responsabilidade.” Ele não quis ir. Ele ficou preocupado com muito trabalho. Então, ele foi para Lindóia a terceira vez no hotel com os oito netos.
P/2 - E eram pequenos os netos nessa época?
R -Pequenos.
P/1 - Eles gostavam? Era uma farra.
R - Eles nunca esquecem. Se davam muito bem. O mais novo tinha um ano naquela ocasião.
P/1 - O que a senhora gosta de fazer hoje em dia, dona Tuba?
R - Hoje em dia, eu gostaria de fazer muita coisa. Eu gostaria de ir no cinema, no teatro, viajar mais um pouquinho. Eu queria ir para Cuba. No ano passado, eu estava pensando ir para Cuba. Agora não. Eu vejo que agora não dá mais. Não dá mais com essa idade. Eu tenho que me confirmar.
P/2 - Mas, dona Tuba, essas atividades de lazer, essas atividades culturais foram bastante presentes na sua vida?
R - Muito.
P/2 - E tinha tempo para a senhora se...
R - Eu trabalhava muito. Isso era o que o pessoal dizia “todo o meu trabalho é para ganhar, mas trabalha mais do que esses que trabalham para ganhar.”
P/2 - Ainda assim, dava um tempinho para as suas atividades de lazer, suas atividades culturais. Ir para o cinema, teatro.
R - Sim, eu usava muito a minha casa. Fazia muita reunião de sindicato. Recebi muitos elementos de fora. Isso era a minha vida. Eu não tinha outra vida. E agora... Eu estive em Cuba, mas em Cuba logo no começo. Eu achei que eu deveria ir agora, mas não dá. Paciência.
P/1 - A senhora tem um sonho? Alguma coisa que a senhora ainda quer ver ser realizada?
R - Eu queria ir para Cuba e nem penso mais. Eu já tirei da cabeça. Principalmente, os últimos três anos, eu cheguei muito alegre da casa de um filho meu que eu almocei. Entrei em casa, me trouxeram, mas foram embora. Domingo que eu não tinha empregada, entrei na cozinha e sentei perto do forno para fazer um cafezinho. Tocou o telefone, eu levantei depressa para atender o telefone e dei uma queda em cima do braço. Era domingo, às 16:00, fiquei deitada no chão porque não conseguia nem levantar, nem chamar, nem nada. Fiquei das 16:00 até às 22:30 no chão, deitada em cima do braço quebrado. Aí, eu amassei todo esse braço direito. Bom, depois disso, acabou os sonhos de viagens, de querer muita coisa. Agora, eu já não ando direito, então eu pus na cabeça que por velhice. Porque vocês vêem gente velha andando se arrastando. A semana passada, os meus filhos estavam meio sentimentais porque, às vezes, eles não tem tempo para pensar. Os três filhos, o Nélson, ______ e o Mílton me levaram para o médico. Fui para o melhor médico de coluna porque eu estou mal da coluna. Para ouvir a opinião dele do que pode se fazer. Esse negócio de falar mal das pernas não é da velhice. É tudo da coluna. Andar melhora um pouco. Eu fiz três fisioterapias. Eu preciso fazer mais fisioterapia.
P/1 - Dona Tuba, o que a senhora achou de dar esse depoimento de contar a sua história?
R - Eu gostei porque a senhora sabe, muita gente sabe o que eu fiz muito e tem muita coisa para contar. Eu não conto tudo aqui. Que eu vi o que eu passei. Então, me pedem para eu contar. Eu nunca queria contar nada para ninguém. É a primeira vez que eu conto. É a primeira vez que eu conto. Eu nunca queria contar nada para ninguém.
P/2 - E qual é a sensação de contar pela primeira vez essa história?
R - Não, eu não me senti mal. Eu gostei de vocês todas. É um ambiente muito gostoso. Eu não achei ruim não.
P/2 - Dona Tuba, se a senhora tivesse que fazer um auto-retrato, o que a senhora falaria? O que a senhora elegeria como a grande qualidade sua, na sua vida até hoje?
R - Eu só não estou arrependida porque muitos... Tudo para eles é a Rússia, como a Rússia é mais ou menos, não deu certo. O nosso ponto de vista é que a Rússia... Não que não deu certo, fizeram muita coisa, muito bárbara. Porque eles eram obrigados a fazer, mas a gente não aceita. Então, muita gente me diz: “Perdi a minha vida. Deu tantos anos de trabalho em torno do que? Esquece que ajudou aqui um pouco, tudo isso ajudou.” Eu nunca vou dizer que eu perdi a vida. Eu ganhei a vida. A melhor coisa... Fazer alguma coisa quando a gente é jovem. Ter _______ é a melhor coisa da vida. A melhor coisa da vida é _______. “Quero isso, quero aquilo. Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo e faz.” Não é só diz que quer participar. Eu não estou arrependido de nada do que eu fiz na vida. Agora, não sei porque, eu não estou arrependido de ter contado também. (risos) Não contava, faz pouco tempo que eu diz que você escolheu. Mandou um elemento para contar. Contar que queria fazer um movimento e eu não queria. Quem me pedia, eu nunca queria contar nada para ninguém. Não sei porque, mas não queria.
P/1 - Eu queria dizer para a senhora que para nós foi muito emocionante escutar essa história e a gente quer agradecer muito. E contar para a senhora que esse depoimento vai ficar guardado em um grande...
R - Vocês tiram o português errado porque eu falo o português errado Não faz o documento com o português errado como eu falo. Mesmo na escola, eu era muito boa para matemática, para química, para física. Línguas, eu sempre tive muita dificuldade. Eu não era boa para línguas. Aliás, desde todos os alunos, uns são bons para matemática, outros são mais fracos para línguas. E eu custei para aprender português e até hoje. Mas, eu também não estudei. Se eu tivesse chegado com a minha idade, ir para a escola estudar. Não, eu cheguei para trabalhar na juventude. Fui casar logo, quer dizer, eu não estudava. E não estudando e aprendendo português sozinha, a gente aprende errado, principalmente a minha língua. Mistura também porque é uma língua latina. Então, a Tuba faz uma salada. Eu ia nas reuniões, eu não gostava o que eles programaram para fazer, então ________. Eu ficava quieta. Então, esses que eram contra, diziam: “A Tuba já fez uma salada.” Uma salada mas dizia o que eu queria dizer.
P/2 - Mas, a senhora fala muito bem português. Não tem sotaque nenhum.
R - Eu falo tudo errado.
P/2 - Muito obrigado então.
R - Obrigada você. Vocês são corajosas de querer ouvir conversas fiadas. Tantas horas. (risos)
P/2 - Muito obrigada.