Em seu depoimento, Maria do Socorro, a Dona Pequenita, fala sobre sua infância e sua relação com sua família. Conta também sobre seu trabalho na roça e com a pesca. Aborda também a situação atual de sua cidade e também a história de uma enchente que deslocou toda a cidade para retornar parcialmente aonde era tempos depois.
Memórias dos Brasileiros (MB)
Uma mulher porreta
História de Maria do Socorro Dias Santos (Dona Pequenita)
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 11/02/2009 por Museu da Pessoa
Memória dos Brasileiros
Depoimento de Maria do Socorro Dias Santos (Dona Pequenita)
Entrevistado José Santos e Winny Choe
Pilão Arcado Velho, 04/12/2007
Realização: Museu da Pessoa
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Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Dona Pequenita, podemos começar a bater nosso papo?
R – Sim, pode.
P/1- Então, eu queria começar perguntando qual o nome completo da senhora e quando que a senhora nasceu?
R – Eu nasci no dia 12 de outubro de 1941.
P/1 – Aonde?
R – Em Pilão Velho.
P/1 – Pilão Velho é aqui? Onde a gente está?
R – É, Pilão Velho é aqui, é. No dia 12 de outubro de 1941.
P/1 – E a senhora foi batizada com que nome?
R – Como Maria do Socorro.
P/1 – E como é que a senhora ganhou esse apelido?
R – Foi minha mãe que colocou.
P/1 – E a senhora poderia falar o nome do seu pai, da sua mãe, pra gente?
R – Posso, João Gualberto Dias e Ana Francisca Dias. Sei de tudo! (risos)
P/1 – E Dona Pequenita eles trabalhavam com o quê?
R – Na roça... Na roça. E criei meus filhos todos na roça.
P /1 – E como é que era quando a senhora era pequena, aqui em Pilão Arcado Velho?
R – Quando eu era pequena? Meus pais nos botavam pra trabalhar. A gente trabalhava. Olhe, meu pai largou minha mãe, eu fiquei com idade de oito anos de idade. Fui ajudar minha mãe até pra furar na terra do povo pra poder ajudar minha mãe a criar os filhos dela, não lhe nego. E até hoje estou dentro da roça.
P/1 – E quantos irmãos a senhora tinha?
R – Seis, nós somos três. Três homens, três mulheres.
P/1 – E todo mundo trabalhava?
R – Todo mundo trabalhava. O primeiro começou a botar rede com oito anos de idade.
P/1 – E onde a senhora morava aqui?
R – Acolá em cima, ali junto do hospital.
P/1 – E como é que era a casa da senhora? Era grande, era pequena?
R – Era grande. A minha mãe foi e voltou pra cidade nova. Quando a chefe chegou. Minha mãe foi, voltou pra cidade nova, e a chefe não queria lhe dar casa porque eu estava com nove anos e morava dentro da casa de minha mãe. Ela não queria me dar casa. Só me deram por causa de Seu Adoardido, do Licino e os outros, que falou sobre mim. então eu, nós, na casa de farinha, rapando a mandioca... Muitos diziam assim, tem deles que vai receber uma ajuda e não vai fazer a casa. então eu, foi daquele jeito. Era rapando a mandioca e vendendo saco de tapioca e fazendo a feira pra poder fazer a casa na cidade nova. Pra não bulir, não ajuda.
P/1 – Olha já que a senhora falou em mandioca, conta pra gente como é que é essa coisa de fazer a farinha de mandioca?
R – Olha, tem a mandioca. Você pega, vai ralar a mandioca. Rala e quando acabar, peneira e vai mexer a farinha.
P/1 – Só isso?
R – Só isso.
P/1 – É fácil assim?
R – É fácil. Você tira primeiramente a tapioca. Nós tiramos a tapioca.
P/2 – Quem que faz o forno da mandioca?
R – Faz o forno... Faz o forno, mexe com os dois rodos.
P/2 – Quem que plantava a mandioca?
R – Nós. Viu, quando vocês chegaram lá na Ilha, que nós vamos lá na Ilha, chega lá e vou lhe mostrar a mandioca como é que planta, estão lá os pés de mandioca plantados. Doce, pé de mandioca doce.
P/2 – Aqui tem muita abelha também.
R – Já teve muita, mas o rapaz veio e queimou.
P/1 – E conta pra gente, a senhora nasceu então aqui na beira do São Francisco? A senhora aprendeu a nadar cedo?
R – Na beirada do São Francisco. Foi, nasci aqui e me criei aqui. E me casei aqui.
P/1 – Nós ainda estamos falando lá de quando a senhora era pequena, lá na infância. E como é que a senhora entrou no rio a primeira vez, aprendeu a nadar, como é que foi isso?
R – “Oxi”, aprendi a nadar é com a infância mesmo, juntava aquele bocado de meninos", nós nadávamos tudo. você não está vendo, hoje em dia que eu estou no meio do rio, mas eu era piolho do rio. No lugar onde o vapor passava, nós íamos. Ia... Agora nossos os tios falavam que aqui tinha um peixe que já estava de olho vermelho. Podia qualquer hora jogar um bote em nós, mas estas pedras do remanso aí, nós mexíamos tudo.
P/1 – É mesmo?
R – É, nós mexíamos e nunca teve nada com nós. Agora eu não quero que minhas filhas façam isso que eu já fiz.
P/1 – E a senhora pescava também?
R – Pescava. E até hoje pesco, mas o homem que eu to... Pesquei, com o marido que eu fui casada e pesco até hoje mais com esse outro. Nós colocamos (caxeta?), colocamos corda, fazemos tudo.
P /1 – E que tipo de peixe que vocês pegam?
R – Pega surubim, pega forete, curimatá, pega tambaqui, pega tudo. Pega o tucunaré, pega tudo.
P/1 – E a senhora gosta de pescar?
R – Gosto, eu gosto.
P/1 – E depois que pesca o peixe, como é que a senhora cozinha ele?
R – Ô, meu irmão, nós tratamos ele. O que for de escaldar nós escaldamos, o que for de pinicar nós pinicamos e colocamos no fogo, colocamos todos os temperos, tomate, cebola, pimenta. Nós colocamos tudo.
P/1 – Que delicia!
R – Tudo isso. nós colocamos, pra podermos comer ele.
P/1 – E come ele junto com o quê?
R – Com farinha de mandioca. (risos). Só pode comer com a farinha de mandioca.
P/2 – Dona Pequenita, você falou que ajudou sua mãe a cuidar dos seus irmãos, quantos irmãos você tinha?
R – Seis. Nós somos seis, três homens, três mulheres.
P/2 – Você era a mais velha?
R – Eu era a mais velha de todas, e tive 12 filhos, nove homens e três mulheres: Ana Luz, Lucineide e Maria Aparecida.
P/2 – E o que você fazia pra ajudar sua mãe, pra cuidar dos seus irmãos?
R – Oh, eu fui até pro furão do povo. Furar! Furar pra poder ajudar minha mãe a criar meus irmãos. É que meu pai largou minha mãe e minha mãe não tinha... Nós íamos pra beirada da lagoa, nós víamos o sol entrar e sair. Não estou lhe dizendo? Menina, eu fui sofrida! Eu via o sol entrar e sair, nós todos na beirada da lagoa cantando alegres e satisfeitos!
P/1 – Cantando?
R – Onde é que as moças, que as mulheres de hoje fazem isso? Não fazem...
P/1 – O que a senhora cantava?
R – Cantava as cantigas.
P/1 – Lembra? Canta uma pra gente.
R – Oxente, "venha pra cá, venha". (risos) Eu não sei mais as cantigas que nós cantávamos.
P/1- Não? Que pena!
R – Nós cantávamos: “Lembra Iracemi do canto da sariema lá daqueles campinar. Foi um viver infeliz com a sorte que Deus não quis que a gente vivisse em paz". A gente cantava essas!
P/1 –Ê, bonito!
R – A gente cantava, cantava!
P/1 – Ela não canta bem?
P/2 – Muito! Devia dançar também.
R –Ô, e eu vou dançar? Não, eu não vou dançar, não!
P/2 – Mas você dançava?
R – Vem pra cá, eu vou dançar! (risos)
P/1 – E, Dona Pequenita, e essa igreja, a senhora vinha aqui nessa igreja?
R – Vinha meu irmão, nós aqui todos éramos católicos da igreja. Olhe, no derradeiro ano que foi pra gente sair daqui, em 79. Olha ali o palanque onde foi feito, porque o pessoal não cabia dentro da igreja, olha ali o palanque.
P/2 – E como é que era aqui também?
R – Era bonita. Como a igreja do Pilão Velho não tinha igreja nenhuma... Não. O relógio da matriz, a de Juazeiro, de Pilão Arcado, está desde Xique Xique e os padre roubaram e levaram.
P/1 – É mesmo?
R – Digo, digo, digo bom!
P/2 - E quem foi que construiu essa igreja aí?
R – Foi um padre da Boa Vida, que Santo Antônio foi pedir. Porque a igreja dele caiu, que a enchente derrubou. E botaram ele na Igreja de Nossa Senhora do Livramento. então ele saiu e foi pedir esse padre da Boa Vida, muito longe daqui, que ele não conhecia, não sabia onde era Pilão Arcado. Veio pra pedir ele pra vir fazer essa igreja que ele estava pagando aluguel a Nossa Senhora do Livramento, que todo mês tirava do dinheiro dele pra Nossa Senhora do Livramento, e o padre veio. Nessa igreja não tem pedra xingada. As pedras xingadas elas estouram todas por aqui mesmo, que ele tirou. Ele batia com a bengalinha e tirava. Não foi de meu tempo mas eu vi a minha mãe e os outros contarem. Ele tirava. Então construiu a igreja toda de pedra, que ela é toda de pedra. Agora no dia que o padre João veio celebrar a missa aqui, que ele queria a Igreja do Pilão Velho, da cidade nova, era como essa aqui. então o prefeito não aceitou. No dia que ele veio celebrar aqui, nós viemos todas com ele, ele disse: “Ai, ai quem fez isso com a igreja de Santo Antônio, mas antes amarrasse uma pedra e caísse na pedra do remanso. Todos que fizeram... Que pintou aqui com ela, não tem mais um, não tem mais um, não. Lhe digo, não tem mais um. Tem não. Eu nasci e me criei foi aqui, menino!
P/1 – E tinha alguma festa bonita de Igreja?
R – Tinha, era bonita a Igreja de Santo Antônio. Era bonita. Oh, se você viesse de baixo, era aquela beleza. Se você viesse de cima era aquela beleza. Aqui não tinha uma igreja na margens como essa igreja aqui, não. Tinha não. Essa igreja aqui era rica. A coroa de Santo Antônio era de ouro. Até isto os padres roubaram tudo. O santíssimo sacramento do altar, tudo. Lhe digo, menino. Onde é que eu morava, morava era aqui!
P/1 – E falando de outra coisa, e a senhora ouvia muita história aqui de assombração? De fantasma?
R – Demais.
P/1 – É?
R – Demais. Se você quiser ver alguma coisa, você durma dentro da igreja pra você ver uma coisa. Vai, vem dormir aqui pra você ver uma coisinha.
P/1 – O que acontece?
R –Ô, você corre dela. Você corre dela. Você não está vendo aquela casa ali, aquela casa branca, lá, está lá. está vendo? Ali, todo mundo que mora lá, só falta não dormir de noite. Um relojão desse tamanho, de ouro, correndo duma parte a outra. E você vê, toque. Viola tocar, você vê radio tocar, você vê tudo.
P/1 – É mesmo?
R – É mesmo, vai lá. Dorme lá hoje pra você ver uma coisa.
P/1 – Acho que eu vou então.
R – Ah vai? Vai dormir lá hoje pra ver uma coisa. E dorme aqui na igreja também, vem cá na igreja.
P/1 – Mas o que acontece se dormir na igreja?
R – Porque você vê muita assombração. Mas antes de você dormir dentro do cemitério do que dormir dentro de uma igreja. Porque na igreja tem muita assombração.
P/1 – E a senhora já viu alguma?
R – Eu já vi várias vezes, aqui uma luz, agora eu vejo uma luz. Nunca vi outra coisa, mas vejo uma luz deste tamanho. Ela começa dali, olhe, e chega até acolá. A luz...
P/1 – E dá medo?
R – A gente sente medo, porque a carne é fraca. (risos) É, a gente sente medo, porque a carne é fraca.
P/2 – Dona Pequenita, quando você era mais nova, o pessoal morava aqui perto da igreja ou morava mais pros outros lados aqui da região?
R – Não, minha filha, Tinha muitas casas aqui perto da igreja, olhe ali uma casa ali. É ali, era casa. Você está vendo? Pra aqui era casa, aqui descia aqui. Tinha rua de cabeça a baixo, a rua da Avenida.
P/2 – E vocês plantavam onde?
R – Na Ilha.
P/2 – Pra ir na Ilha tinha que ser...
R – É, de barco.
P/2 – E vocês plantavam lá, o que vocês plantavam lá de bom?
R – Plantava milho, plantava feijão de corda, plantava o de arranca, plantava abóbora, a melancia e a batata. É, nós plantávamos de um tudo isso aí. Mas até hoje nós plantamos.
P/2 – A terra é boa?
R – É boa. Eu nunca vi uma coisa dada por Deus pra não ser boa! (risos) Tudo é boa.
P/2 – E como é que foi que começou lá em 70 e tanto que você contou?
R – Sim, 79. Encheu muito. Então, a gente estava tudo na cidade nova, depois voltamos para Ilha pra plantar, que secou, voltamos para a ilha pra plantar. Então plantamos, deu muito peixe, deu muito é lavoura nas roças, graças a Deus.
P/2 – Mas vocês saíram daqui, encheu por que choveu muito?
R – Menina, foi porque alargou de água. A água correu ali, naquela rua ali, que é a rua da Avenida. Correu ali.
P/2 – Mas o pessoal queria sair daqui?
R – Queria não. Saiu porque a CHESF (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) tirou, mas ninguém queria sair daqui. Queria ficar era aqui.
P/1 – Mas espera, então vamos entender essa história aqui, que a gente está vindo de longe e a gente não entende muito bem. Olha só, a senhora morava aqui, apareceu alguém e falou: “Vocês vão ter que sair daqui”. Foi isso?
R – Foi, foi a CHESF. Veio e indenizou as casas da gente.
P/1 – Mas como foi esse dia, apareceu alguém aqui pra contar, ou a senhora soube por alguém?
R – Não, eles vieram mesmo, pra indenizar as casas da gente e ninguém queria sair daqui, não. Porque nós sabíamos que Pilão Velho não ia cobrir, não cobria, não. Então eles disseram que era pra nós todas sairmos daqui. Indenizaram a casa do povo, meteram a mão, derrubaram todas as casas pra botar outras na cidade nova. Eu mesmo não tolero aquele lugar, não vou mentir, não gosto dele, não. Vou porque tem meus filhos estão lá.
P/1 – Mas foi todo mundo embora na mesma época?
R – Foi, todo mundo. E depois muitos voltaram pra cá.
P/1 – Espera, antes de voltar, como que aconteceu, todo mundo tirou todos os móveis de casa, fez a mudança e foi embora?
R – Foi embora, foi.
P/1 – E o que a senhora sentiu?
R – Eu não senti bem não, eu não gostei, não. Porque a mudança da cidade, vou lhe dizer, pra uns foi bom e pra outros não valeu nada. Quando é nada pra mim... Não valeu de nada. Eu queria ficar mesmo no meu Pilão Velho, como estou, nunca abandonei ele não, estou aqui nele.
P/1 – E quando a senhora morava aqui, a senhora já tinha tido algum filho aqui?
R – Ô se já, só não tive aqui aquela e outro que morreu, José Washington de Menezes. Mas tive Maria Aparecida lá e José Washington de Menezes e o resto tudo foi aqui. Tive Tonho, tive Lundoca, tive Edimar, tive Adimilton, tive Adinive, tive Emanuel, tive um bocado de filho aqui! (risos) Eu tive nove partos de filhos homens e três mulheres.
P/1 – É mesmo?
R – Tive 12 partos.
P/2 – Quem que te ajudava aqui?
R – Deus. (risos) Era Deus! Era Deus e o marido que eu tinha, nós trabalhávamos na ilha.
P/1 – E como é que chamava o marido?
R – Pergunta ali, que ela diz. Olha ela lá. Eduardo.
P/1 – Eduardo. E esse dia então que a CHESF veio, tirou todo mundo, vocês foram?
R – Tirou todo mundo, meu irmão, pagou pouco. As coisinhas, tudo barato. Eu mesmo tive um terreno ali na ilha, que está lá na llha. Lhe digo, nunca recebi um centavo desse terreno. Não, eu não. Foi indenizado nunca recebi, não vou mentir. Não. Menina, menino!
P/1 – E vocês saíram pra cidade nova?
R – Saímos pra cidade nova. Então, depois o homem que eu era casada voltou pra cá de novo, pra trabalhar nas ilhas. Porque viu que lá não dava pra ele ficar. Não dava mesmo. Com um bocado de filho nas costas, filho na escola, filho tudo, nós viemos pra cá. E minha mãe, entreguei meus meninos a minha mãe pra ficar lá com meus meninos. O que ele pegava aqui, o peixe que ele pegava, fazia a feira e levava pra meus filhos com minha mãe, e os meus filhos lá. Mas não tem um pra não saber a ler, graças a Deus, não tem um pra não saber a ler. Eu posso não saber, só sei assinar meu nome, porque fui ajudar minha mãe a trabalhar. Só sei assinar meu nome, mas meus filhos todos sabem ler.
P/1 – E os filhos ficaram lá e a senhora ficou com ele trabalhando?
R – Trabalhando na roça. Meu irmão, eu fui sofrida, eu fui sofrida. Me “percure” minha vida, que eu vou lhe dizer, eu fui sofrida. Sofri muito.
P/1 – E a senhora construiu outra casa?
R – Na cidade nova?
P/1 – Não, aqui quando a senhora voltou.
R – É essa aí. É essa aí, essa bandinha só. (risos)
P/1 – E por que a senhora não quer sair daqui?
R – Não quero nada, deixa eu ficar aqui! "Óie", aqui eu crio meu porco, crio minha galinha, está escutando? Crio meu porco, crio minha galinha, crio o que Deus quiser me dar eu crio aqui também. E serve a mim e meus filhos. Não estou lhe dizendo?
P/2 – E, Dona Pequenita, Pilão Velho chegou a ser inundado? Você chegou a ver aqui cheio de água?
R – Cheguei. 79.
P/2 – Inundou todas as casas mesmo?
R – Não, minha filha, "óie". Em 79 ficou isso aqui. Não foi, a água chegou até ali, está vendo aqueles pé de pau ali, está vendo? Em 79, ela correu ali na avenida, ali na casa de compadre Humberto Povo. Ela correu que as barcas encostavam lá, mas aqui ficou no seco. Agora entrou água aqui dentro da igreja, sabe por quê? Porque vem aqui por essa baixa e entrou aí, mas foi rasa. Foi rasa. Não foi água funda, não, foi rasa. Agora ali em Compadre "Berto" foi funda, que as canoas de motor encostavam lá e as regatas encostava.
P/1 –Dona Pequenita, quando a senhora voltou só morava a senhora?
R – Não, morava era muita gente. Os paraibanos, os pernambucanos, aqui tinha era muita gente de fora. Depois que foram todos embora, mas aqui tinha era muita gente de fora, tudo botando rede, tudo pegando peixe. Tinha era muita gente.
P/1 – E agora, mora muita gente aqui?
R – Aqui ainda tem um bando. Estou lhe chamando pra você ir olhar as casas, mas você não quer ir olhar.
P/1 – Não, mas a gente vai! É que a gente está conversando um pouquinho pra depois ir.
R – Mas e nós ainda vamos lá na ilha, lá no meu lameiro, está escutando?
P/1 – Nós vamos lá! Não é, Vini?
P/2 – Claro, vamos sim! Dona Pequenita, o pessoal me contou, aqui da região, que o pessoal que mora aqui em Pilão Velho é um pessoal muito valente.
R – Minha filha, eu vou lhe dizer, é uns e outros não. Porque tem deles que não aguenta pau no ouvido. Eu, como sou muito da medrosa, eu vou lá pra minha ilha. Corro com o marido que eu tenho, vou lá pra minha ilha, porque eu tenho muito medo de peleia... Uma que meus filhos estão muito longe de mim. Eu não estou pra nenhum querer pegar aqui peleia e meus filhos longe de mim, não é, não? Aqui tem deles valentes mesmo, não lhe nego, não.
P/2 – Conta um pouco pra mim essa história do pessoal valente aqui de Pilão Velho.
R – Não, tem muitos aqui que você não pode dizer nada quando lhe salta já é no ponto de lhe querer bater. É no ponto de querer bater. E eu que não dou dessas, minha filha, eu tenho muito medo de peleia, eu tenho.
P/2 – E a história do Pilão 47 aí do moço da ilha?
R – Minha filha, desse tempo já acabou-se. Pilão Velho se chamava, disse que era um caso antigo, porque no tempo do Pilão Velho, dos homens mesmo, não dava pau pra amarrar rede, não. Porque se falasse, se dissesse umas coisas pra eles, eles reagiam na hora, reagiam. Agora hoje não, tudo é, parece uns “lelé”. É, parece uns “lelé”, mas no tempo de algum dia Pilão Velho, Pilão Velho já foi Pilão Velho. Pilão Velho já foi tão terrível que, saudade, não fazia coisa aqui, não, que os daqui não dava pau pra armar a rede. Um bateu foi na cara de um rapaz, chegou fez e bem assim. O rapaz, ele deu cachaça ao rapaz, o rapaz disse que não bebia, não bebia nem fumava. A polícia jogou a cachaça na cara do rapaz. Os outros ficaram fazendo gargalhada dele, fazendo aquela farra. E ele caladinho, não fazia nada. Quando foi um belo dia ele chegou na casa de uma dona, que ela morava bem ali em cima. Disse: “Ô, minha tia, você tem pedra de amolar?". Ela disse: “Tenho”. “Pois me dê só uma pedra pra eu amolar aqui minha faca”. Ela disse: “Vai matar o que, meu filho?”. Ele disse: “Um leitão”. Ele amolou pela frente e pelas costas. Quando era uma hora dessa aqui todo mundo descia, aquele jeitão. Pra comprar caboge, mandinho pra jantar. Quando ele chegou disse: “Olhe, na cara de homem não se dá. Vira a frente que eu não vou lhe matar pelas costas, vou lhe matar é pela frente”. Sacou a faca, pan-pan-pan!". Três facadas e saiu limpando a faquinha na perna. Caiu ali dentro do serrote, ali tinha um moço por nome Chico Leoba, ele atravessou pra lá, quem ia lá? (risos) E o diabo que ia! Pilão Velho já foi Pilão Velho, menina, hoje em dia ele é de nada.
P/2 –Dona Pequenita e a sua mãe, seus avós, o pessoal mais antigo aí... Você não escutava umas histórias deles?
R – Escutava não, que minha mãe, às vezes ela contava as histórias dela era pras outras. Os... “as pai" de primeiro, quando estava conversando com os mais velhos, bastava passar o olho assim de banda, ninguém ficava. É, ninguém ficava. Saía, saía. Porque se ficasse, quando aquela pessoa saísse a chiola comia.
P/2 – Então não tinha ninguém que gostava de contar umas histórias?
R – Pois é, elas contavam umas com as outras. Mas pra nós não.
P/1 – E que história a senhora contava aqui pro seus meninos?
R – O que eu contava pros meus filhos?
P/1 – História daqui...
R – Eu dizia assim, quando eles saíam pra rua, se eles achassem um pedacinho de pau: “Onde você achou?”. “Achei ali, mãe”. Vai botar lá, que não é seu. Outra hora eu dizia: “'Não sei, não vi'. cabe em todo lugar”. Era a ordem que eu dava a meus filhos. E nisso eles foram criados. E nisso eles foram criado.
P/1 – E, Dona Pequenita, já que nos estamos do lado do rio...
R – Estamos, do lado do rio.
P/1 – O rio tem tanta história aí, vamos... Conta umas histórias do rio aí pra gente. A senhora viu passar o vapor, gaiola?
R – Passava o Venceslau, passava o Barão, passava o Antônio Nascimento, passava o Raul Braga, passava tudo aqui. Hoje em dia que não tem mais movimento de vapor. Quando eles chegavam acolá, como o Barão, que o Barão, o apito dele era com uma banda de musica. Quando ele chegava acolá, ele começava a apitar e chorar, até no porto que ele encostava.
P/1 – E como é que ele era, ele era de que cor?
R – Ele era branco. Ele era branco com aquelas coisas verde em cima, era... O Barão.
P/1- E as crianças iam atrás dele? A senhora falou que quando passava o vapor as crianças entravam no rio e iam nadando atrás.
R – Não, no lugar que o vapor passava nós íamos nadar, nós nadávamos. Nós não tínhamos medo de nada, não. Nós nadávamos, nós não tínhamos medo de nada.
P/1 – E a senhora já andou de vapor?
R – Já muitas vezes.
P/1 – Conta pra gente.
R – Eu passei foi nove anos dentro da cidade da Barra com os Camandaroba.
P/1 – É?
R –É, essa pouca pessoa que o senhor está vendo aqui já labutou com quem presta.
P/1 – Conta essa história pra gente.
R – É, labutei foi nove anos com Dona Maria e Seu Antônio Camandaroba, com Doutor João, com Chicão, com Raimundo, com Benifácio, com Seu Neno, com tudo. E vim me embora pro Pilão Velho, mas não que eles quisessem que eu viesse. Vim porque eu tinha mãe, aqui e gostava de minha mãe e de minha avó que me virou, que era mãe de minha mãe.
P/1 – E a senhora lá na Barra, trabalhava fazendo o que com eles?
R – A gente era copeira.
P/1 – Ah, era copeira.
R – Era copeira. nós não cozinhávamos, nós nem nada, nós éramos copeiras. Nós, quando nós deitávamos, deitávamos com o despertador na cabeceira, quatro horas da manhã nós estávamos eleitas.
P/1 – É?
R – Era.
P/1 – E o que uma copeira fazia?
R – Lava louça e zela a casa, lava casa, limpa casa. Passar cera na casa. Me “percure” isso ai que eu sei tudo, menino, oxente. Ah, menino, eu já fui de casa de família também.
P/1 – E era uma casa grande lá?
R – Era grande, os Camandaroba tinha era a "ruada" assim de casa. Na beirada da Barra.
P/1 – Nossa!
R – Era.
P/1 – Então era muito trabalho.
R – Era muito trabalho. Ele era tão rico que se via chegar aquele barco tudo tampado de esteira de taboa, você pensava que era cera de carnaúba, requeijão. Ô coisa que fede, é pra você destrancar um quarto que só tenha requeijão, fede.
P/2 – Mas deve brilhar bastante.
R – Já labutei com isso tudo.
P/1 – E conta, como é que é uma viagem de vapor?
R – Ah, naquele tempo era barata. Era dois reais, eram essas coisas. Não é hoje, que hoje tudo está caro. Hoje tudo está caro. Você vê um prato de feijão de arranca está custando quinze reais, quinze reais... Quinze reais!
P/1 – Mas a senhora ia de onde até onde no vapor?
R – Vai até Pirapora.
P/1 – A senhora ia até Pirapora?
R – Não, eu nunca fui. Conheço até Januária, é linda Januária.
P/1 – É?
R – É linda Januária. E pra baixo conheço até Bonfim. Bonfim, Itiúba e Queimada. Saí pra me procurar que eu conheço.
P/1 – E aqui quando a senhora olhava pro rio, tinha um movimento de barco?
R – Tinha um movimento, agora até o rebocador não apareceu mais. Também o rio está seco, meu irmão. Agora que ele começou a dar uma “enchidinha”, mas ele estava de um jeito que você passava aí era "encaiando”. Agora que ele deu uma "enchidinha”. Mas você ainda está vendo aquelas coroinha ali no meio do rio, olha lá elas lá.
P/1 – E porque a senhora acha que o rio está secando?
R – Está secando, ele secou muito esse ano. Secou, o rio esse ano secou.
P/2 –Dona Pequenita, a senhora via muito barco com carranca aí?
R – O que é carranca que você fala?
P/2 – Aqueles rostos que vão na frente do barco.
R – Eu sei, daquelas barcas que iam, andavam assim com aquelas caras, eu cansei de ver. Que eles botavam “varona” assim no peito que aqui era um buraco no peito. Isso aí eu sei, minha filha, eu sei.
P/2 – Tinha muito?
R – Tinha era muito. De primeiro não tinha barco de motor, não tinha vapor, não tinha isso. O negócio era balsa e essa coisa que ele botava aqui no peito e virava aquela feridona.
P/2 – Ah, por causa do remo lá.
R – É, era... Eu mesmo, quantas vezes nós pegávamos aqui o barco de rede e íamos mudar, minha mãe e os outros de dentro da Ilha, eu ia mudar. Que muda aqui, ela não tinha, os filhos dela ainda eram pequenos, os homens, não eram? As maiores somos nós, as mulheres. Nós íamos mudar ela, não íamos deixar ela morrer afogada.
P/1 – Não ia.
R – Não, nós íamos mudar.
P/2 – E o que os barcos levavam, essas balsas, quando você era mais nova, porque agora eles já levam outras coisas.
R – Oxe, levava aquele bocado de “taba”, aquele bocado de "tório", de fia, de fresta de Juazeiro, de fresta, esses lugar daí pra baixo. Agora quando eles assobiam, assobiam em outra coisa. Mas desce, descia era a balsa.
P/2 – "Tório" é o quê?
R – Aqueles “torão” de pau como é isso aqui.
P/1 - Tora.
P/2 - Eles não desciam também com alguma coisa que eles plantavam...
R - Não, não desciam, não.
P/1 – E vem cá, conta uma história de pescaria pra gente, já que você pescou tanto.
R – A história de pescaria, quando o peixe está dando é muito bom, que parece o surubim. Agora eu estou cansada de dizer aqui, menino, nunca mais eu vi um peixe de oito palmos, nem de sete e nem de nove. Cansei de ver meu pai amarrar, e o rabo dele ficava arrastando no chão, desta grossura. Se colocasse um menino desse tamanho aí não colocava na boca dele, porque você sabe que é a guelra. Mas engole. Olhe, bem ali tem uma pedra, a pedra do bote. Ali um peixe grande jogou um bote em uma mulher, foi porque ele não pegou ela direito. Ele pegou ela de “relepada”, mas tirou esse couro desde cima até embaixo. Uma senhora Angélica de (Moxotó?).
P/1 – É mesmo?
R – Foi, tirou todinho.
P/1 – E vem cá, surubim pesca de que, de rede?
R – De corda. Vamos na Ilha quando vocês chega lhe mostro as cordas.
P/1 – Será que a gente consegue pescar um surubim lá hoje?
R – Hoje de que jeito, meu irmão? Não tem isca, não! Ainda vai pegar o sarapó!
P/1 – E qual é o peixe mais difícil de ser pescado?
R – Qual é o peixe mais difícil? É o "surubinho".
P/1 – É? Por quê?
R – Porque é.
P/1 – Ele é esperto, é?
R – Ele é esperto. O surubim é tão terrível que se você estiver aí, bem aí, à beira do oceano, isso, ele joga o bote em sua sombra. Ele joga, tanto o surubim quanto o dourado. Ele joga o bote em sua sombra. Lhe disse que nasci e me criei foi na beirada do oceano.
P/2 – Dona Pequenina, quando o seu pai chegava com o peixe grande, esse de oito palmos, tinha muito peixe pra muito dia. Como que ele fazia? Vocês comiam o peixe todo ou tinha algum jeito de fazer ali?
R- Não, minha filha, fazia as tiras e vendia. O povo comprava, tirava o espinhaço com a cabeça, nós ficávamos dentro de casa e tirava uma tira pra ficar dentro de casa salgado e o resto vendia todinho. Que não podia comer todo, que precisava de outras coisas.
P/2 – Diz que a cabeça do peixe é muito boa.
R – É boa de verdade.
P/2 – O que dá pra fazer?
R – Fazendo, bota no fogo e temperar e comer.
P/1 – Mas faz o quê? Faz sopa, pirão?
R – Faz o pirão, a sopa não faz, não.
P/1 – Eu estou vendo que a senhora gosta de cozinhar.
R - Gosto! Eu gosto de cozinhar e gosto de fazer o meu serviço.
P/1 – O que a senhora gosta mais de cozinhar?
R – Eu gosto de tudo, de tudo, meu filho amado, que se me “percura”, eu gosto de tudo, é. Se você chegar dentro de minha cozinha você gosta de ver, porque não tem sujeira, não. Tem não.
P/2 – E o que você gosta de comer?
R – Gosto de comer tudo, mas mais é o peixe.
P/2 – Você gosta de comer o peixe?
R – Eu gosto.
P/2 – Mas o peixe o que, frito, assado?
R – Eu gosto de comer o cozido.
P/1 – Cozido é?
R – É.
P/2 – Dona Pequenita, esse rio mudou muito é?
R – Mudou foi muito, depois desta “talinha” miúda, que botaram aqui pra pegar... Pra ficar pegando peixe, o rio de São Francisco não dá mais o que ele dava... Não.
P/2 – E o São Francisco, o santo? O pessoal reza pra ele por aqui?
R – Reza, tem a igreja dele na passagem de São Francisco. E tem na cidade nova também. De São Francisco.
P/1 – E São Francisco já fez algum milagre por aqui?
R – Ele faz, por que ele não faz milagre por aqui? Ele faz, é!
P/1 – A senhora lembra de um?
R – Lembro. Lembro que se nós pedirmos com fé e coragem uma coisa a ele, ele dá. Se o homem for pro rio, botar uma corda ou uma rede: “Oh, meu senhor São Francisco, ajudai-me esse homem por esmola, pelo amor de Deus!”. Ele ajuda, é. Lembra primeiramente de Deus, depois dele. Pode falar de mim, eu estou escutando, pode falar que eu estou olhando pra você.
P/2 –Dona Pequenita, a gente estava conversando antes, a senhora falou que vocês fazem umas festinhas por aqui.
R – Fazia, fazia era muito piquenique. Nós fazíamos e dançávamos e não tinha briga de jeito nenhum. E hoje o povo não pode olhar pra uns aos outros que já é briga.
P/1 – É mesmo?
R – É, que nós fazíamos festa aqui... Carnaval aqui era falado!
P/1 – Carnaval?
R – Não tinha um lugar pra ser o carnaval bom como em Pilão Arcado. Carnaval aqui era falado, mas não tinha briga, não. Aqui tinha o 25, aqui tinha o Primeiro de Janeiro, aqui tinha o dia seis de janeiro, tudo. Tudo era festa, mas você não via não meu irmão, de jeito nenhum. No dia 25 você via muito aqui era terno, era terno.
P/1 – O que era o terno?
R – O terno é uma brincadeira ali, todo mundo com aquele pandeirinho, batendo nas pernas e tem a festa.
P/1 – E que mais que tinha no carnaval?
R – Só as cantigas do carnaval mesmo. Como o do terno tinha uma cantiga que maltratava até os homens, e eu gostava era muito dela: “Oh, machuca menina, bem 'machucadinha' que o nosso bailado está bem 'balhadinho'. Não quero aguardente que é um pecado, embriaga esses homens que são descarados”. É, eu gostava muito dela.
P/1 – O que é a ilha que a senhora conta tanto?
R – A ilha porque eu plantei o feijão de corda, plantei o de arranque agora, o cascudo, a “mudiça” comeu toda. Mas tenho o feijão de corda, não estou apanhando bem por causa que o rato está lascando os meus feijões, está comendo. E eu ainda não tive condição de comprar um veneno pra jogar neles.
P/1 – E a ilha, muitas pessoas têm terreno lá e plantam?
R – Têm, chega lá eu lhe mostro.
P/1 – E tem muitos anos que a senhora vai lá?
R – Tem muitos anos que eu... Eu nasci os meus dentes foi dentro da ilha em beirada de lagoa, meu irmão. Foi, nasci meus dentes foi dentro da Ilha. Quando foi pra eu me aposentar, o ordenado foi disso, que não sabia se eu... "Moço, você vem dizer que eu não nasci meus dentes não foi dentro da Ilha? Comecei a labuta com roça, mas minha mãe, meu pai e eu com oito anos de idade e até hoje ainda moro dentro da ilha. Não, você não pode dizer uma coisa dessa". Ele veio me dizer bem assim, que eu disse assim: “Moço, tenha dó de mim que eu estou com não sei quantos anos”. “Cê pode ter duzentos menina, hoje em dia”. Chega, me tremeu assim: “Se eu fosse um homem, eu acho que nós tínhamos é nos relaxado". Oxe, está bom.
P/1 – E qual a melhor época do ano para se plantar na ilha?
R – Mês de maio e junho. Maio e junho é onde dá planta boa.
P/2 – Dona Pequenita, eu fiquei sabendo que tinha muito rebocador que vinha pra
cá que tinha problema com ele. Como é que era?
R – Os problemas, sabe o que era que eles faziam? Porque às vezes os homens vinham com a (cacéa?) no meio do rio e eles destruíam a rede do povo e carregava a rede e nisso ficava. Agora eles souberam que agora eles estão... O homem disse que não era mais pra nós navegarmos, não navegou mesmo.
P/2 – E como é que foi que... Me falaram que a sua filha estava comentando ali uma história de que você fazia... Você dava uma prensa neles?
R – Um dia mesmo ele quase nos mata. Nós quando vimos ele, encostamos e ele veio, veio, veio. Se todo mundo não saísse do lugar tinha morrido, é.
P/2 – Mas tinha uns que ajudavam a senhora?
R – Tinha uns outros rebocadores que ajudavam. Um que encostou bem aqui. Ele dava óleo para nós, dava soja, nos dava tudo.
P/2 – Mas o que é que você falava com ele?
R – Nós falávamos. Coisa delicada com ele, nós não íamos falar com raiva com eles. Não, o que fazia bem nós, nós falávamos delicadamente e o que fizesse ruim nós danávamos também.
P/2 – Eu ouvi umas histórias que seu avô também teve uns momentos aqui, como é que foi?
R – Meu avô não. Nem eu conheci avô.
P/2 – Mas você não ficou sabendo dessas histórias, não?
R – (risos) Nem eu conheci meus avôs.
P/2 – Você não está querendo contar, não.
R – (risos) Agora eu ouvia dizer que meu avô, se afundasse uma canoa aí, que aí afunda. Ele ia bater no fundo e arrancava tudo.
P/1 – É mesmo?
R – Meu avô, finado Pedro Ganela.
P/2 – Ele tirava a canoa?
P/1 – Ele nadava até lá no fundo?
R – Ia bater no fundo, meu irmão, e tirava tudo. Esse homem mesmo que eu sou junto com ele, está acostumado a descer bem aí. Agora que eu não deixei mais descer, que ele dá umas câimbras. Pode dar uma câimbra no fundo d’água e lá ficar. Mas é acostumado a descer aí. Pra desenganchar, cansei a desenganchar corda, a desenganchar tudo.
P/2 – Nossa, mas é forte.
R – Ele não é forte, não, ele é dessa grossura, ele é magro. (risos)
P/2 – É sabido então?
R – É, ele desce. Hoje que eu não deixo mais ele descer. Porque ele tem umas câimbras. Pode dar, atacar uma no fundo d’água e lá mesmo ele ficar.
P/2 – Dona Pequenita, que bicho que você via por aqui antes de você sair? Tinha muito bicho selvagem aqui?
R – Não, minha irmã, nunca vi bicho aqui, não.
P/1 – Não?
P/2 – Nem os coelhos?
R – Não. Aqui tinha uns coelhos, mas a menina que criava aí, olha.
P/2 – Macaco?
R – Não, nunca vi esse diabo aqui, não.
P/1 – Onça?
R – Onça ouvia falar aqui pra aquele lugar, lá pra serra.
P/1 – Sei.
R – Porque como disse que atravessou uma, lá em cima, quase que come um menino. O pai saiu pra ir tirar a corda, quando acabou ele foi e deixou ele dentro da toca, não comeu ele por causa dos cachorros. Porque o menino correu pra dentro. Era mudo e surdo mas deu aquela coisa dele correr pra canoa e trancar o camarote da canoa. Senão tinha comido.
P/1 – Gente!
R – Senão tinha comido mesmo. Quando o pai chegou, o pai disse: “Oh minha nossa senhora, olha a patona da onça aí, comeu meu filho.” O outro foi na canoa, disse: “Moço, comeu não, vamos olhar dentro do camarote da canoa”. Começaram a bater, bater. Acho que ele teve uma hora que ouviu. Então abriu.
P/1 – Nossa, que história! E me conta uma coisa, voltando aí ao Rio São Francisco. A senhora já ouviu essa história que eles vão levar a água do São Francisco para outro lugar, lá longe.
R – Já ouvi essa história, mas eles não tiram.
P/1 – Não?
R – Não, não tira, não, que só quem tira água daqui do Rio de São Francisco é Deus. É, meu irmão, é só quem tira, essa água aqui é Deus. Eles sabem fazer barragem, mas não água. Quem sabe fazer água é Deus.
P/1 – Mas estão dizendo aí que os homens querem fazer um canal e que a água vai lá pra longe.
R – Pois é, eu quero ver eles fazerem. Pode fazer, mas ela não vai, que quem sabe fazer água é Jesus, só confio nele. É só o que eu me confio, é em Deus e em Nossa Senhora Aparecida do Norte.
P/1 – Então homem só sabe fazer barragem?
R - Só sabe fazer barragem. É.
P/1 – E a senhora acha que a barragem aqui ajudou ou atrapalhou?
R – Ela fez atrapalhar foi muito. Cadê o peixe? Ela atrapalhou foi muito, essa tal de barragem que eles fizeram atrapalhou muita coisa, aqui no Pilão Velho. Menino, aqui de primeiro não era rede desfiada, não era rede de náilon, era rede de caroá e ficava era um montão de peixe, de morrer dez mil peixes, de você ficar de um lado e outro de outro e não via a copa do chapéu de nenhum. E hoje em dia vê o quê? Vê não, de jeito nenhum. Que foi isso? Foi barragem, essa linha miúda. Diz assim: “A pesca está fechada”. Como eles não empatam a linha miúda. Já que está fechada, fechasse tudo, não era?
P/1 – E deixa eu perguntar uma coisa sobre seus filhos. A senhora tem seis filhos, não é isso? Então a senhora vai contar...
R – Seis filhos não, eu tenho cinco homens e duas mulheres.
P/1 – E me conta de novo qual o nome deles e que que eles estão fazendo hoje em dia, onde que eles moram?
R – Uns moram na cidade nova.
P/1 – Vamos lá, que é o mais velho?
R –Mais velho é Edimar.
P/1 – E Edimar está onde?
R – Em Pilão Velho, na cidade nova.
P/1 – E o segundo?
R – O segundo é Edimilto. O outro que morreu que era Edinivio, morreu. Mas tenho Raimundo Nonato, tenho Antonio Rosalvo, e tenho Dalvili. De mulher tenho Maria Aparecida e Lucineide. Maria Aparecida é aquela.
P/1 – Quem deu mais trabalho? Quem era mais levado?
R – Meu irmão, meus flhos não me deram trabalho, não.
P/1 – Ô, coisa boa.
R – Não, graças a Deus, até hoje meus filhos são de ouro. Não me deram trabalho. Logo que tivesse com a chupeta na boca eu "gomava”, eu lavava e tinha vizinhança que dizia assim: “Sei que ela vai matar essa menina de fome”. Que ela com a chupetinha na boca, depois eu ia dar banho e depois a mamadeira. Meus filhos não me deram trabalho não, graças a Deus. O que mais me deu trabalho foi o mais velho. Pra ter, que quase morro de parto, quase morro. Mas os outros, quando atacava dor, já era pra dentro. Teve uma que eu quase tenho ela dentro do serrote.
P/1 - E quem ajudava senhora ter o filho?
R – A parteira.
P/1 – Era sempre a mesma?
R – Primeiramente Deus e depois a parteira que tinha aqui.
P/1 – Ela foi a mesma parteira que ajudou em todos?
R – Em todos.
P/1 – Como é que ela chamava?
R – Tomasa.
P/1 – E a senhora tinha o filho em casa?
R – Era em casa. O meu médico era Deus, nunca cheguei em porta de hospital e hoje estou... Você não está vendo eu já na idade que estou? Não tenho dor de peito, de minha barriga, não tenho dor nem cadeira como as mulheres dizem, não tenho nada, graças a Deus. Até hoje estou pro que Deus quiser fazer de mim.
P/1 – Que beleza!
R – É não tenho, não. Tem filha minha que é mais doente do que eu. Que eu não sinto.
P/1 – E qual é a receita pra ter toda essa saúde aí?
R – Qual é minha receita? A de Deus! E as cascas do mato.
P/1 – Ah! Tem as cascas do mato.
R – As casca do mato. É a de Deus e as cascas do mato. Tiro, boto de molho, corro e tomo.
P/2 – Dona Pequenita, o que aconteceu com o filho que faleceu? Como foi que ele morreu?
R – Oh, minha irmã, mataram a filha minha. Eu não gosto... Olha, não vou lembrar isso aí, não.
P/1 – Então está bem, mas me conta uma coisa. A senhora tem quantos netos?
R – Tenho nove. São nove filhas? Não são nove netos? Uma de Mundoca, três de Masin, duas de Lucineide e três de Tonho. E Dalvili que foi o primeiro neto. O primeiro neto, graças a Deus, foi dessa que mataram.
P/1 – E eles moram todos na cidade nova?
R – Não, Dalva estuda em Juazeiro. Está estudando até agora o curso do vestibular.
P/1 – Que beleza! E a senhora não tem vontade de mudar pra lá pra ficar com eles, não?
R – Eu não, que "em dias em dias" eu estou lá vendo meus filhos. Mundoca tem o escritório lá em Juazeiro, tem a casa dele, mas em dia, a cada sexta-feira ele está aí. Por isso estou vendo meus filhos.
P/1 – E a senhora não quer sair daqui?
R – Eu não.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu não quero menino. Se quem quiser me ajudar, Deus primeiramente é Deus e quem quiser me ajudar é (descer?) no Pilão Velho.
P/1 – Então conta aí pra gente lá pro pessoal do Museu da Pessoa que vai assistir essa fita, por que aqui é bom de morar?
R – É bom, toda vida aqui foi ótimo de morar porque aqui era todo mundo unido, ninguém tinha briga contra os outros. Nós éramos tão unidas que se uma caísse doente e as outras tivessem na casa de farinha rapando mandioca, nós rapávamos o balaio daquela que estava doente e juntávamos e esprimíamos a massa dela. Veja que nós éramos unidas, éramos. Nunca fomos gente de querer comer umas as outras, não.
P/2 – E, Dona Pequenita, o que a senhora está achando dessa experiência de contar pra gente essas histórias?
R – Achando muito bom, estou achando muito bom. Estou achando muito bom e gostando de vocês e vamos embora que está de noite.
P - Ô, espera aí!
R – Ô, espera aí ainda não!