Formação, primeiros anos de vida na capital. Ida para São José do Rio Preto. Seu avô paterno fez parte da fundação dos charreteiros, os primeiros taxistas de São José do Rio Preto. As lembranças de São Paulo. A leitura do livro O Senhor dos Anéis e o despertar pelo amor aos livros. O primeiro emprego aos 19 anos, e a vinda do primo Fabian Rodrigues para Rio Preto. A fundação de uma locadora de livros. O negócio era inovador para época. A Torre do Tombo, desde 2009 gerenciada por Maurieli.
Uma história de amor aos livros
História de Maurieli Molas Prudêncio da Silva
Autor:
Publicado em 10/07/2021 por Ana Eliza Barreiro
Memórias do Comércio de São José do Rio Preto 2020-2021
Entrevista de Maurieli Molas Prudêncio da Silva
Entrevistada por Ana Eliza e William Carneiro
São José do Rio Preto, 13 de abril de 2021
Entrevista MC_HV064
Transcrita por Selma Paiva
Conferido por Ana Eliza Barreiro
(02:02) P1 - Então, vamos lá! Pra começar, eu gostaria que você me falasse seu nome completo, sua data de nascimento e o local de nascimento também.
R1 – Meu nome completo é Maurieli Molas Prudêncio da Silva, eu nasci dia 19 de fevereiro de 1975, na cidade de São Paulo, capital.
(02:30) P1 – Ô, beleza, hein! (risos) Então, você sabe um pouco da origem, assim, da sua família? Qual o nome do seu pai e da sua mãe, em primeiro lugar?
R1 - O meu pai é Rubens Prudêncio, a minha mãe chama Miriam Molas Prudêncio. A minha mãe conheceu meu pai em São Paulo. Meu pai é de São José do Rio Preto, mas foi trabalhar em São Paulo. Eles se conheceram lá e me tiveram.
(03:00) P1 – Legal. Agora, sim, falando mais um pouco das suas origens, quem são seus avós? Eles também eram da região de São Paulo, de Rio Preto?
R1 – Da família do meu pai, de São José do Rio Preto e toda a família da minha mãe é de São Paulo. Então, meus avós maternos tudo descendentes de espanhóis por parte da minha mãe e, por parte do meu pai, portugueses. Mas eu sempre tive muito contato, mais, com a família da minha mãe, do que a do meu pai.
(03:40) P1 – Entendi. E você via um pouco desse traço da cultura dos seus avós na sua infância, enquanto você crescia?
R1 – Sim. A questão da língua espanhola, né, meu bisavô chegou a morar comigo quando eu era criança, a gente tinha familiaridade com a língua e também ele falava muito da cultura da Espanha, ele serviu na Segunda Guerra. Já da parte do meu pai ele tem uma história aqui, meu avô por parte de pai, da fundação dos charreteiros da cidade. Os primeiros taxistas de São José do Rio Preto. Começaram como charreteiros.
(04:35) P1 – Nossa Senhora!
R1 – E meu pai seguiu essa profissão de taxista.
(04:39) P1 – Hum hum. Legal, então, hein? E eles chegaram de navio, com a imigração? Como é que foi isso?
R1 – Eu sei mais da parte da minha mãe, né? Assim, os meus bisavós, sim, vieram da Espanha de navio e se fixaram em São Paulo, só que eu não sei qual foi a atividade. A bisavó bordadeira, trabalhava como costureira, bordadeira e o meu bisavô acredito que em alguma coisa relacionada a construção, ferramenteiro. Eu lembro que ele tinha muitas ferramentas, muitas habilidades manuais, com ferramentas.
(05:33) P1 – Hum hum. Você começou a falar também dos seus pais. E como é que foi que eles se conheceram? Um de uma família espanhola, outro de uma família portuguesa. Como é que eles se encontraram? Você sabe um pouco dessa história?
R1 – A mãe do meu pai faleceu quando ele tinha 11 anos. Foi quando a família, os filhos eram pequenos e meu pai resolveu ir pra São Paulo, morar com os tios. O meu avô ficou aqui em Rio Preto, mas meu pai, já muito pequeno, foi morar com os tios em São Paulo e trabalhar lá, desde muito novo. E, quando tinha acho que uns 18, 19 anos, foi trabalhar numa empresa que minha mãe também trabalhava e se conheceram.
(06:32) P1 – Hum hum. Antigamente tinha muito isso, né? O pessoal ir pra São Paulo, fazer a vida na metrópoles, né?
R1 – Exatamente. São Paulo era a referência, né?
(06:44) P1 – E você lembra um pouquinho, assim, de São Paulo? Você é de lá. Você lembra da sua infância em São Paulo? Como era a cidade?
R1 – Lembro muito de São Paulo, porque a minha tia, minha madrinha sempre morou em São Paulo, então todas as férias, desde pequena, eu ia pra São Paulo, passar as férias lá. Eu vim pra Rio Preto, pra morar aqui, eu estava com nove anos de idade. Desde os nove anos. Desde então, todas as férias eu ia à São Paulo. Então, conheço mais a parte turística, paisagística de São Paulo, o museu, minha tia morava ali perto do Ipiranga, do Museu do Ipiranga. Então, eu tenho boas memórias de São Paulo.
(07:42) P1 – Nossa, que incrível! Ainda morava no Museu do Ipiranga, lá perto! Aquele lugar maravilhoso, né? (risos) Mas, assim, você lembra como era o bairro que você cresceu em São Paulo, como eram as casas?
R1 – Lembro. Ana, a minha memória é de elefante, tá? A minha memória começa a partir dos três anos de idade. Então, se eu fosse contar, assim, detalhes, eu tenho, com três anos, uma memória, com quatro, com cinco, com seis, com sete, coisas muito presentes na minha vida. Em São Paulo eu estudei, fiz o pré e a primeira série. E a história da livraria começa aí, porque minha tia tem o meu primo Fabian que, desde muito pequeno, gostava muito de ler. Então, eu ia na casa dele em todas as férias e tinha muitos livros, muitos, umas estantes enormes, cheias de livros. E eu sempre ficava ali folheando as coleções, os livros, mas não tinha muito interesse. Olhava, curiosidade de criança, mas sem o afinco da leitura. Mas voltando, assim, em São Paulo, às memórias de São Paulo, a minha época ainda existia a garoa. (risos)
(09:26) P1 – Olha só!
R1 – Então, peguei a garoa. Em 1979, 1980, ainda era uma cidade que de manhã cedinho era bem ventinho, friozinho, garoa e à tarde ficava meio neblina. Era um clima bem interessante. Ao longo desses trinta e poucos anos, dá pra ver bem a diferença climática das cidades. Me marcou muito, meu primo me levou, desde pequena, pra conhecer o Butantan, então, desde pequena eu tive essa paixão pelos animais, me interessei pelos animais e depois de mais idade eu fui fazer o curso de Biologia. Então, tudo isso, na minha vida, era incentivado por esse meu primo mais velho, que fundou a livraria.
(10:27) P1 – Hum hum. Como ele chamava, seu primo?
R1 – Ele chama Fabian Rodrigues.
(10:33) P1 – Fabian Rodrigues. Mas voltando lá pra sua infância, essa coisa da leitura, sendo incentivada aí pela sua família. Falando da escola, você lembra como era sua época de escola lá em São Paulo, como é que começou?
R1 – Lembro. Muito marcante, porque era um ambiente muito agradável. A época da Escola Nova, famosa, onde a gente ficava quietinho e o professor ensinava, né, a cartilha Caminho Suave e era um respeito muito grande por professores, tinha castigo, a gente ia pro cantinho da parede, mas eu era bem-comportada, eu não passei por isso, não. Mas eu lembro muito que, na época, eles davam muita alimentação à base de soja, então era leite de soja na escola. Isso são coisas que me marcaram bastante, né? A merenda é uma coisa que marca muito a vida das crianças. E o aprendizado, em si. Era uma escola pública, mas com excelente ensino e excelentes professores.
(12:11) P1 – Como é importante a gente lembrar dessas coisas, né? Você lembra quem eram seus professores? Você lembra das suas matérias preferidas nessa época?
R1 – Em São Paulo eu lembro, minha primeira professora do pré chamava Ana Maria, era uma mulher e já do primeiro ano era um homem de mais idade, que chamava professor Ernesto. E lembro da fisionomia deles nitidamente e é uma coisa assim... como eu vou dizer? É emocionante ver como, ao longo dos anos, a profissão vai se aperfeiçoando, vai se tornando, assim, pra cada vez, pessoas mais jovens, porque na época as professoras eram mais de idade. Hoje não, hoje já tem muitos professores jovens, então eu percebo isso. As salas de aula eram organizadas, tinha recreação. Então, a minha memória é um pouco curta nesse período do pré e da primeira série.
(13:34) P1 – Hum hum. Sim. E, assim, você fala dessa questão de como mudou a escola, que hoje você fez o curso de Biologia. Você chegou a dar aula também?
R1 – Não. Quando eu vim pra Rio Preto, meu pai me colocou em escola particular, mas eu sempre, eu e minhas irmãs, tivemos muita dificuldade em aprender. Sempre aprendemos na marra. Tendo que estudar muito, tendo que ler muito, memorizar, decorar. Não foi uma coisa nata, assim, que já sai gostando de tudo, pegando com facilidade. Então, nos primeiros anos a alfabetização foi fácil, mas quando chegou na quinta série eu acabei repetindo essa série em Matemática, que é o meu ponto fraco. Que é também o de muitas pessoas.
(14:42) P1 – Meu também.
R1 – Pois é, né? Muitas pessoas. Então, eu fiz novamente, eu achei ótimo repetir, porque no outro ano eu aprendi com mais afinco, revi as matérias, eu realmente aprendi, então eu acho muito válida a repetência. Hoje já quase não é tão utilizada, mas pra mim, na época, foi muito bom. E continuei sexta série, sétima série. Aí, o que aconteceu? Meu pai me tirou da escola particular, pra ir pra escola pública. Na escola pública eu já estava adolescente, fiquei um pouco mais relaxada, repeti a sétima série. (risos) E, no próximo ano que eu fui fazer a sétima série, eu comecei a namorar. E, pro meu pai deixar eu namorar, ele falou que eu tinha que ser boa aluna. Aí eu estudava bastante, tirava notas altas e meio que disputava com o namorado da sala e onde eu fui gostando de estudar, de se interessar pelo conhecimento, pela leitura e onde a coisa começou a acontecer. Comecei a me interessar mais por leitura, por livro, porque eu tinha que ter mais conhecimento, tirar notas altas, porque senão meu pai não deixava eu namorar. O namoro não podia interferir nos estudos.
(16:32) P1 – Seu pai usou estratégia boa, viu? (risos)
R1 – Exatamente.
(16:38) P1 – Você veio pra Rio Preto com nove anos, né?
R1 – Sim.
(16:44) P1 – E pra que bairro vocês vieram pra cá, em primeiro lugar?
R1 – Primeiro bairro que nós mudamos foi Vila Anchieta.
(16:52) P1 – Ah, sim.
R1 – Bairro Anchieta. Estudei na Escola Bady Bassit.
(16:58) P1 – Ah, legal. Como era a Escola Bady Bassit na sua época?
R1 – Então, eu fiz a segunda série lá. Gozado, foi um ano só, mas eu tenho pouquíssimas memórias daquele ano. O que eu lembro, muito, é que nós fazíamos muito ditado. A professora dava muito ditado. Era uma professora bem velhinha, bem senhorinha mesmo, devia ter o quê? Uns sessenta, setenta anos. E esse ano marcou muito, com essa questão do ditado. Eu lembro que uma vez, eu andando pelos corredores, vi uma salinha cheia de livros, aí eu entrei dentro dessa salinha e peguei um livrinho na mão, que tinha o desenho de uma tartaruga na capa. Na verdade, não era uma tartaruga, era um cágado, né, porque tem diferença entre cágado, tartaruga e jabuti, mas pra uma criança de oito ano é uma tartaruga. Então, eu fui mostrar pra professora que eu tinha visto aquele livro sobre tartaruga e ela me explicou que não era uma tartaruga, era um cágado. É a única memória que eu tenho, de quando eu estive nessa escola.
(18:17) P1 – Não, mas está ótimo! E depois, assim? Eu imagino que, pra você, como uma criança de nove anos, se mudar de um ambiente totalmente diferente, teve algum baque, alguma dificuldade de adaptação?
R1 – Não. Eu passei por problemas muito emocionais, mesmo, porque eu era muito apegada a minha tia, a irmã da minha mãe. Ela era como uma segunda mãe pra mim. Então, ter que me separar dela me deu muitos problemas emocionais. Então, eu acredito que eu fui uma criança que chorava muito, eu chamava muito por essa tia, sentia muita falta. Então, nesse sentido, foi o que a mudança me prejudicou.
(19:15) P1 – Hum hum. Sim. Você tinha irmãs, né?
R1 – Sim.
(19:21) P1 – A adaptação delas também, como é que foi, pra vocês, assim?
R1 – Eu, das minhas duas irmãs, cada uma nós temos seis anos de diferença. Então, eu tinha seis anos quando nasceu a do meio. E da do meio pra caçula mais seis anos, então, de mim pra caçula, são 12 anos de diferença. Então sempre teve muita briga, por causa da diferença de idade. Mas, assim, eu lembro que eu ajudava minha mãe a cuidar da minha irmã e depois, com 12 anos também, que eu já estava na pré-adolescência, também ajudei a cuidar da caçula. Só que, já na pré-adolescência, eu já brigava mais com a minha mãe, eu não queria olhar, porque eu queria sair, passear, não queria ficar atrás de criança. Mas, em geral, a gente sempre se deu muito bem, sempre fomos muito unidas.
(20:25) P1 – Sim. Como ela chama?
R1 – A minha irmã do meio chama Maribel e a caçula chama Michele. Todas com a letra M, por causa do nome da mãe. Se fosse menino, viria um menino com nome começado com R de Rubens.
(20:45) P1 – Olha isso!
R1 – Tem todo um padrão aí na família. E quem inventou meu nome foi essa minha tia, minha madrinha, que é muito apegada em mim, que eu sou muito apegada a ela, até hoje, assim. Ela vem aqui, ela fica na minha casa aqui, cuidando da minha filha. É que agora ela não pode, por causa da pandemia. Mas logo, logo ela já está de volta aqui, pra me ajudar a cuidar da minha pequena.
(21:15) P1 – Ô, saudade, né, que dá!
R1 – É.
(21:19) P2 – Maurieli, qual o nome dela, da sua tia?
R1 – Cecília Molas Rodrigues, é a mãe do Fabian, que montou a livraria em Rio Preto.
(21:31) P1 – Hum hum. E, assim, você foi vindo pra cá, pegou toda essa fase da adolescência em Rio Preto, né? Como foi essa fase pra você, de adolescência, aqui em Rio Preto? Quais eram os passeios que você gostava de fazer, na época? O que você gostava de fazer?
R1 – A minha adolescência foi, assim, meio problemática, mas acho que toda adolescência, né, aquela questão da revolta, aqueles questionamentos com Deus e, assim, adoro Rio Preto, eu falo até que hoje eu sou rio-pretense, apesar de ter acabado de me mudar pra cidade de Bady Bassit, mas eu sou rio-pretense, vou morrer... porque eu adoro calor, adoro, é uma cidade quente, do jeito que eu gosto, bonita, acho linda. A minha adolescência, meu pai sempre foi muito rígido na educação. Então, na época em que tinha as adolescentes de 13, 14, 15, 16, 17 anos iam pra Avenida Andaló que, na época, era superfamosa em Rio Preto, meu pai não deixava eu ir. Então, essa parte foi interrompida, não podia ir de jeito nenhum e eu sempre fui muito obediente, eu nunca menti, eu nunca enganei, eu nunca fui escondida, eu obedecia mesmo. Sempre fui uma pessoa muito obediente. Mas, assim, eu brinquei muito na rua, meu pai, minha mãe deixava brincar muito na rua. Eu falo que a década de oitenta e noventa foram as melhores. Quem é dessa época sabe. Hoje em dia a gente se adaptar com esse mundo virtual, pessoas trancadas dentro de casa com celular, eu fico abismada, assim. Pra mim é muito ruim. Mas agora eu mudei num lugar aqui, num bairro em Bady Bassit, que eu posso sentar na calçada, que eu posso brincar com a minha filha de bola na rua e eu estou resgatando toda essa minha infância agora. A minha adolescência eu comecei a ter os questionamentos da existência de Deus, das coisas que aconteciam no mundo e aquela revolta e meu pai sempre me policiando pra não se envolver com meninos. Sempre, sempre. Muito cuidado, muito medo, né? Então, essa parte, assim, foi bem rígida, eu comecei a namorar com 16 anos e, naquela situação da sétima série que eu te falei, da oitava, na verdade, eu fiz a sétima, a sétima e a oitava. Na oitava série. Mas sempre com hora pra entrar, pra se ver, dias pra se ver, seguindo tudo corretamente, que nem aqueles namoros da década de vinte, de trinta, que tinha que sentar no sofazinho, era daquele jeito.
(24:57) P1 – Pegar na mão... ((risos))
R1 – É. Mas foi uma adolescência tranquila, sem muita... nada de querer fugir de casa, essas coisas. (risos)
(25:13) P1 – E você gostava... tem alguma festa que te marcou, não sei, alguma quermesse, algum passeio, alguma coisa assim, que te marca, que você lembra bastante?
R1 – Muito. As famosas... como que fala, gente? Que fazia dentro da casa das pessoas, as festinhas. Tem um nome, gente. As brincadeiras nas casas das pessoas, dos amigos, as festinhas, as brincadeiras dançantes. Eles punham as músicas pra tocar, pra gente dançar junto, pôr as músicas eletrônicas, dançar os passinhos. Teve muito isso, né, as brincadeiras nas casas das pessoas, dos amigos. Teve também as quermesses, eram maravilhosas, inclusive dentro das escolas públicas. As quermesses eram famosíssimas dentro das escolas públicas. Então, a gente ajudava a enfeitar a escola e depois ficava participando da festa junina ali e querendo Correio Elegante, querendo ser... tudo em torno da paquera, do relacionamento. É uma coisa que isso faz parte da adolescência, né? Então, eu peguei uma época também de muitos balões com tochas, mesmo. Eu vi construir muitos balões em São Paulo, quando eu era criança, quando eu tinha seis, sete anos. Eu peguei essa fase de ver balões enormes sendo erguidos.
(27:01) P1 – Balões, mesmo? Que legal!
R1 – Como?
(27:05) P1 – Balões, mesmo e você chegou...
R1 – Balões, com tochas gigantescas, que na época não era proibido. Devia causar muita queimada, (risos) mas isso ao longo dos anos que foi vendo isso, observando e proibindo. Mas no começo da década de oitenta o balão fazia o ano inteirinho. Soltavam balões o ano inteiro. E balões maravilhosos. Coisas assim, só pondo na internet mesmo as fotos, pra vocês terem ideia.
(27:51) P1 – Nossa! E aqui em Rio Preto também?
R1 – Não, aqui em Rio Preto, não. Aqui, não. Na verdade, quando eu falei da quermesse, tal, lembrei da festa junina e depois voltei lá pra trás, quando era bem pequena e lembrei desse fato dos balões. Aqui em Rio Preto, não. Aqui em Rio Preto, quando eu vim pra cá, eu falava quadrado, porque a pipa, lá em São Paulo, chama quadrado. Então, eu vim pra cá falando quadrado. Eu via a pipa no céu e falava: “Olha aquele quadrado, que lindo!” Aí assim: “Que quadrado! O que é isso? Isso não é quadrado, isso é pipa”. Então, a linguagem também, de São Paulo pra Rio Preto, tem diferença. Que nem juju, gelinho...
(28:41) P1 – É verdade.
R1 – Então eu vinha falando uma coisa e era outra. Mas isso tem em cada região do país, essas diferenças de palavras.
(28:52) P1 – Essas riquezas linguísticas, né? Mas conta como eram esses balões. Eu nunca subi num balão. Como é que é a sensação de você estar dentro de um balão?
R1 – Olha, é uma coisa tão bem-feita, tão perfeita, é tão gigantesca! São balões que tinham cinco, seis metros de altura. Eu nem sei se eles faziam isso com... como é que fala? Com papel de seda. Eu não sei que material eles usavam. Eu só sei que tinham tochas, parafina misturada com aquele pano de saco, aqueles sacos de batata, de sisal e faziam tochas gigantescas, até em estrutura de ferro, mesmo, soldadas, pra conseguir erguer o balão. Então, tinha um balão que me marcou muito, que nós fomos num campinho de futebol, que chamava... o nome do balão era Um Menino Segurando uma Lua, então era o formato da lua, meia lua e um menino segurando a lua e era uma pessoa, um menino mesmo, todo desenhado, feito na folha de seda, todo tridimensional, com um monte de lanterninhas por fora, todas acesas com velas. Eu não sei como aquilo não pegava fogo antes de subir. (risos) Era uma coisa muito bem-feita, porque era tudo à base de vela.
(30:31) P1 – Nossa!
R1 - Toda luz que tinha em volta era vela.
(30:36) P1 - Gente, que bacana, né? Eu fico, assim, imaginando aquela coisa gigantesca. (risos)
R1 – Aposto que depois você vai entrar na internet e procurar essas imagens de balões! (risos)
(30:46) P1 – Eu vou procurar, sim. (risos) Não, mas é legal. E te marcou bastante, a gente fica pensando que é um retrato de uma época. Eu não sei se hoje em dia tem mais, mas é legal. E, voltando, assim, pra sua adolescência, você chegou e falou que foi se interessando pela escola por causa do namoro também e isso despertou em você algum interesse específico em alguma matéria, alguma coisa assim, dentro da escola, que foi te marcando?
R1 – Sim. O professor de Ciências, na sétima série. A primeira sétima série que eu fiz eu não estava nem aí com o estudo, estava totalmente desinteressada, mesmo e acabei repetindo. Quando eu fui fazer novamente a sétima série, eu peguei um professor de Ciências que me fez eu me apaixonar pela disciplina. Mas desde muito criança eu sempre gostei demais de mexer com animais, com bichos, né? Então, já tinha uma predisposição aí pra Ciências Biológicas, né? E esse professor de Ciências me apoiava muito, me incentivava muito e eu fui me interessando por Ciências e eu lembro que uma vez ele falou pra mim: “Você pode fazer Biologia, quando você terminar o colegial”. Eu lembro disso, mas até então sétima série, depois já não estava tão interessada em estudar com afinco. Quando foi pra oitava série, que é onde eu conheci meu primeiro namorado, que foi quando meu pai falou que eu tinha que estudar mais, que eu não podia ter notas baixas e nós começamos a disputar quem tirava as notas mais altas, foi quando eu comecei a frequentar sozinha, com 16 anos, a biblioteca pública. Comecei a ir sozinha e procurar livros, romances pra ler, por indicação do meu primo, que lia muito, eu falava pra ele: “Ai, Fabian, o que você me indica pra ler?” Tanto é que eu me lembro que, com 16 anos, o primeiro livro que eu li, assim, sem ser aqueles de escola, que tinha que ler a Série Vagalume e tal. Aquilo lá eu lia por obrigação, rápido, era uma coisa que passava bem rápida, assim, na minha vida, aquela leitura. Aí, com 16 anos, meu primo falou assim: “Você pode ler O Alquimista, do Paulo Coelho”. Aí eu fui toda feliz lá na biblioteca municipal, alugar, pegar emprestado o livro O Alquimista e lia com aquele ar de intelectualidade, de pessoa culta, (risos) na adolescência, achando que estava, né, arrasando, mas era, assim, a primeira vez na vida que eu estava, realmente, tendo um contato verdadeiro com o livro. (risos) Sem ser um livro didático, de disciplinas, de matérias.
(34:11) P1 – Aí marcou! Porque você lembra, até, do livro. (risos)
R1 – Lembro.
(34:15) P1 – Era uma pessoa que te incentivava muito a ler, né? E, assim, depois da escola, você foi fazer faculdade de Biologia? Como foi? Onde você fez? Como foi a faculdade?
R1 - Bom, terminei a oitava série, o namoro durou só dois anos e aí fomos pra escolas diferentes, estudar em escolas diferentes e o colegial eu fui fazer lá no Monsenhor Gonçalves, uma escola também muito conhecida, muito tradicional e lá comecei a ter... o primeiro ano foi péssimo, também não estava interessada, nisso eu já estava chegando aos 19 anos, que é quando meu primo me chama pela primeira vez pra trabalhar com ele. O meu primeiro trabalho, que é na livraria. No primeiro ano, primeiro colegial. No segundo colegial eu acho que eu já estava começando a trabalhar com ele e, no terceiro colegial, eu comecei a ter aula de Filosofia, Psicologia. Já tinha, depois saiu da grade. Depois de alguns anos saiu, agora está voltando novamente e eu tive, a professora de Psicologia e Filosofia falaram, me chamaram - como eu estava tirando notas boas, menos em Matemática. (risos) Eram notas boas em tudo, Matemática era aquele C sofrido. Sem colar, tá? Que eu não sei até hoje. Até tentava, se eu falar que eu não tentava olhar na prova de alguém... eu olhava, só que eu não enxergava nada, de tanto medo. Então eu falei assim: “Eu acho até hoje que os professores me passaram em Matemática no colegial” – e aí falaram: “Nós estamos sorteando algumas pessoas pra fazer um vestibular gratuito, que está abrindo uma faculdade aqui em Rio Preto e está convocando um monte de alunos pra fazer vestibular, pra treinar a faculdade, encher a faculdade de candidatos e, se você conseguir, dependendo da qualificação que você consegue dentro da nossa escola, você vai ter o desconto no valor da bolsa, vai ter um desconto de bolsa”. Eu falei assim: “Vamos conhecer o que é esse vestibular aí, vai. Todo mundo fala nesse vestibular. Vamos fazer, vai. Vamos conhecer isso aí”. Mas isso já trabalhando em livraria, tá? Isso eu já estava trabalhando na livraria, mas ainda muita imaturidade na cabeça, sem noção, assim. Tudo, na minha vida, foi sendo construído muito aos poucos, fui entendendo as coisas muito devagar. E fui prestar esse vestibular que, na verdade, era a Unirp que estava abrindo novos cursos, porque eles eram só Direito e aí eles resolveram abrir outros cursos e tornar centro universitário. Faculdade, desculpa. Eu não lembro agora, Faculdade Unirp, eu não lembro. Aí depois Unirp, centro universitário. E escolhi Biologia a primeira opção e Direito a segunda. Direito porque meu pai falava que todo mundo tinha que ser advogado. Ou advogado ou médico. (risos) Isso é básico acho que em todos os lugares. (risos)
(38:29) P1 – Sempre, até hoje. (risos)
R1 – Bom, eu fiz a prova lá, sem preparo nenhum e consegui atingir o número de vagas lá, entrei dentro do número. Eram sessenta vagas e eu peguei número, sei lá, cinquenta e foi uma surpresa pra mim, a escola me ligou e falou assim: “Olha, você pegou em quarto lugar da faculdade e você tem 60% de desconto”. Falei pro meu pai, cheguei pro meu pai: “Pai, consegui, você paga pra mim?” Ele falou assim: “Pago, lógico, o sonho de todo pai é o filho fazer faculdade”. Falei assim: “Vou ter que conversar com meu primo, porque até então eu tinha começado a trabalhar na livraria e então eu ia ter, o período da manhã, que faltar”. Cheguei pro meu primo e falei pra ele: “Você deixa eu fazer o curso?” Ele falou: “Não, tudo bem, pode fazer. Os estudos é o mais importante”. E nos adaptamos lá, na parte da manhã eu ia pra faculdade e depois do almoço eu já ia direto pra livraria. E assim eu fui fazendo meu curso. Só que eu fui gostando tanto de trabalhar com livro, de mexer com livro, que eu fui fazendo meu curso, mas sem querer dar continuidade porque, se eu tivesse que seguir a Biologia, eu ia ter que sair da livraria e eu estava muito dividida e eu não queria, eu gostava das duas coisas, mas eu resolvi ficar com a livraria, porque eu fiz licenciatura e bacharelado, só que eu vi, durante os estágios, que eu não tinha vocação pra dar aula. Eu tenho muita dificuldade em comunicação. Eu não me comunico bem. Então, eu não conseguia dar aula assim, falar pros alunos e tal. Fiz um estágio experimental dentro do laboratório, foi uma experiência bem legal, deu tudo certo e depois só, não quis pegar aula. Até tive oportunidade na Secretaria de Educação, mas eu não quis. A livraria me prendia demais. É muito gostoso trabalhar com livro. É gostoso, não tem outra palavra. É prazeroso. É um trabalho que não te dá... não é trabalho, é prazer, é lazer. Então, foi onde eu...
(41:20) P1 – Pegou amor.
R1 – Como?
(41:23) P1 – Pegou amor por aquela coisa, né?
R1 – Isso.
(41:36) P2 – Na primeira vez que você trabalhou lá, o que você fazia? Você era caixa? Organizava os livros? Como é que era?
R1 – A história é bem legal, porque foi assim: meu primo veio de São Paulo, casou, ele tinha vinte e três anos, ele trabalhava numa multinacional, ele era supervisor, cargo altíssimo numa multinacional, só que ele estava extremamente infeliz com o trabalho dele. Ter que dar ordens, ter que comandar uma equipe, ter que mandar pessoas embora, pra ele era uma tortura. E ele conheceu a esposa dele aqui, porque quando nós mudamos aqui em Rio Preto, lá no Anchieta, a minha vizinha, a nossa vizinha tinha uma irmã que eles, quando eram jovens, 18, 19 anos, se conheceram e se apaixonaram. Então, ele veio de São Paulo pra Rio Preto, morar em Rio Preto. Casou aqui e veio morar aqui. Aqui em Rio Preto, ele já veio com essa ideia de montar um sebo que, na verdade, Rio Preto não sabia o que era sebo. Rio Preto não conhecia essa palavra. E ele veio e falou assim: “Montar um sebo. Ninguém vai saber o que é um sebo aqui. Não sei. Eu vou montar uma locadora de livros”, porque ele via que, quando ele ia na biblioteca municipal, estavam faltando muitos livros que ele tinha vontade, coisas, assuntos que ele sentia falta, que não tinha na biblioteca municipal, então ele queria acrescentar algo mais na cidade, fazer um complemento dessa biblioteca. E, como forma de dinheiro também, fazer um negócio, abrir um negócio diferente, inovador, onde foi a ideia de abrir a locadora de livros. Até então ele ficou imaginando o nome da livraria, tal e nisso eu já estava de 18 pra 19 anos, eu já estava começando a sair pra começar a procurar emprego sozinha, já estava querendo aquela independência da idade e um dia eu lembro que eu voltei do Centro da cidade, que eu tinha... eu sempre gostei de mexer com público, eu não sou de trabalhar fechada em escritório, meu perfil é público, atender pessoas. Então, o primeiro lugar que eu fui foi o Centro da cidade. Eu queria trabalhar de balconista, atendente, de atender as pessoas. Voltei chateada, lógico, o primeiro emprego, 19 anos, aquela cara de menininha de 11 anos, né? Ninguém queria pegar pra trabalhar, né, pra ensinar. Aí eu cheguei em casa e meu primo chegou junto e falou assim: “Maurieli, eu vou montar uma livraria, você quer trabalhar comigo?” Aí eu falei assim: “Ai, livraria? Eu não sei nada” “Não, eu te ensino. É fácil, é tranquilo. Você vai aprender. Se você tiver vontade de aprender, eu vou te ensinar. Só tem um problema: eu não tenho dinheiro pra te pagar”. Eu falei assim: “Bom, pra mim está ótimo. Eu quero trabalhar, quero sair de dentro de casa, quero me ocupar e qualquer coisa, pra mim, fora de casa, qualquer serviço, pra mim é um aprendizado, eu quero ir, sim. Não, eu quero”. E ele pagava um valor simbólico, porque todo dinheiro que ele tinha guardado do serviço, do alto cargo dele, ele reformou o prédio, comprou livro, comprou estantes, comprou computador, montou tudo e o dinheiro acabou. (risos) Todo empreendimento é assim: o dinheiro vai todo embora ali na inauguração, na instalação. E eu lembro que aí ele foi me contar a história dos livros, da leitura, aí ele me levou pra ir pra São Paulo com ele, comprar livros no sebo. Aí ele explicou pra mim o que era sebo. Me mostrou, a primeira vez que eu entrei nos grandes sebos lá de São Paulo, aqueles sebos gigantescos que não têm fim e eu fiquei encantada com tudo aquilo e ele falou assim: “Olha, só que você não conhece nada de escritor, de livro, de autor, nada”. Eu falei assim: “Não, eu não conheço nada, eu não aprendi nada na escola. Eu me matava de estudar em Gramática, pra tirar nota, porque eu não queria ler José de Alencar, Machado de Assis, achava muito chato ler esse pessoal. Então, eu tirava nota só na Gramática. Dividia por dois, dava a média C lá, então, nessa fase da adolescência aí, longe de livros, de literatura. Aí ele me levou pra conhecer os sebos e começou, comprava os livros, me mostrava os autores, aí eu tinha que estudar todos os livros do Machado de Assis, eu tinha que saber todos os títulos, todos os livros do Graciliano Ramos, ele ficava me tomando a lição lá: “Fala todos os livros do Machado, todos os do José de Alencar, todos os do Paulo Coelho”. Em 1994 o Paulo Coelho era o top do top, né? Era o autor principal do Brasil. Da modernidade, dos modernos. E foi me explicando os assuntos diferentes: a literatura brasileira; estrangeira; ficção científica; crítica literária, que é diferente de literatura, a crítica estuda os romances, compõe as histórias, é o estudo da crítica desses romances. Aí foi me ensinando a História do Brasil, história geral, Sociologia, Filosofia, Artes, todas essas diferenças de assunto no dia a dia ali, porque tinha pouco movimento dentro da loja, as pessoas quase não conheciam, teve uma divulgação ‘mais pequena’, tal. Enquanto não aparecia ninguém, a gente ficava dentro da loja estudando. Ele ficava me tomando todo dessas lições. E eu, com muito gosto, com muito interesse, fui aprendendo. Agora até me perdi no assunto que você perguntou, eu acho que eu fui além do que você tinha falado, nem sei.
(48:41) P1 – Não, pode falar.
(48:43) P2 – Não, tranquilo, tranquilo. (risos)
R1 – Não, é que aí eu não sei. Eu já me estendi demais na conversa. Se vocês acharem que eu estou falando muito, vocês me interrompem.
(48:50) P1 – Não, pode continuar.
R1 – O que você tinha me perguntado, que eu até esqueci. (risos)
(48:56) P2 – Eu tinha perguntado se você trabalhou como caixa, como organizadora das prateleiras...
R1 – Ah, sim, tá. Meu primo sempre me deu autonomia de fazer tudo dentro da loja. Está vendo? Tinha até me perdido. Eu fazia de tudo. Eu organizava os livros nas estantes, punha em ordem alfabética, atendia pessoas, mexia com o computador, ele me ensinava a mexer em tudo, eu só não mexia na parte financeira. Eu pagava as contas, era office girl da loja, então ele me levava... porque eu não sabia mexer com Banco, né? Então, ele me dava todas as continhas bonitinhas pra ir pagar, com dinheiro certinho. Então, eu tinha que aprender até a saber mexer, como agir dentro de um Banco. Então, me dava as contas pra pagar, fazia de tudo e cuidava da limpeza, da organização e atendimento também. Meu primo me deu autonomia pra tudo.
(50:01) P1 – Começou só vocês dois, né, nesse primeiro momento?
R1 – Sim. Nós dois. É uma parceria que eu falo: é muito raro ter dado certo e deu certo durante 15 anos porque, como eu te falei, meus pais me ensinaram a ser muito obediente, mas não aquela obediência... como eu vou dizer?... de submissão. Não, não é essa obediência de escravidão, não. A obediência de cada coisa no seu lugar. Então, quando meu primo me chamou pra trabalhar e falou assim: “Só que lá dentro nós não somos primos, nós somos patrão e funcionária”. Então, isso, pra mim, todo dia eu ia trabalhar, chegava na hora certinha e lá dentro ele era o meu patrão, ele não era meu primo. Então, isso foi o tempo que durou a livraria, até o momento que ele não quis mais a livraria, que ele passou a livraria pra mim. Então, essa questão, esse respeito, foi muito importante pro negócio dar certo, porque são hierarquias dentro de uma empresa e aquele tal negócio: não é porque é parente que vai poder aproveitar, faltar, fazer o que quer, não. Tem que ter disciplina e ordem, organização, pra coisa funcionar. E foi o que eu fiz a minha vida toda.
(51:45) P1 – E, assim, quando vocês começaram com o sebo, com a livraria, isso era mais ou menos que época, que ano?
R1 – A livraria foi, se não me engano, 8 de fevereiro de 1994, lá no bairro Redentora, na principal rua de Rio Preto, a Bernardino de Campos. O bairro Redentora não tinha quase nada ali pra cima. Tanto é que ele conseguiu alugar lá um prédio bem velhinho, sem reforma nenhuma e depois ele teve que reformar por conta, mas ali, o movimento de Rio Preto começava da Rua Independência pra baixo, ali do Cardeal Leme, pra baixo. Do Cardeal Leme pra cima não tinha nada, não tinha comércios. Era muito vazio, assim. Tinha a famosa Farmácia Portuguesa na esquina e tal e tinha muitas casas ainda. Eram muitas casas ali em volta. Ai, me perdi de novo na pergunta. (risos)
(52:56) P1 – Mas, assim, você está falando como era o bairro Redentora naquela época, ainda era muito residencial.
R1 – Isso.
(53:07) P1 – Você lembra como era o bairro, assim? A estrutura, a arquitetura do bairro naquela época, como era?
R1 – Em frente a loja tinha uma casa muito antiga, muito, um casarão extremamente antigo. Talvez, até, se procurar na internet, tem fotos dessa casa. Que, na verdade, quando ali, na Redentora era só pasto, essa casa era de fazenda, uma sede de sítio, de fazenda. Então, ela tinha uma estrutura muito antiga, muito linda e ficamos anos ali, olhando pra essa arquitetura dessa casa, admirando e depois vendo tudo crescer ali em volta, prédios demolindo casas e sendo transformadas em pequenos negócios, galerias, né? E vendo o dia que aquela casa seria demolida e infelizmente um dia chegou esse momento mesmo, da gente ver a casa sendo demolida.
(54:21) P1 – Nossa, foram tirando tudo, né, a arquitetura antiga e colocando novo sobre o antigo. Dá dó, né? (risos)
R1 – É, mas faz parte. Dá dó, lógico, é difícil preservar um imóvel antigo, né? Tem que ter todo um cuidado. E a época vai mudando tudo e a tendência é tudo construir coisas em cima de coisas: prédios, galerias, tudo. As grandes cidades são galerias hoje, pra acomodar um espaço pequeno, negócios pequenos, todos ali, um do lado do outro, pra facilitar o fluxo de vendas, de pessoas e infelizmente isso vai sendo destruído ao longo dos anos, né?
(55:13) P1 – E, assim, Maurieli, da mesma forma que foi tendo essa mudança na arquitetura da cidade, na estrutura, vocês foram notando, ao longo desse tempo, mudança no público que estava frequentando? Como é que era essa questão?
R1 – A questão do público é muito interessante, porque tenho clientes até hoje que, na verdade, não são mais clientes, são amigos, se tornaram amigos depois de 27 anos e uns infelizmente já não estão mais aqui, mas nós começamos com um público de professores, começaram a frequentar professores da Unesp. O boca a boca sempre foi o mais importante da loja. Meu primo nunca gastou dinheiro com propagandas caríssimas, nada, panfletagem, nada. Sempre foi muito boca a boca. E quem gosta de livro é engraçado, quem se interessa por leitura vasculha, acha qualquer lugar que vende livro, sabe? Então, começou a ser muito comentado: “Locadora de livros? Locadora? Nossa, eu vou lá, alugo um livro”. Então, ali na redondeza algumas pessoas começaram a fazer o seu cadastro, a pegar livro. Só que o que aconteceu? Às vezes a pessoa ficava tanto tempo com os livros que, se ela fosse pagar pelo livro, ficaria mais barato do que o aluguel. Então, aí meu primo começou a ver isso assim: “Nossa, mas a pessoa está gastando muito!” E tinha pessoas que falavam assim: “Poxa, mas eu não quero alugar o livro, eu quero ter o livro pra mim. Você vende esse livro pra mim? Você vende?” Aí ele falou assim: “Nossa, a pessoa, às vezes, insistia tanto, que um dia joguei um preço e falei: ‘Vendo, vai’” e começou. Aí, alguns clientes falaram assim: “Eu estou com esses livros em casa, parados, você não quer fazer uma troca? Eu gostei desse seu, você não quer levar e ficar com os meus?” E onde começou a transição de locadora de livros pra comércio de livros usados. No caso, a transição para o sebo. Comércio, venda e troca de livros usados. Na época, livros, revistas, gibis, mas depois fomos nos adaptando e selecionando as áreas. Então, foi onde ficamos, mais ou menos uns dois anos, 1994, 1995, 1996 nesse sistema de locação e depois meu primo percebeu que estaria mais interessante e mais do gosto do meu primo transformar aquilo em sebos. Só que não podia usar o nome sebo, porque ninguém sabia o que era sebo em Rio Preto. Tanto é que as pessoas entravam na loja: “Isso aqui é um sebo”. A pessoa olhava com uma cara assim: “O quê? Sebo? Por que esse nome sebo?” Além do nome Torre do Tombo, né, que a palavra tombo também causa um desconforto, assim. Tanto é que meu primo, quando falou que ia montar a locadora de livros, eu perguntei: “Que nome vai ser?”, ele falou assim: “Vai ser Torre do Tombo”, eu falei assim: “O quê? Vai pôr um negócio de tombo, de cair?”, ele falou assim: “Não, vou te explicar o que é Torre do Tombo”. Aí contou toda a história. Aí, depois que você fica sabendo da história, o nome já tem uma outra conotação, já fica mais bonito, já tem todo um charme.
(59:04) P1 – E qual que é a explicação desse nome?
R1 – Torre do Tombo é uma biblioteca lá em Portugal, onde encontra-se a carta de Pero Vaz de Caminha. É um arquivo bibliotecário, de documentos, onde encontra-se a famosa carta de Pero Vaz de Caminha, contando do Pedro Álvares Cabral vindo pra cá (risos) e aí a gente já sabe dos livros de História do Brasil. (risos)
(59:42) P1 – Aí você entendeu o nome e falou: “Agora faz sentido”. (risos)
R1 – Então, o tombo também, eu fui aprender também, eu acho que está relacionado também, quando você pega um livro na biblioteca, está lá ‘livro tombado’, ‘tombaram o livro, ‘tombo’. Então, eu não sei a etimologia da palavra, teria que ver a etimologia da palavra tombo, tombar, mas eu acredito que lá em Portugal também está relacionado a isso, de gravar, tombar um patrimônio, alguma coisa nesse sentido. Torre do Tombo. Torre não porque é o formato de uma torre. Não. É um local, um estilo moderno, uma arquitetura moderna, não é o formato de uma torre. A torre meu primo quis fazer o logotipo no formato de uma torre mesmo, baseado num minarete árabe. Então, aquele formatozinho da livraria, do logotipo, representa também tipo uma Torre de Babel, no caso. Seria uma Torre de Babel. E aí, voltando pros clientes, muitos sempre profissionais liberais, tivemos muitos profissionais liberais e muitas crianças que hoje são doutores, (risos) que pegaram os livrinhos lá e começaram com a Livraria Torre do Tombo. (risos)
(01:01:18) P1 – Muita gente que vocês conheciam quando era criança, hoje você já conhece adultos. Ainda frequentam lá?
R1 – Sim. Tem 27 anos. Eu tinha 19. Hoje aparece lá na loja: “Eu sou aquele menininho pequenininho, que ficava ali mexendo nos livrinhos”. Aí eu: “Ah, lembrei”. E lembro. Muda um pouco a fisionomia, já vem tudo barbado, né? Cabeludo, né? Mas eu lembro da criança ali e o interesse pela leitura. E muitos que os pais levaram pra conhecer, pra incentivar a leitura, do mesmo jeito que a aconteceu comigo.
(01:02:10) P1 – Tem essa coisa muito especial, né? Você conhece o público. Mas, assim, uma coisa que também chamou a atenção: quando você começou com seu primo, lá em 1994, lá no começo da década de noventa, você começou a trabalhar com computador. Como era trabalhar com computador naquela época? Era muito diferente de hoje? Como era o computador?
R1 – (risos) Era o finalzinho do DOS, para o Windows. (risos) Eu não sabia a parte nem ‘hard’, nem... como que é? (risos) A outra parte é...
(01:02:54) P2 - ... software.
R1 - ... software. Eu fui ter aula de computação no primeiro ano da faculdade de Biologia, eu aprendi DOS. Aprendi nada. Eu não sei, o professor me passou lá também, porque aquilo é uma coisa louca. E tinha o programador, que desenvolveu um programinha de locação em DOS, então era aquela tela toda preta, né? Esquisito, né? Diferente do Windows. E a impressora famosa era a matricial, que fazia aquele dzzzzznammmmm, passando lá. Então, quer dizer: nós já começamos assim. Ele abriu a loja, meu primo bem progredindo porque, pra ter um computador, desenvolver um programa, pagava, arrumou uma pessoa pra desenvolver um programa pra ele, pra locação de livros. Pra ter cadastro, tinha a relação dos livros, todos cadastrados, a parte de cadastro de livros, a parte de cadastro de clientes, a parte de locação, de contagem de dias lá, tal, vezes quanto era e tal e ficamos aí nesse período. Logo em seguida, eu não sei se foi um ano depois, já, começou a vir o Windows. E ele já, meu primo, logo de imediato: “Já vou mudar o computador, vamos atualizar isso aqui e tal”. Pôs o Windows na famosa internet discada, mas até então a gente usava só pra trabalho, mesmo. Não tinha essa questão de ter contato. Eu não lembro até se tinha bate-papo, chat. Existia o chat, eu acho. Eu lembro que a página do Terra chamava Zaz. (risos) Z A Z, vocês sabiam disso?
(01:05:05) P1 – Não, não sabia.
(01:05:07) P2 – Não sabia. (risos)
R1 – (risos) Aí, o primeiro site, assim, famoso, conhecido, de notícias, era o Zaz. Que depois mudou o nome pra Terra. Então, tinha o e-mail, era, sei lá, euleio.zaz.com.br, aí depois mudou, alterou pra Terra, teve a atualização lá do sistema, depois de algum tempo mudou pra Terra. Então, a maioria dos e-mails que as pessoas tinham era o Terra. Acho que foi o primeiro site lá. E eu apanhei muito, porque eu não entendia. Aquilo lá, pra mim, era a parte... como fala?... de software ali, eu não entendia nada. Pra mim, eu gostava da... como fala? Eu sentia falta da máquina de escrever. (risos) Você sair da máquina de escrever e apertar as teclas ali no teclado, aquela coisa molinha, assim, era uma coisa, né, de outro mundo. Mas eu fui me adaptando, a gente vai aprendendo. Eu me saí bem.
(01:06:22) P1 – Você chegou a pegar a época da máquina de escrever?
R1 – Em trabalho, não, né? Eu fiz o curso de datilografia, mas meu primo tinha uma máquina de escrever, quando ele era jovem e, quando eu ia pra São Paulo, nas férias, eu ficava brincando muito na máquina de escrever dele, né? (risos)
(01:06:52) P1 – Você ia fazer uma pergunta, Wiliam?
(01:06:54) P2 – É, ia fazer justamente essa pergunta, se a Maurieli tinha feito algum curso de datilografia, alguma coisa assim? (risos)
R1 – Fiz só datilografia. A parte de digitação no computador não cheguei a fazer. Então, é só datilografia mesmo.
(01:07:14) P1 – Sim. E, assim, você começou a pegar todo esse amor por livros, por literatura, com seu primo. Tem algum livro, algum estilo de livro que ficou marcado, que é especial pra você, que você gosta até hoje?
R1 – Então, eu lia alguns livros mais pra... eu lia a resenha dos livros. Eu comecei a ler todos os livros do Paulo Coelho, porque era uma leitura muito fácil e letras grandes, rápido, pouco texto, porque você pensa: “É um livro grosso”. Não, não é, é porque as letras são grandes, tinha um monte de margem no livro e eu gostava das histórias, de Wicca, o Brida, quando a moça se inicia na magia, né, na Wicca. Depois As Valkírias, que ele começou aquela coisa de nós termos os anjos da guarda. O Diário de um Mago, que pega aquela coisa do ocultismo, que todo mundo quer saber, da magia negra, das feitiçarias e tal. E depois veio Na Margem do Rio Piedra, que era uma história de amor muito linda. E, assim, fui me inclinando a ler Filosofia. Então, assim, eu tinha uma tendência pra ler Filosofia. Biologia eu sempre folheei os livros. Biologia é uma coisa que você vivencia no dia a dia, então eu ficava lendo ali, né? Artes também, meu primo começou a pegar livros maravilhosos de artes, me mostrar o que era aquela pintura que, na época, não era fotografia, que a pintura representava a fotografia. Então, tudo isso eu ficava ali folheando aqueles livros também e fui me inclinando a ler mais autoajuda também, é um assunto que também... tinha uns livros, assim, que saíam sempre na lista da Veja. Sempre saiu da parte de ficção, não-ficção, então sempre tinha um bã bã bã da autoajuda ali e eu acabava meio que folheando ali. Não lendo o livro todo, tá? Não tinha essa dinâmica de ler o livro inteiro. Quando eu estava com 17 anos, eu fui passar as férias na casa da minha tia, até então meu primo ainda nem abriu a livraria, nada. É porque eu vou te falar do livro que marcou a minha vida. Era aquele livro, assim, que eu nunca tinha lido nada na minha vida que passasse de, sei lá, cem páginas. Pra mim, um livro que passasse de cem páginas, era um livro enorme, eu não conseguiria chegar até o final, não tinha paciência pra ler. E eu fui pra São Paulo e minha tia estava lendo um livro e ela começou a contar pra mim sobre esse livro: “Olha, está acontecendo isso, isso. Olha, esse livro fala de uns seres que são menores que os anões e um desses personagens tem que levar um anel pra ser destruído num monte ali de fogo, tal e o livro fala de toda essa trajetória, dessa pessoa, desse pequeno anão, que não é anão, é menor que os anões, levar o anel, que a pessoa que usa o anel fica querendo só ter o anel pra si e fica ambicioso”, que é O Senhor dos Anéis. E aí ela estava lendo o segundo volume. Os livros não tinham aqui no Brasil, eles eram importados. Então, meu primo tinha um amigo que tinha melhor condição financeira, que mandava importar o livro, chegava, ele lia e depois passava pro meu primo ler. O livro vinha de Portugal. Era da Editora Europa América. E minha tia começou a contar essa história, eu falei: “Ai, tia, conta mais, porque eu estou adorando essa história desse hobbit”. E ela falou: “Não, eu não vou contar pra você. Você vai pegar o livro e ler”. Aí ela veio com o livro dessa grossura, assim, quatrocentas e poucas páginas, eu falei pra ela: “Mas nunca que eu vou ler isso. Mas nunca. Você está louca. Não leio, tia” “Você vai amar. Se você começar a ler, você não vai ter vontade de parar”. Eu falei assim: “Será, tia? Eu não vou dar conta” “Lê só a primeira página. Só a primeira” – ela falou assim: “Não precisa ler mais. Só leia a primeira página”. E comecei a ler lá o Frodo na cidadezinha dele lá, o comecinho, tudo e comecei a ler, ler, ler, ler, passei por outro lado, ler, ler, ler, ler... quando eu vi, eu já tinha entrado dentro do livro. Você entra na história. Olha, eu estou falando isso e eu estou arrepiada. Eu entrei dentro da história. E, no fim, eu li o livro, o primeiro volume, em um mês. Pra mim foi, nossa, um acontecimento do século, né? Pra quem não lia nem cem páginas, ler um livro de quatrocentas páginas em um mês, foi... mas assim, querendo ler muito e já indo pro segundo volume. E o terceiro ainda não tinha vindo pro Brasil. E aí, o que aconteceu? A gente começou tudo, juntar os três: eu, ela e meu primo, eu já mais pro final, né, terminando o segundo volume e começando a ler devagarzinho, pra não acabar logo, por que o terceiro ainda não tinha no Brasil ainda e como é que vai fazer? A gente precisa ler. E você começa a ler, assim, um pedacinho só, pra não acabar logo, né? E aí até eu lembro que acabou o segundo volume, meu primo leu, minha tia leu e eu acabei indo pro fim e ficamos acho que os três esperando o último volume ali, no desespero, né? Mas tinha toda uma ordem. Com certeza eu seria a última a ler o terceiro livro. Lia mais devagar. Esse livro foi o livro que me incentivou realmente a me interessar por outros livros. Foi o livro que me abriu a cabeça, pra conhecer outros romances. Eu descobri que a gente lê aquilo que a gente gosta. O que a gente não gosta, a gente não vai ler. Então, você fala assim: “Eu não gosto de ler”. Não é que você não gosta de ler, é que você não encontrou o livro no assunto que você gosta. Então, depois que eu me dei conta disso, eu falei assim: “Não, eu gosto de ler, sim. Eu só preciso achar o que eu gosto de ler, o que eu me identifico”. Então, eu pegava um romance, pegava outro, meu primo indicava um, tinha coisas que eu ia até o final, tinha livros que eu não ia e você vai selecionando o seu gosto pela leitura. É dessa forma que você vai selecionando. Porque tem pessoas que só leem um determinado assunto e tem pessoas que leem de tudo. Então, o livro que marcou a minha vida foi, o divisor de águas da minha vida: O Senhor dos Anéis.
(01:15:33) P1 – Hum hum. Um livro muito bom, por sinal. (risos) Também gosto.
R1 – É um livro muito bom, mas que, infelizmente, a mídia estragou. É um livro que não era pra ter virado comercial. Era pra ele ter entrado no mundo dos clássicos. E ter ficado nos clássicos. Infelizmente. Só que a mídia, né, é lógico, viram uma maneira de... eu mesma, quem lê O Senhor dos Anéis fala: “Gente, eu quero visualizar isso em filme”. Todo mundo queria ver em filme. Eu esperei dez anos pra ver o filme. Quando eu fui no cinema, eu tive raiva, ódio, porque não era aquilo que estava na minha cabeça. Nenhum livro que a gente lê, que a gente vai assistir o filme, é aquilo que está na cabeça da gente. Então, eu fui uma das pessoas que mais ficou feliz quando ficou sabendo. Eu me inteirei de todos os assuntos que estavam começando a produzir O Senhor dos Anéis e tal, mas eu não imaginei que a mídia... quando eu vi o Frodo num chiclete, nas figurinhas de chiclete, eu fiquei muito chateada, decepcionada e falei assim: “Nossa, um livro tão bem escrito, com um vocabulário riquíssimo, foi se transformar, foi parar num chiclete!” Então, assim, isso me decepcionou muito. Mas, por outro lado, incentivou a leitura de muitos jovens, trouxe o interesse de muitos jovens. Tinha pessoas que iam assistir o filme, que não liam o livro, foram procurar o livro. Acontece muito isso. Então, assim, é ruim? Pra alguns, que são mais críticos, como eu, por exemplo, mais seletiva, mas por outro lado, foi uma obra que foi divulgada até então, porque senão pouquíssimas pessoas iriam conhecer O Senhor do Anéis, se não tivesse tido essa repercussão do filme, né?
(01:17:49) P1 – Popularizou, né?
R1 – Exatamente. A única coisa que me deixa chateada é que poderia ter ficado como um livro clássico, da literatura clássica, mas por causa dessa popularização, ele não vai. Mas é uma obra que vai ficar. Não é uma obra que vai se apagar. Não tem como, mas eu acho que eu gostaria que ficasse ali junto com os Dostoievski da vida, com os Tolstói, sei lá, com os Dom Quixotes. (risos) Mas isso é uma coisa pessoal, minha.
(01:16:33) P1 – Banalizou né?
R1 – É. (risos)
(01:18:29) P1 – E, assim, olhando essa questão desses livros que foram se popularizando e às vezes, talvez perdendo um pouquinho da essência, não sei se é isso que você quis dizer, mas você vê que tem uma diferença entre o público hoje, que é um público que tem mais acesso a internet, que vão procurar livros, que já têm acesso a esses filmes, com essas obras? Tem uma diferença de público desse hoje, pro público que era antigamente, que ia procurar os livros na Torre do Tombo?
R1 – Tem diferença, sim, na questão dos jovens de hoje já terem um contato sempre diretamente com as tecnologias. Esse é o grande diferencial e a gente pensa assim: “Ah, o livro vai acabar, porque a gente vê aquele jovem só com o celular na mão, só com um pager lá, um leitor de livros, baixa tudo no leitor e vai acabar o contato com o livro físico”. Não. A pessoa, o jovem, nasceu nessa época, está incorporado a essas tecnologias, mas parece que está no sangue, no DNA, a vontade de pegar o papel na mão. Então, quando os jovens vão na loja, eles ficam encantados: “Poxa, olha que lugar legal! Olha quanto livro!” E está ali, com o celular na mão, tem o e-reader lá, fala assim: “Eu leio no celular, eu leio no tablet, mas tem horas que eu canso e eu quero pegar um livro na mão”. Então, essa é a diferença. Na época que não tinha esses leitores, e-readers que se fala, a pessoa só tinha o livro e ela andava com dez, quinze livros debaixo do braço, porque ela gosta de ler, né? Está lá, uma mochila nas costas. Hoje, não. Hoje eles têm uma parte dos livros no celular, mas quando chega em casa quer pegar um livro físico, quer sentar, ir pra cama e pegar um livro físico. Então, aquilo que você andava com dez livros na mão, hoje você pode, se você está estudando, você tem dez disciplinas, põe os dez livros das disciplinas no seu celular e você estuda pelo seu celular. Mas um romance, uma leitura de distração, é o físico. Ou então você está, até não tem como levar o livro no trabalho, alguma coisa, você está lendo-o lá no celular, mas depois, em casa, você volta e pega o livro físico. Então, eu vejo que os jovens, com tudo que estão aparelhados, ainda querem o livro físico. Tanto é que, quando veio o livro digital, as pessoas entravam dentro da loja e falavam: “Ai, você não tem medo do seu negócio fechar, porque vai acabar o livro?” Eu falei assim: “Não, não tenho medo. As pessoas vão ter o livro digital, mas aquilo vai cansar, em algum momento, não vai ser 24 horas por dia ali, a pessoa vai voltar pro livro físico”.
(01:22:23) P1 – Sim. E, assim, agora na pandemia, que eu imagino que teve algumas dificuldades, eu queria saber como é que foi pra vocês os desafios de passar por todo esse período de isolamento, covid. Como é que foi pra você, pessoalmente e também na área da livraria, do sebo?
R1 – Atingiu bastante, né, em todos os sentidos, porque a pandemia mexeu com toda economia. Aí a gente pensa assim: “Poxa, as pessoas vão ficar trancadas dentro de casa e vão ler mais”. Não é bem assim. Eu percebi que diminuiu, porque – isso é uma coisa particular minha, uma análise particular – o seguinte: economicamente todos os negócios, todo o comércio, todas as pessoas, nos seus trabalhos, vão ter que guardar seu dinheiro pra comer. A comida é o principal, hoje em dia. É você se alimentar. Não é comprar roupa, não é comprar sapato, você não vai sair, você não vai... os gastos de lazer, que seria livros, passeios, viagens, acabaram. O livro teve uma queda por causa da internet, mas eu penso assim: não porque as pessoas não gostam de ler, é que as pessoas estão tão preocupadas em quando isso tudo vai voltar ao normal, que as pessoas ficam procurando as informações o tempo todo nas redes sociais e ficam discutindo quando tudo isso vai acabar. Então, em vez de você ficar... você começa a ter estresse, ansiedade, depressão, um monte de coisa e você não vai ter cabeça pra ler. Vai ter quem busque: “Ah, não, preciso me distrair. Vou pegar um livro pra ler, vou dar um jeito”. Até chega a comprar livro dentro de casa, se vira. Mas será que vai, realmente, ler? Vai estar com a cabeça boa pra ler? A minha área de autoajuda não aumentou por causa disso. Então, quer dizer: ninguém procurou ler livro de autoestima, autoajuda, por causa disso. O que aumentou? A procura de livros administrativos, de como lidar com o seu novo negócio na pandemia, porque todo mundo teve que se reinventar em termos de trabalho, então cresceu o número de procura de como você administrar o seu dinheiro, as suas finanças, então livros sobre finanças, como administrar a vida financeira, como empreender, livros de empreendedorismo. Então, eu comecei a ter uma procura maior por esses assuntos. Psicologia, porque as pessoas voltaram a estudar. Voltaram a fazer coisas on line. Tudo on line: trabalho, estudo. Procuraram alguma coisa. E é lógico: como na pandemia você não pode ficar se locomovendo, é óbvio que o livro a pessoa quer ver, que pegar. Então, não ir na livraria, fez com que caísse demais o movimento, nesse sentido. Não só em livraria, mas em todos os comércios, todas as coisas relacionadas, que você tem que estar ali, presente. E, por outro lado, pessoas se inovando, se reinventando, fazendo novos trabalhos, novos projetos, tudo virtualmente. Então, mais um motivo pra não ficar tanto com o livro físico em mãos. E investir em ferramentas, acessórios de tecnologia, gastar dinheiro com isso e não com livro. Então, eu entendo e é difícil? É difícil, mas é assim: eu sei que, passando isso, todo mundo se vacinando, todo mundo podendo circular, todos os comércios que não quebraram, né, porque tem situações que não tem o que fazer. A gente vai trabalhando aberto, tive que mudar de local, saí de um lugar de aluguel, ir pra um lugar que não tinha aluguel. Cheguei a pensar que talvez eu tinha que colocar meus livros todos aqui dentro da minha casa, cinco, seis mil livros aqui dentro de casa e vender só pela internet. Mas era inviável. Então, vamos ver o que a gente faz. Dá pra mudar, vamos mudar. Vai pra um lugar que não é tão legal, não tem um bom acesso? Não tem, mas é o que dá pra fazer no momento, pra continuar com a livraria aberta. Então, assim, eu, particularmente, e os livreiros da cidade, que são mais três, nós somos amigos, a gente conversa entre si e a gente fala dessa luta em continuar aberto. Eu sempre falo, até antes da pandemia, que a economia já não estava boa, já não vinha boa de antes da pandemia, a quantidade de lugares pra alugar em Rio Preto, lojas fechando, lugares fechando e eu falava: “Gente, fecha a loja de calçados, de roupas, de outros assuntos, de outras coisas, mas os quatro sebos continuam abertos”. Então, isso é uma coisa positiva pra cidade, né, os quatro sebos não fecharem as portas. E eu falo que se hoje, um ou outro vir a fechar, é momentâneo também porque, passando... livro sempre vai ter, sempre as pessoas vão estar se desfazendo. Hoje em dia tem muita gente assim: aconteceu muito das pessoas levarem livros pra minha loja porque vão embora pra outro país e não têm como levar os livros: “Vou me desfazer aqui mesmo”. Então, é isso. É difícil, não é fácil.
(01:29:58) P1 – Vai se readaptando, né?
R1 – Como?
(01:30:03) P1 – Sempre se readaptando, né, às novas situações.
R1 – Sim. A gente tem que... como fala? É o único negócio que eu tenho. Eu não tive experiência em Biologia. Eu vou trabalhar do quê? Com 46 anos de idade. Vou fazer o quê? Entendeu? Então, assim, se não é esse negócio, eu não sei, passa mil coisas pela cabeça. Serviços que... ninguém vai me pegar pra dar aula agora, que eu estou totalmente desatualizada, não tem como pegar aula, não tem como ir pra uma pesquisa, tudo vai envolver custo. Então, tem que dar um jeito de fazer o negócio se manter. A gente pega os respaldos do governo, tem, abriu empréstimo pra empresários, tal, com juros baixíssimos. A gente vai pegando essa parte financeira aí que o governo vai ajudando.
(01:31:17) P1 – Vai perseverando.
R1 – É.
(01:31:19) P1 – Mas, assim, fazendo uma pergunta agora do lado mais pessoal: você é casada, tem filhos?
R1 – Sou casada. É engraçado, que eu não sei datas exatas. Assim, anos. (risos) Acho que eu sou casada há uns oito, nove. Engraçado que eu demorei muito pra casar, fui arrumar... fui desencalhar, na verdade, com 34 anos. Tive dois ou três relacionamentos só, na minha vida, sempre tive muita dificuldade de... acho que talvez a forma que meu pai me criou, assim, me deu muita dificuldade de arrumar alguém. Enfim, os anos foram passando e foi demorando, foi passando e eu não encontrava ninguém. É difícil arrumar alguém pra você ter um relacionamento firme, vamos dizer assim. E acabei encontrando uma pessoa 11 anos mais nova que eu, né? Meu marido é 11 anos mais novo que eu. Mas também sempre muito trabalhador, muito estudioso, muito mais estudioso que eu e deu certo isso e depois de cinco, seis anos de casada, nós decidimos ter filhos, né? Porque o trabalho, a mulher, você sabe, deixa a maternidade por causa do trabalho, né? Vai passando: “Vamos esperar mais”. E quando você vê, assim, você tem que correr, porque senão depois não engravida mais, né? Então, foi o meu caso. Eu engravidei com quarenta anos, decidi: “Não, agora vamos. É isso mesmo?” “É isso mesmo”. A questão financeira estava... porque a gente tem que analisar a questão financeira, né? Tem condições de cuidar de uma criança? Tem. Tem dinheiro pra manter? Tem. Está com o psicológico bom, aquela coisa? Está. Então, vamos ter. E aí, quando vem o filho, o serviço fica totalmente de lado pra mulher, né? Eu falo que eu sou uma pessoa de muita boa sorte porque, quando eu engravidei, a gente tinha alugado uma casa que a gente morava e tinha a loja junto, dentro da casa, pra economizar aluguel. Então, eu sou uma pessoa privilegiada, porque eu pude cuidar da minha filha, sem eu sair do serviço. O serviço era dentro de casa. Só tinha que conciliar a maternidade com a loja. Me dá tanta dó que a pessoa que trabalha tem que voltar depois de quatro meses ali e pôr a criança com quatro meses ali, na creche. Nossa, deve ser um desespero pra mãe e pra criança, né? Imagina. E eu tive essa boa sorte de poder... é lógico que o serviço sempre, o trabalho vai ficar sempre em segundo plano. Quando a gente tem filho, muitas coisas vão ficar em segundo plano, né? O filho passa a ser sempre a prioridade na vida da gente. E, voltando a questão antes da pandemia, da economia não estar boa desde 2015, da crise de 2015, começou em 2015, que eu lembro quando os governos começaram a gastar muito com Copa do Mundo e Olímpiada, eu ainda estava lá na Bernardino, eu ainda falei: “Isso não vai dar certo lá na frente. Esse dinheiro gasto agora vai dar problema lá na frente”. E deu. E, nesse meio tempo, a gente teve que abrir mão de funcionários. Na verdade, funcionários, assim, meu primo sempre colocou parente. Então, teve um período da história da livraria que a minha irmã do meio foi trabalhar com a gente. Então, por causa disso, eu me mantive muito tempo e estou até hoje sem funcionário. Então, eu estou sozinha, sempre, na loja. Quando minha irmã perdia emprego: “Maribel, corre aqui, vem cadastrar livro aqui pra mim”. Aí ela ia lá cadastrar livro pra mim. Ela fazia os bicos. Ela sempre fez bico na loja. Ela vai e volta pra loja, assim, sabe? Então, mas ela não gosta de mexer com livro, detesta, ela trabalha numa secretaria de escola particular, trabalhou já em biblioteca, que eu também já trabalhei em biblioteca, à noite, a convite do próprio diretor da faculdade. Então, tudo questão de amizade, porque ia na livraria: “Ai, estou procurando alguém pra cadastrar livro pra minha faculdade, pra minha biblioteca” “Sou eu”. Então, fazia o serviço à noite. Fui registrada, à noite, na Biblioteca Faceres, amicíssima do Doutor Tufik, hoje é só especializada em Medicina. Então, assim, sempre, desde então era eu e meu primo, o meu primo começou a ficar... o que a livraria faturava não estava sendo suficiente, porque a família dele cresceu, né, ele casou. Só que depois ele ficou dez anos sem ter filhos, mas depois ele teve um filho e depois veio outro filho e a questão financeira da livraria já não supria mais manter a vida pessoal dele. Onde ele resolveu se tornar escultor, começou a fazer esculturas, dentro da loja. Fazia as esculturas e punha lá no meio dos livros. Fez instalações que fala, dentro da arte, né? Participou de salões de arte, com uma arte mais crítica, mas o que foi dar dinheiro pra ele foi a arte abstrata, a escultura abstrata. Não a escultura figurativa. Ele começou com escultura figurativa, mas foi pra arte abstrata, pra escultura abstrata, que é o que começou a dar dinheiro pra ele, realmente e só pela internet. Quando ele viu que ele montou um site, começou a pôr as esculturas dele no site e começou a vender pro Brasil, ele falou assim: “Não quero mais mexer com livro. Quer a livraria pra você?” Quem é que dá um negócio assim, pronto, né? Ele falou assim. “Dar a livraria pra mim?” “Dar em termos, né? Tem umas dívidas aí de contabilidade, tal, você vai pagar. (risos) Fica a troco dessa dívida. Então, você assume”. Eu falo: “Tá bom. Eu quero”. Ele falou assim: “Porque você sempre foi o meu braço direito”. Realmente, quando ele passou por um momento muito difícil de depressão, mas depressão mesmo, aquela que você não levanta da cama, quem se virou nos trinta com a loja fui eu. Então, ele tinha, assim... tem plena confiança em deixar tudo nas minhas mãos. A confiança de que ali ninguém ia roubar o dinheiro, ninguém ia desviar o dinheiro, as coisas iam continuar, eu ia pagar as contas certinho, porque ao longo dos anos ele sempre me ensinou tudo isso, então, quando ele entrou nesse período de depressão profunda, que só foi sarar com medicação, foi quando eu realmente tomei conta da loja sozinha. De tudo. E ele falou assim: “Olha, eu não quero mais trabalhar com livros, não quero mais ter livraria. Se você não quiser a livraria, eu vou fechar o nome Torre do Tombo na patente, nas marcas e patentes, encerrar o nome Torre do Tombo, não vou passar pra outra pessoa, não quero outra pessoa. Ou é da nossa família, pra nós, ou não é pra ninguém”. Eu falei assim: “Não, eu assumo”. E ficamos 15 anos aí juntos e a partir, depois de 15 anos, eu assumi sozinha, ele realmente alugou um salão pra ele e foi fazer as esculturas dele em outro lugar, deixou eu sozinha ali na Bernardino. Até então eu tive boa sorte, porque o meu marido sempre foi muito bom em finanças, sempre mexeu com... como que fala? Financeiro de empresa. Hoje ele é contador. Hoje ele é formado em Contabilidade. Então, meu marido que foi me ajudando a administrar a loja. Junto com meu primo também. As dúvidas que surgiam, opiniões: “O que eu faço? O que eu devo fazer? Faço isso, faço aquilo?” Até hoje eu ainda peço sugestões pro meu primo. O meu primo se inteira de tudo que acontece na loja, na minha vida. Mas graças ao meu marido, com muita ajuda dele, é que eu consigo manter a loja, porque eu sou mais desorganizada, já não tenho controle mais certinho e aí meu marido me põe pra fazer as coisas certinhas, separar lojas de coisas pessoais e tal.
P1 – E isso você está à frente já, da loja, desde mais ou menos o que, 2010?
R1 – Foi em 2009. Foi quando eu assumi integralmente, sozinha. Foi mudado o contrato social, tudo, as cotas, tudo. O meu primo tem uma pequena porcentagem, mas pra fazer esculturas. Eu faço nota fiscal pra ele, porque ficou o nome Torre do Tombo Livros e Arte. Aí, no cnae, a parte arte permite que eu emita nota fiscal das esculturas dele. Mas, no entanto, eu não preciso dar nenhum centavo pra ele do meu faturamento, nada. A loja realmente foi, literalmente, dada pra mim. (risos) Passada, né, de primo pra primo. (risos)
P1 – E esses anos à frente da loja, você tem algum ensinamento, algum aprendizado pra deixar pra gente, sobre todo esse tempo que você está à frente, os desafios que você teve sendo uma mulher empresária?
R1 – Acreditar, ter ânimo, dinâmica pra enfrentar o que vem porque, ao longo desses 27 anos, eu aprendi que o comércio tem altos e baixos. Sempre tem altos e baixos. Então, época que você fala assim: “Não está vendendo nada”. Calma, vai vender. Quando eu me lembro disso, às vezes, principalmente na pandemia, que a gente fica mais ansioso, com a cabeça mais preocupada, aí fala assim: “Nossa, eu vou fechar, vai fechar, vai fechar”. Não, calma. Aí surge uma coisa, alguém faz uma compra boa, sabe? Acontece. Entra um lote maravilhoso de livros, a gente dá um jeito de pagar ali, parcela, expõe na internet e todo mundo começa a perguntar quanto que é, separa pra mim. Então, isso é o que eu acredito que está fazendo as livrarias se manterem em Rio Preto, que pinga, mas não seca. (risos)
P1 – (risos) E, só pra registrar, qual é o nome da sua filha?
R1 – Ela chama Maísa.
P1 – Maísa. E a Maísa gosta também desse meio de ler, de leitura?
R1 – Gosta. A Maísa nasceu no meio de oito mil livros, né? Ela já nasceu com rinite. (risos) E eu falo assim que eu sempre a pus no meio dos livros, justamente pra ela crescer com a vontade, com o gosto pra leitura, mas sem forçar. A gente não deve forçar. Então, os livrinhos estão aí, espalhados pela casa, ela pega, brinca, a hora que ela quer ler, eu leio com ela, a hora que não quer, também não lê. Não forço e só o tempo vai dizer, né? É o que eu te falo: chega um momento que ela vai se identificar com alguma coisa e vai gostar. A gente dá a impressão assim: “A pessoa não vai ler nunca na vida”. Não. Vai ler, sim. Vai gostar de ler. Então, no ambiente que vê os pais estudando, porque eu comecei a estudar agora, de novo.
P1 – Ah, é? O que você está estudando?
R1 – Estou começando a fazer Biblioteconomia, agora.
P1 – Que legal!
R1 – É. E, assim, eu estava muito acomodada, muito sossegada e meu marido: “Não, vamos fazer alguma coisa. Vamos agilizar aí”, como se eu não tivesse casa, filho e loja pra cuidar. Então, assim, eu pus mais uma coisinha. E eu estou gostando demais, estou muito feliz que meu marido me incentivou. Meu marido estuda demais, gosta demais. Só que ele só estuda a área dele: Contabilidade e mais nada. Não fala de futebol, de arte, de música, nada. Só Contabilidade. Eu não, eu já gosto de falar sobre tudo, porque trabalhar com livros é isso, é falar sobre tudo. Então, está muito gostoso e eu estou procurando incentivar ao máximo a minha filha também a se interessar, né, porque eu não sei se um dia ela vai passar a cuidar da loja também, ter um hobby ali, de ter livraria. Que é o que eu te falo: é um trabalho gostoso. Você não enriquece, não faz fortuna, mas você também não tem dor de cabeça. (risos) Você não tem aqueles pepinos de empresas, aqueles conflitos empresariais, né? A questão é vender. (risos) E quando chega livro na mão, é uma delícia.
(01:47:45) P1 – Faz aquilo que você ama, então, é mais fácil de lidar.
R1 – É.
(01:47:51) P1 – Wiliam, você tem mais alguma pergunta, que você queria colocar?
(01:47:57) P2 – Tenho, sim, algumas aqui que eu anotei (risos): Maurieli, você falou que tem uma parte da sua família em contato mais com a parte espanhola, né? E você chegou a aprender o idioma, alguma coisa assim?
R1 – Não, nunca fiz o curso, nada. A gente sempre brincou muito de falar portunhol, né, aquela língua igual a gente fala o inglês e tal, enrolado, brincando. E a minha irmã do meio já se interessou mais, ela assiste mais filmes espanhóis, já tem um vocabulário até bom de espanhol, de tanto assistir filmes, de ouvir. Já tentei falar pra ela fazer curso de espanhol, mas ela não tem interesse. Agora, quanto a mim, é mais por brincadeira, mesmo. Eu, assim, aprendi o inglês na escola, fiz um pouco de escola de línguas, quando eu estava na faculdade. Então, o inglês, assim, também, eu tenho muita dificuldade, mas por conta dos estudos, que nem, o que dá pra te falar do espanhol? Quando eu estava na faculdade, tinha livros que a edição em português já tinha pegado todos e tinha lá o mesmo livro, mas em espanhol. Aí eu pegava esse livro em espanhol pra ler, porque o termo técnico é fácil. O que não dá pra ler é a literatura. A literatura tem um vocabulário bem diferenciado. Agora, os livros de estudo que são de disciplinas, de determinados assuntos, são tudo termos técnicos, então o espanhol fica muito fácil de ler, tanto é que quando vêm pessoas na minha loja, que estão procurando um determinado livro, que eu sei que só tem aquele assunto em espanhol, eu sugiro pra pessoa: “Olha, tem esse livro que você está procurando, esse assunto, só que eu só tenho em espanhol” “Ai, meu Deus, espanhol!” “Não, mas abre aqui, olha, é fácil de ler, é a mesma palavra, não vai mudar, não tem muita diferença”. Aí a pessoa acaba vendo que, realmente, não é esse bicho de sete cabeças. E às vezes até acaba comprando o livro. Mas eu não falo nenhuma língua, não tenho fluência em nada, mas gosto muito do espanhol. Gostaria de falar fluentemente o inglês, é importante isso na vida da gente, quem sabe mais pra frente? Uma coisa que a gente vai ver se faz, né?
(01:50:47) P2 – E a gente falou, então, dos ebooks, do Kindle, da galera jovem aí que tem esse contato, mas que também prefere o livro físico. Hoje em dia tem bastante saída de alguns livros famosos de youtuber, como é que é? Aqueles livros, né, famosinhos. (risos)
R1 – Então, como eu trabalho com usados, os livros de youtubers, logo que são lançados, muita gente liga procurando, mas a pessoa não quer o preço do novo, quer o preço do usado, só que o livro ainda não chegou no usado. O primeiro livro que estourou, assim, foi o da Kéfera. Cinco Minutos acho que é que chama o livro, não sei. Aí que eu também fui me familiarizar, aprender o que era youtuber, que aquela molecada estava ligando toda hora, procurando e eu divertida, não sabia o que era. Não dá pra... eu não consigo acompanhar tudo que lança, né? “Tem?” “Não tem” “Não tem? Não tem nada nessa livraria?” Mas é livro usado. A pessoa tem que ler, primeiro, o livro, pra depois levar no sebo. Tem novo. Tem. Vai na livraria que trabalha com o novo, na Saraiva, no shopping, vai ter. Aí, quando o livro já vendeu muito, já está entrando outro youtuber, aí que ele começa a parecer no sebo. Só que aí já não tem mais procura, porque já, todo mundo que queria ler, já leu, já deu um jeito de ler físico, no Kindle, tal. Então, não aparece nos sebos, muito, esses livros de youtubers. E a experiência que eu tive, quando a primeira vez, entrou o livro da Kéfera, eu fiquei numa alegria, falei: “Nossa, tem o livro da Kéfera no sebo. Nossa, vai ser O livro, né?” Fui folhear o livro, pra ver. Nossa, mas por que essa moça é formadora de opinião, que fala? Quando, ao folhear o livro, lá, eu percebi que tem um monte de imagem lá no livro e que a formação dessa imagem forma um gesto obsceno. Eu não gostei, eu falei assim: “Nossa!” Vão falar assim: “Você é velha, careta”, né? Eu falei assim: “Não, é diferente”. Eu acho que, pra uma pessoa que está formando a cabeça de jovens, tudo bem, todos os adolescentes já sabem o que é palavrão, o que é o gesto obsceno, mas eu acho que colocar isso num livro, eu achei que não foi um bom ensinamento, a meu ver. Então, assim, é aquele livro que eu pensei assim: “Poxa, que legal! Nossa, como ela deve estar fazendo a cabeça desses jovens? Ela deve estar ensinando tanta coisa legal” e, no fim, eu vi que não é bem assim. Ali no meio tinha uma coisa que não era legal. Assim como tem quando o Felipe Neto fala alguma coisa que não é legal, o Luccas Neto também e outros youtubers, né, falam coisas que não... outro dia mesmo o Felipe Neto desqualificou lá o Machado de Assis, né? Uma coisa pessoal, dele, mas falar que não deve ser dado na escola, porque é chato, poderia ter guardado pra ele. Porque tem um monte de coisa que a gente não gosta, mas que são necessárias ter ali no currículo, faz parte da história do conhecimento ali, dos cursos. É que os youtubers podem falar o que eles querem, porque eles têm esse poder, né, de falar, eles já estão acostumados com as críticas e esquecem isso no outro dia, né?
(01:55:09) P2 – Na sua loja você coloca pra vender também alguns daqueles vinis antigos, discos, ou não, só livro?
R1 – Não. A loja começou a trabalhar com muitos assuntos, variados e, à medida que foi passando o tempo, a gente foi vendo o que saiu, o que não saiu e foi selecionando cada vez mais e meu primo teve uma experiência uma vez de pôr CDs, músicas, só que músicas totalmente diferenciadas, nada comercial, aquelas coisas que só aqueles bem cultos, assim, conheciam o cantor, tal, porque meu primo é assim, sempre foi... como fala? Não era do povão, né? Meu primo sempre foi da música clássica, das leituras mais eruditas e tal e teve uma época que trabalhou com CDs, mas também um período curto e cada vez mais ele via que era mais legal trabalhar só com livro, mesmo e foi passando isso pra mim e eu também não fui me informando a respeito de vinis, quadrinhos, por exemplo. Os outros sebos trabalham com tudo: quadrinhos, gibis, vinis, CDs, DVDs e eu não, fui ficando só com o livro. Talvez poderia até começar, mas eu teria que aprender tudo novamente, sobre vinis, músicas, os gostos de quem gosta disso, dos fãs, dos colecionadores. Quadrinhos, a mesma coisa, né? Tem que conhecer lá todos os heróis, super-heróis e eu já não tive o interesse de ir pra essas áreas. Só ficar com os livros, mesmo.
(01:57:24) P2 – E a última pergunta, depois eu devolvo pra Ana Eliza, é: o que mais tem saída na sua loja, hoje?
R1 – Olha, sempre a literatura estrangeira. A brasileira, pouquíssimas pessoas gostam. Assim, não cabe na mão quem vai lá só procurar autor brasileiro. Então, você vê que é uma questão cultural do país. As pessoas acabam não se interessando por literatura brasileira, tem que ler os livros do vestibular ali obrigadas, todo mundo tem que ler obrigatório e tem livros muito bons, gostosos de ler, mas que o Brasil, o país cresce com essa coisa de que a literatura brasileira não é legal. Infelizmente. Então, o forte é sempre a literatura estrangeira, acompanhando os estilos que vão surgindo, que a mídia vai lançando, mas sempre, todo mundo procurando os clássicos. Os clássicos sempre vão vender. Sempre vai alguém procurar. E depois, os assuntos aqui em Rio Preto que mais têm procura é a parte de Psicologia, a parte de Pedagogia, Filosofia e História. E a parte espírita também é muito forte pra terceira idade. A terceira idade procura livros espíritas, romances espíritas pra ler. E esoterismo, misticismo sempre vai despertar a curiosidade, né? Os cursos que têm aqui em Rio Preto, que é o curso de Letras, então eu sempre mantive, procurei ter bastante livros nessas áreas. Filosofia, que é uma área que eu gosto muito e Filosofia está em tudo, em todos os assuntos. Algumas coisas de Exatas tem que ter. Sociologia. Então, assim, o carro-forte na livraria mais é literatura estrangeira, romance estrangeiro, é o que mais circula.
(02:00:07) P1 – Maurieli, vamos já encaminhando mais ou menos pro final, eu vou te fazer duas perguntas, na verdade três: (risos) qual, hoje, é o seu maior sonho? Isso pra vida profissional, vida pessoal...
R1 – Ah, eu gostaria (risos) de continuar com a livraria, meu maior sonho é ter uma livraria enorme, mas grande mesmo, sabe? Com trinta, quarenta mil livros usados, com preços bons. Sempre vai ser meu sonho, mesmo. Eu, sempre que eu converso com meu marido: “Nossa, eu fui pra um lugar pequeno, aqui, apertado, mas eu gostaria de ir pra um lugar maior, eu queria um lugar de destaque”. E, assim, na vida pessoal, eu quero estar sempre bem, pra conseguir cuidar da minha filha, que é o que eu te falo: depois que a gente tem filho, tudo é pro filho. Tudo, tudo. Eu me cuido, eu tomo um monte de vacina, eu tomo cuidado pra subir no banquinho, pra não machucar, tudo pensando na minha filha. Procurar ter uma vida pessoal tranquila. Eu e meu marido não somos de ficar nos expondo em redes sociais. Eu ponho uma fotinha ou outra, mas não acho que isso é importante. A gente é bem, eu e ele, procuramos ficar... a gente não é do tipo que fica com celular na mão perto dos filhos, sabe? A gente procura ensinar os valores sempre, assim, procurar resgatar os valores pra ela cuidar da natureza, cuidar do meio ambiente, gostar dos animais. A gente procura, eu procuro explicar sempre pra ela essas coisas e, na parte profissional, é isso: eu queria que a Torre do Tombo fosse uma grande Torre do Tombo, né? Mas só o fato de ter a loja já faz uns sete anos já é uma grande conquista, né?
(02:02:54) P1 – Você tem alguma mensagem pra deixar? Como vai ficar na posterioridade esse relato, vai ficar no nosso acervo, você tem alguma mensagem de esperança, algum aprendizado que você quer dar pras pessoas?
R1 – Eu gosto... ao longo da minha vida eu sempre gostei de falar muito em honestidade. Meus pais sempre me ensinaram a ser honesta, verdadeira. Tanto é que, às vezes acontece um problema virtualmente, na internet, ali. Vamos supor: eu faço algum pacote errado, envio um livro ao contrário. Eu sempre procuro falar a verdade pro cliente, pedindo desculpas pelo erro, porque todo mundo erra. Ser transparente, né, pro cliente. Ser muito transparente. E trabalhando com livros dá pra você ser informal formalmente, assim. O cliente é um leitor. Então, a gente vê não como um consumidor. É um leitor. E o que eu gostaria de deixar em nome da livraria é que é um local de transparência e de honestidade. Quem compra com a livraria, quem conhece a história da livraria, vai perceber sempre preços justos, o cuidado com o cliente, o cuidado com os livros. Então, assim, amar o seu trabalho, o que a gente faz, gostar de livro, de trabalhar com livro é isso: ser transparente.
(02:05:02) P1 – Tem mais alguma colocação, alguma coisa que você queira falar da sua história, que você queira acrescentar, que a gente não falou e que você acha importante deixar registrado?
R1 – Ai, a história de 27 anos, assim, apesar de eu ter falado muito, achei que eu falei bastante, sempre vai ter uma coisinhas assim que, depois que acabar a entrevista: “Nossa, por que eu não falei isso?” (risos)
(02:05:28) P1 – Lembrar. (risos)
R1 – Ah, tem uma coisa interessante em termos de empreendedorismo da loja: foi quando nós inventamos... nós, não, meu primo, o saldão de um real. Não sei se vocês já ouviram falar.
(02:05:47) P1 - Não.
R1 – Não? Assim: a loja estava acumulando muito livro. Tem gente que traz pra vender, você troca, você pega cinquenta, a pessoa leva três, quatro, então vai juntando livros. Então, assim, vai sempre entrando mais do que saindo. Doações também, tem pessoas que a gente chegava lá de manhã cedo, tinha uma sacola lá na loja, no chão, de livros, né? E foi juntando muito livro, ocupando muito espaço e os livros começaram a encalhar e ele falou assim: “Esses livros não vão vender nesse preço. Vamos vender esses livros por um real?” Eu falei assim: “Nossa, um real?” “É, não tem problema, porque antes vender por um real, do que ficar aí parado na estante. Vamos fazer girar”. Aí eu falei assim: “Não, mas como a gente vai separar isso dentro da loja, aqui?” “Não, mas eu não vou pôr dentro da loja. Nós vamos pôr na calçada”. Eu falei assim: “Na calçada?” “É, a gente põe na calçada, espalha ali no canto da parede em volta, tudo” “Mas e se as pessoas roubarem?” Ele olhou pra mim e falou: “Mas roubar livro? (risos) Ninguém rouba livro. (risos) Pode ficar tranquila, ninguém rouba livro. Se tem uma coisa que as pessoas não roubam é livro”. (risos) Eu: “Tá bom, né?” E começamos a tirar aquele monte de livro lá e pôr na calçada e foi lá, mandou fazer uma placa Livros a Um Real e, se eu não me engano, provavelmente foi num sábado, que o sábado é o dia que todo mundo tem tempo livre pra poder sair e ver as coisas, né? E ele começou, foi aquele monte de livro, todo mundo que passava de carro ali naquela rua via aquele monte de livro no chão: “Mas, gente, o que está acontecendo? Será que está fechando a loja?” De tempos em tempos, quando meu primo fazia uma inovação, assim, surgia o boato de que a livraria ia fechar. E aí: “Mas um real?” A pessoa chegava lá, poxa, livro de um real. Nossa, a pessoa não acreditava, né? E até tem um amigo meu que era cliente e se tornou um grande amigo, que na época ele estava com 21, hoje ele tem quase a minha idade, ele tem a minha idade, 46. Ele falou assim que ele não trabalhava, só estudava e que ele não tinha condições financeiras e que, quando ele passou lá e viu que tinha livro por um real, ele não acreditou, falou: “Nossa! Eu montei minha biblioteca com o saldão de um real da Torre do Tombo”. (risos) E esse saldão ficou muito famoso, teve muitas reportagens. E fazia só de sábado. E ficou muitos anos esse saldão e até outros sebos aí, depois começaram a colocar caixa lá pra fora também, porque viu que o negócio é legal, né? Hoje até está mais interessante, porque agora tem as geladeiras, né, que as pessoas colocam os livros. Eu até já pensei em fazer algo do tipo, mas eu sou do tipo que vou juntando livro, coisa que não me interessa, vou juntando, juntando, de tempos em tempos eu faço esse saldão de novo. Quando eu mudei da casa pra agora, esse salão, que é muito pequeno, ficaram muitos livros desse saldão. E eu fiquei sabendo pelo Facebook que os professores da Unesp estavam indo lá na comunidade da Vila Itália, ensinar as crianças lá da comunidade. Eles tinham montado uma biblioteca, até mostrou a foto da biblioteca. Eu falei assim: “Eu estou com essas caixas todas empilhadas aqui”. Eu liguei pra pessoa e falei assim: “Manda vir pegar aqui e levar pra biblioteca lá”. Aí eu sempre acabo, o que sobra, o que tem muito em excesso, o que eu não vou vender mais, que eu vejo que eu não vou vender, eu acabo fazendo doação também. E é engraçado que o universo retribui, porque logo que você faz a doação, você desapega, é um desapego, dali a pouco vai vir um monte de gente trazendo um monte de livro. Então, assim, é uma energia muito boa, uma troca de energia muito boa. Então, eu poderia acrescentar essa questão do saldão de um real aí, que foi muito famoso na época.
(02:10:24) P1 – Que legal essa história do saldão! Eu acho que eu não lembro tanto, mas tem uma história bastante forte de Rio Preto.
R1 – A verdade, eu tenho... é que eu não tive, ainda, a possibilidade de colocar na parede. Meu primo guardava todas as reportagens da loja, então nós temos todas as histórias, o passo a passo, em reportagens, em quadros. É que eu ainda não tive tempo de levar pra loja, de colocar lá, mas a gente tem todas as reportagens que surgiram e depois comigo também, sobre livros raros. A gente guarda, pra fazer a parte da memória da livraria, né? A história da livraria.
(02:11:15) P1 – E, assim, esses livros raros você tem alguns exemplares? Como é que é a venda desses livros? Essa questão dos livros mais raros.
R1 – É difícil aparecer. Por exemplo: eu já tive, já passou pelas nossas mãos livro autografado pelo Carlos Drummond de Andrade.
(02:11:38) P1 – Nossa!
R1 – Então, é aquilo que, quando você abre, assim, a pessoa nem sabia que aquilo lá veio do pai, do tio, do avô. A pessoa nem sabia. E quando você vai mexer, limpar o livro, tirar papel de dentro, coisas de dentro, quando você vê, assim, você olha a assinatura, assim, a dedicatória e fala assim: “Espera aí. Isso aqui acho que é original, acho que é verdadeiro”. Aí a gente entrava na internet, buscava assinatura, a grafia, pra ver se realmente é do escritor. Assim, o que foi muito marcante, o livro do Carlos Drummond. As primeiras edições são muito difíceis. Já tive segundas, terceiras edições do Guimarães Rosa, da Clarice e livros, assim, de 1800, que não são raros, mas são raros porque o livro tem cento e cinquenta anos, mas não é um assunto, um autor conhecido, nada. Mas é pela antiguidade do livro. Então, assim, as raridades... é lógico que as primeiras edições, livros autografados geralmente estão em bibliotecas de pessoas muito famosas e que geralmente esses livros acabam indo sempre pra São Paulo, Rio de Janeiro, pras bibliotecas, pras livrarias grandes. Grandes, assim: sebos muito conhecidos em São Paulo e Rio de Janeiro. No interior já é mais difícil.
(02:13:28) P1 – Mas aparece. Você pegou um livro do Carlos Drummond!
R1 – Aparece. Eu estou puxando na memória, assim, mas por exemplo: livro autografado pelo Jô Soares, pelo Fernando Sabino, Paulo Coelho, mas é raro, assim, pra gente, aqui pro interior, mas é que são autores aí, assim, recentes, atuais, que estão lançando livro e então é fácil aparecer autografados, né? Uma vez um cliente meu quis dar um livro de presente pra um amigo, autografado, de um filósofo e ele comprou esse livro comigo, ele não quis entrar diretamente na internet pra comprar o livro, eu intermediei. Ele quis: “Você entra lá, você faz a compra e o livro vai chegar aqui pra você e eu dou pra ele”. Então, o livro custava muito caro, uns mil reais, por exemplo, porque era uma obra autografada por um filósofo. Lógico que não é nenhum Aristóteles, nenhum... (risos) era o Karl Popper, né? É um filósofo até moderno, né? Um filósofo da ciência. E um livro em alemão, escrito em alemão. Então, quer dizer: o original e ainda autografado pelo próprio escritor. E foi uma raridade que passou pela minha mão. Eu tenho um outro amigo também que eu já comprei do exterior, ele compra Bíblias em russo antigo, nem é russo moderno, é um russo antigo.
(02:15:24) P1 – Nossa!
R1 – Então, ele chegou a comprar, assim, comigo, livros do ano de 1700, que foi até por leilão. Então, assim, foi uma aventura, porque nós dois juntos... é aquela pessoa, assim, porque tem cliente que é avesso às tecnologias. Tem muito cliente que não entra na internet e não compra o livro, ele pede pra eu comprar, que ele não sabe mexer com computador, não gosta, não quer saber. Eu tenho amigo que não tem nem whatsapp. Esse mesmo é um, que ele não põe o cartão dele na internet nunca. Então, ele falou assim: “Põe o seu cartão, compra com o seu cartão, se der problema vai dar problema no seu nome, não dá no meu”. (risos) Então, assim, aí fica aquela aventura: ele entra, ele pesquisa, você vai lá, entra nesse link e você faz o lance, você dá tanto e eu vou acompanhando daqui e eu vou falando pra ele: “Alguém deu um lance a mais” “Dá um dólar a mais aí”. Aí eu ponho um dólar a mais lá. E teve esse livro que a pessoa não enviava pro Brasil, tinha um preconceito com o Brasil. Enviava pra qualquer lugar do mundo, menos pro Brasil. E eu mandando, entrando no Google Tradutor lá, escrevendo em inglês lá, em português, mandando pro inglês: “Pelo amor de Deus, meu cliente ama, ele precisa desse livro, ele que abra uma exceção pra gente, a gente já está dando lance alto no leilão, ninguém mais está dando lance, só nós, é pro livro ser da gente. Por favor, faça isso pro meu cliente, meu cliente é muito estudioso, entra no curriculum lattes dele aqui, na internet, você vai ver que o cara é super estudioso, é doutor, pós-doutor e ele quer o livro pra ele” “Tá bom, vou abrir uma exceção”. Pôs lá aberto para o Brasil, só pra gente fazer a compra. E deu certo. Vamos lá, passamos o cartão, deu certo e o livro veio pro meu amigo. Uma raridade.
(02:17:34) P1 – A Bíblia em russo!
R1 – É, em russo, mas um russo antigo ainda, escrito à mão. Assim, as pessoas faziam à mão os desenhos, ali.
(02:17:44) P1 – Deve ser uma coisa linda, né?
R1 – É. Coisa, mesmo, de colecionador. Eu mesma não entendo, não conheço. E é isso.
(02:17:58) P1 – Maurieli, muito obrigada! Tem mais alguma pergunta, Wiliam?
(02:18:08) P2 – Não, não.
(02:18:10) P3 – Vocês fizeram aquela que eu gosto de fazer: o que você achou, Maurieli, de dar essa entrevista? Eu que gosto de fazer essa pergunta. (risos)
R1 – Olha, foi um grande desafio pra mim, porque eu sempre tive muita dificuldade de aparecer em câmera, eu sempre tive muita dificuldade de... os jornais de Rio Preto, a TV Tem, SBT, sempre me procuram querendo fazer entrevista, ali com a câmera ligada na loja e eu sempre entrei em pânico: “Meu Deus, o que eu vou falar?” E eu gaguejava, quando aconteceu, já. Eu falei: “Meu Deus, não vai sair nada, eu vou ficar muda”. Assim, virtualmente, é mais fácil, mais tranquilo. É diferente de você estar ali com um repórter com um microfone na sua frente, ali, uma luz ligada no seu rosto. E meu primo, não. Sempre teve muita facilidade, muita desenvoltura pra dar entrevista e tudo. E, assim, o bom de estar na idade que eu estou, 46 anos, é que a maturidade é maravilhosa e te facilita pra muitas coisas e os desafios, ao mesmo tempo que te trazem medo, te dão uma sensação de vitória, a partir do momento que deu certo a entrevista, que deu certo a conversa. É mais uma conquista, mais uma vitória e mais uma coisa pra acrescentar na minha história de vida. Uma experiência muito boa.
(02:20:02) P3 – E ter deixado sua história registrada no Museu da Pessoa?
R1 – Eu acho um trabalho maravilhoso que vocês estão fazendo. Você sabe que muita gente estuda a história de Rio Preto, livros sobre a história de São José do Rio Preto são muito procurados. Inclusive quando aparece na minha loja eu tenho, sabe? Eu fico muito feliz de aparecer isso, porque tem sempre alguém fazendo pesquisa. E é importante ter o registro da cidade, né? O registro histórico da cidade. Quando aparecem esses livros na minha loja, eu já vou folhear, querer saber como era antigamente, as fotos da cidade. Apesar de não ser rio-pretense, de ter nascido em São Paulo, é o que eu te falo: eu gosto tanto de Rio Preto, tanto, que eu gosto de saber como que foi a história de Rio Preto. E os empreendedores que estão aí formando a nova fase da cidade também, é muito interessante e os sebos que estão aí desde 1994, né? Nós começamos em 1994, mas já tinha gente aí, pioneira. Teve gente. A Torre do Tombo não é a pioneira, mas as bancas de revistas, tem bancas famosas: a Banca do Pastorinho foi uma banca muito famosa, que trabalhou com livros usados e depois foram surgindo outros sebos pra cidade, enriquecendo a parte cultural da cidade. Eu acho importante isso. Eu acho assim: teria que ter mais sebos. Campinas tem muitos. Ribeirão Preto é referência em sebos. Rio Preto, quatro sebos, é muito pouco ainda. Pela quantidade, pela população, poderia ter mais. E quando eu falei pra você da transparência e da honestidade, é que é isso: tem pra todo mundo. Não é concorrência. Tem espaço pra todo mundo abrir várias coisas iguais. Você pode ver: várias pessoas fazem os lanches, cada hora você vai num lanche diferente, cada hora você vai numa sorveteria diferente, você nunca deixa de frequentar essas coisas. Cada hora você vai numa livraria diferente, cada hora você vai numa loja de roupas diferente. Então, assim, apesar do mercado visar sempre uma concorrência... a concorrência é boa assim: fazer o seu negócio ficar muito bom pro consumidor, dar o melhor pro consumidor, mas lembrar que você sempre deve indicar o amigo, o outro: “Eu não tenho esse livro, mas tem no outro”. E é isso que acontece entre a gente aqui, na cidade. Os livreiros são unidos.
(02:23:24) P3 – Obrigada!
R1 – Imagina! Eu que agradeço. Desculpa, eu não sei se eu podia falar tanto assim! Eu não sei se era previsto isso.
(02:23:31) P1 – Imagina! É desse jeito, mesmo.
R1 – Eu sou tagarela, mesmo. Sempre fui. (risos)
(02:23:38) P3 – Foi ótimo, Maurieli! A gente agradece muito, tá?
R1 – E eu espero, um dia, vocês poderem visitar a loja, conhecer a loja. Eu sei que a Cláudia é de Bauru, agora eu não sei a Ana e o Wiliam.
(02:23:53) P1 – Eu sou daí de Rio Preto.
(02:23:55) P2 – Eu sou de Bauru.
R1 – Você também, Wiliam?
(02:24:00) P2 – Não, eu sou de Bauru. Agora eu estou morrendo de vontade de ir aí em Rio Preto. (risos)
R1 – Ah, acabando a pandemia, todo mundo vai sair correndo, disparado pra rua, pra qualquer lado. (risos) Vai ter gente correndo sem rumo, assim, na rua. (risos)
(02:24:16) P3 – Tirar o atraso, né? Tá joia, Maurieli! Então, super obrigada pela entrevista, foi ótimo, eu escutei tudo, fiquei aqui, foi muito bacana, fico muito feliz de você ter aceitado o nosso convite, viu? Super obrigada!
R1 – Imagina! Eu que sou extremamente grata pelo Sesc ter lembrado de mim. Eu tinha te dito outro dia ao telefone, Cláudia, que nós participamos de algumas feiras de livros no Sesc, então tivemos sempre uma boa convivência com o Sesc, acho um trabalho maravilhoso em termos de cultura, trouxe o teatro internacional pra Rio Preto, pra cidade e tantas outras atividades que eu espero, passando a pandemia, poder levar a minha filha nas atividades do Sesc, porque o Sesc sempre traz coisas maravilhosas, em termos culturais e educacionais.
(02:25:21) P1 – Olha, eu quero agradecer muito também, tá? Foi muito bom pra gente estar aí conversando com você.
R1 – Imagina! Eu que agradeço e espero um dia poder conhecer vocês pessoalmente.
(02:25:33) P1 – Vai ter esse dia, sim. Esperar melhorar as coisas. (risos)
R1 – Com certeza vai melhorar!
(02:25:41) P1 – Se Deus quiser! Tchau, então, gente!
R1 – Boa noite!
(02:25:46) P1 – Boa noite! Quero agradecer. Beijo.
(02:25:50) P2 – Eu também quero agradecer bastante pela entrevista e eu quero, depois, poder ir, sim, na Torre do Tombo. (risos)
R1 – Boa noite! Vocês vão gostar, você vai ver. É um ambiente... eu procuro deixar um ambiente bem agradável. Pelo menos as pessoas sempre falam muito bem. Não que os outros não sejam, mas a Torre do Tombo tem uma coisa, assim, diferenciada, meio que especial. Tá bom?
(02:26:24) P3 – Boa noite! Tchau, tchau.
R1 – Boa noite!
(02:26:27) P1 – Beijo. Tchau.
R1 – Pode desligar aí, que eu não sei desligar aqui, não. (risos) Ah, já sei aqui: sair. (risos)
(02:26:33) P1 – Isso, no cantinho.