Em sua entrevista, Victor Mastrorosa nos conta a respeito de sua origem italiana, a situação de Polignano a Mare na época da imigração de seus pais e sobre como foi crescer numa família humilde no Brás. Em seguida, fala de sua formação como contador e como conheceu os comerciantes da Zona Cerealista ao cuidar das finanças de seus negócios. Então, Victor nos fala das dificuldades do início de carreira, quando se casou e mal tinha como pagar suas despesas. A partir daqui, narra a sua trajetória vencedora no meio contabilístico, seus investimentos e sobre a importância da Bolsa de Cereais e do SAGASP na estruturação do comércio atacadista de cereais no Estado de São Paulo. Concluindo a conversa, diz que não se vê um dia aposentado, mesmo com 86 anos, e fala sobre seus sonhos para o futuro.
Um Vito do Brás
História de Victor Ottone Mastrorosa
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 30/10/2016 por Lucas Torigoe
Memórias do Comércio Zona Cerealista
Depoimento de Victor Ottone Mastrorosa
Entrevistado por Lucas Torigoe e Felipe Rocha
São Paulo, 31/03/2016
Realização Museu da Pessoa
MCZC_HV02_Victor Ottone Mastrorosa
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Seu Victor, obrigado, antes de mais nada, pelo seu tempo, pela presença. Agora me diz o seu nome completo, o local que você nasceu e a data de nascimento.
R – Victor Ottone Mastrorosa, nasci no dia 24 de maio de 1930, mas naquela ocasião, quando se ia registrar que eles botavam a data, então eu sou registrado como oito de junho de 1930, porque do dia 24 até oito de junho, o tabelião aí, só com a presença e não precisava levar documento nenhum, porque não tinha naquela época. “Nasceu fulanos de tal”. Nasci em São Paulo, aí na rua da Alfândega, 235.
P/1 – Você não nasceu em hospital, então?
R – Não, não. Era em casa, naquela época, nascia em casa. Eu e os meus cinco irmãos nascemos na mesma casa, na rua da Alfândega, 235.
P/1 – Tá, e por quê que demorou tanto para…?
R – Porque o meu pai trabalhava, então, ele só pegou, acho que um sábado ou domingo e foi registrar, que o registro era ali perto do Largo da Concórdia, tem uma rua lá que eu não me lembro… e chegava lá, só colocava no dia em que a pessoa ia. Mas também, não levou muito, meu pai era verdureiro, sabe? De dia ele vinha comprar aí no Mercadão, andar por aí, isso aí tinha que fazer durante o dia, levantar cedo. Então, quando ele teve uma folga, ele foi lá registrar.
P/1 – Entendi, mas o senhor e a sua família celebram qual dia? O de junho ou em…?
R – Eu celebro nos dois, 24 de maio e oito de junho. Eu gosto de festejar o meu aniversario.
P/1 – É melhor, né, dois do que um…
R – Melhor, né? A data é 15 dias de…
P/1 – Diferença.
R – Diferença, é. E outra coisa também, quando a gente fazia o registro, meu pai era estrangeiro. Minha mãe também era estrangeira, às vezes, não falavam muito bem, meu avio, por exemplo, chamava Vito, eles puseram… como o meu nome era… o meu pai pôs Victor, eles puseram o meu avô como Victor, né, e meu avô chamava Vito Toma Mastrorosa e eu, e o meu nome é Victor Ottone Mastrorosa, agora, foi o cara que… o Toma, ele botou Ottone.
P/1 – Entendi.
R – Ninguém reclamava, ninguém entendia nada que ele estava escrevendo, era… isso… nasci em 30, meu pai nasceu em 1900, dia 16 de fevereiro de 1900. Meu pai chamava Vito Mastrorosa.
P/1 – Vito Mastrorosa.
R – Vito Mastrorosa.
P/1 – Fala um pouquinho mais do seu pai e da família dele.
R – Meu pai nasceu em Polignano na província de Bari, no sul da Itália. Aí, o meu pai quando cresceu, meu pai foi ser marinheiro. Meu pai conheceu o mundo inteiro trabalhando na Marinha. Quando o meu pai conheceu o Brasil, meu pai escreveu para os irmãos que o Brasil é um país bom, para eles virem para cá. Ele achava naquela época que no Brasil, qualquer analfabeto ficaria milionário. E na terra dele, onde ele estava, precisava falar quatro línguas, precisava ter várias faculdades, para o cara comprar uma casinha e pagando em prestação. Então, minha mãe veio muito depois, ele conhecia minha mãe que era da mesma cidade, né?
P/1 – Polignano?
R – Polignano a Mare. E minha mãe chamava-se Antônia Carone. Minha mãe veio para o Brasil muito depois, né, aí o meu pai encontrou a minha mãe, meus tios que vieram, casou com ela e fomos em frente, né?
P/1 – Eles se conheceram em Polignano a mare, mesmo?
R – Eles se conheceram em Polignano. Quando a minha mãe veio para cá e os meus tios que eram irmãos deles vieram para cá, viu ela, pessoal, era da mesma língua, tudo, não sabia falar outra língua, né?
P/1 – Eles contaram pra você como é que foi a viagem para vir para o Brasil? Você sabe de alguma história disso?
R – Meu pai era marinheiro, ele só andava de navio, né? Minha mãe veio de navio da cidade pra cá, naquela época, eu acho que levava quase 30 dias para vir… saía de Napoles, né, de Nápoles para cá levava quase 30 dias. O meu pai, não,. Ele passou por aqui, desceu no Rio, desceu em São Paulo e viu a cidade, ele saiu fora da Marinha e ficou aí.
P/1 – E ele falava para você alguma história que ele passou no navio ou alguma coisa que marcou ele? Ele te contava essas histórias da Marinha?
P/2 – Alguma história de marinheiro?
R – Marinheiro? Meu pai sabia cozinhar muito bem, porque quem tá na Marinha tem alguma coisa que aprender de lá de dentro, né? meu pai, quando casou com a minha mãe, tudo que ele fazia na Marinha, ele ensinava ela e fazia ele mesmo as coisas mais demoradas, porque a gente era em seis irmãos, sabe? Então, o meu pai era verdureiro, não tinha estudo, né, mas meu pai e minha mãe diziam que a melhor coisa que a gente tinha que fazer era estudar. meu pai e minha mãe se sacrificaram pra gente estudar. Naquela época, nós éramos seis irmãos, nós somos seis irmãos estudados. Eu comecei a estudar no Liceu Acadêmico São Paulo, meu pai pobre, era na rua Oriente. Todos os caras grandes como foram colegas meus, Guerino, aqui do mercado, José Centrone, Pedro Najar, Donato Rotulo, um monte de gente que… a escola era uma escola de primeira que tinha aqui em São Paulo., Estudei desde o primário até o último ano de contador. naquela época, nem contador não chamava, chamava técnico em contabilidade e no último ano, eu sai e fui para o Trinta de Outubro, porque o Trinta de Outubro, a gente entrava às seis e meia, eu morava aí na rua da Alfândega, era fácil, porque eu saía nove e meia, dez horas, dava tempo de ir em casa, estudar, porque a gente estudava, dormia e levantava cedo para trabalhar no outro dia, né? E o Liceu Acadêmico de São Paulo, até pouco tempo, foi um dos maiores colégios que tinha em São Paulo. O meu pai, o que ele sabia fazer bem era vamos supor, se a gente fosse sair para as praias, que nem, quando a gente era mais ou menos, no Guarujá, tem o Guaiúba, no Guaiúba tem aqueles morros, lá, ele se atirava lá de cima, porque no navio era igual, né? Era daqueles bem lá no fundo do Guaiúba, então, sabia nadar bem, não tinha medo de coisa, né?
P/1 – Sei. Agora voltando um pouquinho, antes de chegar no Liceu, o seu pai falou como que foi que ele chegou aqui no Brasil e ele veio morar onde? Como é que ele virou verdureiro? De marinheiro para verdureiro, como é que foi? Você sabe?
R – Quando ele chegou aqui de navio, quando parou aí, desceu muita gente da cidade dele e muita gente conhecida. Então, foi nesse pedaço aí da rua da Alfândega, na rua da Alfândega inteirinha era tudo descendente de Barês, né, que Polignano a Mare era de Bari, então, por isso é que tem a… onde tem agora a quermesse…
P/1 – Da Associação?
R – Lá que eu nasci. Naquela esquina, sabe? Então, o pessoal tudo vizinho, quando vieram os parentes do meu pai, nasceram tudo… foram morar tudo na rua Alves de Azevedo. Alves de Azevedo era nessa rua e eu morava na esquina e aqui é a rua da Alfândega, todo esse pessoal que vivia lá, morava tudo pertinho e conversava na mesma língua, né, e foram aprendendo a falar o português.
P/1 – E por causa de saber cozinhar e de tratar com alimento, ele virou verdureiro por causa disso?
R – O meu pai virou verdureiro porque mesmo sabendo cozinhar, não tinha assim, condição de ter alguém que ele fosse cozinhar. Agora, o irmão do meu pai que chamava Vito Antônio Mastrorosa, ele também cozinhava bem e fazia assim, tipo de doce, essas coisas, ele foi trabalhar no Bar Viaduto. O Bar Viaduto era na rua Direita, o bar mais famoso que tinha na época. de lá, meu tio que sabia fazer tudo isso, quando ele saiu do Bar Viaduto, ele foi trabalhar no Jockey Clube como barman que chama hoje, né, ele entendia tudo bem de comida, de doce, de aperitivo, de fazer tipo de bebida, né? Meu tio já tinha um outro… então, se saiu bem. Daí, quando saiu daí, montou um… foi para Marilia e montou um bar e um restaurante grande do tipo desse Bar Viaduto que tinha aí na rua Direita.
P/1 – Agora, explica pra gente, por quê que todo mundo se chama Vito na sua família?
R – O padroeiro da cidade de Polignano é Vito. Então, todo mundo… é Vito, São Cosme e São Damião, né? Onde o meu pai nasceu os nomes que existem são: Nicola, Donato, Roque, Vito, Antônio e mulheres é Crescência, um nome que tem pouco aí, né? Crescência, Lucia tem bastante, Maria tem bastante, por isso é que… aqui, quando vem naquela época, era comum o pai colocava o nome do avô e da avó para os filhos e a mãe também, a mãe colocava o nome do avô e da avó dela, do pai dela e da mãe dela. Como o meu avô também chamava Vito, meu pai chamava Vito, eu me chamo Vito, eu tenho um neto que chama Vito e um filho que chama Vito, entendeu?
P/1 – Entendi.
R – E eu acho que Vito é um nome também bonito. Quando eu fui trabalhar em 1951 pra frente, eu fui trabalhar no norte, eu conheço o Brasil inteiro trabalhando. Eles adoravam o nome Vito, porque lá no norte não tinha esse nome. Eu falei: “Se vocês forem para São Paulo, se você chamar Vito, todo mundo vai virar a cara, porque chama Vito”, né?
P/1 – E na rua da Alfândega, então?
R – Na rua da Alfândega tinha bastante Vito. Eu era Vito, o vizinho era Vito Paulo, o outro era Vito Alemão, era Vito Bevile, a gente chamava ele de Vito Alemão. E assim era, tudo Vito e com sobrenome diferente, entendeu?
P/1 – E como é que é São Vito? Quem que ele é? Qual que é a característica dele? Você explica pra gente?
R – O São Vito apareceu no mar, né, o que eu sei, apareceu no mar e o pessoal botou uma fé nele que ajudava o pessoal que ele era… todas as pessoas que tinham alguma doença pedia para ele, né, acho que ele foi um antepassado médico, assim que diziam, eu não o conheci, né? Conheci o lugar onde eles faziam a festa lá de São Vito, que depois de muitos anos eu fui lá, né?
P/1 – E agora, como é que era…
R – Quer ver? Uma coisa. pessoal botava tanto o nome de Vito, meus tios em dois filhos, eles colocaram Vito em dois filhos, né? O nome do meu avô Vito Toma, o outro só Vito, né? Quer dizer, eles gostavam muito do nome de Vito, né?
P/1 – Sei.
R – Hoje, por aqui também já… é só o pessoal nosso que põe Vito, mas muita gente de fora tá colocando o nome Vitor.
P/1 – E a família da sua mãe, como é que ela é?
R – A família da minha mãe… a família do meu pai não veio para o Brasil, a família da minha mãe vieram para o Brasil. Minha avó e meu avô por parte da minha mãe moravam na rua Alvares de Azevedo. Eles morreram cedo e eu não conheci ninguém, nem minha avó e nem meu avô por parte de mãe. Por parte de pai, eu também não conheci porque eles não vieram para o Brasil, minha avó acho que morreu com quase 100 anos, mas eu não conheci ela, a não ser por fotografia, né? Porque ano vinha todo mundo, o pessoal vinha aqui sozinho, aventurar, né, e às vezes, levava muitos e muitos anos para voltar lá para ver a família, né?
P/1 – E o quê que a família tanto da sua mãe como a do seu pai faziam em Polignano, eles eram agricultores? O seu pai era marinheiro, você falou, mas como é que era?
R – É, o meu pai era marinheiro. Eles lá, o meu pai era marinheiro porque precisava trabalhar, né, a cidade é pequena, então, para homem era ou a Marinha ou o cara trabalhava num restaurante, uma coisa assim, por perto, quem fazia pão, padaria, né, aprendia essas coisas. Por parte de mulher, as mulheres, a maioria ia tudo para a roça colher azeitona, colher todas essas coisas aí… então, ficava lá.
P/1 – E você foi para Polignano mais tarde, né, o senhor falou.
R – Eu fui para Polignano, eu acho que foi em 1986 mais ou menos.
P/1 – E como é que é lá?
R – Eu cheguei lá… fui eu e um irmão meu. E as esposas, né? E um cunhado do meu irmão que mora no Butantã, boa gente também. A gente não conhecia onde morava a família, porque nós não tínhamos… aí, o meu pai tinha um amigo que veio para o Brasil trabalhar aqui também, mas ele não se adaptou, voltou. Quando nos chegamos lá em Polignano, eu vi ele, sabe? Ele ficou tão contente e falou: “Vou te levar para você conhecer tudo da sua família por parte de pai e por parte de mãe”, aí me levou num lugar, foram vários dias, sabe? E quando a gente chegou lá, o pessoal lá era tão carinhoso, coisa que nunca se viu, nunca se sabia, o cara: “Fica aí pra almoçar”, fazia aquele baita banquete de almoço, né? minha mãe perdeu um irmão na Itália, acho que foi na Guerra de 1917, 18, não lembro bem, chamado Paulo Carone e que o genro dele tem uma grande gelateria, que chamam de sorvete, essas coisas, né? E nós fomos tomar um cafezinho lá, o cara falou assim: “Vocês são portugueses?”, meu irmão falou: “Não, nós somos brasileiros” “Como você chama?”, ele falou: “Mastrorosa”, o cara falou assim: “Na família do meu pai, eles se chamavam Carone, mas foram tudo para o Brasil”, então o meu irmão falou: “Olha, minha mãe também chama Carone”, quando chegou em casa, ele contou pra mãe, a mãe falou assim: “Antônia. Vamos procurar eles ai”, procuraram e foi o que o homem não conhecia, né, também fez uma festa… e assim, todo o pessoal que era… hoje, a gente se comunica até através de celular, né, que é uma coisa mais fácil. naquela época, não era isso.
P/1 – Foi boa a viagem?
R – Foi boa a viagem. Eu fiquei 30 dias na Itália, eu e o meu irmão, nós alugamos… e esse cunhado dele, uma van, então ficamos lá rodando de carro pra tudo quanto é lado, né?
P/1 – Lá é praia, né, ou não?
R – Quê?
P/1 – Lá tem praia, né?
R – Praia, tem tudo lá, né? Nós pegamos… fizemos, na época, de norte a sul, né? Sumimos de um lado e descemos por outro.
P/1 – Mas Polignano em si, é na beira do mar, não é?
R – É beira do mar. Quase tudo é beira do mar, lá, Puglia, todas as cidades do sul pegam o mar, daqui pra lá. E é tudo perto também de outros países, como a Grécia, Espanha, Turquia, tudo fácil.
P/1 – Mas como é que é a cidade? Ela é grande, ela é simples?
R – Não, é pequena, simples, muito pequena, o pessoal não conseguia ficar lá na cidade, não tinha serviço para todo mundo, né? Por isso que… tanto é que eu tenho um filho que tem uma clinica médica aqui em São Paulo, na zona norte, meu filho antes, trabalhou 12 anos na Unicor como cardiologista. Aí, um dia foi uma pessoa fazer uma consulta e o cara falou que era italiano. Aí o meu filho falou: ‘Qual a cidade que você nasceu?”, ele falou: “É uma cidade muito pequenininha que ninguém conhece, aqui no Brasil ninguém conhece” “Qual é a cidade?”, ele falou assim: “Polignano a Mare”, ele falou: “Meu avô nasceu lá”, ele falou: “Não é possível!”. E esse cara é um artista de cinema que trabalha em várias novelas, eles não ficam lá, eles vêm para cá, porque mesmo hoje, não tem trabalho para todo mundo, né? Pessoal vai mais passear depois, né?
P/1 – Agora, conta pra mim como é que era essa casa em que o senhor nasceu na rua da Alfândega. Como que ela é?
R – Era uma casa que tinha quatro cômodos. Meu pai e minha mãe, no outro cômodo, era meu tio irmão da minha mãe e minha tia, né, no outro, era uma irmã da minha mãe solteirona e no fundo do quintal, era uma amiga que morava num quartinho para guardar as coisas, não tinha luxo, não tinha… era um banheiro só no quintal para todo mundo. Era assim que…
P/1 – E todos os seus irmãos também na casa?
R – Depois, foi nascendo os irmãos, né? Aí, foi nascendo os irmãos, minha tia que era viúva, saiu, cedeu o quarto. Minha tia casou, saiu, cedeu o quarto e fomos indo. Minha mãe faleceu em 1951 e o meu pai faleceu em 1954 num desastre de automóvel. Antigamente uma coisa difícil de ter era automóvel. Meu cunhado, ele era dono do Moinho Fanucchi, então ele tinha comprado um carro novo e pediu para o meu pai, o meu pai falava que não queria andar de carro, de navio ou de água, à vontade, de carro ele tinha muito medo. Então, o meu pai convidou… o meu cunhado convidava ele para passear, ele não ia. Meu pai convidou ele para levar uma irmã dele lá para Penha, que ela moirava lá e quando vinha de volta, aconteceu um desastre e o meu pai faleceu.
P/1 – Bateram o carro nele?
R – E o caminhão era desse aqui, tinha em frente aqui a Cooperativa Agrícola de Cotia, o cara entrou na contramão lá na rua Bresser e onde tinha uns trilhos, ele deu aquela tremedeira e bateu atrás do carro. Meu pai espirrou e bateu com a cabeça nessas portas do lado e furou a porta. Estava meu pai, um irmão meu mais novo, minha irmã, tinha uns 15, 16 anos naquela época e só o meu pai que faleceu.
P/1 – O senhor tinha quantos anos?
R – Aí, nós tivemos que nos reunir… a minha irmã que tinha 14, 15 anos, eu tinha mais duas irmãs, elas foram aprender… já faziam, também, né, aprender a fazer calcado, se especializaram em fazer calcado e as três faziam calcado e uma, além de fazer calcado, a mais nova, tomava conta da casa, fazia comida, lavava roupa para nos, tal. E eu e mais dois irmãos fomos tudo trabalhar. Eu já trabalhava, né, os outros meus irmãos que eram novos já começaram a trabalhar. O pessoal falava: “Já tá trabalhando novo” “A gente precisa”. Sem pai, sem mãe, precisa. O meu irmão mais novo, ele foi… quando o meu pai e minha mãe morreram, ele tinha seis anos. E o meu irmão também morreu num desastre de automóvel.
P/1 – Ah é?
R – Lá, nós tínhamos uma época, comprado vários imóveis em Santa Catarina, porque o meu irmão, quando ele cresceu, ele foi morar no Paraná e foi em Santa Catarina, aquilo ali… ele vendia aço, sabe, foi o maior vendedor de aço daqui de São Paulo, trabalhava na Mannesmann naquela época. Eu tive um filho que eu perdi meu filho com 42 anos. Então, ele veio para o enterro, quando ele voltou, tinha um desastre, foi batida um atrás do outro, né, quem tava dirigindo era meu sobrinho, ele virou o carro assim, ele conseguiu se salvar, mas o meu irmão morreu na hora. Meu pai tinha medo de carro, morreu, e esse meu irmão também faleceu.
P/1 – E o senhor também tem medo de…?
R – Mas eram assim, seis irmãos, nós somos unidos até hoje. Eu tenho duas irmãs falecidas, tenho um irmão falecido, a gente se dá bem até hoje entre as cunhadas, os netos, a gente sempre… e antes também, porque a gente tinha casa lá em Piçarras em Santa Catarina, a gente ia lá de ônibus, voltava, meu irmão vinha pra cá, nós íamos tudo pra lá, tudo unido sem pai e sem mãe, nós vivemos unidos.
P/1 – E o senhor tem medo de automóvel hoje, então?
R – Eu não. Não tenho. Nem de automóvel e nem de nada. Quando eu trabalhei… trabalhei numa firma aqui na 25 de Março chamada Moraes Machado, o nome fantasia era Tecidos Norte Sul. Então, eu viajava para o norte, viajava para o sul, viajava de avião todo dia, para um lado, para o outro, né? Não tinha medo de… naquela época não e hoje assim, você chegava na companhia que vende bilhete, eles te davam dez bilhetes livres e você que preenchia para ir de um lugar para o outro. E aí, eles debitavam da firma, né? Conheço o norte inteirinho, o sul inteirinho trabalhando. Depois eu cansei. Uma que eu tinha problema de estômago, você come uma comida daqui, uma comida lá, o que ia aparecendo, então um dia me deu… estourou uma ulcera, eu tava em Palmeira dos Índios em Alagoas. Em Palmeiras dos Índios, eu fui num médico lá, o cara disse que eu tinha… como que chama? Não sabia que era do estômago, sabe? E eu falava que sofria do estômago, que o meu pai mandava vim naquela época, vinha remédio só da Holanda para o estômago. Aí, não conseguiu, eu peguei um avião e vim para São Paulo, fiquei aqui, o médico que era aqui… tinha um grande médico na rua da Alfândega, Doutor Domingos Labato e Francisco Labato, eram dois irmãos, ficou comigo à noite inteira com leite e água gelada e no outro dia, melhorou, ele falou: “Vai procurar o médico do estômago”, fui lá procurar, me operei, naquela época, era uma fortuna operar porque não tinha assim, foi um amigo meu que era cliente meu e amigo meu de infância que me apresentou. Na ocasião, quando ele me operou, ele falou assim… eu falei: “Doutor, eu não posso pagar isso, não tenho condições. Como que o senhor vai fazer?”, ele falou assim: “Olha, você precisa operar, para pagar, você pode pagar quando você quiser, como você puder”, hoje não tem mais isso. Naquela época, eu tive uma filha também, ela ficou estrábica, Doutor Guilherme Pereira, é um dos grandes médicos oftalmologistas, chegou uma época, ele falou assim: “A sua filha, só operando” “Doutor, eu não tenho dinheiro”, ele falou: “O hospital é meu, quem vai operar sou eu. Você pode pagar o que você puder pagar”, enche a gente de coragem, você paga mais rápido, não é? Uma ocasião, eu estava vindo de Pernambuco para cá e sentaram duas pessoas, o outro foi fazer uma operação, ia fazer uma operação na Alemanha, porque avião que vinha do norte era só do estrangeiro. Então, ele falou: “Sabe, nós fomos lá na Alemanha, meu cunhado é alemão, eu também sou alemão, mas sei falar o ‘brasileiro’, e indicaram um médico em São Paulo, se o senhor tem dinheiro, em São Paulo tem um grande médico, Guilherme Pereira”, era um grande médico mesmo, era conhecido lá fora, então, ele não tinha… hoje, você vai lá, primeiro você precisa pagar para depois… não é verdade? Deus ajuda a gente, também, que trabalha. Sempre tive ajuda de Deus que me ajudou, sempre trabalhei, nunca fiquei um dia sem trabalhar, saía de uma firma, entrava na outra, era conhecido aí, né? Só sai de trabalhar exclusivo, porque eu falei assim: “Vou ficar andando muito, comendo mal, então é preferível ficar em São Paulo”, aí abri um escritório… já tinha um escritório na rua Santa Rosa, 262, Antônio Araújo Pinto era o… e de lá, trabalhava aqui e ia à noite para o escritório, trabalhava aqui e à noite… e fui arrumando uns amigos e na época, era o maior escritório que tinha aí, hoje, já reduzi bastante porque ninguém da minha família quis ser contador, né?
P/1 – Agora, voltando um pouco, antes de chegar nessa idade do trabalho e tal, conta pra mim, como é que era o Brás na época que você era criança? Quais são as suas primeiras lembranças do Brás?
R – Aqui no Brás, por exemplo, à noite, todos os vizinhos saíam na porta, botavam as cadeiras, conversavam. Se você tinha feito um pastel, trazia, todo mundo comia um pouco cada um. Quem ganhava, às vezes, um vinho dava um golinho para cada um, era brincadeira, era sorriso, não tinha… as portas não tinham fechadura, tinha até… como que chama? Era uma tranca, você puxava o fio, ela levantava e você abria a porta, quer dizer, não tinha ninguém que… não tinha ladrão, não tinha vagabundo, não tinha… tinha o cara que cantava, gostava de cantar. Todo mundo… peixeiro aqui embaixo comprava peixe aqui e ia vender na Paulista, ia daqui até a Paulista a pé com aquilo na cabeça e voltava depois, a pé. Abriu boas cantinas, Castelões, todos os restaurantes que se abriram na rua do Gasômetro iam ficando famosos, o pessoal vinha comer aqui, que o Brás era o local onde as comidas eram mais… que tinha muita gente que sabia cozinhar, fazer pizza, fazer essas coisas. Todos que vieram pra cá só trabalhavam, não tinha ninguém que… os pais, cresceram, cada um conseguiu comprar uma casa, ninguém financiava nada, ninguém dava nada, cada um ia guardando um dinheirinho, não tinha aposentadoria, não tinha nada naquela época.
P/2 – O senhor estava falando do seu pai que era verdureiro, quando o senhor era criança, ele trabalhava com isso. Você lembra dele trabalhando? Como que era?
R – Lembro, lembro!
P/2 – Ele pegava… por onde que ele andava?
R – Eu tenho uma foto do meu pai trabalhando, que um dia também, que nem nós estamos fazendo agora, fizeram com ele aqui na rua Dom Lucas, ele tava com o carrinho dele, tinha falecido a minha avó na Itália, a mãe dele e ele não pode ir lá ver e tem uma senhora que morava na casa, né, comprando coisa do carrinho dele, essa foto eu tenho. Uma foto de jornal, era uma revista, mas como eu tirei xerox de muitos anos, né, eu tenho ela guardada ainda.
P/1 – E como é que era? Ele chegava em casa com as verduras ou ele ia buscar lá?
R – Não. Meu pai comprava aí no Mercadão, eu vinha, quando era muito pequenininho, vinha em cima do carrinho para tomar conta, ele ia comprar uma coisa e trazia, ia comprar uma coisa e trazia, eu ficava olhando para ninguém levar, né, então eu comecei a trabalhar desde criancinha em cima do carrinho e depois, ele ia vender, o que sobrava, ele chegava em casa com fruta, verdura. Aí, ele ia começar a cozinhar com a minha mãe e tudo e fazer, porque não era fácil, você precisava ir trabalhar, ganhava, chegar isso aí, né? E era festa, ninguém reclamava, outros iam vender isso aí, eles iam lá longe como… lugar longe que eu digo é o seguinte, eles subiam aí pela Paula Souza, você levar um carrinho cheio de fruta, mesmo no fim da rua, como chama essa rua aí? Onde tinha o F Monteiro… onde começa a Avenida Ipiranga…
P/1 – Eu não me lembro o nome, mas tudo bem, né?
R – No fim dessa rua…
P/1 – Sei.
R – Então, ia na Avenida Ipiranga até o fim, Consolação, andava tudo aquilo ali e chegava em casa e guardava os carrinhos tudo lá na rua da Alfândega, sabe? Tudo amigo, tudo conhecido, né? E todo mundo fazia isso, o que sobrava… eles trabalhavam até a hora… não vinham embora cedo, não, viu! E pagando os filhos, nós somos seis irmãos, os seis estudaram, os seis se formaram, né?
P/1 – E como é que era o Mercado Municipal nessa época?
R – O mercadão era esse aí, o mercadão não mudou, só mudou agora… como foi? Essa Suplicy que fez um…
P/1 – Um mezanino.
R – Um mezanino, né? Mas era isso aí. Acho que isso aí é desde 1930 e pouco, 31, 32…
P/1 – Mas vendia a mesma coisa?
R – A mesma coisa, mesma coisa. Naquela época ser assim, a mesma coisa, né? O pessoal que vinha… tem o Matarazzo, Matarazzo era dono de quase tudo que existe em São Paulo. Lá na rua da Alfândega até Monsenhor de Andrade, até a rua Oriente era tudo deles. No Tatuapé, as casas, ele fazia as casas para os funcionários, era tudo dele, no interior que você vai lá fora, a fábrica disso, fábrica daquilo. Na Paulista, eles tinham terrenos de monte, casas deles, tudo era do Matarazzo. Eu trabalhei numa firma do Matarazzo de tecidos na época também, só de tecidos, o Matarazzo tinha 63 firmas de tecidos, só de tecidos, que era tudo esparramado a maioria por aí, rua Florêncio de Abreu, rua do Triunfo, rua 25 de Março.
P/1 – Agora, na sua infância, você brincava do quê/ Como é que você se divertia na rua, como é que era brincar?
R – Veja bem, na nossa infância tinha pouco, vamos supor, eu tinha que estudar, a gente trabalhava. Quando eu nasci, quando eu completei cinco anos, um senhor sírio me chamou para trabalhar, eu tinha cinco anos. Sabe essas lixas? A gente lixava essa caixinha de joia, lixava ela, tirava cola quando sobrava, né, quer dizer, você trabalhava, ia almoçar, voltava a trabalhar, ia para uma escola, para outra. Então não tinha o que… o divertimento era quando chegava no domingo, o povo era mais conhecido… a gente ia na casa de um tio almoçar, depois na outra semana, ele vinha, outro, a gente ia em um o outro vinha com a gente, né? O maior divertimento que tinha era um pouco no cinema e quando tinha um pouco de dinheiro. Você ia num cinema, ficava vendo filme, não tinha coisa de… quando a gente chegou a ter, por exemplo, 16, 17 anos, então você ia um pouco para praia, alugava ônibus, também não era que… você alugava ônibus, ia aquele monte de gente, tudo num lugar que já conhecia, né, ficava lá, ia de manhã e voltava à noite. Tinha caixinhas que era pra gente pôr a roupa, né, para botar um maiô e ir para lá, né?
P/1 – E como é que eram essas viagens aí? Teve alguma que você gostou…
R – Era tudo farra, viu, porque o pessoal queria se divertir, né, a gente não tinha nada que fazer, não tinha nada… não existia… era difícil quem tinha uma bicicleta, muito difícil! Então, era tudo… a maioria era tudo no trabalho, tudo no estudo, né? Você precisava chegar em casa e a mãe ficava em cima pra gente aprender a estudar, né? E isso, todo mundo era assim, né?
P/1 – Você gostava de futebol, por acaso?
R – Eu não apreciava muito o futebol. O pessoal aí, um é palmeirense, outro corintiano, tudo isso aí, eu numa ocasião, falavam pra mim: “Pra quem você torce?”, eu falava pra ninguém me perturbar, eu falava: “Eu torço para o Santos”. O Santos não tinha nem Pelé, nem ninguém desses caras e o que mais a turma usava aí era o Juventus, porque o Juventus, às vezes, a gente ia ver algum jogo porque era perto, né, e o do santos, começaram a falar do Santos, Santos, aí apareceu o Jair da Rosa Pinto e que trouxe mais várias pessoas do Fluminense, tudo refugo do Fluminense e o Santos fez um time que começou a aparecer e com isso, apareceu a molecada, Pepe, Pelé, Coutinho e outros caras e pegou uma fama tremenda. Mas eu não sou muito… eu gosto de assistir, eu torço para aquele que jogou bem, sabe? Quando eu trabalhava no norte, uma vez, fui assistir um jogo entre um time de São Paulo e um time lá do norte e eles viam que eu ficava contente quando o time só norte estava jogando bem: “Mas como você vem aqui e torce para o time?” “Eu gosto de ver jogar um bom futebol”, mas não…
P/1 – E tinha cinema no Brás nessa época?
R – Tinha! O Cine Gloria, tinha o Piratininga, na Avenida Rangel Pestana, Piratininga na rua do Gasômetro, tinha um pouco mais adiante, tinham dois cinemas. Não me lembro o nome deles agora, porque fecharam faz tempo. Tinha também o Marabá aqui, aí no centro, tinha bastante cinema. Com o tempo, foram fechando.
P/1 – E como é que eles eram?
R – O cinema tem que ser um espaço grande e nesse espaço grande custa muito, né?
P/1 –Eles eram grandes? Eles eram bonitos?
R – Eram grandes, cinema era grande. Todo cinema era bastante grande. Eu gostava mais de tudo era de dançar e tinha bastante salão de dança, a gente ia dançar, achava mais gostoso dançar do que jogar futebol.
P/2 – O quê que vocês dançavam?
R – Tudo, viu! Na época, dançava tudo, não é que nem hoje. Você aprendia tango, aprendia valsa, aprendia tudo porque era uma turma que a gente ia e… tinha o Minas Gerais, Minas gerais ensinava a dançar, era aí na Rangel Pestana, esquina com o Largo da Concordia, eles ensinavam a dançar. Tinha aqui na rua São Caetano, tinha também um salão de baile que ensinava a dançar, e bom, viu!
P/1 – Você chegava lá e eles ensinavam?
R – Chegava lá e eles ensinavam e não cobravam nada, sabe, não cobravam nada. A gente ia lá, vinham umas mulheres, vinham uns homens, né, na minha época o que tinha de divertimento eram essas coisas.
P/1 – Entendi e você tem alguns…
R – Futebol aqui, na zona norte, onde passa o Rio Tietê era só mato, chovia, ficava aquilo um lamaceiro, não tinha nada, hoje onde tem o Anhembi e tinha um time de futebol. Quando era dia que chovia, não podia jogar bola nem do lado do rio e nem do lado do outro rio, né?
P/1 – E você ouvia rádio também, bastante?
R – Ouvia rádio, porque vamos supor, a gente ouvia muito rádio. Na época, pra você aprender alguma música, você comprava o disco, botava numa vitrola, aquela que roda assim, né, porque ela vai devagar, você vai devagar, vai acompanhando para cantar assim, se pulou uma coisa, na outra você já sabe o que tem que falar aquilo, ou…
P/1 – Tinha algum programa que o senhor gostava muito nessa época, do rádio, que o senhor se lembra?
R – Por exemplo, muita gente gostava desse negócio de ____00:45:07___, que ele tinha esse programa, um cara de táxi, que ele pegava o passageiro e falava umas besteiras para a pessoa rir, era tudo de rir. Pouco a gente ficava… porque quem trabalha e quem estuda, de criança, não tem tempo de ver. E também não tinha, quem tinha uma vitrola de correr e quem tinha o rádio, precisava ter dinheiro, né? O pessoal hoje se admira, mas é isso, ninguém tinha, ninguém tinha telefone, ninguém tinha carro, tudo era coisa assim, que…
P/2 – O senhor falou do Liceu, parece que o senhor falou com bastante carinho, né, da escola. Qual que é a sua primeira lembrança, assim?
R – Do Liceu? O Liceu foi pra mim, foi um colégio super, super bom. Todos os professores bons. Naquela época, a gente era obrigado a saber algumas línguas e cantar o hino nacional nas línguas, da França, de vários países, entendeu? E eu cantava de todos e do Brasil também. Os professores eram bons professores. Você pode ver e quem frequentava essa escola era só quem tinha condição boa de… não sei como o meu pai pagava, o Romeu Tuma era meu colega lá. Todo o pessoal que morava na rua Oriente, já era um pessoal de uma posição melhor, todo pessoal aí do Mercadão, que os filhos estudavam, era de uma situação melhor. Você saía daqui do Liceu, você podia prestar qualquer colégio que você entrava, você saía de lá sabendo estudar. Tem o Pedro Najar, que faleceu, agora tem o filho dele aí, ele dizia assim, na época: “Vocês eram os melhores”, não é que nós éramos os melhores, a gente tinha vontade de aprender, aqueles que o pai tinha uma situação melhor, mas também, os professores davam em cima para aprender, foi um dos melhores colégios. Hoje, já não tem mais esse colégio lá, é uma loja de tecidos. Quer dizer, na zona norte… na zona norte, tinha um colégio, tem ainda chamado CEDOM. O cara para entrar, ele precisava tirar 100 em todas as matérias, senão, ele não entrava. Eu tenho… tinha esse meu filho que faleceu, ele tirou 100 em todas as matérias lá, entrou lá, ele gostava de estudar. Ele se formou na Getúlio Vargas, porque ele saiu do CEDOM tinha todos… ele se formou engenheiro eletrônico, formou advogado na Getúlio Vargas, técnico de eletrônica lá também. Falava bem inglês, tá certo que a esposa dele era professora de inglês. Então, era tudo… antigamente, como os pais ensinaram pra nós, nós ensinamos para os filhos para eles estudarem muito. Eu tenho um filho médico que entrou no Incor, na residência, ele tinha 17 anos quando entrou na faculdade de Taubaté. Hoje, o filho dele, ele fez a mesma coisa, o filho dele, meu neto não tinha 18 anos, ele tá fazendo faculdade na Santa Casa, já tá com cinco anos, tem cinco anos na faculdade. Tem um neto piloto de avião, de tanto que a gente ensina a querer estudar, eu tenho um neto economista, tem 23 anos, é diretor dessa Even, uma construtora grande, e tenho um que tem o meu nome Victor Ottone Mastrorosa Neto, ele é formado em Farmácia e Bioquímica, ele fala alemão perfeitamente, escreve alemão e ninguém na nossa família é descendente de alemão, você vê, é que a gente pedia para estudar, pede para estudar. É que ele trabalha num grande laboratório alemão, viaja muito para a Alemanha e a gente fica contente. Pessoal que os pais vieram sem nada, sem pedir uma posição melhor para os filhos, né?
P/1 – Agora, como é que era as ruas, a rua do Lucas ou da Alfândega? Ou Benjamim de Oliveira, já era a zona cerealista nessa época, não?
R – Não, não. Era tudo casa, passava bonde. Na rua Benjamim de Oliveira passava bonde, ia até o fim, era tudo casas. A zona cerealista era só aqui na rua Santa Rosa, depois começou a pegar o comecinho da Álvaro de Azevedo. Depois, começou a pegar um pedacinho da Benjamim de Oliveira. A Mendes caldeira é que abriu por último, ela foi até o final, aí depois, começou a crescer, foi tudo, né?
P/1 – Derrubaram as casas, então?
R – Porque a Mendes Caldeira, ela não existia, tinha uma metalúrgica grande, quando a metalúrgica saiu, eles abriram e venderam os… aí, começou a rua inteira sair e ficaram lá… mas era tudo residência.
P/1 – E em que ano, mais ou menos, isso começou a acontecer, o senhor se lembra, mais ou menos?
R – Acho que… de ficar só o armazém? Acho que foi de 70 para cá, que ficou só o armazém, né? Antes era só casa.
P/1 – E as casas…
R – Depois, até casas… a rua Florida, rua Sampaio Moreira que eram casas começou a ter armazéns, que eu tive vários clientes que tinham firmas lá. Os japonese que tinham firma de feijão, Matida, o Matida foi um grande cara de feijão. Esse… como chama? O grande supermercado que mexe com o futebol, também, o…
P/1 – Sonda?
R – Sonda! O Sonda, quando ele chegou do Rio Grande do Sul, ele abriu um armazém na rua Sampaio Moreira. rua Sampaio Moreira é aquela rua que não tem saída. Eu que abri a firma dele, na época, lá. Hoje ele é um grande… naquela época, ele só vendia feijão, hoje, ele abriu o supermercado e começou… hoje é um grande supermercado.
P/1 – E esses armazéns mudaram o Brás ou não? Você acha que mudou bastante, assim, a cara do Brás, dessa região, né?
R – Ia saindo os moradores, eles derrubavam… que nem na rua Oriente. Na rua Oriente era tudo casa quando eu comecei a estudar, hoje, é tudo armazém. Eu tinha um cliente que ele tava aqui na Carlos de Souza Nazaré, e começou aí por baixo do Anhangabaú, passa um rio, então, eles canalizaram aquele rio e no canalizar, ia demorar muito, esse cliente meu saiu daí e foi para a Oriente. Aí, ele foi comprando uma outra casa, ganhava um dinheirinho, comprava uma casa, fazia um armazém e assim, foram indo. Hoje, tive três fregueses, cada um teve no mínimo, uns dez armazéns, que com o dinheiro que eles ganharam, eles foram comprando casa e construindo armazém, comprando casa e construindo armazém. É pena que desses três clientes que eu tive, eles morreram cedo, mas ficaram com muito imóvel. Hoje, o aluguel é um valor alto, a viúvas que recebem, né, e os filhos, ninguém trabalha, o pai fez uma coisa, ganhou tanta coisa e você pode ver, quantos filhos você tem? Três? Um tá num país, outro tá no outro gastando o dinheiro. Aqui também, na Paula Souza, esses armazéns, eu nasci aqui, eu conheço todo mundo. Então, o cara ganha muito dinheiro, os filhos vão passear aí. O pai dá um aluguel daqui, sabe quanto que são os alugueis da Paula Souza? Sessenta, 70 mil…
P/1 – Por mês?
R – Então, vamos supor, eu dou para ele que é meu filho. Você também quer, então, eu dou um outro armazém para ele, não que dá o armazém, dá o aluguel. Outro, aquele ali, também dá. E o pai, agora, é que falou: “Bom, fica seis meses num país, volta, fica seis meses no outro”…
P/1 – Entendi.
R – Não são mais comerciantes. Isso, são poucos, não tem muito não que…
P/1 – Continuaram.
R – Antigamente, que eu conheço, muita gente ganhou dinheiro, mas muita gente ficou sem nada. Esse que ganhou dinheiro, não fica sem nada, né?
P/1 – Nessa época ainda, antes dos 20 e tal, você frequentava que lojas? Quem que você conhecia que era famoso no bairro nessa época? Tinha um barbeiro ou farmácia? O quê que tinha?
R – Tudo era conhecido. Por exemplo, farmácia, tinha um cara que ele conhecia mais que médico, ali na rua Benjamim de Oliveira. Farmácia, teve outro também na rua do Lucas, que veio depois, também famoso. Tudo era conhecido, porque a pessoa se dava com todo mundo, né? Farmácia tinha uma também aqui na Benjamim de Oliveira, esquina com a rua do Lucas, tinha outra farmácia, porque não era só… agora que ficou só cereais, né? naquela época, tinha de tudo! Por isso, o cara… e outra, o cara… dentista, tinha um também na Benjamim de Oliveira, tinha assim de clientela. Naquela época, não era que nem hoje, dentista, você não tinha dinheiro, você chegava lá, trocava só o algodão com o negocinho e mandava você vir depois, porque sabia que se acabasse, você não voltava mais, não tinha dinheiro para pagar de imediato, né?
P/1 – E vocês comemoravam o carnaval lá?
R – Comemorava o carnaval, carnaval de rua, carnaval de… o cinema tirava todas as cadeiras e era carnaval em todo lugar. Largo do Arouche tinha vários cinemas que se transformavam no carnaval.
P/1 – Como é que eram esses carnavais dentro do cinema?
R – Era de música, né, cantava, o cara se divertia. naquela época, vamos supor, tinham aquelas músicas de antes, hoje, é casco verde, amanhã é casco escuro, da cerveja, né, que o cara bebia, tinha de duas cores, verde e marrom, né? Então assim, o pessoal fazia farra nesse tipo, brincando. Pegava… todas as mulheres que iam lá não eram que nem meninas de casa, quem ia lá eram vagabundas que estavam por aí naquela época. Na época, não… como chama lá? O Garcez acabou com a zona aí, que tinha na Rua… aí na estação da Luz, tinha uma rua principal lá, que à noite, virava uma putaria, lá, né? Então, era conhecido e o Garcez acabou com… e tem umas casas, ele acabou com esse negócio aí. Então, as mulheres foram tudo daqui para o Paraná. O Paraná cresceu muito por causa disso, porque aí, começou o pessoal a mandar cimento para lá e trazer de lá, amendoim, milho, da época, né?
P/1 – E como é que era São Paulo nessa época, não só o Brás, mas São Paulo? O quê que tinha de interessante? Era bonito, era diferente?
R – São Paulo, o que tinha de diferente de outros lugares é que você trabalhava mais do que nos outros estados. Eu, por exemplo, como eu andei pelo Brasil inteiro, no norte… o norte é bonito inteirinho, as aguas são bonitas, as coisas são bonitas. Mas os políticos de lá no deixavam a turma estudar, porque eles tinham um medo que iam tirar o… então, tinha que ser empregado. Eu vivi dez anos, de 51 até 61, eu vivi andando pelo Brasil inteiro. Então, no norte, o que eu notava era isso. Eu ia na casa de todos os donos de firmas grandes, que nem, Banorte, firma de tecidos Contininga, Sergipana, a firma que eu trabalhava era mais ou menos que nem as Casas Pernambucanas, então, eu ia… o meu patrão tinha um palacete na praia de Boa Viagem, em Boa Viagem só tinham duas casas, era a do meu patrão e das Casas Pernambucanas, tinha um bar, em Recife, em Boa Viagem, tinha o Bar do Pina, era de madeira, faziam uma sardinha lá que da boca, tem um espinho grande, né, então, eles não davam assim, chance do cara estudar, do cara se movimentar. Aí para o sul, não, a coisa era melhor. São Paulo, todos que moravam aqui queriam que o filho estudasse, queriam que o filho crescesse, eles no jogavam dinheiro fora, né? Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul foi tudo desse tipo.
P/1 – Mas eu digo a cidade de São Paulo, você… o quê que vocês faziam? Como é que vocês iam para o centro? O quê que tinha na cidade de São Paulo, assim, como é que eram os bairros, na época?
R – O que tinha, vamos supor, para onde a pessoa saía mais era o salão de baile.
P/1 – Os bairros.
R – Ah, os bairros?
P/1 – É.
R – Os bairros, os melhores, eram da zona sul, né, muita gente ia para a zona sul, as casas eram melhores, tanto é que vamos supor, quando eu comecei, eu tinha um amigo, nós éramos moços, recém-moços, quando saiu o Morumbi, nós compramos terreno lá, era da esposa do Adhemar de Barros, era sem entrada, sem juro em prestação longa, nós estamos falando de três lotes, de dois mil, setecentos e cinquenta metros. Numa ocasião, eu troquei um lote por uma casa onde o meu filho tem a clinica. Quando eu sai da casa, ele montou a clinica. Valores altos, então, lá crescia mais. Pessoal que ia lá mais, fazia uma coisa boa por lá, né? Tudo para aqueles lados, né? Zona sul sempre foi melhor e sempre foi. Os outros bairros, por exemplo, da penha para lá, Penha para lá, ia o camarada que não tinha condição de pagar, né, aquilo era tudo… demorou mais para crescer. Era bonde que ia para lá, difícil quem tinha carro para ir, né? Tinham essas modificações. Eu, por exemplo, eu e esse meu amigo, nós pegamos aqui… aqui, nós formamos 20 pessoas, nós botávamos 200 reais cada um, nós começamos a comprar Ações na Bolsa, naquela época, era uma coisa diferente. Ganhamos muito dinheiro, depois, uma turma que já tinha muito dinheiro, ficou com medo, se retirou e quem sobrou, tinha um que entendia de Bolsa, entendia de…
P/1 – Economia.
R – É, firma de crédito, então, nós abrimos uma firma chamada Só Crédito e o cara era entendido, sabe, ele era uma pessoa que chama Gil Vilela, chamava Gil Vilela, é falecido. E em Minas gerais, o Magalhaes Pinto entrou para presidente, chamou ele para tomar conta dos bancos de Minas. Nós, ninguém entendia nada, fomos obrigados a vender e vendemos para a família do Melão, mas aí, ganhamos muito dinheiro. Ganhamos dinheiro, sempre assim, nessas coisas. Depois, nós começamos a fazer imóveis, também, pegamos a Avenida Monumento, começamos a fazer na Avenida Monumento, um da turma nossa era engenheiro da prefeitura. Um que era sobrinho desse meu amigo, ele era advogado, então, nós montamos e começamos a fazer casas e vender, aí, começamos a fazer uns prédios e vender, quer dizer, o povo de antigamente tinha condição, quem tinha vontade de trabalhar, né?
P/1 – Agora, como é que começou esse desejo por ser contador? Você sempre quis ser, na escola, já queria ser?
R – Não, não. Quem me indicou para ser contador foi minha mãe. Minha mãe falava: “Filho, você vai ser contador, contador é isso, contador é aquilo”, e eu não queria ser, por isso, que você vê, eu tenho um filho, esse meu filho que faleceu, formado em muita coisa, era formado em contador. Ele não ficava sem estudar, eram três períodos, de manhã, à tarde e à noite. Ele se formou contador, minha filha era formada contadora, mas ninguém quis ficar. Então, eu fui… comecei a trabalhar na Santa Rosa, depois, vim para a zona de tecidos, depois, peguei essas firmas grandes, comecei abrir um escritório, o cara conhecido aí no bairro, aqui tinha muito italiano que vinha da Itália. Eles vinham pra gente porque eu não sei falar italiano, mas entendo o italiano, então, foi mais fácil, né?
P/1 – Qual foi o seu primeiro emprego na Santa Rosa? Você falou que…
R – Hein? Meu primeiro cliente?
P/1 – Não, você falou que começou na Santa Rosa, é isso?
R – Meu primeiro cliente foi esse sírio da rua Álvares de Azevedo. Ele tinha uma firma, ele chamava __01:06:55__ e um irmão dele chamava Nicolau, ele me falou: “Olha, você abre uma firma para mim”, eu trabalhava, eu abri uma firma para ele na hora do almoço, a Secretaria da Fazenda era aí, em frente do Correios, naquela época. Foi esse Nicolau ___01:07:18__, chamava. Ele e os irmãos, também, construíram onde hoje é a faculdade FAAP, ali na rua da Liberdade, eles eram donos do terreno, esse pessoal também, eles ganharam em caixinhas e compravam terrenos. Na Liberdade, rua Vergueiro, Liberdade, compraram bastante imóveis para lá e eles mesmos construíram um armazém que se tornou a faculdade. Hoje, você vê como é engraçado, nenhum deles têm mais a faculdade, o imóvel não é deles, porque foram dividir para muita gente, depois, um casou com uma moça, separaram e a moça foi comprando a parte de um, a parte de outro, a parte de outro, foi ficando com aquilo. Tudo muda muito, né?
P/1 – E aí, você passou para a firma de tecidos, depois. Depois, você foi para a firma de tecidos, né?
R – É, primeiro, vim aqui para a zona cerealista, né, eu passei para tecidos quando eu tinha mais ou menos, 16 para 17… 16 anos. Eu fui trabalhar nessa firma do Matarazzo, chamava Tecidos Iguaçu.
P/1 – Já como contador?
R – Estava estudando para ser contador. Quando eu me formei, já estava nessa firma aí, tecidos Iguaçu. Era aqui nessa rua, Prestes Mais, onde hoje, o terreno é vazia, está até hoje… a firma era lá, em frente a rua Carlos de Souza Nazaré.
PAUSA
R – Ele tinha uma certa doença que ele não podia pegar friagem. Ele só vinha aqui quando fazia… em tempo de calor, no verão, né? E ele tinha confiança em mim, porque eu fui indicado pelo pessoal conhecido dele, né, eu ia visitar as lojas fora pra ele, em proporção menor, mas viajei muito. Italiano depois teve que vim morar aqui no Brasil e saiu a guerra na Itália lá, pessoal teve que se mandar, muita gente, né? Aí, quando acalmou tudo, ele voltou para a Itália e eu continuando a trabalhar para ele, porque ele era um camarada muito inteligente e começaram a crescer as lojas dele.
P/1 – Qual que é o nome dele, desculpa?
R – Ele chamava Fabio Castelnuovo, ele era Tecidos… Reumar Mercantil, a firma que eu trabalhei era a Reumar Mercantil.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha?
R – Eu devia ter uns 24 anos, mais ou menos. Foi em 54, 55, foi na época em que morreu o meu pai. E depois, pior de tudo, esse senhor faleceu, moço, olha que ele ficou uma temporada aqui no Brasil, ele comprou o prédio aqui da Florêncio de Abreu, era o prédio do Imposto de Renda, grandão, aquelas ruas de trás, ele foi comprando tudo… o cara era uma tirada nas coisas, depois ele faleceu. Era só eu aqui. E a família não… então, eles pretenderam vender a firma. Aí, chamaram um senhor que ficou interessado em comprar, aí o cara chegou lá, não deram certo nos preços, o quê que o cara fez? Falou: “Vou tirar a ___01:11:41____ de lá, o cara não tem mais ninguém que toma conta e aí, eles vão baixar o preço”. Mas só que eles foram feliz, ele saiu, apareceu um cara para comprar. Aí, ele pegou eu… ele tinha lojas também, aí montou uma loja, porque um sobrinho dele tinha saído, eu tomei o lugar do sobrinho dele. Aí, lá a firma era grande, a firma era maior, você é moço, você fica conhecendo cada dia um estado, só vai em casa de… ele me levava só em casa do dono do Banorte, dono da Casa Sergipana, o dono da Casa Cotininga, todos esses caras que tinham lojas do mesmo tipo, né? Bancos, lá, para todo lado. Quando era moço, a gente gostava, mas eu tinha casado, eu tinha os meus filhos aí, às vezes, ficava dois, três meses sem vim para cá, né?
P/1 – E você ficou dez anos…?
R – Dez anos lá, indo e voltando… tinha vez que eu ficava assim, 15 dias, 20 dias, dez dias, mas tinha vez que eu ficava três meses sem… vai para um lado, vai para o outro. Outra, na época em que eu trabalhei, você não ia em todo lugar de avião, não tinha como ir de avião, quando começou melhorar um pouquinho de estrada também, foi Juscelino Kubitscheck, eu presenciei, o Juscelino Kubitscheck abriu o Brasil inteiro de estradas, naquela época, estava muito no sul, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, o que ele abriu de estrada, o… então, começou a crescer Chapecó, fiquei muitos anos assim, que eu ia para Chapecó, ia para o sul.
P/1 – E o senhor gostava de viajar?
R – Não tinha outro… o serviço que eu tinha era aquele, né, não é que eu gostava, é que eu queria ficar com os meus filhos aí, né?
P/2 – Tem alguma história de viagem que o senhor lembra bastante assim, algum causo, alguma história?
R – Uma ocasião, eu tava viajando, eu não sabia dirigir, eu tava em Londrina. Então, falei com um amigo lá que me arrumou um motorista, a firma usava uma caminhonete, né, o cara me arrumou um motorista: “Vem cá, vou te apresentar um amigo, ele chama Frankenstein, naquela época, Frankenstein era um cara feio pra burro, né, o nome assim, do artista e quando chegou o cara, o cara era feio pra burro, fui eu e ele, não conhecia ele. Aí, nós fomos de Londrina a Osvaldo Cruz, no caminho, deu uma chuva forte, quando chegou num determinado lugar, perto de Osvaldo Cruz, falou assim: “não dá mais, vamos parar aí porque só água, tem um rio que passa aí, eu não sei…”, que não tinha sinalização, não tinha nada. Aí, nós paramos. E você fica lá dentro com uma pessoa que você não conhece, dormindo dez, 12 horas, cansado, porque eu só dormia na caminhonete, né? Quando nós fomos ver, não tinha cinco metros, era um rio. O cara não conhecia, podia ter me feito alguma coisa, né? Se a gente fosse mais um pouquinho adiante, ele que falou: “Vamos parar ai”, era o rio, nós teríamos morrido, né? Outra, uma vez, nós estávamos indo para Curitiba de avião. Um dos caras que era dono da firma onde eu trabalhava, não sei se vocês conheceram um governador de Alagoas, chamado Delmiro Gouveia. Delmiro Gouveia, tudo que Alagoas tem foi esse Delmiro Gouveia que colocou lá, puxou a luz, tudo, os filhos dele, todos os filhos dele estudaram na Inglaterra, porque a Inglaterra ajudou muito ele e ele ajudou também muito a Inglaterra, né? Então, o filho dele chamava Noel Augusto Gouveia, ele vinha comigo em todo lugar. Nó estávamos no avião e estava que nem a época de hoje, hoje, vocês não sabem, mas avião sai pouco, porque eu tenho um neto piloto, avião custa caro, com essa onda que tá, o pessoal não tá viajando muito. Então, estava viajando lá só eu e ele no avião, nós íamos de São Paulo a Curitiba. Aí, veio a menina lá, a moça se eu queria um cafezinho. Eu tava lendo, sabe? Ele falou assim: “Você quer queimar nós por dentro e por fora?” ”Por quê?” “Você não tá vendo que o motor do avião tá pegando fogo?”, a gente fica preocupado, né, naquela época, era mocinho, aí conseguiu descer, né, quando desceu, o piloto foi bom, descemos, só estava o piloto, a aeromoça, mais um lá e nós dois e para sair depois, eles arrumaram e tudo, né, e para sair para continuar? Porque foi na saída, em Curitiba que deu esse negócio aí, né? Uma outra que também passei em avião, quando passei mal do estômago. Eu passei mal do estômago, que eu vim embora para São Paulo, só vinha avião da Europa, do norte, só vinha avião da Europa. Caiu um avião, o seguinte… não conseguia avião de jeito nenhum e eu era bem conhecido, sabe, as aeromoças, as meninas do balcão, tudo me conhecia: “Seu Vito, não tem lugar, tem lugar. Seu Vito, agora tem bastante lugar, ninguém quer viajar, caiu um avião, o outro quebrou também”, aí eu falei: “Vou nesse mesmo”, e todo mundo, eu estava amarelo por causa que eu tava perdendo sangue, né, então, uma moça do lado ali, uma senhora, né, não era moça não, era uma senhora falava: “O senhor tem medo de andar de avião?”, eu só andava de avião, né: “O senhor tem medo? não se preocupa não”, não tinha nem vontade de falar, eu tava passando mal mesmo, né, e enquanto eu esperava, passaram um telegrama para a minha esposa, só tinha telegrama naquela época: “Vou sair agora”, “Vou sair tal dia”, ou então: “Quebrou, caiu, não sai”, e a minha mulher quando chegou no aeroporto, falaram: “O avião não saiu de lá”, e ficamos uma porção de dias. Quando eu cheguei, eu já tava ruim, minha mulher já tinha chamado um médico e o médico ficou uma noite inteira comigo até no outro dia, porque eu tava com um amarelão em cima de mim, né?
P/1 – E como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R – Minha esposa?
P/1 – É.
R – Foi uma coisa engraçada. Eu tinha 16 anos. Eu conheci uma moça aqui na zona cerealista, era uma zona de árabe, português, italiano, japonês, tudo isso aí, né, eles não deixavam… eu, como era filho de italiano, os árabes não deixavam você namorar uma moça árabe. Tinham várias aqui que eram proibidas mesmo, não deixavam. Então, eu conheci uma moça, sabe onde é agora o Dom Pedro, aí? Tinha o Parque Shangai, chamava. Aí, eu fui lá no Parque Shangai e conheci essa moça, né? Ela tinha 28 anos, eu tinha 16. Meu amigo tinha 28 anos e a sobrinha dela tinha 16. Eu fui namorar com ela que tinha 28 e ele foi namorar com a menina que tinha 16. Aí, os caras deixaram eu namorar, descendente de árabe, né? Naquela época, eu mal ganhava para pagar o colégio que já estava estudando como contador, sabe? Era uma moça bonita, uma moça boa. Chegou um dia, ela me deu uma apertada: “Olha, ou você casa…”, porque eu namorei com ela quatro anos, ela tinha 32 anos, eu tinha 20, né? “Ou você casa ou não vai dar porque eu não posso passar dessa idade”, falei: “Casar, eu não posso casar, como que eu vou fazer? Vamos separar então”. Aí, separei. Essa moça, eu conheci ela por aqui, né? Aí, como sai fora, fui no Parque Shangai, aí conheci minha mulher que eu tô com ela até hoje. Namorei com ela quatro anos, estamos 62 anos casados. Conheci assim, tinha largado ela, fui lá, encontrei ela lá, namorei com ela, graças a Deus, foi uma grande esposa, até hoje, nós lutamos os dois juntos, nunca brigamos, é difícil uma pessoa com 60 e poucos anos que a gente se conhece nunca brigar, principalmente, marido e mulher, né?
P/1 – Como é que ela tava? Você tava no parque e ela tava o quê?
R – Ela tava no parque, né, junto com uma colega, antigamente, tinham aqueles aviões que davam uma volta, desciam, aquelas complicações, tinham essas coisas. A gente ficava olhando, só, não tinha outra coisa, era difícil você entrar num restaurante para comer, porque era tudo restrito, né?
P/1 – E ela tava olhando?
R – Ela tava olhando esses aviões, sabe, quando eu cheguei lá…
P/1 – E você foi falar com ela?
R – Ela trabalhava numa firma aí na Patriarca, era uma firma de seguros. Aí, eu trabalhava pertinho, né, na hora do almoço, ia lá conversar com ela e tudo. Telefonei, tudo e a gente se encontrava. Depois, tinha que casar porque as minhas irmãs começaram a se casar, né, a gente morava tudo junto, daí fui morar… graças a Deus, Deus ajudou muito, fui morar no Belém, num quarto com um banheiro só, não tinha cozinha. Se casava naquela época, se casava, comprava a cama, colchão, não precisei de geladeira, não precisei de nada e quando eu casei, um cara me deu uma espiriteira, não sei se vocês conhecem o que é uma espiriteira, é um negócio assim, que nem uma beira de um fogão, você botava um álcool e ascendia com o fosforo, aquela chama esquentava… é que nem, por exemplo, no norte, quando eu fui, também não tinha tanta… era candieiro, sabe o que é candieiro?
P/1 – Sim.
R – Candieiro é que nem uma espiriteira. A espiriteira tinha um buraquinho assim, você botava álcool, botava um algodão, ou botava alguma coisa, ascendia e tinha um lugar para apoiar a panela. A gente ganhava na época, não era… quadro de fotografia, isso aí, muito simples, antigamente, não ganhava… hoje, o pai dá um carro ou a mãe dá não sei o que lá, né? Naquela época, era bem diferente.
P/1 – E vocês ficaram só nesse quartinho um tempo, assim?
R – É. Fiquei um ano morando nessa casa. Aí, depois, eu vim morar aí na rua Benjamim de Oliveira, que eu comecei a trabalhar, já começava a ganhar um pouco mais, né, já vim para cá. Na época, para eu ir daqui até o Belém, nós tínhamos uma porção de amigos, nós íamos a pé e vinha a pé, ou você pegava um ônibus super lotado, bonde super lotado, ou um caminhão. Caminhão, você pegava, você subia em cima do caminhão e ia lotado o caminhão. Ia até lá, passava por lá, pegava…
P/2 – Caminhão de carga, mesmo?
R – Caminhão de carga, esses caminhões. O que mais usava era isso, caminhão de carga. Aí, vim morar aqui na Benjamim de Oliveira. Aí, quando começou a crescer, aí eu mudei. Aí, eu fui mais para trás, fui para a rua Assunção. E depois, eu fui para Santana. Fui crescendo devagarzinho…
PAUSA
R – Acho que cinco reais o dinheiro na época, de aluguel. Então, eu falei para ele… para uma irmã minha: “Lucia, comprei uma casa em Santana”, e era de um coronel, sabe? “Vou pagar 200 reais por mês de prestação” “Você tá ficando louco!” “Não tem juros, não tem nada, vai dar para pagar”, a minha irmã se preocupou por mim, era uma casa grande. Minha mulher nunca teve empregada. Três casas que eu tive, três casas grandes, essa de Santana tem 500 metros. eu fui morar numa casa que eu troquei com o terreno lá do Morumbi que tem mil metros, praticamente, são quatro andares. Minha mulher não tinha empregada, eu ajudava ela no domingo no quintal, lá. Moro num apartamento que tem 400 metros de área útil, 800 metros de área total, nunca tivemos empregada. Minha mulher operou o joelho, aquilo foi, foi, foi, uma hora, ela não pode mais se locomover. Então, ela acha ruim por empregada, a empregada não sabe fazer o serviço, não faz como ela quer. Fizemos o que tinha que fazer também, né?
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – Ela chama Josefina.
P/1 – Ela é italiana também, de descendência?
R – Italiana, é, o pai dela era siciliano e a mãe dela era napolitana. Não é que eu escolhi italiano, conheci ela, não sabia que ela era descendente de italianos.
P/1 – Ela tem quantos anos hoje?
R – Hoje, ela tem, graças a Deus… quer dizer, a mãe dela já faleceu, o pai dela já faleceu também, né?
P/1 – Mas ela tem 80 também?
R – A minha patroa tem 82 anos, vai fazer agora em julho, 83.
P/1 – Entendi. Agora, vamos continuar um pouco nessa trajetória de trabalho. Você voltou em 61, ficou mais parado aqui, no Brás, trabalhando?
R – Não. Quando eu vim para cá, que eu fiquei em 61, eu tinha um escritório, tinha um pessoal que trabalhava para mim, né, eu sempre quando eu tava aí, à noite, eu ia trabalhar lá. Então, eu ficava lá no escritório, aí, como eu conhecia todo mundo, eu peguei uma clientela rapidamente, então, eu comecei a pegar empregado. Eu tinha a rua Santa Rosa, eu tinha quatro salas, quatro salas grandes, eu era o único que tinha telefone no prédio, naquela época, pagava um dinheirão e telefone não era aquela coisa assim, estava sempre enguiçado, não era fácil atendimento. Aí, eu ia para um lado, ia para o outro, um arrumava aqui, outro arrumava lá, então fiquei com muito cliente. Teve uma época, eu tive uma… essa minha filha, ela ficou doente, então, eu falei assim: “É preferível diminuir um pouco a clientela”, e chamei uns amigos e dei uns clientes para uns, uns clientes para o outro, porque eu peguei muita clientela aí. Primeiro, eu sou do bairro. Segundo, todo mundo conhecia eu, minha família, sabe quem eu sou, sabe quem é minha família, sabe que a gente é direito, porque é um ramo em que muito gente, na época, pegava dinheiro e não pagava imposto. Eu nunca quis pegar dinheiro de ninguém, eu dava para você pagar o imposto, eu não pagava o imposto de ninguém. Então, não tinha esse trabalho. Por que eu pensava isso? não depende só de mim. Hoje, eu não posso fazer, amanhã é o meu funcionário, se o funcionário pega, eu não sei, né? Então, eu parti para isso, os impostos são vocês que vão pagar. Eu só recebo a mensalidade. Então, por isso que eu cresci muito e todo mundo, vamos supor, não é que nem hoje, esse Agenor Alves de Araújo, meu amigo, nós crescemos juntos, ele era empregado de uma firma e eu empregado de outra, aqui na zona e nós tínhamos o dom, a gente ia num lugar para comprar um imóvel. Quanto que custa? Por exemplo, comprei uma vez um imóvel aí no Jardim São Bento, vocês conhecem o Jardim São Bento? É um bairro que na época, muita gente ia para lá, “Quanto o senhor que?” “Trezentos e sessenta mil à vista”, dinheiro da época, né? Aí, eu falava: “Eu dou 150 a prazo”, o cara achava ruim, tudo. Depois, ele me vendeu por 150 para pagar em 60 meses e comprei eu e esse meu amigo, Agenor. Ficou a casa lá, nós vendemos a casa depois de um ano por 360 à vista e o cara falou assim: “Tem um terreno do lado, eu só compro se você conseguir o terreno do lado”, aí eu fui ver de quem era. Na época, era de uma firma chamada Máquinas Piratininga, eles moravam no Pacaembu. Fui falar com a dona lá: “Eu vendo, eu quero 15 mil”, aí eu fui e falei para o cara: “Olha, a mulher vende, mas ela quer 75 mil”, o cara me pagou, era meu e desse Agenor. Com esse dinheiro que nós pegamos, aí nós compramos três lotes lá no Morumbi, em Santana, nós compramos num prédio só, 12 apartamentos, no outro, oito e com aquele dinheiro, a gente ia pagando, entendeu? Depois, no Morumbi, o cara que sabia que eu tinha todos os imóveis, era o corretor, ele falou assim… eu ia comprar uma casa que a minha mulher gostava, onde hoje é a clinica do meu filho, ele: “Você não quer botar o terreno?”, eu falei: “Não”, que eu já tinha o dinheiro, o cara queria a prazo, enfim, fizemos uma troca, mas mesmo assim, essa casa que eu tenho hoje vale mais do que a do Morumbi, que era dois mil e setecentos e cinquenta metros, que o Morumbi caiu um pouco agora, com esse negócio de ladrão, esse negócio, né? Então, Deus me ajudou, eu comprei isso aí. Depois, os outros, nós fomos vendendo e comprando outras coisas, né?
P/1 – Entendi. Agora, vamos falar um pouquinho…
R – Porque a Contabilidade ano dá para viver, se você não comprar essas coisas, não ir investindo em outras. Uma vez também, aqui nós éramos… todo mundo conhecia a gente, então nós éramos acho que umas oito pessoas, era Jorge Afif Cury, um árabe da rua Santa Rosa, Inácio Gandolfo, Agenor Alves de Araújo, que era esse meu amigo, eu, O Jorge Cury, que era filho desse, Gil Vilela, que era esse cara que vive em banco, né, nós abrimos uma firma aí nesse prédio, no sexto andar, “Mar Azul. Importação e exportação”, chegou um cara e disse assim: “Vamos exportar carne de carneiro”, nós não entendíamos nada e eu e esse Gandolfo, que éramos contadores, seu Inácio Gandolfo era um italiano e contador na Itália e entendia bem também, ele falou: “Nós precisamos analisar”, e nós vimos que não era bom o negócio. Eu e ele só falamos assim: “Nós vamos sair fora”. Esse meu amigo Agenor, como nós fizemos muita coisa juntos, ele falou: “Vito, você tá com medo, se você tiver medo, acontecer qualquer coisa, eu te ajudo, não sai fora, não”, porque a gente era muito amigo. Então, saiu só o seu Gandolfo e eu continuei. Nós levamos uma bordoada! Perdemos dinheiro e um dia: “O quê que nós vamos fazer?” “Agora, vamos ver o prejuízo e pagar, né?”, aí veio um prejuízo e pagamos, não éramos entendidos no assunto. Veja o que aconteceu, eu e ele fomos almoçar aí na rua Cantareira, tinha um moleque atrás de nós vendendo bilhete de loteria, aí ele falou assim: “Vito, vamos comprar”, falei: “Como que nós vamos comprar se nós não temos dinheiro, né?”, aí ele falou: “Não, vamos comprar”, porque o moleque seguiu nós até lá, voltou, eu fui lá para a rua Santa Rosa, ele junto, ele falou: “Vito, vamos comprar”, eu comprei, metade cada um: “Porque eu tô vendo que esse negócio aí… o cara veio lá, veio ara cá…”, aí eu subi no meu escritório, peguei minha parte e dei para ele. Embora a gente era de confiança, esse meu amigo, quando ele faleceu, ele apareceu morto, ele faleceu em 1976 e no meu nome, o que eu tinha de imóvel, que sabe, a gente comprava e vendia, eu tinha caixa, né, então, ficava tudo em meu nome, em meu nome e no nome de uma firma que a gente tinha em meu nome. Aí, vou terminar essa aí primeiro, nós chegamos… aí passou uma meia hora, ele subiu… ele tava no primeiro andar e eu tava no segundo, né, do prédio, ele subiu lá e falou assim: “Vito, ou o pessoal viu a gente discutir compra, não compra, compro, não compro no barbeiro, o barbeiro me deu uma fitinha que o premiado é esse”, nós tínhamos comprado a trinca naquela época, lá, que deu o primeiro prêmio, entendeu? “Não pode ser”, aí eu fui ver, ganhamos mesmo! O dinheiro que nós ganhamos deu para pagar a dívida, o banco era aqui, ficamos devendo para o banco, pegamos empréstimo, porque um dos sócios era presidente do banco, esse Gil Vilela e o meu dinheiro e o dinheiro dele deu certinho para pagar a dívida. Esse Jorge Cury tinha dinheiro, pagou de uma vez só. Os outros padeceram para pagar, viu! Mas você vê como que Deus, às vezes, ajuda quem trabalha, quem é direito, né, quem… quando ele faleceu, nem a mulher dele, ninguém sabia os imóveis que ele tinha, ele queria que eu comprasse um imóvel… ele foi morar no Morumbi, ele comprou dois mil metros, ele queria que eu comprasse dois mil metros, como eu tinha comprado umas coisas, eu falei: “Não vou comprar, porque eu não tenho condições, né” “Não, Vito, eu te ajudo”, ele sempre dava uma dessa aí, né? Quando ele faleceu, eu fui falar com o irmão dele. A moça era nova, ele era muito mais velho do que ela, ele tinha ido morar no Morumbi naquele dia, fez uma coisa bonita, prédio bonito, morou lá, começou a brincar comigo no telefone de que o irmão dele ia me fazer uma pergunta, e depois, ele falou: “Tô tomando Whisky”, ele não bebia, sabe, a gente não bebia naquela época nada, né, aí começaram a procurar ele, o sócio dele, que ele tinha um sócio, né, eu falei: “Eu não sei onde eles estão”, fui ver, ele tinha falecido, ele tava brincando comigo e faleceu, não sei se foi de alegria, porque sabe, naquela época em 1976, ele fez uma casa bonita no Morumbi, estava tudo arrumadinho, ele foi lá e receber e morrer, é de satisfação. Então, chamei o irmão dele e falei o que eu tinha: um prédio aí na Santa Cecilia, 22 apartamentos eu tinha, que aqueles eram só dele, rua Voluntários da Pátria, Morumbi, aqueles outros dois que tinham sobrado, aqueles dois… do Morumbi e da Voluntários era metade de cada um. Aí, eu fui explicando para o cara, né? Logo em seguida, faleceu a esposa. Faleceu uma filha, faleceu o genro e também deixou… assim que foi a minha vida construindo, graças a Deus, sempre tive amizade com gente direita, que nunca se envolveram em nada. Naquela época também, ou o cara vivia demais, ou o cara… eu morava aqui no Brás, aqui no Brás, o que mais permanecia era bebida, cavalo, os caras jogavam em cavalo de monte, até tinha um apelido de alfafeiro, sabe o que é alfafeiro? O cavalo não come alfafa? Então era um alfafeiro, que dava comida para o cavalo, né? É isso.
P/1 – Mas e os seus clientes cerealistas? Quem que você conhecia, com quem que você trabalhava?
R – Todos! Não tinha… aqui, quando eu abri o escritório, não tinha quem não era meu cliente. Não tinha, todo mundo! Fui eu que quando… como eu falei, quando a minha filha fixou doente, eu fiquei meio tonto, diminui um pouco, tanto cerealista, como 25 de Março, como Florêncio de Abreu, era tecidos, era tudo… todo mundo me conhece, todo mundo dava a escrita.
P/1 – Sei, mas vamos falar dos cerealistas. Quem eram os seus clientes mais importantes, você era amigo deles? Quais que eram os negócios deles?
R – Esse Agenor Alves de Araújo, ele para mim, foi o maior representante de arroz que teve nessa zona. Ele era inteligente, ele sabia, ele tinha uma chance de um irmão dele ser um grande cerealista em Goiás. Então, ele pegava o arroz do irmão e outras coisas que ele vendia aí. Vamos supor, onde eu trabalhava? José Fonseca, que o sócio é João Giaquinto, esse João Giaquinto, o irmão dele era diretor da Votorantim, João Giaquinto também, ele foi presidente da Bolsa, ele foi muito inteligente no tempo da… quando o Garcez acabou com a… ele mandava cimento para o Paraná e vinha feijão, milho, amendoim, então, como naquela época era tudo de trem, o trem ia lá com o cimento e voltava com uma dessas mercadorias, ele foi um dos grandes que cresceram grande.
P/1 – Quem mais?
R – Nestor pereira, um português, grande comerciante. Na Portuguesa, ele foi presidente da Portuguesa, foi na época em que a Portuguesa teve o melhor time que ela teve na época, fizeram de tudo, os melhores jogadores, tudo ele na categoria dele. Martins Borges, na rua Paula Souza, eram quatro irmãos, ganharam dinheiro. Eu falo daqueles que ganharam e que manteve, muitos ganharam e gastaram ou faziam qualquer coisa, poucos sobraram quem tinha dinheiro, entendeu? Moinho Fanucchi, que tinha aí na rua Santa Rosa, era de farinha, eles cresceram muito, foram lá para o lado de Bertioga, o bairro, né, depois esses começaram a ficar velhos e aí, venderam a firma, mas se mantinham com dinheiro, né?
P/1 – E esses cerealistas aqui, por exemplo, você disse que conheceu o Vicente La Pastina bastante…
R – Ah, La Pastina, olha, La Pastina é amigo meu de infância. O pai dele era um motorneiro, sabe o que é motorneiro de bomba?
P/1 – Sei.
R – E a mãe dele, morava na rua Benjamim de Oliveira, eles sem nada, eles cresceram, eles são uma potencia, ainda hoje, La Pastina era em frente do escritório, sempre a gente conversava, ele era do Lions, ele do Lions do Tatuapé, eu era do Lions de Santana. Vende Arroz, uma firma que só vendia arroz, Osvaldo Meneguetti, Osvaldo Meneguetti, como eu falei, ele foi meu colega de escola no Liceu Acadêmico São Paulo, ele e o irmão dele chamado Ivan. Eles abriram uma filial em Pelotas, ganharam muito dinheiro, Vende Arroz, só vendia arroz. Feijão, feijão teve muita gente boa de feijão. Teve um japonês, Massao Matida, Massao Matida, ele e o irmão dele. Quando entraram, ganharam muito, eles eram inteligentes no trabalho, quando entraram os filhos, foram pra Osasco, caíram e ficaram sem nada. Feijão era muito assim, tinha o Leivinha, na época também ganhou muito. Tem um amigo meu que estudou também no Liceu Acadêmico de São Paulo, Roberto Novaconste, ele tinha o apelido de alemão, porque ele era descendente de alemão, também ganhou muito vendendo feijão. Wilson Solano vendia feijão, o apelido dele era… como chama esse… um bicho feio assim que…
P/1 – Um inseto ou mamífero?
R – Hein?
P/1 – Esse bicho é um inseto ou é um mamífero, que o senhor tá pensando?
R – Não, o nome dele era Wilson Solano, ele tinha um apelido, Quati. Também ganhou muito dinheiro, mas depois, perdeu tudo. Tiveram muitos que ganharam, mas depois, saíram daqui, tinha o Gomes de Oliveira, eu não vi mais ele, não sei o que aconteceu. Tinham uns caras como representantes, também, Cerealista Triângulo, Celso Ferreira e Paulo Ferreira Neto, eram dois irmãos, né? Tinham bastante representações de coisas que tinha aí, né? Cebola era pouco, tiveram muitos caras que trabalharam com cebola, Valverde, tiveram dois Valverdes, eles ganharam muito com cebola e a cebola, vamos supor, um saco de cebola naquela época era dois reais, um real, para você ganhar alguma coisa tinha que fazer muita coisa, né? Um telefone naquela época custava, vamos supor, 20 mil dólares e não funcionava, não funcionava muito. Você, para obter um telefone custava caro. Lá na rua Santa Rosa, 262 pagava luvas para entrar lá e cobrava um valor alto, entendeu?
P/1 – Agora, e a SAGASP, você chegou a trabalhar como contador aqui do Sindicato também ou…
R – Não, trabalhei na Bolsa…
P/1 – A Bolsa de Cereais.
R – A Bolsa me chamou, a gente fazia os pregoes da Bolsa, a contabilidade da Bolsa, muitos anos, tenho carta deles me elogiando e todo lugar grande que dão carta, porque os outros não dão cartas, tenho carta deles me elogiando.
P/1 – E como é que era a Bolsa? Como é que ela trabalhava?
R – Eu conheci a Bolsa, quando era garotinho, eu trabalhei no João Giaquinto, a Bolsa era na Plinio Ramos, era pequenininha, ainda tá lá o imóvel. Quando mudou para cá, a Bolsa tinha um movimento grande, eram três andares, então tinha todos os presidentes que passaram aí, tiveram bons presidentes, teve o presidente que me deu três firmas para… Salvador Firace era inteligentíssimo, que fez a Bolsa crescer. Depois, teve o Antônio Favano, esses aí é só…
P/1 – E a Bolsa era grande? Cresceu bastante?
R – Quando a Bolsa era boa, vinha do Brasil inteiro comprar aqui, telefonava, comprava isso: “Compra tanto que tá faltando”…
PAUSA
R – Tinha um grande cerealista, foi meu cliente desde quando chegou no Brasil, um turco, Ibrahim Farah Najjar, ele tinha a firma “Delta, Comercio e Indústria”, era em São Paulo, na rua Mendes Caldeira com Pelotas, um grande comerciante, ganhou muito, na época, fez muito… aconteceu… no fim da vida, aconteceu… ele perdeu um filho moço, também já cai muito a vida da gente. Acho que faz uns dez anos, o filho dele foi sequestrado, ficou 60 dias num poço com a pedra em cima, sofrendo barbaridade e gastou fortuna para tirar ele. caiu, tinha fazenda para todo lado, vendeu todas as fazendas para cobrir a coisa do filho. Outro grande cerealista também foi um senhor chamado Aldo e o filho dele é Ismar, eles vendiam acho que vinho e arroz para Antártica, só eles que vendiam na época, né, o irmão dele era um contador, Joaquim. Joaquim era um grande contador também da minha época, mas só que ele era contador do irmão fixo, né, grande contador e a firma uma grande firma de milho e arroz. O Ismar também foi sequestrado. Então, se pagou por… tinha o Rielle, também, um cara que era dono lá da esquina, o imóvel inteiro, da Mendes Caldeira com a Benjamim de Oliveira e rua da Alfândega, um povo aí que mexia com arroz e outras coisas mais. Tinha também o Zé Carlos, Zé Carlos da Alca foi um grande comerciante, morreu sem nada.
P/1 – Agora, o La Pastina, ele fazia o quê?
R – O La Pastina é bom demais, ele venceu na vida, os filhos… o pai foi bom, a mãe, o avô, tudo deles, eu conhecia, a gente era amigo, sabia negociar e os filhos,, não tenho amizade com os filhos, mas os filhos parecem ter mais categoria que o pai e que se expandiram bem.
P/1 – Mas o comercio deles era o quê? Era cereais? O quê que era?
R – Ele começou com cereais, o La Pastina, quando era La Pastina, parece que era um cunhado dele, era em frente o meu escritório. Ele saiu de lá, da rua Santa Rosa, ele foi para a rua da Alfândega, me parece que ele comprou… quando eu sai da rua Assunção, que eu tinha ido morar lá, ele comprou várias casas lá e acho que também comprou a casa que eu também morava. Eles sempre foram pontuais, sempre tiveram a cabeça no lugar e estão até hoje.
P/1 – Que outro comerciante italiano o senhor conheceu?
R – Italiano?
P/1 – É, de origem italiana.
R – Tinha muito. Tinham os irmãos Labate, tinha o dono mesmo e tinha o Vitor Labate, você falou de Vitor, né, Vitor Labate, a irmã do Labate, Miguel Labate e tinha… eles tinham uma filha que quem casou com a filha foi um que chamava Nicola Mastrorosa, meu primo. Ele tinha até um apelido, o apelido em italiano, que significa caixão de defunto, ele chamava-se ___01:57:11___ quer dizer caixão de defunto em italiano. Tinha o D’aprile, o D’aprile na rua Santa Rosa, ele começou junto com esse Jorge Afifi Cury, Moinho Fanucchi, D’aprile e uma lanchonete na esquina. O D’aprile foi famoso, até quem… tinha um empregado lá que era amigo meu, o Nardo, jogou no Corinthians, não sei como foi para a Itália, se na redondeza ele não era um grande jogador. Isso aí também deve ser… aqui no Brás deu muito jogador bom, que nem apareceu.
P/1 – Quem, por exemplo?
R – Por exemplo, era amigo meu de infância, o Rafael Chiarella, nós morávamos na mesma rua, a gente era da mesma idade, o pai dele tinha uma fábrica de forma de sapato, sabe, aí na rua Monsenhor de Andrade. Foi acho que um dos maiores que apareceu por aqui. Tinha um que não era muito conhecido, mas jogava bola barbaridade, chamava Mingo Pimentão, tinha um chamado Vito Torta, o que mais tinha era Vito, né? Vito perna torta, sabe? Jogava… jogou no Corinthians e o Corinthians tirou ele, mas ele era o melhor jogador que tinha, Vito perna torta, ele chamava Vito Mourão, o irmão dele também jogava muita bola…
P/1 – Jogava aqui no Brás?
R – Aqui na rua do Gasômetro tinha um que chamava Ferrom que também jogava bem a bola, né, jogou muitos anos em Campinas, que Campinas era… tinha um grande jogador chamado Santinho, que o nome dele era Santo e o Getúlio, que o Getúlio é um cara que faz jogo de bicho agora, os dois foram acho que do Palmeiras, o cara pegou e chamou esse Santinho, o outro dispensou. Esse Santinho falou: “Ou nós dois, ou ninguém”, não foi ninguém. Esse Santinho jogou bola até quando deu, né? Jogava muito bem bola. Ele mora perto da minha casa, mas coitado tá doente. O Santuro, os dois chamavam Santos, sabe? O apelido de um era Santuro porque era italiano e o outro chamava Santinho, esse faz jogo de bicho aí agora.
P/1 – Agora, voltando para os cerealistas, os D’aprile faziam o quê?
R – Vendia arroz. O Valim também, que era encostado nos irmãos Labate, eles vendiam arroz e outras coisas, ele deve ter falecido faz uns dez anos. Era meu cliente, ele vendeu a firma para um rapaz chamado Bartolomeu. Bartolomeu não foi pra frente, acho que era meio parente dele, né? Tinha um ceboleiro lá, chamava Salvador Martins Dias, morreu a esposa dele, um genro dele que era juiz, fez a repartição, repartiu para as filhas e para o filho e para ele, não deixou nada. Ele cuidava, arrumou um aempregada, porque sabe, um cara que tinha uns 80 anos na época, não ia pegar uma moça com 80 anos. Comprou um carro, um filho dele, quando repartiu tudo, saiu dele, ele ficou sozinho, comprou um carro, comprou um apartamento a prazo, com aquela idade, o cara forneceu o apartamento a prazo, depois de um tempo, ninguém vinha visitar ele, nenhum dos filhos, aí ele tinha arrumado uma empregada, não era namorada, nada, eu tinha muita amizade com ele e ela tinha um menino recém-nascido quando ela veio morar com ele. Chegou numa certa altura, a moça falou para ele: “Salvador, vamos embora para Sergipe? Minha mãe tem uma casa lá, eu tenho uma casa que é dela também, que ela vai dar para nós, nós vamos alugar o apartamento aqui em São Paulo e casa nós temos lá, nós vamos morar lá. Vamos levar o meu filho para lá e vamos viver bem. não precisa trabalhar, você já tem muita idade”, ele tinha 96 anos quando mudou para lá. E ele me telefonava sempre: “Vito, vem ai”, eu conhecia o norte: “Vito, vem ai”, você vê como que é a vida, o cara com dinheiro, com tudo, sempre na família… tinha uma firma chamada José Faccioli, também ficou famosa, aí, foram pra frente, né? Tinha o Labate Scatini, que hoje tem os filhos do Scatini, o Zé Labate, eu estudava Direito, um dia eu tava saindo para ir para a escola, ele falou assim: “Vito, vem ai” “Não, eu preciso ir para a escola, eu tenho prova” “Não, vem aí, vem ver só uma coisa, olha, eu fui no médico, o médico falou que eu tô 100% que nem um moço, não tem moço melhor que eu”, eu falei assim… ele chama José Vitor Labate, ele tinha um armazém na rua Santa Rosa. Eu estudava em Mogi de sábado, eu estudava todos os dias da semana, quando chegava na sexta-feira, a gente ficava lá porque de sábado, tinha aula de Medicina e o professor levava a gente no hospital para ver, para explicar, era uma escola muito boa, também. Aí, eu lendo jornal, estava um nome meio diferente, eu falei: “José Vitor Labate? Não pode ser, vi ele ontem à noite, né? Aí quando eu vim para cá, ele tinha falecido. o médico tinha dado o atestado de que ele estava bom, que ele era um garoto, né, ele era muito amigo meu, muito inteligente. O Scattini faleceram, casou com uma moça, os filhos estão aí, um de cadeira de roda, outro… são boa gente, mas…
P/1 – Eles são de que ramo? O Scattini?
R – Antes eles eram donos, agora, eu acho que eles são empregados. Morreu o pai, morreu…
P/1 – Mas é cereais também?
R – Cereais. Tinha o José Fonseca de quando eu moco, trabalhei lá, José Fonseca e João Giaquino. Do lado da benjamim de Oliveira, tinha o Quizinho. Quizinho trabalhou muitos anos, depois ele saiu de lá, não sei como foi. Tinha um português, quando eu casei, que eu fui morar nessa casa, no fundo da casa, um cômodo e banheiro, tinha esses… eram dois irmãos aí na rua Henrique Simões de Paula, dois portugueses, dizem pra mim que foi por causa de religião que acabaram sem nada. Eles tinham um grande armazém aí também na Marginal do Tietê, vou lembrar o nome dele, aí. Eram dois irmãos. Tinha o Chicão, tinha também outros, ele tinha o apelido de Três Cilindros. Uma perna não funcionava muito bem, né, então, ele chamava Francisco Chiarella, ele tinha três andares e também foi meu freguês, dele, dos que saíram, sei lá, Analista Navegador, que era Seu Pedro, seu Pedro morreu, tiveram que vender. O Chiarella também, seu Pedro era genro do Francisco Chiarella.
P/1 – Mas qual que era o ramo dele?
R – O ramo dele era arroz, feijão, milho, era de tudo, viu!
P/1 – Atacado.
R – É.
P/1 – E o Chicão, qual é?
R – Tinham os irmãos Tucci. Os irmãos Tucci já era uma potencia um pouco maior, porque eles formaram até banco. Tinha um banco aí na rua Santa Rosa, esquina com a rua Álvares de Azevedo, eles tinham um banco lá, tiveram umas firmas grandes, acredito que… o Ítalo era meu amigo, o Júlio também, o Zé, que eram três irmãos que trabalhavam. A mãe deles morava em cima, na esquina da rua Santa Rosa, num prédio bem acabado agora.
P/1 – Esse Chicão…
R – Tinha aquele também, o Scaliuri, também tinha o Vitor Scaliuri. Tinha o outro que estudava comigo, eu não me lembro o nome dele porque ele faz muito tempo. Tinha um que eu acho que ele é também daqui, o ___02:0808___, era uma firma famosa. Esse rapaz que tem aí, o médico daqui é o __02:08:19___. Outro dia perguntei para ele assim: “Seus filhos estudaram no Clube Tietê?”, Clube Tietê também teve uma escola fora de série, viu! Ele falou: “Não, não tive, não”. Mas eu sei que um dos filhos dele, que era meu conhecido foi morar na zona norte e os filhos dele estudaram junto com os meus filhos também no primário, né?
P/1 – Esse Chicão que você tá falando, ele é da Benjamim de Oliveira?
R – Quem?
P/1 – Chicão.
R – Chicão? É, da Benjamim… não, Chicão tem dois. Tem um que é da rua do Luca, esse Chicão, o pai dele era esse Labate que eu falei, também foi meu cliente o Chicão. O outro Chicão que teve foi na rua Benjamim de Oliveira, o mais famoso é o Chicão da rua Benjamim de Oliveira, que comprou o imóvel desse Francisco Chiarella, que ficou de herdeiro… o seu Pedro, o seu Pedro e outros herdeiros venderam para ele, para esse Chicão.
P/1 – E esse Chicão, da Benjamim de Oliveira, ele vem da onde?
R – Ele tá aí até hoje.
P/1 – Ah é?
R – Tá aqui até hoje. É que ficava junto com esse que eu falei, Wilson Salomão Paes, esse Wilson Salomão ficou famoso, depois caiu. Na Benjamim, também tem o… como ele chamava? Tem o… eles eram dois… Giovanni, eles tinham uma firma que chamava Real e outra firma era o sobrenome dele, morreu num navio, ele ia comprar mercadoria, né, morreu no navio, o Giovanni Pesce. Outro chamava… outro irmão dele era… difícil, viu/ Vou lembrar o nome dele. Agora, quem está é o filho dele, o Ângelo, Ângelo Pesce tem armazém na zona cerealista. Ainda tem, eles eram importadores de bebidas.
P/1 –Agora, de todos esses assim, a Pastina era o maior amigo seu, você diria?
R – Eu acho que atualmente… agora, tem um grande também que chegou… tinha Hugo Saporitto começou. Agora, quem deslanchou mesmo foi o genro dele, o… como chama lá? Francesco Paolo Lo Schiavo, você conhece? É deles aí, esse cresceu muito, agora.
P/1 – Não, mas eu digo que era mais próximo do senhor, quem que era… quais eram os mais próximos do senhor…?
R – Na época?
P/1 – Hoje, na época.
R – Hoje, é o Lo Schiavo, é o Francesco Paolo Lo Schiavo, porque sabe, eu tô com ele há 30 anos, os outros, os mais antigos morreram, já.
P/1 – E o Lo Schiavo é de que setor?
R – Bebida. Ele tem uma firma de bebida e tem uma firma de imóveis. Antigamente, eu sempre fiz isso como contador, sugeria montar firma… não montava as firmas papai move, né, naquela época, ninguém entendia. Eu sabia… eu mexia muito com S.A, porque eu sempre trabalhei em firma grande, fazia ata, fazia cisão, fusão, fazia de tudo e o pessoal, ninguém conhecia nada, por isso que eu fazia isso aí, eu me desenvolvi… o que eu achei, onde eu ganhei dinheiro foi com esse Agenor Alves de Araújo, nós éramos dois amigos de infância, ele foi representante comercial, mas nós ganhamos dinheiro comprando imóveis e vendendo imóveis. Aurelino também. Aurelino é representante, foi comerciante de arroz, feijão, ainda ele tem firma, né, esse também. Conheço ele há uns 60 anos. Foi um grande vendedor de feijão, vendia feijão, tudo pessoal aí de muitos anos, tem muita freguesia. Esse Aurelino é um que ainda vive até hoje e tem firma na rua Santa Rosa, é meu cliente.
P/1 – Aurelino Soares da Silva?
R – É. Assim de momento, vai dando alguma luz, vou lembrando… porque tem muitos mais.
P/1 – Mas eu queria fazer uma pergunta…
R – Esse seu Hugo, que eu conheço ele, há uns 70 anos.
P/1 – Saporitto?
R – É, o sogro do Paolo. Ainda tá vivo.
P/1 – Hugo Saporitto?
R – Hugo Saporitto.
P/1 – Entendi. E ele é comerciante de quê?
R – Ele era também, de todos os tipos de cereais, né, era cereal na época.
P/1 – E agora, uma pergunta mais geral, o senhor acha que mudou muito a zona cerealista desde que o senhor começou?
R – Mudou. Mudou várias vezes. Olha, vamos supor, na rua Santa Rosa, começou, tinham artistas de cinema, tinha locutor que morava ali num sobrado da rua Santa Rosa, quer dizer, tinha de todos os tipos, tinha aquele prédio, um prédio grande que tem lá, hoje, não é frequentado por muita gente, mas muita gente casava e ia morar lá, entendeu? Então, era uma coisa assim, tinha mais casa, era tudo misturado, né? depois, ficou só armazéns. Hoje, você pode ver assim, tem muita gente que só vende para entregar via internet, né, as coisas vão mudando, né? Uma época, aqui, eu tinha até a carteirinha, ia mudar para o Ceasa. O Ceasa, quando começou, 50, 60 anos atrás, todo mundo esperava ir para lá, depois mudou, né? Até o Ceasa, agora, estão querendo mudar ele de lá. Aqui, por exemplo, assim, é que esse pessoal, os comerciantes nunca foram, assim, unidos. Por exemplo, aqui, onde foi feito o Lar Center era tudo terra, que eu falei que enchia de água. Se esse pessoal daqui, eu dei muitas vezes sugestão de ir para lá, levava tudo isso aí, fazia armazéns legais, tudo em ordem, é o que o cara ganhou, o Bongarda, o Bongarda fez aquilo e vale uma fortuna, né? Entrava aqui, o pessoal pensava nele, né, é que nem nosso governo hoje, né, um cara teve a coragem de me falar que o lula não rouba, ele só é bêbado, mas que faz os dois, né?
P/1 – O senhor viu também mudar, por exemplo, as ruas…
R – Isso aqui que eu falei não manda…
P/1 – O senhor viu começar, o senhor viu carroças andando, transportando também? Caminhão, essa mudança?
R – Caminhão aqui, caminhão antigamente, chegava caminhão de monte. Eu sou de uma época que no existia caminhão, vinha carroça a burro, pegava quatro burros, seis burros e o cara enchia as carrocinhas atrás e corria, né? No Largo do Pari tinha água para os cavalos beberem, água de lá, era um movimento tremendo. Depois, vieram os caminhões. Caminhão chegava com mercadoria e levava outra mercadoria, chegava outra… era um movimento tremendo, né?
P/1 – E você chegou na ver alguma enchente aqui no Brás?
R – Tiveram várias, várias! Teve enchente que você não conseguia… tinha gente que vinha na enchente, vinha de galocha até aqui, outros vinham de carrinho pegar gente, enchia muito. Depois quando arrumaram um pouco o rio, as enchentes começaram a ir para lá, aí foi por… aqui, vamos supor, perto do Campo de Marte, começou a dar enchente lá, travessa da Voluntários, deu muita enchente depois que tiraram… e agora, tá dando um pouquinho de enchente também aí.
P/1 – Mas o senhor enfrentou alguma que foi muito difícil? Você viu o pessoal perdendo muito alimento?
R – Muita mercadoria, teve gente que perdia tudo. Tinha um cliente na rua Benjamim de Oliveira, ele mudou daqui porque ele perdeu tudo em enchente. Era um sírio, né, ele foi ser corretor em São Vicente de imóvel, um dia encontrei ele lá, ele me contou: “Não tenho nada, eu vejo um cara vendendo um apartamento, arrumo um para comprar, vou ganhando um dinheirinho, não sofro enchente, não sofro nada”. Teve gente que perdeu muito dinheiro, viu! Eles perderam muito.
P/1 – E quem morava aqui, também perdeu muita coisa?
R – Eu morava numa época em que tinha enchente, casa então era pior, a fotografia que a gente tinha dos meus pais, da minha mãe, tudo, uma enchente levou tudo! Não temos fotografia assim, de coisa, porque foi tudo a enchente. Na rua da Alfandega e Álvaro de Azevedo também era enchente tremenda. Aquilo ficava uma mistura… uma firma do Matarazzo tinha milhares e milhares de funcionários, os italianos vinham tudo para cá para ser funcionário dele aqui, vinham para o Brasil e ficavam aí. Deu enchente também.
P/1 – Agora…
R – Também, cara daqui, onde eu morava, na rua Assunção, tinha uma vila atrás, que o La Pastina comprou, tinha a mãe… esse restaurante que tem lá na Avanhandava, como é que chama?
P/1 – A pizzaria?
R – Hein?
P/1 – Um restaurante na Avanhandava.
R – É tudo dele, agora, pizzaria, um francês, tinha o Gigetto e depois, tem o outro, como é que chama? Valter Mancini ele chama.
P/1 – Sim, Famiglia Mancini.
R – Famiglia Mancini, morava aqui nessa onde eu morava, na rua Assunção, atrás, era uma vila que saía na rua da Alfândega, ele morava lá, esse… foi a mãe dele que fez tudo isso aí, a mãe dele cozinhava bem, fazia, hoje ele é… ouvi dizer que ele comprou também o ponto do Gigetto. Ele tem em frente, na esquina, tem a pizzaria que é dele, pessoal que trabalhou, né?
P/1 – Agora, me conta assim, explica pra gente que não conhece muito o trabalho de contador, qual que é a importância de um contador, assim, para um cerealista, por exemplo? Por quê que ele precisa de um contador? O quê que o contador vai fazer?
R – Um contador, primeiro, precisa ser de confiança. Segundo, ele precisa ter vontade de ser contador, é muita lei, muita lei, muita lei. Na minha época, os empregados que a gente pegava eram tudo de confiança e cara que trabalhava e que conhecia o serviço. Então, a gente podia se basear naqueles números que eram certo. Hoje, os caras para trabalhar é ouro. Então, contador que se aperfeiçoava era aquele que chegava até conhecer bem as S.A. As S.A é porque o camarada estudou, o camarada sabia de tudo e tinha a prática de tudo, porque tem que fazer como se junta duas firmas, como se separa duas firmas, imposto, diminuindo imposto, entendeu, mas tudo dentro da lei. A contabilidade, o camarada tem que entender de contabilidade comercial, industrial, bancaria, cada um é um tipo, tem vários tipos de contabilidade. Você precisa saber tudo porque se aplica todos em um. Se você tem um comercio, você tem que saber economia. Se você tem uma indústria, você tem que saber a parte industrial, que é o mais importante. O que você coloca como despesa que é indiretamente, mas fica no custo da contabilidade. A despesa bancaria, ela influi muito na contabilidade, porque quem tem dinheiro pode comprar e vender mais barato, quem não tem dinheiro, tem que botar o valor dos juros que ele paga. Então, tudo isso tem uma série de coisas, tudo tem que analisar, o contador tem que saber analisar, não é só fazer a contabilidade, ele tem que saber explicar, orientar o cliente também como fazer, como não fazer, né? Hoje em dia, o camarada só se aprende a contabilidade, ele não sabe dar uma opinião, ele não sabe lei, e como tem muita lei, ele não sabe 10% das leis. E hoje, tem muita não entrega disso, não entrega daquilo, então, quem tem escritório de contabilidade, se ele não tiver em cima, ele vai pagar só multa, né? E as firmas também a mesma coisa. Tem muitos contadores aí embaixo, meus amigos, que eles vêm perguntar: “Seu Vito, o senhor que é mais antigo aí, como que é… me explica isso, me explica aquilo?”, a gente é bem ligado, a gente orienta todos eles, são tudo meus amigos de muitos anos.
P/1 – Entendi. E chegando no final agora, qual que é a sua relação com a SAGASP e desde quando ela tá aí? O quê que você acha do sindicato?
R – Ah, ele tá desde o inicio, né, de quando comecei, ele já existia. É essencial, né, que teve uma época que ficou assim, não só a SAGASP, todos os sindicatos parece que ficaram em dúvida se iam cobrar a mensalidade ou não, ficou uns tempos fora do espaço, né, agora que tá retornando de que cada um. Porque tem uma afinidade, tem muitas pessoas que acha que não é, é a mesma coisa, se você sente alguma coisa, tem que ir no médico, não é verdade? Se você quer ter uma firma, você vai no sindicato, ele tá a par de tudo, não é verdade? De uma coisa, da outra… outra também, o sindicato, antigamente, era mais útil porque vinha um do outro, um trocava ideia, outro fazia assim, um conhecia daqui, outro conhecia de lá, o cara ia se juntando de gente e botando mais negócios a funcionar, né?
P/1 – Então, o sindicato sempre foi uma referência?
R – Foi, sempre uma referência. Igual a Bolsa, também, de Cereais lá embaixo, né, sempre foi uma referência. Agora, ela tá parada, por quê? Qualquer estado tem Bolsa, qualquer cidade tem Bolsa. Eles não vêm mais aquela multidão tudo aí.
P/1 – Vinha todo mundo do Brasil para a Bolsa de Cereais daqui?
R – É. Você vê, a Bolsa… tinha uma casa lá na rua onde eu moro, de 1500 metros, dos associados, formaram 53 pessoas e naquela época não tinha assim, piscina em clubes, na casa tinha. Então, você era sócio, você sócio, todo mundo era sócio, todo mundo contribuía. E eles, fim de semana, iam nadar na piscina, davam uma festa, a casa era grande. No fim, foi diminuindo, eles venderam. Pegaram um bom dinheiro, né?
P/1 – Qual que é a diferença entre a Bolsa e a SAGASP?
R – A SAGASP orienta os associados, a Bolsa vendia mercadoria, por exemplo, eu tenho uma fazenda, eu produzo arroz: “Eu tenho 100 sacos de arroz, 100 sacos de feijão, tem isso…”, aquilo vendia, não orientava nada, só ficava prático no comercio que ele faz, né?
P/2 – Qual que era a época em que a Bolsa era mais importante, assim, por volta de que ano?
R – De uns dez a vinte anos atrás…
P/2 – E a movimentação econômica era bem grande, né?
R – Bem grande!
P/2 – Era importante?
R – Era importante. Fizeram esse prédio, deram tudo pra… tinha um outro pessoal comerciante, né? Também no ramo precisa ter isso, o cara conhecer uma coisa, conhecer outra, né?
P/1 – Como é que estão os negócios hoje, os seus clientes cerealistas, eles estão tirando lucro? Como é que tá hoje?
R – Hoje, o lucro caiu bastante. Só quando sai alguma coisa nova, né, de…
P/1 – Produto de…
R – Que nem, um rapaz ali, um amigo meu de muitos anos também, mora lá no meu bairro, vende grãos, vários tipos de grãos que servem para o cara não engordar, para o cara… pra saúde, né? Tem um movimento, né? E os outros estão vendendo aí mais barato do que supermercado para poder vender, né?
P/1 – Então, tem esses orgânicos e os atacadistas ainda estão aí?
R – É. Você pode ver, esse supermercado que foi para frente, fora que ficou foi o Sonda. Eu tive bastante cliente de supermercado, o Tóquio no bairro lá da… como chama lá? Do… Depois do Belém, que eles eram… O supermercado Tocha lá no Tatuapé pra frente, o Gomes teve várias. Teve o Toshio, eu fazia contabilidade desse supermercado, vendia muito. Vendia muito. Depois abriram os supermercados grandes, né, e eles foram engolindo esses pequenos.
P/1 – Entendi. E qual que é o futuro da Zona Cerealista para o senhor, o que você acha que vai acontecer?
R – Aqui, já se fala há muito tempo que a Zona Cerealista ia terminar, porque praticamente, tá tudo vai direto, né? Os que tem aqui, agora, só vendem de miudeza, não tem mais atacado aí embaixo. Você vê, o prédio onde eu tinha escritório, 262, eu mudei pra cá faz mais de… uns 48 anos, ou 50 mais ou menos. Eu tava lá na rua Santa Rosa, fiquei muitos anos lá. Hoje, o prédio tá fechado. Aqui também, nessa temporada começou… agora que parou um pouco, os coreanos invadiram aí o prédio, pagavam… você não vendia uma sala aí por oito mil reais, não tinha quem comprasse. Hoje, não tem quem vende por 250. Dois, três anos, viu! Agora, os coreanos pararam um pouco, não sei o que vai acontecer também, né?
P/1 – Entendi. O panorama é mais ou menos esse, então?
R – Hein?
P/1 – O panorama é mais ou menos esse, então?
R – É, o panorama é esse. Aqui, por exemplo, na São Caetano, você viu que já é um ramo diferente e é bem pertinho, hein? Vende máquina, vende tecidos, vende produtos de horta, vende noiva, vende outros tipos, né?
P/1 – Entendi.
R – Igual a 25 de Março, era só tecidos e meias. Hoje é bijuteria, tem um monte de coisa, né?
P/1 – É. Agora, o senhor tá com quantos anos, hoje?
R – Hoje, eu vou fazer o mês que vem 86 anos. Eu nasci em 30, né?
P/1 – E o senhor pensa em algum dia parar de trabalhar?
R – Eu acho que o trabalho que te dá alegria para a gente e faz viver. Porque eu levanto todo dia com vontade de trabalhar, eu fico em casa, eu trabalho. Eu nado desde moço, eu faço ginastica. Em 2014 eu fiquei sem fazer ginastica, eu cai e machuquei a costela, fiquei sem fazer ginástica. Me fez uma falta! A gente se sente outra pessoa. Eu trabalho à noite em casa, eu faço as declarações dos meus amigos e meus parentes todos. Eu gosto de trabalhar e eu não pretendo parar, lógico, que a gente vai diminuindo um pouco, né? Nunca briguei com ninguém como cliente, como serviço, como empregado. Vamos supor assim, uma ocasião, no meu trabalho, eu fui obrigado a estudar Psiquiatria. Psiquiatria é muito bom, eu não sabia, pra gente lidar com os outros. Então, como eu tenho a minha nora que é psicóloga, minha neta psicóloga. Eu levava… eu tinha um amigo que foi um grande médico, Donato Jurandir Friguglietti, ele foi um dos maiores médicos na época, neurologista. Então, eu arrumava na época para ele muitos clientes que tinham problemas, transtorno mental, essas coisas, porque muita gente não sabe o transtorno mental tem coisa tão simples, que a pessoa não sabe o que vem na cabeça. Ninguém sabe, por exemplo, você pode… capaz de nenhum de vocês três saberem, que o cara que é gago, ele tem problema mental. Você sabia? Sabia que…? Então, e tinha até um nome, quem é gago, o nome do gago na Psiquiatria é Tartamudez. Tartamudez é a pessoa que é gago, ele tem esse problema. Então, isso aí ensina muito o falar, conforme uma pessoa fala, você sabe o que a pessoa tem, estudando isso, né? Por exemplo, uma pessoa que fala assim: “Meu querido, um beijo, não sei o que lá… amor…”, com homem assim, com tudo assim, o cara é doente, ele não sabe. Por essas coisas é que eles ficam sabendo o que a pessoa tem. Então, não vou contar tudo isso aí que é muita coisa. Eu sei de tudo dessa parte aí, eu sei de tudo, porque eu fui obrigado a estudar para não ser engolido, entendeu? Hoje, eu vejo o quanto que valeu pra mim. Tudo isso, as escolas são tudo grátis, Santa Casa, frequentei muito a Santa Casa, tudo grátis. Hospital das Clinicas, como chama lá, aquela faculdade maior de… que tem todos os cursos… e tem muitas ONGs por aí que ensinam tudo isso grátis, para você não fazer isso, não fazer aquilo. A pior doença que tem em Psiquiatria é o cara que tem transtorno de personalidade. Transtorno de personalidade faz as piores coisas que tem que ter, só sabe mentir, só sabe enganar, só sabe fazer quadrilha de bandido e uma outra coisa pior, que não vou falar senão vai ficar gravado, né, e é o que tem demais, a turma fala de bipolar, bipolar é fichinha perto desses caras. Mas vamos tratar do nosso… tem mais alguma coisa?
P/1 – Eu queria perguntar agora para o senhor quais são os seus sonhos para o futuro.
R – Os meus sonhos para o futuro, eu sempre quis ter os meus filhos estudados, consegui. Tenho um filho que estudou até demais, né? Pena que ele foi embora cedo, quando ele faleceu eu falei para a minha esposa: “Ele foi no outro mundo já levantar para nós as coisas lá”, muito educado, muito inteligente, muito trabalhador, não é que os outros meus dois não são, os outros filhos são. Me deram seis netos. Só falta o último ser formado em Medicina, que vai se formar o ano que vem, que tá no quinto ano, tem 23 anos. Entendeu? Agora, o bom da família, que eu falava para o meu filho, que eu me sinto bem de saúde: “Filho, eu vou chegar até os 130 anos”, ele falou: “Pai, você vai ficar sozinho, porque ninguém chega lá, né?” Nós não vamos chegar lá e a gente vê, ele que falou, coitado, foi embora primeiro. Agora, o que eu quero é que nas famílias, a gente… como eu quero na minha família, na família dos outros, a gente se dando bem, sendo unido, a gente constrói uma família legal, do bem, não falar de ninguém, não meter o pau em ninguém, não roubar ninguém, né? Crer em Deus, nós temos Deus que ajuda todos nós. Quem merece, Deus ajuda, quem não merece Deus orienta, entendeu? Eu quero pra mim trabalhar sempre, viver com a minha família, com os meus filhos, gosto de quando… quando um neto meu se forma, faz uma coisa boa, alguém na minha família faz alguma coisa boa, faz um aniversário, faz uma festa entre nós na minha família, eu gosto disso aí, viu! Já falei desde o começo. Nasci dia 24 de maio, fui registrado dia oito, faço festa todos esses dias. Minha esposa, não que a gente vai gastar o dinheiro por aí, minha esposa faz uma comida que eu gosto, uma coisa que eu gosto. Isso nós vamos levando, né? Nunca bebemos, nunca fumei, bebo alguma coisa muito simples, comecei a tomar uma bebida, cervejinha quando tinha 35 anos. Passo tempos e tempos sem beber, isso só faz mal para a saúde, né? E assim, todos os amigos que eu tive aí, nunca ninguém… até hoje me procuram. Tenho cliente desembargador, juiz, tem de tudo, porque quando eu estudei, fiz amizades com eles, um mora aqui, ele vem, me procura, sabem que a gente é correto, é direito, né? Tô aqui no pedaço, nasci em 1930 e tô até hoje, né? E gosto de Deus, gosto de trabalhar, não tenho ideia de largar. Tinha ideia assim, por exemplo, de às vezes, tirar um mês de férias, faz uns cinco anos para cá que e não tirei mais férias, porque tive que cuidar das coisas que a gente tem, porque tem muito cara esperto, né? Tem muito cara esperto, você pode dar para quem quiser tudo, mas o cara quando gosta de roubar, você pode dar tudo que você for para ele, ele te rouba. E quem mais você ajuda é o que mais rouba da gente. Pela experiência minha e dos outros que eu vejo. Quem tem vontade de trabalhar, Deus ajuda e Deus dá as coisas na hora certa pra gente. Por exemplo, na idade de vocês, quase eu não tinha nada, Deus me deu numa época certa, eu só acredito em Deus, sei que Deus existe porque ele chega na cabeça e fala as coisas pra gente fazer, né? Não sei, se eu tô sendo argumentado hoje, que a gente não é uma pessoa má, não é? Se eu fosse um cara mau, ninguém ia me indicar, não é verdade?
P/1 – É.
R – E assim serve para vocês. Tô vendo que os três têm o mesmo caminho… eu respondi as coisas de mim mesmo, não fui… ninguém me falou: “Não é assim, não”, vocês só ficaram escutando o que eu falei, o que vocês me perguntaram, eu respondi e tem muitos outros aí, que vamos supor, que eu poderia falar, mas é que a gente no momento, assim, fica meio…
P/1 – E o quê que o senhor achou de contar um pouco da sua história pra gente?
R – Eu fiquei feliz, né, porque não esperava isso. Eu esperava lá embaixo em cada lugar, falar com um, com o outro, porque são todos meus amigos. Por exemplo, às vezes, chego na clinica do meu filho, um médico me apresenta um paciente: “Acho que eu conheço você” “Não, você não me conhece, eu não sou do bairro, sou lá da Zona Cerealista”, eu falo: “É da Zona Cerealista que eu te conheço, você não é fulano de tal? Você sabe quem me apresentou você? Foi meu cliente”, o Dorinato foi também um cara de feijão aí antigo e tá vivo até hoje. Esse Dorinato, o que ele me apresentou de cliente, viu! Por quê? Tudo quando você sabe que uma pessoa é boa e assim, chega muito na clinica do meu filho.
P/1 – Foi bom, então?
R – Foi bom. Vou ver se eu te arrumo… última vez que eu vi todas essas fotografias que eu tenho do escritório foi o meu sócio que levou quando ele fez 70 anos, depois eu não vi mais. Ele disse que me entregou, não me entregou. Eu vou pedir para ele, agora vou forçar para ele dizendo que vocês me pediram essas fotografia. Porque olha, na fotografia, tem o barbeiro da zona, que a gente fazia uma festa no fim do ano, vinha todo pessoal amigo, os barbeiros, os amigos, ex-funcionários, esse meu amigo que tudo que eu tenho eu devo a ele, Agenor Alves de Araújo, entendeu? Então assim, de repente, você perde tudo as fotografias!
P/1 – Entendi.
R – Eu deixava tudo num lugar, quando fui ver, não vi mais lá. Aí, eu vi lá quando ele fez 70 anos, né? vou pedir para ele.
P/1 – Tá bom.
R – Tá bom?
P/1 – Tá bom. Obrigado, viu, seu Victor.
R – Vocês desculpam, se alguma coisa eu me lembrar mais, eu falo com vocês.
P/1 – Tá bom. Obrigado, foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
R – Por exemplo, muita gente gostava desse negócio de ____00:45:07___, que ele tinha esse programa, um cara de táxi, que ele pegava o passageiro e falava umas besteiras para a pessoa rir, era tudo de rir. – Página 10.
R – Meu primeiro cliente foi esse sírio da rua Álvares de Azevedo. Ele tinha uma firma, ele chamava __01:06:55__ e um irmão dele chamava Nicolau, ele me falou: “Olha, você abre uma firma para mim”, eu trabalhava, eu abri uma firma para ele na hora do almoço, a Secretaria da Fazenda era aí, em frente do Correios, naquela época. Foi esse Nicolau ___01:07:18__, chamava. – Página 15.
Aí, chamaram um senhor que ficou interessado em comprar, aí o cara chegou lá, não deram certo nos preços, o quê que o cara fez? Falou: “Vou tirar a ___01:11:41____ de lá, o cara não tem mais ninguém que toma conta e aí, eles vão baixar o preço”. – Página 16.
Ele tinha até um apelido, o apelido em italiano, que significa caixão de defunto, ele chamava-se ___01:57:11___ quer dizer caixão de defunto em italiano. – Página 23.
Tinha um que eu acho que ele é também daqui, o ___02:08:08___, era uma firma famosa. Esse rapaz que tem aí, o médico daqui é o __02:08:19___. – Página 25.