Ajussimeire é uma educadora entusiasta e que acredita que sonhos podem ser concretizados. Em seu depoimento, Ju, como é conhecida, lembra como pai era violento e como a mãe acabou por separar-se dele. Fala sobre sua infância em Osasco, seus sonhos e o desejo de ser professora. Ju se lembra da luta para cursar o magistério e dos primeiros empregos que teve. Com grande paixão discorre sobre a ONG que dirige, a Quintal Mágico. Diz como a mãe a ajudou a reformar o espaço, como começaram timidamente a receber crianças do bairro onde moravam e como esse trabalhou transformou a vida da comunidade. Por fim, fala sobre a verba que conseguiram via edital do Projeto Criança Esperança.
Histórias de Esperança - 29 anos do Projeto Criança Esperança (HECE)
Transformando sonhos em realidade
História de Ajussimeire Benfica Santana
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 14/08/2014 por Rosali Henriques
Museu da Pessoa Conte Sua História, Histórias de Esperança,
29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Ajussimeire Benfica Santana
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo 30/07/2014
Realização Museu da Pessoa
HECE_HV007_Ajussimeire Benfica Santana
Transcrição Paula Junqueira
P/1 – Ju, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Ajussimeire Benfica Santana, nasci em Osasco, no dia 15 de dezembro de 1973.
P/1 – Ju, seus pais são de Osasco?
R – Não, a minha mãe é do interior de São Paulo e meu pai era da Bahia.
P/1 – Qual lugar do interior de São Paulo?
R – Se eu não me engano é Sorocaba.
P/1 – E os pais dela?
R – Os pais da minha mãe, a minha avó e meu avô são mineiros, de uma cidade próxima de Varginha.
P/1 – E por que eles vieram pra São Paulo? Ou quando vieram foi sua mãe que veio?
R – Não, eles vieram. Eles vieram pra São Paulo pra tentar a vida, como acho que maioria das pessoas que moram em cidades afastadas. Naquela época as pessoas mudavam muito de casa. Minha mãe conta que meu ele avô era tipo cigano, eles viviam mudando, aí eles vieram morar uma vez, acho que em Sorocaba, não veio pra Osasco, de Sorocaba a minha mãe conheceu meu pai, eles se casaram.
P/1 – Se conheceram em Sorocaba?
R – Eu acho que foi em Sorocaba.
P/1 – O que o seu avô fazia? O pai da sua mãe.
R – No inicio, na juventude dele ele trabalhava em fazenda, chácara, plantava, colhia, essas coisas, agricultor. E depois o meu avô era pedreiro. Ele trabalhava de pedreiro.
P/1 – E a família do seu pai?
R – A família do meu pai eu não sei muita coisa, assim, eu sei que o meu pai, ele sempre trabalhou empreiteiro de obra, ele era pintor, pintava casas, não pintor de quadros. Pintava casas e a família do meu pai eu não sei muita coisa assim, porque a gente na nossa família acaba falando mais da família da minha mãe do que da família do meu pai. Então eu não tenho muita referência assim, que eu saiba.
P/1 – E seu pai saiu com quantos anos da Bahia?
R – Bebezinho, não sei, acho que deveria ter um ano, até antes.
P/1 – E mudou pra onde?
R – Pra São Paulo.
P/1 – Pra Sorocaba?
R – Então sabe que eu não sei, agora você perguntou eu fiquei pensando será que é? (risos) Acho que é também, não sei. Sei que a minha mãe conheceu meu pai ela tinha uns 26 anos, porque a minha mãe se casou com 27, e a minha mãe casou com o meu pai e veio morar em Osasco. Dai logo que eles se casaram...
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Ah, eles se conheceram na igreja. Na igreja que a gente frequenta.
P/1 – Que igreja que é?
R – Na Congregação Cristã do Brasil. Eles se conheceram lá na juventude, a minha mãe conta que eles se conheceram, daí já começaram a namorar, só que antigamente o namoro era muito diferente de hoje em dia. Lógico. E dai logo se casaram, assim, foi muito rápido. Não foi uma coisa de anos, assim, foi meses, eles namoraram e casaram.
P/1 – O que seu pai fazia naquela época?
R – Ah, eu não tenho bem certeza, mas eu acho que meu pai já trabalhava de pintor em obras assim.
P/1 – Trabalha desde pequeno?
R – Meu pai? Sim. Não estudou, desde muito cedo ele já trabalhava. A minha mãe também, a minha mãe, eu falando assim, a minha mãe eu sei que ela frequentou a escola três dias, no terceiro dia ela chorou muito e aí ela falou pro meu avô: “Ah eu não gostei, lá é muito assim, muita criança”, aí meu avô, “Ah, então não precisa ir mais”. Então minha mãe só foi três dias na escola. Mas minha mãe nunca trabalhou em empresa pra fora, ela sempre trabalhou em casa. Primeiro ajudava na lavoura. Então, na colheita de arroz, trigos, essas coisas, café e depois a minha mãe aprendeu a ser costureira, e ela passou a ser costureira, costurou até uns 15 anos atrás, ela era costureira, hoje em dia ela trabalha também de voluntária na Instituição.
P/1 – E seu pai e sua mãe se casaram, por que eles vieram pra Osasco?
R – Eles vieram pra Osasco pra trabalhar também, meu pai, acho que a família do meu pai já morava em Osasco. E eles, da parte que eu sei eles foram morar numa chácara num lugar chamado Jardim Turíbio em Osasco, que antes em Osasco era tudo chácara assim. Eles moravam lá, eles tinham uma vendinha, a minha mãe fala que é “Secos e Molhados”, que chamava lá na época. E a minha mãe trabalhava nessa venda e meu pai continuava trabalhando em casas, pintando as casas e tal.
P/1 – E você nasceu em Osasco? Nessa casa?
R – Nasci em Osasco. Não. Daí eles saíram desse bairro, foram pra outro bairro vizinho, que é onde eu moro até hoje, que é o Jardim São Vitor, só que eles moravam em uma casa, eles compraram uma casa própria, que é uma rua próximo da rua que eu moro até hoje, que é a Rua Brasília, daí quando eu era bebê a minha mãe já trocou de casa, comprou essa casa que a gente mora até hoje.
P/1 – Como é que era essa sua casa?
R – A primeira casa que eu morei?
P/1 – É.
R – Ela existe, então eu conheço, eu vou muito nessa casa, uma casa bem simples, quatro cômodos assim, banheiro tudo, uma frente bem grande e eles mudaram pra casa atual que eu moro até hoje.
P/1 – Com quantos anos você mudou?
R – Ah, minha mãe conta que eu era bebê, eu tinha uns nove meses.
P/1 – E como é que é essa casa que vocês mudaram? Que é até hoje?
R – Que é atual? Eu vou falar como ela era antigamente, antigamente ela não tinha portão e eu lembro bem que tinha uma escada pra gente subir, porque meu pai construiu a casa no fundo, em vez de construir na frente, então pra você chegar até a casa você tinha que subir uma escada, que era de barro, e a gente adorava porque quando chovia ou mesmo quando não chovia, a gente pegava água, e era argila, então a gente fazia panelinha, tudo de barro, isso não sai da minha memória. E a gente subia essa escada e tinha a casa da minha avó, que era mãe do meu pai, e depois uma rampa pra ir na minha casa, e a minha casa era uma casa que tinha oito cômodos, dois banheiros, então já era uma casa bem grande, bem legal.
P/1 – E quem que morava na casa?
R – Meu pai, minha mãe, eu e minhas três irmãs.
P/1 – Você é a mais velha?
R – Eu sou a mais nova, eu sou a caçula, nós somos quatro mulheres.
P/1 – Quantos quartos tinham?
R – Quatro quartos.
P/1 – Cada uma tinha um quarto?
R – Não, era assim, (risos) tão engraçado, se vai perguntando dá vontade rir, na parte de baixo dormia meu pai e minha mãe, no quarto de casal, em cima tinha um quarto que dormia minhas duas irmãs, as duas mais velhas, as duas primeiras filhas, num outro quarto dormia eu e a minha irmã do meio, e tinha um outro quarto que eu não sei pra que lá, um dia acho que alguém ia usar, e tinha um outro que era uma sala de TV, porém, não tinha TV, tá? (risos). Acho que a ideia do meu pai de fazer. Acho que ele ia muito em casa de gente rico, sabe? Tipo, uma casa planejada, então ele fez uma casa pensando nisso. Pior que deu certo depois que ficou uma casa legal, que ficou uma casa grande pros filhos acomodar.
P/1 – E como que era na sua casa? Quem exercia a autoridade, seu pai ou sua mãe?
R – Meu pai. Meu pai, é assim, a minha mãe era mais de conversar e meu pai era uma pessoa totalmente autoritária. Eu não sei se ele era autoridade, mas ele era muito autoritário, então a gente tinha uma relação de medo com ele. Mas era isso.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe não, a minha mãe era mais de conversar, de brincar, meu pai também quando ele tava na vida boa, digamos assim, dava pra fazer isso. Mas a gente viajava, saia muito junto a família.
P/1 – Vocês comemoravam festas na sua casa?
R – Muita festas, a minha casa sempre foi uma casa de muita festa, tudo é motivo até hoje pra festa.
P/1 – Quais festas vocês comemoravam?
R – A gente sempre comemorou, por exemplo aniversários, nem se fosse pra fazer um bolo pra tomar Kisuco, mas tinha, a minha mãe sempre fazia. Festa de fim ano, Natal, a gente nunca comemorou, devido a religião, mas a gente comemorava ano novo, ou se não, não era aniversário de ninguém, era aniversário de um amigo do meu pai e faziam a festa na minha casa, ou ah, filha do fulano comemorava na minha casa, então era uma casa que era bem frequentada, ia bastante gente, era bem animado.
P/1 – E quais eram suas brincadeiras de infância?
R – Ah, eu brincava muito na rua, muito na rua mesmo, brincava de amarelinha, cinco Marias, que é aqueles saquinhos que você joga, brincava dentro de casa, a gente brincava de forca, palavra cruzada, tinha um joguinho que as minhas irmãs ensinou a gente jogar que desenhava num caderno, numa ponta, num sei o nome desse jogo até hoje, a gente colocava três palitos de fósforo e na outra ponta eram três feijões, e aí a gente jogava, a gente dançava muito, mas brincava de duro ou mole, pega-pega, esconde-esconde, muito na rua, na rua e no quintal de uma vizinha minha. Brincadeiras que as crianças hoje não conseguem imaginar.
P/1 – E com quem você brincava?
R – Com as minhas irmãs e com as minhas vizinhas, que tem mais ou menos a mesma idade que eu.
P/1 – Como é que era essa região, esse Osasco nessa época?
R – Na época que eu era criança, era um lugar muito violento, eu lembro que, eu não achava violento porque eu era uma criança não entendia o que era violência, então eu acho que hoje comparando acho que não era violento, porque eu brincava na rua, só que existiam os bandidos que domavam a região, então a gente ouvia falar do nome dos bandidos, então, só que também eles sempre protegeram os moradores, minha casa nunca foi roubada nada, mas era considerado um bairro super violento, eu sei que quando você conhecia alguém, se você falasse assim: “Ah, moro no São Vitor”, as pessoas já te olhava: “Nossa”. Seria hoje, sei lá morar na Zona Sul, no Jardim Ângela, sei lá. Antigamente era um bairro perigoso. Era assim, mas não acho que era tanto, mas as pessoas diziam que era um bairro perigoso.
P/1 – Você teve educação religiosa?
R – Olha, por incrível que pareça, na minha casa era assim, os meus pais pertenciam a essa religião, mas a minha mãe nunca obrigou a gente a ir, ela dava uns conselhos pra ter uma vida dentro do que ela acha que é o correto, a gente frequentava cultos de jovens que a gente fala, dessa igreja que a gente vai, mas nunca foi nada forçado: “Ah, vocês vão ter que ir, tem que ser da mesma igreja que eu” ou em escolas que tinham essa educação, porque tem algumas escolas que tem já uma coisa voltada pra isso. Não, nunca teve, a minha mãe passava os ensinamentos dela, mas do jeito dela, do jeito que ela achava que era o melhor.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Acho que foi seis anos porque eu fiz o pré. Então naquela época as crianças entravam na escola com sete anos, então com sete anos eu fui pra primeira série.
P/1 – A escola era perto da sua casa?
R – Era, é pertinho.
P/1 – Como que você ia?
R – A pé. Sempre fui a pé, nos primeiros dias de aula, o primeiro, segundo, terceiro dia, a minha mãe foi me levar e depois minha a mãe não foi mais, porque ela costurava muito em casa e ela falou agora você tem que aprender a ir sozinha, eu ia e voltava sozinha.
P/1 – E você tem lembranças dessa época da escola?
R – Muitas, muitas. Por incrível que pareça como eu também trabalho na área da educação, uma coisa que eu me preocupo muito, são as lembranças, as memórias da escola e a gente sempre lembra das coisas que nem sempre são tão boas. Então eu lembro a minha primeira série que eu tive muita dificuldade, porque a professora era muito rígida, muito brava, então pedia pra ir ao banheiro: “Professora, posso ir ao banheiro?” “Não, não pode”. Então eu lembro de histórias assim, que eu fiz xixi na roupa, que destruí cartilha, porque a gente usava a Cartilha Caminho Suave, aquela benção (riso), e eu destruí a cartilha jogava no chão assim, pra tampar meu xixi. Eu lembro até hoje de um menino que tinha na época que ele era deficiente, só que eu não sei que tipo de problema ele tinha, só que hoje eu imagino que devia ser uma criança com Síndrome de Down, porque eles falavam assim os professores, o diretor: “Ah, lá vem o mongolóide”, olha só, o diretor falava essas coisas. Mas na época acho que era normal fazer isso. E aí a gente tinha medo dele, eu lembro que ele babava, então a gente morria de medo, então a gente tinha medo. Mas era uma escola assim, que você brincava muito, eu estudei lá até a sexta série, então adorava as aulas de Educação Física, Handebol, campeonatos na escola, eu sempre adorei ir pra escola.
P/1 – O que você gostava lá?
R – Na escola? Eu por incrível que pareça, eu gostava de estudar (risos), eu gostava de tudo, de ler, de escrever, de ter os amigos, acho que a escola ela proporcionava um ambiente diferente da minha casa, então era muita leitura, muito livro, muita conversa, então eu sempre gostei muito de ir pra escola.
P/1 – O que se lia naquela época?
R – A professora tinha livros de literatura que ela mandava ler, então quinta, sexta série eu já comecei a ler Machado de Assis, esses caras assim, que hoje eu vejo os adolescentes tem uns que não sabe nem quem foi. Mas eu gostava de ler, sempre gostei muito.
P/1 – E na sua casa se discutia politica?
R – Então, antigamente era uma coisa muito assim: criança não podia participar dessas coisas, então eu escutava conversas da minha mãe, do meu pai, de amigos que iam na casa, mas a gente imagina que você ia ter direito a dar uma opinião ou querer perguntar. Naquela época a educação era um olhar e bastava, então era assim, conversa de gente grande e criança nem pensar de dar pitaco. Então eles olhavam, aquele olhar tipo: “Está na hora de você se retirar”. Engraçado, eu queria saber as coisas, por exemplo, de 1930, minha mãe, saber daqueles envolvimentos políticos, minha mãe conta que eles tinham muito medo dos militares e essas coisas, mas ela nunca participou de nada politico assim, um ato, nada, acho que tinha muito medo na época.
P/1 – E você tinha assim, alguma amigas próximas? Amigos mais próximos? Quem que era?
R – Sim. Olha, amigas de infância, assim que eu sempre, até hoje a gente tem amizade, elas são vizinhas na rua: a Patricia, a Adriana Roder, elas são amigas de infância e Daniela Prado que continua, até hoje nós somos amigas, as quarentonas (risos).
P/1 – E você tinha alguma paixão? Um namoradinho?
R – Então, também não, olha só, gostar a gente sempre gosta. Assim daquele menino, aquelas coisas que você gosta da pessoa, mas a pessoa... platônico que fala, você gosta mas ele nem sonha, nem desconfia que você gosta dele, que é o amigo, coisas assim, mas depois eu, sei lá, eu era diferente daquela turma, demorou pra eu namorar também, tudo.
P/1 – Diferente como?
R – Ah, diferente porque eu estudava, eu era muito de andar com menino também, então eu jogava bola com os meninos, e não passava pela minha cabeça de eu namorar, quando eu fui pensar em namorar eu já tinha 15 anos. E eu via tudo as minhas amigas namoravam, por que eu não namorava? Mas daí já foi decorrente de outras coisas, eu fui começando a ter problemas com a obesidade, então já foi juntando tudo aí, hoje eu entendo porque naquela época eu não namorava e as minhas amigas namoravam.
P/1 – Quando que você começou a ter problemas com a obesidade?
R – Com 12 anos, quando os meus pais se separaram, eu tinha 12 anos, e aí a gente mudou de casa. E a gente ficou dois anos morando em outro bairro, na mesma cidade e eu pesava, vamos supor, uns 47 quilos e eu fui pra 80 quilos em três, quatro meses, e eu comecei a ter problema com a obesidade e venho enfrentando esse problema até hoje.
P/1 – E por que deu esse problema?
R – Então, depois que eu fiz bastante terapia e tudo eu comecei a entender que eu não sabia, talvez eu esteja aprendendo, a lidar com a perda, então toda vez, quando os meus pais separaram, ela fala isso, que foi uma fuga e eu comecei a comer e não parei mais (risos).
P/1 – Você comia muito?
R – Comia, de beliscar muito, então comia doce, tudo que vinha pela frente, se está feliz come, se está triste come, se está angustiada come, então tudo isso era motivo pra comer.
P/1 – E por que seus pais se separaram?
R – Porque meu pai era uma pessoa muito violenta, então ele, sem contar as traições que teve assim, ele traía a minha mãe e ai chegou um dia minha mãe resolveu dar um basta. Ele era uma pessoa muito violenta, ele tinha arma dentro de casa e batia nas minhas irmãs, tentava bater na minha mãe, e quando as minhas irmãs foram crescendo, eu tinha uma irmã, acho que uma tinha 18, outra tinha 17 e a outra 16 ou 14, uma coisa assim, e eu com 12, ai minhas irmãs falaram: “Não, vamos dar um basta nessa situação”. Aí um dia que eles estavam em plena briga horrorosa, a minha irmã abre a porta de casa e foge, com roupa até de dormir, camisola, ela foge pra rua correndo pedindo socorro. Daí abriu a porta, daí é que todo mundo começou a correr e a minha outra irmã saiu correndo também, e minha mãe também, aí meu pai ficou dentro da casa comigo e a minha irmã, a minha terceira irmã digamos assim, e ai a gente ficou desesperada e as que eram as mais velhas que eram as responsáveis pela casa fugiram, deixou as duas tontas lá. A gente ficou desesperada, tal, elas correram, e ai a minha irmã teve a ideia, ela falou assim: “Vamos esconder a arma do pai”. Olha, eu tinha 12 e a minha irmã deveria ter 14 na época, e a minha irmã: “Vamos esconder a arma do pai, vamos esconder a arma do pai”, duas crianças. Escondemos a arma do meu pai e ele começou a procurar essa arma porque queria matar minha mãe e minhas irmãs, hoje daria um Cidade Alerta fantástico assim, e aí a gente escondeu tudo e ele começou a chorar e a pedir perdão, nisso que ele começou a chorar e pedir perdão, os vizinhos começaram a gritar, e a gente desceu e minha mãe já estava na rua com o carro de um amigo e a gente fugiu pra casa desse amigo da minha mãe. E nunca mais a gente voltou, assim, daí a minha mãe se separou dele, dividiram os bens, ele ficou com todos os bens, a gente tinha sítio, casa na praia, carro, uma empresa, ficou tudo pra ele, porque a minha mãe assinou um monte de coisa sem ler e a minha mãe ficou só com as quatro filhas com uma mão na frente e outra atrás, sem nem casa pra morar. Daí as minhas irmãs foram e alugaram casa, a gente ficou morando na casa dos vizinhos, depois na casa de um tio, até as minhas irmãs conseguirem alugar uma casa, elas conseguiram alugar essa casa, a gente foi morar lá, a gente morou nessa casa dois anos, elas foram atrás de advogado, na Justiça minha mãe conseguiu essa casa de volta, que é a casa que a minha mãe mora hoje. E a Justiça devolveu essa casa pra minha mãe e é a casa que a minha mãe mora até nos dias de hoje.
P/1 – E seu pai não dava pensão? Não dava dinheiro?
R – Não, nunca, nunca, nunca. Aí meu pai ficou assim, muito bem de vida, assim, perto. Ele ficou bem, ficou com propriedades, com tudo, é engraçado isso, ele separou da mulher, mas ele separou dos filhos também, por que aí ele não ia visitar a gente, ele simplesmente abandonou, não ia mais visitar, depois passados assim, uns dois anos ele foi levar uma caixa de bombom pra mim, que eu lembro até hoje, que a gente ficou tirando sarro, “Será que esse bombom não tá envenenado?” A gente lá em casa perde o amigo, mas não perde a piada. E assim, “Será que esse bombom está envenenado? Então é melhor não comer, não sei o quê”, virou bagunça e no fim comemos todos os bombons e está todo mundo vivo até hoje. E ele acabou perdendo tudo com mulherada, festa pros amigos, perdeu tudo. Aí voltou pra gente, depois de muitos anos ele volta, essa história acho que acontece em milhões de famílias no Brasil. Ele voltou doente, já tinha aquela lei do Estatuto do Idoso, minha tia liga falando: “Olha seu pai está aqui, está muito mal”, e a gente problema dele. “Não, mas se vocês não vierem buscar ele a gente vai denunciar vocês pro Estatuto do Idoso”. Aí as minhas irmãs ficaram apavoradas, foram lá buscaram meu pai, cuidaram dele na casa de uma das minhas irmãs, ele começou a dar muito trabalho, ele não tinha condição de ficar, ele precisava ficar numa clínica, num lugar que tivesse um cuidado melhor. Minha irmã alugou uma clínica, tenho uma irmã que tem uma condição de vida melhor, ai ela alugou uma clínica, ele ficou nessa clínica, com uns dois, dois meses e pouco que ele estava nessa clínica ele faleceu. Então agora, faz dez anos ele é falecido.
P/1 – E ele já tinha perdido tudo? Vocês não herdaram nada?
R – Nós herdamos. Nós herdamos uma carteira velha com 20 reais (risos). No dia, assim ó, eu lembro muito dessa história, foi incrível, porque eu hoje sou muito envolvida com política, e eu não tenho como esquecer isso, teve a eleição e tal, e no 1º dia de janeiro o Lula iria assumir, então a gente estava lá vibrando, o Lula tal, não sei o quê, e eu ia casar no dia 15 de janeiro. E aí eu falava assim, “Meu Deus eu vou desencalhar, putz que dá hora!” Aí minha mãe falou, cuidado seu pai é bem capaz de morrer perto do seu casamento ou na festa de fim de ano, porque seu pai adora atrapalhar as festas. E eu falava, “Ele pode morrer no dia do meu casamento, mas eu vou casar, porque ninguém vai me impedir de casar, tantos anos procurando alguém, agora que eu achei ninguém me segura”. Beleza. Dia 1º de janeiro a gente estava num sítio, nesse sítio que eu casei, toca o telefone era a minha tia,”O hospital está ligando chamando vocês”, minha mãe falou: “Olha vai pro pior, porque o hospital não liga, se ligou é porque aconteceu o pior com o seu pai”. Nós fomos, chegamos lá no hospital, o seu pai faleceu, teve que fazer B.O, porque como ele saiu de uma clínica, e faleceu no hospital público, mas enfim, acho que qualquer hospital o procedimento é esse, eles queriam fazer uma investigação, se a clínica tinha feito alguma coisa com ele, a gente “Não, não mexe com isso, ele morreu, está morto.” A moça: “Olha, aqui está os documentos dele tudo, a carteira”, “Agora o mapa da mina. Tem um bilhete dizendo com uma cartinha vai em tal lugar lá tem um ouro pra vocês”, tipo a novela Império, chega lá que nada, é uma carteira com 20 reais. Mas a gente gastou os 20 reais na mesma hora, compramos batata Ruffles, água pra todas as filhas, então foi bem dividida a herança (risos), foi bem dividido.
P/1 – Quando eles se separaram você foi morar onde? Você tinha 12 anos?
R – É, na Cidade das Flores, que é um bairro em Osasco também, nós moramos lá dois anos e depois nós voltamos pra essa casa que eu moro hoje.
P/1 – Você ajudava a sua mãe? O que você fazia?
R – Só, eu até meus 15 anos eu só estudava mesmo, eu jogava bola, eu curtia a vida, ajudava com o serviço de casa, lavar uma louça, limpar a casa, nada muito, assim, já não tive uma vida igual a minha mãe, mais sofrida, com mais responsabilidade. Depois, com uns 15 anos a minha mãe vem e fala olha, você vai escolher, ou você namora, ou você trabalha, ou melhor você vai trabalhar durante o dia e a noite você vai estudar. Como eu sempre gostei de estudar, eu falava: “Não, eu quero estudar, eu quero ser alguém, eu quero fazer alguma coisa”, “Então minha filha você vai trabalhar durante o dia ajudar em casa e a noite você vai estudar”, mas eu sempre corri na contramão, fui lá fiz uma inscrição num curso que tinha na época, era o Magistério, eu peguei passei, todo mundo achava que eu não ia passar, passei. Eu fui fazer Magistério período integral, e lá eu recebia um salário mínimo e com esse salário mínimo eu podia ajudar com alguma coisa em casa, mas eu tinha um lucro que eu não ia precisar trabalhar e estudar, porque eu queria mesmo era estudar, entendeu? Ai já livrei o meu. Eu ajudo e posso estudar.
P/1 – Como é que era esse curso?
R – Ele era período integral, a gente chegava oito horas da manhã e saía cinco horas da tarde e era bem rock paulera assim, estudar pra caramba pra formar pra ser professora, pra fazer o Magistério. Então a gente chegava lá oito horas da manhã, de manhã a gente tinha toda a parte teórica e aí o almoço. No inicio, a gente tinha que levar marmita, a escola não tinha nem cantina, a gente levava marmita, e não tinha lugar pra esquentar a marmita também. Então a gente improvisava com a latinha de sardinha, amassava a borda, colocava álcool e esquentava a comida, um sabor fantástico, aquele cheiro do álcool subindo, show de bola, eu comia aquilo ali e na parte da tarde tinha as aulas práticas, então eram as estratégias, a metodologia de como você dá aula pra criança, então a gente fazia estágio e eu falo que foi ali que eu comecei enxergar o mundo de outra forma, porque a gente teve uma formação política muito boa, foram excelentes professores que todas ali nós tivemos, onde a gente fazia uma reflexão mesmo, do momento que a gente estava vivendo, do momento político que o nosso país estava vivendo. Então eles levavam a gente a pensar desde a sua vida dentro da sua casa, com a sua família, todos os relacionamentos, então eles faziam essa provocação de você pensar, então pra mim foi show de bola, foi muito bom, adorei viver esse momento. Foram quatro anos, a gente teve a oportunidade de viajar, ir pra outros estados, a gente na época chamava de estudo do meio , a gente foi pro Rio de Janeiro, a gente foi pra Minas Gerais conhecer as cidades históricas, eu morava na periferia, que não tinha condição nenhuma, de repente você ir lá pra Belo Horizonte conhecer todas aquelas igrejas, ir pro Rio de Janeiro, conhecer a Catedral da Sé, então pra mim foi um sonho, realmente, marcou a vida daquelas pessoas que por ali passaram.
P/1 – E você, você tinha algum sonho, assim, vou fazer faculdade ou que você ia fazer depois do Magistério?
R – Sempre. Sempre, sempre, sempre. Eu falava assim, eu vou fazer uma faculdade, eu não vou parar, eu quero crescer, eu quero estudar, só que quando eu terminei o Magistério eu queria engatar numa faculdade, eu não tinha condições de pagar uma faculdade, então eu tentei as universidades federais. E não conseguia passar, então, não era nem o conhecimento, era o nervosismo, eu ia eu ficava nervosa, eu passava mal no dia da prova, eu ia fazer o vestibular lá da USP lá, Fuvest, chegava no dia da Fuvest eu começava a suar, suar, suar e dava diarreia e dava tudo em mim. Chegava na hora da prova, meu Deus, eu tava louca, eu lia eu acho que eu não enxergava o que eu estava lendo, e era assim se tinha que fazer 26 pontos eu fazia 25, no um curso, vamos supor eu ia fazer Pedagogia, nesse ano eu me inscrevia pra Pedagogia eu fazia o ponto da Psicologia, o ano que vem ah, eu vou fazer Psicologia, aí fazia o ponto pra entrar pra Pedagogia, aí falei pronto isso não é pra mim. Fui acabei não dar aula, fui trabalhar com outras coisas pra ter dinheiro pra ajudar sempre a família mesmo.
P/1 – Você foi dar aula aonde depois?
R – Eu dei aula em escolas particulares, lá de Osasco mesmo, escolas pequenas de educação infantil, eu dei aula, depois eu fui trabalhar com vendas, porque eu falei nossa, ser professora é isso mesmo? Porque eu queria mudar, aquela ideia de revolucionar, eu queria uma escola aberta, que conversasse, que dialogasse e na escola particular na qual eu trabalhava, era assim, tudo pra agradar os pais. Então seu o pai falasse assim: “Aí, meu filho foi com o cadarço desamarrado”, pronto. Amanhã todo mundo tem que amarrar o cadarço e nã nã nã nã nã, não pra desenvolver alguma coisa na criança, mas sim pra agradar o pai, porque o pai que paga a mensalidade, né? E eu não queria isso pra mim, então eu acabei saindo, eu falei não, não quero isso pra mim, eu vou procurar outra coisa, e ai acabei fazendo outras coisas.
P/1 – O que você foi fazer depois de dar aula?
R – Eu fui vender carro, primeiro eu trabalhei em uma loja no shopping, vendendo roupa, mas eu era péssima vendedora, não conseguia falar pra pessoa está lindo, que gracinha. Eu olhava e a mulher já dizia está uma droga. Então, eu não passei na experiência com três meses eu fui mandada embora, acho que faltava um dia e a moça falou: “Vaza”. Aí depois eu fui vender carro, consórcio, vendi consórcio, eu vendi tudo que você possa imaginar, fui fazendo tudo. Eu estava lá vendendo carro, ganhava bem, mas não estava feliz, sempre com aquela coisa, uma agonia, querendo fazer uma coisa diferente, aí um belo dia eu encontro com uma professora, que foi professora desse curso que eu tinha verdadeira adoração por essa mulher e ela tinha uma escola, ela tinha aberto uma escola e ela me convidou pra trabalhar com ela, eu fui, trabalhei com ela seis meses, também uma escola particular, com um valor de uma mensalidade bem alta. E eu falei assim, “Putz, tudo que eles fazem aqui a gente poderia fazer com as crianças da periferia. Por que não fazer alguma coisa?” Porque é uma chácara, a escola fica numa chácara, usa tudo material sucata, nada muito caro, eu falava, “Caramba podia fazer isso lá com as crianças do meu bairro”. Podia transformar tudo aquilo, e eu fico olhando a vida passar na janela, não faço nada, meu Deus não faço nada, o que eu faço não me satisfaz como pessoa, um belo dia resolvi contar pra minha mãe desses desejos, a minha mãe vira, a minha mãe mais pirada ainda do que eu, minha mãe fala, eu tinha vontade ter um orfanato, aí eu olhei assim, orfanato? É orfanato. Ah, não, eu queria trabalhar com isso, conversa vai conversa vem sentada na sala da casa da minha mãe e tem uma janela enorme, nessa janela a gente vê todo o bairro, e bem de frente assim tem uma chácara abandonada, cheia de árvores, tudo verde, ela me fala, queria tanto montar um orfanato ali naquela chácara do antigo japonês, eu: “Ai, mãe que loucura”. Ah, eu queria ter uma escolinha, ficava aquela coisa, um dia eu sai a pé fui lá, peguei o telefone do proprietário, liguei falei a gente queria alugar essa chácara, acho que a mulher falou essa menina é louca, porque ninguém nunca quis alugar essa chácara, depois eu ligo, fundamos a Instituição lá, começou a ir.
P/1 – Como foi, eles quando você ligou dizendo que queria alugar? Quando você ligou pra alugar o que a mulher falou?
R – Você tem certeza que você quer alugar essa casa? Porque era uma casa caindo aos pedaços, não tinha porta, não tinha janela, todas as janelas destruídas, eram janelas de madeira, a casa estava totalmente abandonada. Eu falei; “Eu quero”. “Mas por que você quer alugar?” Eu falei: “Porque a gente quer montar uma escolinha”. Até a gente ia montar uma escola particular, dai a gente fez uma proposta pra mulher, a minha mãe tinha um dinheiro das ações da telefônica que naquela época estava mudando tudo, e eles pagaram esse dinheiro dessas ações, eu não lembro mais quanto era, se era dois mil reais, sei lá, cruzeiro, cruzado, eu não consigo é tanta coisa que já mudou, só sei que a minha mãe falou assim, eu tenho dinheiro pra alugar, nós falamos com a proprietária, olha a gente precisa de reformar a casa, então vamos trocar, tantos meses sem pagar aluguei em troca da reforma toda a casa, e depois a gente volta a pagar o aluguel, beleza. Aí fomos lá, e começamos a reformar, eu e a minha mãe, mais ninguém. A gente foi lá, fez a faxina.
P/1 – Mas vocês tinham ideia do que vocês iam fazer?
R – Ah, uma escola, na nossa cabeça uma escola, eu tinha uma mesa de escritório, uma cadeira, pronto a escola está montada, né? O resto a Deus pertence, porque a gente sempre foi muita louca na minha família, todo mundo assim de por a mão na massa mesmo, então começamos a limpar a casa, quando a gente começou limpar a casa, minha mãe foi ver pra trocar as janelas, a minha mãe foi lá no depósito, porque todo mundo conhece a minha mãe mora há 40 anos no bairro, então ela não precisa nem ter dinheiro se ela quiser comprar as coisas, dinheiro na hora, ela fala, ela tem muita credibilidade, “Então a minha filha está querendo montar uma escola, e a gente precisava comprar as janelas”, “Não, Dona Maria, compra aqui depois quando a senhora puder pagar a senhora paga”. Então ela começou a comprar areia, comprou cimento, e troca a janela daqui, troca a janela dali, chamamos o meu tio pra ajudar, daí vem outro amigo pra ajudar, na base da ajuda mesmo, e eu e minha mãe, minha mãe capinava, e eu com o carrinho de mão, limpando o quintal tirando os entulhos que tinha tudo eu e minha mãe e tem uma irmã minha também que ajudou muito no começo, assim, com a mão na massa. Aí gente conseguiu reformar toda casa, nesse processo de reforma, as pessoas começavam a vir perguntar, aqui que vai ser a creche nova eu vim fazer a inscrição, a gente nem sabia, e nessa época, eu li um livro que fala a história do livro chama Quintal mágico, conta a história do Te-Arte, que é uma escola que existe até hoje, fica ali no Butantã, tem até um documentário que chama: “Sementes do Nosso Quintal”, roda o Brasil inteiro, enfim, contando a história da Teresita, que ela acredita numa proposta de educação diferenciada, e eu mergulhei nessa história e coloquei aqui que vai a nova escola, chama “Quintal Mágico”, ah é? É, “Quintal Mágico”. Tinha tudo a ver porque essa chácara é cinco mil, setecentos e cinquenta metros quadrados, tinha pé de jaca, manga, jabuticaba, tudo que é árvore que você possa imaginar, laranja, ameixa, então um quintal enorme, com árvore, uma casa daquelas de antigamente com área na frente, lembrava muito assim, a minha infância, a casa da minha avó. Então eu falei: “Nossa, esse lugar é ideal pra criançada”. Então alugamos, quando acabou o dinheiro, acabou a reforma e as crianças começaram a chegar. Então as nossas primeiras crianças, foram os gêmeos, o Fabricio e o Fabiano, eles tinham acabado de chegar do Rio Grande do Norte, eles tinham quatro anos, eles tinham, assim, chegou sábado do Rio Grande do Norte, segunda-feira foi pra creche, então eles não sabiam nem usar o banheiro, porque lá não tinha banheiro, eles não usavam privada, era aquele buraco no chão, foi muito desafiador no começo, bom, terminou o mês, chegou o dia de pagar o aluguel, a gente não tinha dinheiro, porque todas essas crianças começaram a entrar elas eram gratuitas, porque elas eram todas da comunidade, elas não tinham como pagar e no começo a gente levava panela da casa da minha mãe, o arroz da minha mãe, o feijão da minha mãe, tudo da minha mãe, e eu falei.
P/1 – Eles passavam o dia inteiro lá?
R – O dia inteiro.
P/1 – Quantas crianças tinha no começo?
R – No começo 12.
P/1 – E sem pagar?
R – Sem pagar. O meu sobrinho, o Cauê, Vitória, Stephanie, Fabricio, Fabiano, Cristopher, a Bianca, a outra Bianca, a Beatriz.
P/1 – Você que tomava conta?
R – Então, tinha uma voluntária, que era a Carolina, que ela era sócia dessa escola que eu trabalhei, a mãe dela, e eu sai e elas desfizeram a sociedade. E aí a Carolina e a Heloisa trabalharam de voluntária lá na creche no inicio, então a Carol dava aula, atendia os pais, também limpava a escola, fazia faxina, ajudava a fazer o almoço, a minha mãe e a minha irmã faziam o almoço, outra hora a minha mãe não podia fazer eu fazia, outra hora minha irmã fazia, então assim, não tinha...era todo mundo era Bombril, mil e uma utilidades, fazia tudo, só que aí passaram quatro meses e a gente não tinha dinheiro pra pagar o aluguel, e a proprietária começou então vou chamar seu fiador, o fiador era meu cunhado, minha mãe; “Ai, meu Deus, que loucura, ela vai falar pro Elizeu a gente está sem pagar, e agora o que a gente faz?” E aí essa Heloisa que tava com a gente desde o começo falou: “Gente porque vocês não funda uma ONG?”, vocês são a cara de uma ONG, porque a gente tinha o “Quintal Mágico”, mas não tinha documento, não tinha nada, você não tem nem ideia, uma loucura, ela falou não, vai se informar, e ela era voluntárias no “Gotas de Flor com Amor”, que tem São Paulo, e eu já fui voluntária no Gotas também, ela falou quer saber, eu vou me informar. Aí fui em umas entidades em Osasco, pra saber como era pra fundar uma Instituição, e ai eu fui logo de cara na AME, numas creche que tem lá, elas me explicaram como era e eu fui correr atrás de abrir a documentação, fiz a Ata, o Estatuto, fundamos a Instituição, precisa de Ata e estatuto, fundamos, convencemos uns amigos a fazer parte dessa diretoria, todo mundo na grande maioria era familiar, meu cunhado, minha mãe, fulano, fulano, fulano, fazia parte da diretoria, eu também fazia parte da diretoria eu era a Presidente na época e fundamos a entidade. Coisa linda. Fundamos, e dinheiro pagar o aluguel? Continua sem ter dinheiro. E aí a pessoa falou: “Ah, mas você tem que correr atrás de recurso menina, não é assim, começa mandar cartinha pedindo ajuda”, comecei a mandar carta, e aí eu fiz igual na época que eu vendia consórcio, quando a gente vendia consórcio, a gente pegava da letra A a letra Z e oferecendo ligando pras pessoas pra começar, ah, vou começar, só que eu não tinha telefone na Instituição, “Ai, meu Deus e agora o que eu faço?” Vou fazer uma cartinha, não tinha computador, fui na casa de uma amiga da minha mãe que tinha computador, falando nisso é até louco, né? Hoje você tem celular e você está falando com todo mundo ao mesmo tempo e não é tão longe assim, não é tão longe, 15 anos atrás, eu fui na amiga da minha mãe, eu lembro até hoje, escrevi uma cartinha pra ABB que é uma empresa que fica na Avenida dos Autonomistas, então tudo é A, então era a primeira da lista, então era ABB, Avenida dos Autonomistas, vou mandar uma cartinha, mandei essa cartinha, então hoje eu falo que tem coisas quando tem que acontecer com você não acontece com mais ninguém, tem pessoas que acreditam em milagre e tem pessoas que não acreditam, eu acredito em milagre, porque uma empresa que na época que tinha dois mil funcionários, essa cartinha cair na mão da pessoa certa a probabilidade é zero. Você contando que deixou uma carta que não é pra ninguém, você deixou uma cartinha lá aos cuidados de quem? De ninguém. Tipo deixa lá e vai embora. Aí a pessoa ligou no telefone da amiga, dessa voluntária da Instituição e falou olha eu queria falar com a Ajussimeire, ela deixou uma cartinha aqui na empresa e eu queria conhecer o trabalho dela, pede pra ela vir aqui amanhã, aí eu fui, no dia marcado eu fui lá conhecer essa Leila, que a gente tem amizade até hoje, é uma parceiraça, ela pega e fala olha me conta, que que é tua história, qual a tua história, conta pra mim, e eu já cheguei na empresa assim, morrendo de medo, porque eu nunca tinha visto um lugar tão chique na minha vida. Aquela recepção, vou tirar foto, “Ai meu Deus estou em outro planeta, o que eu estou fazendo aqui”, ai entrei, nossa é água, café, chazinho, maquininha, não sei o que, computadores, impressoras a mil ali, eu falava nossa coisa de rico aqui, ai eu cheguei lá ela conversou comigo, me explicou, falou o que você está precisando? Aí eu contei toda essa história, aí eu disse que tinha fundado uma Instituição, mas não tinha dinheiro. Ela falou: “Você precisa de dinheiro?” Eu falei “É”. Então eu vou fazer um cheque pra te ajudar, vou te fazer um cheque no valor de mil reais, você vai pagar o aluguel desse mês e o aluguel retroativo, todo dia primeiro você vai vir aqui e eu vou te dar um cheque de mil reais, você vai pagar o seu aluguel atrasado, e depois eu vou continuar te ajudando, não sei como, mas eu vou te ajudar. Olha até hoje se você me perguntar, eu acho muito difícil alguém doar pra alguém mil reais, sem pegar RG, CPF, endereço nada, essa mulher não me pediu nada, ela falou ó depois eu te ligo pra pegar um recibo, mas a Instituição não tinha nem recibo, só tinha o CNPJ, aí a gente correu num lugar assim, hoje seria tipo de uma lan house, pedimos pro cara fazer um recibo pra nós ele fez, e aí quando ela me ligou 15 dias depois eu fui na empresa e levei o recibo pra ela, ela falou: “Ah, estou convencendo o pessoal aqui da empresa a ajudar vocês, o que que você acha?” Eu: “Ai, eu vou amar”. E aí nasceu essa parceria com essa empresa, que na verdade não é uma parceria com a empresa e sim com os funcionários dessa empresa, todo mês eu ia lá e eles me davam o valor em dinheiro pra pagar aluguel, água, luz, telefone. E nisso foi aumentando as crianças, então a gente chegou assim a ter 30, 40 crianças, e descobrimos que realmente nós éramos uma ONG, isso foi em 1999. E no ano de 2001 estourou assim, o boom do terceiro setor e eu lembro que eu mandei também uma carta alguém me falou do Instituto C&A que tinha um programa no Instituto que chamava “Open House” eu nem sabia o que significava, portas abertas, lá vai eu, fui ali, comecei a aprender escrever projeto, a entender o que era o Terceiro Setor que não era uma obra assistencial de caridade, mas proporcionar um ambiente onde as pessoas pudessem crescer, aprender, enfim. E aí comecei a frequentar tudo que era curso que tinha na face da Terra, pra aprender a escrever projeto, e nisso, foi se fortalecendo cada vez mais esses funcionários dessa empresa Asea Brown Boveri, e eles também fundaram uma instituição deles, chama AFABB, Associação dos Funcionários da ABB, e eles começaram eles fizeram, seria um cartaz que fala, no juntos ponto com, que tem na internet que as pessoas doam, e eles começaram a descontar em folha a doação dos funcionários e vai pra um caixa deles, uma conta corrente, eles foram guardando dinheiro ali e sempre ajudando a gente, ajudando a gente, chegou um belo dia eles me chamaram para uma reunião e falaram: “Não dá pra continuar ajudando você assim, porque você não tem uma sede própria, a gente reformou aquela casa, a casa velha, toda hora quebra alguma coisa, você precisa correr atrás do Poder Público, eles precisam te ajudar, você está atendendo crianças que é uma demanda da Prefeitura atender”. Aí falei quer saber? Vou atrás, e ai fiz o convênio com Prefeitura, comecei a fazer parceria com um, parceria com outro e ai as coisas foram.
P/1 – Como que você fez o convênio com o a Prefeitura? Como foi a primeira vez?
R – A primeira vez não de cara, né? Com a Prefeitura não sou a pessoa mais indicada pra falar, mas é complicadíssimo a relação com Prefeitura, fui, na época não era o gestão que tem hoje, eu lembro bem, não, não tem como fazer uma parceria porque a gente não tem dinheiro pra mais uma entidade entrar. Quando houve em 2005 a troca de Prefeito, esse cara que era candidato na época, ele tava fazendo todo aquele trabalho do candidato mesmo de prometer, né? Olha se eu ganhar como Prefeito vocês podem contar que a gente vai ajudar vocês, se eu ganhar como Prefeito... aí ele ganhou, 15 dias depois, 30 depois eu já estava na porta dele, você prometeu agora você vai ajudar, levei toda documentação e a gente, então não foi uma coisa assim, que ele ajudou, hoje eu tenho essa consciência, não é que ele ajudou, é um direito, porque a gente estava atendendo as crianças da comunidade e a gente já atendia 80 crianças, então era um número bastante chamativo digamos assim. Aí passamos a atender 120 e a tendência foi aumentando, aumentando, foi ficando conhecido no bairro, as mães comentava, falavam bem da Instituição, todo mundo queria por o filho lá, só que até aí quem fazia a inscrição, quem fazia tudo era nós, depois dessa parceria com a Prefeitura foi mudando, então a Prefeitura assume essa triagem das famílias, hoje em dia quem faz essa triagem é a Prefeitura, e ela manda pra nós as crianças já com uma pré-matrícula, entendeu?
P/1 – E quem dá os recursos?
R – Então, os recursos pra pagamento de pessoal, é a Prefeitura, então assim, água, luz, telefone, o básico, é mantido pela Prefeitura, e hoje nós atendemos 270 crianças.
P/1 – E quantos funcionários tem?
R – Quarenta funcionários.
P/1 – E quem paga esses funcionários?
R – A gente paga com verba da Prefeitura.
P/1 – Você se remunera também com verba da Prefeitura?
R – Isso. Ai eu deixei de ser presidente, porque dai que eu fui entender, porque se eu fosse presidente eu não poderia ter um salário, então até eu costumo brincar e dizer o seguinte, nesse país onde a gente vive, é muito engraçado, então pra mim provar que eu sou uma pessoa honesta, eu tenho que muita das vezes, é, sei lá, mudar o curso da história, por exemplo, eu sou uma das fundadoras da Instituição, mas não posso ser a presidente, porque se eu for a presidente eu não posso ser remunerada. Nos Associados, as pessoas que fazem parte desse Conselho, dessa diretoria, todas essas pessoas dessa diretoria, que eram familiares, teve que ser tudo alterado, então a gente convida pessoas, amigos, mas não pode ser ninguém da minha família, pra fazer parte da diretoria, porque se tiver alguém da minha família que faça parte diretoria logo eu não posso ser remunerada. E fica aquela pergunta no ar, como que alguém vai trabalhar voluntariamente das sete da manhã a meia noite, porque quem dirige uma ONG não para, se você não por um freio você não tem vida, você vive em função daquela Instituição, hoje em dia eu já consigo...
P/1 – Mas antes vocês trabalhavam era todo mundo voluntário?
R – Todo mundo voluntário.
P/1 – Quando que vocês começaram a receber?
R – Olha, eu passei a ser funcionária registrada em 2011. Então tem quatro anos, mas antes disso era uma coisa bem difícil, porque eu tinha que trabalhar lá e trabalhar fora pra poder conseguir ter o meu dinheiro. Não dava pra trabalhar só lá.
P/1 – E as atividades, quem que organiza? O dia a dia? O cotidiano? As atividades? Quem que desenha isso?
R – Então, a gente tem as coordenadoras, tem a coordenadora pedagógica, hoje em dia nós temos duas coordenadoras pedagógicas, na qual elas organizam tudo com as educadoras, eu participo também dessa organização porque a minha formação é pedagógica e também porque eu acredito que a gente tem de compartilhar tudo. Então, toda última sexta-feira do mês não tem aula pras crianças, é feito uma parada pedagógica, então, é um momento de reflexão mesmo da nossa prática. Então, senta, conversa, hoje em dia, elas tem cursos de capacitação, a gente tem uma parceria com o Cenpec, então o pessoal do Cenpec, através da Sabiá, a gente tem uma parceria, eles vão até a Instituição e fazem os cursos de capacitação com as educadoras. Também tem o pessoal da limpeza, o pessoal da cozinha, então tem uma equipe bem grande, tem um suporte bem legal.
P/1 – E quando que...vocês tem relação com o Criança Esperança?
R – Temos.
P/1 – Quando que começou?
R – Então, foi um delírio, foi um sonho, e eu falo assim de peito aberto porque olha só, a minha família, a gente sempre que podia a gente doava, doava ligava lá, então ficava...0800 nanana, vamos ligar, vamos ligar. E eu tenho um cunhado, que ele é muito assim, ele é muito do contra: “Acho que isso é mentira gente, vocês são uns idiotas, vocês ficam doando dinheiro pra esse negócio, você já viram alguém ser beneficiado com esse negócio da Globo? Eu nunca vi, eu nunca vi, ah, isso é balela, vocês acham que eles doam mesmo? Você acha que ajuda os pobrezinho, você só vê os pobrezinho lá de Macapá, da Amazônia, você acha que esse povo existe? Ah, não sei o quê”. Falei: “Gente, é sério”, na época eu lembro que não era Unesco, era a Unicef, não, é Unicef, depois passou Unesco, né? É a Uneesco é um órgão sério, imagina, não existe isso. Bom, enfim, toda família então, quando chega o dia do Criança Esperança, todo mundo na frente da televisão doando, doando, doando quando foi o ano passado...
P/1 – E por que você doavam?
R – Porque a gente acreditava que ia ajudar as famílias, que ia melhorar alguma coisa, então não é muito dinheiro era pouco, então você pode doar era dez reais, sete reais, cinco reais, uma vez doado não vai fazer diferença no seu bolso, então vamos ajudar o próximo, tá todo mundo lascado, mas vamos ajudar o próximo. Então ajudava. E aí quando foi o ano passado a gente começou um trabalho na Instituição, porque foi assim, nós saímos dessa sede que era alugada, que esse grupo de funcionários nos ajudaram e diziam o quê? “Ju, você precisa ter uma sede própria, se não você não vai ter mais parceria, vai chegar uma hora que você vai morrer”, a gente batalhou com a Prefeitura e a Prefeitura deu esse terreno pra nós, um terreno de 1200 metros quadrados, cedido pela Prefeitura, no nome da Instituição, é da Instituição e esses funcionários eles foram juntando dinheiro, juntando dinheiro e conseguiram juntar um milhão e meio de reais e eles foram e construíram o prédio pra mim, pra mim não, pra nós da comunidade. E aí durante um ano eu fiquei administrando a Instituição e a obra, só que eu não entendia de obra, mas eu ia lá e fingia que entendia, minha mãe entende mais. Então, foi um momento muito legal, de troca muito grande, porque todos os pedreiros, as pessoas que trabalhavam na obra, eles almoçavam com a gente no refeitório lá na creche, foi uma vivência muito rica. E aí o que aconteceu? Em 2012, a nossa creche ficou pronta e nós fomos pro nosso prédio novo, chegamos lá em um belo dia de sol, cadê árvore? Não tem como ir pra fora com as crianças, porque o calor insuportável, não tinha árvore, não tinha uma sombra, não tinha um nada, e aí eu já comecei a ficar com aqueles pontos de interrogação, tipo desenho animado assim, saindo da minha cabeça, o que eu estou fazendo aqui? Que piração. O nome não tem mais nada a ver com a realidade, não tem quintal mágico, aqui não tem árvore, as crianças não brincam no barro, não brincam na terra, está tudo errado. Não, não está tudo errado, a gente precisa buscar formas de melhorar esse quintal, vamos fazer nosso quintal virar nosso quintal mágico que sempre foi, nesse intermédio meu filho está pra mudar de escola também, eu conheço uma pessoa porque a gente gosta muito da pedagogia Waldorf, filosofia Waldorf, eu conheço uma pessoa que também trabalha com isso, enfim, meu filho está mudando de escola, conhece um, conhece outro, eu conheci a Amanda Frug, que é uma pessoa muito ligada ao meio ambiente, tem vários projetos, jogou no FIES do Itaú, publicou livro, enfim, e convido a Amada pra vir trabalhar com a gente, Amanda vai lá, dá um apoio e vê o que você pode fazer com a galera lá, com as educadoras. Ela veio e falou, “Ju, a gente tem que começar a fazer um curso, vamos ver as necessidades, ver se essas professoras enxergam essa necessidade dessa mudança nesse quintal”, e elas começaram a falar, então ela fez um levantamento dos sonhos dessas meninas e então o sonho era ter uma floresta na escola, era ter árvore, era ter sombra pra poder sair com as crianças. Foi aí que a gente escreveu um projeto chamado: “Uma Floresta em Nosso Quintal”, a gente começou a captar recursos pra esse projeto, primeiro recurso que a gente captou foi numa plataforma de captação de recursos, chamado juntos ponto vc, que é uma doação online, depois a gente conseguiu dobrar esse valor com uma Fundação de mobilização de recurso que tem na Bahia que chama SESI, então a gente já dobrou nosso valor e a Amanda continuou tocando esse projeto de meio ambiente. Então a gente desde das crianças do maternal, começa lá entender porque é importante ter árvore, plantar, colher, os ciclos da natureza, os ciclos da vida, contar essas histórias pras crianças e as crianças fazerem interferências no quintal, as educadoras, porque você também tem que fazer um trabalho das educadoras, pra elas conhecerem, saber qual planta que vai aqui, porque vamos plantar tal coisa lá, porque a sombra dessa árvore vai fazer isso aqui, porque isso aqui precisa de sombra, porque isso aqui precisa de sol, enfim. Daí chega o Edital do Criança Esperança, uma amiga chega: “Aí, você viu o Edital do Criança Esperança?”, Eu: “Hum, vi”, ai ela vira: “Eu adoro desafio também vamos escrever pro Criança Esperança?” “Vamos”. Então as duas 15 dias, pá pá pá pá, escrevemos um projeto Uma Floresta em Nosso Quintal, o que que consiste esse projeto, qual o objetivo, a revitalização do quintal, a gente precisava de grana pra comprar as mudas, capacitar os educadores, equipar esse quintal pra essas crianças, promover essa interação, essas atividades ao ar livre, essa, essa reflexão da natureza mesmo, o que a gente tá fazendo com o nosso meio ambiente? E aí fomos contemplados com o projeto, aí chega o e-mail, ah vocês foram contemplados com o projeto... ah, grita, pula.
P/1 – E você nesse Edital você pedia a quantia, ou tinha uma quantia que eles davam?
R – Não, a gente que estabelece, a gente tem um teto que a gente sabe que geralmente eles aprovam.
P/1 – Qual o valor?
R – O nosso projeto foi aprovado em 68 mil reais.
P/1 – Em que ano foi isso?
R – O ano passado 2013. Nós mandamos o projeto, primeira vez que nós mandamos, foi aprovado já, eles mandaram um e-mail, eles já começa pedir toda documentação, depois eles chamam a gente pra uma reunião, a gente foi pro Rio de Janeiro e lá tem um curso de capacitação, explicando como...
P/1 – Quem que promove o curso?
R – A Rede Globo, junto com a Unesco. Então a gente ficou num hotel maravilhoso, padrão Globo, fomos conhecer o Projac, e depois eles explicam tudo, como é que vai ser a prestação de conta, como que vai ser os depósitos, como que a Unesco faz esse acompanhamento, então tem os relatórios técnicos que a gente tem que encaminhar pra Unesco, tem as visitas da Unesco na Entidade, tem as visitas do pessoal do Criança Esperança na Entidade, tudo que é permitido da imagem, tudo explicadinho. Pra usar o logo do Criança Esperança você precisa ter uma autorização, solicitar essa autorização, então é um aprendizado muito grande e é um beneficio que está lá, a transformação que foi feita no nosso quintal, então, hoje já tem as árvores, hoje a gente tem cabanas na escola, a gente tem tendas que foram construídas com as crianças, a gente já fez mutirão com as famílias pra plantar, então já, olha o projeto está no seu sétimo mês, que a gente começou...sexto mês, a gente começou janeiro até agora, e nossa a transformação é enorme e é uma coisa muito certa, muito clara, pontual, é fundamental pro nosso trabalho.
P/1 – E todo ano tem Edital?
R – Todo ano tem. Esse ano também foi aberto, devido a Copa, então eles abriram o Edital um pouco antes quem tem a parceria pode mandar de novo, novamente ou a continuação desse projeto ou um outro projeto. A gente mandou, estamos aí concorrendo.
P/1 – Qual que vocês mandaram?
R – A continuação desse projeto, né? Mas ainda não tem nada certo, a gente está aguardando um retorno e isso só sai em setembro. É isso.
P/1 – O que você acha que um projeto como esse, esses recursos do Criança Esperança muda na vida das pessoas?
R – Olha, eu acredito que de fato muda mesmo, porque você veja bem, quando eu fui nesse evento no Rio de Janeiro, eu conheci gente de lugares que eu nunca imaginei, aquelas cidades pequenininhas que ninguém vai até lá conhecer, que a Prefeitura dá as costas, então são pessoas batalhadores como a gente também, apesar de a gente está em uma cidade grande que Osasco é uma cidade grande, mas é uma comunidade muito carente, então é um recurso que é certo, que vem e que você vê transformar a vida das pessoas, então lá, a gente está conseguindo transformar desde a criança pequena de três anos até o pai, porque o pai vai lá, o pai está vendo a transformação, o pai está usufruindo da transformação, o pai ajudando a transformar, porque ele vai, ele planta e tudo isso é comprado com o quê? Com o recurso do Criança Esperança. Ah, e se não tivesse o Criança Esperança? Não teria esse projeto, né? Então é real, não é uma coisa assim, que passa na televisão, não é filme, é real, se for um filme é um filme da história de pessoas que fazem parte do nosso dia a dia da comunidade, então é real, então tem que colaborar então tem que ajudar, mais do que nunca. Eu falei que eu sou garota propaganda se quiser do Criança Esperança, porque é uma coisa realmente fantástico o trabalho que eles fazem. Fora isso, eles proporcionam várias outras atividades pras crianças, por exemplo as crianças lá da Instituição, elas foram em um espetáculo, Disney on Ice, assim, um evento caríssimo, então elas foram totalmente gratuito, então proporciona uma série de coisas.
P/1 – Outras atividades além desse do jardim?
R – Outras atividades. É. Que nem agora no dia 12 de agosto, as crianças vão assistir o espetáculo Rei Leão, tudo gratuito, então são vários eventos que ele promovem também e que convida a gente pra participar.
P/1 – Fora esse recurso que você recebeu de 68 mil pro projeto, a Globo promove também atividades?
R – Promove. Promove, convida a gente, vai um ônibus lá com as camisetas, com tudo, tudo muito organizado, assim, bem antes do evento, a gente já vai recebendo os e-mails, eles vão pessoalmente lá, fazem as filmagens, distribui os ingressos, a gente leva as crianças com a alimentação, tudo, tudo incluso, a gente não tem gasto de nada. É fantástico.
P/1 – E hoje quais são seus planos pra instituição?
R – Olha os nossos planos é o quê? Ser uma referência em educação infantil na nossa cidade, né? Se der no Brasil, mas por enquanto se a gente for referencia em Osasco já está de bom tamanho. É assim a gente quer mostrar que é possível essa educação, esse contato direto com a natureza, esse diálogo com a criança, essa conversa do educador, o educador está lá, no mesmo nível que a criança, conversar, as brincadeiras, resgatar essas brincadeiras da infância que eu tive na minha infância, que muitas pessoas tinham, que hoje em dia as crianças não que eu seja contra a tecnologia, a tecnologia tá ai a gente é bom usufruir, mas é bom também que a criança, é tudo com muito equilíbrio, então brincar, brincadeiras saudáveis, que ela possa ir pegar ameixa no pé de ameixa, e comer, saber que a galinha...lá nós temos nós temos viveiro, nós temos galinha, tem coelho, tartaruga, então as crianças sabem que o ovo vem da galinha e não é no mercado, porque as crianças de hoje em dia estão começando a achar que galinha não bota ovo. Então, essa é a educação diferenciada que a gente quer ser uma referência mesmo, na nossa cidade.
P/1 – Qual que é o cargo que você tem hoje lá?
R – Hoje eu sou a gestora, sou a diretora da Instituição, então eu faço toda parte administrativa, então as entradas, as saídas do dinheiro passa tudo na minha mão, né? Eu ajudo a coordenar essa, a parte pedagógica com eles, mas toda semana a gente senta, duas, três vezes na semana pra discutir como é que está as educadoras, os problemas de algumas crianças, a dificuldade de aprendizado de algumas crianças. E tem outras pessoas que trabalham na Instituição, então tem o pessoal do Cenpec que vai dá o curso, então a gente senta faz reunião, tem o pessoal que trabalha no Projeto do Criança Esperança, então vem a coordenadora do Criança Esperança, o educador agrocológico, ele vem conversa comigo também, a gente senta vê as dificuldades, as demandas do quintal, então eu fico nessa parte da gestão da Instituição.
P/1 – Você tem uma coordenadora só pro Criança Esperança?
R – Tenho.
P/1 – Desde que ganhou esse Edital tem uma coordenadora?
R – Tem, tem, que é a Amanda Frug. Ela coordena todo o trabalho que é feito com as educadoras, tem a capacitação dos educadores que ela faz, tem os mutirões com a comunidade, que a Amanda ela planeja todo esse mutirão junto comigo, com as coordenadoras, sempre é tudo compartilhado, então a gente senta, pá, elabora o que você fez. Que nem agora dia 16 nós vamos fazer o dia da esperança, então o que vai ser feito no dia da esperança? Vem a Amanda com as ideias, a Carol, a Sheila, as coordenadoras dão as ideias, as educadoras, a gente junta tudo aqui e vamos filtrar, o que é viável o que não é viável, se precisa da ajuda de fulano, de ciclano, então a gente começa deliberar.
P/1 – O que é esse dia da Esperança?
R – É o dia do Criança Esperança mesmo, é dia que vai ter o Programa, é o dia inteirinho da programação da Globo, da grade, dedicado ao Criança Esperança, vão ter alguns flashs ao vivo que vão estar filmando a Instituição, então a gente vai promover um dia pra divulgar o nosso projeto “Uma floresta em Nosso Quintal”, então a gente vai divulgar através de fotos, a gente conseguiu uma parceria com a Secretaria de Meio Ambiente da cidade então a gente vai ter mudas de árvores e de flores, onde a comunidade vem e vai plantar, vai ter uma pessoa que vai estar falando, um consultor de Permacultura que vai falar, porque a gente trabalha na linha da Permacultura, então sem agrotóxico, sem nada disso, então a gente vai ter essa pessoa lá que vai estar orientando quem quiser fazer uma horta em casa que quiser, pra fazer uma composteira, como é que é, tem a nossa composteira lá também, entendeu? Nesse dia vai ter uns trabalhos das crianças, uma exposição de fotos do Projeto, vai ter uma pessoa que trabalha com a gente o tal Chiquinho do Forró, ele é o ajudante geral, mas ele também tem uma banda de forró no bairro, ele vai tocar, a banda dele de forró vai tocar, vai ter uma pessoa fazendo caricatura que é do bairro também e ela vai dar uma oficina sobre arte, sobre desenho e vai ter uma amiga da Amanda que vai lá pra falar sobre alimentação segura, então, dar dicas de como reaproveitar os alimentos, não desperdiçar os alimentos, então vai ser um dia bem especial mesmo.
P/1 – O que especificamente esse dinheiro, quais foram as atividades que ele financiou?
R – Foi a compra de material, então a gente comprou desde vamos supor enxada, a pazinha pras crianças usarem, é pago um educador, um agricológico, é pago essa coordenadora, os encontros de formação pras educadoras, então as saídas, elas saem da unidade, então vão em algum lugar, pra ter essa capacitação, então essas saídas, o lanche delas, o transporte delas é pago tudo com esse dinheiro, então as consultoria a gente tem uma verba que a gente pode utilizar todo mês, a gente que fez esse cronograma e o Criança Esperança aprovou. É pago um consultor só de permacultura, ele vai até a Instituição, ele vê as necessidades, ele explica pros educadores, pra comunidade, pra todos os envolvidos como é que vai caminhar o Projeto, entendeu? E utilizado pra isso.
P/1 – Você casou, né? Você falou né? Em que ano foi?
R – É eu casei, rapaz (risos).
P/1 – Como é que você conheceu seu marido?
R – Na creche, olha só, lá nessa creche antiga na chácara, gente, metade desse terreno, o terreno era muito grande, a gente emprestava pra um rapaz que tinha uma empresa de decoração de natal, ele fazia decoração pra shopping, pra cidade, então ele precisava de um espaço muito grande e a gente tinha um espaço que não era usado. Então a gente fazia uma troca, você usa o espaço e você empresta sua caminhonete pra buscar doação pra nós, então era feito assim, e esse, que hoje é meu esposo, o Erick, ele trabalhava pra essa pessoa, então tudo que eu ia precisar eu pedia pra ele, Erick dá pra buscar doação em tal lugar, dá pra você falar com fulano, nã nã nã, e nisso começamos a paquerar, enfim, ai começamos a namorar, casamos, em janeiro faz dez anos que somos casados, temos dois filhos o Pedro com sete anos, o amor da minha vida, o Miguel com três anos e eu somos uma família feliz e abençoada,
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Ah, eu sou uma pessoa meia louca assim, né? Eu sonho com tanta coisa, porque eu fico vendo aqueles noticiários, eu entro na internet e fico vendo Palestina, Faixa de Gaza e eu fico pensando, meu Deus a gente tem uma riqueza tão grande no nosso país que a gente já não tem essa guerra que está matando tanto inocente, então eu sonho com um mundo melhor mesmo, com uma escola melhor, com uma educação legal, onde as crianças possam...eu acho que esse sonho meu tá bem difícil de realizar, né? Possam brincar sem medo. Mas eu sonho com isso, eu sonho com coisas boas assim, com uma escola prazerosa, com uma família, não importa como que vai ser essa família, eu mudei todo meu conceito de família, eu achava que família era mamãe, papai e filhinho, eu sei que as famílias mudaram muito, mas o importante é que seja uma família e que as pessoas se amem muito, se respeitem, eu acho que isso é fundamental pra ser feliz, então é isso mesmo, essa energia boa, pessoas felizes, porque onde a gente trabalha a realidade que a gente vive é muito triste, né? São pessoas que... por todo mundo ser muito pobre, então tudo é bem difícil pra pessoa quando ela é pobre, não que pra pessoa que tenha boa condição não seja, mas eu acho que é mais difícil, então eu sonho com isso, com uma cidade mais limpa, então pra eu ter uma cidade mais limpa eu tenho uma educação, peço para que as pessoas sejam mais educadas nessa cidade, eu sonho até com a rede de esgoto funcionando e sonho mais, que não tenha seca em São Paulo, então eu falo assim, gente vamos cuidar da água, vamos cuidar da água, vocês tão vendo aí, está aí pra estourar, mas eu sonho que não vai faltar água.
P/1 – O Ju, você conhece alguma outra entidade aqui em São Paulo, da região, que é beneficiária do Criança Esperança?
R – Eu conheço uma que já foi beneficiária, hoje ela não é mais. Mas tem no interior acho porque eles em 2013 eles aprovaram 103 projetos, então 103 projetos no Brasil inteiro. No momento hoje em São Paulo eu não conheço, eu sei que eu conheci no dia do evento tem algumas do interior de São Paulo. Mas é que na capital tem o núcleo do Criança Esperança, se não me engano fica que no Brooklin? Na Brasilândia, né? E só que eu conheço, mas assim, fora isso que eu conheço...
P/1 – Essa outra que foi beneficiada, qual que é?
R – Foi em Osasco, ela foi acho que no ano de 2010. Chama Ereny. Mas hoje em dia ela não tem mais o apoio do Criança Esperança, e as outras é no interior de São Paulo, mas em São Paulo mesmo eu não conheço. Não lembro agora.
P/1 – Ju, o que você achou da experiência de contar sua história aqui no Museu da Pessoa?
R – Adorei, me fez pensar em tanta coisa, quando você começou a perguntar sobre o meu pai, minha mãe, eu falei, caramba, tanta coisa que eu tenho que saber ainda da minha vida, da minha história, mas eu adorei, sensacional.
P/1 – Queria agradecer.
R – Ai estou ficando emocionada, não vale.
P/1 – Obrigada.
R – Obrigada você.
P/1 – Linda a sua história.
FINAL DA ENTREVISTA