Histórias de Internautas
Artesanato Sustentável
História de Emerson de Lima Araújo
Autor: Ana Teresa de Carvalho Lazarini
Publicado em 08/10/2019 por Ana Teresa de Carvalho Lazarini
Museu da Pessoa
Depoimento de Emerson de Lima Araújo
Entrevistado por Roseli Flori e Ana Lazzarini
São Paulo, 23/08/2019
PCSH_HV794
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Iara de Andrade Silva (Solis - Transcrição e revisão de texto)
P/1 – Qual é o seu nome, local e data do seu nascimento?
R – Meu nome é Emerson de Lima Araújo... Eu nasci do dia oito do nove de 1988.
P/1 – Qual o local?
R – ... Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Simone Jerônimo de Lima. José Luiz Alves de Araújo.
P/1 – O que seus pais faziam?
R – Minha mãe... Meu pai ele sempre trabalhou como pedreiro, né. Pedreiro e também ele sempre fez uns artesanatos. Minha mãe era diarista, sempre foi diarista. E agora que ela... Agora ela começou a trabalhar no hospital Mandaqui.
P/1 – Como você descreveria seu pai e a sua mãe?
R – É... Minha é uma pessoa esforçada, esforçada demais, né? Que ela criou eu e minha irmã sem a ajuda do meu pai, que eles são separados. E meu pai é uma pessoa bacana. Eu conheci ele agora, depois de velho, né, depois dos meus 20 e poucos anos que eu fui morar com ele. Aí, eu não... É uma coisa nova ainda pra mim, né?
P/1 – Quais eram os principais costumes da sua família?
R – Final de ano a gente se reunia, né? Festa de Natal, aniversário... A gente sempre se reunia bastante. E a gente é uma família grande, né? Minha avó teve 13 filhos... Parte do pai, né? Parte do meu pai. E a gente é uma família grande, complicada... (risos) Sabe como é que é, né? Família grande.
P/1 – Você falou que você conheceu seu pai recentemente, né? E você sabe, assim, a origem da família. Como é que eles se relacionavam?
R – É então... Pelas histórias, né, que eles contam... Foi uma... Como a família era grande, então eles saíram pra trabalhar cedo, né? 12, 13 anos os homens já trabalhavam pra sustentar as meninas. Que tem quatro homens só na família e o resto é tudo mulher. Então, eles com 12, 13 anos já saíram de casa pra trabalhar. Também casaram cedo, né? Com 15, 16 anos, foi a época que eles casaram. E foi isso... eles foram embora e quem cuidou das meninas foi mais minha avó, né? Que meu avô faleceu, até... Quando eu tinha uns dois, três anos. Eu também nem conheci meu avô.
P/2 – Emerson, fala da sua memória, desse tempo da sua infância. De quando você veio pra São Paulo... Você lembra?
R – Eu tenho alguns flashs na minha memória. Que eu vim pra cá com três meses de nascido. E eu tenho alguns flashs, tipo, da rua de terra... A minha avó, que eu também não conheci, que era a mãe da minha mãe, eu não conheci ela, mas eu tenho flashs dela, de quando eu era pequeno. Indo na casa dela, ela me pegando no colo, brincando na rua... Festa de carnaval. Eu tenho alguns flashs, assim, repentinos na memória.
P/2 – E nesse tempo vocês moravam onde?
R – A gente ficou morando lá até meu terceiro mês de vida. E depois a gente veio embora pra São Paulo.
P/2 – Mas, pra que bairro?
R – O primeiro bairro que a gente morou foi no Peri Alto.
P/2 – E você tem memória dessa época da sua infância?
R – Tenho... É que minha mãe me deixava com a vizinha, né? Ela saía pra trabalhar e me deixava com a vizinha. E a vizinha que cuidava de mim. E eu lembro que ela me dava banho naquelas bacias de alumínio bem grandes. E era, era... Foi uma coisa diferente. Eu lembro que eu quebrei¸ também, uma vez a porta do fogão (risos). Não sei como, mas eu consegui quebrar. Eu acho que eu tinha aí, já uns dois... Uns dois, três anos.
P/2 – E, assim, na sequência?
R – Aí, depois do Peri Alto, a gente morou no Jardim Antártica. Jardim Antártica... Morei também no... No Edu Chaves e no Jardim Brasil. Aí, no Jardim Antártica eu fiquei morando até os 11, os 11 anos de idade. Depois, a gente mudou pro (Jardim) Fontalis. E eu to lá até hoje. Fiquei, quer dizer, fiquei (risos). Fiquei lá até os 25, né? 25, 26, 27. Aí, agora eu viajei. Dos 27 aos 28 eu viajei pra Paraíba. Comprei um apartamento lá. E voltei depois de dois anos. E agora eu to aqui de novo, né?
P/2 – Em quantos irmãos vocês são?
R – Por parte de mãe eu tenho só uma irmã. Por parte de pai eu devo ter uns quatro, cinco irmãos.
P/1 – Você lembra... Você falou que você veio pra cá com três meses, né? E todo esse trajeto que você morou aqui nos bairros de São Paulo... Quais que eram as brincadeiras que você gostava?
R – A gente, quando a gente morava no Jardim Antártica não tinha muito como brincar, porque a gente morava numa avenida que passava ônibus. Então, minha diversão era jogar fliperama, jogar videogame, no Jardim Antártica. No Edu Chaves, a gente já tinha mais liberdade. Que podia ficar na rua até tarde, a rua não era tão movimentada. A rua era reta, então a gente brincava de esconde-esconde, de taco, né? De... A gente empinava muito pipa também. Jogava bola na rua. Essas coisas, assim.
P/1 – Você tinha bastante amigos...
R – É, no... Ainda não terminei. Aí, no Fontalis, né (risos) a gente já brinca... como já era mais natural, né? Tinha bastante barro, campo, lago. Então as brincadeiras lá já foram diferentes. A gente pulava barranco, treinava mortal... Ia pros laguinhos nadar e andava muito de bicicleta, também.
P/1 – Você, nessa época, você já tinha uma ideia do que você gostaria de fazer quando você ficasse maior, quando você crescesse... Qual profissão você gostaria de seguir?
R – Não, eu não nunca tinha pensado assim, porque eu vivi bastante a minha infância, né? Eu curti. Brinquei bastante, eu vivi bastante, então eu não pensava nesse negócio de emprego e geração de renda, né? Dinheiro, conta, dívidas, eu não pensava nisso (risos).
P/1 – Você tem alguma lembrança marcante do período que você estava na escola?
R – Ãhn... Escola... Eu lembro que foi quando eu estudava no Jardim Antártica, lá no Elza Saraiva. Que foi um momento que parou, né? Foi a primeira vez que apareceu aquele negócio do PCC. Aí, parou tudo. Parou São Paulo inteiro e as crianças não podiam sair da escola. E como minha mãe trabalhava, ninguém podia me buscar. Então, eu tive que ficar até umas sete, oito horas da noite, até minha mãe chegar do trabalho pra poder ir me buscar na escola.
P/2 – Então... É que essa coisa de brincar na rua é uma coisa que acontecia muito lá na zona Norte porque as ruas eram de barro, né? Me conta aí como era o seu relacionamento com essa molecada que brincava na rua... Você tem alguma coisa, assim, afetuosa sua, que você lembra disso? Desse tempo?
R - É, então, até hoje, muitos amigos da minha infância, né, ainda continuam na minha vida, moram tudo perto. Alguns foram embora, mas muitos permaneceram. Então, a gente ainda tem contato. Tem uns ainda que... Uns dois, três ainda continuam trabalhando junto comigo agora nos projetos que a gente tem. E muitos... Tem muitos amigos, né? E acho que faz uns dez, 12 anos que eu moro lá, então eu conheci muita gente. Então, tem muito amigo, tem muita amiga, né? A gente construiu uma história lá no Fontalis, né?
P/3 – Dessa época que você jogava taco, jogava bola, ainda nesse lugar que era na rua... Aconteceu alguma coisa que você lembra, assim, alguma situação?
R-... Catástrofe? (risos) Ai, eu lembro que a gente...
P/2 –... Ou alguma coisa engraçada, também...
R – Não, é... Acontecia muita coisa, né? Teve uma vez que a gente tava jogando “chuta litro”. E o menino foi e chutou a garrafa e ela viajou e quando chegou lá embaixo, tinha um menino, lá na moita, lá embaixo. E caiu bem na cabeça dele (risos). Aí a garrafa estourou e ainda fez um corte na cabeça dele, uma garrafa de plástico com água. Aí, depois disso, que isso aconteceu, foi proibido a gente brincar disso na rua.
P/3 – Como que era essa brincadeira?
R- É uma garrafa com água... É como se fosse esconde- esconde. A pessoa chuta a garrafa lá embaixo. Quem ta “batendo”, né, a cara, tem que ir atrás da garrafa, enquanto os outros se escondem. Aí a pessoa tem que ir procurar. Se achar, tem que vir correndo pra bater na garrafa. Só que se a outra pessoa vir correndo e chutar, aí da tempo de todo mundo se esconder de novo. Então, a brincadeira era essa. Tinha que guardar o litro, né, bater a pessoa, no litro, mas não podia deixar ninguém chutar, porque se chutasse todo mundo se escondia de novo. Era uma brincadeira legal.
P/3 – E na época de ficar... Qual foi... Com que idade você foi pro outro bairro que você falou que tinha natureza, laguinho?
R – Com 11 anos de idade.
P/3 – Como chamava o bairro?
R – Jardim Fontalis. Eu moro no Flor de Maio, né?
P/3 – E como era essa época? Como a Flori perguntou... Essa relação com os amigos. E, também, uma história que tenha acontecido, assim, marcante?
R – É, a gente vivia muito, né, jogando bola. A gente... A gente menor, mas a gente também já convivia com os caras mais velhos. Ia pro campo jogar bola, muita briga, muita coisa, né? (risos) Por causa de futebol, né? Um negócio mais de contato físico. Então, a gente... Tinham uns que gostavam, outros não. Então, saía muita briga. Por causa de pipa, também saía muita briga, né? Negócio de linha. Mas... Era isso.
P/2 – Teve alguma situação de pipa, assim, que foi inesquecível?
R – Teve. Assim que eu mudei. Eu tava empinando no terreno, aí eu tava andando pra trás. E eu caí num buraco onde tava sendo construída uma casa. E tinham uns ferros atravessados, assim, né? Só que na hora... Eu caí de costas. Mas, quando eu caí no buraco, eu caí de lado. Então, eu entrei no meio dos ferros e os ferros ficaram assim, ó... Aí, só fiz um corte, aqui, superficial na barriga e na canela, assim, ó... Mas, acho que foi Deus até que salvou mesmo, porque se eu tivesse caído de costas, por cima dos ferros... Eu acho que já tava aqui hoje.
P/1 – E... Nesse período todo, essas brincadeiras na rua. Em que momento você começou a perceber que você tava deixando de ser criança e passando pra adolescência? Em que momento você começou a mudar as amizades? No sentido de querer namorar, sair sozinho...?
R- É, então... Foi nessa época. Quando eu mudei pro Fontalis, com meus 11 anos, eu tive mais liberdade lá, né? Então, a gente já ficava na rua até tarde, a gente fazia fogueira, à noite. Chegava umas dez, 11 horas da noite. É... Questão de ir pra escola, né? Eu era um pouco mais velho que os meninos e eu ia com os meninos pra escola pra defender eles, aí a gente arrumava (risos)... Aí, teve uma vez que todo mundo, os amigos, todo mundo arrumou uma namoradinha. Todo mundo tinha uma namoradinha, né? Então, foi com meus 13, 12 que eu comecei a mudar mesmo, né? E, também, que... Eu que construí minha casa, né? Eu que ajudei. Tinha um pedreiro, mas eu que tava lá tirando barro, fazendo massa. Então, foi aí que eu vi que se não fosse eu, não ia sair as coisas.
P/1 – Então, quando você chegou nesse bairro, você começou a construir sua casa...
R – É.
P/1 – Morava você e sua mãe...
R – Minha mãe e minha irmã.
P/1 – E aí, foi a construção... Como foi isso pra você?
R – Foi uma coisa... novo, né? Uma coisa nova. Uma surpresa. Que eu tive que já com 12, 13 anos já começar a trabalhar, né? No pesado. Foi que nem meus tios falavam... Meus pais... Meus tios falavam que saíram de casa com 12, 13 anos pra começar a trabalhar. Foi a mesma época que eu comecei a trabalhar no pesado com construção.
P/1 – Você tinha aprendido com alguém?
R – Não. De... né? De ajudante. Os pedreiros contratavam e eu ia. E assim vai aprendendo. E hoje eu já até ensino até minha mãe a colocar azulejo (risos).
P/2 – Esse trabalho, você fazia, assim, no período que você estudava? Junto com a escola? Você trabalhava de auxiliar, de ajudante de pedreiro...
R – É, trabalhava de manhã, né? Ajudava de manhãzinha, até o meio dia e depois ia pra escola. Aí, chegava às seis da tarde, aí tinha que dormir. Mas, era sempre de manhãzinha, aos finais de semana. Finais de semana eu ficava muito bravo, porque eu queria brincar e não podia. Tinha que ficar trabalhando na construção da casa.
P/3 – De outras casas...
R – Não. Da minha mesmo. Que até hoje a gente ainda não terminou (risos). São três andares, mas ainda faltam dois. Então, ainda falta terminar muita coisa.
P/1 – Você considera esse o seu primeiro trabalho?
R – Considero.
P/1 – E em que momento você começou a trabalhar pra ter remuneração?
R – Aí, foi... Depois dos 16, né. Que eu fiz um curso na Comgás. A gente participou de um projeto, aos 15 anos de idade: “Hip de la Hop”. Foi
patrocinado pelo VAI. Aí, chegou lá, o projeto tudo certinho
1), a gente começou a se envolver, né, na cultura do Rap, Hip Hop, Break Dance, grafite... Aí, a gente começou a ir... depois desse projeto, a gente começou fazer um curso na Comgás, lá no Brás. Aí, a gente começou a elaborar projeto. A gente ganhava uma remuneração por mês, cada integrante do projeto. E foi aí que... Depois do trabalho de construção, esse foi o meu segundo trabalho, né? Desenvolver projeto social. Aos meus 15, 16 anos de idade.
P/2 – Você trabalhava de ajudante da sua casa, que você fazia de final de semana...
R – É.
P/2 – E você trabalhando de ajudante, também teve alguma situação, assim, que foi diferente da rotina?
R- É... Que eu trabalhava com o meu tio, né? Então, a gente sempre discutia (risos). Minha família tem um gênio muito forte. Então, a gente discute muito mesmo. A nossa família têm o gênio forte e a gente tem a opinião forte... Então, eu e meu tio, trabalhávamos e não dava certo. A gente discutia mais do que trabalhava (risos).
P/2 – Que tipo, assim? Conta uma.
R – É.. não. É de questão, de... né? Mandar, né? “Tô mandando você fazer” (risos). Aí, eu falava “Não, ninguém manda em mim. Eu não tenho nem pai. Nem meu pai não manda em mim, e você, meu tio, vai querer mandar em mim. Eu não tenho pai, você vai mandar em mim?” Então, as brigas eram, mais ou menos, assim. Negócio de “Eu to mandando você fazer”. Então... Ninguém manda em mim, não (risos). Então, era isso.
P/2 – Seu pai não veio pra cá com vocês...
R – Não. Ele mora lá, na Paraíba.
P/3 – E como o artesanato... Esse desenvolvimento das mãos, do artesanato, entrou na sua vida?
R- Aos meus sete anos de idade, quando eu morava ainda no Jardim Antártica. Minha mãe tava desempregada, aí ela ia, né... Ia pra casa de uma amiga dela e a amiga dela fazia, pra vender. Aí, ela começou a aprender e eu olhando, também comecei a aprender. Aí, depois eu fiquei fazendo, né? Até meus... Dos sete eu aprendi, o oito eu fiz, nove. Aí, depois dos dez, 11, eu já não fazia mais. Aí, foi quando eu mudei. Mudei pro Fontalis. Aí, quando eu cheguei lá era só diversão, né? (risos)
P/3 – Mas era esse artesanato que você faz, ou era outra coisa?
R – Não,6) já era crochê. Tapete. A gente fazia bastante tapete. Tapete, puxa-saco... Bastante coisa em crochê.
P/2 – E você vendeu algum trabalho nessa época?
7) R – Quem vendia era a minha mãe. Eu fazia e quem vendia era ela. Até uns, cinco, seis anos atrás eu ainda fazia e quem vendia era ela. Aí, depois que eu mudei pra Paraíba que eu assumi essa profissão de artesão. Que eu cheguei lá, passei por bastante necessidade, passei muita coisa, né? E fora os preconceitos... Que o pessoal falava que a gente saía pra roubar o emprego deles lá e não sei o que. E quando a gente... Que eu até fui num lugar lá onde era o CAT, né? Que entregava lá as fichas de emprego, os negócios... Todo mundo saía com as fichas, menos eu. Eu falei “Oxe”... Perguntei, né? “Não tem ficha pra mim? To vendo todo mundo”... “Não, pra você não tem. Pra você não tem”. Aí, fiquei... Achei estranho. Fui de novo e toda vez que eu ia, eu nunca saía com nada e todo mundo saía com papelzinho de encaminhamento, menos eu. Aí, depois eu percebi... Que eu arrumei uma namorada, mandei ela daqui de São Paulo pra lá, né? Chamei... Levei ela daqui de São Paulo pra lá. Aí, ela arrumou um emprego, uma entrevista. Quando chegou lá na entrevista, que ela falou assim “É a Daiane”. “Mas, da onde você é?” “De São Paulo”. “Ah, não. Já foi preenchida a vaga.” Mas, não tinha, né? Tinham chamado ela. Ela ligou antes e falou “To indo pra entrevista”... “Pode vir, normal”. Aí,quando a gente chegou lá, que ela falou que era de São Paulo. “A vaga já foi preenchida.” Aí, a gente percebeu mesmo que era preconceito, da gente ser de São Paulo. Que o pessoal falava que a gente saía daqui pra pegar o emprego deles lá, né?
P/3 – E isso foi que ano, mais ou menos?
R- Foi há dois anos atrás....Três, quatro anos atrás. Vai fazer dois anos que eu to aqui... Há quatro anos atrás.
P/1 – Você ficou quanto tempo?
R- Fiquei dois anos morando lá na Paraíba.
P/1 – Você ficou dois anos e faz dois anos que você retornou pra cá...
R -... Que eu retornei.
P/1 – Você já teve outros tipos de trabalho, além de ser artesão?
R- Ah, eu trabalhei de muita coisa, mulher (risos).
5) Já trabalhei em depósito de construção, já fui cobrador de lotação, já fui cobrador de ônibus, trabalhei em mercado... Que mais?...Ãhn... Trabalhei em lanchonete, como atendente... Em shopping como vendedor... Deixa eu ver mais... Ajudante de pedreiro, de pintor, de eletricista... Que eu sou formado, também. Fiz um curso técnico em Instalações Elétricas. Também já trabalhei de auxiliar administrativo... Ah, um monte de coisa.
P/1 – E quando você foi pra Paraíba, a única forma que você conseguiu de se manter foi sendo artesão.
R – É. Foi onde, né? Eu consegui. Porque eu já sabia fazer o crochê, né? E eu cheguei lá e lá é considerado o berço do artesanato. Então, como eu passei por esses mal bocados de não conseguir emprego... Então, eu tive que me virar. Foi aí que eu conheci um pessoal lá do Espaço Cultural, na Rua Epitácio, né, Epitácio Pessoa, lá na Avenida... E aí, eles me conheceram, me acolheram e me deram um emprego na lojinha de artesanato. Então, eu ficava tomando conta da lojinha e fazendo meus crochês. E vendendo, né? O artesanato deles e o meu. E, também, aí foi onde eu também comecei a colocar na internet, nas redes sociais... E tinha muito pedido.
P/1 - E o que te trouxe de volta pra São Paulo?
R – É... Foi... Na verdade foi a minha esposa. Que ela quis voltar, né? Com saudade da família dela. Então, ela veio primeiro... Que aí ela já veio grávida... De lá. Aí, quando ela veio, ficou um ano... Aí, eu voltei pra ver minha filha nascer. Quando chegou perto da minha filha nascer, eu vim... pra ver minha filha nascer. Aí, eu to aqui até hoje.
P/1 – Você conheceu... Como você conheceu ela?
R – Eu conheci ela pelo grupo de whatsapp, mulher (risos). Conheci ela pelo grupo do whatsapp... A mãe da mais nova, né?
P/1 – Quantos filhos você tem?
R- Eu tenho duas filhas.
P/1 – Qual a idade delas?
R – Eu tenho a Ana Lara, do primeiro casamento, que tem oito anos. E tenho a Anne Beatriz, de dois anos, do segundo casamento.
P/1 – Como que é a emoção de ser pai?
R – Ah, não tem palavras, né, mulher? Ela tem chamar de pai, né? Que nem... Como eu nunca tive pai, não fui criado por pai, chegava no Dia dos Pais, a gente tinha que dar o presente pra minha mãe. Aí, agora chegar em casa e ela vir com aquele cartãozinho escrito “Você é o melhor pai do mundo. Te amo, Papai”... Não tem... Não tem dinheiro que pague. É uma satisfação gigantesca.
P/1- Em que momento você entrou na Cria Norte? Como que você chegou até lá?
R – Na Cria Norte foi... A gente tava, né? Tava vendendo, já tava colocando na internet minhas coisas, no whatsapp, vendendo tudo... Toquinha, a gente fazia. Quando eu vim pra cá aí que a gente... Que de lá da Paraíba eu já mandava as coisas pra minha mãe. A gente fazia lá, eu e minha e minha esposa, e eu mandava pra minha mãe vender aqui. Aí, minha esposa veio, a gente continuou fazendo, né? E colocando na internet, nas redes sociais. Foi quando uma amiga viu a divulgação, né... Do Cria Norte, que tava precisando de artesãos. Aí, ela foi lá e me marcou “Olha, Emerson, ta precisando...”. Aí, eu fui lá, me inscrevi e depois de alguns dias me chamaram. Aí, eu fui, me apresentei, mostrei meus trabalhos e todo mundo gostou.
P/3 – Isso foi uma surpresa, né? Porque você...
R – Foi. Porque era mais pra mulheres, né? Empreendedoras da zona Norte. Artesãs. Aí, tipo, eu cheguei como um homem, tipo, foi novidade, né? No crochê, ainda. Tipo... Foi uma novidade pra elas e pra mim também, ser aprovado.
P/2 – Você sabia que era só para mulheres, quando se inscreveu?
R- É... Tava lá, né? “Artesãs”, né? “Mulheres empreendedoras artesãs na zona Norte”. Mas, como eu era casado, eu falei “Ah, não... se... Eu vou me inscrever e você se inscreve também.” Só que aí, não chamou ela, chamou eu (risos). Aí, eu que fui.
P/2 – E quando... Você acabou de dizer “Ah, homem, com o crochê”... Como que é essa reação? Aconteceu alguma história, assim...?
R – Ah, tem um monte...
P/2 – Conta uma.
R – Eu faço muito no ônibus, né? Então, tem muita gente que olha, assim. Fica assim, ó... Aí, não fala nada. Só fica, assim... E não tem coragem de falar. Mas, também já passei, na Paraíba, uma situação que... Uma amiga uma minha, ela tem um filho especial. Aí, ela chegava e falava “Olha ele fazendo crochê”. “Não, mas isso não é coisa de homem, não, mãe. Isso não pode. Homem não pode fazer isso, não. Isso é coisa de mulher”. E toda vez ele falava a mesma coisa. Ela chegava e já fazia de propósito, né? Falava “Olha, você tem que aprender a fazer crochê igual o Emerson”. Ele falava “Não, mãe. Tu ta doida? Não quero... Homem não pode fazer crochê, não.” E ela ficava nessa e a gente rachava o bico, né? Dava bastante risada com ele. Pelo fato de ele ser especial. Então, a gente não encarava, assim, como um preconceito. Era mais um... A gente levava, encarava mais como uma piada, né?
P/3 – E, como que é sua relação... Você chegou a fazer artesanato com as mulheres do Cria Norte? Juntos? É... Existe essa possibilidade? Vocês já trabalharam juntos?
R- Não. Em outro lugar, não. A gente se conheceu lá, né?
P/3 – Lá aonde?
R – Lá no Center Norte, no Lar Center. Foi quando teve a seleção... Foi umas 200 pessoas. Ai, eu fui conhecendo as pessoas. Com muitas eu fiz contato. Hoje já não estão mais com a gente e algumas que continuaram. E o artesanato, assim, a gente faz lá quando a gente tem um encontro, né? Que é o encontro... Toda terça-feira a gente tem um encontro. Aí, às vezes tem algum responsável da empresa patrocinadora e às vezes a gente se encontra só pela gente, mesmo. E quando a gente se encontra sem nenhum responsável, a gente vai ensinando a técnica pro outro, passando a informação...
P/2 – E isso foi combinado, assim? Que seria assim a rotina de vocês?
R – No começo foi, né? A gente tinha um acompanhamento, mas aí depois ela já foi pra dar autonomia pra gente. Falou “Eu vou começar a vir menos, pra vocês terem mais autonomia. Pra vocês começarem a se organizar, porque eu não vou estar aqui pra sempre.” A Camila fala, né?... Então, a gente foi criando essa autonomia e se virando sozinho.
P/2 – E como é a relação de fazer artesanato, às terças-feiras, com essas mulheres?
R- Ah, mulher (risos). Eu vou falar pra você... Tem que ter paciência, viu? Porque, eu sou o único homem, com 15 mulheres em volta... É complicado (risos). É... Mulher é muito sentimento, né? Então é muita coisa que acontece. É uma palavra mal dita, que elas entendem mal e já levam pro pessoal. Então, a gente tem que ser bem cauteloso, pra não magoar elas, né?
P/3 – Mas, não tem, assim, um apoio entre vocês? Você não sente isso?
R – Tem. A gente conversa muito. A gente troca ideias, né? Um da opinião no trabalho do outro... Porque a gente é um coletivo, né? Que a gente tem até uma frase que é “Juntos somos mais fortes”. Que a gente leva isso... Pra todo lugar que a gente vai, a gente leva isso. Redes sociais, palestras, feiras, a gente fala que “juntos nós somos mais fortes e vamos mais longe”, né? Então, é esse carinho que a gente tem um com o outro, dentro da rede CriaNorte.
P/3 – O que mudou no Emerson depois dessa relação com essas mulheres?
R- Ah, mudou muita coisa, mulher. Paciência, né? Porque eu tive que criar mais... Porque não sou nenhum um pouco paciente (risos). E... Eu também, depois que eu entrei, eu fiz até um curso de cuidador de idosos, também, né? Porque, eu comecei a trabalhar, comecei dar... Ministrar oficina a senhoras da terceira idade, mulheres vítimas de violência doméstica... E no meu grupo, tem senhoras aposentadas, já. Então, é o que eu falei: a gente tem que ter esse cuidado. Então, eu me especializei mais em outras coisas, em outras áreas, que não tinham muito a ver com artesanato. Mas, sim, com cuidado do próximo, da pessoa.
P/2 – Emerson, tem alguma... Eu sempre pergunto, né, se teve alguma situação que você possa descrever, né? Algum momento, ali, com as mulheres...?
R- Deixa eu ver...
P/2 – Ou uma história, que mostra dentro disso que você falou. Ou, uma rotina...
R – Deixar eu ver... A gente vive muita coisa, né, mulher? A gente participa de feira. A gente vai pra lá, pra cá. Seleciona um ou dois... Sempre tem aquela que a gente tem mais afinidade e aquelas que a gente não tem tanta. Mas, é isso... Eu tento sempre ser imparcial, né? Não quero nem estar de um lado e nem do outro. Porque, é como eu falei, são muitas mulheres, então, elas criam aquele Clube da Luluzinha, o Clube da Bolinha... Então, tem uma que vai com a cara da outra e a outra que não vai... Então, a gente tem que tentar ser imparcial pra não ficar do lado dela, pra ela não ficar com raiva. Então, eu sou aquele não opina em nada e só vejo tudo, só observo. Mas, é assim que eu sigo.
P/2 – E quando você vendeu a primeira peça no Center Norte, você lembra?
R- Então... No primeiro dia que eu fui, foi uma das maiores vendas. Eu tava com a nossa gerente, a Fabi, aí veio uma das proprietárias, né, do Center Norte. E ela pegou todas as nossas moedeiras. Pegou 64, 65 moedeiras, de uma vez só. Foi a primeira venda, meu primeiro dia. Foi... (risos), tipo, foi pra abrir mesmo o quiosque, né? Foi uma coisa boa, foi uma energia boa.
P/2 – O que ela ia fazer com todas essas moedeiras?
R- Ela ia levar pra presentear, né? Que ela ia levar pra outro país... Eu nem lembro mais qual foi o país que ela falou, mas ela ia levar pra outro país pra divulgar a marca. Que ela ia fazer uma reunião com uns assessores, aí... Coisa de empresária, né, mulher? (risos)
P/1 – Hoje a sua remuneração é só como artesão…
R – É. Como oficineiro eu dou... Aulas nas associações, da oficina de crochê, em duas associações diferentes. Eu tava fazendo com criança, ministrando com criança, mas com criança eu tenho que me especializar um pouco mais. Eu quero fazer pedagogia mais pra frente, pra continuar no projeto com crianças. Que aos meus 16 anos, a gente trabalhou com crianças... Até 2012. Lá no Fontalis, né? Com o projeto que eu falei do “Hip de La Hop”. A gente começou... Fez o curso da Comgás 2) . Foi onde a gente se encontrou, né, da cultura, né? Cultura e arte, foi onde a gente se encontrou... A gente fez outros projetos... A gente participou do VAI. Ganhamos o VAI umas cinco vezes consecutivas. E... Cantei lá na USP, cantei lá na Galeria Olido, lá no Centro, no Largo da São Bento, lá... E, a gente ainda vai, de vez em quando. Todo domingo, primeiro domingo do mês tem um encontro lá na Galeria Olido, que é de break... Aos sábados também de break... E tem um negócio de dança, de MC. Aí, é sexta-feira... Então, a gente... Sempre foi assim, né? Quando eu era criança, nos projetos... E fui indo. Arte e cultura, arte e cultura
E hoje ainda continuo na arte e cultura e agora ministrando as oficinas, né? E mais pra frente eu quero melhorar com as crianças.
P/2 – Fala um pouquinho só... Volta. Sobre essa sua composição, essa do break...
R- Do Break? Break Dance?
P/2 – Isso.
R- Então... É... 3) Eu ministrava até oficinas, também, né? Aos meus 16, 17 anos eu ministrava oficina de break na Margareth. EMEI Margareth de Azevedo, lá no Jardim Fontalis. E, a gente conseguia juntar... A gente fez um projeto social. Pedimos patrocínio pro mercado, o mercado fornecia um lanche e a gente, aos finais de semana, conseguia juntar 150 crianças na escola. Crianças de todas as idades, né? E. Foi bom, foi um momento bom (mágico?), que a gente se divulgou. Fora, que né? Os frutos... Você fica feliz com os frutos que crescem, né? Que a gente tem muita... A gente, hoje detêm muito legado, já deixei muitos legados aí pros menor, os mais novos. E a gente ta seguindo... De vez em quando eu dou um treino, eu dou uma palinha pra eles. Eles falam “Olha lá o ___[30:46], olha lá” (risos). Mas, foi assim que a gente continuou. E hoje eu só to mais cantando, né? Cantando e atuando no crochê.
P/2 – Bacana... Tem alguma criança ou jovem que, você diz que... Que teve os frutos, assim...?
R- Muitos que participaram com a gente, né, no projeto “Hip de La Hop”, foi Rincon Sapiência, o Emicida. Tem o Jé Versatil, também, que é do Beat Box... Do break tinha o Vander X, mas ele se aposentou, já. O nosso professor era o Bispo... Do Rap, também, Central Brasileira do Flow, Samuel (S Pow?)... Deixa eu ver mais quem tem... Dj Erick Jay, DJ RM, DJ Zulu... DJ ___[31:35], que era tudo no nosso projeto. Hoje eles estão bastante conhecidos, também, no Hip Hop, né? E agora têm os meninos mais novos, que agora, já é da quarta geração, né?... Tem o Pietro, tem o Elion Anderson, que é meu primo. Tem o Lê, tem o Marcelo, que é do break... Tem o (Maicon?) Rosinha, que é do grafite... DJ, tem o Batata, também, que andava com a gente... O Batata’Killa. O DJ Bom, agora. E tem todos esses legados [vd5]... Uns também que viam a gente, que não participaram, que já eram da terceira geração. Agora é o da Fidelis. Mora lá na minha rua, finalzinho da minha rua... A gente foi, tipo, o primeiro contato que ele teve, a primeira referência dele foi a gente. E hoje ele ta estourado.
P/2 – E você tinha 16 anos...
R – É... 16, 17 anos.
P/2 – Foi quando vocês fizeram o projeto?
R- Foi. A gente escreveu um projeto...
P/2 – Como começou... Antes de chegar no projeto, conta a história de como foi que vocês pensaram pra fazer, quem que tava junto…
ABAIXO:
[1vd] - refere-se a primeira parte do vídeo
[13]. - refere-se ao item da história de vida
R – É, então... Foi quando a gente participou do “Hip de La Hop”. Que foi a Márcia, né? A Márcia que trouxe esse projeto. Veio lá da zona Leste, lá de Guaianases, Cohab I... Que é o que eu falei, nesse começo veio Rincon, veio Central Brasileira do Flow... E a gente começou a participar como oficina, né? Como, como... Pra participar das oficinas, a gente era... Como eu posso falar? É... A gente não era oficineiro, a gente era o educando, né? Então, a gente foi aprendendo e foi aprendendo e foi aí que a Márcia indicou a gente pra fazer o Comgás[1vd] [13]. Aí, do Comgás que a gente entrou e começamos a ganhar uma remuneração pra aprender a escrever o projeto. Que, até teve uma vez que eles jogaram a gente lá no Brás e falaram “Se vira, aí. Monta o projeto de vocês em algum lugar aí.” (risos)
P/2 – Quem que jogou?
R- Foi a responsável, nossa professora. Era... Eu acho que era a Teca, Teca Barbieri. E a gente foi lá. Entramos numa escola, conversamos com o diretor, apresentamos uma oficina, pra uma sala inteira, de dança, né? Até... Época que eu dançava, fui eu que dancei lá na frente. Os caras só ficaram falando. Então, foi bem bacana.
P/2 – E quando você se apresentou lá na frente... E a reação das crianças?
R- Ah... Foi boa. Porque elas... Porque a cultura, mesmo, não ta em todos os lugares, né? Muita gente nem sabe o que é a cultura do Hip Hop, do Rap, o Break Dance, o grafite... Eles ainda não conhecem. Então, às vezes é uma surpresa. Então, todo mundo quando vê, fica impressionado. Aquele cara girando de cabeça, girando com as costas no chão, pulando mortal e se jogando, né, no chão. Que eles falam “É dança de doido, né?” Se joga no chão, é dança de doido (risos). Então, era... Foi bacana. Foi uma experiência legal.
P/2 – E aí, sai o projeto...
R- É. Aí, saiu o projeto. Que aí nosso projeto, depois do “Hip de La Hop”, virou JCC, Jovens Cidadãos Convictos. Que aí, a gente ficou até 2012, nesse projeto. Foi de 2006, 2007, até 2012. Foi quando a gente ganhou, né, o negócio do VAI, o patrocínio do VAI. E... Aí, o nosso projeto acabou[vd6]por quê? A gente, né... Como a gente ainda era menor, na época a gente tinha que ter um responsável de bairro. E o responsável de bairro fez o quê? Uma reunião enquanto a gente não tava, pegou nossa aparelhagem e doou pra uma escola. Porque a gente tinha colocado ela como responsável... Ela pegou nossas coisas, doou pra escola e falou que tinha que ter feito isso. Que o projeto já tinha acabado. Mas, não, as aparelhagens podiam ficar com a gente. Que no final eles falam, né? A gente faz a prestação de contas, o que a gente comprou, o que a gente não comprou... A gente fez a prestação toda certinha. Aí, o projeto, a gente tinha que doar pra uma ONG. E aonde a gente fazia o projeto, já era uma ONG. Então, a gente tirou da ONG e levou pra escola pra fazer as oficinas aos finais de semana. Aí, essa responsável de bairro fez uma reunião lá com a diretora. Que a diretora queria tirar a gente da escola... E doou toda a nossa aparelhagem. Perdemos R$ 125.000,00 só em aparelhagem.
P/2 – E o grupo, a partir daí, foi...
R – Foi aí que a gente deu uma parada. Cada um foi pro seu canto... Aí, foi quando eu casei, né? Meu primeiro casamento. Tive minha filha. Aí, eu comecei a trabalhar, igual um condenado (risos). Aí, foi aí que... Depois a gente voltou ainda com o grupo, né? Com o Composto, um grupo de Rap. Era eu o LP e o Gago. Mc Gago. Que gago só na hora de falar, porque na hora de cantar (risos), cantava tudo certinho. Mas, aí a gente continuou. Deu uma parada de novo, cada um foi pro seu canto, cada um casou.
10) E agora, a gente voltou de novo com outro projeto, que é o “84 Norte”. Onde a gente é um estúdio de gravação. É... E tem, também, o nosso compositor. A gente tem MCs, a gente tem breaks, né? Os B Boys... E também tem os grafiteiros.
P/1 – E além da Galeria Olido, onde você falou que vocês se apresentam, vocês fazem outro tipo de apresentação?
R – É, a gente vai muito em eventinho, né? Tem uns eventinhos na quebrada... Uns barzinhos que a gente canta... De final de semana a gente vê, assim, organiza algum evento, numa escola. Ou... A gente tem até um espaço, que a Casa Cultural Hip Hop Jaçanã, que é uma ocupação. Não é nem liberado pelo governo, nem nada. É uma ocupação. Que a casa era um Telecentro, né, antigamente. Aí, desativaram os Telecentros e a casa ficou lá abandonada. Então, a gente entrou com a ocupação e estamos com esse negócio... Desenvolvendo projetos sociais lá dentro [vd9].
P/2 – Como é que foi essa ocupação? Conta desde o começo.
R- Então... Faz um tempinho, né, que o pessoal ta lutando lá. Ainda estamos lutando, ainda. Que a prefeitura quer o lugar de novo. Quer fazer a reintegração de posse. Então, a gente, aos finais de semana, assim, a gente organiza um evento, coloca lá... Tem um bazarzinho pra vender as coisas, né? Tem entrega do leite na semana. E... É um pessoal, até um pessoal mais velho, mais antigo, que toma conta agora, né? Que eram os líderes comunitários, né? Então, a gente chegou só pra somar. A gente chega lá com os projetos, explica como é que vai ser. Tal dia, qual dia. E eles aprovam e a gente faz, lá, o movimento acontecer. [vd10]
P/2 – Hip Hop...
R – Hip Hop, é.
P/2 – E... pra esse vocês não ganharam, assim, ___[38:07] edital...?
R – Não, então... Esse ano a gente se inscreveu, né, pro edital do VAI. Mas, a gente não foi aprovado. Ficamos na lista, lá, dos escolhidos, mas não fomos aprovados, não fomos pra frente... Aí, a gente vai ver se ano que vem a gente consegue.
P/2- Mesmo assim, vocês continuam fazendo o projeto...
R- É... A gente, é, agora... Esse mês, agora... Acho que um mês atrás a gente lançou o EP do meu primo, né... Elion Anderson. O “Wild Party”. Então, saiu o CD dele agora. A gente fez a gravação, a duas semanas atrás, do clipe e a gente também vai fazer o documentariozinho e entrevista, pra sair completo. Vai sair... Todos os artistas, agora, vão sair com o EP com seis faixas, uma entrevista, um documentário e um clipe. Então, a gente vai começar a lançar eles assim.
P/2 – Só me explica uma coisa: o que é o VAI?
R- O VAI... Valorização das, né, iniciativas culturais. Acho, que é isso... Se eu não me engano, não é?
P/2 – Da Prefeitura...
R – É... Aí, a gente participou. Nos inscrevemos nos projetos. Também, a gente participou de um projeto do Sou da Paz, que a gente também ganhou um patrocínio de, acho que foi R$5.000,00. Que a gente queria montar o estudiozinho, né? E... Foi aí 4) que a gente viu que tem como a gente colocar o nosso sonho pra frente. Nossa ideia, né? Que foi nesse... Com esses projetos, a gente mudou muita gente. Mudou e salvou vidas, né? Que a gente, querendo ou não, era um projeto que era pra jovens em situação de risco, né? Jovens que ficavam na rua à toa, aos finais de semana, que não tem aula, não tem nada. Não tinha cultura... Então, a gente montou esse projeto nesse intuito. De tentar reunir esse pessoal, pro pessoal não ficar na rua usando droga ou fazendo outras coisas, né... Coisa errada. Então a gente tentava juntar pra eles ficarem lá, pelo menos no período da manhã, até meio-dia. A gente conseguiu lanche... Porque tinha criança que ia lá só pra tomar o café, porque... Em casa não tinha. Então, a gente fez esse negócio, corremos atrás do patrocínio do lanche no mercado e o mercado sempre ajudou. Então, pra gente, foi uma grande conquista.
P/2 – E sem pensar na remuneração...
R – Não. A gente, final de semana era de graça. A gente trabalhava e não ganhava pra nada. A gente ia de coração mesmo.
P/2 – E teve alguma história, algum testemunho, de algum jovem, assim, que você percebeu, assim, que realmente fez a diferença?
R- O que fez a diferença foi o Projota. Tem até um vídeo no youtube que ele fez a Declaração da Mãe no nosso projeto, lá. Foi... Ele ainda não tinha seguido carreira, né? Não tinha entrado na mídia. Ele fez a declaração do Dia das Mães... Que ele perdeu a mãe dele. Então, foi muito chocante, naquele dia. Muita gente chorou, porque ele falou que viu a mãe dele morrendo e tudo mais... E é uma história, acho que, até verídica, não tenho certeza. Mas, foi uma história que comoveu, que mexeu mesmo com o pessoal. Aí, até no final o Fernandão, lá, o gerente, falou “Vamos valorizar a mãe, o pai de vocês, porque eles não vão estar aqui pra sempre”. Foi uma coisa que marcou.
P/1- Uhum... Esse projeto,você continua com ele até hoje.
R- É, hoje a gente é a “84 Norte”, né? Que é o nosso coletivo, que a gente é produtor, MC, grafiteiro... Então, até o artesanato, que a gente faz artesanato sustentável com... Com madeiras, né? A gente pega paletes, sobras de cama... A gente faz banco, faz cinzeiro de bambu, a gente faz incensário, a gente faz aquele jardim vertical. Então, a gente trabalha no ramo da sustentabilidade, né?
P/1 – Fala um pouquinho do que é um artesanato sustentável.
R- É... Eu vou falar que nem esse dos bancos que a gente faz. A gente vê aquelas grades de cama, espelho de cama, e a gente pega e a gente faz um banco, né? E deixa bonitinho. Lixa. Pinta. Então, a gente tira do meio ambiente, né, que foi descartado, uma poluição que tava lá, que alguém jogou fora e ninguém sabe quem foi. A gente pega e da uma vida útil pra esse resíduo que ta lá desperdiçado. E a gente ainda consegue, ainda, ganhar um dinheiro em cima disso. Com o lixo que a pessoa jogou fora. A gente da uma vida útil praquele resíduo que foi descartado no meio da natureza.
P/1 – E no crochê?
R – No crochê, a gente trabalha muito com as costureiras, né? A sogra da minha irmã, ela é costureira. Minha tia é costureira, então... Vão sobrando os resíduos de... Eu esqueci o nome agora, desculpa. É... Do viés, né? O negocinho, aqui, de colocar assim, que sobra das costureiras. Então, eu vou pegando e vai aonde vira o fio de malha, pra eu fazer as bolsas... Né? Faço bolsa...
(Alguém) – Emerson, posso te pedir um favor? Essa história é bem interessante, você pode recomeçar? Só por causa da interferência no microfone. Ta bom?... Você mesmo reconheceu... Conta esse processo, de novo, do começo.
R- (risos)... De novo, começa... Como é que foi mesmo?
P/1 – Sobre o crochê…
(Alguém) Isso, exatamente. Você tava falando das etapas do material que você utiliza...
P/2 –Sabe, aproveitando que você vai contar de novo... Contar, assim, de onde veio essa ideia de banco. Como é que você aprendeu essas coisas? Aí, engata com usar o fio, usar o... Entendeu? Pra contar a história inteira. E quantas crianças fazem parte desse projeto.
R- É... Então... O artesanato sustentável, né? A gente sempre... A gente... Meu pai sempre pegou reciclagem. O tempo que eu fui pra lá, que eu conheci ele, ele pegava reciclagem. Então, a gente sempre fez artesanato: eu, minha irmã e minha mãe, né? E o artesanato é o que? É reaproveitar as coisas, né? Fazer artesanato é, tipo, pegar um pote de vidro e fazer uma capinha, fazer uma decoração e deixar, dar uma nova cara praquilo, né? Então, foi daí que a gente tirou a ideia de pegar os resíduos, né, na rua, descartados, pra gente começar a fazer uns objetos, algum presente... Porque, tava sendo muito descartado. Onde a gente mora é verde, é tudo verde, tem bastante plantação, bastante árvore, mas também tem as pessoas que jogam lixo na rua, né? Então, a gente começou a ver isso, a gente começou a ver que do lixo da pra gente tirar um dinheiro, né? Também da pra sobreviver disso. Então, foi aí que a gente pegou, começou a ver cama. Espelho de cama jogado na rua, paletes, pneus... E foi aí que a gente começou a criar um banco. A gente pega o espelho da cama, cria, faz o assento, tudo certinho. Lixa, pinta e depois vende. Então, a gente tirou, né, do meio ambiente que tava sendo poluído e demos uma vida mais útil praquele material que foi descartado. Aí... Na questão do crochê, eu trabalho com as costureiras, né, de bairro. Que é minha tia, a sogra da minha irmã e, então, sempre sobra o viés, né? O viés, aqui, assim, das camisetas... Então, a gente... Eu percebi que a extensão do fio de malha. Que dava pra fazer bolsas, pochetes, cachepós... Então, foi aí que eu comecei, até, a recrutar elas, pra pegar esses resíduos pra eu fazer as bolsas... E no finalzinho, assim, eu sempre dou um agradinho pra elas, de alguma peça.
P/2 – Tudo de crochê...
R- De crochê.
P/2 – Que bairro você mora?
R- Eu moro no Jardim Fontalis.
P/2 – Essa parte você também ensina pros jovens, não? Só a parte do Hip Hop.
R- Não. O crochê eu ensino pra senhoras, né? Senhoras da terceira idade e mulheres vítimas de violência doméstica... Mulheres em depressão, né? Que a gente faz como terapia ocupacional nas associações. É um trabalho remunerado, que eu ganho pra isso. E é assim que a gente ta indo, né? Tem até umas crianças, também, umas meninas mais novas de 12, 13, umas de sete, que vão com a mãe ou com a tia e estão aprendendo
P/2 – E teve alguma situação marcante, dessas mulheres, pra você? Alguma...
R- Teve uma, agora, recentemente. Que, não teve nem a oficina, né? Teve uma palestra de suicídio. E a mulher, era o primeiro dia que ela tava indo lá. Era o primeiro dia, ela nunca tinha ido. Aí, quando ela chegou nesse dia, teve essa palestra... Pra ela, acho que foi... Foi, acho que ela foi enviada por Deus naquele dia. Porque, ela já tinha tentado se matar e tem uma doença séria, que eu não lembro mais o nome... É um negócio mais avançado de depressão. Que ela tentou se matar não sei quantas vezes... E fora os acontecimentos, né? Da família deixar de lado... Então, tipo, quando ela chegou lá, que ela contou isso, todo mundo olhou pra ela, assim, tipo, impressionado. E ela chorando, chorando, chorando bastante... E foi uma coisa que marcou, né?
P/2 – E do seu trabalho, alguém comentou alguma coisa?... Você ensina pra elas o seu trabalho...
R- Aham.
P/2 – Alguém, alguma vez, comentou, assim, do resultado? Pra pessoa?
R- Pra elas? Não. A gente tem bastante assistente social lá, né? Então, elas também incentivam as mulheres, né?
*** Falam “Nossa, como ta lindo o seu trabalho”. Aí, eu até brinco. Falo com elas, assim “Pergunta pra ela quem foi que ensinou”. Aí, elas falam “Aah, foi o meu professor Emerson que me ensinou”. Aí, a gente da risada até umas horas, né? (risos). É muito engraçado. É uma energia muito boa.
P/2 – Alguém, quando chegou pra aprender crochê e viu você...
R- É... Não... É o que eu falei. Aquela visão, né? Olha, assim, cabelo grande, homem, fazendo crochê, fala “Esse cara não é homem” (risos). Aí, todo mundo ainda pergunta... Têm umas que perguntam “Você não é viado, não?” “Não, sou não, mulher. Sou casado, tenho duas filhas”. “Mas, isso não importa, se tem duas filhas. Você não é, não?” Eu falo “Não, mulher, ta doida, é?”(risos). Então, tem umas perguntinhas assim, tem umas coisinhas... E a gente que incentiva muito elas, né? Porque, muitas que estão lá, elas sofrem, mesmo de depressão... Umas sofrem violência doméstica... Então, a gente tem que incentivar elas, para elas verem que a vida não acabou, né? Não é só isso. O que elas estão sofrendo, ou o que elas sofreram... Que pode ser melhor daqui pra frente. E tem umas que aprenderam e estão ganhando um dinheiro com isso, né? Eu fico até orgulhoso.
P/1 – Dessas mulheres todas com quem você trabalha... Alguma delas teve uma mudança grande, assim, na vida? Que foi influenciada por esse trabalho que você, que você possa contar pra gente?
R- Deixar eu ver... É... Que nem as senhorinhas da terceira idade, né? Muitas delas já não trabalham mais, só têm aposentadoria. Então, algumas delas aprenderam e começaram a fazer a bolsa pra vender. Aí, é o dinheiro que elas tiram pra comprar o remédio delas. Aí, é isso que é gratificante, né? Saber que o que eu ensinei, elas tiram... Assim como eu to ganhando dinheiro, ela também ta ganhando e ta comprando os remedinhos dela. É uma situação incrível.
P/1 – Entre o crochê, o artesanato e o Hip Hop, você tem algum sonho que você tem planejado pra essas áreas separadas? Ou elas estão interligadas?
R- É, né... Hoje em dia, a gente é interligado, todo mundo é interligado, né? Eu sou interligado com você, com você com ele. Então... Às vezes a gente até já se esbarrou no meio do caminho e a gente não lembra. Então, o Hip Hop e o artesanato, que a gente até já escreveu no projeto, é um novo elemento. Que é... Artes manuais, né? Então, é uma coisa que também gera renda... Então, eu pensei o quê? Como já tem hoje, se você for ver, tem o Seu Jorge, né? Seu Jorge é cantor e ele também faz uns crochezinhos nas horas vagas. Um tricozinho, um crochê. Então, eu acho que da pra casar uma coisa com a outra continuar, os dois juntos... Mas, um sonho... Um sonho mesmo, eu to querendo um patrocínio aí, mulher, da melhor marca aí, que é a Círculo, né? Que eu quero ser patrocinado pra fazer workshop. Que o pessoal... Essa empresa, essa marca, ela pega os professores e vai mandando fazer workshop pelo mundo inteiro. Manda para todos os estados... São Paulo... Manda pro Nordeste, Sudeste... E vai mandando. E sempre tem uns workshops, né, pra passar o conhecimento. E eles patrocinam, pagam a viagem... O trabalho que eu quero pra mim, é esse (risos). Só viajar, ministrar oficina e ganhar o meu. Passar meu conhecimento, que é o mais importante, também.
P/2 – Voltando, só... Que agora já ta quase chegando no final, né?... Quando você entra nas escolas, ainda entra pra fazer o trabalho de Hip Hop?
R- Sim. A gente... Final... A gente teve agora... Que minha tia também, né? Minha tia é assistente social. Minha tia Ângela. Então, a gente vai muito... E tem aquelas ações sociais. Então, a gente vai pra complementar, né? Chamar um pouco mais o público, fazer presença. Porque, querendo ou não, a gente... Uma pessoa que ta vendo a gente, é divulgação. A gente ta passando, aí, nossa informação, a nossa opinião e o nosso conhecimento. Então, a gente vai, a gente... De vez em quando, a gente só tem criancinhas de sete e dez anos, mas em outra escola já tem de dez a 15. E assim, vai indo. E a gente sempre se apresenta. Uma música ou outra, dependendo da faixa etária de idade, a gente vai soltando umas músicas mais críticas, outras a gente solta umas músicas mais românticas, outras a gente solta umas músicas mais comediantes, né? Então...
P/2 – E vai o grafite junto, ou não?
R- Grafite, a gente, tem que ser mais trabalhado porque precisa de muita tinta, né? Então, aí, a gente precisa fazer um projeto, conseguir patrocínio, né? Parceria pra comprar as latas, as tintas... Então, é mais trabalhoso. Mas, a música, não. A gente põe lá a batida e canta e acabou.
P/2- E dança?
R- E dança também. É só colocar a batida e esticou e já foi.
P/2 – Você... Então, mas entrando nas escolas como vocês faziam... Que vocês que entravam pra fazer com os jovens, né? Ensinar. Eu entendi que vocês ensinavam.
R- É. A gente dava oficina.
P/2 – Isso. Como era essa relação com as escolas? As dificuldades e o que avançou... Se existiu isso.
R- Então... No começo tem dificuldade mesmo porque eles falam que e uma cultura que não tem nada a ver com a escola. A gente fala que á uma cultura de rua, né... E que não tem nada a ver com criança. Criança não tem que ta aprendendo isso, que é coisa de marginal. Que é cantar Rap, né? Cantar Rap contra o sistema, fazer as críticas do que ta errado... Muita gente ouve os Raps e fala que têm muito palavrão... Que alguns têm mesmo. Mas, sim, a gente sofreu muito, muito... Muito, né, no começo a gente sofreu um pouco pra eles poderem deixar a gente entrar. Por causa do espaço... Que nem nessa... Essa Margareth, que a gente dava aula lá, oficina... Era de sete a... Não, minto. É de três a sete anos que é pra já ir pra... É o prezinho, pra ir pra escola, né? Então, a gente... Foi um dos motivos que fizeram a gente sair. Que falavam que não tinha nada a ver com o público, que era a escola. Que era criança de três a sete anos. Que, o que tinha a ver o Hip Hop lá... Que não tinha nada a ver. Então, foi muito... A gente já passou muito por isso. E não só nessa escola. Nas outras também, né?... Que “Não. Que isso não tem nada a ver. Não vai ensinar nada a ninguém, não vai levar nada a ninguém”... Então, eles falam que a cultura não significa muito, né?
P/2 – Com as crianças pequenas, como que vocês faziam? Que... Não é tão comum, né?
R- É... A gente, a gente tem um processo, né, de alongamento. Tudo começa pelo alongamento. Então, é alongamento e resistência. Depois que a criança criar um certo alongamento, uma certa resistência, aí, a gente vai pros movimentos. Que no começo, também, é dança. Só Pop Rock, Footwork. É uma coisa simples. O mais pesado mesmo são os movimentos de Power Mover, de Tricks Combo, umas coisas mais difíceis. Mas, é só mais pra frente, mesmo. No começo, elas só aprendem alongamento e dançar, acompanhar a batida: bumbo e caixa, bumbo e caixa. Então, no começo é só isso. É super fácil.
P/2 – E elas gostam?
R- Adoram, mulher (risos). Elas adoram. Falou de dança, jogou uma música lá. Elas “Vai, professor. Vai, vai” . E elas falam mesmo pra dançar.
P/2 – E com os maiores, também, vocês tiveram problema. Na escola...
R- É que aí que tem mais problema mesmo. Que eles falam “Esses marmanjos que não tem o que fazer. Ficam vindo pra escola, ocupando espaço, sendo que a gente podia ta fazendo outra coisa”. Mas, eles não fazem outra coisa nos finais de semana. Ninguém que ir pra escola no final de semana. E no final de semana, a gente conseguia juntar bastante jovem. E ainda, o lanche, né? Fora o lanche, que era o mais importante pra algumas crianças. E a gente conseguia isso daí. Mas, eu não sei se é porque a gente conseguia juntar criança nos finais de semana, ou se era algum problema pessoal com um dos integrantes. A gente não entendia, né? Mas, teve isso daí.
P/2 – Mas, a moçada gostava...
R- Ah, elas adoram. Até hoje, né, mulher? (risos)
P/2 – Tem mais coisa que vocês querem perguntar?
R- Pode perguntar, mulher (risos).
P/2 – Você, então, é um artista múltiplo.
R- É, eu acho que sim, mulher... Eu, além de ser pai, incentivo as milhas filhas, né, a dançar, desenhar. Minha filha mais velha, ela gosta muito de desenhar... Cantar. Ela fica fazendo os videozinhos dela. Pega o celular e fica fazendo o vídeo. Fala que é youtuber. Eu deixo, eu deixo (risos), ela ficar nisso daí, né? Que ela já ta vendo que eu sou assim e acho que esse negócio já é de família. Que minhas tias... Lá no Pernambuco, elas participavam... Tinha um grupo de dança e elas participavam em emissoras de televisão. Teve meu... Meu tio, uma prima minha e minha tia mais nova. Eles fizeram um programa de crianças, era... Foram lá se apresentar e tudo mais. E eu acho que já ta no sangue isso daí, né? Tanto que meu primo mais novo, o CD que a gente lançou foi do meu primo mais novo. Então, ele já veio depois de mim. Já é a quarta geração que já veio com o mesmo negócio no sangue, que é a arte, né? A música e a cultura.
P/2 – Sua menina mais velha, que idade tem?
R- Ela tem oito anos.
P/2 – Eu fiquei curiosa pra perguntar como que é essa história de conhecer na rede a segunda mulher, né? Que você conheceu... A segunda esposa.
R- É... A gente se conheceu num grupo de whatsapp, né? De amigos em comum. E a gente, depois marcou de se encontrar. A gente se conheceu... E aí, aconteceu, né, mulher? (risos). Aí, ficamos, acho que, uns três anos juntos, né? Aí, depois a gente se separou... Aí, foi isso.
P/2 – E tem as duas menininhas...
R- É. Tem uma... A mais velha, que é do meu primeiro casamento e a mais nova, do segundo.
P/1 – A mais nova tem quantos anos?
R- Dois anos.
P/1 – Dois anos... Emerson, como foi contar a sua história?
R- Ah... É bom. Eu tenho tanta coisa pra contar, mulher (risos).
P/1 – O que mais você gostaria de nos contar?
R- Ãhn...
P/2 – Que a gente não perguntou. A gente faz essa pergunta... Às vezes, a gente não perguntou coisa que você quer falar... Você voltou a morar com o seu pai...?
R- É, eu fui lá. Morei dois anos, né, com ele. Fiquei dois anos com ele. Aprendi muita coisa lá, também, né? A me virar sozinho. Foi uma coisa que, tipo, foi um novo mundo pra mim... Chegar lá e todo mundo ficar te olhando torto. O preconceito... Fora das minhas tatuagens. Que o pessoal tem medo. Nordeste, o pessoal tem medo. Vê pessoal com tatuagem, eles correm e se escondem. Se esconde mesmo. Olha pra sua tatuagem e se esconde. Eu falo “Nossa, mano. Que mundo que é esse que eles tão vivendo?” Que aqui em São Paulo todo mundo tem tatuagem. E não é mais surpresa, não é mais choque. Não é mais aquele negócio assustador. Só que lá ainda continua assim. Muito preconceito, né?... Foi bom morar lá. É uma qualidade de vida diferente. Lá a vida é mais saudável do que aqui em São Paulo. Que aqui, São Paulo é muito agitado. Lá, não. Lá já é praia, já é tudo mais calmo. Você tem um pé de fruta no seu quintal, você sobe e come. Passa no vizinho, tem pé de fruta na calçada, você vai lá e pega. Ninguém fala nada, só não deixa destruir a árvore, né? Mas, é uma vida, é uma qualidade de vida totalmente diferente da de São Paulo.
P/2 – E quando você reviu seu pai. Como foi?... O encontro depois de tantos anos?
R- Foi legal. A gente viveu bastante tempo junto. Hoje ele fica me ligando. Fala que ta com saudade, que não vê a hora de eu ir embora pra lá. Porque eu ajudava ele bastante, né? Que a gente acordava às sete da manhã, ia pegar umas frutas, vendia pra quitanda e dava meio-dia, a gente já tava em casa com o dinheirinho pra almoçar. Só ia no dia seguinte de novo, de manhãzinha, trabalhar. E eu, né, o mais novo. Eu que tinha que subir nos pés. Ele só ficava lá embaixo pra pegar (risos). E eu que subia, me matava escalando as árvores, né? Então, ele sente muita saudade de mim, né? Porque eu ajudava mesmo ele. Dei uma atenção na casa dele, lá. Que ele tinha uma casinha que era só um barraquinho de madeira. A gente chegou lá e a gente fez o negócio de alvenaria, fez um negócio mais bonitinho... E hoje ele ta com um cavalo, ele comprou um cavalo. Ele ta com um cavalo pra fazer a reciclagem dele, lá e tudo mais... E, é uma coisa boa. Foi uma experiência boa. Tive sonhos, né? Tive, até alguns, certos Dejavu, algumas premonições que, foi quando eu cheguei lá que aconteceu.
P/2 – Como assim?
R- É... Que eu tava aqui em São Paulo, eu tinha sonhos, né? Como que seria... Daí, eu dormia e sonhava, mesmo. Aí, teve umas imagens que estavam na minha cabeça, que quando eu cheguei lá, aconteceu. Parecia que já era predestinado a acontecer. Então... Uma coisa diferente, uma surpresa.
P/2 – Você ficou quanto tempo lá?
R- Dois anos lá.
P/2 – Não. Você ficou longe dele...
R- Desde os... É, quase 20 anos, 25 anos.
P/2 – E o que fez você ter vontade, assim, de ir lá ver ele, de novo?
R- É... Foi a questão de se encontrar, né mulher? Eu não sabia como era meu pai. Todo mundo falava do meu pai. E falavam da minha mãe, né? Minha mãe era a única que mora aqui. Da família dela, ela é a única. O resto, que mora da família lá... Que a gente mora num terreno de esquina, que é só a família do meu pai. Aí, então, tem uma, duas, três, quatro, cinco casas. E é só família do meu pai. E é só minha mãe, né? A família da minha mãe é toda de lá da Paraíba. Então, eu fui na intenção de conhecer, né, meu pai. Já conhecia a família da minha mãe... E foi lá que eu comprei um apartamento, também, que é pra gente já ter aquele momento, aquela casa, um lugarzinho pra gente viajar o final do ano... E tudo mais.
P/2 – Continua lá o apartamento...
R- Ta lá. Ta fechado lá no condomínio. A gente só ta pagando dívida (risos). Dívida de condomínio, dívida de água, não sei mais o que e não sei mais o que. É muita coisa (risos).
P/1 – E quando você foi pra Paraíba pra conhecer seu pai, como que foi isso pra sua mãe?
R- Ah, eu acho que pra ela foi uma coisa, sei lá... Uma surpresa, né? Porque, tipo, eu larguei tudo aqui e fui, né? Não queria saber de nada. Já... Tinha a minha filha mais velha. Então, eu ficava com a minha filha... Minha filha aos finais de semana, né? Aí fui... Pra ela, acho que foi até bom, porque eu ficava em São Paulo, não fazia nada. Trabalhava de segunda a sexta, final de semana, eu tava nas baladas gastando. Então, pra ela foi até bom, porque ela não ficava preocupada, né? Sabia onde eu tava... Sabia que lá era diferente, que não é a mesma coisa que aqui. A gente conversava muito por telefone, mas ela ficou mais tranquila, quando eu tava lá.
P/1 – Seu pai sabia que você ia...
R- Não (risos). Não sabia. Eu cheguei lá de surpresa.
P/1 – E aí, como foi isso pra ele?
R- Pra ele, acho que foi uma alegria, porque, tipo, tanto tempo longe, né? E, tipo, nunca tem contato. Meu pai é meio desligado. Ele é quadradão ainda, né? Não usa celular, não sabe mexer em computador, não sabe mexer em nada. Então pra ele foi, eu acho que a maior felicidade que ele teve na vida. Eu acho que foi.
P/2 – Você chegou “Oi”. Tocou, bateu na porta...
R – Não. Primeiro eu passei na casa da minha tia, né? Irmã da minha avó. Aí, cheguei lá e falei... Aí, o pessoal ligou pra vizinha dele, lá, que é até ex-mulher dele, lá, a vizinha. Que ele tem dois filhos, lá com a mulher, lá. Hoje não tem mais nada com ela, só é vizinho. Acredito (risos). Então, aí ligou e ele subiu correndo pra carregar as malas. E ele subiu e ficou super feliz. Que eu já tinha descido lá de moto, mas ele não tava em casa. Aí, depois ligaram pra ele, ele subiu correndo pra pegar as malas. Ficou super feliz. Foi uma felicidade.
P/2 – Imagino.
R- Foi uma coisa boa. Foi onde eu me reencontrei. Me encontrei, né mulher? Foi lá que eu descobri que o artesanato era minha profissão mesmo.
P/2 – É verdade. Pelo que você conta.
R – A arte e cultura. Foi lá que eu ganhei força pra seguir trabalhando com isso
P/2 – Porque, até então, você tinha outros empregos, né?
R- É. Aqui... eu “me matava” muito, né? Teve uma época que eu trabalhei no Extra.
8) Então, eu trabalhava de domingo e domingo. Só que todo final de semana eu tava doente. Então, meu dinheiro era mais comprar remédio, do que pra eu viver. Então... Vivia doente, porque eu trabalhava na padaria e tinha que tomar conta dos frios. Então, eu ficava no quente e no gelado, no quente e no gelado... Umas três vezes eu peguei pneumonia, por causa disso. Aí, depois eu falei “Não. Não é essa vida que eu quero pra mim. Não é isso que eu quero pra mim”. Ficar trabalhando e enriquecendo os outros... Fora que a gente trabalhava no mercado e você via aquele negócio de comida sendo jogada fora. De você não poder pegar, de você não poder dar pra ninguém. E um monte de lixo, um monte de tonelada de comida que vai pro lixo. Você fala assim “Mano. E eu não posso pegar pra dar pra alguém ali na rua?” E eu fazia isso, ainda, né? Pegava uns pãezinhos, saía no... Quando eu saía 11 horas da noite, ainda passava, dava pras um pessoal na rua, uns moradores de rua, né? Subindo, ali, a Cantareira... Tem uns moradores, ali, perto do Tucuruvi. Então, eu passava de ônibus, eu dava pra eles. Chegava no bairro, tinha alguém sempre na rua, eu dava também, umas baguetes recheadas... Então, eu sempre dava, né? Eu não gostava de jogar aquela comida fora. Então, eu comecei a perceber... Que eu falei “Eu não to trabalhando num lugar certo. To trabalhando pra umas pessoas que não têm nada a ver com o meu propósito, né?” Que a gente é... Negócio de cultura, de arte, de revolução. Que é o Rap. A gente é revolucionário. E, tipo, não tinha nada de revolucionário naquilo. Jogavam toneladas e toneladas de comida no lixo, enquanto tem gente passando fome... Eu falei “Não, não é esse pessoal que eu quero... Não é isso que eu quero pra minha vida.” Que aí, eu vou ficar enriquecendo uma pessoa que não ta ajudando ninguém. Só ta ganhando dinheiro pra si mesmo. E um monte de comida sendo jogada fora, desperdiçada. Era isso... O que mais me doía era esse negócio da comida ser jogada fora. Porque, como era, eu, minha mãe e minha irmã... Então, minha mãe trabalhava demais. Tinha coisa que a gente não... Que nem, danoninho, antigamente, nós não tínhamos isso daí. Esse benefício de ter Danone na geladeira, bolacha recheada, chocolatinho, não sei o que... A gente não tinha esse benefício, né? Ainda mais que era só minha mãe criando eu e minha irmã. Então, tipo, hoje tem tudo isso e, nossa, ta indo pro lixo. Muita coisa indo pro lixo e não pode ser doado. Não pode ser dado. Então, é uma coisa que eu falei “Não. Não quero isso pra mim, não.” Aí, foi quando eu larguei tudo, pedi demissão. Pedi demissão mesmo. Peguei nem aquele contrato lá pra ganhar o dinheiro lá do... Como é que fala?
P/2 – Seguro?
R- É, o Seguro Desemprego. Eu não peguei isso. Eu pedi demissão e caí no mundo. Não quis mais saber disso e fui embora pra Paraíba e depois voltei, mulher. Foi onde eu me encontrei.
P/2 – Pra realmente assumir, né? A...
R – É... 9) A minha arte, né? Aí, agora eu vivo disso. Eu trabalho dando as oficinas e é assim que eu pago a pensão da minha filha. E é assim que eu pago as minhas contas. Dando as oficinas de crochê. E vendendo meus produtos, né? [] aqui trazer o trecho marcado com *** (pág. 27)
P/2 – Muito bem.
P/1 – Quer contar mais alguma coisa? Mais alguma coisa que você quer dizer?
R – (risos) Ãhn... Acho que não. Acho que é só isso. E a Cria Norte, né? Falar um pouco da Cria Norte foi uma grande oportunidade, né?... O pessoal, a gente... A gente é que nem uma grande família. A gente é grande, a gente têm as discussões, as desavenças, mas estamos todos juntos, unidos por um propósito, né? Então, a gente quer até conquistar um pouco mais. A gente ta expandindo nossos horizontes. Estamos fazendo várias parcerias, projetos. E a gente vai continuar. A gente quer fazer essa rede crescer mais e mais. Assim como a “84 Norte”, também e a Rede Cria Norte, também.
P/2 – “84 Norte” é o que?
10) pág. 21
11) R – É o nosso estúdio. Estúdio e produção musical... Então, a gente quer aí, dominar o mundo, né? A gente ta nesse propósito.
P/1 – Obrigada, então.
R – Nada. Eu que agradeço (risos). Eu que agradeço. É “nóis”.