Histórias de Internautas
A última grande enchente na Cachoeirinha
História de Rivânia Gonçalves da Silva
Autor: Cláudia Regina Ricci
Publicado em 08/10/2019 por Rivânia Gonçalves da Silva
Projeto Memórias da Zona Norte
Depoimento de Rivânia Gonçalves da Silva
Entrevistado por Claudia Ricci e Maria Aparecida de Souza
São Paulo, 17/07/2019
PCSH _ HV784
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina Dias
P/1 - Qual o seu nome?
R - É Rivânia Gonçalves da Silva
P/1 - O local onde você nasceu?
R - Eu nasci em Estância, Sergipe.
P/1 - Qual a data do seu nascimento?
R - Seis de fevereiro de 1953.
P/1 - O nome dos seus pais?
R - Minha mãe é Cecilia Rodrigues dos Santos, meu pai é José Gonçalves Filho.
P/1 - O que os seus pais faziam?
R - Minha mãe, ela... O começo dela, de jovem, ela era tecelã. Depois ela ficou como costureira. E meu pai, ele foi garçom e no final da vida ele foi tapeceiro.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Tenho. Nós somos em 9 irmãos. Eu sou a mais velha de.... São 5 homens e 4 mulheres.
P/1 - E quando você era criança, do que você lembra que vocês faziam?
R - Olha... Eu fui criada na Zona Norte, Vila Rica. A vila onde eu fui criada, o nome é Vila Rica, São Paulo. Próximo da... Pertence a Vila Nova, Cachoeirinha. Próximo do Largo do Japonês, não sei se vocês conhecem o Largo do Japonês, que é muito conhecido. E lá era um bairro, assim, bem afastado, assim considerado na época, nos anos finais, nos anos 50 para 60.... Era, assim, muito atrasado ainda, não tinha luz, não tinha água, não tinha asfalto... Então era assim, era considerado... Eu tinha meu padrinho que morava na Vila Maria Alta e quando ele ia nos visitar ele sempre falava pro meu pai assim: "Não sei onde você estava com a cabeça de comprar um terreno aqui, nesse lugar onde não mora ninguém, onde não tem nada, não tem água, não tem luz". Ele sempre reclamava. Tinha muito barro. Tinha um riozinho, que ainda tem, mas hoje é canalizado, que o nome é Cabuçu de Baixo. Ele vem lá de cima, lá de Guarulhos, e vem cair aqui na Zona Norte. Então era assim, era um lugar bem feio. Hoje não, era bem assim, abandonado pelos políticos. Ele foi melhorando no final dos anos 70, você vê que não faz tanto tempo assim. Que hoje... Hoje é bem visível, bem considerado, tem um comércio muito forte, é considerado o melhor comércio da Zona Norte, que é o Largo do Japonês, porque ali eram os imigrantes japoneses, que começaram... Então eu convivi com muito japonês na escola, assim, convivi mesmo. Japonês e Português. Tinha muito, muito. Os portugueses e japoneses tinham horta, a gente comprava tudo na horta deles. Então a minha infância foi assim, eu estudei na escola Tito Prates da Fonseca, que tem até hoje. Fiz minha 1ª comunhão na igreja Nossa Senhora das Graças, que é a padroeira da Vila Nova Cachoeirinha. Então hoje se vocês forem lá e pegarem as fotos de antigamente vocês falam "não, isso aqui não é o bairro de Cachoeirinha". Tem hospital, tem maternidade, então hoje está muito bom, o nosso bairro. Tinha muitas enchentes, era muito, muito mesmo. Era como vocês veem hoje o Jardim Pantanal, que mostra na televisão. Eu não conheço pessoalmente, mas eu me lembro que era assim. Quando enchia de água ficava uma semana aquela água, os bichos andando por cima, aquelas galinhas d'água, cobra... Então a gente convivia com isso, a gente não podia ter muitos móveis porque chegava na época das chuvas era enchente na certa. Não tinha outra alternativa.. Então demorou muito para os políticos se conscientizarem que tinha jeito, né? Como hoje já não é mais igual era, hoje é muito bom lá. Não me arrependo de ter ficado lá, gosto de lá, me casei lá, conheci meu marido na escola, então, construí minha vida, eduquei meus filhos, tive três filhas, eduquei lá. Então eu acho, assim, que melhorou muito, muito mesmo. Ainda tem muita coisa para ser feita, mas melhorou bastante.
P/1 - E você lembra de quando você era criança? Quais eram as brincadeiras?
R - Olha, a gente brincava de... Brincava na rua, tinha horário. Minha mãe ela determinava o horário, quando ela saia no portão a gente já tinha que entrar. Brincava de corda, de pula-pula, de passa anel na parede, de brincadeira de roda... Essas brincadeiras que tinha antigamente, a gente tinha amizade com todo mundo, e eu sempre fui muito faladeira, conhecia a vila inteira, o bairro inteiro. Eu quando fazia uma amizade, eu queria conhecer a mãe, o pai, os avós e todo mundo. E minha mãe ficava brava comigo, porque eu era assim, eu já ia, já conhecia a família inteira, já levava pra conhecer a minha também, e era desse jeito. Então eu brinquei, estudei lá, tive muitas amizades que hoje a gente já não tem mais.
P/2 - Posso voltar um pouquinho lá atrás, Rivânia?
R - Pode, pode.
P/2 - Como é que você percebeu a melhoria lá daquele local? Como é que foi que aconteceu?
R – Olha, eu acho que foi melhorando conforme o povo foi entendendo mais, porque a gente assinou muito abaixo assinado para melhoria dos... Das canalizações, dali, do pedaço mesmo, porque era um pouco esquecido. E eu acredito que foi melhorando porque os políticos já viram que isso dava voto, entendeu? Eu penso assim, que foi daí que começou a melhorar, porque o povo começou a reclamar. Que eu acho que é o que tem que ser feito hoje, as pessoas precisam reclamar para poder melhorar. Eu penso... Eu penso, não sei se foi isso mesmo, mas daí que começou. A última enchente que teve mesmo, que foi uma enchente... E antes não tinha, a mídia não ia nesses lugares. Você não tinha essa... Né? Você vê que hoje qualquer coisinha leva a mídia para mostrar e antes não tinha. A última enchente que deu no nosso bairro, lá na nossa vila. Foi em 95 que deu uma enchente feia. Eu lembro que eu vim do trabalho, eu entrei na Inajar de Souza com água na cintura. Eu morei na Cachoeirinha, na parte mais alta, depois nós compramos um apartamento lá embaixo, na Inajar, e foi a primeira vez que deu enchente lá nos prédios, nos apartamentos, que nunca tinha dado. E aí eu lembro que saia do trabalho duas e pouca, três horas, e eu entrei na rua Antônio Botto, que essa rua é uma travessa da Inajar de Souza, e ela tava... Metade dela já tava cheia de água. Então eu lembro que um senhor veio e falou: "Para onde a senhora vai?" Eu falei: “Eu vou naqueles prédios que tá ali." Falou assim: "Então vou acompanhar a senhora porque os bueiros abriram todos então os bueiros estão todos abertos e eu sei onde estão os bueiros", aí ele foi segurando no meu braço. Eu lembro que eu tava de saia, de meia, eu entrei na água assim, de saia, de meia fina, sapato social, eu tava assim, eu entrei com água na cintura até entrada do meu prédio. Eu entrei na água. No meu apartamento não entrou água, mas teve alguns apartamentos da frente, que são alguns prédios, entrou. No meu não entrou e eu morava em baixo. Ficou no condomínio a água, assim, ficou aquela lagoa. E a gente ficou todo mundo muito apavorado. A casa da minha mãe a gente não conseguia ir lá, porque minha mãe mora perto de mim, né? Minha mãe mora perto de mim. Essa rua dela encheu tanto de água, a casa dela encheu tanto de água que veio na altura da pia da cozinha, de tanta água que veio.
P/1 - Nossa.
R - Então eu lembro que foi a última enchente, já tinha o Terminal Cachoeirinha nessa época. Encheu o Terminal Cachoeirinha. Os ônibus não conseguiam chegar lá. Então foi uma enchente braba mesmo, foi daí que eles começaram e foram fazer os piscinões, que aí foi feito um piscinão e foi feito uma canalização paralela ao rio. Essa canalização ela vem desde a Ponte da Freguesia até lá embaixo. Eu acho que daí, depois que construiu esse piscinão e fez essa canalização, foi que melhorou. Aí não teve mais enchentes. Tem alguns alagamentos ainda por causa de lixo. Isso é uma outra coisa que me deixa indignada, é o lixo nessa cidade, que olha, eu falo, não é a pobreza, eu não sei o que tá acontecendo com o nosso povo de jogar tanto lixo na rua. E em toda cidade, é aqui em Santana, em todos os bairros você vê lixo na rua. E isso é a minha indignação, é o lixo hoje. Porque não dá, não tá dando mais enchente por outros motivos, mas tá dando alagamento por conta do lixo. Eu penso assim, que a política melhorou uma parte e o povo piorou em outra.
P/1 - Você tinha comentado que numa dessas enchentes você perdeu fotos?
R - Foi, perdi. É, perdi fotos.
P/1 - Fotos dos seus avós. De onde eram seus avós?
R - Meus avós também eram de Sergipe e eles vieram para cá no final dos anos 50 né, pra São Paulo. Então nós perdemos foto de criança, da época que eu era criança, na época dos meus avós, tudo, a gente perdeu muitas fotos devido não só a essa enchente de 95, mas também as anteriores, porque essas enchentes já vinham há muito tempo. Porque lá, voltando um pouquinho mais, no final dos anos 50 para 60, lá ainda tinha olaria, não sei se vocês conhecem olaria. Então, tinha muita... Tirava-se muita terra né para fazer tijolo. Então essas enchentes já vinham desde lá de trás, e conforme foi asfaltando, foi melhorando os bairros, ela continuou, entendeu?
P/1 - E quando você era... Você comentou da olaria, vocês brincavam nessa região?
R - Brincava. A gente atravessava o rio para pegar a linha para fazer fogueira na época de festa junina, então a gente lavava né, essas madeiras velhas, a gente lavava com água de poço, porque nós não tínhamos água encanada que eu falei né então a gente lavava, secava, para depois fazer a fogueira. Então era assim, a gente entrava na olaria e era assim, era brincadeira de criança, eram aqueles matos rasteiros, não era matagal. Tinha muita taboa, a gente pegava muita taboa lá para encher travesseiro. Então era assim, a nossa brincadeira era essa, era brincadeira assim.
P2 - Que outros costumes você poderia dividir com a gente? Costumes de família.
R - Ah, costume de família... Olha, o costume da minha família, da minha família, era todos almoçarem juntos nós éramos em nove irmãos, então a gente cresceu assim, almoçava e jantava todo mundo junto, nunca ninguém dormiu fora de casa. Minha mãe criou cinco filhos homens e quatro mulher, meu pai faleceu eu tinha 13 anos e os outros eram todos menorzinhos, aquela escadinha. Mas mesmo depois que meu pai faleceu nós continuamos do mesmo jeito, até cada um ir se casando e saindo de casa. Mas a gente viveu sempre assim. Todos nós fizemos 1ª comunhão, fizemos crisma, vivia na igreja, era assim. A nossa vida era essa. Aí na época dos bailes de Carnaval, quando começou o bairro a melhorar que a gente ia nos bailinhos, era assim, era meio que restrito, minha mãe não deixava muito, a gente tinha uma... Assim, era uma... Como que fala, uma criação um pouco restrita, a gente não era de ficar na rua. Rua que eu falo é passar a noite fora, essas coisas, nós nunca ficamos, nem os homens. Depois que meu pai morreu, minha mãe virou uma guerreira, porque ela criou nove filhos sozinha e cada um que ia trabalhando ela saia para ir junto procurar emprego. Então nós fomos criados dessa forma. E quando a gente recebia o pagamento, trazia tudo para casa, era dividido, dava uma parte para minha mãe, outra parte pra gente pegar condução e comprar alguma coisinha. Então era tudo, nós éramos assim, todos nós, tudo que a gente tinha era para dividir em casa. A gente cresceu desse jeito.
P/1 - E a sua mãe trabalhava?
R - Não, ela nunca trabalhou fora... Não, trabalhou quando eu era criança, eu e meu irmão mais velho, que aí a gente ficava com a minha vó e meu vô. Aí depois ela parou de trabalhar e ficou só cuidando dos filhos mesmo.
P/1 - Você lembra de... Se vocês tinham o costume dela contar histórias para vocês ou entre vocês? Alguns irmãos mais velhos contavam histórias?
R - Olha, ela contava a história lá do Sergipe, lá de onde ela trabalhava, da fábrica que até um tempo atrás eu e meu filho começamos a pesquisar no Nordeste para ver se essa fábrica ainda existia e ela hoje não existe mais como... Não funciona mais. Ela durou 100 anos e ela, essa fábrica que a minha mãe trabalhou, chamava Fábrica Santa Cruz, que era de tecelagem, Tecelagem Santa Cruz, lá trabalhou meus tios, trabalhou minha tia, minha mãe, eu cheguei ver fotos da minha mãe jovem na casa da minha tia lá em Rio Preto então assim ela existiu mesmo durante 100 anos e hoje é ela considerada um museu, é um museu para contar história que foi de uma família. Então a história que ela contava era de onde ela trabalhava, aí lá tinha uma senhora que cuidava da gente enquanto ela trabalhava. A história que contava. Ela contava história da roça, de quando ela era criança, que ela trabalhou na roça com meu avô, os meus tios, então, assim, essas histórias de roça, que eles iam e ajudavam meu avô, que uma vez meu avô caiu do cavalo, quebrou a perna. Ela contou que ela e meu tio também mataram uma cobra, uma jiboia e depois amarram numa corda e foi levando a jiboia para mostrar para o meu avô e aí onde eles iam passando o povo ficava admirado né? Porque duas crianças conseguiram matar uma cobra enorme do jeito que era. Então eu achava engraçada essa história, porque aqui em São Paulo a gente nunca viu um bicho desse. Só vimos no zoológico, lá no... onde eles ficam né. Mas, assim, eram essas histórias que ela contava. Ela contava também que o meu avô por parte da minha... do meu pai, eles moravam um pouco longe, mas não tinha condução naquela época. Então meu primo, meu primo mais velho, ia me buscar dia de sexta-feira para me levar para casa do meu avô. Porque como minha mãe trabalhava a semana inteira e não tinha tempo de me levar para o meu avô me ver, então meu primo ia me buscar e eu passava o final de semana na casa do meu avô. Aí dizia que eu chegava lá e falava para o meu avô: "Tem peixinho?", porque eu adoro peixe até hoje (risos). E aí ele falava: "Tem peixinho, sua avó fez peixinho para você." Então essas histórias que ela contava né, que conta... Agora ela não conta mais, minha mãe tá com 90 anos. Mas ela ainda... Olha ela só não vai na feira porque a gente proibiu, mas ela vai no mercado, ela paga a conta dela na lotérica, uma perto da nossa casa, ela ainda dá uma limpadinha na casa, faz alguma coisa, faz a comidinha dela né. Então ela ainda faz alguma coisa em casa.
P/2 - Ligando pouquinho disso aí, até onde você tem memória, que você sabe da origem da sua família?
R – Olha, a origem do meu pai da minha mãe é lá mesmo de Sergipe, é de lá. Todos.
P/2 - Os avós dela...
R - É, os avós dela, os avós meus, eram todos de lá. Todos. Eu lembro a cidade onde ela nasceu, chama Lagarto, é uma cidade histórica. Que aí eu fico pesquisando, vendo de onde que ela era. E meu pai era de uma cidade que hoje não tá no mapa o nome. Eu devia... Acho que devia ser um patrimônio, alguma coisa, e virou outro nome. Eu lembro que nos documentos dele tava lá “Arauá”, mas nunca ouvi falar desse lugar. Mas é tudo Sergipe, tudo de lá, de Estância, que é interior do Sergipe. Então a nossa família toda é de lá. Inclusive a do meu pai, que também é de lá... Dessa cidade.
P/2 - Só uma pergunta, rapidinho... Você disse que sua mãe parou de trabalhar quando seu pai faleceu, mas ela...
R - Não, não. Ela parou de trabalhar antes dele falecer
P/2 - Mas depois que ela ficou sozinha pra cuidar de todos vocês, ela tinha alguma atividade que ela recebia?
R - Ela costurava. É, e ela ficou recebendo a pensão do meu pai.
P/2 - E costurava em casa.
R - E costurava em casa. Foi isso que ela...
P/2 - Certo.
P/1 - Agora um pouquinho do seu tempo de escola. Você disse que conheceu seu marido na escola, mas você lembra de como era o seu dia a dia na escola, teve algum professor que te marcou?
R - Teve, teve sim. Olha, eu tive... Eu estudei numa escola próximo da minha casa, uma escola que era do Estado e depois virou da Prefeitura, mas aí eu acabei saindo dessa escola e fui para outra. Mas lá, como era pertinho da minha casa, a gente saía da minha casa, seguia a rua, a primeira rua à esquerda, que lá hoje é uma creche, uma creche infantil, era ali que eu estudava. E eu não gostava daquela escola, eu não gostava porque os professores, até depois de muito tempo eu acabei conhecendo uma pessoa que também foi dessa época e confirmou essa história minha, que as professoras eram muito enérgicas na época, então você... Quando o professor entrava na sala de aula, você tinha que ficar em pé, você ficava de pé. Se você fizesse alguma coisa errada ou alguma bagunça na escola, você já ia pro castigo, e era atrás da porta, você ficava atrás da porta, ou então a professora vinha... Eu lembro que eu tinha uma professora nessa escola que ela tinha costume de fazer assim oh, com o dedão na testa da gente, sabe? Era assim. Acho que para repreender que ela fazia isso. Mas eu não tenho trauma disso, sabe? Aí depois eu mudei de escola, eu falei para minha mãe que eu não queria ficar mais lá, aí nós fomos para a escola Tito Prates. E lá... Lá também tinha, lá era do Estado e tinha uns castigos. Castigo era assim, se a professora vinha tomar tabuada sua e você não soubesse, você ia lá para trás da porta com a tabuada. No outro dia, quando você chegava de manhã, você era a primeira a fazer chamada para ver se tinha decorado a tabuada, se você sabia de cor e salteado, porque ela ficava pulando né? Pra ver se você sabia. Então o que eu lembro da escola é isso, os professores eram enérgicos. Mas também eu tenho coisas boas da minha professora. Eu tive uma professora do 3º ano primário e 4º ano primário, dona Iracema, que ela gostava demais, acho que a profissão dela era a coisa mais importante, hoje eu lembro disso. Chegava final de semana a gente ia pra casa dela, ela morava na Vila Santa Maria, eu lembro até a rua que ela morava. A gente ia pra lá almoçar (risos), aquele monte de menina e menino. Ela fazia... Ensinava a gente fazer salada de fruta, a nossa sobremesa na casa dela era salada de fruta. Ficava aquele monte de criança, cada uma cortando uma fruta. Nós que preparávamos e ela ia ensinando a gente a fazer salada de fruta. Então eu lembro dessa minha professora, lembro muito dela, porque a minha rua era o caminho dos professores passarem para ir para escola, aí eles paravam para beber água (risos), para tomar café, para conversar com os pais. Então, assim, é uma coisa que eu não esqueço, disso aí, dessa minha professora Iracema. E depois, quando eu fui pro ginásio, aí passou um tempo, a gente tinha verdadeira paixão pelos professores. Todos nós. A gente fazia festa para professor na sala de aula, era uma coisa incrível. Aí tinha muito desfile, desfile físico... A gente carregava o diretor, era carregado. E a gente ganhava porque a gente trabalhava de dia e estudava a noite e aí quando tinha os desfiles físicos... Não, cívicos, a gente sempre ganhava das escolas particulares lá do bairro. E aí a gente... Nossa, os troféus devem ter até hoje lá. E aí a gente, nossa, a gente carregava o professor assim, como troféu. Então eu lembro disso, que a gente respeitava demais os professores, eu não esqueço isso.
P/2 - E por que vocês faziam desse jeito? Como era pra vocês gostarem tanto assim?
R - Não sei, todo mundo era assim, todas as séries gostavam dos seus professores, de todos. A gente não tinha... Só tinha uma professora que a gente... Porque ela era enérgica demais e, assim, ela não aceitava conversa fora de hora, e aí ela pegava e dava... Ela castigava mesmo, ela falava: "Olha, se vocês continuarem conversando, continuar dando risada" aí ela escreveu tudo na lousa e apagava (risos). Para mostrar, né? Mas a gente não tinha raiva dela.
P/2 – Eu queria voltar um pouquinho... Quando você, menor né, começou a ir pra escola, como você ia?
R - Ah, a gente... Assim, você fala como eu ia a pé...? A gente ia a pé. Quando eu comecei mesmo, minha mãe levava a gente, e a gente aula aos sábados também e aos sábados meu pai tava em casa ele levava. E aí depois quando a gente foi pegando, aprendendo o caminho, a gente começou a ir sozinho, ia de uniforme, normal.
P/2 - Com quem você ia mais?
R - Eu meu irmão, eu e o meu irmão depois de mim, nós dois íamos para escola juntos quando a gente tava no horário. E a gente tinha uma brincadeira, quando chovia, a gente tinha capa de chuva, normal, guarda chuva para não se molhar, porque se chegasse molhado na escola a inspetora não deixava entrar. A inspetora era uma pessoa que ficava no portão da escola. Quem chegasse molhado tinha que voltar para casa. Então o que meu irmão e eu fazíamos, a gente não abria o guarda-chuva e nem vestia a capa, pra tomar chuva (risos). Porque a Avenida Imirim era um barro só, vermelhão, e a gente gostava de brincar na enxurrada. Aí o que a gente fazia, pra gente não entrar na escola você tinha que chegar molhado. Aí nós dois fazíamos isso. Mas se a gente voltasse para casa, a gente apanhava. aí o que a gente fazia, como tinha aquele riozinho, que eu falei para você, do Cabuçu de Baixo, tinha muitas pontes, então a gente se sentava ali na beirada da ponte e ficava esperando a roupa secar para poder ir. E quando a gente via que os alunos estavam descendo, a gente já sabia que a aula tinha terminado então a gente podia voltar para casa. Mas só (risos), que Deus a tenha, tinha uma mulher que lavava a roupa do açougueiro, a nossa vizinha, ela um dia viu eu e meu irmão brincando embaixo da ponte. Aí contou para minha mãe, que nós dois estávamos lá. Minha mãe era tão brava gente (risos). Se você ver minha mãe, ela é pequenininha, você não fala que aquela mulher era valente daquele jeito. Ela foi com uma cinta na mão desse tamanho, uma cinta de couro, a gente veio de lá da ponte até em casa apanhando (risos).
P/2 - Que idade você tinha?
R - Ah eu tinha uns sete ou oito anos, por aí.
P/2 - E nessa época o que você imaginava que você queria ser quando crescesse?
R - Olha... Aí a gente... Era tão difícil, a nossa vida, que a gente não tinha essa... Esse pensamento “do que eu quero ser quando eu crescer”, quando eu estudar. A gente queria estudar, eu lembro que eu falava que eu sempre queria estudar, mas a dificuldade era grande, era muito grande, então a gente não ter muito tempo de pensar nisso. Eu lembro que quando eu terminei o primário, tinha uma escola que era só de menina, era uma escola feminina que eu não lembro o nome, na Água Branca, que era o meu sonho estudar nessa escola. Era uma escola até muito conhecida na época, que só estudava menina, e eu fui do tempo que a gente tinha salas de menina e de menino, até eu me esqueci de trazer a foto, porque eu tenho uma foto de quando era só menina, entendeu? Então o meu sonho era de estudar nessa escola, mas era um sonho muito longe, porque meu pai ganhava muito pouco, a nossa família era muito grande e tinha muitas dificuldades, então a gente não teve esse sonho de... Assim, de saber o que a gente queria ser, eu lembro que eu queria continuar estudando, eu sempre falava que eu queria continuar estudando, que aí depois quando eu entendi o que que era faculdade, o que era estudo, que eu queria fazer uma faculdade, mas a gente não teve oportunidade, porque, como eu disse, meu pai morreu eu tinha 13 anos, aí logo eu comecei a trabalhar, então quando... O meu primeiro emprego foi no Bom Retiro, com 14 anos. Meu pai fazia pouco tempo que tinha falecido. Então ainda tava naquele luto do meu pai. Aí depois que foi indo, que foi melhorando, eu trabalhei muitos anos em confecção, eu aprendi... Não digo que eu aprendi a costurar lá, eu aprendi como que se costurava. Porque sentar nas máquina eu nunca sentei, na máquina da onde eu trabalhei. Eu trabalhei no corte, na confecção, essas coisas, mas nas máquinas mesmo não. Aí daí eu comecei a entender, porque naquela época costureira era uma profissão... Ainda é um pouco baixa. Hoje é mais reconhecida, eu tô percebendo que quem costura, quem trabalha numa indústria boa, ela é mais reconhecida do que antigamente. Aí eu quis sair da costura, eu falei “não, isso não isso aqui para mim eu não vou ter futuro, ficar aqui”. Aí quando eu comecei... Entrei no ginásio, eu comecei a perceber que eu tinha outros campos. Foi daí que eu fui... Aí eu fui ser bancária, sai da confecção, pedi a conta assim. E eu que ajudava em casa, eu pedi a conta, eu já tinha quase oito anos de empresa e eu pedia a conta e sai. Falei “não eu vou procurar outro emprego, não vou ficar aqui”.
P/1 - E aí você foi trabalhar no banco.
R - Aí eu fui trabalhar no banco, trabalhei muitos anos como bancária.
P/2 - Mas aí você já era de que idade mais ou menos?
R - Ah eu tinha uns 20 anos, por aí mais ou menos. Uns 20 anos eu já tinha. Aí depois que... Aí eu fiquei muito tempo no banco. Aí eu não voltei mais pra confecção.
P/2 - E aí você escolhia gastar o seu dinheiro como?
R - Olha, quando eu comecei trabalhar no banco eu já comecei guardar dinheiro na poupança. Eu tinha poupança, eu guardava sempre dinheiro, sempre um pouco dava para minha mãe, outro pouco eu guardava, outro pouco eu gastava... Era assim como eu vivia, eu guardava o dinheiro. Tanto que quando eu casei eu tinha meu dinheiro guardado, já tinha dinheiro guardado. Então foi assim que eu comecei a guardar dinheiro na poupança mesmo.
P/1 - E você disse que uma parte desse dinheiro você guardava. Qual era a diversão, com o que você...
R - Olha, a gente se divertia... No tempo de teatro eu ia muito em teatro, cinema, parque de diversão isso era o meu... Assim, de diversão mesmo era cinema e teatro.
P/1 - Você lembra a primeira vez que foi no cinema?
R - Lembro, lembro. A primeira vez que eu fui ao cinema eu assisti Romeu e Julieta (risos)
P/1 - E a sua sensação quando você entrou, como foi?
R - Ah foi muito boa, porque você ver uma tela daquele tamanho... Porque você já tinha já tinha televisão, mas a televisão não era igual cinema, então...
P/1 - Você lembra que cinema foi?
R - Ah foi na Rio Branco, ali tinha muito cinema então nosso... Os nossos passeios eram sempre por ali.
P/1 - Você já namorava nessa época?
R - Já namorava nessa época, mas não com meu marido, eu namorava com outra pessoa. E aí depois, quando eu comecei a namorar com meu marido, continuou porque não sou amigo dele gostava muito de cinema então quando tinha estreia de filme a gente estava sempre lá na estreia, sempre a gente era... Não sei se vocês participavam disso, mas quando estreava algum filme a gente queria tá assistindo a primeira vez, a gente queria ir lá para ver o primeiro dia da estreia. Era assim que nós... A diversão nossa era essa.
P/2 - Voltando um pouquinho, você lembra como você começou a sair sozinha, com amigos?
R - Olha, eu comecei a sair sozinha quando comecei a trabalhar, com 14 anos. Com 18 anos eu lembro que eu fui à praia com as amigas de onde eu trabalhava. Nós fomos de trem, foi a primeira vez que eu fui à praia. Fui à praia do José Menino, em Santos, a gente foi de trem. Foi um passeio maravilhoso, foi um bate-volta que a gente foi de manhã e voltou de tarde. E eu lembro que a gente não passou filtro solar nem nada, se queimou toda (risos). Voltamos que nem uns camarões (risos). E no outro dia tinha que trabalhar, e fomos assim. A roupa não podia nem encostar no corpo, porque fomos despreparadas na praia. Não sei se vocês lembram, tinha umas cabines onde você guardava suas bolsas e aí a gente foi assim, levamos o lanche, comemos escondidinha lá. Foi essa a lembrança que eu tenho de quando eu comecei... Foi a primeira vez que eu fui em algum lugar assim, longe, porque minha mãe não deixava a gente sair assim para longe.
P/2 - O que mais vocês faziam?
R - Olha, era isso. Baile, eu sempre gostei de música, então eu gostava de baile, eu ia muito nos bailes à noite, mas era tudo próximo, tudo no bairro. No meu bairro tinha muito salão de baile, então a gente andava a pé, saia aquela turma e ia para os bailes, tanto que eu comecei a namorar com meu marido num baile de Carnaval, mas eu conheci ele na escola. E no baile de Carnaval que a gente começou a namorar.
P/2 - E como foi esse primeiro encontro?
P/1 – O pedido de namoro? (risos)
R - Ah, era assim... Era simples né? "Quer namorar comigo?", não sei o que... Essas coisas. Tinha uns que naquela época, eu achava muito estranho... Tinha rapaz que chegava perto de vocês e falava assim... Eu ia muito em parque de diversão, que lá tinha muito também. Então os rapazes chegavam e falavam assim: "Qual é a sua graça?" Nossa, eu odiava isso (risos). Eu não gostava quando o cara chegava perto de mim e falava: "Qual é a sua graça?", que era o nome que eles perguntavam, era desse jeito. Ah, com esse daí eu não eu nem falava meu nome e também não dava bola (risos). Porque eu não gostava desse termo, dele chegar perto de você e falar qual é a sua graça. Não sei se vocês lembram disso, era desse jeito. Era o modo educado que eles chegavam para perguntar o nome da menina. Então foi assim, meu marido foi uma coisa simples, começamos a namorar eu lembro que fui pular o Carnaval com a minha amiga e aí depois tinha... Tem ainda a Ilha da Madeira, é um... Um baile, tem até hoje, é bem conhecido, lá tinha também baile de Carnaval. Aí ele falou: "Olha, amanhã nós vamos na Ilha da Madeira, lá perto do Horto", eu falei: "Não, lá minha mãe não deixa eu ir"
P/2 - Por quê?
R - Ah, porque eu acho que ela tinha medo que a gente ia para lá, porque tinha muito mato então ela não gostava que a gente ia para aquele lugar. Ela falava: “Pra lá você não vai", porque tudo a gente contava pra mãe. Então... "Ah mãe, eu posso ir com os amigos pra lá?" "Não, lá não"
P/1 - Mas aí ela acabou deixando, você acabou indo.
R - Não, não fui.
P/1 - Não chegou a ir.
R - Eu não fui. Não, não cheguei a ir.
P/2 - Comparando essa fase aí com a sua infância, o que você acha?
R - Olha, a infância de hoje... você fala...
P/2 - Não, não. A sua infância.
R - A minha infância com a fase de adulto?
P/2 - Que você estava falando agora.
R – Olha, a minha infância foi uma infância assim, de muita dificuldade como eu falei, mas uma infância bem inocente, bem inocente mesmo. A gente não tinha malícia. Os jovens, a infância daquela época, as crianças eram diferentes, você obedecia muito a mãe, o pai. Então eu acho que a criação que minha mãe deu não foi errada, foi uma criação correta, que valeu. Hoje em dia eu não criei meus filhos igual a minha mãe criou, mas eu trouxe meus filhos assim né? Eu queria saber para onde ia, quem era os amigos, telefone quando saia, naquela época a gente não tinha, então a mãe da gente não deixava muito a gente sair eu acho que causa disso, por não ter um contato, largar... E eu nunca achei ruim, a gente nunca foi contra. Isso era o que a gente tinha, né?
P/1 - E quando você começou a namorar sua mãe aceitava, deixava sair?
R - É... Assim, a gente quando começou namorar, que não era para namorar em casa, a gente não levava em casa, mas a gente não contava. A gente praticamente escondia. Mas assim, eu nunca fui fazer coisas erradas. Coisas que eu achava que tava fora da minha conduta, nunca fui, nunca. Não sei minhas irmãs e meus irmãos, porque cada um que sabe de si. Mas eu sempre fui dessa forma.
P/1 - Quanto tempo você namorou?
R - Com o meu marido?
P/1 - Com o seu marido.
R - Dois anos.
P/1 - E aí já se casaram?
R - E aí nós nos casamos, eu tinha 24 anos e ele também.
P/2 - Mas você disse que no começo não contava, e depois? Como foi essa história de dois anos até chegar no casamento?
R - O namoro dele não, já foi direto. Já começamos namorar, já levava em casa. Quer dizer, quando você levava o namorado em casa era porque era um namoro firme, era considerado namoro firme. Então quando você não levava, era namorinho, namorinho assim de parquinho, de ir no cinema só e pronto. E aí não se não desse certo também acabava por ali e pronto. Então eu considero assim, o namoro sério mesmo que eu tive foi com ele.
P/1 - Que logo já foi para casa.
R - Aí já conhecia a família dele primeiro. Engraçado que eu conheci a família dele primeiro, depois ele foi conhecer a minha, é muito interessante. E eu conheci a família dele no dia do aniversário dele, que aí tava família inteira, a família dele era muito grande. Eles eram em 11 tios, mas uns já morava lá pro Paraná e outros aqui em São Paulo. Então aqui tinha muitos tios, primos. Quando alguém fazia um aniversário era a casa cheia, então eu fui conhecer a família dele nesse dia. Morri de vergonha, falei meu Deus do céu, não era isso que eu queria (risos), que eu achava que tinha que ser né. E no fim foi, deu certo. Depois a família dele quando foi para conhecer a minha foi todo mundo para minha casa (risos). Então foi aquele almoço gigante, para conhecer todo mundo. Não foi só o pai a mãe, foi todo mundo junto para conhecer. Era assim a família dele, era para conhecer todo mundo. Então foi assim.
P/2 - Qual o nome dele?
R - É José Antônio.
P/1 - E do seu casamento? O que você lembra do dia do seu casamento?
R – Ah, do dia do meu casamento aquele mundaréu de gente. Que foi no meu quintal, porque minha casa da minha mãe tem um quintal muito grande até hoje. Ele trabalhava numa empresa aqui na Vila Guilherme há muitos anos e a empresa, os donos da empresa, gostavam muito dele, era vidraceiro. E era uma empresa só de homens, então ele teve que alugar... Nós alugamos ou emprestamos, não sei, uma lona gigante que pegava o quintal, grande, então foi e convidou todo mundo da rua, toda família dele (risos). Mas assim, a minha festa de casamento foi um pouco triste, porque fazia poucos dias que o meu avô tinha falecido. E aí minha mãe não deixou tocar música. Já tinha uns amigos que levaram aquelas caixas grandes para tocar música, mas não tocou porque ela falou "a gente está de luto do seu avô, então vai ter a festa, mas não vai ter música". E eu respeitei, todos nós respeitamos. Teve até... Foi feito uma mesa, juntou umas mesas, fez umas madeiras, fez uma mesa gigante com bolo. Era uma vizinha de cima que fez o bolo, a outra fez o salgadinho, aí outra fez um fogareiro lá no fundo pra assar... Para fritar as coxinhas, foi assim. Aí era aquela coisa sabe, de convidar vizinho e os parentes. Na igreja próximo da minha casa.
P/1 - Em qual igreja que você se casou?
R - A igreja Paróquia Nossa Senhora Aparecida da Vila Souza. Então também lotou a igreja, porque a vizinhança foi toda. Isso foi em 79... Não, 77.
P/2 - Que mês e dia?
R - Foi dia 28 de maio... É, 28 de maio de 77.
P/1 - E como era seu vestido? Quem fez?
R - Olha, meu vestido eu vim comprar... Ele eu comprei, eu comprei na rua São Caetano, na rua das noivas. Eu fiquei pagando esse vestido seis meses, sei lá quanto tempo que eu fiquei pagando (risos). A gente não alugava naquela época... Aí meu vestido ele tinha... Era decote princesa que falava, é um decote diferente de hoje. Era um vestido de manga curta, porque eu queria manga curta. Depois vocês vão ver, eu trouxe uma fotinho... Eu ia trazer uma foto colorida, mas a foto não saiu, como eu te falei, do álbum (risos). Era a foto melhor que eu tinha, mas não deu, aí eu trouxe uma branca e preta que ficou fora do álbum. Que a história do álbum também foi uma história de novela, porque... Depois eu conto.
P/2 - Pode contar.
R - Pode contar? Então, porque quando eu casei a gente ficou conhecendo fotógrafo no cartório. Aí quando a gente foi assinar os primeiros papéis lá para dar entrada, ficamos conhecendo. Porque era assim, os fotógrafos ficavam no cartório lá pra garimpar o pessoal que ia se casar (risos), para poder fotografar. E esse fotógrafo ficou de tirar as fotos desde o civil e o casamento, a festa e tal. No final... E ele ia na minha casa receber pagamento. E enrolava, todo mês. E a gente já tava acabando de pagar, eu já tava casada e nada dele trazer esse álbum, eu tava vendo a hora que nós íamos ficar sem foto. Até quando eu dei um ultimato para ele. Olha eu tinha 24 anos e dei um ultimato. Eu falei para ele assim: “Olha, esse mês não vou te dar a parcela que falta. Se você não trouxer o meu álbum aqui prontinho, eu não vou te dar parcela, porque você tá enrolando demais". Meu marido não tava em casa e nessa época eu já era bancária, que eu contei para vocês, que eu comecei a trabalhar no banco e depois de casada continuei. E aí ele falou: "Então eu te trago o álbum e você paga a última parcela". Falei: "Quando o álbum tiver aqui na minha mão, senão não vou pagar". Ele não queria trazer porque o combinado era o álbum inteirinho colorido, e acabou o filme dele colorido e a metade ele fez preto e branco, você acredita que foi isso? Mas eu falei: "Não importa, eu quero o álbum aqui prontinho" foi aí que ele trouxe (risos).
P/1 – Metade.
R - Metade preto e a outra metade colorido.
P/2 - Quando você viu o álbum....
R - Ah eu fiquei bronqueada né... Eu falei... Porque o combinado não foi esse, mas enfim eu tava... Melhor eu ficar com álbum do jeito que tava do que ficar sem. Mas eu acho que foi uma falha dele e a gente não teve como punir ele de outra forma, assim que foi. Aí ficamos assim, com o álbum metade preto e branco (risos).
P/1 - E o início de início da vida de casado de vocês? Como foi?
R - Olha, o início foi muito... Foi muito bom, porque a gente combinava muito, a gente se dava muito bem. O início assim eu trabalhava, ele também. Eu trabalhava no banco entrava duas horas e saía oito horas da noite do banco. Chegava em casa nove, dez horas da noite, e ele era muito brincalhão, meu marido. Hoje não, hoje ele já não é tão brincalhão igual ele era. Ele se escondia. Ele sabia a hora que... Ele chegava primeiro, então o que ele fazia? Ele se escondia... A gente morava numa casa que era fundo, era uma edícula então tinha uma casa bem grande na frente, uma casa bonita com jardim, que eu através da minha finada tia conheci o dono dessa casa, e aí ele me alugou, a história deles também é maravilhosa, a história desse casal. Então eles me alugaram essa casa, no fundo dessa casa grande que na frente morava uma sobrinha e sobrinho, casados. E ele alugou essa casa do fundo, essa casa era uma casa de dois cômodos e um banheiro. Banheiro ficava do lado de fora, mas era pegado com a porta da cozinha, você saia da porta da cozinha, entrava na porta do banheiro e tinha um corredor comprido que era o que eu entrava para minha casa. Era uma casa muito bonitinha, muito bem arrumada, meu marido e o primo dele pintaram a casa, deixaram a casa bonitinha. Ela tinha toda azulejada, piso... Era uma casa de boneca, bem arrumadinha. Nós moramos lá dois anos, nessa casa. E ele gostava de se esconder, ele se escondia, ele fazia umas palhaçadas. Ele se escondia, e aí teve uma vez que ele pegou uma faca e eu não sei como que ele fez, essa faca ele pôs aqui nele. Eu abri... Quando eu fui abrir a porta, a porta aberta e tudo escuro na casa. Eu falei “gente, eu não deixei a porta aberta, eu tranquei”. Ai eu entrei de ponta de pé e ele caído no chão com essa faca assim, e todo assim, desse jeito. Eu comecei a gritar (risos). Ele fazia isso, cada dia ele fazia uma brincadeira comigo. Era desse jeito.
P/2 - E esse humor dele permaneceu?
R - Olha, por bastante tempo. Ele era assim com a mãe dele, ele era um palhaço com a mãe dele. Quando eu comecei a namorar com ele, eu achava estranho porque eu não tinha pai, meus irmãos eram muito “secão” com a minha mãe, porque é difícil um filho ser do jeito que ele era com a mãe. Quando ele chegava, a mãe dele tava sempre na cozinha. Ele ia lá, dava um abraço nela, apertava ela, fazia cócegas, não deixava ela em paz. E abraçava, beijava, "minha mãezinha querida" e apertava. Ela o chamava de Tunico, "Tunico, me larga, deixa eu fazer a comida", e ele “Não”. Aí ele saia, daqui a pouco vinha ele devagarinho fazendo cosquinha. Então eu achava bonito isso, o jeito dele, ele era sempre assim. Aí depois, com tempo.... Depois que a mãe dele faleceu, ele deu uma “caídona”. Primeiro morreu o pai, depois morreu a mãe. Aí ele ficou totalmente diferente, ele já não foi mais o mesmo. Era de contar piada, tudo ele fazia piada, ainda faz algumas vezes, mas já não é tanto.
P/1 - E com os filhos ele manteve isso?
R - É, assim... As brincadeiras ele brincava com os filhos, conforme foi crescendo. Os meus filhos foram crescendo, a gente sempre teve bom humor com os filhos.
P/1 - Quantos filhos são?
R - São três.
P/1 - Você demorou quanto tempo para ter o primeiro?
R - Dois anos. Aí eu tive minha primeira filha. Depois eu demorei cinco anos para ter outro. O outro também foi cinco anos. E eu lembro que minha sogra falava "porque você não tem já logo um filho atrás do outro, tem mais filho", e eu "não, não quero ter porque eu trabalho e não tenho tempo", não sei o que, aí ela "arruma que eu cuido, arruma que eu cuido", ela falava isso.
P/2 - E como foi pra você ser mãe?
R – Olha, foi a melhor coisa do mundo. Eu tinha uma verdadeira... Tenho, pelos meus filhos, mas quando eles eram criança, nossa, eu tinha verdadeira adoração pelos meus filhos, era tudo por eles. Eu até tava lembrando esses dias, porque eu tô vendo falar dos pais que não levam para tomar vacina, essas coisas. Eu... Nossa, eu carregava a carteirinha ali óh, se marcava no posto é hoje, é hoje. Eu não ia um dia depois ou dois, não importava que eu trabalhasse, eu fazia meu marido faltar para levar para tomar vacina ou eu arrumava alguém para levar, era assim. As vacinas eram todas em dia. E quando eles ficavam doentes para mim, nossa... Então os meus filhos, assim, eram tudo para mim. Era assim, eu tinha o meu trabalho, porque eu precisava de trabalho, mas os meus filhos em primeiro lugar. Sempre foi assim em tudo. Dia de aniversário eu nunca esqueci, dia das crianças eu nunca esqueci. Teve um ano da minha filha que eu fiz aniversário dela com um monte de criança até os oito anos, eu lembro que quando ela fez oito anos ela não queria mais bolinho em casa nem nada, aí eu juntei mais de dez crianças, peguei o ônibus, vim para Santana e fomos para o McDonalds, aquele monte de criança. De ônibus, eu sozinha com as crianças (risos). Porque ela queria comemorar no McDonalds. Ela e o outro do meio, porque o outro pequeno ainda não tinha. Então assim, era aniversário, Natal, Ano Novo... Eu comprava os brinquedos e escondia tudo. Eu escondia embaixo da cama, escondida em cima do guarda-roupa, porque tudo eu queria fazer surpresa. Só que depois de grande eles me contaram que eles fuçavam casa inteirinha e sabiam o que iam ganhar (risos). Era desse jeito, meus filhos eram danados, eles eram desse jeito.
P/2 - Qual é o nome deles?
R - A minha mais velha chamar Ébila, o do meio Rogerio e o mais novo Gabriel, que é o que vai se casar agora, em setembro do ano que vem. Gabriel tem 31 anos, o Rogério tem 36, todos formados. Minha filha é enfermeira, trabalha no Sírio Libanês, enfermeira no Sírio. O Rogério é bancário, trabalha na Caixa já há muito, desde os 19 anos ele trabalha na Caixa. E o Gabriel ele trabalha numa empresa de... Ai, como é? É importação e exportação. Ele trabalha lá em Moema. Trabalhou muitos anos na P&G, aquela empresa de material de limpeza. Formado, todos os três têm faculdade, todos os três são formados, tão bem encaminhados graças a deus. São meninos bons, que não me deram trabalho. Não foram aqueles adolescentes que a mãe teve que ficar correndo atrás causa disso ou daquilo. Nas escolas sempre tiveram notas boas, nunca teve reclamação de professor.
P/1 - E como você conciliava? Você disse que trabalhava e como você conciliava isso, o cuidado com eles e o trabalho?
R – Ah, eu sempre arrumei jeito. Sempre arrumei jeito, nunca faltava nas reuniões, quando eu não podia ir meu marido ia. Pedia licença do trabalho e ia na reunião e eu também, era a mesma coisa.
P/2 - Com quem eles ficavam enquanto crianças?
R – Olha, quando crianças os dois mais velhos ficavam com o vô e com a vó. E tinha uma cunhada minha também que teve uma época que ela ficava lá na minha casa cuidando deles. E o menor, o mais novo, eu paguei pessoa para cuidar, para ficar em casa. E era registrada e tudo, eu pagava registro em carteira, pagava tudo direitinho para cuidar deles. Mas, mesmo assim, eu achava que eu não era uma mãe, assim, como devia ser, igual a minha mãe foi. Então eu sempre tinha essa culpa comigo. Aí eu lembro que quando minha filha nasceu, que eu peguei a licença, naquela época licença nossa era muito pouca, aí eu lembro que fiquei chorando uma semana, levei ela na pediatra aí falei para ela: "Ai, acho que eu vou pedir conta do meu... Do banco, porque eu não quero deixar minha filha". Ela falou assim: "Mãe, olha. Presta atenção. Tem mãe que fica em casa e não cuida dos filhos direito, não é a mãe que trabalha que não vai cuidar bem do filho. A que trabalha às vezes cuida melhor do que a que não trabalha" e eu carreguei isso pra minha vida. Então eu sempre fiquei prestando atenção em tudo, minha filha quando ficou adolescente, que ela queria sair de casa, era uma loucura. "Ai, quero ir para o shopping não sei onde, quero ir para não sei onde...", eu: "Não, você não vai". E para eu segurar essa menina? “Só vai se seu pai for” ou “Eu quero saber pai de quem que vai, quem que vai buscar”, era assim. Quero telefone, quero isso, quero aquilo outro. Então eu carreguei ela sim. E os meninos eles já não tiveram isso, eles saiam, mas já era moderado, não era que nem ela. Ela queria ir para tudo quanto é canto, queria ir pra praia com 13, 14 anos, queria ir pra praia com as amigas, eu falei "não, não, não, não". Com 18 anos ela trouxe namoradinho em casa, 17 anos. "Vou namorar em casa". Aí eu trabalhava à noite, eu trabalhei em turno, trabalhei sábado e domingo, feriado, Natal, Ano Novo, tudo isso eu trabalhei.
P/2 - Tudo no banco?
R - Não. Aí do banco, depois eu saí do banco e entrei no metrô, fui metroviária por 26 anos. Aí nessa época, que ela começou a sair de casa, o pai que levava, tinha que sair. E quando ela começou a sair perto de casa, que ela já tava no ginásio e ia pro colegial, que começaram em bailinho e tudo, essas coisas, tinha horário para sair, horário para chegar em casa. Falei "oh, se der dez horas da noite e você não tocar a campainha aqui, amanhã não sai mais". Então foi assim que eu criei eles. Com horário, com regras. Porque eu acho que o jovem se não tem regras, não tem como.
P/1 - Você falou que o nome da sua filha é Ébila.
R - Ébila.
P/1 - Qual a história desse nome?
R - A história desse nome é... Próximo da minha casa lá na Cachoeirinha tinha uma... Tinha um comércio que chamava "Ganha Pouco", era um de utilidade doméstica, que vendia. Ela era uma papelaria e utilidade doméstica nessa loja. E tinha uma moça, a filha do dono, que tinha esse nome Ébila. E daí eu gostava muito dessa menina, que ela trabalhava com o pai. E aí quando eu tive minha filha, eu tive e eu falei “não, vou colocar o nome dela”.
P/1 - Como você começou a trabalhar no metrô?
R - No metrô foi assim, eu saí do banco, fiquei um ano e meio sem trabalho. Aí eu... Eu não queria ficar só em casa, porque na época eu ainda morava de aluguel. Aí eu falei "não, eu tenho que voltar a trabalhar porque eu preciso comprar uma casa, eu preciso sair do aluguel". Aí eu fazia muitos cursinhos, curso prático, no centro. E eu tava fazendo um curso para prestar concurso pro Banco do Brasil, que era o meu sonho ir trabalhar no Banco do Brasil. Aí eu conheci uma pessoa no ônibus do meu bairro, que essa pessoa ia descer próximo da minha casa onde eu morava, e ela... A mãe dela tinha mudado lá e ela não sabia a rua. E aí a gente veio conversando e tal, e ela falou assim: "Ah eu vim de uma inauguração de uma estação do metrô, da inauguração do metrô Brás". Eu falei: "Ah, que interessante", aí ela... Eu falei assim: "E como que faz para entrar no metrô?", porque desde quando eu trabalhava no banco eu já tinha vontade de trabalhar no metrô, eu passava lá e eu achava bonito o pessoal trabalhar. Eu falei "um dia eu vou trabalhar aí, no metrô". Aí minhas colegas falavam assim: "Imagina se vai trabalhar no metrô, você tá pensando que é qualquer um que entra no metrô?". Eu falei: "Ah, não sei, mas um dia eu vou trabalhar no metrô". E conheci essa moça, aí eu falei assim: "Nossa você trabalha no metrô?", e ela falou "Trabalho, eu sou ascensorista". Eu falei: "Onde?", ela falou: "Na rua Augusta". Eu falei..., ela falou: "E o metrô tá em expansão, ele tá pegando gente". Eu falei: "É mesmo? Eu tô sem trabalho". ela falou: "Vai lá, faz uma inscrição. Quem sabe eles te chamam?". Aí ela me deu todas as coordenadas e eu fui na rua Augusta. No primeiro dia que eu fui, eles atendiam só 60 pessoas. Acho que tinha umas mil lá (risos). Aí eu voltei e falei “ah não, isso aí não é para mim não”. Aí depois falei “não, não vou desistir. Eu tinha um sonho de trabalhar, quem sabe não é agora?”. Aí voltei lá, eu saí de casa às quatro horas da manhã, fui até com a minha cunhada. Minha sogra "não, leva a Joana para você não ir sozinha, não sei o que", aí fomos. Aí consegui chegar antes de 60, porque eles atendiam até 60 pessoas por dia para fazer a inscrição. Naquela época não era concurso público, era inscrição, diferente de hoje. Aí fiz a inscrição. Demorou meses veio um telegrama à noite na minha casa, foi até a dona da casa que eu morava de aluguel, nessa casa, aí ela correu lá, me chamou e falou: "Tem um telegrama para você". Eu falei "nossa, telegrama a noite? De onde?" aí fui olhar, olhei e nem lembrava mais que era do metrô, aí tava escrito que no outro dia, oito horas da manhã, eu tinha que estar na rua Augusta. Falei “é lá que eu vou”. Aí fui, fiz as primeiras entrevistas, inscrições, as provas, e foi indo eu passei, porque é... Era um processo bem demorado até você saber que tinha passado. E foi assim que eu entrei.
P/1 - E o que você fazia lá no metrô?
R - Eu trabalhava na operação. Comecei a trabalhar na operação, trabalhei em quase todas as estações de Santana à Jabaquara.
P/2 - Como era esse trabalho de operação?
R - Operação trabalha na estação, você trabalha em bilheteria, você trabalha naquela cabine que fica anunciando, você trabalha nas plataformas, era atendimento ao público ali, você atende o público, nas catracas do metrô, que tem aqueles funcionários que ficam ali. Ali também era meu trabalho.
P/1 - E você lembra alguma história interessante que te marcou nesse tempo todo que você trabalhou lá?
R - Olha... História interessante tinha muitas, muitas... Tem histórias tristes e tinha histórias, assim, como que eu posso dizer... Tem tanta coisa que vocês não imaginam que acontece... Olha, eu trabalhei na estação Tatuapé, uma história pitoresca... Naquela época só tinha até a estação Tatuapé, não tinha mais para lá. Uma vez caiu um cavalo bem ali em frente as bilheterias.
P/1 - Mas como entrou um cavalo?
R - Ele entrou pela rampa, que lá é cheio de rampa. Entrou um cavalo, caiu e morreu ali. Aí até chamar o pessoal da... Como é que chama? Pessoal que mexe com esse negócio de animais?
P/2 - Zoonose? Será?
R - Não sei se era zoonose. Não, não, acho que não, zoonose é para cachorro. Era meio ambiente... Não sei alguém do... De animais para vir poder retirar. Então essa foi a história pitoresca.
P/2 - Agora em alguma estação aqui próxima da...
R - Da estação. Aqui eu trabalhei aqui no Tietê, trabalhei aqui no Tietê por dez anos. Só aqui dez anos.
P/1 - E você disse que trabalhou 26 anos no metrô, não é?
R - É, 26 anos.
P/1- E você percebeu uma mudança, um desenvolvimento, uma mudança nessa região por conta do metrô?
R - Ah sim, com certeza. Foi muito boa. Assim, hoje em dia eu percebi que melhorou mais ainda. No transporte eu acho que ainda ultimamente tem dado muito problema, mas isso é por conta de governo, a gente nem entra nesse mérito. Mas, assim, a mudança das pessoas, ah melhorou bastante. Tanto na Zona Leste como aqui, na Zona Norte. Porque a Zona Norte no tempo que eu era jovem, que eu tinha meus 17, 18 anos que não existia metrô, a gente para ir para Tucuruvi, você tinha que ir lá na Luz, que era o ponto final dos ônibus, para subir tudo isso aqui era um transito terrível, você não deve lembrar. Então eu acho que o metrô foi a melhor coisa para nós aqui da Zona Norte.
P/2 - O que o metrô trouxe?
R - Ah eu acho que trouxe... Eu acho que trouxe até mais educação pro povo, mais organização.
P/2 - Por quê?
R - Na parte do comércio também, eu acho que melhorou bastante.
P/2 - Quando você fala que trouxe mais educação é em que sentido? Por quê?
R - Ah, o povo eu acho que ficou mais educado. Porque você vê que quando o pessoal entra no metrô eles têm um comportamento diferente. Eu acho... Tem um comportamento totalmente diferente.
P/1 - Você acha que o ambiente do metrô favorece isso.
R - Favorece isso. Entendeu?
P/2 - Deixa eu te perguntar só mais uma coisa em relação ao metrô. Você disse que acontece tanta coisa lá que a gente nem imagina.
R - Ah sim.
P/2 - Fora a parte triste, que são essas citações que você contou, o que acontece que a gente não imagina? Não sabe? E você como trabalhou lá tantos anos?
R - Ah... O que eu posso dizer? Assim, pessoa que chega... É... Tem muita reclamação, tem pessoas que vocês, quem anda não percebe, as pessoas que pedem para entrar de graça, pessoas que... Até pessoas que agridem funcionários, tem isso também. Pessoas que perdem muita coisa, que deixam cair coisas na via, que vocês não fazem nem ideia. Esquecem coisa, perdem criança, perdem pessoas. Então tem muitas histórias assim, de pessoas. Olha, uma das últimas histórias que me marcou também, que eu sempre conto pros meus filhos, foi uma mochila que esqueceram na plataforma. A mochila..., a pessoa, eram duas pessoas, dois homens, que vieram do interior comprar coisas na 25. E eles esqueceram uma mochila enorme. Aí eles chegaram na Estação da Luz, que eles tinham outras coisas, carregando outras coisas, esqueceram essa mochila. Essa mochila na época tinha peças de videogame, peças eletrônicas, tinha muita coisa e, assim, quando a pessoa perde alguma coisa no metrô é tudo catalogado, tudo escrito e se tem documento, você anota todos os documentos, aí vai para o setor de achados e perdido, aí lá fica esperando uma pessoa ir procurar. Só que essa mala, essa mochila, a pessoa tava lá na Estação da Luz e esqueceu. Dentro dessa mochila não tinha documento, não tinha papel, não tinha nada, tinha só essas peças que eu falei para vocês. E aí eu fui... Tava já na hora de eu ir embora. E aí telefonaram para mim de lá, que era para eu ir na plataforma que a mochila tava lá. Engraçado que ninguém pegou essa mochila, era uma mochila desse tamanho e ninguém pegou. E eu vim arrastando essa mochila. Abri lá para ver o que tinha, fui abrindo, pegando, tinha muita peça. No final tinha muito dinheiro. Tinha, assim, um valor que eu não lembro exatamente, que dava até para comprar um carro.
P/1 - Nossa.
R - E aí eu chamei meu chefe, chamei o pessoal da segurança, porque a gente tem chamar mesmo, porque vai ter que abrir um boletim de ocorrência, ir pra delegacia todo uma... Né? E aí encontrou a pessoa, aí a pessoa tem que provar que é dela, porque você não pode "ah é minha", você tem que saber se é mesmo. E aí daí ele teve que provar. Nós ficamos em quatro pessoas contando dinheiro porque era tudo dinheiro trocado, era muito dinheiro.
P/2 - Você... O metrô já tem 50 anos.
R - Tem.
P/1 - E aí quando descobriram quem era a pessoa... Só pra fechar.
R - E aí quando descobriram, eles foram para a delegacia, aí de lá já ficou na mão da segurança, depois no outro dia eu fiquei sabendo que eles entraram em contato com a empresa da pessoa que eles iam comprar aquelas coisas, que não era para eles, era para uma empresa. E aí deve ter provado por A mais B que era deles mesmo, que eles tinham esquecido esse dinheiro.
P/2 - O metrô já tem 50 anos, você disse que trabalhou desde os 26 neles... Qual foi o período que você trabalhou?
R - Olha eu trabalhei de 1982 até 2007, finalzinho de 2007, quase 2008.
P/2 - Tá... E você se referiu aqui a estação lá, estação do Tatuapé, falou aqui da Norte Sul... Nesse período até o seu desligamento do metrô, que mudanças você viu acontecer no metrô?
R - A mudança que você fala em que...
P/2 - Número de linhas...
R - É, daí foi melhorando. Teve uma época que ficou 20 anos parado, que eu acho que foi um erro dos governantes não ter continuado, ter parado. E, assim, melhorou em termos de condução mesmo, de locomoção das pessoas que... O metrô, nossa, você pega o metrô hoje em dia você anda a cidade toda e se ele não tivesse parado aquela época estaria bem melhor.
P/2 - Que linhas tinham naquela época até você sair?
R - Olha, a linha amarela não tinha ainda, tava fazendo ainda. Tinha a linha verde, tinha a linha azul e a linha vermelha. Que a linha vermelha, né...
P/1 - E você saiu porque se aposentou.
R - É, eu aposentei aí depois teve uma... Como é que fala, esse... Demissão...
P/2 - Voluntária.
R - Voluntária. Eles me convidaram e como eu já trabalhava desde 14 anos, eu trabalhei dos 14 anos aos 55, então eu achei que já era hora de me parar. Aí eu falei “ah já trabalhei bastante”, então... Eu não queria ter saído, mas eu falei “não, agora não tem mais o que fazer”. E antes de eu parar de trabalhar, eu já comecei a fazer artesanato.
P/1 - Que aí é a sua atividade hoje.
R - Foi aí eu comecei bordando... Eu já fazia isso, eu já costurava desde criança, desde que eu aprendi com a minha mãe, com a minha avó... E aí eu parti para o artesanato, eu comecei bordar, comecei a aprender a bordar, eu já bordava, mas eram aqueles pontinhos da vovó, mais simplesinho. Aí eu comecei a ir para fazer curso, fiz muito curso aqui em Santana, lá no meu bairro também. E aí fui bordando, fazendo uma toalha para um, outro para outra, comecei com ponto vagonite, depois entrei para parte do tear, então fiz muita coisa em tear. Então aí depois que eu saí do emprego mesmo, que aí eu vi que eu tava livre, né, porque eu bordava nas horas vagas, e à noite quando eu fazia o meu trabalho, a gente tinha um trabalho à noite, além de trabalhar à noite nesse mesmo tipo de serviço, quando encerrava tudo a gente tinha parte de escritório, para fazer fechamento de um monte de coisa. E aí nas horas vagas eu ficava bordando. Foi daí que começou eu fazendo artesanato. Aí quando eu saí mesmo, parei de trabalhar, foi que eu comecei a pegar no artesanato, eu comecei a conhecer grupos. Aí eu fiz curso em Santana, antes de eu sair eu já fazia curso em Santana. Eu saía do trabalho três horas, duas e pouco, já ia para o curso, depois eu ia para casa. E aí eu quando eu saí de vez mesmo, que eu parei de trabalhar aí eu comecei a conhecer cursos, assim, grupos de pessoas. Aí no Posto de Saúde que pertence ao meu bairro, lá tem artesanato já há mais de 20 anos, aí eu comecei a me integrar lá. Comecei a fazer curso lá e foi daí que foi crescendo, fui conhecendo pessoas, fazendo esses... Participando desses grupos, fui começando a vender alguma coisa, participei da primeira feirinha lá no Posto de Saúde. Que tem até hoje, tem duas feiras por ano, tem no mês antes do Dia das Mães e tem em dezembro, no Natal. Então tem essas feirinhas, a gente vende mais para quem circula lá, né? Os médicos, enfermeiros, pessoal que circula lá que a gente vende as nossas peças.
P/ - E que tipo de peças que você faz hoje?
R - Hoje, depois que eu entrei para o grupo Cria Norte, que foi através de um outro grupo que eu tava, que a Marisol, ela até conheceu, a Marisol tem uma ONG, ela conheceu meus trabalhos e ela ficou me insistindo "vem, vem dar aula de artesanato aqui para a terceira idade" aí foi que daí que eu comecei a fazer coisa, eu comecei com pano de prato. Aí eu tinha uma amiga que ela faz bingo de pano de prato, e aí foi com ela que eu comecei a conhecer, ver como que faz, mas eu não sabia que era costura criativa, o que era costura criativa. Foi daí, no grupo Cria Norte, que eu comecei a fazer, porque eu já fazia bastante coisinhas. E aí já costurava, essas coisas, porque costura de roupa eu já fazia há muito tempo. E aí foi daí que eu comecei conhecer a costura criativa.
P/1 - E hoje em dia você tem uma renda que vem desse artesanato ou é só pra...
R - Não, ainda não posso dizer que a renda... Que eu tenha alguma coisa de renda. Tem alguma coisa que dá para eu comprar as peças, os produtos que eu quero, os aviamentos, com dinheiro que eu recebo, mas viver do artesanato, ainda não.
P/1 - E esse trabalho te faz... Como você se sente vendo as suas peças e fazendo isso?
R - Ah, eu me sinto bem, eu acho... Nossa, acho incrível, porque eu lembro que tinha uma colega minha no metrô que falava assim “Rivânia, um dia você ainda vai fazer sucesso com esse trabalho seu". Eu falei: "Será, Sueli?", e ela falou: "Vai, você vai ver. Seus trabalhos são muito bonitos". Ela elogiava sempre meu trabalho, mas eu fazia por gosto mesmo, por amor ao artesanato, à costura mesmo. Eu sempre gostei de costurar, sempre gostei de bordar, de fazer essas coisas mesmo de artesanato. Então eu fico feliz, fico contente.
P/2 - Que sentimento você tem em relação ao que você produz? Te traz alguma coisa assim, que você pode contar aqui pra gente?
R - Um sentimento? Ah, eu acho que eu sou uma vencedora. Assim, porque eu que cuido da minha casa, eu não tenho empregada para cuidar, não tenho ajudante. Já tive, quando eu trabalhava, mas hoje em dia não. Então eu cuido do marido, dos filhos, da casa, da neta, que sou eu que cuido dela. Agora que ela tá com a mãe, que a mãe tá em casa, mas eu que cuido de tudo, da minha casa, do marido. Então, assim, o dia tem que dar conta de tudo, eu faço todas as minhas coisas e aí aquelas horas de folga eu tiro para fazer o meu artesanato.
P/1 - E participar desse grupo do Cria Norte? Como que é?
R - Nossa, muito bom, tá muito... Faz um ano que nós estamos juntos. Então tá sendo, assim, um aprendizado.
P/2 - O que vocês fazem juntos?
R – Olha, as reuniões... As reuniões a gente sempre faz junto, é sempre concordando o que vai fazer, o que não vai. Aí tem as que aprovam trabalho, se tiver algum defeitinho não é aprovado. E é isso que a gente faz junto.
P/2 - Você falou em costura criativa... Esse nome veio do Cria Norte?
R - Eu acho que não, essa costura criativa se você pesquisar já existe.
P/2 - Mas você conheceu na Cria Norte?
R - Na Cria Norte. Eu não sabia que era costura criativa. Criativa é porque, assim, você não faz uma coisa só, você faz várias. Por exemplos, faz o pano de prato, faz coisa de bebê, faz bolsinha, faz tapete, outras fazem o crochê... Então eles chamam de costura criativa.
P/2 - Nessas reuniões vocês ensinam umas às outras?
R - Já, já fizemos isso. Agora não, porque a gente tá mais na parte da produção. Então já foi, teve colegas lá que aprenderam o crochê nesse curso. Eu não... Não é que eu não sei fazer crochê, eu não sei desenvolver porque eu não... Eu não me dediquei ao crochê, o crochê você tem que se dedicar, ficar só naquilo. A costura criativa não. Como eu já trabalhei em confecção, então você tem mais... Uma mente diferente. E sempre eu tava ali e o croché não, se você não praticar você não vai para frente. Crochê, tricô... Eu sei fazer tricô também. O bordado... Tudo é prática. Mas a costura é diferente.
P/2 - Então o seu artesanato está ligado a costura, e o que você produz?
R – Então, eu tô produzindo... Lá eu produzo pano de prato, pano de boca para bebê, babador... Agora eu tô fazendo calcinha e faixinha de cabelo para bebê. Esses que tem um lacinho. Então, tô fazendo essa e sapatinho também tô fazendo, sapatinho de tecido, tudo de tecido. Mas eu faço outras coisas, que nem eu tenho umas encomendas, que até tá lá parada, eu tenho que terminar... Que são... Jogo americano com porta talher, que hoje muitas pessoas estão levando a comidinha pro trabalho e aí leva os talheres embrulhadinhos no jogo americano, é um jogo americano que ele comporta os talheres juntos. E aí o que eu fiz mais também? Eu fiz porta absorvente para as meninas que gostam de levar na bolsa, principalmente a jovenzinha que não gosta que ninguém veja, então aí é tipo uma bolsinha que você olha você não sabe o que tem dentro, fiz isso também.
P/1 - Você que cria essas peças?
R - Não, já tem. Mas eu consigo desenvolver.
P/2 - E como grupo vocês se organizam para vender? Como é?
R - Olha, algumas colegas têm participado de feiras, as feiras vocês conhecem, como eu já participei também. Elas se organizam assim. Entram no site sendo convidadas...
P/2 - O que a Cria Norte trouxe pra você de bom? Ou de diferente?
R - Olha, trouxe conhecimento.
P/2 - Que tipo de conhecimento?
R – Ah, conhecimento de você conhecer outras pessoas, conhecer outros tipos de trabalho, avaliar se o seu trabalho tá bom, se o seu trabalho vai agradar ao público, entendeu? Porque às vezes para mim, para os meus amigos, para a minha família, tá bom, mas para você colocar numa loja, para você colocar no shopping, é diferente de você vender para pessoas conhecidas sua. A pessoa conhecida sua, que não conhece a costura, não sabe avaliar, para ela tá bom. Tem um defeitinho ali ela não vai reclamar, mas o público em geral ele reclama.
P/2 - Você acredita então que você agregou qualidade no seu trabalho?
R - Sim, agreguei qualidade.
P/2 - E vocês fizeram algum curso juntas? Como que era?
R - Não, não fizemos. Foi através da... A gente tem uma moça, a Gabriela, que ela é... Acho que ela é design de moda, alguma coisa da moda, que ela dá aula, ela trabalha em confecção, então foi orientação dela mesmo.
P/2 - Ela orienta vocês ou só...
R - Ela orientava... No começo ela orientava a gente como ela queria.
P/1 - E vocês produzem peças nesses encontros? Ou não, nesses encontros vocês conversam...
R - Não, a gente já leva pronto, cada uma produz na sua casa.
P/1 - E aí lá vocês partilham esses...
R - É, isso.
P/2 - Hoje quais são as coisas mais importantes pra você?
R – Olha, mais importante de tudo, de tudo, é a minha família em primeiro lugar. Aí depois a saúde da gente, nossa saúde é uma das mais importantes. Você acreditar em alguma coisa, não importa qual é a sua religião, eu penso assim, qualquer religião ela é válida desde que você acredite nela e que te traga algum benefício. E as amizades que você tem, conhecimento, esses grupos, hoje em dia eu acho muito legal você conhecer a pessoas, você estar vivendo, saindo, fora da sua casa, você não ficar naquele mundinho. Eu acho que você tem que conhecer pessoas, conhecer coisas. E daí você... Eu acho que você cresce e eu acho que aí você demora para envelhecer, entendeu? (risos) Você pode envelhecer por fora, mas sua mente está sempre ativa.
P/1 - E como você... Você acha... O que você acha que foi essa experiência de contar essa sua história de vida para nós? Como você se sentiu?
R - Olha, eu achei incrível porque eu nunca pensei em contar a minha história assim, nunca pensei mesmo de contar minha história desse jeito. Eu achei que foi bacana.
P/1 - E como você se sentiu contando?
R - Ah, eu me senti bem. Achei que foi valioso. Foi... Foi bem... Vai ser bem produtivo. Eu acredito que... Porque lógico vocês vão resumir muita coisa, porque não dá para colocar tudo assim, mas eu acho que quem ver, vai ser bom pra pessoa saber que a gente... Não é o dinheiro que faz a vida da pessoa, sabe? O dinheiro é uma consequência, mas o valor que você dá para suas coisas, para o que você faz, pro que você conhece, isso aí não tira de ninguém. Ninguém tira de você.
P/2 - Você poderia partilhar com a gente um pouquinho dos seus sonhos daqui pra frente?
R - Olha o meu sonho é que a nossa rede Cria Norte cresça, que a gente tenha algum... Já tem alguns contatos, que a gente continue crescendo e não pare nisso, que eu acho que o que eles estão querendo que a gente... Como que se diz? Tem uma história da Zona Norte, que começou daqui. Que isso sirva de exemplo para outros grupos de pessoas, que a união ajuda. Você sozinha não consegue nada, é muito difícil uma pessoa sozinha ficar conhecendo todas as pessoas. É raro. Eu acho que não tem como. Hoje em dia tá difícil. Então grupo de pessoa eu acho que um ajuda o outro, eu penso assim.
P/2 - E pra sua vida pessoal?
R - Ah, eu acho que... Eu já tenho 66 anos, eu não me sinto com 66 anos, eu me sinto mais jovem. Então eu acho que eu quero crescer um pouco mais, quero crescer, quero... Assim, não que eu queira ser conhecida na televisão, isso aí pra mim se vier, veio, se não... Mas eu quero daqui um tempo falar "puxa vida, olha. Eu comecei do nada e agora eu tô melhor". Eu quero melhorar o que eu estou hoje.
P/2 - Melhorar em que?
R - Ah, em termos... De financeiro e conhecimento. Mais conhecimento, porque o conhecimento eu acho que é tudo na vida. O conhecer e o saber eu acho que isso aí... E continuar com a minha saúde, porque sem saúde você não vai para frente. E é isso.
P/1 - Então, Rivânia, muito obrigada.
R - Ah de nada.
P/1 - Foi uma delícia ficar te ouvindo aqui.
P/2 - A gente ficaria ainda, né?
R - Desculpa se não foi melhor.
P/1 - Foi ótima.
R - Porque é a primeira vez. Eu nunca falei da minha vida pra ninguém assim, em público, para as pessoas, e acho assim que eu quero ser um exemplo. De quem pensa "aí, puxa vida, eu moro ruim, eu moro isso, eu moro aquilo", não. É só a pessoa ter força de vontade, perseverança, crer, ter um sonho que ela consegue.
P/1 - Muito obrigada. Muito bom.
P/2 - Parabéns pela história.
R - Ah, obrigada. Imagina.