Tarek Sarout. Nascimento em 29 de novembro de 1949 em Beirute, no Líbano. Vida na África até os 12 anos, vivência na Espanha por um ano. A família em São José do Rio Preto. Trabalho no comérci há 37 anos em Rio Preto. 53 anos no Brasil. Pai libanês Armand Dalfid Sarout. Mãe Ubaldina Faidarone Sarout, brasileira de ascendência libanesa. Ubaldina conheceu Armand quando morou no Líbano. Noivado por dez anos. Voltaram casados para África. Bisavô em 1800 viajou de navio para Austrália. Não gostou da Austrália. Viajou para o Brasil, interior mineiro. Mudança com a família. Avô libanês apaixonou-se por uma mineira. Família fundadora de Frutal/MG. Viagem ao Líbano. Avô tornou-se prefeito no Líbano. Luta entre duas famílias pela prefeitura da cidade. Três anos como prefeito. Objetivo de amenizar disputa entre candidatos rivais. Avô voltou para Brasil. Mãe Ubaldina ficou no Líbano. Noivado com Armand no Líbano. Estourou uma guerra. Casal separou-se por 10 anos. Ao fim da guerra Armand conseguiu ir para Brasil. Casamento no Brasil. Mudança para Senegal. Nascimento do irmão no Senegal. Nascimento de Tarek no Senegal. Nascimento de irmã no Brasil. Guerra Libanesa. Domínio francês. Libaneses tornaram-se soldados franceses. Pai conseguiu deixar de combater. Infância no Senegal. Dakar era a capital da África Ocidental Francesa. Território até Marrocos, Tunísia até Costa do Marfim. Senegal, Mauritânia, Marrocos, Mali, e Costa do Marfim. Escolas em francês. Alfabetização em francês. Educação árabe no Líbano. Mudança de países e de continentes por cinco ou seis vezes. Pai era importador e exportador. Ele recebia mercadorias e mandava por Mali, pra Mauritânia, pra Costa do Marfim. Vendas no atacado. Tarek diz ter herdado do pai a arte do comércio exterior. Trabalho de trader. Negociador há 15 anos. Trabalho por vários países: Coréia do Sul, Austrália, o norte da África e o Golfo Arábico. Venda de produto brasileiro. Última viagem ao Irã e Iraque há três anos. Venda de soft drink; alimentos; implementos agrícolas; fitoterápico; cosmético. Fluência em francês, português, inglês e árabe. Fala um pouco de espanhol. Influência do exército e marinha francesa no Senegal. Colônia libanesa no Senegal. Pai era ligado a Embaixada Libanesa. Período de epidemia no Senegal e mudança para Ilha das Canárias, Espanha, por um ano. Clima úmido em Dakar pela proximidade com oceano. Dakar era uma cidade bonita. Retorno à Dakar para trabalho. Reunião do Rotary. Lembranças no Senegal; casa da família, loja do pai. Saída do Senegal com 16 anos. Na época o Senegal estava sob domínio francês. Estudos em colégio de padre francês. Dakar era organizada com avenida largar praças bonitas. Na Corniche se fala o francês. O senegalês tem 133 dialetos. Dialeto senegalês em Dakar era o wolof. Mais dialetos no interior do Senegal. Lembranças da época de escoteiro no Senegal. Acampamento de monitores. Jogo do mapa. Chegada num monte de cabanas de palha. Dificuldades com idioma da tribo. Dificuldades de pedir água no dialeto da tribo Meia cabaça de água com cheiro de lodo. O Senegal faz divisa com a Mauritânia ao norte. Divisa com o Mali. Senegal tem vegetação de estepe. Habitat dos animais Girafa, leão. Pesca de lagostas em Saint-Louis, Senegal. Rio Senegal, divisa entre países Mauritânia e o Senegal. Sensação de infinitude no deserto em Saint-Louis. Pai fornecia mercadorias na Mauritânia. Caixa de cinquenta quilos de chá. Bebida tradicional Chai. Uso de vestimentas. Ditado popular “O que te aquece, te refresca”. Comida tradicional no Senegal é peixe com legumes e arroz vermelho. Uso de muita pimenta. Comida tradicional na Mauritânia é arroz com carneiro. Comida tradicional no Marrocos é cuscuz marroquino, sêmola sovada na manteiga, com legumes e carne. Lembranças de nadar na piscina. Piscina com água do mar. Ilha de Ngor. Acampamento como escoteiro. Durante a escravidão africanos iam para a ilha e não tinham escolha, ou iriam se afogar no mar ou descer até o navio. Mar com muito tubarão. A família retornou ao Brasil quando a África Ocidental Francesa conquistou independência e cortaram relações diplomáticas e comerciais. Pai era gentleman e sábio. Família escolheu voltar ao Brasil. Pai viajou para Argentina, Chile, Uruguai, antes de decidir voltar ao Brasil. Mudaram-se diretamente para Rio Preto. 54 anos de história no Brasil. Choque cultural. Família muçulmana. Em Rio Preto não há mesquita. Os locais próximos com mesquitas são Barretos e Colina. Respeito pelos livros sagrados: o Velho Testamento, o Novo Testamento e o Corão. Já fez palestra falando de religião do mundo árabe em igreja, em maçonaria, em Rotary. No Senegal tem muitos muçulmanos e mesquita. No Líbano tem mesquita e igrejas. Palestra na igreja Primeira Batista. Conhece setenta países. Desses setenta países gostou de todos. O local onde se vive é onde se tem raízes. É preciso respeito. Irmão mais velho é Caled, engenheiro mecânico, irmã Zuleica, irmã Muna, falecida, e irmão Milen, designer na prefeitura de São Paulo. Quando chegou ao Brasil na infância só sabia o termo “Levanta do chão” por causa da mãe. Alfabetização em português foi fácil por similaridade com o francês. Tios moravam em Fronteira- MG. Fundadores da cidade mineira são árabes. Em Rio Preto moraram no Centro da cidade, em apartamento. Mudança para bairro Vila Diniz. Estudos no Colégio São José, depois no Colégio Alberto Andaló. Foi estudar no Rio de Janeiro. Retornou a Rio Preto e continuou os estudos de Administração de Empresas e Contabilidade. Chegou no Basil em 1966. Se recorda dos cinemas no centro da cidade. Lembra-se do Bradesco e comércios pequenos. No cruzamento da Avenida Bady Bassitt com a Independência eram apenas sítios. Filme O Retorno de Jedi foi marcante. Na escola São José gostava da disciplina de Português. Apoio do professor. Professor Sales dava atenção e o ajudou. Ele era gentil. Na escola fez amizades tranquilamente. Viagem de ônibus com amigos para Santos. Lembrança de conferência do Rotary com três amigos, um médico e dois fotógrafos, um americano e outro brasileiro. Viveu na juventude no Rio por intenção de cursar Turismo e Arquitetura. Resolveu cursar Administração na Unirp em Rio Preto. Se apaixonou e voltou para casar. Esposa Maria José, brasileira. Ela estudava junto com seu irmão. Se casaram em Fronteira- MG. Casamento em 1973. Quarenta e sete anos de união. Seu pai teve um supermercado em Fronteira. Durante algum tempo Tarek administrou o supermercado. O retorno à Rio Preto foi a convite do amigo Salim, Kiberama, para sociedade. Trabalho juntos por 12 anos. Comprou o café em 1987. O fundador do Café era Toninho Conte. O nome do domínio estava registrado como Café Conte e preferiu deixar assim. O Café Conte tem o melhor café. Uso de blend separado. O grão é diferente. Café tem preço de commodity e preço de gourmet. O habitué dos clientes é frequentarem o Café todos os dias. No cardápio tem esfiha de zaatar, de carne e queijo. Produtos diferentes. Venda de pão de queijo grande e pequeno. Ao logo do tempo formou uma clientela. Antigamente era tabu que cafés eram ambientes para o público masculino apenas. Hoje busca proporcionar alimentos e bebidas para atrair o público feminino. Inclusão de chantilly, capuccino, chocolate. São mais de trinta anos de experiência. Sempre toma o primeiro café para ver no paladar a quentura e sabor. Importancia do grão, moagem, torra, temperatura, pressão da máquina. O mais importante, porém, é o atendimento. Adaptações na pandemia. Momentos de dores de cabeça, azias, nervosismo, alergias. Adaptação de kibe, kafta pra assar, homus e coalhada seca pra levar. Luta para continuar a ativa. Cozinhou em jantares no clube Rotary para a maçonaria. Comida para quinhentas a mil convidados. Participação em 17 jantares do Clube Rotary. Comida árabe é saudável e trabalhosa. Uso de azeite e legumes. Faz kibe, kafta, charuto de folha de uva, cuscuz marroquino. O grão do cuscuz marroquino é exportado da França ou Marrocos. O melhor grão de café é brasileiro. Concorrência com o Vietnã e Colômbia. Tem três filhos. O mais velho é Calfic, comerciante, trabalha numa empresa de energia solar. A filha Mira é biomédica, responsável pelo Centro de Saúde de Olímpia. Filho caçula trabalha com loteamentos de imóveis. Histórias do tempo vivendo em Portugal. Orgulho de deixar um legado de sua história de vida aos familiares. Seu sonho é conhecer mais setenta países. Agradecimentos. Encerramento.
Tarek Sarout: Do Líbano ao Senegal, do Brasil para o Mundo
História de Tarek Sarout
Autor:
Publicado em 10/07/2021 por Ana Eliza Barreiro
Memórias do Comércio de São José do Rio Preto 2020/2021
Entrevista de Tarek Sarout
Entrevistado por Ana Eliza Barreiro e Cláudia Leonor Oliveira
São José do Rio Preto, 20 de março de 2021
Entrevista MC_HV071
Transcrita por Selma Paiva
Conferido por Ana Eliza Barreiro
P2 – Obrigada pelo senhor ter aceitado o nosso convite! Eu vou passar a palavra pra Ana Eliza, que vai conduzindo a entrevista e eu vou ajudando, tá?
R1 – Tá ok.
P1 – Então vamos lá! De novo muito obrigada estar participando, pra gente é um prazer estar conhecendo sua história. Eu acho que a gente precisa sempre estar valorizando mesmo o nosso comércio local, a nossa história, que é daí que vem as nossas raízes. Então, pra começar, eu vou pedir pro senhor falar seu nome completo, a data do seu nascimento e o local do nascimento.
R1 – Ok. Eu nasci em 29 de novembro de 1949. Eu nasci em Beirute, no Líbano. Praticamente só nasci, o resto eu vivi tudo fora. Morei uma parte na África, 12 anos; um ano na Espanha e o resto aqui. Hoje eu estou com 71 anos e formei uma família em São José do Rio Preto e tenho comércio, trabalho no comércio já faz um bom tempo, quando meu pai veio pra cá ele montou o comércio, eu fui estudar fora, quando voltei peguei o lugar do meu pai e acabei vindo pra Rio Preto já há 36, 37 anos. Estou no Brasil há 53 anos.
P1 – Uma vida, né? O senhor morou cidadão do mundo! E qual que é o nome do seu pai e o nome da sua mãe?
R1 – Meu pai libanês chama Armand Dalfid Sarout, minha mãe já é de pai libanês e mãe mineira, Ubaldina Faidarone Sarout. Quer dizer: a minha mãe era... conheceu meu pai, uma longa história, acho que falei alguma coisa com vocês, que ela foi morar uma parte da vida dela no Líbano e acabou, depois, vindo pra cá e meu pai já a conhecia, um dia eles ficaram noivos, dez anos depois veio aqui, casou e voltou pra África e lá nós ficamos.
P1 – Eu, então, vou perguntar um pouco mais sobre a história deles, né? Me fala um pouco mais das suas origens, do seu pai, da sua mãe. Sua mãe, então, nasceu aqui no Brasil? Seu pai ela conheceu no Líbano, como foi essa história?
R1 – Bom, a história é meio comprida, mas vamos lá! O meu bisavô, o avô da minha mãe, lá de 1800 e alguma coisa pegou um navio e foi parar na Austrália. Não gostou da Austrália. Ele comprou uma caixinha de fósforo e falou: “Eu estive aqui” e veio parar aqui em Icém [cidade paulista*] (03:53), bem perto daqui. Aí chamou meu avô, que é o pai da minha mãe, pra vir pro Brasil e meu avô acabou casando com uma mineira, fundadora... a família dela é fundadora de Frutal. Aí meu avô pegou e foi para o Líbano a passeio, levando a minha mãe e dois tios meus e, quando ia voltar pro Brasil, o pessoal lá falou: “Não, você não vai voltar, você vai ser prefeito da cidade”. Ele falou: “Não, eu não sou político”. É que tinha duas famílias lutando pra conseguir a prefeitura da cidade, meus avós e meu pai. Aí ele acabou ficando três anos lá como prefeito, pra poder amenizar a disputa entre os dois candidatos a prefeito da cidade dos meus pais. Aí, quando meu avô voltou pro Brasil, minha mãe ficou lá, a pedido do pai dele. Mas aí o avô dela acabou falecendo e meu avô foi pra lá, pegou minha mãe e veio pra cá, mas antes disso ela já tinha conhecido meu pai e ficaram noivos. Aí estourou a guerra e, nessa guerra aí meu pai ficou longe da minha mãe, como noivo, durante dez anos. Aí meu pai conseguiu vir pra cá - porque meu pai já estava na África – casou e voltou pro Senegal. No Senegal nasceu meu irmão, depois eu nasci no Líbano, depois a minha irmã nasceu aqui. Eu estive aqui no Brasil com um ano de idade. E essa é a história.
P1 – Nossa, ficaram dez anos, então, separados? Olha que história! E seu pai chegou a lutar na guerra? Como é que foi?
R1 – Não. Na verdade, quando a França entrou no Líbano, pediram pros libaneses também serem soldados franceses. Aí meu pai até se preparou pra tudo isso, mas acabaram deixando e falaram: “Não queremos mais soldados” e aí ele deixou de combater, graças a Deus! (risos)
P1 – Bom, guerra não é fácil, não.
P2 – Agora o senhor falou que passou parte da infância na África. Foi no Senegal?
R1 – Foi.
P2 – Então, conta um pouco pra gente essa experiência de crescer no Senegal, qual a língua que se falava, como é que vocês se relacionavam com as outras crianças.
R1 – No Senegal, na época, Dakar era a capital da África Ocidental Francesa. Quer dizer: pegava do Marrocos ou da Tunísia até, se você olhar o mapa, a Costa do Marfim. Então, era o Senegal, Mauritânia, Marrocos, Mali, Haute-Volta [*“Alto Volta” em francês, era o território chamado República de Alto Volta no período colonial da França; o povo conquistou independência em 1960 e o nome do país tornou-se Burkina Faso, conforme era Na tradição negra*] (07:34) e Costa do Marfim. As escolas todas, lá, eram em francês. Realmente, eu fui alfabetizado em francês. Aí meu pai achou que, pra gente ter uma educação árabe, aí nós fomos para o Líbano, pra estudar, não deu certo, voltamos pro Senegal. Mudei de países e de continentes, umas cinco ou seis vezes. (risos)
P2 – Experiência, né?
R1 – É.
P2 - E o seu pai trabalhava com o que, ‘seu’ Tarek?
R1 – Meu pai era importador e exportador. Ele recebia mercadorias e mandava por Mali, pro Haute-Volta (08:17), pra Mauritânia, pra Costa do Marfim. Ele só vendia no atacado. Hoje eu sou... eu peguei dele, né? Eu herdei dele ser comerciante internacional, porque eu trabalho também no comércio exterior. Eu sou trader, negociador também, tá? Então, até antes um pouco da pandemia eu estive ainda fora. Faz o quê? Uns 15 anos que eu trabalho com isso. Todos os países: Coréia do Sul, Austrália, o norte da África e o Golfo Arábico, todos eles eu fui lá, pra poder vender produto brasileiro.
P2 – Produto brasileiro?
R1 – Certo.
P2 - Que tipo?
R1 – Na verdade, eles gostam, por exemplo: se o vendedor que seja na língua deles, eles preferem, porque acreditam na palavra da gente e, quando tem algum problema, eles não ligam pra empresa, eles ligam direto pro trader. A última viagem que eu fui foi pro Irã e pro Iraque, há três anos.
P2 – E que tipos de produtos brasileiros?
R1 – Vamos lá! Qualquer produto: soft drink já trabalhei, com alimentos, com implementos agrícolas, que mais deu certo nas minhas vendas. Trabalhei com vários tipos de produtos de implementos agrícolas. Trabalhei com fitoterápico aqui de Rio Preto. Trabalhei com cosméticos, com várias empresas. São essas coisas.
P2 – Que interessante!
P1 – Viaja muito, né? O senhor fala francês, fala português, fala mais outra língua também?
R1 – O inglês e o árabe.
P2 – Esse período que o senhor é criança na África e morando no Senegal, a presença francesa é muito grande ainda, né? Era colônia ainda, da França, os países? Como que o senhor via isso, assim?
R1 – Sim. Realmente, a França tinha o exército francês, a marinha francesa, tudo lá, dentro do Senegal. E os treinamentos do exército francês eram sempre lá também. Realmente eu conheci muita gente em matéria de... não só os franceses, mas a colônia libanesa lá também era muito grande. Meu pai era muito ligado a Embaixada Libanesa. Teve um período lá no Senegal que teve uma epidemia lá e meu pai mandou a gente pra Ilha das Canárias, então eu também fiquei lá um ano na Espanha, mas o espanhol meu não é... é muito pequeno, também.
P2 – A ideia era fugir da epidemia?
R1 – Sim. Agora essa pandemia não está deixando a gente fugir pra lugar nenhum.
P2 – Não. É só dentro de casa, né? (risos)
P1 – Não tem pra onde correr. (risos) Nossa, mas do que você lembra de quando você era criança? Eu digo assim, da cidade mesmo, lá no Senegal, como era esse território, tudo, porque deve ser uma diferença gigante aqui pro Brasil, até no clima, né?
R1 – O clima vou te falar que é quase igual. A única coisa que Dakar, como é banhado pelo oceano, então era mais úmido. Dakar, na época dos franceses, era muito bonito. Depois que o Senegal pegou a independência, virou um pouquinho bagunça. É o tal de empurrar sempre o poder. O poder acaba atrapalhando a vida do pessoal que mora lá no local, eu acho. Tanto é que eu voltei pro Senegal...
P1 – O senhor chegou a estudar lá?
R1 – Oi?
P1 – Pode continuar.
R1 – Eu voltei a trabalho no Senegal, em Dakar... assim é melhor? Eu levantei um pouquinho.
P1 – Eu acho que está bom, sim.
R1 – Quando eu voltei pro Senegal, até participei de reunião do Rotary, que eu faço parte também e achei, assim, a cidade cansada, sabe? A cidade precisava de uma injeção, de novo, de negócios etc e andei bem, viu? Quando voltei pro Senegal, lógico, lembrei de tudo: onde eu morei, tal, onde era a loja do meu pai, peguei uns táxis lá e fui até pro interior, pra poder fazer um trabalho também. Aí, lógico, a lembrança voltou, né? Mas foi uma época gostosa de viver, no Senegal. Vivi também uma parte no Líbano, estudei dois anos no Líbano, já com 12, 13 anos, o resto foi na África e aqui.
P1 – E desses lugares, assim, você chegou a estudar também no Senegal?
R1 – Eu comecei o alfabeto todo em francês. Então, eu falo árabe porque os meus pais falavam árabe com a gente.
P1 – E, assim, você lembra como era sua casa na época, quando você morava lá no Senegal, depois no Líbano? Como era? Conta pra gente.
R1 – Lembro. Eu saí do Senegal com 16 anos. Já era meio homem, já.
P1 – Como era, assim, eu digo da cidade mesmo, as estruturas das casas, porque eu fico imaginando você, que já morou em tantos lugares, como era mesmo essa questão do cenário da cidade, das escolas, das estruturas, das lojas? O que você vai observando, que era muito diferente na sua infância e adolescência, do que era aqui no Brasil?
R1 – Pois é. Pra você ver, o Senegal, na época que eu estudei lá, era ainda sob domínio francês. Então, eu estudava em colégio de padre francês. Ou senão de freiras ou senão estudei, sim, num colégio do governo, mas muito pouco. No Senegal, Dakar era muito bonito. Muito, muito bem organizada, avenida larga, praças bonitas e, quando voltei pra lá agora, de novo, você vê que pro lado, por exemplo, da Corniche lá, chamada famosa Corniche, tudo construído, hotel bonito etc. E lá se fala o francês normalmente. Agora, o senegalês tem 133 dialetos. De Dakar era o wolof. Eu lembro muita coisa do wolof, mas não é fácil. Agora, tem toucouleurs [*povo originário também conhecido como Halpulaar'en que utilizam a língua Pulaar*], serer [* Linguagem do povo serers*] (17:11), um monte de idioma. À medida que você vai entrando no interior do Senegal, tem um monte de dialetos. Aí eu lembro uma vez, eu era escoteiro, num acampamento lá de monitores, tudo monitores e teve lá um jogo da gente pegar o mapa e seguir até chegar no ponto que a gente tinha que chegar no acampamento. E, lógico, eu, com todos os escoteiros que estavam junto comigo e a maioria são senegaleses, mesmo, aí cheguei num monte daquelas cabanas de palha, tal etc. História eu tenho muito pra contar! (risos)
P1 – Não, mas eu gosto. É que eu estou ouvindo aqui, são coisas que eu não faço ideia, assim. Pode continuar.
P2 – Está ótimo!
R1 – Aí cheguei e falei assim pra um dos membros da minha patrulha e falei assim: “Alguém fala o idioma deles?” Aí um deles era da tribo lá, né? Eu queria tomar água e não tinha água, eu estava morrendo de sede, aí falou pra aquelas senhoras, a senhora levantou, foi buscar meia cabaça de água. Confesso pra você que o cheiro da água estava cheirando lodo. Ah, mas eu tomei aquela água. (risos)
P1 – A sede, né, na hora! (risos)
P2 – ‘Seu’ Tarek, assim, é uma ignorância minha, mas está perto do deserto do Saara, vocês estavam perto? Tinha essa cultura dos berberes?
R1 – O Senegal faz divisa com a Mauritânia, no norte. Se você olhar o mapa, do lado direito tem o Mali; embaixo, quase chegando no centro da África, já é mais denso em matéria de floresta, mas o Senegal é vegetação de estepe. Quer dizer: tem uma árvore ali, outra ali, outra aqui e várias vezes, com meu pai, indo pro interior, você vê lá o habitat do animal, né? Girafa, leão, tal etc. Ninguém toca, ninguém mexe, mas estão lá. E o que você perguntou? Desculpa.
P2 – O deserto, a proximidade com o deserto do Saara.
R1 – Uma das últimas cidades no norte do Senegal chama Saint-Louis, São Luís, uma cidade que tem a maior pesca de... não é de camarão, não, como chama? Lagostas. É muito famosa pela pesca de lagostas. Logo depois, quer dizer, ela faz divisa, tem o Rio Senegal, que faz a divisa entre a Mauritânia e o Senegal. Olha, eu tive duas sensações diferentes: já estive em cima, no Alasca, de uma geleira, que dá uma sensação de infinito e lá no Senegal, em Saint-Louis, o deserto também dá uma sensação de infinito. Essas duas.
P2 – Horizonte, né?
R1 – Isso. Então, o deserto começa daqui pra frente. E meu pai vendia muito pro pessoal da Mauritânia. Era praticamente ele que fornecia tecido, chá etc. O chá deles é caixa de cinquenta quilos.
P2 – Eles tomam muito aquele chai, né?
R1 – É.
P2 – Tomam muito, né?
R1 – Tomam. Tomam bastante chá. Com o calorão, está aquele monte de roupa e tomam lá chá o dia todo.
P1 – E como são essas vestimentas? O senhor falou um monte de roupas, aquele calorão. Como era, mais ou menos?
R1 – Eles falam o seguinte: “O que te aquece, te refresca”. Eu não entendo muito bem, não. (risos) Eu não entendo, não.
P2 – Mas deve formar uma espécie de proteção, né?
P1 – Como era...
R1 – Talvez. Eles andam... já esqueci. Pode falar, Ana.
P1 – Eu ia perguntar como era também essa questão não apenas da vestimenta, mas das comidas típicas? Como era? Você lembra?
R1 – Você está falando do Senegal?
P1 – Isso.
P2 – Sim.
R1 – No Senegal eles têm uma comida famosa que chama thiéboudienne* [no dialeto Wolof chama-se “Ceebu Jën”, se pronuncia “tchê-bu-djene”, com tradução “arroz com peixe”. É considerada iguaria tradicional senegalesa] (22:33), que é peixe com legumes e arroz vermelho. Muita pimenta em cima, gostoso também. Tanto é que nem a nossa feijoada aqui, quando tem uma feijoada clássica junto com aquela... a alta sociedade de Rio Preto, feijoada não sei das quantas... lá nas embaixadas eles convidam os convidados pra comer um thiéboudienne* (23:08). É gostoso também.
P1 – Bem típico de lá, né? Tipo o Brasil quando... e no Líbano, lembra de alguma coisa?
R1 – Agora, subindo mais um pouco, na Mauritânia, já é arroz com carneiro. E subindo mais um pouco, o Marrocos já é cuscuz marroquino, que não é cuscuz nosso, mas é uma sêmola sovada na manteiga, com legumes e carne. Uma delícia também.
P1 – Nossa! E, assim, da sua infância tinha alguma festa tradicional que vocês participavam bastante no Senegal e depois no Líbano? Alguma coisa que marcou muito você, na sua infância, na sua juventude?
R1 – De festa, não, mas vamos lá! O que marcou na minha infância é: durante as férias, são três meses, era piscina. Nós tínhamos lá a piscina não de água doce, é água do mar, né? Agora, bonito mesmo em Senegal, isso me faz lembrar também, era uma ilha que chama Ilha de Ngor. Essa ilha acampei várias vezes lá também, como escoteiro. É uma ilha que era, pela história, inglesa. Aí a França negociou com ela pra poder sair de lá e pegar essa ilha, porque ela fica bem perto de Dakar. Nessa ilha, no tempo dos escravos, eram colocados nessa ilha, então tem grutas feitas tudo lá e chegava, encostava lá um navio e a pessoa, se quisesse, por exemplo: pode descer até o navio ou vai cair no mar. Não tem escapatória pra eles, entendeu? Depois disso virou um ponto de defesa aquele canhão de, sei lá, cinco, seis metros, pra defesa dos franceses ou dos ingleses, mas é uma ilha, nadei muito lá, no meio do tubarão. (risos)
P1 – No meio de tubarão? Como assim?
R1 – A gente era corajoso antigamente. (risos)
P1 – É porque, no meio de tubarão, eu não teria essa coragem, não. (risos) Era uma brincadeira?
R1 – Eu não tenho mais, não.
P1 – Ah, mas quando a gente é criança, é outra história!
P2 – ‘Seu’ Tarek, assim, como vocês resolveram vir pro Brasil a primeira vez? Como é que foi vir para o Brasil a primeira vez?
R1 – A primeira vez você está dizendo... porque meu pai, quando veio, casou, tal, voltou aqui quando eu tinha um ano, somente pra fazer a visita ao sogro dele, o meu avô, tal etc.
P2 – Que eles já estavam aqui?
R1 – Quem?
P2 – O seu avô já estava aqui?
R1 – Sim, ainda estava aqui.
P2 – Certo.
R1 – Quando o Senegal... aliás, toda a África Ocidental Francesa pegou sua independência e eu acabei de dizer também que a parte de poder político, tal, afastou os outros países, que é Mali, Mauritânia, Haute-Volta* (27:24). Eles cortaram as relações diplomáticas, comerciais etc. Aí meu pai chamou... é difícil isso pra um árabe, mas meu pai teve a sabedoria de chamar a minha mãe e os filhos. Nós somos em cinco. Aí ele falou assim: “Bom, o negócio está tendo dificuldade em trabalhar em Dakar. Dificuldade, assim: cortou as relações diplomáticas e comerciais com esses países. Acho melhor voltar pro Líbano ou vir pro Brasil”. Lógico, minha mãe já puxou pro lado dela, falou: “Não, espera aí, vamos pro Brasil, né?” “Tá bom”. Aí meu pai - eu falo com muito orgulho do meu pai porque, além de ser um gentleman, era um sábio – falou: “Tá bom”. Ele pegou e veio - na época a gente estava, ainda, no Senegal – ao Brasil. Aqui tinha dois irmãos dele, todos cunhados dele estavam aqui, né, os irmãos da minha mãe, veio não só pelo parentesco e sim pelos estudos nossos, ele estava preocupado com os estudos. Não se contentou, ele foi pra Argentina, pro Chile, pro Uruguai, voltou pro Senegal, falou assim: “Eu acho melhor o Brasil. Então, vamos embora”. E viemos direto pra cá, pra Rio Preto. E lá foram 53, 54 anos. Uma longa história!
P1 – Deve ter sido um choque, assim, cultural, a hora que vocês chegaram pra cá! E qual é a religião do senhor? Vocês frequentavam, assim, alguma religião?
R1 – Eu sou muçulmano.
P1 – Sim. E como era essa questão lá no Senegal, no Líbano, os templos e aqui no Brasil também, a hora que você chegou, tinha já alguma coisa ou vocês que começaram a se organizar?
R1 – Em matéria de religião, aqui em Rio Preto não tem uma mesquita, né? Os locais mais próximos daqui de Rio Preto são Barretos e Colina. Essas duas cidades têm mesquita. Eu aprendi, eu li muito mais a Bíblia do que o próprio livro sagrado islâmico, que é o Corão, mas eu tenho grande respeito pelos livros sagrados, ou seja, os três: o Velho Testamento, o Novo Testamento e o Corão. Já fiz palestra falando de religião do mundo árabe em igreja, em maçonaria, em Rotary, como informação. É muito importante porque, ultimamente, por exemplo, lá no Oriente Médio tem aquele estado islâmico, que acabou com a palavra islamismo. E por isso mesmo que eu faço algumas palestras falando sobre o islamismo. No Senegal tem muitos muçulmanos. Tem muita mesquita também. No Líbano tem mesquita, como tem igrejas. Aqui, por exemplo, a Primeira Batista, a igreja, eu sempre vou lá, eles me recebem muito bem, eu já fiz uma palestra falando sobre a religião, dei exemplo de vários lugares no mundo, como são os locais de oração. Conheço setenta países. Desses setenta países, se você me falar onde você gostou, eu gostei de todos. Não tem. O local onde a gente vive é onde a gente tem raízes, onde a gente sabe falar o mesmo idioma, onde a gente tolera, sei lá, a opinião do outro, mesmo não aceitando. Não sou dessa opinião, mas eu respeito. Eu faço isso.
P2 – Importante, né?
P1 – Nossa, incrível!
P2 – E a adaptação de vocês? Você tem cinco irmãos, ‘seu’ Tarek?
R1 – Sim.
P2 - O nome deles o senhor falou agora ou não? O senhor falou o nome deles?
R1 – Não.
P2 – Pode falar por ordem de nascimento?
R1 – O mais velho é Caled; depois eu; depois vem a Zuleica, nome já brasileiro, mas em árabe “Esleika/ismeika/esmeika” [*nome incompreensível; palavra árabe de difícil interpretação*] (32:38); vem depois a Muna, que infelizmente teve um AVC há três anos, acabou falecendo. E tem o Milen, que é designer e trabalha na prefeitura de São Paulo, com comunicação visual. E o mais velho hoje é engenheiro mecânico, da... formado no ITA. Está trabalhando como trader também.
P2 – Maravilha! E como foi a adaptação de vocês, assim, na escola? Vocês já falavam português? Como foi a chegada na escola em Rio Preto?
R1 – Vou te falar a palavra que eu sabia em português, quando nós saímos do Senegal: “Levanta do chão”. Só isso. Minha mãe falava: “Levanta do chão”. (risos) Mas o resto aprendi tudo aqui e não foi muito difícil, não, por causa do francês. O francês me facilitou muito a conversa.
P2 – O francês é muito parecido com o português, né?
R1 – Sim. Eu lembro uma vez que eu estava em Minas, na casa de um tio meu, que também é irmão do meu pai e eu fui até na casa de um outro parente, aliás Fronteira toda os fundadores são árabes também, todos. Aí eu cheguei na casa de alguém lá e bati na janela, o pessoal veio e falei assim: “Meu irmão está aqui?” “Não, não está”. Falei: “Nossa, eu cheguei a fazer uma frase em português”. (risos) Eu estranhei, falei: “Cheguei a fazer uma frase em português”.
P1 – Nossa! Que bom! Quando você chegou em Rio Preto, vocês foram morar em que bairro?
R1 – Eu morei no Centro da cidade, na Coronel... antes, a primeira casa nossa foi essa. Apartamento nós alugamos. Antes da Pedro Amaral, eu morei ali um ano, um ano e pouco, depois fui pra Vila Diniz. Ali nós ficamos. Eu estudei no Colégio São José, depois fui estudar no Colégio Andaló, no Alberto Andaló, depois eu fui pro Rio, pra estudar, voltei porque meu pai não estava bem e comecei a estudar aqui em Rio Preto, Administração de Empresas e Contabilidade e hoje não gosto de sentar numa mesa pra trabalhar, gosto de vender produto no balcão.
P1 – E sair viajando. Mas você lembra como era? Quando você chegou era década do que, setenta? Você lembra como era?
R1 – Cheguei em 1966.
P1 – Como era o Centro, nessa época? Você lembra de alguma coisa?
R1 – Lembro dos cinemas que tinha ali, lembro onde era o Bradesco, era um monte de caixinhas, um monte de comércios pequenos. Na época também eu fui escoteiro, eu lembro que na Avenida Bady Bassitt, a Independência morria lá o asfalto, o resto era tudo, ainda, chácaras, a gente fazia as reuniões numa chácara lá. O que mais? É isso que eu lembro.
P2 – ‘Seu’ Tarek, o senhor chegou em Rio Preto que ano, mais ou menos? 1955?
R1 – 1966. Em janeiro de 1966.
P2 – Era bastante arborizada a cidade? Como é que era isso, o Centro?
R1 – Não. Acho que agora está mais do que antes.
P2 – É?
R1- É.
P2 – Teve uma época que teve muita andorinha em Rio Preto?
R1 – Nossa! Assistia a evolução dessas andorinhas, subirem e descerem, tal.
P2 – Elas ficavam depois, todas ali, na praça central, não era?
R1 – Era.
P1 – Ali já era igreja, naquela época? Ali a catedral.
R1 - Sim.
P1 – O cinema, você lembra de ir bastante lá naquele cinema? Lembra de algum filme que marcou a sua infância, a sua juventude?
R1 – Não. Nem tanto. O Retorno de Jedi, sei lá. (risos)
P1 – E na escola, você falou que você estudou no São José, né?
R1 – Sim.
P1 - Tinha alguma disciplina que você gostava? Quais eram os seus interesses na escola?
R1 – Olha, não tinha preferência, não, mas o Português me interessava muito, porque eu não sabia falar, né? Eu não sabia escrever. E o professor, a princípio, quando viu que eu estava escrevendo do jeito que a gente fala: eu estou aqui, você está lá. “Não, filho, você não pode escrever desse jeito”. Aí todo mundo: “Professor, ele é estrangeiro”. Aí ele dava uma atenção muito grande pra mim, sabe? Ele me ajudou muito, pra evoluir um pouco mais o meu português. Ele foi muito gentil comigo.
P2 – Você lembra o nome dele?
R1 – Deixa eu colocar meu disquete aí. Professor Sales, se não me engano.
P1 – Eu acho que tem até uma alguma rua com esse nome, aí em Rio Preto.
R1 – Eu não sei, mas ele foi muito gentil comigo. Tinha um professor de História também que está vivo até hoje, né? Ele escreve, também, livros. Esse eu esqueci o nome dele.
P1 – E algumas amizades daquela época, o senhor ainda conhece o pessoal que estudou com você lá naquela época, que ainda tem uma ligação?
R1 – Tem. Eu acho que porque, sabendo que não sei falar o português então, na excursão tal lugar o cara falou isso, qualquer coisa assim, entendeu? E todo mundo tem um carinho muito grande comigo, sobre tudo aquilo que eu passei com eles. Não tive nenhum problema com eles, de jeito nenhum. Quer dizer: dizem que tem bullying por causa disso e daquilo, eu nunca tive, não.
R1 – É muita parceria, assim. Você lembra de brincar com eles, alguma coisa assim, algum passeio que você fazia com esses amigos, nessa época?
R1 – Sim. Várias vezes nós fomos até Santos de ônibus. O que mais? O que mais marcou talvez seja, no primeiro ano aqui no Brasil, ainda foi passear em Santos, pra poder... estava bom, estava gostoso. A gente... eu me virei sozinho, tinha hora que eu estava sozinho lá, sem nenhum brasileiro comigo e eu cheguei onde tinha que chegar. Tem muita coisa. Uma vez um amigo meu, agora é uma outra história: eu estava em Portugal, numa conferência do Rotary, com três amigos, um médico e dois fotógrafos, um americano e outro brasileiro e, enfim, a gente estava lá dentro de um supermercado, na época de junho, julho, então você tem muita fruta de país temperado, né? Damasco, cereja, tal. E a gente não tem tanta facilidade, aí comprei um pouco e um dos amigos meus falou assim: “Olha, eu não vou sair pra jantar, não. Eu vou comer aqui, mesmo”. Aí eu olhei pro Bob, esse americano e falei assim: “O que você acha da gente comer uma pizza num forno a lenha?” “Boa ideia”. Aí fui perguntar ao segurança que estava lá no supermercado: “Escuta, eu não sei. Pergunta a essas moças aí do caixa”. Estava muito lotado, larguei mão disso. Ao que eu virei, o meu amigo lá, brasileiro, falou assim pra mim: “Não é desse jeito que se faz uma pergunta” e eu perguntei: “Como é que é, então?” Ele falou assim: “Eu não sei” “Então cala a boca, então”. (risos) Ele achou ruim comigo, aí saímos de lá, aí ele chegou e falou assim pra mim: “Eu não sei, não, viu? Você falou desse jeito comigo”. Eu falei pra ele: “Eu não conheço só Portugal, não. Conheço vários lugares nesse mundo. Eu cheguei onde eu queria também”. (risos)
P1 – O senhor sempre foi assim, de gostar de viajar, pelo que eu estou vendo: mais de setenta países. E, bom, voltando lá pra Rio Preto...
R1 – Cidade muito boa.
P1 – ... o senhor falou que você foi, depois da escola, estudar, fazer faculdade. O que o senhor fez? Como foi essa questão de fazer a faculdade?
R1 – Então, quando eu fui pro Rio, por intenção de fazer Arquitetura. Não, primeiro queria ir pra fazer a faculdade de Turismo. Não deu certo, voltei. A segunda eu fui fazer Arquitetura. Aí resolvi casar, voltei. (risos) Aí fiquei com meu pai e comecei a estudar aqui em Rio Preto.
P1 – Aí o senhor fez Arquitetura, aqui?
R1 – Não. Aí eu fiz Contabilidade e Administração de Empresas.
P1 – Entendi. Em que faculdade o senhor fez aqui?
R1 – Unirp.
P1 – Hum hum. Ah, Unirp, conheço. E aí o senhor já era casado, nessa época? Voltou pra casar? Hum hum. Como chama sua esposa?
R1 – Oi?
P1 – Como chama sua esposa?
R1 – Maria José. É brasileira. Como o senhor a conheceu?
P2 – Como o senhor conheceu a Dona Maria José?
R1 – Ela estudava junto com meu irmão. Aí, ia pra fazer trabalho em casa, aí casei.
P1 – Apaixonou-se? Conheceu, então, dessa forma e o senhor lembra como foi o casamento? Quando é que vocês se casaram?
R1 – A cidade toda - uma cidade pequena em Fronteira, por exemplo, eu casei lá, porque ela é de lá – praticamente foi no casamento.
P1 – Uma festa com a família inteira, né?
R1 – É. Fronteira toda, a metade é parente meu, a outra é meio parente. (risos)
P1 – E quando vocês casaram? Você lembra esse dia? Lembra o ano? Quando foi o ano?
R1 – Acho que foi em 1973.
P1 – 1973, olha só! O senhor já tem, então, quantos anos de casado?
R1 – Quarenta e sete anos.
P2 – E ‘seu’ Tarek, falando assim, mais do comércio, como é que o senhor foi se envolvendo com a atividade comercial? O senhor estava fazendo Administração? Como é que o senhor foi se envolvendo?
R1 – Meu pai tinha um supermercado lá em Fronteira. Aí ele deixou o negócio pra mim, aí eu toquei o supermercado, durante muito tempo. A minha vinda aqui pra Rio Preto, todo mundo o conhece como Salim, aqui do Kiberama, me convidou pra gente trabalhar junto. Aí eu vim aqui ser o sócio dele. Aí ficamos juntos aí até 12 anos, trabalhamos juntos, alguma coisa não deu certo, mas na época eu já tinha comprado o Café. Quando cheguei aqui em Rio Preto, em 1986, em 1987 eu comprei o Café.
P2 – De quem era o Café?
R1 – Quem montou o Café foi o Toninho Conte. Não demorou muito, ele vendeu pra dois irmãos: um professor e o outro é um negociante. Aí eu comprei deles. E quando comprei deles meu cunhado estava sem trabalho, ele foi trabalhar comigo. Então, separamos a sociedade e aí voltei pro Café.
P2 – Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor: a família do Toninho Conte é ligada à Churrascaria Gaúcha?
R1 – Sim. É filho do dono, do fundador da Gaúcha.
P2 – Que é o Vicentinho ou não?
R1 – Não sei como ele chama.
P2 – Tá, mas é da família, né? Uma família italiana, né?
R1 – Sim. Mas, na verdade, com o Toninho foi para os Estados Unidos, voltou, encontrei com ele duas ou três vezes, depois não o vi mais.
P2 – E o senhor não quis mudar o nome do Café?
R1 – Não porque estava registrado, estava com domínio do registro e ficou como Café Conte e está como Café Conte.
P2 – E, assim, é um ponto bastante conhecido lá em Rio Preto, né?
R1 – Sim.
P2 – Eu queria que o senhor falasse um pouco dos clientes, porque parece, pelo que a gente percebeu ali, que o senhor tem uma clientela fixa de manhã, que passa lá, conversa, lê jornal.
R1 – Bom, não é porque eu sou dono do Café Conte, mas o melhor café é o meu, mesmo. Você pode crer. Eu faço até questão, de vez em quando, quando um cliente vai tomar um café fora do meu, pra ele sentir a diferença do meu café e do café dos outros e quando volta, ele fala: “Tarek, café mesmo é o seu”. Então, eu tenho um blend separado. Tem muita gente que fala que o meu café é o mais caro de Rio Preto. Ele é o mais caro de Rio Preto, porque o meu grão é diferente dos outros. E eu, como comerciante, como comércio exterior, então eu sei que o café tem um preço de commodity e um preço de gourmet. O gourmet vai de nota sete até nota dez. Esses são os cafés que não têm valor de commodity. E eu tenho o meu blend. Então, por isso que eu tenho café melhor.
P2 – É um grão superior?
R1 – Sim. E meu café, realmente, o habitué dos meus clientes, todos os dias vão lá e, quando não vão, eu sinto falta. A venda do café, lógico, caiu muito agora nessa pandemia, mas esperamos voltar como era.
P1 – O senhor foi fazendo muitas amizades nesse tempo que está ali. Tem gente que vai todos os dias.
R1 – Sim.
P1 – Pode fazer sua pergunta, Cláudia.
P2 – Além do café, o senhor tem outras coisas pra comer? O que o senhor tem ali, no Café Conte?
R1 – Então, eu busquei alternativas como, por exemplo, eu penso assim: não ser igual aos outros. Coxinha, pastel você acha em outros lugares. Eu já tenho diferente. Eu tenho aquela esfiha de zaatar. Conhece de zaatar?
P2 – Hum hum. Um tempero, né?
R1 – É. Esfiha de zaatar, de carne, de queijo. Isso tudo são coisas diferentes do que você encontra no mercado. O que eu posso falar mais que eu tenho? Eu tenho aquele pão de queijo grande, tenho pequeno. Eu tenho tudo, assim, por ordem, cronometrado. Por exemplo: de manhã todo mundo gosta de comer bem. Então, o pão de queijo é maior. Mais tarde o cara não quer comer, quer só degustar, então quer um pão de queijo menor. Então, tudo isso aqui, lógico, formei uma clientela dessa forma, pra ter, a cada horário, um tipo de degustação.
P2 – E, ‘seu’ Tarek, deixa eu perguntar uma coisa: às vezes, nos Cafés, é um tabu uma mulher entrar sozinha, né? E lá, assim, é tranquilo, vai dos dois públicos, não tem essa chateação.
R1 – Antigamente era, realmente, aquele tabu de não poder entrar mulher. Hoje eu tenho várias coisas que pegam no paladar dela. Por exemplo: chantilly, capuccino, chocolate com... chocotino, várias coisas que a gente pode chamar mais atenção do gosto das senhoras.
P2 – Maravilha! E como foi o aprendizado do senhor no Café, assim? Aprender tudo sobre esse blend, esse grão, fazer esse diferencial no Café? Como que o senhor foi se apropriando desse conhecimento?
R1 – Muita experiência. (risos) São quarenta e poucos anos. O primeiro café quem toma sou eu, pra ver se está no paladar, na quentura, porque não só o grão que é importante, a moagem é importante, a torra é importante, a temperatura é importante, a pressão da máquina é importante e o atendimento é mais importante.
P2 - Ana, quer perguntar, bem?
P1 – O atendimento, assim, é uma coisa bem essencial. Assim, esse ano teve toda essa mudança que a pandemia chegou, ninguém esperava que acontecesse uma pandemia dessa proporção e como é que foi pro senhor passar todo dia lá, com as pessoas, fazendo amizade? A gente sabe que o seu comércio é uma coisa, assim, de parar a história, que as pessoas vão lá, que as pessoas têm amizade lá. E como é que foi pra você esse período de pandemia, porque teve que fechar, né?
R1 – Dor de cabeça, azia, nervoso, alergia, (risos) raiva. Tudo isso está no meio. (risos)
P2 – Mas quais foram os aprendizados e as adaptações que o senhor fez, ‘seu’ Tarek?
R1 – Adaptação que eu fiz a mais agora, eu sempre fui da cozinha também, então eu estou fazendo kibe pra assar, kafta pra assar, homus pra levar, coalhada seca pra levar. Eu estou fazendo isso, pra poder ajudar um pouco, porque os impostos, lógico, não vão parar, os funcionários também não têm culpa e é isso. E a gente tem que lutar.
P2 – Vai adaptando, né?
R1 – É.
P2 – Maravilha! E de onde o senhor traz essas receitas, assim? Como é que o senhor pega essas receitas? Segredo de família?
R1 - Infelizmente você não participou dos jantares que eu fiz pro Rotary, pra maçonaria. Varia de quinhentas a mil pessoas.
P2 – Nossa!
R1 – É. Dentro do Rotary eu fiz uns 17 jantares. Lógico, a cozinha sob a minha batuta. E na maçonaria umas oito, dez, também. É muito trabalhoso, mas é gratificante.
P2 – É bom, né?
R1 – Eu gosto de cozinha, viu?
P2 – Eu posso estar errada, mas eu fico com a sensação que a comida árabe é extremamente saudável.
R1 – Ela tem um leque muito grande. E é muito saudável. É trabalhosa.
P2 – Usa muitos legumes, né? Muito azeite.
R1 – É.
P1 – O que o senhor mais gosta de fazer?
R1 – Oi?
P1 – Você falou que você gosta muito de cozinhar. Qual que é a comida mais especial? Uma receita de família que o senhor gosta de fazer?
R1 – Pede o que você quiser e eu faço. (risos) O kibe pra assar eu faço, a kafta eu faço também. Isso aqui é fácil. Talvez um pouco mais trabalho é a folha de uva enrolada, lá, o charuto de folha de uva é complicado, trabalhoso. Eu gosto de fazer o cuscuz marroquino, que é muito gostoso. O grão do cuscuz marroquino não tem aqui no Brasil. Não tem, não. Não é fabricado no Brasil. Ou vem da França ou do Marrocos.
P1 – Sim. E o café também, que o senhor produz, traz, que tem todo esse diferencial, o grão também é de fora?
R1 – Não.
P1 – É daqui, brasileiro.
R1 – Não tem coisa melhor do que o grão brasileiro. Não existe grão melhor do que o brasileiro. Nós temos muita concorrência. O Vietnã hoje é concorrente nosso, o colombiano é concorrente nosso, mas o nosso é melhor. Nós temos mais qualidade de café e mais café do que todo o mundo. O vietnamita, por exemplo, tem uma escolha do grão feita tudo à mão. Nós temos o maquinário pra poder fazer isso. Mas mesmo assim nós temos o melhor café.
P2 – É uma experiência, né? De plantio, de blend...
P1 – Ela está falando da experiência.
P2 – É. ‘Seu’ Tarek, está faltando a gente falar de alguma coisa que a gente não tenha perguntado? Dos seus filhos!
R1 – Meus filhos, eu tenho o mais velho, chamado Calfic. Eu tenho três filhos. Eu tenho a Mira. O Calfic é comerciante, trabalha numa empresa atual de energia solar. A minha filha, a Mira, é biomédica, responsável hoje pelo Centro de Saúde de Olímpia, tem dois filhos. E eu tenho o caçula, que trabalha numa empresa que faz loteamentos, é casado, só que ainda não tem filhos.
P2 – E tem algum que ajuda o senhor no Café, que dá uma força?
R1 – Infelizmente não.
P2 – Bom, eu acho que, assim, o senhor tem mais alguma colocação pra fazer de toda a sua experiência, tem alguma mensagem pra deixar pras pessoas que forem ver essa sua entrevista e toda essa sua história?
R1 – Olha, eu acho que o que vocês queriam saber, talvez, eu já falei tudo, histórias até de Portugal (risos) eu falei pra vocês, tá? Mas o negócio é o seguinte: é por causa de um assunto que você falou, de chegar onde eu quero chegar. Mas é isso. Que bom ter conhecido vocês! Pra mim foi um prazer falar com vocês também e, quando necessário, só me chamar. E quem sabe um dia, quando voltar dessa pandemia, fazer um jantar pra mil e cem pessoas, vou chamar vocês. (risos)
P2 – Opa! (risos) Combinado.
P1 – Por favor!
P2 - Pra gente terminar, ‘seu’ Tarek, a última pergunta é dupla: o que o senhor achou de ter deixado a sua história registrada dessa forma? Eu sei que o senhor já está em livro, essas coisas, mas deixar essa história registrada, ainda mais nesse tempo da pandemia? Qual a importância de deixar a experiência registrada da história em tempos de pandemia, assim? Como o senhor achou essa experiência?
R1 – Olha, a história tem que permanecer sempre na vida da gente, né? Eu acho que o legado também, que eu deixei junto com meus filhos e meus netos, essa conversa que eu tenho com vocês, se tiver a sorte de poder ouvi-la também, pra mim eu me sinto orgulhoso de saber que eles sabem alguma coisa do meu passado. Meu pai também era assim.
P2 – Oi?
R1 – Meu pai era assim também: falava em deixar um legado pra família dele.
P2 – Interessante!
P1 – Deixar um pouquinho da história, né?
R1 – É.
P2 – Então, maravilha!
P1 – Quero agradecer. O senhor tem algum sonho, alguma expectativa pro futuro, agora tanto no comércio, com a família, que o senhor gostaria de deixar registrado aqui pra gente?
R1 – Conhecer mais setenta países.
P1 – Meu Deus! (risos)
P2 – Maravilha! (risos)
P2 – Que o senhor consiga conquistar esse sonho! Ainda faltam quantos países? Quais países você gostaria de conhecer ainda? Porque setenta países! O que falta?
R1 – Muito. Ainda tem muito.
P1 – Nossa!
P2 – Maravilha! ‘Seu’ Tarek, a gente agradece muito, em nome do Sesc e do Museu da Pessoa, foi excelente, a gente conheceu um pouquinho... eu conheci mais um pouquinho de Rio Preto, que eu tenho umas lembranças de infância, assim, super de infância. Então, assim, eu agradeço muito a sua participação. Eu vou pedir pro Tiago desligar a gravação, pra gente combinar duas coisas mais pra frente.
R1 – Eu tenho só 15 minutos de bateria, tá?
P2 – Tá. Não, é só combinar agora, fazer os combinados.