O núcleo familiar da infância de Erenice só pode prover o necessário para sua sobrevivência. Os pais viviam praticamente da roça, e desde cedo a menina já começou a ajudar na plantação. A escola ficou para segundo plano, como é comum em muitas das histórias do Brasil rural. Depois Erenice se casou, foi constituir sua vida. Mas não deixou de querer ter seu cantinho próprio. Por isso, quando soube que um grupo de mulheres começara um empreendimento de doces e geleias, foi atrás de se infiltrar, aprendeu a cozinhar os quitutes e hoje é não só membro, mas principalmente defensora do negócio.
Mulheres Empreendedoras Chevron (MEC)
Sonhos não têm idade
História de Erenice de Oliveira Ventura
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 02/02/2021 por Camila Catani Ferraro
Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Erenice Oliveira Ventura Felix
Entrevistada por Rosana Miziara
Itapemirim, 02 de maio de 2012.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista Nº MECHV008
Transcrição de Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisão de Camila Catani Ferraro
P/1 – Erenice, você pode falar seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – Erenice de Oliveira Ventura, moradora em Graúna. Nasci dia 21 de julho de 1946.
P/1 – Oba! E você nasceu aonde?
R – Eu nasci. Eu fui nascida no estado do Rio, em Campos.
P/1 – Campos?
R – É. Saí de lá com idade pequena.
P/1 – Seus pais são de Campos?
R – Meus pais são de Campos. Meu pai é mineiro, minha mãe é campista e eu saí de lá com a idade pequena, sabe? Fiquei lá até oito anos de idade.
P/1 – Como é que era a casa lá?
R – A casa lá era uma casa de fazenda, morava em fazenda de usina, casa de fazendo, sabe? Uma casa... Tinha umas casas em volta. Ainda do lado me lembro bem tinha uma pedra, corria uma água, tinha nascente de água. Eu era criança, não tinha só eu, era um monte de irmãos. Nós éramos em nove irmãos. Aí, meu pai, de lá, mudou...
P/1 – Vocês moravam todos na mesma casa?
R – Morávamos, mas era pequeno.
P/1 – Como é que era a casa?
R – A casa era uma casa de cinco cômodos, eu lembro como hoje, bonitinha. Telha, essas telhas, que hoje em dia nem existe mais essas telhas. Se eu falar talvez vocês nem conheçam.
P/1 – Como é que era a telha?
R – A telha chamava telha de canal, sabe? A telha era uma telha igual à telha de Eternit hoje em dia. Vocês conhecem? Nós falamos Eternit, mas é uma telha que ela era vermelha, pintava ela com tinta vermelha, igual um vermelhão. Telha de papelão. Acho que era um papelão, não é Eternit. Hoje em dia é Eternit. Aí nós fomos crescidas ali naquela casa, em nove irmãos. Depois saímos de lá pra outra fazenda. Meu pai...
P/1 – Seu pai fazia o quê?
R – Meu pai era carpinteiro, trabalhava em fazenda fazendo carro de boi, não sei se vocês não sabem.... Talvez vocês nem alcançaram. Não sei sua idade. Era carro de boi. Meu pai era carpinteiro, fazia casa, gradeamento de casa. Colocava gradeamento de casa, aquelas casas de telha, tapava com aquelas telhas. Meu pai trabalhava com gradeamento de casa, eu falo gradeamento, se o nome é esse eu não sei.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe chamava Zilda. E minha mãe também... Minha mãe sempre lavava roupa, assim, pra ajudar meu pai. E lavava roupa pra fora. Aquela roupa daqueles donos da fazenda. Ela pegava roupa, lavava, assim, pra ganhar. Pra ajudar meu pai a criar nós... Que eram muitos irmão pequenos e tivemos muitas dificuldades. Sabe? Nosso conhecimento... Fui criada com muita dificuldade, sabe? O lugar era de muita dificuldade, não tinha escola perto, sabe? Eu fui uma pessoa que custei a estudar.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Eu estudei depois de moça formada, assim, porque eu estava com dezesseis anos. Que eu comecei... Nós já estávamos morando aqui no Itapemirim aqui. Aí eu comecei a estudar à noite. Trabalhava de dia. Sempre trabalhei pra ajudar meu pai, era uma vida muito sofrida, sabe? Aí trabalhava, estudava à noite numa escolinha pequena, numa casinha de um moço, nem era colégio, era uma coisa particular, ele deu essa escola pra nós. Eram várias pessoas, nós pagávamos ele, sabe, um pouquinho de dinheiro pra ele dar essa escola pra nós. Então não era escola reconhecida, ele dava essa escola pra nós...
P/1 – Aí você ficou em Campos até quantos anos? Até oito anos?
R – Eu fiquei em Campos até oito anos de idade, que eu saí de Campos.
P/1 – Mas vocês vieram pra onde?
R – Nós viemos pra Ouvidor, pra fazenda Ouvidor ali.
P/1 – Porque é que vocês mudaram? Como é que foi?
R – Porque meu pai era chamado... Era influência. Porque meu pai falava que em tal lugar ganhava mais, pagava mais. Aí ele ia influído. Chegava lá às vezes não era como ele pensou. Chegava lá não dava certo de novo, ficava um período de tempo, tinha que mudar de novo. Ele pegava muita informação pelos outros. Falavam que ganhava mais: “Tal fazenda tá pagando mais”. Aí ele influía. Aí queria sair, saía. Aí mudava de fazenda. Aí nós viemos aqui pra do Ouvidor, moramos um período de tempo na Ouvidor. Aí nós crescemos um pouco lá, mas depois meu pai também mudou pra aqui, pras umas fazendas chamadas Pegado, sabe? Hoje em dia é Pecado. Aí nós mudamos pra ali. Ali perto de Campos, pra cima. Tudo bem. Ali nós crescemos. Ali parou mais um tempo com nós. Aí nós crescemos, dali nós viemos, dali da Pecado moramos aqui Bela Vista, ali em frente, ali. É uma fazenda que o moço dono da fazenda já morreu. E... Aí nós ficamos ali, crescemos todos, até hoje que nós estamos aqui. É perto, aqui é uma localidade chamada Graúna, mas é perto.
P/1 - Com quantos anos você chegou em Graúna?
R – Que eu moro aqui dentro de Graúna? Aqui... Ah, resido aqui há muito tempo, já tem mais de... Tem uns quarenta e... Uns quarenta, quase cinquenta anos aqui em Graúna.
P/1 – Como é que era há cinquenta anos a atrás em Graúna?
R – Ih, cinquenta anos atrás foi muita dificuldade, que esse lugar era muito sem recurso, sem nada. Era muito sem recurso. Não tinha recurso nesse lugar. Sabe? Hoje cresceu muito, movimentou muito o lugar. Que nós falamos pros meus filhos hoje em dia, que a gente é pobre, é carente, mas, minha filha, a vida que eu passei, eles nem sabem. Que eu passei muita de dificuldade. Meu pai... Muita criança, nós passávamos falta das coisas, luta pra sobreviver. Às vezes tinha duas, três peças de roupa cada um, não podia ter mais, que era muito filho. Hoje em dia, não. Hoje em dia a facilidade veio, muito, bem melhor, todo mundo hoje em dia trabalha, tem seu emprego. Escola pra tudo quanto é lado, perto, não estuda quem não quer e tem ajuda, também ajuda. O governo, e a comunidade mesmo, o prefeito ajuda. A parte mais carente tem muita ajuda. Enfim... O governo lançou essa bolsa escola pra quem tem filho, pra poder ajudar, isso aí nós não tivemos na nossa infância.
P/1 – Dona Erenice, quem que exercia autoridade na sua casa, seu pai ou sua mãe?
R – Que era autoridade?
P/1 – É.
R – A autoridade mais era minha mãe porque meu pai era um homem que foi alcoólatra, sabe? Ele bebia. E minha mãe também passava uma luta com ele, ele bebia, não tinha aquela responsabilidade muito com a gente. Sabe? Era a minha mãe, era minha mãe, que foi uma pessoa que nunca bebeu, sempre trabalhando e ele bebia. Nessa época ele... Nós éramos pequenos, ele bebia muito. Sabe que a pessoa que bebe não é uma pessoa normal, não fica mesmo...
P/1 – Você teve algum tipo de formação, educação religiosa?
R – A minha formação religiosa... Infância. Hoje em dia eu sou evangélica, mas eu na minha infância, não. Eu... Às vezes a gente ia à igreja católica, era ali na Vila, era muito longe pra gente ir. A gente não tinha compromisso porque era longe, era difícil de ir, custava a ir, ia lá uma vez ou outra, a gente ia a Vila, na igreja católica da Vila. Aí, a igreja mais perto que a gente tinha pra ir era na Vila.
P/1 – Aí, a igreja mais perto...
R – Era a Vila, aquela igreja católica da Vila, era a igreja que a gente tinha mais perto que a gente tinha pra ir, mas somente íamos a pé. Nós morávamos ali onde eu estou falando, ali na frente... É, ali na frente. Não é muito longe daqui, não. E tinha que ir a pé, porque não existia quase nem carro, ônibus, só tinha um trem que passava lá. Tinha a linha de trem, era lá longe, e a gente ia talvez de trem naquele horário certo, também que o horário não dava pra gente ir, tinha que ir a pé. Ia a pé e voltava. Às vezes de domingo. Aí a gente tinha dificuldade no negócio de ir pra igreja, nós quase não íamos, custava. Hoje em dia não, hoje em dia que tem igreja pra todo lado, tem igreja perto, a gente vai pra igreja, não vai esse que não quer. Tem facilidade pra tudo. Hoje em dia eu creio de tem muitas facilidades.
P/1 – Quais eram as brincadeiras de infância? Você lembra?
R – As minha brincadeiras de infância? Bom, brincadeira de infância... Eu nunca fui criança que tinha muito brinquedo porque meu pai não podia dar, nem minha mãe. Nós brincávamos de bonequinha que nós mesmos fazíamos... Bonequinha de pano. Pegava aqueles panos, cortava a bonequinha, fazia a bonequinha pra nós brincarmos. Brincava muito de casinha nós irmãos com irmãos mesmo. Às vezes morávamos até distante de vizinho. Nós criamos mesmo irmão com irmão, como a irmandade foi grande. Ficávamos nós irmãos brincando. É... Mais de boneca, de casinha, assim no quintal, no terreiro mesmo, e fomos crescendo. Assim fomos crescendo. Aquela porção de criança...
P/1 – E na juventude? O que a senhora fazia pra se divertir?
R – Divertimento? Brincava de rodinha à noite, não tinha nada pra fazer. Não tinha divertimento.
P/1 – Como era essa rodinha?
R – Essa rodinha? Vinham uns coleguinhas, convidava: “Vamos tal dia na casa de Márcia? Aí outro dia na casa de Maria?” Aí cada dia era uma casa, nós fazíamos uma brincadeira de roda, ficávamos ali cantando...
P/1 – Como é que era essa brincadeira?
R – Ah, dava a mão a outra, aí ficava agarrado na mão... Rodava a rodinha mesmo.
P/1 – Que música vocês cantavam?
R – Ai, as músicas de rodinha?
P/1 – Ah, canta uma pra gente?
R – Tem vez que eu nem lembro mais, hein? Tinha a: “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...” Aí um botava verso, chegava a vez de um botava um versinho, ia parando. Aí chegava botava um verso de uma coisa, botava um verso de outra...
P/1 – Você se lembra de algum verso?
R – De algum verso? Ah, a gente... Eu lembro algum, mas nem todos, não.
P/1 – Fala.
R – O versinho que eu botava aí falava assim: “Porém, Maria entra nessa roda, diz um verso bem bonito, diga adeus e vá embora”. Aí uma saía. Aí chegava a vez, rodava, aí brincava, aí chegava a vez da outra, aí uma botava: “Joguei meu lenço na água nem molhou nem foi ao fundo, meu amor é bonito...” Ih, até esqueci. Muitos versos. Tinha muitos versinhos que hoje em dia nem lembro mais. Cada um botava o seu verso, cada uma falava o seu versinho. “Maria entra dentro dessa... É... Joguei limonada não molhou nem foi ao fundo. Meu amor é bonito”...Sei lá, sei que é muita coisa. Cada uma falava o seu. Eu não estou lembrando mais, não. Do verso agora até esqueci. Coisa de criança ainda...
P/1 – E paquera? Vocês paqueravam?
R – Paquera? Ah, nós custamos pra paquerar, nós moramos em lugar dificultoso. Custava. Custamos pra paquerar. Era com a idade de quinze... Eu vejo as garotas hoje em dia tudo novinha, cada uma com seu namorado. Tudo nova, namorando, nós não tivemos essa infância, não. Essa vida nós não tivemos, não. Não alcançamos... No nosso tempo foi muito...Nossos pais... Meu pai então... Foi muito difícil pra nós, meu pai era bravo, meu pai... Nós fomos muito arrochados por ele, sabe? Era arrocha com nós. Ele não liberava a gente, sabe? Nós tínhamos liberdade, não. Então, chegava um rapaz... Deus o livre chegasse um rapaz lá em casa... Não, ele zangava com a gente: “Porquê que o rapaz estava chegando na casa da gente? Por quê?” Queria saber. Nós tínhamos que dar conta porque aquele rapaz chegou ali na nossa casa. Tinha que dar conta.
P/1 – E você trabalhava ajudando sua mãe?
R – Ajudava. A minha mãe, sempre ajudei ela. Nós trabalhávamos na roça. Eu com idade de dez anos, onze anos, eu trabalhava na roça.
P/1 – O quê que você fazia?
R – Ah, na roça eu plantava cana. Na usina... Fazenda da usina Paineira...Nós plantávamos a cana. Aí quando pegou idade maiorzinha que eu já aguentava, capinava nas canas, capinava cana. Depois passei a cortar. Cortava a cana, embarcava a cana pra ir pra usina, cana no... Era carro de boi essa época, era carro de boi. Aí a gente enchia aquele carro de boi os carreiros levavam pra usina, lá eles descarregavam o carro lá na usina à mão. Hoje em dia tem recurso pra tudo. Mas não tinha, tudo era manual, tudo à mão. Tudo era na base da mão. Então, hoje em dia tem muita facilidade.
P/1 – E aí como é que você conheceu seu marido?
R – Meu marido? Meu marido... Conheci ele que ele morador daqui mesmo, a gente sempre estava junto. Mas ele namorava, ele era namorador. Eu não fui a primeira namorada dele. Aí nessa, ele... Aí eu encontrei com ele, não sei se foi numa festa, nós estávamos numa festa... Numa festa encontrei com ele, aí ele chegou e eu nem queria, falei: “Ó, você namora muito, eu sei que não vai dar certo, meu pai não vai aceitar eu namorar com você. Você namora muito, você não para com namorada. A gente pensa que... Aí meu pai não vai querer”.
P/1 – Você já tinha tido outro namorado?
R – Eu tinha paquerado algum, um. Aí depois desse um encontrei com ele. Aí ele, falou: “Não, mas eu gosto de você”, eu falava: “Ah, mas você vai me enrolar que você namora muito. Não vai dar certo, não. Também meu pai não vai querer. Que meu pai sabe que você é namorador, já enrolou filha do outros aí. Ele não vai querer, não. Pode ser que ele não queira”. Aí nessa: “Vou perguntar pro meu pai”. E nessa, ele era meio teimoso, aí nós começamos a namorar... Aí namoramos.
P/1 – Aí seu pai deixou?
R – É. Meu pai não aceitava muito não, mas depois então passou a aceitar. Aí nessa... Aí depois nós casamos. Comigo logo ele casou, com um ano, um ano e meio de namoro, entre namoro e noivado, ele casou, nós casamos com um ano e meio. Até que a mim ele não me enrolou, não.
P/1 – Onde vocês casaram?
R – Nós casamos aqui mesmo, ali na frente, ali na Vila. Nós casamos no cartório da Vila. O cartório, a dona Jorgeta, o seu Luizinho na época... Já morreram, acho. Dona Jorgeta está em Vitória, agora o seu Luizinho morreu. O cartório é ali na Vila, foi na Vila. Aí nós fomos, nós casamos... No dia do meu casamento, o carro, o caminhão que levava a gente... Nesse tempo não tinha ônibus pra levar ninguém. Aí tinha que casar no cartório, ir lá casar. Aí nós fomos lá, no caminhão, casamos... Na nossa companhia, os colegas da gente, os convidados. Fomos e fizemos a festinha simples,que não tinha condição de fazer festão, fizemos uma festinha simples, mas marcou muito, que quem foi a minha festa até hoje, fala até hoje que gostou.
P/1 – Como é que foi a festa?
R – A festa foi... O banquete antigamente é diferente de agora. Aí nós fizemos almoço, um jantar e depois do jantar era doce, servia... A sobremesa era doce de mamão, doce de abóbora, era doce de limão, eles faziam limão em calda com aquelas fatias de casca do limão em calda. Aqueles doces que hoje em dia quase nem tem, mas todo mundo gostava. Eram doces muito, assim, preferidos. Todo mundo gostava. E hoje em dia... E marcou. Tem uma menina que me encontrou: “Ah, eu lembro do seu casamento. Que comida boa. Lembra daquela comido?”. “Ah, é mesmo”. Aí foi isso.
P/1 – Tinha música?
R – Música, bem pouco. Nesse tempo... Olha, nesse tempo que eu casei, quarenta anos atrás... Que eu tenho quarenta e quatro... Acho que é quarenta e sete anos de casada... Tenho quarenta e sete anos de casada. Nesse tempo não tinha quase música, não tinha rádio, rádio era difícil. Algumas casas tinham rádio, outras já não tinham. Nesse tempo o nosso lugar aqui não tinha energia, não tinha geladeira, não tinha nada. Não existia nada. Com muita dificuldade nesse lugar. Não tinha. Era lamparina, não sei se vocês lembram, de querosene. Foi como eu fui criada. Casa de sapê, a casa não era nem de telha, era casa tapada de sapê. Fazia aquela casa, tapava com sapê, quase que todo mundo era assim. Sabe? Aquelas casas muito assim, muito simplesinhas mesmo. Então, alguns eram telhas, essas telhas de barro... Pois é.
P/1 – E seu marido fazia o quê? Nessa época.
R – Meu marido nessa época trabalhava na usina Paineiras, sabe? Ele trabalhava na usina Paineiras. Era trabalhador da usina mesmo, Paineiras, na lavoura. Lavoura.
P/1 – E a senhora?
R – Aí depois que casei não trabalhei mais, não pude trabalhar, veio filho. E assim... Filho pequeno... Ganhava um, com idade de um ano e quatro meses vinha outro, e fui mãe de sete filhos. Quase todos pequenos. Aí eu fiquei quatorze ou quinze anos sem trabalhar fora, pra ajudar ele, precisando ajudar, mas não tinha como, porque era criança pequena pra mim sozinha cuidar. Aí depois que eu fui trabalhar. Que a minha filha tinha quatorze anos de idade, a mais velha, aí já estudava aqui na escola ali, aí ela fez a quarta série, quando ele terminou, aí eu: “Ah, Isa, agora você toma um pouco conta da casa que eu vou ajudar seu pai a dar as coisas pra você e os mais novos”. Aí comecei a trabalhar de novo. Aí...
P/1 – Trabalhava aonde?
R – Trabalhava por aqui mesmo. Depois fui trabalhar em casa de família. Trabalhei em casa de família. Aí, fiquei por aqui mesmo cortando cana, cortava cana, capinava. Trabalhei na usina Paineiras ali, cortando cana, assim, ajudando. E hoje em dia estou aqui, já trabalhei muito. Graças a Deus. Mas Deus abençoou que eu estou aqui até hoje e nessa aí vai.
P/1 – Quando é que a senhora entrou para o projeto?
R – O projeto que nós estamos nesse?
P/1 – É. O Inclusão Comunitária.
R – Quando que entrou?
P/1 – É. Como e quando?
R – Como que entrou? Ah, porque o projeto chegou aí chamando, convidando quem quis, quem quisesse, pra fazer o curso. Chamou a gente.
P/1 – Quem que chamou?
R – Quem veio aqui pra nos chamar? Foi a... Foi Solange? Foi a Olga? Não, foi a Solange. Aí foi a Solange? Cintia? Foi a Solange.
P/1 – Quem que é a Solange?
R – Solange é a que mora em Vitória. Ela mora em Vitória, ela não mora aqui não. Acho que ela mora em Vitória. É de Vitória?
P/1 – Não, tanto faz. Não precisa...
R – Acho que é Vitória. Não sei onde que ela mora direitinho, mas acho que é em Vitória.
P/1 – Mas ela é de algum lugar, de algum projeto?
R – Ela deu esse projeto pra nós. Esse curso pra nós. Esse curso.
P/1 – Quem que é a Solange?
R – É do Instituto. Ah, do Instituto Aliança. Pois é, ela que trouxe esse curso pra nós. Ela que trouxe o projeto pra gente aqui, esse curso.
P/1 – Ela falou o quê pra vocês?
R – Não. Ela ensinou pra gente como é que nós tínhamos que fazer, tinha... Nós aprendemos com ela. Ela ensinou a gente.
P/1 – Ensinou o quê?
R – Ensinou a fazer os doces. Como que faz os doces, a geleia, o licor. Tudo que foi aprendido que ela deu o curso pra gente.
P/1 – E por que a senhora decidiu fazer parte?
R – Eu decidi fazer parte porque é uma coisa que eu achei que me distraia, meu dia a dia, a minha mente. Gostei do projeto. Gostei. Que eu sempre gostei de fazer doce.Tinha doce que eu não sabia fazer direito, o ponto eu não sabia dar direito... Fazia pra mim, pra minha parte, meu jeito. Mas faltava alguma coisa no doce, o ponto certo, a pesagem. Eu não tinha base certa. Aí eu me interessei em aprender a fazer o doce. Pra eu saber, ter base certa do que está fazendo.
P/1 –Mas a senhora entrou no projeto por que a senhora queria se divertir? Se distrair na verdade.
R – Distrair na verdade, nessa, eu estou gostando do projeto eu estou seguindo, estou gostando. Aí eu perguntei pras meninas se a minha idade impedia, ela falou que não, que por idade não, não tinha problema, não. Que eu podia continuar no projeto. E eu gosto. Vou lá, gosto, e continuo. Assim, eu quero continuar. Estou gostando. Quero continuar.
P/1 – Qual foi o dia mais marcante no projeto, que a senhora não esqueceu, assim?
R – Que eu não me esqueci? Ah, foi quando nós começamos. Ali naquele vestuário ali do campo. Naquele vestuário do campo, nós começamos na cozinha, tem uma cozinha ali. Nós começamos ali, o primeiro passo que nós demos foi ali. Aí nós começamos ali, aí no dia que nós estávamos fazendo doce na cozinha o fogão, não sei o quê que houve lá, o bujão de gás entupiu, deu uma explosão na cozinha lá, um barulho, saiu mulher embolando, caindo uma por cima da outra, uma menina gorda me deu um tranco, eu caí. Caí lá embaixo numa escada, porque ali tem uma escada. Caí, ela me deu um tranco forte porque ela veio correndo com medo. Eu caí, mas não caí lá embaixo. Quase que eu vou, aí me seguraram. Aí foi marcante. Que foi uma farra, uma ‘gritaiada’, uma ‘risadaria’ depois do caso. Foi tanta gente rindo. Ah, mas chegou... Aí foi nessa... Aí foi.
P/1 – E que outra história tem?
R – Outra história?
P/1 – Aí depois vocês saíram aqui do vestiário e foram pra onde? O projeto foi pra onde?
R – Aí nós ficamos pensando, pra onde que nós íamos trabalhar. Porque o vestuário não podia ficar ocupado com a gente. Foi também difícil trazer, tinha que trazer panela de lá pra cá. A Cintia trazia as panelas pra gente, procurando panela emprestada pra gente trabalhar. Depois nós mesmas levávamos... Que não tinha... Aí nessa, a Cintia arrumou pra nós irmos lá pra... A prefeita deu a cozinha lá da Prefeitura, lá da Vila. Deu a cozinha pra gente ir, pra nós trabalharmos, nós estamos trabalhando lá até hoje. Mas está com um projeto de eles fazerem uma cozinha aqui pra nós, sabe? Eles vão fazer uma cozinha pra gente aqui no nosso local e o terreno já está comprado, o lugar já está comprado, falta só mesmo saber o dia que nós vamos passar pra cá, que eles vão terminar alguma coisa ali na cozinha que falta. Foi uma cozinha que eles compraram de outro ali, já está feita, mas tem que modificar qualquer coisa e comprar o material. Vasilhames, que nós não temos. O equipamento da cozinha nós não temos. E eles vão projetar... Então, trataram de ajudar a gente. Trazer o equipamento pra gente trabalhar, continuar trabalhando.
P/1 – Quais foram as principais mudanças que o projeto trouxe na sua vida?
R – Qual a mudança?
P/1 – É. O quê que transformou na sua vida desde que a senhora entrou no projeto?
R – Bom, transformou na minha vida... Eu gostei porque já ganhei um dinheirinho pouco, mas já ganhamos, estamos produzindo, sabe?... Aí a gente está vendendo e estamos ganhando. Algum dinheiro... Por enquanto não está sendo muito dinheiro ainda, que nós estamos produzindo pouco, mas nós estamos... Tenho fé em Deus que vai aumentar mais. Nós vamos desenvolver mais, vamos aumentar e vai melhorar mais. Estou esperando a melhora pra nós.
P/1 – Quais são seus maiores sonhos em relação a esse projeto?
R – Qual é o maior sonho?
P/1 – Ou na vida?
R – É... Eu falo com as meninas. Eu falo sempre com as meninas: “Olha, eu quero que vocês continuem, ajudo vocês, quero ajudar, quero... Continuo pra amanhã vocês terem, assim...São capacitadas nesse projeto, trabalhar, ter... Podem montar uma pequena empresa pra cada uma, pra vocês, e nós que aprendemos a trabalhar, temos capacidade de montar uma mini empresa pra trabalhar, pra continuar trabalhando. Ainda falo com elas: “Ó, se eu não tiver, que minha idade não sei... Vocês que são novas. Continuem. Não parem, não. Que eu tenho certeza que vocês vão ter resultado com esse projeto”.
P/1 – Qual que é a receita que você mais gosta de fazer?
R – Qual é a receita que eu gosto mais de fazer? Não, eu estou fazendo mais a geleia de abacaxi, das frutas. Abacaxi, mamão, acerola. E a gente trabalha... Eu faço, trabalho mais com a geleia.
P/1 – Qual que vende mais?
R – O que está vendendo mais... Não, inclusive, nós demos uma parada com a geleia, estamos fazendo menos, estamos pegando mais o biscoito. O biscoito casadinho, que nós estamos vendendo mais, ele está com mais saída, sabe? Aqui no comércio, nas vendas que nós temos vendido o biscoito, está saindo melhor. A geleia vende mas custa mais, demora. O pedido é mais ‘demoroso’, sabe? E o biscoito está saindo mais rápido, é mais pedido, consome mais.
P/1 – Você trabalha mais cozinhando ou vendendo?
R – A venda é as meninas lá, a parte das meninas, eu estou fazendo mais a parte da cozinha, cozinhando, sabe? Esse negócio de entrega e de venda...
P/1 – Você gosta de cozinhar?
R – Eu gosto mais de cozinhar. Falei com as meninas que esse negócio de entrega e de venda eu não gosto muito, não levo jeito, não.
P/1 – E dessa geleia, qual você acha que você gosta mais?
R – Pra quê? Pra comer ou produzir?
P/1 – Pra fazer.
R – Fazer? O abacaxi é fácil, o abacaxi, com mamão, a goiaba. O mais difícil um pouco da geleia, que eu achei mais trabalhosa foi a de acerola. Acerola é uma geleia que quase não rende e foi mais trabalhosa. Mas... Foi uma geleia muito boa, mas ela é mais trabalhosa um pouco. A mais fácil eu achei foi das outras.
P/1 – Qual é a receita da geleia de abacaxi?
R – Do abacaxi? A geleia de abacaxi é o quê? Tudo é pesado, é baseado. A geleia de abacaxi, a gente pega o abacaxi, lava ele, bota na infusão, lava ele bem, depois descasca ele. Aquela casca também é aproveitada, que a gente pode fazer o licor com a casca dele. Tem que esterilizar ele bem com água sanitária pra esterilizar a casca, pra aproveitar. Aí depois pica ele picadinho, pica ele, depois pesa ele, ele é pesado. Se for cinco, se for quatro quilos... Bom, dez quilos de abacaxi a gente sabe que vai levar cinco quilos de açúcar, é metade. Aí a gente... Aí vai, bate no liquidificador, batido, vai ao fogo, bota o açúcar pesado, tudo certinho, aí vai até dar o ponto, vai até dar o ponto. É... E nessa vai.
P/1 – E vende... Onde que vocês vendem? Vocês participam de feiras?
R – É nas feiras. As meninas botaram barraquinha. Esses dias teve uma festinha aqui na comunidade, aqui. Botaram barraquinha aí, vendeu. Aí também teve uma festa em Itaipava, ali... Esse mês passado teve em Itaipava uma festinha, as meninas foram, eu não fui não, as meninas foram, levaram pra vender, vendeu. Então, nós temos levado assim, pra pontos de venda, feira, pra festa, pras festas. E mais... E outra... Também teve encomenda, algum encomenda, encomenda. Leva, compra pra comer em casa, também compra pra comer. É assim. E nessa, nós vamos vendendo.
P/1 – A senhora participou de alguma feira já ou alguma festa vendendo?
R – Não. Vendi aqui na Graúna mesmo, na comunidade. Uma festinha que teve ali, da comunidade, aí eu fui lá ajudar a vender.
P/1 – Que festinha que era?
R – A festinha foi um evento que eles inventaram aí mesmo da comunidade, sabe? Da comunidade... É isso mesmo, daqui mesmo.
P/1 – Aqui tem alguma data, assim, tipo uma santa padroeira de Graúna?
R – Aqui? Não, aqui em Graúna tem uma igreja, não sei, não sou católica, sou evangélica. A minha nora é católica. A igreja está ali, tem uma igrejinha ali católica, mas eu não sei nem que...
P/1 – Desde quando a senhora é evangélica?
R – Ah, eu já tem uns trinta e tantos anos, uns trinta e cinco anos, tem uns trinta e cinco anos.
P/1 – Por que a senhora virou evangélica?
R – Ah, virei porque toda vida eu gostei de frequentar uma igreja, mas a igreja católica era difícil, depois que começaram aquela ali. Aí eu queria frequentar uma igreja, ter uma religião certa, sabe? Um compromisso de uma igreja pra seguir. E lá era longe, na Vila é difícil, é longe, só tinha lá. Aí eu preferi a evangélica e fundou várias igrejas evangélicas no lugar. Aí escolhi, eu quis a evangélica mesmo. Aí eu estou lá há trinta e cinco anos e estou satisfeita.
P/1 – Qual que é seu maior sonho?
R – O meu sonho? O meu sonho, minha filha... Sonhei muito, mas nem tudo realizei. Mas graças a Deus... Meu sonho é tocar a minha vida assim mesmo, igual eu estou. Até o dia que Deus achar que chega. O meu sonho eu tenho, que era ficar na igreja evangélica, eu sou. Fazendo esse trabalho mesmo, da geléia, até o dia que Deus achar que eu posso seguir. Então, eu estou nessa.
P/1 – Como foi pra senhora essa experiência de contar o depoimento? O que você achou de contar a sua história?
R – Achei muito importante. É bom. A gente recorda o passado. Foi bom, foi muito bom. Foi ótimo. Gostei.
P/1 – Obrigada.
R – De nada.