Criado no centro de Montevidéu pela avó paterna, a lembrança da infância é de brincadeira na rua e de comer rocambole recheado de doce de leite, feito pela tia-avó. Quando se viu sozinho, aos 13 anos, após a avó ter sofrido um derrame, Matias abandona o estudo e passa a ficar na rua – até perceber que precisava da mãe. Na pré-adolescência, se muda para morar com ela no Brasil. Os desafios do novo país sempre foram enfrentados com arte: aprendeu a falar português ouvindo Planet Hemp e se descobrindo artista e músico, o seu primeiro trabalho foi numa firma de serigrafia. O espírito selvagem é libertado pelas artes visuais, onde encontra na Choque Cultural, em São Paulo, o apoio para se desenvolver como artista, sempre aproveitando seu instinto.
Histórias de Internautas
Solto pra vida: entre a música e as artes visuais
História de Matias Picón
Autor: Instituto Choque Cultural
Publicado em 20/06/2017 por Instituto Choque Cultural
P/1 – Matias, a gente vai começar a entrevista. Fala o seu nome completo, por favor.
R – Matias Carsolio Picón.
P/1 – Que dia você nasceu e onde?
R – Eu nasci 18 de dezembro de 1981, em Montevidéu, Uruguai.
P/1 – Fala o nome dos seus pais.
R – Carlos Manoel Carsolio Dias, Alice Picón Navarro.
P/1 – Que lembrança você tem dos seus pais na sua infância?
R – Tá, bem poucas, porque os meus pais se separaram quando, eu acho que eu tinha dois ou três anos de idade. Então a lembrança, os dois juntos, é muito, muito vaga, muito vaga. Com o meu pai tive um pouco de contato depois disso e com a minha mãe só a partir dos sete anos de idade.
P/1 – Quando eles se separam, você ficou morando com quem?
R – Minha avó paterna.
P/1 – O seu pai mudou de cidade?
R – Não, o meu pai, ele se casou de novo, ele constituiu outra família e ele até hoje mora em Montevidéu.
P/1 – Como ele era? Você lembra, assim, apesar da pouca convivência? Como que você descreve o seu pai?
R – Sim, o meu pai, bastante... Hum, como eu posso te dizer? Meu rude, uma pessoa meio rude, até meio estúpido, mas bastante cúmplice, companheiro. Ele era, da minha infância, eu estou te falando, né, que eu lembro, assim. E o que eu lembro muito dele é: ele me levantava e colocava no ombro, que era muito alto, ele é mais alto que eu, aí ele me colocava no ombro e eu ficava meio assim, com vertigem, era isso.
P/1 – Qual a atividade dele?
R – Ele é dentista.
P/1 – Depois que a sua mãe se separou, que você foi morar com a sua avó, você conviveu como com ele? Não conviveu mais ou ainda tinha uma convivência?
R – Convivia, via nos fins de semana, às vezes durante a semana, encontros muito pontuais.
P/1 – Você acha que ele teve alguma influência em você, de algum jeito?
R – Eu acho que talvez essa coisa minha minuciosa do trabalho, eu percebo isso hoje em dia, nossos trabalhos serem muito de cabeçudo, sabe? Muita coisinha, muito detalhada, muito perfeccionista, uma parte, né, do meu trabalho é meio assim. Eu acho que vem dele, assim.
P/1 – Você reconhece nele alguma coisa assim? Você percebe isso nele?
R – Por ele ser dentista, bem-sucedido, ele é muito respeitado no trabalho dele, então acho que é isso, acho que ele manda muito bem na parte técnica, né, do trabalho dele. Eu acho que seria a única.
P/1 – E da sua mãe? Como ela é? Como que você descreve a sua mãe?
R – A minha mãe, eu descrevo ela como uma beatnik.
P/1 – Olha!
R – Ela veio ao Brasil com uma banda, com o terceiro matrimônio dela, o Aníbal. Eu reencontrei, como eu te falei, eu reencontrei com ela quando eu tinha sete anos. Eu comecei a ter mais contato com ela quando eu tinha uns 11, mais ou menos, e vim morar com ela aqui no Brasil quando eu tinha 14. Eu descrevo ela como uma pessoa totalmente livre.
P/1 – Nesse sentido que você descreve, beatnik?
R – É, é bem isso, ela é bem isso. Ela me influenciou muito, ela mudou minha percepção da vida, do mundo, quando eu vim morar com ela.
P/1 – Conta um pouco dessa mudança de percepção.
R – Certo. Ela... Foi assim, eu cheguei aqui, moleque, criado pela avó, não sabia nem varrer um chão, e aí ela, o primeiro ano que eu morei no Brasil, ela fez tipo um regime militar dentro de casa comigo. Ela me botou na linha, ela me ensinou muita coisa de sobrevivência mesmo, ela foi a que me abriu a percepção política da vida e espiritual também. Apesar de eu já ter tido algumas coisinhas, quando eu era criança, uns insights, ela foi a que me... A que me mostrou, como, várias coisas, vários caminhos, né, não me impôs nenhum, mas me mostrou, abriu esse leque pra mim. Eu acho que, principalmente, ela me influenciou a eu ser uma pessoa livre dentro do que eu faço, do que eu vivo, a fazer, a maior parte do tempo, as coisas que eu gosto e que eu acredito. É isso.
P/1 – Matias, quando você diz que ela é uma pessoa livre, né, eu posso ter a minha interpretação, mas por que você diz que ela é livre? No que ela fez que te pareceu livre?
R – Ela não se prende a nada, até hoje. Ela não se prende nem aos filhos, tá, a gente foi criado assim, solto pra vida, né? Somos três irmãos. Eu convivi com ela dos 14 aos 18, 19, assim, que eu fui embora também, não morei mais com ela. Mas ela não se prende a nada, a nada.
P/1 – A nada e a ninguém, né, que você está falando?
R – É, e a ninguém.
P/1 – Matias, quando você tinha uns quatro anos, né, você foi morar com a sua avó.
R – Humhum.
P/1 – Como foi essa convivência de você criança lá?
R – Maravilhosa.
P/1 – Fale então um pouco dela, da sua avó.
R – Eu só tenho lembranças fantásticas da minha infância em Montevidéu, com a minha avó. A minha avó era só amor, só amor, uma pessoa completamente boa, de bom coração, fez tudo por mim, tudo, tudo. É... Eu acho que as minhas lembranças são... Eu tinha uma infância, assim, me criei no centro de Montevidéu, ia numa escola a dois quarteirões de casa, depois a um Liceu que era a cinco quarteirões de casa, naquela região ali do centro de Montevidéu, e ela sempre me deu tudo, né, tudo, tudo, foi uma pessoa fantástica na minha vida.
P/1 – Seu avô também participou?
R – Meu avô paterno faleceu quando eu tinha, logo que eu fui morar com ela, quando eu tinha uns quatro anos de idade.
P/1 – E era você e a sua avó então, morando?
R – Sim, no começo tinha a irmã dela, a minha tia-avó, uma figuraça também, ela era doceira profissional, então você imagina a infância que eu tive.
P/1 – (risos)
R – É.
P/1 – Você lembra de algum doce preferido?
R – Rocambole, rocambole com doce de leite dentro, metros, cortava metros, assim. Ela levava pra escola, ela dava aula, levava pra escola, antes dela levar pra escola, eu pegava uns tecos e comia. Então eu posso te falar que a minha infância foi, me criando no bairro, é engraçado, porque, né, é uma origem pobre, só que eles como que me davam tudo, toda uma estrutura, né? E aí a rua onde eu me criei era de cortiços, né, então eu vivi sempre nesse, meus amiguinhos de rua, né, do bairro, assim, eram todos dos cortiços, então eu me criei nesse ambiente. Eram brincadeiras na rua, mas era uma rua sempre muito movimentada, muito carro, muito carro.
P/1 – E mesmo assim vocês brincavam na rua?
R – A gente brincava na rua, na calçada, né, onde dava pra brincar, na calçadinha.
P/1 – Brincavam de quê?
R – Ah, pega-pega, esconde-esconde. Depois, quando eu fui crescendo, começando a fazer cagada na rua, tipo quebrar coisa, tudo isso, esse processo assim, mas de infância mesmo eram as brincadeiras, bem isso, andava de bicicleta na calçada.
P/1 – E a sua como era?
R – Era um sobrado, uma casa de altos, como a gente chama, em cima de uma, tinha uma pizzaria de esquina e um cortiço embaixo, era isso, e a casa antiga, de pé direito altíssimo, aquelas casas de, sei lá, tipo quatro metros de pé direito, muito alta, chão de madeira, tábuas, né, de madeira, quartos, uns ligados com outros, e isso.
P/1 – Você, nessa...
R – Perdão, e uma laje maravilhosa.
P/1 – Que dava pra subir?
R – Dava, eu adorava ficar na laje.
P/1 – Mesmo pequeno?
R – Era supersegura, muro com muro, e a laje, no Uruguai tem muita laje, não é telhado que nem aqui. E era... A laje era a extensão da casa inteira.
P/1 – Olha! Você fazia o que nessa laje?
R – Ah, ficava lá, brincava lá, né?
P/1 – Porque tem alguns costumes de laje, né, característicos, soltar pipa, alguma coisa assim.
R – Não, pipa não, pipa não, é incrível que eu não tenha soltado pipa, porque lá faz um vento sinistro o ano inteiro.
P/1 – E tem essa brincadeira lá?
R – Tem, mas nunca fui de pipa.
P/1 – Mas você hoje, como artista, lembra se nessa época você tinha já um gosto por essa parte?
R – É assim, ó, eu lembro, uma lembrança que eu tenho do que seria a minha primeira obra, né?
P/1 – (risos)
R – Digamos, eu dormia no mesmo quarto que a minha avó, tinha a minha cama e meu cantinho ali, e eu comecei a colar na parede, colar com cola mesmo, fotos e coisas, recortes de jornal de acidentes de carro. Eu gostava muito dos carros destruídos, eu lembro que eu colava um monte disso daí. Eu acho que tem um lance criativo, né, que é, por exemplo, quando eu era bem pequeno, eu brincava com os bonecos, os G.I.Joe, e aí só tinha os bonecos, nunca me compravam as bases, os carros dos bonecos, e aí eu fazia todos eles, né?
P/1 – Olha!
R – Então era aquela coisa de fazer papelão, sabe? Caixa de papelão, fazia a base, não sei o que, onde iam ficar os soldadinhos, sabe? Todo o lance da guerra, ia pras plantas da minha avó, que ela ficava louca, né, e fazia. Eu acho que isso, pra mim, é uma base criativa fortíssima, né? E eu tinha um pouco desse negócio de colar coisas, tinha essa mania de colar coisas.
P/1 – E a sua avó, o que ela falava quando você começava a colar coisas na parede?
R – Ela falava um monte pra mim. (risos) Mas ela falava um monte, mas ela deixava. Do lado do quarto que eu morava com ela, tinha um quarto que era do meu pai e do meu tio, que eles tinham sido criados lá, esse quarto, ele era forrado de pôsteres até o teto. Eu estou te falando de um pé direito de quatro metros, era muito, eram pôsteres dos Beatles e dos Stones até o teto. Então acho tinha uma certa influência, né?
P/1 – E a sua mãe tinha uma banda, quando você era bem pequeno, ainda convivendo com ela, você lembra alguma coisa de música?
R – Lembro, lembro, eu lembro o ensaio, eu lembro do lugar, na Rua Tristan Narvaja, que tinha uma sala de ensaio lá e eu lembro de ter ido nos ensaios, eu lembro dessa imagem do ensaio.
P/1 – Que tipo de música? Você lembra?
R – A banda que eles tinham chamava Polenta, foi uma das primeiras de hard rock do Uruguai, meio pioneira. E, assim, lembrar não vou lembrar, mas a minha mãe me contou uma história engraçada, que ela fala que eu gostava de ficar dentro do bumbo da bateria e que eu dormia no bumbo, não sei como, mas eu dormia no bumbo.
P/1 – Muito bom! Bom, aí você ficou até uns 11 anos com os seus avós.
R – Quatorze.
P/1 – Ah, você visitou a sua mãe com 11. Como foi esse encontro?
R – Tá, não, eu reencontrei minha mãe com sete.
P/1 – Ah, sete, desculpa.
R – Com sete anos.
P/1 – Como foi então esse encontro?
R – Se eu te falar, eu não lembro muito de quando eu me... Eu lembro piamente quando eu me separei dela aos três anos, eu tenho a imagem toda na minha cabeça de quando ela me deixou.
P/1 – Conta um pouco isso, se você quiser contar.
R – Foi simples, ônibus, parou na esquina, ela me comprou um alfajor de neve, que é aqueles alfajores brancos, atravessamos a rua, tocou a campainha, minha vó me recebeu, ela me deu um abraço e falou: “Eu sempre vou estar com você”, um negócio assim. Foi um negócio meio triste, né? Fechou a porta, eu subi, comi o alfajor.
P/1 – Você sabia que ela ia ficar bastante tempo longe?
R – Sim.
P/1 – Ela tinha te falado.
R – Sim, sim.
P/1 – Quando ela falou, você entendeu bem?
R – Sim.
P/1 – Quer dizer, pela lembrança que você tem?
R – Sim, sim e não foi... Eu acho que eu tenho uma lembrança um pouco triste, mas não foi. Eu lembro que eu cheguei e o resto do alfajor um dos cachorros da minha avó comeu, eu falei um monte pro cachorro, briguei com o cachorro, foi isso. E aí já fui brincar com os gatos e...
P/1 – Você lembra de sentir falta, sentir saudades?
R – Não, não, nessa parte da infância não.
P/1 – Quando você encontrou a sua mãe, que foi aos sete anos, não aos 11, tem alguma coisa que você acha importante, que ficou na sua memória?
R – Ah, eu achava a minha mãe descolada.
P/1 – Mas quando você reencontrou, como que foi?
R – Sim, foi isso, porque eu, pensa que eu me criei com umas senhoras, aquela coisa, vovó, né, uma coisa bem antiga, aí minha mãe super jovem, descolada. Eu lembro que eu tive essa imagem dela, uma pessoa descolada. Eu falei: “Nossa, que massa a minha mãe!”, isso.
P/1 – Quando você, ela foi até o Uruguai, até Montevidéu?
R – Foi, foi, foi.
P/1 – Você disse que ela casou, né?
R – Sim.
P/1 – E você falou que tem dois irmãos.
R – Tenho.
P/1 – Você já convivia com o seu irmão mais velho?
R – Não, não, não. O meu irmão mais velho nasceu na Argentina, tá? Porque a minha mãe, ela teve o primeiro casamento dela com 16 anos, o primeiro filho com 16 anos. Ela saiu do Uruguai, porque ela era envolvida com os Tupamaros [Movimento de Liberação Nacional - Tupamaros (MLN-T)] e ela saiu fugida dos militares, exilada, e foi pra Argentina e morou, não lembro quanto, vários anos lá. E meu irmão foi criado pela avó paterna dele, tá, porque ela teve que ir embora de lá também, deu algum problema lá. E aí, quando ela voltou ao Uruguai, ela, ela conheceu o meu pai e ela meio que deu aquele relax na vida, sabe? Tipo, assim, se distanciou um pouco desse rolê político.
P/1 – Essa participação dela política teve alguma influência em você?
R – Com certeza. Eu cheguei aqui, eu era um completo bananão, não sabia de nada de nada, e a primeira coisa que eu lembro que ela fez, ela me deu As veias abertas da América Latina, do Eduardo Galeano, falou: “Você tem que ler isso”. Obviamente eu não li, porque eu era um adolescente descerebrado, aí passaram uns anos, eu li, eu falei: “Nossa, é isso”.
P/1 – Aqui ela participava também de movimento político?
R – Não, não, não, aqui não.
P/1 – Ela casou, né? Eu estou perguntando da sua mãe, porque...
R – Sim, claro, eu tenho todo o prazer de falar dela.
P/1 – A sua infância e a sua adolescência, né? Você, ela casou de novo, teve o seu irmão.
R – O Lucas, sim.
P/1 – Lá, não?
R – Não, aqui, no Brasil, em São Paulo. Aí o Lucas eu conheço desde que ele é pequenininho, bem pequenininho, que aí, quando eu retomei o contato com a minha mãe e tudo, ela ia pra Montevidéu, levava ele, né? E aí comecei a ter contato com a família do pai dele também, eles são bem presentes, presentes, lembro deles.
P/1 – Eles são de lá?
R – São todos de lá, todos de lá.
P/1 – Aí essa convivência com os seus irmãos, fala um pouquinho dela, dessa convivência.
R – Certo, o Lucas foi uma coisa bem de molequinho, como eu te falei, desde infância, a gente se encontrava, eu era tipo o irmão mais velho, a gente brincava muito, né, a gente se encontrava na casa do meu avô materno, né? Aí começou a ter essas lembranças do meu avô materno também, que eu comecei a ter contato com ele depois que eu reencontrei a minha mãe. E depois que eu vim morar aqui, aí foi convivência mesmo, né?
P/1 – Morando na mesma casa?
R – Morando na mesma casa, depois que a gente se mudou pro interior, inclusive, a gente dividia o mesmo quarto. E aí foi aquela coisa de irmão, né, brinca, briga, se espanca, se ama, né, aquela coisa.
P/1 – Que diferença tem de você?
R – Cinco, ele é cinco anos mais novo que eu.
P/1 – E com o irmão mais velho, você conheceu?
R – Sim, meu irmão mais velho eu conheci quando eu tinha 11 anos, ele chama Frederico, tá? Ele é... Eu não lembro exatamente a diferença de idade, mas é maior, eu acho oito, dez anos, uma coisa assim. Ah, foi fantástico quando eu conheci ele, porque eu estava com, claro, eu estava com 11 e ele estava com 19, oito anos, e ele era bem... Assim, essa galera fã do Rolling Stones que tem na Argentina, cabeludão e não sei o que, extremamente descolado e foi aquela imagem fantástica: “Irmão mais velho, me aconselhe na vida!”, né? E ele é muito engraçado, ele tem um humor fantástico, fora de série! E aí eu tive esse contato com ele e depois eu vim reencontrar ele quando eu tinha 25, eu acho, 26, que a gente veio se reencontrar e a gente firmou, assim, uma amizade muito forte.
P/1 – Aonde que vocês se encontraram, reencontraram?
R – Em Peruíbe, na praia, minha mãe morava lá nessa época, tinha um camping lá, e eles vieram passar, já tinha o meu sobrinho, tá, o filho dele, que eu amo ele, assim, fantástico, e aí a gente se reencontrou lá. E aí começamos uma outra relação de irmãos, muito unidos, assim, mesmo na distância.
P/1 – Ainda a gente vai falar um pouco disso depois.
R – Claro.
P/1 – Você reencontrou a sua mãe, reencontrou com sete anos, depois, conta um pouco como foi a tua vida até vir morar no Brasil, ainda lá em Montevidéu.
R – Tá.
P/1 – Porque aí você já tinha, já começou a ficar adolescente, né?
R – Sim, sim.
P/1 – Como que era?
R – Minha infância lá...
P/1 – Não a infância, porque...
R – A adolescência, né?
P/1 – É, até os 14, porque você disse que foi uma mudança bem grande, né, lá com a sua avó, com a sua tia-avó e aqui.
R – Sim.
P/1 – Então, até os 14 você ainda conviveu lá, né? Se você puder falar um pouquinho dessa fase.
R – Claro, claro. Eu vou te falar mais ou menos da fase dos11 aos 14, pode ser?
P/1 – Isso, sim.
R – Tá. Pensa assim, eu, criado pela avó, dentro de casa, mimadinho, não sei o que, só que eu sempre tive essa vertente de meio demônio, sabe? De querer fazer coisa errada, saca? Querer roubar coisa, sempre, tinha isso em mim. E aí foi passando o tempo, eu comecei a despertar mais nisso, comecei, a partir dos 11, eu acho, comecei a ir mal na escola, porque eu sempre fui exemplar, fui bandeirado, pra você ter uma ideia. Bandeirado é os caras que levam a bandeira nas festas da escola, são só os melhores alunos da escola, fui desse rolê. Aí depois passei a ser um peste, né? Eu acho que era uma coisa meio que, por eu ser um menininho criado pela avó, com aquelas roupinhas de avó, eu era muito zoado na escola, no bairro também, alguns caras mais malandrões. Então eu acho que, a partir dos 11, eu comecei a virar o jogo, comecei a me juntar com os caras que eram mais da rua, comecei a ir mais pra rua, comecei a matar aula, sabe? E, principalmente, meu contato com os videogames, né, porque, tipo, é uma paixão na minha vida e aí eu comecei a ir nos salões de fliperama, né? E aí eu comecei a conhecer uns carinhas que jogavam bem pra caramba, ia aqui, ia lá. E eu vou te falar que essa época, com a minha avó, fui bem rebelde, bem rebelde, eu lembro de... Eu tinha um amigo da escola, que a gente tinha uma ideia maluca de fugir pra cá, pro Brasil.
P/1 – (risos)
R – É. Porque a gente matava aula, a gente ficava caminhando em Montevidéu, caminhando, a gente andava, andava, andava, teve um dia que a gente saiu da cidade, pra você ter uma ideia, horas e horas caminhando, conversando, não sei o quê. Apertava campainha, saía correndo, né? A primeira vez que a polícia me pegou na rua, eu tinha 10 anos, 11 anos de idade.
P/1 – E pegou por quê?
R – Porque eu tava fazendo essa brincadeira de apertar campainha, só que a gente fazia ela extrema, a gente pegava nos prédios, apertava em todos, falava uma pá de besteira, saía correndo, esse tipo de coisa. E aí eu lembro, foi bem engraçada essa vez da polícia, foi muito engraçado. E aí eu comecei a ir pra esse lado, né, e aí passou essas aventuras de aula, e aí aconteceu um lance, quando eu tinha 13 anos de idade, da minha avó ter um derrame, né? Também é uma lembrança bem forte minha, porque eu lembro que ela, eu estava brincando na rua, né, e ela foi me chamar assim, ela falou: “Nossa, eu não estou me sentindo muito bem”, mas ela tava normal e me deu uma coisa, sabe? Tipo: “Chama a ambulância”, sabe? Eu falei assim: “Não, vó, tem que chamar a ambulância”, ela falou: “Não, não precisa, é só uma dor de cabeça”, “Tem que chamar a ambulância”. Aí fui lá no vizinho, chamei a ambulância e ela tava tendo um derrame.
P/1 – Olha!
R – Né? E a partir daí eu comecei a ficar meio vagando, né? Eu lembro de ficar lá na casa dela sozinho, 13 anos de idade, me juntando com os mais maloqueiros do bairro, e aí foi, tipo, rua 100%, larguei escola. Aí virou outra coisa, aí eu virei um vândalo mesmo, sabe? Eu ficava na rua destruindo coisas, meu esporte favorito.
P/1 – E sua avó?
R – Minha vó...
P/1 – Matias, a sua avó teve o derrame.
R – Sim.
P/1 – Ela ficou no hospital depois?
R – Sim, é, então, ela ficou internada, ela ficou muito tempo internada e, bom, nesse tempo que ela ficou internada, eu lembro que eu fui morar com o meu tio, filho dela, e a gente brigou a ponto dele me dar um tapa na cara, sabe? Eu era insuportável, né?
P/1 – O que você fazia, que você lembra que você fazia, que deixava as pessoas muito... ?
R – Ah, eu era, primeiro, eu era um malcriado, né, mimado, e esse lance de vandalismo, sabe? Eu me juntava com os meninos, a gente saía pra rua pra quebrar coisas.
P/1 – Como era, o que passava, como era essa história de quebrar?
R – Ah, eu gostava da adrenalina, era uma adrenalina aquilo, sabe? Pegar umas... Sabe? A gente destruiu um banco, a gente abria carros. A gente não roubava carro, porque a gente não sabia dirigir na época, né? Mas a gente abria os carros por diversão, era divertido, tipo: “Ah, que legal, abrimos um carro!”, né? Isso, quebrar coisas, quebrar janelas, quebrar banco, tudo, assim, tudo.
P/1 – Era uma adrenalina?
R – É.
P/1 – Ou tinha alguma outra coisa que você sentia?
R – Ah, eu acho que é a selvageria natural, sabe? Uma coisa meio natural, meio instinto, sabe? De: “Aaaaah, quero quebrar tudo!” Não tinha um porquê das coisas, não tinha mesmo, era só quebrar, quebrar e quebrar e destruir coisas, aleatório, sabe?
P/1 – Tinha, assim, era uma turma?
R – A gente era uma turma, eles eram todos mais velhos, todos, que eram os meninos que eu conheci no fliperama, a gente se unia por causa disso, o nosso ponto em comum era isso, os joguinhos, era isso. A gente se encontrava no fliperama, a gente jogava, os caras jogavam muito bem, eu mais ou menos, médio, e eu era o mais novo, bem mais novo.
P/1 – E tinha que ter dinheiro pra jogar no fliperama.
R – Sim, eu pegava muito dinheiro na rua, pedia dinheiro na rua (risos). Fiz os pequenos roubos, também, coisa, nada muito grave e era isso a nossa vida era isso.
P/1 – Matias, e você brigou com o seu tio e aí o que aconteceu?
R – Aí eu fiquei na casa da minha avó, sozinho, morando sozinho.
P/1 – Você tinha o que, que idade mais ou menos?
R – Treze anos.
P/1 – E pra comer, cuidar da casa?
R – Eu não lembro, eu te juro que eu não lembro agora, eu acho que eu comia na casa dos amigos, dos vizinhos, né? Não tomava banho nunca, os passarinhos da minha avó morreram, eu lembro que eu fiquei meio chocado quando eu cheguei, eu falei: “Nossa, o bicho morreu!” Claro, eu não coloquei comida nunca! Era isso.
P/1 – A casa estava fechada.
R – A casa, meu, eu destruí a casa, eu quebrei a mesa, quebrei a cama dela, foi, tipo, foi um caos, tanto que... Bom, aí passa esse tempo e minha...
P/1 – Desculpa, Matias.
R – Sim.
P/1 – Mas você lembra, tinha essa ação mais selvagem, como você falou, mas dos sentimentos, quando você ficava lá naquela casa, lembranças suas, da sua mãe ou da sua avó, você lembra de sentimentos nessa época?
R – Acho que eu não lembro, não. Eu era tão cabeça vazia, eu acho que a única coisa que eu queria era jogar videogames e quebrar coisas.
P/1 – E aí você saiu da escola, né?
R – Saí, eu repeti esse ano, o último ano que eu estive lá eu repeti por faltas, porque eu não ia, simplesmente não ia.
P/1 – Você ia falar uma coisa em relação a isso que eu falei, você ficou naquela casa, né, sozinho.
R – Sim, é, eu quebrei muita coisa lá e aí aconteceu que a minha avó voltou, né, ela se recuperou, voltou. Aí o meu tio, toda a família, foram lá dar um jeito na casa, porque falou: “Meu Deus, ela não pode ver a casa desse jeito”, eles limparam a casa, tudo. E ela voltou, mas ela ficou pouco tempo, eu lembro que ela... Eu lembro muito nítido, que ela foi cozinhar pra mim e as coisas... Ela não conseguia cozinhar direito, como que ela não podia cuidar mais de mim, e aí ela voltou pro hospital. Aí eu fui morar com uma pessoa maravilhosa, que seu nome é Maria, era, ela faleceu já, que era uma amiga do meu vô paterno, meu vô era porteiro num banco. E essa senhora, a gente teve uma relação muito bonita sempre, eu lembro que eu ia com o boletim das notas da escola, sabe? Ela me acompanhou a infância inteira e aí nesse momento ela meio que me adota, sabe? Eu vou morar na casa dela, ela era uma pessoa que tinha... Ela tinha a condição financeira um pouco melhor, né, uma classe média alta, trabalhou no banco a vida inteira, ela estava trabalhando ainda no banco nessa época. Eu lembro dela até querer me adotar mesmo, né? Só que aí eu morei com ela, o filho dela, ela tem um filho da mesma idade que eu, a gente amigo, não sei o que, e eu lembro que eu fiquei lá e depois eu voltei pra casa da minha avó, sozinho. E por algum momento de lucidez, eu falei: “Eu não posso mais morar aqui” e liguei pra minha mãe. Fui na casa do meu vô paterno, liguei pra ela, falei assim: “Vem me buscar, porque aqui vai dar merda”, eu mesmo falei assim: “Vai dar merda, minha vida aqui vai dar merda”. Pra esse tempo ela morava aqui em São Paulo, morava lá em Interlagos e ela tinha se separado do pai do Lucas, morava ela e o Lucas, e ela estava vivendo uma vida bem de perrengue, perrengue mesmo, sabe? Estava lá sozinha com ele, e ela veio me buscar, deu um jeito, juntou uma grana, pediu uma grana emprestada, não sei o que, foi me buscar.
P/1 – Matias, nesse período que você viveu lá, né, até os 14, você tinha contato com ela, falava com ela?
R – Sim, sim, sim. Ela ia todas minhas férias, ela ia lá, eu vim passar umas férias aqui em São Paulo, quando eu tinha 11 anos, 11 pra 12, assim, fiquei um mês, dois aqui, que foi nesse momento que, né, pô, São Paulo, né, metrô, prédio, não sei o quê, eu fiquei maravilhado, né? Eu falei pra ela, eu falei: “Eu acho que quando eu crescer um pouco quero vir morar aqui”, né?
P/1 – E ela achava, o que ela achava dessa ideia de você ir morar lá?
R – Ela respeitou muito minha avó, porque ela sabia que a minha avó... A vida da minha avó era eu, né? Ela falou: “Não é o tempo ainda”, né? Eu estou te falando que essa época, quando eu tinha uns 11, ela estava muito bem de vida aqui, estava casada, os dois trabalhavam, e nesse momento ela me falou que não. Não que ela me falou que não, ela falou: “Está sendo aberto, mas eu acho que não é o momento agora”, né? Mas eu acho que a partir daí eu tinha meio que essa noção de que em algum momento ia vir morar aqui. Então, tem um lance que é muito louco, o Uruguai nos anos 90 era um poço de depressão. É uma época do Uruguai, assim, tinha saído da ditadura nos anos 80, governado pelos caras da direita, conservador, nojento, retrógado. Eu vou te falar que era um lixo, assim, não é o que você, o que todo mundo vê agora o Uruguai. Eu tenho uma lembrança muito, muito clara da galera do bairro, da escola, de todos nós, que era um pensamento comum, era pra onde a gente ia ir.
P/1 – No que vocês, naquela idade, sentiam que era um lugar desse jeito?
R – A gente não tinha nada pra fazer, que era, tipo, um tédio, sabe? Nada chegava lá, não era legal, era pra trás, era um negócio muito chato, né? Tem um filme que chama 25 Watts, nossa, esse filme ilustra perfeitamente, a juventude que viveu os anos 90. Eu vivi na infância, tem gente que pegou na adolescência isso, que deve ter sido terrível, né? Bom, bandas maravilhosas saíram daquele momento, é um movimento muito bom, mas esse pensamento de: “Pra onde a gente vai?”, era muito louco. Do bairro, saiu eu e mais um só, o Estevão, que era um dos meus melhores amigos de infância, ele foi morar nos Estados Unidos, depois que eu vim pro Brasil. O resto do bairro perdi totalmente o contato, alguns morreram, alguns foram presos, outros viraram trabalhadores, de família, foram morar no interior. Era uma coisa bem sem futuro ficar lá.
P/1 – E na escola, como era a escola lá, pensando nessa fase? Que lembranças você tem?
R – Da escola primária eu tenho lembranças boas, porque eu sempre fui muito estudioso, sabe, muito esforçado, gostava, eu sempre gostei muito de estudar e me dava... Eu era, tipo aquele cara que se dava bem com os professores. Os professores me amavam, gostavam muito de mim, então eu tenho essa lembrança boa. Por outro lado, eu tenho a lembrança ruim, toda a zoeira, eu era da turma dos feinhos, sabe? Então todo esse negócio de zoar com os outros caía meio que na minha e em outros caras e é aquela coisa de criança, tipo, nunca namorava nenhuma menina, não era descolado. Eu sempre fui horrível em esportes, horrível, péssimo. Então era, tipo um bichinho feio, né, tinha esse lado, mas na parte de estudar e tudo eu tenho umas lembranças muito boas, era bem gostoso.
P/1 – E aí a reviravolta depois, que você passou.
R – É, depois virei pro outro lado, porque aquilo estava em mim, né, só que eu acho estava escondido, mas eu lembro, bem moleque eu era bem aprontão, né?
P/1 – Matias, aí você diz que tinha contato com a sua mãe, ela ia passar férias com vocês lá e tudo. E você, com 11 anos, você veio pro Brasil, pra São Paulo.
R – Humhum.
P/1 – Ela ainda tinha banda?
R – Eles tinham, eles mudaram, quando eles chegaram aqui, eles viram que não ia virar esse negócio de rock’n’roll, eles montaram uma banda meio de salsa, uma coisa meio latina, eles tinham, eles tinham ainda banda. Era outra coisa, eu não gostava muito, mas que eu já estava mais pro lance do rock, mas eles tocavam. Essa banda chamava Fúria Latina, era tipo uma big band, sabe? Sabe o Santana? Então, era tipo isso, assim.
P/1 – Sim.
R – Era tipo isso, cantando em espanhol.
P/1 – Eles viveram disso?
R – Não, o Aníbal era corretor de imóveis, depois minha mãe virou corretora de imóveis, eu lembro que tinha muito corretor de imóveis naquela banda. (risos)
P/1 – (risos)
R – Eu lembro que esse meio era bem comum, quando eu vim pra cá, eram negócios imobiliários.
P/1 – Você disse que aí veio, ela disse: “Ainda não é o momento”, você voltou, viveu tudo isso.
R – É.
P/1 – E aí você ligou pra ela, pra ela ir te buscar.
R – Humhum.
P/1 – E aí, pra ela, ela podia trazer você?
R – Teve todo o lance burocrático, né, eu não lembro quanto tempo ela ficou lá. Eu acho que ficou umas duas semanas lá, depois não sei quantos meses aqui, teve toda essa burocracia, que eu não... Eu só lembro de ir nos lugares, não lembro na parte prática o que era. Eu lembro da Polícia Federal daqui, que foi bem chocante pra mim.
P/1 – Você teve que ir aqui?
R – Tive e foi horrível, aqui em São Paulo, foi horrível.
P/1 – Como foi? Por quê?
R – Ah, eu lembro, tinha uma mulher lá que tratava muito mal as pessoas, tratava que nem lixo, né? E eu estava começando a ter um pouco de consciência do que eram as classes e tudo, eu comecei a ver, eu falei: “Nossa, que coisa detestável”, sabe, policiais federais tratando os imigrantes como lixo, lixo, faziam cara de nojo.
P/1 – Nossa!
R – Sabe? Foi bem horrível essa experiência, bem horrível.
P/1 – Quando você veio, você foi morar em que bairro aqui em São Paulo?
R – Eu morei num bairro que chama Parque das Árvores, que é o limite entre Interlagos e Grajaú, extremo sul, é subúrbio mesmo, subúrbio.
P/1 – Sua mãe, nessa época, estava morando só com o seu irmão.
R – Sim, ela trabalhava de vendedora, um negócio de coisa de computador, e eu cuidava do meu irmão, né, e cuidava da casa.
P/1 – E você voltou a estudar?
R – Voltei, voltei, eu cheguei aqui, estava na oitava série aqui.
P/1 – Como é que foi a tua entrada na escola aqui?
R – Foi engraçadíssima. A minha mãe, não sei porque cargas d’água, ela falou que eu teria que passar uma boa impressão, ela estava nesse rolê burocrático, Polícia Federal, de ficar, os documentos e tudo, ela queria que eu fosse muito bem vestido. Eu lembro das primeiras vezes que eu fui na escola, eu fui de camisa, sabe? Ridículo, horrível e aí era tudo, meu, escola do subúrbio, sabe, tudo molecada, não sei o que, e eu era um ET, porque eu não falava português, né? Eu cheguei em dezembro, começava as aulas em março, eu ainda não falava português e eu ficava assim, não falava nada, porque eu falei: “Meu, eu tenho certeza...”, eu lembro do primeiro dia, eu fui pra escola, eu falei: “Meu, a primeira vez que eu vou numa escola que eu tenho certeza que eu não vou conhecer ninguém”.
P/1 – (risos)
R – Certeza absoluta, não há possibilidade de ter alguém do bairro, alguma, eu, eu estava muito naquela mentalidade de, né, de Montevidéu. E aí foi bem engraçado, porque eu acho que eu fiquei dois meses, os primeiros dois meses eu não falei nada, eu não conhecia ninguém, não falava com ninguém, era bem ET, assim. Eu não lembro, eu acho que foi na aula de Inglês, né, porque o brasileiro tem uma forma de falar inglês muito estranha, muito estranha. Eu acho que a professora de Inglês falou um negócio meio absurdo e eu já meio que falava inglês, né, lá do Uruguai.
P/1 – Você aprendeu inglês no Uruguai?
R – Sim, sim. E aí eu fui perguntar um negócio pra ela e aí saiu aquele portunhol, e passei de ser o ET a ser o cara mais popular da escola, porque era o gringo, né, a galera aqui chama de gringo os estrangeiros, e aí todo mundo veio falar comigo.
P/1 – Curiosidade.
R – A curiosidade, a coisa, eu falei: “Nossa, olha só”, né?
P/1 – “Podia ter falado ter antes”.
R – É, e aí foi esse choque, foi muito engraçado.
P/1 – Você lembra o nome da escola?
R – Beatriz Lopes.
P/1 – Era estadual, você lembra?
R – Estadual, sim.
P/1 – Estadual.
R – Sim.
P/1 – E a tua convivência com essa moçada?
R – Ah, foi bem divertido, assim, porque eles, obviamente, eles piravam em me ensinar os palavrões e me ensinar todas as besteiras do mundo. Algo que eu friso, que um dos meus primeiros amigos, eu acho que era Wellington o nome dele, era pichador e foi a primeira coisa que eu lembro, que eu cheguei em São Paulo, eu falei: “Mano, que isso?”. Eu pagava um pau pra pichação e ele era pichador e me ensinou a escrever em pichação, né?
P/1 – O Uruguai tinha pichação, tinha grafite?
R – Não, não tem.
P/1 – Não tem?
R – Não tem a pichação daqui, a pichação é daqui, São Paulo. Lá tem, você escreve muito coisa política, mas é escrito normal, não tem uma tipografia, nada, se escreve muito nome de banda, coisas de futebol, é isso, é outro tipo.
P/1 – Tem grafite?
R – Tem, hoje em dia tem.
P/1 – Não, mas naquela época tinha?
R – Não.
P/1 – E aqui?
R – Sim, aqui, eu tomei total contato, direto, por causa desse carinha, né? Não saí pra pichar quando eu era moleque, não tinha como, sabe? Eu cuidava do meu irmão, ficava em casa o dia todo, mas mesmo assim eu consegui fazer uma pichação na casa do lado da que a gente morava, que estava abandonada e, imbecil, pichei meu nome, né, aí a minha mãe viu e foi um desastre. (risos)
P/1 – Ela achou o quê? O que ela achou?
R – Meu, esse dia foi engraçadíssimo! (risos)
P/1 – (risos) Olha, a sua primeira pichação.
R – A primeira vez, eu escrevi meu nome, aí que eu aprendi, primeira coisa, cara, não picha o teu nome, inventa um pseudônimo. (risos)
P/1 – (risos).
R – E foi muito engraçado, porque ela, a gente tinha ido pra Valinhos, tinha uma amiga dela, que às vezes a gente ficava o final de semana lá, a gente voltou e ela estava maior séria, mas não falou nada. A gente entrou no carro, né, e ela começou a dirigir, eu na frente com ela, e ela, olha, tinha passado acho que um ou dois meses que eu tinha feito essa pichação e ela nunca tinha visto, então eu já tinha, sabe, eu falei: “Ah, beleza, não viu”, passou desapercebido. Ela dirigindo o carro, falou: “Sabe pra onde a gente vai?”, eu falei: “Ué, pra casa”, ela falou: “Não, a gente vai pra Febem [Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor]”, aí eu falei: “Por quê?”, né, aí ela começou a me aterrorizar. Falou assim: “Então, você quer ser pichador, não sei o que, eu vou te levar aonde tem todos os caras”, uma visão meio tonta da parte dela, né, mas pra me aterrorizar. Eu falei: “Não, eu não faço mais, tal”, foi muito engraçado, muito, mas foi isso minha aventura na pichação.
P/1 – Matias, você lembra da música que eles ouviam nessa época? Porque você gostava de rock, né?
R – Eu vou te falar o que eu falo pra todo mundo, as pessoas me falam assim: “Como que eu falo português tão bem?”, eu cheguei no ano em que foi lançado o disco Usuário, do Planet Hemp, e quando eu ouvi aquilo, pirei, eu falei: “Eu preciso aprender esse idioma” e eu aprendi, basicamente o Planet Hemp foi a minha escola de Português, escola boa que eu tive, né?
P/1 – (risos) E o rap?
R – Nunca dei muita bola, não, é porque o Planet Hemp tem esse meio rock, sabe? Então eu gostava disso, eu sempre fui do rolê do rock’n’roll, em várias vertentes, mas eu acho que pra marcar a minha chegada em São Paulo foi isso, o Planet Hemp foi... E os carinhas da escola fumavam maconha, mas eu não fumava.
P/1 – Você nunca se envolveu assim?
R – Depois, né, mas nessa época não, eu não queria, eu fumava uns cigarros escondido só.
P/1 – Sua mãe, que sempre foi muito livre, nessa fase que você estava na adolescência, você saía?
R – Não.
P/1 – Como é que era essa relação com ela?
R – Não, como assim?
P/1 – Porque você estava já com 14, 15, 16 anos.
R – Sim, sim. Você fala de eu sair pra...
P/1 – O que você fazia pra se divertir e como era a sua relação com ela? Que você veio morar com ela só nessa época.
R – Eu tinha uma relação, eu gostava dela, mas também tinha um pouco de medo, sabe? Porque ela adotou esse negócio meio militar comigo pra me botar na linha, porque eu sei que, hoje em dia, vendo isso, foi necessário, né? Os primeiros anos, eu tinha muita saudade do Uruguai, então eu só pensava em voltar pra lá.
P/1 – Ah, é?
R – Era engraçado isso, eu tinha muita saudade, muita, foi muito louco isso. Eu continuava numas aprontadinhas de rua, tudo, mas era bem leve, né? E a minha relação com a minha mãe era essa dualidade, era uma coisa meio guru por parte dela, que eu adorava, era muito engraçada, sabe, o humor era muito bom e ao mesmo tempo tinha esse estresse, essa coisa dela me botar na linha. Então era uma dualidade, eu diria que era isso, e o meu irmão um inferno, moleque, né, tipo, nossa senhora, eu estava com 14, ele estava com 9, né, uma diferença, a gente brincava, mas, ao mesmo tempo, nossa, ele me provocava muito.
P/1 – E você tinha que cuidar dele?
R – Eu tinha que cuidar dele, fazer almoço pra ele todo dia, né, então eu virei meio que um dono de casa com 14 anos, né? Ela, desde essa idade, era queria, ela sempre me falava de pegar um emprego, ela nunca me forçou, mas ele me falava: “Ó, daqui a pouco você vai ter que começar a trabalhar fora”. Eu tinha pânico disso, pânico, não queria fazer isso nem a pau, e foi isso, esses primeiros anos, foram dois anos aqui em São Paulo, lá em Interlagos, Grajaú.
P/1 – Você não trabalhou nessa época?
R – Não.
P/1 – E depois de vocês saírem de lá?
R – Sim, aí a minha mãe, ela se juntou com um cara, com o qual eu me dava muito bem, um cara de Santos até, e aí esse bairro que a gente morava, ele tinha, começou a ter uma explosão de violência naquele bairro, começaram a assaltar todas as casas, todas, foi uma coisa, sabe? Então a nossa nunca foi, porque eu acho que era, a gente não tinha, não chamava atenção, sabe, tipo, carro velho, uns moleques meio, né, a gente não era assaltável, não era roubável. Mas ela começou, eles começaram a ficar meio com medo, eles começaram a ver pra sair de São Paulo e esse namorado dela, que eu adotei como padrasto mesmo, ele trabalhava na, eu lembro que ele trabalhava na Zona Norte e ele demorava quatro horas pra chegar no trabalho, e ele era de Santos. Aí a gente estava nessas ou ir embora, morar em Santos ou tem um amigo da minha mãe da época da música, tudo músico também, que morava numa cidade que chama Atibaia, no interior, tinhas essas duas opções. E eu lembro que a gente foi passar umas férias no Uruguai, eu e o Lucas, e foi muito triste pra mim, porque eu voltei de lá com uma prancha de surf, pensando, porque eu estava torcendo pra que seja Santos, estava torcendo, torcendo, aí chegamos aqui, a gente mudou pra Atibaia. Foi, tipo, foi horroroso, sabe, eu falei: “Meu, o que eu vou fazer com essa prancha agora?”. (risos)
P/1 – (risos).
R – Sabe? Eu estava torcendo pra que seja Santos e não, a gente foi morar no interior, que era mais perto pra ele, né, porque a Zona Norte ficava bem perto.
P/1 – E nova adaptação.
R – E nova adaptação.
P/1 – Matias, e nova adaptação em Atibaia.
R – Humhum.
P/1 – Como foi lá?
R – Bom, como eu te falava, ruim, porque, primeira coisa, eu lembro, eu vou te falar bem isso, assim, sabe, chegamos do Uruguai, 30 horas de viagem no ônibus, eu com a prancha de surf e Atibaia, beleza, deixamos a prancha de surf no carro e vamos pra lá. A gente chega na casa, primeira coisa que eu vejo na casa, eu ia dividir quarto com o meu irmão, eu falei assim: “Não, bicho, tudo o que eu não queria”. Foi uma sequência, eu falei: “Ai, que detestável a minha vida agora”, sabe, eu com 16 anos, adolescente, chato e enfrentando isso, né? Mas, olha, foi muito louco, os primeiros meses, também era dezembro, depois eu ia começar a escola, os primeiros meses foi bem chato, eu estava muito introspectivo, estava começando a ler muito, a ler muitas coisas e muito ligado, muito mais ligado na música, muito. E eu lembro que eu não tinha amigos, meu irmão fez amizade com todos os meninos da rua, eu não, eu ficava na minha, não queria sair, não queria fazer nada, foi meio chato, que eu falei: “Nossa, que cidade, né, bleh, não tem nada pra fazer”, aquela coisa, sabe? Mas aí, quando eu comecei na escola, eu lembro que foi, é uma escola muito legal que tem lá, que chama Major Alvim, agora mudou muito, mas na época era uma escola que fica na frente do lago da cidade, uma escola antiga, bem bonita e ela tem, ela tinha a quadra, né, e pra cima, tipo, uns terrenos, sabe, tinha meio que um mato, né? E aí aquela coisa, cidade pequena, cidade de interior, eu compreendi isso depois, né, a gente, ela tem os mesmos problemas que uma cidade grande, só que as coisas são mais perto, mais próximas. Eu acabei de te dizer, assim, morava aqui em São Paulo, eu não saía, não ia pra lugar nenhum, tinha os amigos da escola, tudo, mas não passava disso, eu cheguei lá, comecei a sair à noite, né, comecei a fazer uns rolês, comecei a fazer uns amigos, comecei a, sei lá, beber mais, sabe? E eu comecei a ter essa coisa, essa vida noturna, digamos, lá, né, porque teoricamente era mais seguro, então a minha mãe ficava mais tranquila, tudo, eu já estava um pouquinho maior, eu tinha uns 16 anos. E aí é louco, porque eu conheci gente, cidade de interior, né, eu conheci, eu lembro que eu conheci o Carlos, grande amigo meu até hoje, que ele me apresentou muita gente na cidade, gente que curtia rock. E aí depois eu conheci o Luciano, que é um outro amigo meu, que me apresentou um monte de gente também, então eu conheci a cidade inteira em meses, todo mundo, digamos, né, então foi, o começo foi chato pra caramba, mas depois foi, meu, foi muito legal.
P/1 – Vocês ficaram quanto tempo lá?
R – Bom, a história que eu tenho pra te falar é engraçada, porque a minha mãe, primeiro ela se separou desse cara, o cara foi embora, aí depois, quando eu tinha 18 anos, o meu irmão Lucas foi morar com o pai dele e ficou eu e minha mãe. E aí eu acho que esse foi o último ano, dos 18 até os 19, que a gente morava no Centro, eu acho que foi o ano mais legal que eu convivi com a minha mãe, porque eu já estava grande, já estava mais resolvido, né? Já tinha terminado a escola, né, então comecei a trabalhar fora.
P/1 – Aí foi o primeiro trabalho seu?
R – É, na verdade foi antes de eu terminar a escola, eu terminei a escola à noite, mas aí eu já estava trabalhando fora e aí comecei a ter uma convivência muito legal com a minha mãe, muito, morava nós dois na casa e a gente se dava super bem, sabe? E aí a gente brigou feio, feio, feio, feio, que ela me botou pra fora, aí depois eu me entendi com ela, só que aí eu já estava decidido que eu ia voltar a morar no Uruguai, aí voltei a morar no Uruguai aos 19 anos.
P/1 – Esse trabalho que você teve, que foi o seu primeiro, qual foi?
R – Foram dois, primeiro eu trabalhei numa tipografia, tipo isso, e depois trabalhei numa firma de serigrafia.
P/1 – Essas duas empresas, esses dois lugares...
R – Coisa pequena.
P/1 – Tinha a ver com o que você gostava de fazer? Você escolheu ou foi uma...
R – É louco, porque, assim, eu odiava ir pro trabalho, eu sempre odiei emprego, sempre, esse negócio de ter que acordar, cumprir um horário, odiava, detestava isso aí, mas estar lá fazendo os trabalhos, né, tanto com os tipos como depois com a serigrafia, eu adorava, né? E foi, digamos, o meu recomeço, porque eu vou te falar que, como artista visual, todo esse tempo, as únicas artes que eu fiz eram capas de fitas cassete, esses tipos de coisas.
P/1 – Desenhando?
R – Desenhando ou colando, fazendo colagens. Eu acho que eu retomo, eu começo a ter uma visão mais de artes de visuais quando eu começo a me envolver no punk rock, né, e a serigrafia é muito utilizada no punk rock. Eu fui atrás desse emprego justamente, como eu falei, olha só como era minha cabeça, eu falei assim: “Não, esse cara, ele sabe estampar camiseta, então eu vou estampar camisetas, eu vou fazer umas camisetas e vou viver disso, não vou precisar ter um emprego”, né, e aí foi porque eu fui aprender e a serigrafia eu utilizo até hoje, eu sou, tipo, digamos, masterprinter, né?
P/1 – Você estava falando do seu trabalho, você foi trabalhar numa tipografia. Fala um pouco disso de novo e o que isso tem a ver com o teu trabalho hoje.
R – Certo, então, é o que eu te falei, eu tinha esse pavor do emprego, da rotina, do horário, tudo, e aí, desde quando eu comecei a trabalhar, eu sempre via o trabalho como um aprendizado que me faria, um dia, não ter emprego, trabalhar por minha conta. Então, quando eu comecei a aprender os processos gráficos, pra mim foi como uma escola pra eu me “independizar”, eu sempre tive essa mente, né? Eu tive sorte de trabalhar, quando eu fui trabalhar no... Na tipografia nem tanto, eu trabalhei um ano, assim, pouquinho, quando eu fui trabalhar com serigrafia, o cara para o qual eu trabalhava, o nome dele é Luís Romário, era o melhor serigrafista da região, considerado mesmo por todo mundo, o cara era muito bom e muito chato, muito exigente, muito. Só que eu acho que eu me dei muito bem com ele, porque, apesar das brigas, ele via que eu queria aprender, eu me esforçava pra fazer a coisa bem feita, então foi muito legal essa relação, sabe? Ele me ensinou muita coisa, eu virei um, digamos, o assistente dele número um, o cara que ele sempre chamou pra trabalhar, sou amigo dele até hoje, sou amigo da família deles, né? E foi muito louco, porque passamos dessa relação de patrão e empregado a ser parceiros.
P/1 – Você disse que você foi pra fazer, foi atrás desse trabalho porque você pensava em fazer camiseta.
R – É, eu queria fazer camiseta de bandas, esse tipo de coisa, eu queria, eu achava que podia, né, falava: “Ah, beleza, eu começo a comprar umas camisetas em branco, aí faço umas camisetas de banda”, camiseta do Ramones, qualquer coisa assim, pra vender pra galera, e eu podia viver daquilo.
P/1 – E você chegou a fazer?
R – Passaram muitos anos, aí eu fui tomando outro caminho, mas isso aí, naquele momento, não.
P/1 – Você falou da música.
R – Sim.
P/1 – Que o punk, o punk rock...
R – O punk rock salvou minha vida, com certeza, com certeza.
P/1 – Então fala como, como?
R – É assim, ó, você pode ter vários tipos de relações com a música, né, eu escutava metal, eu escutava aqueles, aquela coisa mais elaborada, não sei o que, eu não sabia tocar. Eu acho que eu comprei minha primeira guitarra lá em Atibaia, nem lembro como eu comprei, ou primeiro baixo, eu não lembro qual foi primeiro, realmente eu não sabia tocar, eu era um tosco, né? E eu sou canhoto, então os instrumentos são todos invertidos pros canhotos, eu não tinha instrumento de canhoto, então era uma dificuldade exorbitante pra mim, eu não tenho talento, né? A diferença do meu irmão mais novo, o Lucas, que ele tem um super talento pra música e ele foi aprender bateria logo cedo, aos nove anos, não, nove não, 11, sei lá, quando a gente morava em Atibaia. Ele tocava pra caramba bateria desde moleque, né, eu falava: “Eu sou um merda”, né? E aí aconteceu de eu descobrir o punk, o punk rock, que era um negócio mais simples, mais cru, era mais sentimento do que técnica, e aí eu falei: “Isso eu posso fazer”, né? E aí eu lembro de pegar assim e fazer: ge ge ge, eu falei: “Ah, beleza, é isso, é isso, cara, não preciso, sabe, não preciso, tipo, ter o melhor equipamento do mundo, não preciso saber tocar pra caramba, posso me expressar dessa forma!”
P/1 – Chegou a tocar em grupo, em banda, alguma coisa?
R – Tenho até hoje.
P/1 – Você tem uma banda?
R – Várias, né, eu divido a minha vida entre artes visuais e música.
P/1 – Olha!
R – Eu fui indo por esse caminho. No começo, eu comecei em Atibaia tocando, inclusive a foto que eu descartei eu estava com uma das primeiras bandas, mas sei lá porque eu descartei ela, mas beleza, vocês falaram pra escolher cinco só.
P/1 – Podemos incluir depois.
R – Beleza, é, porque é bem importante, na real, esse rolê todo. Porque você pensa que eu comecei a comprar CDs, comprar discos, fitas, principalmente fitas e arte de capa de disco é uma coisa muito, muito abrangente dentro das artes visuais, existem pessoas que são artistas disso e isso, pra mim, foi acho que a principal influência mesmo.
P/1 – Vamos lá, você estava falando da música.
R – Da música e a relação com a arte.
P/1 – E que você, hoje, não só hoje, mas já faz tempo, trabalha também com música.
R – Sim.
P/1 – Qual é o seu trabalho com a música?
R – Vamos lá.
P/1 – De forma sucinta.
R – É, vamos lá, eu faço várias coisas, eu vou te falar da atualidade, assim, porque eu acho que vai resumir bem. Eu toco em várias bandas, toco bateria em algumas bandas, em outras toco guitarra, em algumas eu canto e eu toco muito sozinho também, eu faço música sozinho. Eu acho que hoje em dia, sei lá, eu estou cada dia mais desapegado de qualquer termo, rótulo, qualquer coisa, sabe, pra mim é mais música livre e registro ela em fitas cassete, registro várias coisas. Tenho, digamos, um selo independente também, que é simplesmente um nome com o qual eu coloco todas as coisas que eu gravo, faço as edições, que são as cópias, né, sempre curtas, poucas cópias de cada disco, cada coisa, assim, eu faço tudo, absolutamente tudo.
P/1 – Matias, nas bandas, você toca profissionalmente, ou seja, pra também ter um retorno financeiro?
R – Não, dinheiro, eu mais gasto dinheiro do que eu ganho, na verdade, sim, tem os cachês, tem as coisas, mas não, é bem pouco, bem pouco.
P/1 – Por que você escolhe essa mídia, que é a fita cassete? Tem um motivo?
R – Eu gosto, eu gosto do formato, da forma, do cheiro da fita cassete, desde sempre, desde criança eu faço isso, eu gravo fitas, né? Porque, no Uruguai, CD chegou muito depois, muito, muito depois, era muito inacessível, sabe, vinil era algo não prático, né, então sempre a fita cassete foi uma coisa muito presente na minha vida, muito, muito, muito, e eu gosto, eu gosto de lidar com os aparelhos de fita cassete, eu gosto da mecânica.
P/1 – E as cópias que você faz também são nesse formato da fita?
R – Tem fita cassete, em CD-R, agora eu vou fazer um em vinil lathe cut, que é cortado, é um tipo de vinil diferente, mas são todas produções caseiras.
P/1 – Você começou a trabalhar, aí a parte de artes plásticas, em capa de disco?
R – Informalmente sim, porque eu fazia pras minhas primeiras bandas, né? Como era, eu fazia colagens, fazia uns desenhos, fazia umas coisas, então meio que sobrava pra mim, sabe? E aí eu acabei começando a fazer isso, né, porque eu via que tinha outras, as grandes bandas de punk rock sempre tinham um cuidado com a arte gráfica, eu falei: “Bom, vou ter esse mesmo cuidado”, tocou pra mim. E meio que juntou o lance de eu trabalhar com gráfica com isso, né, eu acho que foi um casamento muito feliz, né? E é muito doido, porque a partir daí que eu vi que todo o lance gráfico poderia ser usado pro que seria arte, no sentido de uma criação... Como eu posso te dizer? Mais pura, sem um uso, sem ser um design, um design pra uma capa, não, eu poderia simplesmente pegar um papel e fazer um monte de coisas, desenhar, serigrafar ele, pintar com spray, estêncil, tudo, né? Eu acho que foi a partir desse casamento, música e artes gráficas, que nasce as artes plásticas pra mim, né, acho que é por aí.
P/1 – E camiseta, você chegou a fazer aquelas que você depois talvez vendesse?
R – Não, eu fiz, foi assim, ó, quando eu tinha uns 20 e poucos anos, eu comecei a ver, tem um artista que eu gosto de citar sempre, assim, que é o Thomas Spicule, um artista argentino, que inclusive está aqui, agora, em São Paulo, está morando comigo, né? Ele foi a principal influência pra mim como artista, porque ele fazia camisetas, tanto das bandas dele, com desenhos dele, e ele vendia, né, e eu falei: “Pô, legal pra caramba isso”, né? E aí comecei a ver, falei: “Meu, eu sei fazer serigrafia, eu sei fazer estêncil, eu sei fazer tudo isso aqui, vou fazer também, vou fazer algumas coisas com os meus desenhos, pras minhas bandas, vou fazer elas bem diferenciadas”, e foi assim que eu comecei. Eu tive uma época que eu fiz muito, né, mas não camisetas de bandas, camisetas com desenhos meus, colagens minhas e eu vendia, né, e cheguei até a me sustentar um pouco com isso, assim, mas nunca ganhei muito dinheiro com isso, né, só o básico, assim, eu faço até hoje.
P/1 – Você vendia aonde?
R – Shows.
P/1 – Ah, shows.
R – Nos shows, sabe, feiras alternativas, cheguei a deixar em umas lojas também.
P/1 – Você fazia uma a uma?
R – Sim, até hoje, eu faço uma por uma.
P/1 – Desenhos diferentes pra cada, mais ou menos?
R – Sim, sim, tudo peça única.
P/1 – Tudo peça única.
R – É, a maioria, tudo peça única, assim, acaba virando isso, assim.
P/1 – Matias, você teve uma passagem por Peruíbe.
R – Minha mãe, na real.
P/1 – Ah, tá, você nunca morou lá?
R – Não, não, não, eu ia visitar ela.
P/1 – Certo. E aí, quando você começa a ver que você pode fazer essa arte sem ser utilitária, aí como foi esse processo?
R – Bom, foi assim, ó, eu acho que um ano que pode me marcar muito, assim, entre 2006 e 2008, foi que eu tive o que seriam meus últimos empregos, né, eu tive vários empreguinhos, né? E aí eu comecei a pintar em madeiras, telas, fazer coisas assim, morando lá em Atibaia, certo, aí aconteceu o quê? Aconteceu algo muito legal, que foi assim, ó, eu fazia, pegava, tipo, meus quadros, quadros de amigos, a banda que eu tocava, banda de outros amigos e comecei a organizar uns shows em lugares tipo uns botecos, sabe? Um negócio muito podre, uma juntadeira de equipo, sabe, soava mal pra caralho, mas a gente fazia por muita vontade, muita raça, não tinha aquela coisa, num lugar onde não tem nada pra fazer é onde mais tem pra fazer, né? Então era aquela coisa: “Pô, ninguém vai organizar um show pra nós, ninguém vai organizar uma exposição pra nós, então a gente mesmo faz”, né? E aí aconteceu algo muito engraçado, que a prefeitura de Atibaia virou, era de direita, não sei o que, virou uma, digamos, uma coisa mais progressista, né, e esses caras que trabalhavam na Cultura de lá começaram a prestar atenção na gente. E passou um tempo, eu acabei conhecendo o que era Secretário de Cultura, né, de Atibaia, o Vitor Carvalho, que é um amigo meu até agora, e comecei a trabalhar com eles em paralelo. Eles faziam as coisas institucionais, eu fazia as minhas coisas podreiras, eles acharam legal, falou: “Pô, vem fazer aqui”, abriram uma Pinacoteca em Atibaia e o cara simplesmente me cedeu a Pinacoteca, falou: “Faz, monta uma exposição coletiva aí, pra mostrar o que está rolando aqui”. E a partir daí eu comecei a trabalhar com eles e comecei a ver, a trabalhar, digamos, como produtor cultural. O pessoal em Bragança já organizava shows, já meio que estava se profissionalizando nisso, né? Aí uma amiga, a Daniela Verde, falou: “Não, mas você tem que cobrar pra fazer isso”, eu falei assim: “Como assim?”, né, “É, eu sou produtora, eu cobro pra fazer, eu vivo disso, você pode fazer isso também”, eu falei: “É mesmo?”. Aí eu comecei a falar com eles, falar: “Bom”, separar um cachê por curadoria, eu comecei a viver disso, trabalhando em parceria com a prefeitura. E aí passei a começar a me ligar, assim, que eu poderia fazer várias coisas e poderia viver disso, né, e poderia também viver do meu trabalho artístico, né, que era, tá, beleza, vender camiseta, vender pôster, mas também, de repente, poderia vender uma tela, né? E aí acontece, assim, uma parada que pra mim, assim, deu um, né, deu um boom, que eu conheci a Choque, né?
P/1 – Mas você estava ainda fazendo tudo isso em Atibaia?
R – Em Atibaia, em Atibaia.
P/1 – Como é que você conheceu a Choque?
R – Esse amigo meu, Vitor Carvalho, que era Secretário de Cultura, um dia conversando com ele, ele falou: “Cara, tem uma galeria em São Paulo que você tem que conhecer, você vai achar legal pra caramba, a Choque Cultural”, aí ele me falou: “É perto da Benedito Calixto”. Aí um dia vim, totalmente perdido, procurando, achei a da João Moura e falei: “Ah, caramba, né, tem gente fazendo isso aqui, né, e tem gente que, sabe, tem um mercado, eles vendem essas coisas”, e virou minha cabeça, acho que foi marcante, pra mim, foi um choque , né?
P/1 – (risos).
R – E aí eu, né, porque eu vinha de toda essa escola do punk rock, dos shows com exposição, que na verdade isso daí rolava aqui nos anos 90, teve um movimento, digamos, chamava Draga, que quem começou ele foi o Thomas Spicule, o Carlos Issa, o Carlinhos Dias, que é artista da Choque, Silvana Melo também, que era da Choque, que eles faziam shows com exposições, uma coisa bem informal.
P/1 – Você já conhecia esse pessoal?
R – Eu não vivi essa época, ok, eu conheci depois, né, eu conheci todos eles, eu acabei virando amigo de todos, mas conheci depois.
P/1 – Pela Choque ou não?
R – Não, não, não, antes.
P/1 – Como você conheceu essas pessoas?
R – Tá, bem especificamente, todo esse rolê, tinha uma loja na Galeria do Rock, chamava Trezeta, do Marcelo Fusco, uma loja de discos, e por ali, eu cheguei a trabalhar nessa loja, cheguei a trabalhar pra ele, assim, ficava lá, eu conhecia gente, conheci todo esse rolê, mas meio que pós, sabe?
P/1 – Você já não morava mais em Atibaia?
R – Não, morava, morava.
P/1 – Morava, mas trabalhava na galeria, e quando você trabalhou na galeria?
R – Não, eu comecei a trabalhar bem depois.
P/1 – Na do Rock?
R – Ah, na do Rock foi um tempo que eu morei em São Paulo, em 2004, eu acho, foi acho que um ano que eu morei em São Paulo, depois voltei pra Atibaia.
P/1 – Entendi.
R – Mas foi muito louco, toda essa relação de eu ver que eu podia viver disso, eu ver que eu poderia trabalhar com uma Secretaria de Cultura, que era algo inacessível, depois eu conheci a Choque; Então foi, tipo, todo um caldeirão de coisas que me veio e eu falei: “Nossa, demorou, vamos!” O último emprego que eu tive foi em 2008 e a partir daí eu falei: “Não, agora, daqui pra frente, é só isso”.
P/1 – Matias, eu estou insistindo, até pra compreender, esse universo, porque você fez coisas em Atibaia já conhecendo a história dessas pessoas que faziam isso em 90?
R – Sim, sim, sim.
P/1 – Que você conheceu essa história na Galeria do Rock.
R – Sim, sim.
P/1 – Com essas pessoas.
R – É, sim, sim. E aí eu vi, assim, eu falei: “Nossa, maravilha, vou fazer isso no interior”, né, e aí fiz durante vários anos.
P/1 – Vocês reuniam, só pra descrever um pouquinho mais, né, como eram esses eventos, vamos chamar assim.
R – Sim.
P/1 – Vocês reuniam o que nesse lugar? Só detalha um pouquinho.
R – Tocavam todas as bandas, todo mundo que tinha banda tocava, às vezes uma, às vezes outras, quem fazia desenho ou pintava pendurava na parede, a gente chegou a projetar alguns filmes, a gente arrumou um projetor uma vez, projetamos uns filmes, era basicamente isso.
P/1 – Tinha um público?
R – Tinha, tinha, tinha sim.
P/1 – Começou a ter um...
R – Uma cena, sim, teve, teve, foi bem legal.
P/1 – E aí, quando você conheceu a Choque, você ainda não morava aqui.
R – Não.
P/1 – Conta a sua relação com a Choque, o que foi acontecendo, pode ir contando.
R – Tá, beleza, minha relação com a Choque foi assim, bom, primeiro eu conheci, certo? Aí depois, obviamente, eu falei: “Quero participar disso”, eu lembro de trazer uns pôsteres, umas coisas assim, mas nem conhecia o Baixo, nada, mostrava pra Mari, não sei o que, ah, sabe? Eu não fazia ideia de como chegar até isso aqui. Então eu vinha ver as exposições, quando eu podia, comprava algum adesivo, alguma coisinha, né, obviamente não tinha grana, mas comprava, que a Choque tem isso, pra mim, a Choque é das principais galerias do Brasil por causa disso, que eles deram acesso, eles abriram o leque do que seria o colecionador de arte, né? Você poderia comprar um quadro incrível, não sei o que, mas você também comprar um zine, que era o meu caso, podia comprar um adesivo, que era o meu caso, sabe, eu pegava as coisinhas pequenas, que dava pra pagar, né? E foi, essa relação foi indo, eu vinha, eu era público e aí eu conheci os meninos do SHN, o Haroldo, o Edu, o CDR, né, todos eles, assim.
P/1 – O que é o SHN?
R – Oi?
P/1 – O que é esse grupo?
R – O SHN, eles foram os pioneiros da arte em sticker e pôster, lambe-lambe, aqui no Brasil, eles são um coletivo que eles colam desenhos em paredes, postes, lixeiras, em tudo, há muitos anos. Eles são do interior também, são de Americana, e eles trabalharam muito aqui, o Eduardo era sócio do Baixo e da Mari, né, e eles trabalhavam aqui na Choque, deve ter, bom, ali mesmo já tem um trabalho deles, aquele copo, tem em todo lugar. E aí eu acabei conhecendo eles e aí eu não lembro que ano, eu acho que 2011, não sei, eles fizeram uma exposição que chamava Print Choque, que era exposição só de pôsteres, de arte em papel, não era coisa na parede, bom, tinha na parede, mas não era aquela coisa de quadros, era mais de você ver caixas com pôsteres. E eu tinha feito uma série de serigrafias que eu já fazia mesmo, aí eu lembro que eu mandei pro Edu, ele falou: “Traz aqui”, né, e aí foi minha primeira participação na Choque da João Moura ainda, né? E aí, quando eu venho pra esse encontro, eu conheço a Raquel, porque o Edu... Eu já, eu, nessas produções culturais em Atibaia, tudo, eu dava oficinas, como sou bom nas técnicas gráficas, eu dava, passava esse conhecimento pras pessoas, isso daí depois tem uma outra história que tem lá. Mas, enfim, eu sei que eu conheci a Raquel e ela estava começando o Educativo e eu super me empolguei em trabalhar com ela, eu falei: “Me chama, me chama” e ela me chamou pra dar uma oficina lá na João Moura e aí a gente começou essa parceria, que é...
P/1 – Você sabe por que ela te chamou? Por que você? Tinha outros artistas, por que você acha que ela chamou você pra dar as oficinas? Ela chegou a comentar com você?
R – Não, eu acho que não, não lembro, mas eu já, sei lá, eu já dava essas oficinas lá no interior, eu acho.
P/1 – Sei.
R – Tinha um movimento do pessoal do Festival de Arte Serrinha, né, que é um festival bem grande, assim, eu dava umas oficinas lá.
P/1 – Aí ela ficou sabendo que você fazia esse trabalho.
R – Eu falei com ela, eu lembro de sentar com ela e conversar, desenvolver toda essa ideia. E aí eu dei essa primeira oficina lá na Choque, de estêncil, e depois a gente já começou a trabalhar na formação de professores, em todos os projetos.
P/1 – Tinha mais algum artista que fazia oficina também, na Choque, além de você?
R – Eu acho que os SHN, eles davam oficina, eles têm essa pegada também, eu acho que só, não lembro.
P/1 – E aí você foi, fez a oficina lá na Choque e fez também em outros lugares, com o pessoal?
R – Sim.
P/1 – Você lembra onde mais?
R – Putz, teve no Tomie Ohtake, teve na Choque lá do Centro.
P/1 – Tem outra Choque, além daqui, da João Moura?
R – Não, hoje em dia não, tinha o instituto lá no Centro, perto da Galeria do Rock. Olha, eu não lembro.
P/1 – Qual instituto que era lá?
R – O Instituto Choque Cultural. Aí eu dei uma oficina lá e num lugar na Zona Norte também, eu não vou lembrar.
P/1 – Não, só pra gente registrar.
R – Eu não vou lembrar, mas foram em vários lugares, assim, mas eu não...
P/1 – Em vários lugares.
R – Escolas, a Raquel vai saber te dizer exatamente cada lugar, mas eu mesmo não vou lembrar.
P/1 – Não precisa ser exatamente, é só pra ter uma ideia.
R – Eu lembro que teve escolas, assim, teve no Campo Limpo, ai, eu não vou lembrar.
P/1 – Você chegou a viajar com esse trabalho, junto com o Instituto Choque Cultural, além daqui de São Paulo?
R – Com o instituto eu acho que não, eu acho que não, não.
P/1 – Com a Raquel?
R – Não, não, acho que não, não, com o instituto não.
P/1 – Nem com você e a Raquel, pras escolas fora?
R – Não, eu acho que não. Eu sou horrível de memória. (risos)
P/1 – Não, só pra... Matias, quando você fazia essas oficinas, como que você entendia a importância disso, de fazer, de ensinar outras pessoas?
R – Legal, agora eu vou retomar um pouquinho algo de Atibaia. Conheci a Choque, tal, não sei o que, comecei a trabalhar com a prefeitura, eu acho que o ápice do meu trabalho lá em Atibaia foi que eu fundei uma galeria lá. Que foi assim, eu conheci um artista daqui de São Paulo, que é um dos pioneiros do estêncil arte, que é o Celso Gitai, e conversando com ele, ele falou: “Pô, não dá pra amarrar um projeto lá em Atibaia, a gente dá umas oficinas de estêncil”, eu falei: “Ah, acho que dá”, né? E aí a gente começou a desenvolver, desenvolver, desenvolver, e aí apresentamos um projeto meio a longo prazo, de dois, três meses, pra prefeitura, pra Secretaria de Cultura, e eles nos cederam o espaço. Porque é assim, tem a Igreja Matriz, aí tem um teatro, que estava sendo reformado, e aí tinha duas casas do lado do teatro, sobrados, que iam ser demolidos com o tempo, a obra estava meio parada e esses espaços estavam meio vagos, ele falou: “Vocês não querem pegar um espaço desses?”, eu falei: “Pô, eu queria fazer uma galeria”. E aí a gente fez um projeto nesses primeiros três meses, eu e o Celso, e depois eu continuei sozinho por dois anos, que chamava Galeria Mutante, onde eu fiz um monte de exposições lá, muito baseado no que eu tinha visto aqui na Choque, sabe? Meu, eu pegava a galeria, arrebentava ela inteira, era um espaço grande, era um café antigamente, meu, eu pintava as paredes todas, sempre mudava a galeria, pintava até o teto, sabe? Meio que nessa pegada, tinha as obras pra vender, tinha adesivinho, tinha zine, tinha tudo, era meio que um, né, uma pequena cópia, assim, da Choque, mas, né, era aquilo, sabe, eu olhei isso aqui e falei: “Nossa, que fantástico, deixa eu fazer lá também”, né? E aí nesse tempo que eu fiquei, eu dei muitas aulas de estêncil, de serigrafia, de carimbo, de desenho até, mas era uma coisa totalmente livre, eu tinha um cronograma, mas era bem livre e foi muito legal, porque ensinei muita gente lá, sabe, muita. E aí eu vi isso como uma coisa muito revolucionária, de estar mostrando outras realidades para as pessoas, eu acho que disso aí, eu trago isso pra cá, formação de professores, tipo, professor, ter nas escolas, mostrar uma outra forma de dar aula, né? As mais recentes oficinas que eu dei, eu não levo mais um certo planejamento, assim, eu encaro meio como um show, sabe?
P/1 – Por quê? Fala.
R – Porque é aquela coisa, toda vez que eu dou aula, eu me desgasto muito energeticamente, eu posso dar uma oficina pra uma pessoa, acaba a oficina, eu vou dormir, desse jeito. Mas eu vejo que é uma coisa, uma troca de energias, onde eu estou dando muito, muito, muito, e a pessoa está prestando muita atenção em mim, no que eu estou passando, né, e tenho que tomar cuidado com isso, né, obviamente. Mas eu me sinto como isso, como essa troca, estou aqui fazendo isso, passando alguma coisa pra vocês, vocês estão participando disso, vamos fazer algo juntos, né, não quero ter essa hierarquia, né? Eu te falo show, mas não pensa no show com palco, pensa no show sem palco, ok, um show do punk rock, assim, sabe, aqui, saca? Isso, essa troca, eu vejo que é isso a oficina pra mim, ok?
P/1 – Legal.
R – Estou cantando, vocês estão dançando, ok? Estou passando pra vocês como que corta, como que faz isso daqui, vocês estão fazendo, vamos fazer juntos.
P/1 – Matias, você sente isso, algum aluno... Eu vou chamar aluno, tá? Da oficina, algum, alguém dessas oficinas te falou alguma coisa assim, que você hoje lembra: “Essa pessoa falou isso” ou manifestou alguma coisa, assim, marcante? Pode não ter...
R – Nossa, eu com a minha memória péssima aqui.
P/1 – Alguma situação que você... Foi bastante significativa, que mostre essa relação sua com eles.
R – Eu acho que não, eu acho que é um todo, é um todo, eu não posso, eu acho que eu não posso te citar uma, eu acho que é um todo, assim, uma coisa muito abrangente, assim, eu acho que não, não vou saber lembrar um ponto específico agora. Eu posso começar a lembrar de todos os alunos que tive já, mas, putz...
P/1 – Não, não precisa, só...
R – (risos).
P/1 – Agora, falando da tua arte, Matias, eu entendi bastante do processo, mas, hoje, eu vi o seu trabalho sábado retrasado.
R – Aonde?
P/1 – Eu vi na... Lá na... Perto... No Itaim.
R – Ah, tá, na exposição do Itaim, sim.
P/1 – Você, se você fosse, se você estivesse lá e fosse me explicar o seu trabalho, se é que precisaria explicar, ou você pode dizer: “Não tem explicação nenhuma”.
R – (risos).
P/1 – (risos) Você podia falar isso.
R – É.
P/1 – Eu tive a minha leitura, mas, se você estivesse lá, você falaria alguma coisa do seu trabalho?
R – Me fala a tua leitura primeiro.
P/1 – A minha, é que eu, eu não procuro entender assim: “Ah, isso é isso”, eu olho as formas e vou entendendo do meu jeito, eu não fico: “Ah, isso é isso, isso é aquilo”.
R – Claro.
P/1 – Pra mim, o que me envolve é essa composição de cor, forma, linha, fundo e figura.
R – Sim.
P/1 – Não sei se você tem mais alguma coisa, além do que eu... (risos)
R – Não, sim, tenho, tenho. O trabalho que você viu lá, né, são pinturas em tela, certo?
P/1 – Isso.
R – Como essas pinturas são feitas? Eu trabalho com o geométrico abstrato, certo? Que eu faço com spray, vou demarcando os lugares, fazendo com o spray, e trabalhei com serigrafia, né? A serigrafia é um processo de repetição de imagens, um processo de produção de imagens e é meio que uma provocação essas pinturas, porque você tem uma pintura, que é uma peça única, uma obra de arte, mas o que foi utilizado pra compor aquilo lá é uma matriz de reprodução, né? Então tudo isso daí é uma provocação com o lance de original, único, sabe? É essa coisa que eu estou procurando hoje em dia. Eu tenho novas agora, onde estou inserindo colagem também, que já é um outro, é um outro elemento, porque aí realmente você fala: “Não, beleza, essa colagem é única”, né? (risos) Mas sempre tem esse negócio da reprodução, de poder reproduzir um elemento, que vai aparecer numa tela, pode aparecer em outra tela, certo, pode aparecer num mural, pode aparecer num zine, pode aparecer numa camiseta, certo? É isso, essa essência, digamos.
P/1 – Essa forma que se repete, tem uma história específica dessa forma?
R – Tá, eu procuro, você viu que eu trabalho muito com figuras de animais, né?
P/1 – Humhum.
R – Como sou apaixonado por eles desde que eu me conheço por gente, né? Eu tenho meio que esse louvor por eles, certo, e aí eu coloco muito esse negócio da pessoa com cabeça de animal, nunca é ao contrário, nunca eu coloco um animal com cabeça de pessoa, porque eu acho que eu vou estar desmerecendo o animal, tá? Mas eu estou te falando bem no imaginário, é bem aquela coisa de dar superpoderes pra eles, sabe? Então às vezes pego, tem um que eu gosto muito que é um canguru cabeça de tigre, por exemplo, que eu falo: “Não, o canguru, que é superpoderoso com as mãos, com as pernas, mas também tem o poder do tigre”, né, então meio que criando super animais mutantes. E esse negócio da pessoa, de arrancar cabeça, de falar: “Mano, arranca o racional e põe instinto”, instinto desse bicho aqui, é meio isso. É meio que... Eu não sei se uma misantropia, mas quase lá.
P/1 – Seria mais fácil você ir falando desse percurso aqui na Choque do que eu ir te perguntando.
R – Tá.
P/1 – Mas eu queria entender assim, o artista na galeria, sabe? Como que acontece isso, né?
R – Tá.
P/1 – Você falou que de repente se deu... Eu vou fazer uma relação, pode nem ter. De repente você se deu conta que você podia viver de ser produtor cultural, criar a sua galeria, fala um pouco disso, até lá em Atibaia, que fim, entre aspas, deu a sua galeria.
R – Acabou, acabou, era pra acabar mesmo, era pra durar pouco e acabar e não ter mais mesmo.
P/1 – Por quê?
R – Eu gosto disso. Eu gosto muito de um livro do Hakim Bey, que chama Zona Autônoma Temporária, que ele frisa justamente isso, das coisas que acontecem e desaparecem, sabe, temporário, saca, acontece aqui, depois não acontece mais. Eu tenho muito essa relação com a música, sabe, de tem essa tiragem, depois não tem mais, né? Enfim, mas deixa eu não desvirtuar da tua pergunta. Na minha vida, aconteceu um negócio, que eu fui tirando coisas, né? Quando eu comecei a me virar, digamos assim, sem ter uma renda fixa, tudo, eu fazia diferentes coisas, né, uma delas eu lembro que era o silkscreen, a serigrafia comercial, né, comercial, fazia a camiseta pra loja tal, não sei o que. Eu lembro que isso foi a primeira coisa que eu limei, que eu tirei, né, eu falei assim: “Não preciso mais fazer isso”, porque me desgastava muito, era muito chato, não rendia muita grana, sabe, tipo... Aí eu falei assim: “Meu, eu acho que eu não preciso mais disso”, aí tirei. O segundo foi a produção cultural, né, que eu trabalhei, não só trabalhei na galeria, eu trabalhei em Bragança, trabalhei com festivais, fiz várias coisas. Aí eu comecei a ver que aquilo, a galeria mesmo, me consumiu muita energia, né, e eu falei: “Bom, beleza, não é que eu não vou fazer isso nunca mais na vida, eventualmente eu faça”, não tenho... Mas, sabe, eu tirei o foco dali. Eu fui cada vez mais me focando na minha produção e o atelier. Aí eu comecei a pegar muitos trabalhos comissionados, fazer um mural aqui, fazer um mural lá, tudo, que é o que eu estou fazendo até hoje em dia, é o que me rende uma grana, um sustento, né? E, assim, a minha relação com a galeria é bem simples, eu tenho uma relação com o Baixo, com o Baixo Ribeiro, comecei a trabalhar com ele em 2014, e ele é uma pessoa que ele, digamos, ele está me formando mesmo, ele pegou, eu lá, artista meio selvagem, já tinha todo um conhecimento, já tinha toda uma bagagem, não era, tipo, não era começar do zero, né? Mas ele começou a me lapidar pra quê? Pra eu justamente poder cada dia mais focar na minha produção e no atelier e ser vendido aqui.
P/1 – Na Choque?
R – Na Choque, a gente está caminhando pra isso. Isso é fantástico, né? Cada vez que vende um trabalho meu eu fico muito feliz, né?
P/1 – O que é ele te formar? O que você aprende com ele?
R – Ele, meu, ele me direciona muito bem com o meu trabalho, coisa que nunca ninguém tinha feito. Assim, algumas pessoas, amigos, beleza, me deram uma, não como fazer, não tipo: “Ah, faz assim” ou “Faz assim”, não, não isso, mas dar aquela direcionada nas coisas, né, não ficar algo tão solto. E o Baixo, ele tem uma sensibilidade fantástica pra chegar em mim e poder ir me direcionando, dentro, porque artista, criação, descontrole, né, ele consegue, sabe, sintetizar as coisas e colocar numa linha de raciocínio pra não ficar perdido por aí, saca?
P/1 – Mas esse, eu estou pedindo pra você detalhar, porque é bem didático isso.
R – Sim, sim.
P/1 – Ele te direcionar, então eu vi o seu trabalho lá, o quanto daquilo é resultado dessa direção? Ou ainda não?
R – Nossa, total!
P/1 – Então me diz como que aconteceu isso.
R – Tá, quando eu comecei a trabalhar com o Baixo, foi na exposição Feita por Brasileiros, lá no Cidade Matarazzo, ele gostou muito da minha técnica para cortar estêncil, de como eu fazia aquilo, de todo o meu grafismo. Eu lembro algo que foi muito legal, eu tinha esse lance de figura fundo e a primeira coisa que o Baixo fez comigo, ele falou: “Vamos trabalhar isso por separado”, né? A minha primeira exposição individual aqui na Choque era só figura, a gente separou, aí eu comecei a trabalhar o que seria o fundo, a dar uma importância naquilo, falar: “Meu, por que que eu faço isso?”, né?
P/1 – Entendi.
R – E começar a juntar as duas coisas numa linguagem que faz sentido as duas, não que uma tivesse brigando com a outra. Você entende? E aí o resultado está ali, está ali e eu estou caminhando nessa linha.
P/1 – Entendi.
R – Assim, então, como eu te falei, acabei de inserir colagem ali, sabe, estou caminhando dentro dessa linha.
P/1 – Você vê alguma semelhança com o que você faz quando você faz oficina com as pessoas e o que ele faz com você ou não tem nada a ver uma coisa com a outra?
R – Quando eu dou oficina, é uma coisa mais técnica, uma teoria técnica, com ele é mais uma coisa mais conceitual, com ele é uma parada conceitual. Quando eu dou oficina é oficina de técnicas, eu não dou oficina de conceito.
P/1 – E esse conceitual é isso que você acabou de falar?
R – Exato, entender meu trabalho, pegar essa selvageria louca, dar uma direcionada, fazer algo, uma linguagem que tenha sentido, que eu faço muita coisa, muita, né? Tem um monte de trabalhos meus que não estão aqui, estão na minha casa, que não vieram pra cá, aqui eu estou trabalhando toda uma linha de trabalho que faz um sentido.
P/1 – Entrar numa galeria, seu trabalho estar numa galeria, precisa?
R – Se eu preciso? Eu não sei se precisa ou se não precisa. Tem amigos meus que não trabalham em galerias, trabalham muito bem, vivem muito bem, tranquilos.
P/1 – E vendem onde?
R – Por sua conta, também não me interessa, cada um segue seu caminho. Eu posso te falar da minha experiência.
P/1 – Isso.
R – Um artista que entrou pra uma galeria.
P/1 – Isso.
R – Né?
P/1 – É isso aí.
R – Até, tipo, tem uma piada muito boa que eu bolei com uma amiga minha, que a gente fez meio que um vídeo: “Como que eu faço pra entrar numa galeria de arte?”, daí eu falo: “Você chega na galeria de arte, para na porta e entra”. (risos) Né? Se a porta está fechada, você toca a campainha, espera que te abram e entra, pronto, você entrou pra galeria.
P/1 – (risos).
R – Mas, piadas à parte, estar numa galeria, ainda mais uma galeria como a Choque, né, que, além da importância pessoal, que pra mim sempre foi, como eu te falei, um exemplo, algo muito importante pra mim, é uma galeria conceitualmente muito importante.
P/1 – Em que sentido?
R – Pro mercado da arte, pro mundo da arte, pra São Paulo, tá? Como eu te disse, foi a galeria que quebrou esse negócio da grande coleção de arte, com aquele moleque que andava de skate, foi, meu, uma revolução aquilo e eu estar dentro desse time pra mim é fantástico, digamos, até como sonho feito realidade, assim, né? Mas eu me sinto muito seguro, sabe, me sinto com uma segurança, como eu posso te dizer? Esse retorno, eu poder estar aqui, eu não estou sozinho, solto, tem todo um time aqui, que é bem forte e isso me faz mais forte, espero eu também estar fazendo eles mais fortes, essa relação, eu estou num time, né?
P/1 – Muito bom, deu pra entender bem.
R – Deu?
P/1 – Deu, muito bem.
R – É isso, como que dá uma força pro trabalho, dá uma força, sei lá, não sei como te explicar, mas é isso, é uma força.
P/1 – Deu pra entender. Matias, e o valor de venda, de mercado?
R – Sim.
P/1 – Tem vários jeitos dos artistas de verem isso, então você, como é que você se relaciona com o valor de mercado da sua obra?
R – Tá.
P/1 – Fala, desculpa, mas também aqui na Choque, se você puder falar disso...
R – Sim. Olha, quem lida mesmo com isso é o Baixo e acho que eu confio plenamente nele, ele é um excelente galerista, curador, uma excelente pessoa, confio plenamente nele e meio que eu passo isso pra ele.
P/1 – Entendi.
R – Tá, eu falo: “Meu, o que você decidir está decidido”, sério, sério mesmo.
P/1 – Agora, fala um pouco mais, já que você começou a falar da Choque enquanto importância da Choque pra cidade.
R – Sim.
P/1 – Né? Ela foi, ela quebrou com esses parâmetros de galeria, ela inovou nesse sentido. O que ela tem que faz acontecer isso? Qual é o conceito da Choque, do seu ponto de vista de artista?
R – Sim. Eu acho que eu posso sintetizar isso numa coisa muito simples: a Choque está aqui, a Choque está ali embaixo, a Choque está do outro lado da rua, a Choque está na escola, no Campo Limpo, entendeu? Eu acho que é isso.
P/1 – Entendi.
R – A Choque está em vários lugares, ok?
P/1 – Teve eventos que você participou com o time da Choque que você gostaria de até contar pra gente, até registrar como uma marco importante?
R – Sim.
P/1 – Escolhe um ou dois, quantos você quiser.
R – Bom, primeiro eu vou escolher a exposição no Matarazzo, na qual, como eu te falei, eu comecei a ter um contato mais intenso com o Baixo. Eu lembro que participamos o Alê Viana, o Felipe Brait, o Daniel Melim, aí teve o Magoshi, teve o Brunão, que trabalhava comigo, nossa, eu vou esquecer, meu, corta essa parte, porque eu vou esquecer do nome de alguém.
P/1 – Não faz mal.
R – Eu sou muito esquecido. (risos) Mas, enfim, essa exposição em si foi demais porque eu morava no interior ainda, tá, a gente foi fazer a exposição lá, eu trouxe meu atelier pra cá, montei numa sala lá no antigo hospital e foi uma coisa tão intensiva, sabe? Eu dormia em casa de amigos, acordava todo dia cedo, sete da manhã, ia lá pro atelier: “Vamos trabalhar!”, me marcou muito, me marcou muito.
P/1 – Pra você fazer uma exposição precisa ter uma certa produção.
R – Eu fiz toda essa produção lá, saca, eu desloquei meu atelier pra cá e fiz essa produção lá no Matarazzo, né, e foi...
P/1 – Que é um hospital.
R – Era um hospital.
P/1 – O antigo hospital.
R – É, o antigo hospital, o meu atelier ficava onde era a maternidade, assim, numa salinha lá.
P/1 – Aliás, onde eu nasci.
R – Ah, que bom.
P/1 – Isso você corta. (risos)
R – Assim, teve uma... Eu acho que eu vou marcar muito essa exposição, que foi, digamos, esse começo. Bom, eu fiz a minha individual aqui, né, que foi a minha primeira individual no Brasil, eu já tinha feito uma no Uruguai, numa outra galeria, mas foi a minha primeira individual no Brasil. Agora estamos prestes a fazer uma também só minha, esse mês agora, fim de mês, começo do próximo mês.
P/1 – Aqui também?
R – Aqui.
P/1 – Essas exposições individuais, se você quiser comentar um pouco a importância...
R – Meu, eu participei de umas duas coletivas aqui também, né, só pra continuar falando isso, teve uma que era de dentro pra fora e de fora pra dentro, que acontecia na rua, acontecia aqui, eu fiz uns pôsteres, espalhei pela rua, foi bem legal, assim, foi um exercício muito bom, né? E expor em coletivo é uma coisa mais, você dá uma pequena amostra daquilo que você faz, junto com outros artistas sem, né, tipo, tem que balancear, tem que dar uma equalizada entre todos os artistas. Quando você faz uma individual, é: “Meu, vai, bota pra quebrar, mostra tudo o que você tem de melhor e vai armado até os dentes”, é isso, né? A próxima agora vai ser meio isso, eu vou trazer um monte de coisas, um monte de produções, tanto visuais como sonoras, eu vou trazer umas coisas de som pra cá também. Eu acho que é um mega combo de coisas.
P/1 – Você, numa individual, essa que você está preparando, você traz coisas desde a tua história...
R – Não, não, eu trago coisas de agora, de agora, produção atual, tá?
P/1 – Matias, a gente está terminando, quer dizer, ainda tem dez minutos. (risos)
R – Não, beleza.
P/1 – Mas é justamente nesse tempo que a gente ainda tem, se você quer contar alguma coisa que eu não te perguntei, mas que você acha importante deixar registrado nesse momento.
R – Olha, é difícil me perguntar agora, que eu acho que eu já estou com a cabeça tão... Falei tanto que eu acho que eu não vou conseguir lembrar mais nada, meio que eu já dei todo o meu melhor aqui. Meu, agradecer a vocês por isso, fico feliz de participar do Museu, assim, é uma honra mesmo ser uma das pessoas do Museu da Pessoa, né? Eu acho que é isso, bola pra frente, vamos, vamos em frente.
P/1 – Eu vou então fazer uma pergunta.
R – Diga, diga.
P/1 – Quando você falou dos seus animais, me lembrou você com 13 anos, lá no Uruguai, ou 14, que você falou que era aquela ação de instinto selvagem. Quando você faz o teu trabalho, vem referências de épocas da sua vida?
R – Tem.
P/1 – Vem?
R – Tem, principalmente quando eu toco, principalmente. Eu acho que quando você olhar um trabalho meu, uma tela, com certeza você vai ver aquele videogame lá, sabe, você vai ver um pouco daquela selvageria vândala, quando eu canto, às vezes, quando eu escrevo músicas, eu conto muita história de lá, é uma lembrança constante, sim.
P/1 – Você quer falar mais alguma coisa sobre isso?
R – Não, eu acho que não, eu acho que tá bom.
P/1 – Melhor ver, né?
R – Ahn?
P/1 – É melhor ver.
R – É, melhor ver, vem na minha exposição quando abrir.
P/1 – Sim, ouvir.
R – Ouvir também, venham aí, vai acontecer, eu acho que... Eu não lembro, que memória horrível que eu tenho, né, eu sei que tem até data de abertura, mas eu não lembro.
P/1 – Você não tem memória horrível.
R – É, eu acho que horas conversando aqui, né, eu já estou meio desgastado, né?
P/1 – Mas pra gente, que está ouvindo, continuou com conteúdo do começo ao fim.
R – Pô, legal, que bom.
P/1 – Então eu te agradeço.
R – Valeu.
P/1 – Aprendi bastante também, obrigada, viu.
R – Obrigado vocês.