Infância em Santos, no centro da cidade. A loja do avô de produtos para dentistas. As sorveterias e confeitarias. Brincadeiras de vendinha com os primos. A atuação no movimento Bandeirantes. A faculdade de jornalismo. A perda precoce do pai. Primeiros trabalhos para ajudar a mãe. A venda de bijuterias para as amigas. A atividade de "sacoleira" e as vendas em casa. A abertura de loja em galeria no Gonzaga e outra em shopping. Como o marido perdeu o emprego e tornou-se seu sócio. Horário de atendimento personalizado.
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Waldemar Martins Fontes, nasci a 01 de agosto de 1935, aqui em Santos.
FAMÍLIA
Atividades da família Meus pais são José Martins Fontes e Noêmia Nascimento Martins. Avós, Pedro Cândido do Nascimento, Almerinda Garcia Rosa, Isabel Fontes pelo lado do meu pai e Manoel Martins. Saber a atividade dos meus avós é meio difícil, mas o meu pai era homem de comércio, de negócios. Trabalhou em vários tipos de atividades e minha mãe era do lar, era de casa. Meu pai trabalhou com comércio de gasolina, combustível, chegou a ter táxi, por fim teve conosco em comércio de livros. Sempre em Santos, ele era santista.
FAMÍLIA
Irmãos Nós éramos em quatro irmãos porque recentemente perdemos um, o nome deles é Wilma, Walter, Waldir que faleceu recentemente e eu. Todos com W.
CASA
Descrição da moradia Nós moramos em vários bairros aqui em Santos, mas basicamente fomos criados no Marapé, onde nós fomos pequenos e crescemos, estudamos e jogamos futebol, namoramos, casamos. A casa era um chalé na Rua João Caetano 173. Um chalé onde fomos criados perto da Rua Godofredo Frade.
EDUCAÇÃO
Primeiros estudos Iniciei meus estudos menino, naturalmente na idade de alfabetização, na idade de sete anos. Estudei no Grupo Escolar Dino Bueno, lembro de algumas professoras. Lembro mais de uma professora do quarto ano, que era o último ano do primário, Dona Margarida. Lembro dela porque era uma moça bonita. EDUCAÇÃO Influências do irmão Eu fui influenciado não pelos estudos e sim por esse meu irmão que faleceu recentemente, que através da vida dele, ele sempre trabalhou com livros. Desde bem jovenzinho, ainda solteiro, ele sempre foi amante dos estudos e foi a pessoa que, de certa forma, nos carregou por esse caminho, os outros irmãos - eu e o Walter. Nós só fizemos o segundo grau. E aí já existia a atividade comercial.
TRABALHO
Primeiros trabalhos Nós trabalhamos desde menino, nessa época talvez seja um pouco diferente de hoje que o jovem primeiro estuda e se forma para depois começar a sua carreira profissional. Nós naquela época, desde jovens trabalhávamos e estudávamos. Nós, todos os irmãos trabalhávamos durante o dia e terminávamos nossos estudos à noite, no período noturno. Eu tive a felicidade de bem cedo, aos doze anos entrei numa repartição pública, naquela época, no IAPM - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, entrei menino, como office boy. Não tinha pretensão de seguir carreira de funcionário, mas mesmo assim me mantive na repartição durante 22 anos. Os últimos anos de funcionário público foram paralelos a minha atividade de comerciante profissional.
JUVENTUDE
Diversão - praia e futebol Como todo jovem, a principal diversão era o futebol. Hoje o jovem tem uma variedade maior de esportes, tem várias modalidades de esportes mas no meu tempo, de garoto humilde, num bairro humilde, nosso esporte preferido era o futebol. Ia muito à praia, mas escondido dos pais. É evidente que naquela época, tomar banho de mar sempre foi muito perigoso, como é até hoje. Mas naquela época, como meu pai sempre trabalhou muito, não tinha tempo de estar nos nossos calcanhares, a gente ia para praia tomar banho de mar escondido. Eu ia com meus irmãos.
FAMÍLIA
União entre os irmãos Éramos e somos até hoje. Evidente que tivemos, através de nossas vidas, várias perdas, mas em razão dessa união, justamente uma das perdas mais significativas a desse irmão, recentemente. Foi o irmão que nos encaminhou, o grande idealizador da Editora Martins Fontes, que é uma Editora de prestígio no Brasil inteiro, até no exterior. Ele foi sempre o que encabeçou o negócio e essa união dos irmãos, desde meninos, fez com que a gente começasse nossa atividade comercial juntos. Sempre estivemos juntos no comércio. E estamos até hoje.
SECOS E MOLHADOS
Descrição de uma venda Eu lembro das vendinhas, naquela época não existia supermercados. Eram armazéns de secos e molhados. Vocês são jovens, não sei se chegaram a pegar essa época, me lembro perfeitamente da Rua João Caetano com a Godofredo Fraga tinha lá a Venda do Seu Armando. Nós chamávamos esses armazéns de venda.
SANTOS
Descrição do centro Lembro do comércio na cidade. Outro tipo de comércio só existia no centro, na cidade. Nós chamávamos de cidade, vai à cidade. Era ir ao Centro que era o centro comercial. Nos bairros não existiam comércio a não ser bares e vendas - armazéns de secos e molhados. Todo o resto do comércio era no centro. Ia de bonde, o saudoso bonde da linha 37 que pegava justamente toda a Pinheiro Machado. Aqui na Bernardino de Campos era o bonde 17.
LOJA
Início da Livraria Martins Fontes Nós começamos nossa atividade comercial todos bem jovens. Eu por exemplo tinha 25 anos quando inauguramos a Livraria Martins Fontes. Sempre estivemos no Gonzaga, a Livraria Martins Fontes sempre foi tradicionalmente do Gonzaga, nasceu no Gonzaga em janeiro de 1960. Já existia uma outra livraria, porém como livreiro do comércio de livros eu, atualmente sou o mais velho. Na época que eu comecei existiam outros livreiros, hoje todos já faleceram. No Gonzaga existia a Livraria Atlântica. Como todo comércio, a principal dificuldade foi a falta de capital de giro. Ter a mercadoria para a gente conseguir montar. Mas foi uma parte curiosa, o nosso inicio, eu e meus dois irmãos, nós não abandonamos os nossos empregos, todos os três. Eu era funcionário público. Waldir que faleceu recentemente primeiro foi funcionário da Petrobrás, mas logo saiu. Ele era vendedor de livros, tipo mascate, de vender de porta em porta. Quando nós montamos a livraria, ele continuou na atividade dele. O Walter era funcionário do oleoduto e também continuou durante um período como funcionário. Então nós começamos nossa atividade comercial sem dependermos do comércio para podermos sobreviver. Daí a razão do nosso sucesso. Nós só investimos na nossa atividade comercial sem retirar para sobreviver. Isso nos ajudou bastante no início, tanto que inauguramos a Livraria no inicio de 60 e eu me demiti da repartição em 1970, dez anos depois. Com meus irmãos foi a mesma coisa, eles foram deixando suas atividades particulares quando nós começamos ter resultados convincentes para então podermos tocar nossas vidas e tocar nossa família. O Waldir sempre foi um amante do livro e fez com que nós acabássemos gostando da atividade. O Waldir sempre foi um bom leitor, uma pessoa interessada, gostava. Tanto que ele deixou um emprego na Petrobrás para ser vendedor de livro de coleções de livros pelo crediário. Ele vendia para a Editora Globo, vários tipos de coleções. O carro chefe era a Coleção de Érico Veríssimo, que na opinião dele sempre foi o maior escritor brasileiro. E quando veio a idéia de nós montarmos uma livraria, ele nos procurou. Sem desfazermos de nosso empregos, nós fomos tocando a nossa casa. No horário que um estava trabalhando o outro estava na loja e assim por diante. O Waldir sempre na rua, sempre trabalhando na rua. LOJA Primeira loja Essa primeira loja foi no Gonzaga. Nós fomos aumentando o espaço físico através dessas quatro décadas. Começamos com uma lojinha na Marechal Deodoro quase na Praça Independência, uma loja pequena. Depois nós fomos para a Praça Independência, onde ficamos 30 anos. A loja ainda está lá, nós mantemos essa loja. Na nossa atividade comercial, teve um desenvolvimento muito grande em nosso país, uma mentalidade jogada para que todo mundo pensava em estudar, em fazer alguma coisa, pensava no seu futuro, de melhores condições. Foi uma época que todo ser humano, além das crianças, os adultos que não tiveram oportunidade de estudar, acabaram voltando para as escolas. Tivemos uma época boa, no período de venda de material escolar, livros escolares, livros especializados. Isso nos marcou muito. A Livraria Martins Fontes era muito marcada naquela época, onde todo mundo ia porque sabia que encontrava seu livro especializado para dar prosseguimento aos seus estudos. Isso nos marcou muito. Foi um período da década de 60 - 70 até a época atual. Hoje já menos. Naquela época o poder aquisitivo era melhor em nosso país, com o Plano Real as coisas mudaram, existe uma crise maior. Mas tivemos uma época maravilhosa, década de 70/80, embora uma época de inflação, que, afinal de contas, o poder aquisitivo era maior no Brasil. LOJA Clientes Fazíamos tudo que era possível para crescermos, até atendia clientela em casa. As campanhas eram feitas no período de venda de material escolar, começo de ano. Nesse comércio, você saberia se o ano ia ser bom ou não dependendo de como ia trabalhar em fevereiro e março, que eram os meses de procura. Se fosse bom, o ano acabaria sendo bom, promissor.
COMÉRCIO
Avaliação Nós tivemos um período significativo em Santos, na década de 60/70, coisa que mudou muito, o litoral cresceu, o litoral sul, o litoral norte e hoje posso dizer que os meses de temporada nada influenciam em nossa atividade comercial. Para pouca gente, a não ser bares e restaurantes, a atividade modifica com temporada, meses de férias.
COMÉRCIO
Informatização Os equipamentos era máquina registradora e controle. Nós tínhamos vários tipos de controle no "olhômetro", bem dizer. Hoje está tudo informatizado, temos tudo informatizado. Mas o controle era olhar as prateleiras, olhar o estoque para repor mercadoria era tudo no "olhômetro" mesmo.
PRODUTOS
Livros mais vendidos Os livros que mais vendiam, fora os livros didáticos, os livros especializados, eram os best sellers da época, americanos e alguns autores nacionais como Jorge Amado. Os campeões de venda são muitos autores. Hoje é Paulo Coelho, mas tivemos Arthur Halley, Harold Robbins. Tivemos o Jorge Amado e o José Mauro de Vasconcelos, o próprio Érico Veríssimo, cada vez que lançava um livro era sucesso entre os autores nacionais. Na época, vendeu muito. LOJA Ampliação dos negócios Como eu acabei de dizer, nós éramos três irmãos, evidente com uma loja e algumas atividades extras, não dependíamos única e exclusivamente de nossas lojas. A partir do momento que eu e o Walter deixamos nossas atividades para nos dedicarmos exclusivamente à loja, nós tivemos que pensar em ampliar o nosso comércio. Nós começamos aqui em Santos a ampliar nossos negócios, ainda na década de 60, com esse um irmão, o Waldir. Com muita raça, disposição, conhecimento e cultura, o Waldir passou a ir para o exterior e começamos a importar livros. Ainda na década de 60 começamos a importar livros ingleses e portugueses. Na época o mundo era um pouquinho maior do que é hoje, hoje está tudo muito perto. E os livros portugueses tinham muitas vezes os direitos autorais comprados em Portugal com direitos da língua. Então esses livros não eram editados no Brasil porque era o mesmo idioma. O editor português comprava um best seller inglês ou americano e comprava os direitos do idioma, da língua portuguesa. E publicava lá, as editoras brasileiras, que não eram em grandes números naquela época, não tinham condições de editar essa obra no Brasil. Então o meu irmão sentiu essa brecha e passou a importar livros portugueses. Ele foi para Portugal numa época em que o prestígio do brasileiro não era muito bom. Ele teve bastante dificuldade para se fazer respeitar. Mas conseguiu, com a personalidade forte que ele tinha e que logicamente com sua honestidade e seu critério, nós conseguimos importar esses livros portugueses e distribuir no Brasil inteiro.
EDITORA
Início da Editora Martins Fontes No início da década de 70, nós vimos a necessidade de montar o atacado em São Paulo. O livreiro vinha de todo o interior, de todo o Brasil, vinha até São Paulo, não vinha até Santos por causa de uma distribuidora de livros portugueses. Então, no início da década de 70 nós montamos uma distribuidora de livros ingleses e portugueses lá em São Paulo, na Bela Vista, Rua Conselheiro Ramalho, onde está a sede até hoje. Posteriormente, mesmo na década de 70 - o Waldir como sempre adorou essa atividade - começamos a editar. Hoje a Editora Martins Fontes é uma editora de nome, de respeito, não só no Brasil como no exterior também. No começo da Editora, o Waldir foi o cabeça. Evidentemente que através dos anos o Waldir se cercou de bons elementos, de alguns intelectuais que continuam na Editora até hoje, prestando serviços nesse trabalho de escolha. Mas quem era realmente firme, era o Waldir, que através desses anos, dessas décadas, sempre viajou muito, umas cinco ou seis vezes por ano, em todas as grandes feiras de livros. Como a Feira do Livro Infantil que tem na Itália, em Barcelona, em Lisboa, em Chicago nos EUA. Algumas vezes eu fui com ele nessas feiras e evidentemente, a maior feira do mundo que é em Frankfurt, que se realiza em Outubro. As edições são sempre na Língua Portuguesa, mas a grande maioria das obras da Martins Fontes são traduzidas.
LOJA
Loja em rede - São Paulo Em São Paulo, a loja da Rua Dr. Vila Nova pertence à Editora. Quem dirige hoje a Editora são meus sobrinhos, folhos do meu irmão. A Editora Martins Fontes é especializada em Ciências Humanas: sociologia, psicologia, filosofia, muito livro de arquitetura. Então a Editora Martins Fontes é uma Editora que não lança best sellers, mas lança aqueles livros tradicionais sérios, que vão vender sempre devagar, vão estar sempre em todas as prateleiras das boas livrarias. São livros que o público vai sempre adquirir porque são adotados em cursos universitários e é esse o carro chefe da Martins Fontes.
CONSUMIDOR
Perfil dos clientes Os clientes são dos mais variados. Hoje, nós temos uma loja muito bem montada, com um espaço físico bom e através desse trabalho nós temos uma clientela seleta, aqui em Santos nós temos o santista que lê, conhece a Livraria Martins Fontes.
FUNCIONÁRIOS
Treinamento Nós fazemos treinamento para funcionários. Temos funcionários muito antigos conosco, que estão lá há 25, 18, 23 e 15 anos. É sinal que não somos tão maus patrões e isso nos ajuda muito porque são funcionários que os clientes procuram, procuram estes funcionários que dão suporte. Para você formar um funcionário em uma livraria, às vezes você leva muitos meses, um bom funcionário. Muitos meses, até ano. Enquanto que em uma lanchonete você ensina o trabalho de manhã e à tarde está atendendo o balcão, se for um moço educado, está atendendo bem, basta ser educado. Na livraria, os nossos jovens, a gente procura selecionar, evidentemente, hoje, mais do que nunca, ao admitir um jovem, sempre requer um pouco de preparo, que entenda um pouco de inglês, que conheça informática, tudo isso é importante. Antigamente o empregado tinha mais opções, infelizmente essa é a verdade. Eu tenho empregados antigos porque eles estão felizes comigo e também porque não tem muitas opções para eles. Cresceram conosco. Eu tenho funcionário que se aposentou comigo. Tinha mais campo de emprego, mais opções de trabalho. Hoje o que tem de gente desempregada. Eu nunca mais pus anuncio para admitir empregado, eu pego os currículos que os jovens hoje vão indo de loja em loja deixando os currículos. Eu tenho uma pilha de currículos.
CONSUMIDOR
Várias gerações de consumidores Às vezes atendo senhoras que falam: "Estou comprando livros para meu filho, antigamente era eu que vinha aqui com minha mãe, agora sou eu que venho com meu filho. Isso acontece, no início do ano, principalmente na correria de material escolar.
EMBALAGENS
As diferentes embalagens e suas finalidades Antigamente o livro era embrulhado, hoje não se usa papel, é sacola. Papel especial é utilizado principalmente para presente. O papel com o timbre da livraria sempre teve, para propaganda. Mas hoje, tradicionalmente, é sacola, não se usa outra coisa a não ser sacola, de vários tamanhos. Aí ela vai para a residência do cliente e pode servir para carregar outra coisa como pode servir para o lixo que a dona de casa aproveita. Aí quando vai ao lixo, fim, aí teria que ser reciclado. LOJA Apoio do pai Meu pai quando aposentou-se, nos ajudou bastante, colaborou bastante conosco, até o fim da vida dele. Apesar de que ele não tinha experiência no comércio de livros. Meu pai tinha experiência porque trabalhou longo tempo em posto de gasolina. Ele lidava com o público, mas evidente que era uma atividade bastante diferente porque uma pessoa que atende num posto de gasolina tem que ter a sua educação, a sua simpatia, mas é um atendimento rápido porque a maioria dos clientes nem saem dos carros. Livraria é outra história. É diferente até de uma loja de tecidos, de uma lanchonete. É completamente diferente.
POLÍTICA
Mudança dos planos econômicos A moeda mudou muito, muito, muito. Hoje esse negócio de conta corrente acabou. Tínhamos muitos clientes com conta corrente. Era uma ficha, um arquivo. O cliente chegava, levava a mercadoria, às vezes vinha pagar mensal, outras vezes tinha que mandar cobrar porque era difícil de pagar. Às vezes esquecia, às vezes levava meses, como tudo na vida, os bons e os esquecidos. Hoje não, hoje isso caiu. O comprador não precisa disso, hoje a facilidade é muito grande, o cartão de crédito divide sem juros, nos dividimos sem juros. Isso facilitou também, a estabilidade da moeda facilitou isso, se continuasse a inflação não teria jeito. Então facilitou, faz cheque pré datado. S e bem que o cheque vem caindo de moda, tem sido mais na base do cartão de crédito, facilita para todo mundo, houve uma mudança muito, muito grande nesse sistema. Conta corrente acabou. LOJA Informatização Essa parte da Internet nós estamos há pouco tempo. Estamos com um site unificado com a Editora é Martins Fontes. É só um nome. Nós atendemos por São Paulo, por Santos e pelo Rio, no mesmo site. É minha filha quem está cuidando do site. Aqui mesmo em Santos, chega um cliente na loja que procura determinado livro, a gente vai ver o preço no computador ele fala: "Eu já vi na Internet, no site". Ele já fez uma pesquisa, já sabe. A grande mudança acho que foi agora. Além dessas mudanças todas, dessas fases que tivemos na parte econômica financeira que eu acabei de falar, essa parte na informatização foi uma mudança forte, muito significativa.
LOJA
Livraria e Papelaria Em Santos nós temos duas lojas somente. Dentro da nossa cidade, dentro das necessidades da nossa cidade, se fosse em São Paulo não seria Mega Store. Só vende livros. Nós somos essencialmente livreiros, até agora eu acho que, a não ser as novas gerações que vem aí, minhas filhas, meus sobrinhos, talvez mexam com CD futuramente, mas nós não. Mas papelaria nós temos, sempre tivemos papelaria junto com a loja porque ela é um chamariz. Porque a papelaria mantém uma loja sempre com gente circulando. Isso é muito gratificante. Às vezes a pessoa vai lá comprar um lápis, uma borrachinha, uma caneta, mas pelo menos conhece a loja, para nós é gratificante ver gente na loja, ao menos circulando, não estão comprando, estão circulando. É gostoso porque uma pessoa que se interessa em entrar na loja dar uma olhada nos livros, não precisa comprar. Pelo menos é uma pessoa que gosta, que se interessou em conhecer, é um futuro cliente. Vendemos também revistas. Mas elas tem uma saída mais ou menos porque em cada esquina tem uma banca de jornais. As bancas já facilitam para a pessoa dar uma paradinha com o carro para pegar, a loja já é diferente. Mas tem o cliente de livraria que vai para comprar revistas, que gosta mais de tranqüilidade mais espaço. Nós temos muitas revistas importadas, não trabalhamos com muitas revistas importadas que as bancas não trabalham.
AVALIAÇÃO
Mercado Editorial do Brasil e de Portugal Hoje a importação é menor porque mudou muito o sistema editorial brasileiro. O sistema editorial brasileiro cresceu muito. Hoje deve existir umas 500 editoras, por aí afora. Quando nós começamos eram meia dúzia de editoras. Então cresceu muito, o mundo tornou-se pequeno, hoje é com satisfação até que falamos que o editorial brasileiro é muito superior é muito superior ao português, na nossa língua, no nosso idioma. As edições brasileiras são muito superiores à portuguesa. Hoje você vai em Frankfurt, que está a feira, você acha que está em São Paulo ou no Rio, você dá trombada com um monte de editores brasileiros muito mais do que editores portugueses. Porque Portugal ficou ali, Portugal tem suas limitações, em termos de população evidentemente. O Brasil cresceu muito em todas as atividades e não poderia deixar de crescer no campo editorial como cresceu. Então você encontra todos os grandes editores. Hoje nós temos editores brasileiros de muito prestígio, muitos intelectuais que não dá para citar que nos dão orgulho. Hoje os meus sobrinhos, lá em São Paulo importam alguma coisa de livros portugueses, muito livro em inglês, em espanhol agora por causa do Mercosul, importamos para nossas lojas também, para vender no atacado em São Paulo e também para vender em nossas lojas. Muita coisa em espanhol. Há um crescimento do mercado para livros espanhóis e Deus permita que o Mercosul não fique por aí com essa crise na Argentina e também essa crise que está nos envolvendo. Espero que o Mercosul continue porque hoje houve um desenvolvimento muito grande nas escolas. Quase todas as escolas de língua inglesa ensina o espanhol. Então houve um desenvolvimento muito grande, muito bom. Eu acho muito promissor que o brasileiro, as futuras gerações, saibam também o espanhol. Nós perdemos muito, através dos anos, no nosso continente, só nós falando português. Para o Brasil isso foi prejudicial nesses anos todos, e para o brasileiro principalmente. Então, eu acredito que as futuras gerações vão aprender o português, o inglês, o espanhol, que vai ser muito bom para o nosso país. Nós estamos cercados do idioma espanhol.
CONSUMIDOR
Perfil do leitor brasileiro O leitor brasileiro faz hoje uma leitura especializada muito mais do que antes. Hoje você vai numa banca de novidade, você pega quase tudo especializado, poucos romances para passar o tempo, como tinham antigamente os best sellers, que nós chamávamos. Hoje não, hoje você entra numa livraria, as novidades são quase todas especializadas. Em quase todos os gêneros de literatura. Uma literatura que também hoje cresceu sobremaneira, vem crescendo é literatura esotérica. É uma coisa impressionante o crescimento. LOJA Descrição das diferentes sessões Se fechar os olhos e visualizar a livraria, tem a sessão de poesia, de saúde - é uma sessão que cresceu muito, essa medicina alternativa, hoje tem tudo de medicina alternativa - plantas, frutas, é uma tremenda sessão de medicina alternativa, a gente chama de saúde. Tem a sessão de religião, tem sessão de ciência - também cresceu muito; muito livro de arte culinária; direito - nossa sessão de direito é grande. Filosofia, poucas livrarias tem sessão de filosofia, como nós temos, cresceu muito filosofia enquanto psicologia caiu um pouco. Administração, contabilidade, literatura estrangeira que são os romances, literatura nacional, História; sessão infantil; sessão infanto-juvenil - é enorme, não tem mais onde por livro infanto-juvenil. Porque houve um crescimento muito grande, na época que eu abri a livraria em 60, há 40 e poucos anos atrás nós tínhamos meia dúzia de autores infantis e autores infanto-juvenis, inclusive era praticamente só Monteiro Lobato. Hoje o que existe nessa sessão, de autores brasileiros, é enorme é uma coisa tremenda. Hoje tem muito.
CONSUMIDOR
Perfil do leitor brasileiro É difícil falar, ninguém em sã consciência vem e dia. Hoje o brasileiro lê mais livro especializado. Literatura não lê mais como antigamente. Se você disser "eu estou lendo um romance", antigamente todo mundo lia romance, hoje é mais difícil, o tempo é curto, quase todo mundo está procurando aprender, conhecer alguma coisa a mais, não ficar no tempo. A nossa maior sessão é livro de informática. Tem a parte de livros em língua inglesa, em língua espanhola, sessão de dicionários, de guias é muito grande também; sessão de turismo; sessão de rádio, de televisão, de comunicação; de música popular brasileira.
PRODUTOS
Livros especializados Acho que livros especializados em contabilidade, administração de empresas, marketing ficaram um pouquinho mais paradas. Poesia caiu muito. Em compensação o leitor deixou de ler poesia e lê auto-ajuda, quer dizer, ainda há sensibilidade no caso. A sensibilidade do leitor que procura ler alguma coisa... os livros de auto ajuda vendem muito. Contos, crônicas, livros de mensagens. Poesia vende menos.
ATIVIDADE ATUAL
Trabalho atual na livraria A minha principal atividade hoje é a mesma de quando eu comecei. Eu gosto da loja, paro pouco no escritório. Vou ao escritório para assinar cheques. Gosto de estar com os clientes, com os amigos. Tenho amigos de 30 - 40 anos que freqüentam a livraria, e tem outros de menos tempo. São amigos que, com a idade o círculo vai fechando, vão ficando menos amigos. Eu gosto de lidar com o público, gosto de estar ali na loja.
SANTOS
Lazer - Cinemas A loja funciona da 9.00 da manhã às 23.00 horas. Sempre foi assim, ao contrario, no início, quando tínhamos uma vida mais pacata, mais tranqüila, não havia muita violência ficávamos até a uma hora da manhã, ali no Gonzaga. Tinha movimento porque tinha cinemas. Hoje os cinemas se transferiram para os shoppings. Alguns cinemas no Gonzaga fecharam, então a Cinelândia era no Gonzaga. Antigamente os cinemas de Santos sempre se agruparam no Gonzaga. Você queria ir ao cinema ia no Gonzaga, antigamente havia a sessão da meia noite, que começava a meia noite.
ATIVIDADE DE LAZER
Leitura Eu gosto de ler. Embora o tempo seja pouco eu gosto de ler. Procura sempre me atualizar s bem que é evidente que minha atividade é uma atividade grande, tem a parte burocrática que tem que cuidar, porque afinal de contas a crise atingiu todo mundo, a gente precisa estar atento em compras, despesas, compromissos. Essa parte burocrática me toma muito tempo, sou eu que cuido. Teatro Nas horas vagas eu gosto de um teatro, de vez em quando vamos. Leio, vejo televisão, também vejo vídeo, DVD. Ainda vou à praia mas só quando vem o verão, vou de vez em quando. Quanto ao futebol, eu já estou com 66 anos. Já não dá mais, é perigoso, na minha idade caminhar somente. Quanto a fazer compras, odeio supermercados. Mas minha roupa e meus calçados sou eu que cuido, embora eu tenho três mulheres na minha vida, esposa e duas filhas eu ganho muita coisa delas, é aniversário, é natal, dia dos pais.
COMÉRCIO
Sucessão nos negócios Uma filha trabalha comigo. Ela ficou muitos anos em São Paulo e se formou em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, onde também fez mestrado. Como a gente vai envelhecendo, eu a trouxe de volta para prejuízo financeiro dela porque ela não ganha comigo o que ela ganhava em São Paulo. Ela sempre trabalhou em Multinacionais, como a Nestlé, Colgate-Palmolive. Ela deixou um cargo na Refinações de Milho de gerente em marketing master, teve que voltar para enfrentar o que é dela, ou o que vai ser dela. Ela está a três anos comigo aqui. Está feliz porque inclusive foi uma vida mais tranqüila, foi uma moça que sempre trabalhou muito, em multinacional eles pagam bem mas exigem muito do funcionário. Embora fosse uma funcionária, tinha cargo de responsabilidade porque ela chegou ao topo da profissão dela. Ela tinha uma carga de responsabilidade muito grande. Comigo ela tem uma carga de responsabilidade, mas aqui em Santos tem uma vida mais flexível, horários e tal. Minha outra filha é mãe de filhos, dona de casa. Mora em Santos também.
COMÉRCIO
Avaliação do Comércio O comércio é desgastante, eu levei a vida inteira trabalhando. Eu estou aqui conversando com vocês e meu pensamento está longe. Deu muita satisfação para a gente, não só satisfação material, embora eu não possa deixar de trabalhar. Não vivo de renda, vivo do produto do meu trabalho, mas além das satisfações materiais que nos deu condições de vida, deu para formar bem minhas filhas, meu irmão também formou bem os filhos. Meus irmãos têm filhos médicos, engenheiros e tal, arquitetos, mas o comércio, que eu abracei me deu muitas oportunidades de boas amizades, relacionamentos, tenho amizades boas. Isso também foi importante na minha vida. Eu não cheguei a pensar nisso. Tem nossos momentos de crise, de aborrecimentos, o comércio também traz isso, tensões. Nem tudo são flores. Mas eu sempre agradeço a Deus, de estar até hoje trabalhando. O único dissabor foi a perda desse meu irmão agora.
COMÉRCIO
Lições de comércio Foram tantas as lições no comércio que é difícil enumerar, a gratificação de saber lidar com o público, respeitar o semelhante e lidar também com funcionários. Durante muitos anos, eu tenho a papelaria então eu tenho moças, eu tenho jovens. Eu brinco muito com elas "Amanhã você casa com um homem rico, amanhã você toca a buzina do carro eu vou ter que te lavar um livro lá no carro", não sei, por isso eu tenho que tratar bem vocês, não se sabe o futuro, o mundo dá voltas. A gente aprende muito a lidar com o público. É como os dedos da sua mão nenhum é igual. Você lida com todo tipo de pessoa, nenhuma é igual a outra, cada uma tem sua personalidade. Também a gente vê muita coisa, muito baque na vida, pessoas importantes que de repente vem o baque. Nós temos que ficar preparados para tudo isso. Procuramos, através dos anos, ser o mais humilde possível. Dentro dos limites. Isso ajuda muito. Essa entrevista para mim foi uma surpresa, vocês fizeram perguntas inteligentes, perguntas agradáveis e eu nem vi o tempo passar.
Memórias do Comércio - Baixada Santista (MCS)
Sobre livreiros e livrarias
História de Waldemar Martins Fontes
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 18/03/2005 por Museu da Pessoa
P/1 – Pra começar eu vou pedir que você fale seu nome completo, local e data de seu nascimento.
R – Waldely Soares Chioro Resende, dia 11 de agosto de 1959, nasci aqui em Santos.
P/1 – Nome de seus pais?
R – Waldir Chioro e Deisy Soares Chioro.
P/1 - Você conheceu seus avós?
R – Conheci. Os quatro.
P/1 – São vivos ainda?
R – Não. Só tenho uma avó viva, a materna.
P/1 – Seus avós são de onde, são daqui?
R – São santistas com descendência de italiano, alemão e português.
P/1 – Qual a atividade deles?
R – Meu avô paterno era Major da PM, meu avô materno era comerciante e as duas avós eram domésticas.
P/1 – Comerciante. Trabalhava em que?
R - Comércio de artigos dentários.
P/1- Ele tinha consultório? Ou tinha...
R – Não. Não ele tinha uma loja na Amador Bueno, no centro.
P/1 – Você se lembra dessa loja?
R – Lembro. Lembro, Eu ia muito lá brincar.
P/1 – E seus pais?
R – Meu pai era funcionário público. Depois ele veio a falecer. Minha mãe não trabalhava, começou a trabalhar. Ela aposentou agora, faz uns três anos. Ela era secretária na CSTC.
P/1 – CSTC?
R – Era a Companhia de Transportes daqui de Santos.
P/1 – E seu pai? Você se lembra dele?
R – Ele faleceu, eu tinha 11 anos. Eu lembro perfeitamente.
P/1 – Eu vou pedir primeiro que você fale um pouquinho de seu avô, da loja do seu avô, do comércio do centro. Do que você se lembra.
R – De quando eu me lembro, eu nasci e vivi na cidade até os sete anos de idade, lá no centro. Então, eu morava na São Francisco, em frente ao Monte Serrat, e a loja dele era na Amador Bueno. Então, de tarde, depois da escola, a gente sempre passava. Ficava um pouco na loja... Porque a loja de artigos dentários tem umas coisinhas muito engraçadinhas. Tem aqueles potezinhos. E criança gosta de mexer naquilo. Eu adorava. Depois o passeio era na Loja Americana, tomar um lanchinho, ou na Bernamur(?), também era na cidade.
P/1 – O que era Bernamur(?)
R – Era uma confeitaria, onde tinha o brigadeiro mais gostoso de Santos. (risos)
P/2 – E vocês moravam numa casa?
R – Não. A gente morava num apartamento. E tinha a Kopenhagen também. Era o passeio: Loja Americana, Bernamur(?) e a Kopenhagen.
P?1 – E você ia cinema?
R – Ia.
P/1 – Quando criança?
R – Mas aí eu já tinha mudado pro Campo Grande. Com sete anos eu mudei pro Campo Grande e tinham dois cinemas. Um na Carvalho de Mendonça, que eu não me lembro o nome. Eu ia todo domingo no cinema. Na Matinê. Tinha uma matinê das duas até as quatro.
P/2 – E essa loja do seu avô. Você lembra o nome dessa loja?
R – Era Dental Soares.
P/2 – Era no centro e aquela época os dentistas estavam no centro?
R – Todos. Era. Funcionava tudo no centro. Os consultórios dentários naqueles prédios da Amador Bueno. As salas eram todas lá. Então, era mais fácil manter a loja na cidade. Depois é que foi recuando pro Gonzaga.
P/2 – A sua escola, que você estudou? Você ...
R- O Barnabé. O primeiro ano eu fiz no Barnabé. Depois eu mudei e fui fazer no Azevedo Júnior. Naquela época era o primário. Depois eu fui pro Cesário Bastos, que era o ginásio, e o colegial eu fiz no Primo Ferreira.
P/1 – Você se lembra das suas...Você tem um irmão não?
R – Tenho um irmão.
P/1 - Brincadeiras de criança...
R – Isso eu lembro perfeitamente (risos) Era muito engraçado. As meninas, minhas primas, as meninas da rua, a gente se reunia nos domingos pra brincar. Todo mundo queria brincar de casinha. E eu não gostava muito de brincar de casinha. Tinha que montar uma... Pegava um caixote na casa da minha avó, pegava matinho e ia vender. Eu queria fazer ou quitanda, ou vendinha, qualquer coisa. E elas não gostavam muito. O negócio delas era brincar com boneca. Mas eu já naquela época gostava de vender.
P/2 – Já tinha esse lado?
R- Já tinha.
P/2 – E você ia na praia?
R – Muito.
P/1 – Desde criança?
R – Santista só vai à praia. O lazer de domingo é a praia.
P/2 – O que você lembra assim da praia de antigamente em Santos, na sua infância?
R- Primeiro que era despoluída. Era bonita. O mar era bem verdinho. Azulzinho, sei lá. Era um lugar saudável. Todo mundo ia. Andava de bicicleta. Eu vi fotos da minha mãe, quando eu fui fazer, agora fui pegar, você via o pessoal... Tinha fotos dela de bicicleta na praia. Todo mundo ia de bicicleta antigamente à praia, no domingo. Continua, mas hoje em dia todo mundo vai de carro. Mudou, não é?
P/1- Você ia como à praia?
R – Nós íamos... Aí, quando eu já me lembro, nós íamos a pé pra praia.
P/1 –Vocês já moravam...
R – Mais próximo.
P/1- E aí você ia em qual praia?
R – Era no Canal 2. Em frente ao Posto 2.
P/2 - Essa casa, quando você mudou...Você disse que mudou. Você mudou pra casa?
R – Não. Morei em apartamento. Eu só vim a morar em casa agora recentemente. Há quatro anos atrás.
P/2 – Você tem lembrança do seu período escolar? O que você fazia? Como era seu grupo de amizade? Como é que era?
R – Tenho. Da escola, todo mundo tem aquele circulo de amizades. Depois eu fui Bandeirante. Então você aumenta esse círculo. A gente fazia...Bandeirante eu acho assim uma coisa legal pra criançada, embora hoje tenha sido esquecida. Está bem esquecidinha. Mas pra menina, tanto pra menina como pro menino, te dá uma noção de solidariedade, de companheirismo, de amizade mesmo, sincera. Uma outra noção de campanha – a gente fazia muita campanha naquela época. Então tinha a campanha, todo ano do Fogo Selvagem. A Nestlé fornecia pras Bandeirantes umas caixas de biscoito. Então tinha a festa da Bandeirante. Então, a nossa reunião aos sábados era lá no SENAC, na Conselheiro Nébias. Então, normalmente distribuíam 10 pra cada bandeirante, e a gente tinha que vender. Então eu lembro que eu pegava o ônibus ali na Conselheiro Nébias, e até eu chegar na Carvalho de Mendonça, no Canal 2, eu já tinha vendido tudo dentro do ônibus. Às vezes minha mãe falava: “ Mas você não trouxe nenhuma?” “ Não.” Já tinha vendido. Ou senão eles davam chocolate e a gente parava no sábado à tarde, na Conselheiro Nébias com sacos enormes. Eram bem grandes. E você batia de porta em porta. E naquela época era assim: todo mundo atendia, não tinha porteiro eletrônico, você tinha fácil acesso. E você de uniforme, mantém uma descrição. O pessoal abre, é uma campanha, tem um nome...Era muito legal.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Nessa época eu tinha 11 anos. Eu saí com 15. Aí eu comecei a trabalhar e não tinha como freqüentar.
P/2 – Então você tinha todo domingo?
R – As campanhas eram de sábado e domingo. A reunião, especificadamente, era no sábado de manhã.
P/1 – Das Bandeirantes?
R – Das Bandeirantes. E no sábado à tarde havia essas campanhas...
P/2- Você lembra dessa campanha? Como é que eram?
R – Tinha as reuniões onde era discutido... Naquela época tinha Educação Sexual, tinha festinhas de aniversário. Você comemorava em grupo.
P/2 – Tinha acampamento(?)
R – Tinha. Tinha acampamento uma vez por ano. Tinha acantonamento, que é diferente.
P/2 – Qual é a diferença?
R – O acantonamento seria assim: nós íamos muito pro... Ali pra São Bernardo. Riacho Grande. Então era uma casa que tinha, e a gente dormia na casa. O acantonamento. O acampamento seria montar barraca e dormir ao relento, em outros lugares.
P/1 – E você se lembra de algum acampamento?
R – Nossa. Vários. Bárbaros. Teve um que a gente acantonou lá no Riacho Grande. Fazia um frio!! Primeiro começava que você tinha que montar o esquema pra fogão, fossa. Isso durante o dia. Você fazia essas atividades todas. A gente cozinhava pra todo mundo. Então tinha o pessoal especializado em cozinha. Tinha o pessoal especializado em teatro porque de noite tinha o teatro. Tinha o pessoal da limpeza... Existia essa cooperação. E a gente de noite ficava... Fazia fogueira, cantava, porque tinha umas músicas de Bandeirantes. De noite era muito gostoso, porque tinha um grupo que fazia teatro. E fora a bagunça: todo mundo está dormindo, uma levantava, ia passar pasta de dente nos tênis. Aquelas bagunças de crianças normalmente. Era muito gostoso.
P/1 –Você lembra alguma música da época do acampamento?
R – Tinha tantas. Você vai querer que eu cante (risos)
P/1- Pode cantar. Quantas pessoas iam normalmente nesses acampamentos
R – O grupo normalmente de reunião eram por volta de 20, 25 meninas. E a maioria, todo mundo ia. A não ser que tivesse prova, Alguma coisa assim. Mas a maioria ia.
P/2 - ____________
R – De Bandeirante? Sempre foi.
P/2 - ________
R - Era. Porque era assim. Era por faixa etária. Então era dividida entre Fadinhas, que eram meninas de 6, 7 anos até os 10. Aos 10 passava a ser B1. De B1 pra B2 seria de 10 até 15 anos. E depois você ia pra Guia. Então, era por faixa etária. E o mais gostoso que existia era assim: Não tinha nenhum preconceito. Não tinha gente pobre, gente rica... Era todo mundo igual, o que hoje em dia não existe. Você vê hoje... Na própria escola, você vê as crianças assim: prestando atenção no carro que o pai do outro deixou... Naquela fase, não existia isso. Naquela época. Não é na fase. É na época. Tinha gente que tinha um poder aquisitivo bem alto e tinha gente que não podia.
P/1 – E você praticava esportes?
R –Ah. Joguei. Joguei basquete no Atlético. Fiz natação também lá no Atlético. De esporte, foi o que eu fiz. E na escola eu fazia Handbol. Mas eu era baixinha, perto das meninas, então eu apanhava muito. Depois eu desisti (risos)
P/1 –Que locais você freqüentava quando você já era mais..
R – Adolescente?
P/1 – Adolescente, é.
R - Ah.Era muito gostoso. Tinha tido uma tarde, no Clube Sírio, ali no Gonzaga, onde hoje é a Loja Americana, o McDonald. Em cima, eram umas domingueiras, mas era das duas até as seis, sete horas da noite. Então, o pessoal ia pra lá escutar música e dançar. Depois teve a fase mais velha, aí já tinha o Caiçara, que tinha os bailes aos sábados. Também a gente ia se dividir. Nessa faixa só. Depois já começa a namorar!! Aí é barzinho...
P/1 Onde você ia fazer compras na sua juventude ou na sua infância?
R – Na cidade. A infância era na cidade. Depois de uns anos é que... Eu acho que quando eu tinha uns 15, 16 anos, é que o comércio começou a mudar pro Gonzaga.
P/1 –Você lembra em que lojas você ia?
R – Lembro. Tinha a Green Modas, que era ali na Floriano Peixoto, esquina com a Pereira Barreto. Era uma loja com umas roupas bonitinhas. Isso já no Gonzaga. Na cidade tinha a Slooper, que minha mãe gostava muito de ir pra ver as vitrines. Era uma loja de departamentos. Hoje em dia, se não me engano, ainda tem uma no Rio. Tinha a Sears, que também era na Amador Bueno. Tinha a Loja Americana, que tinha um sorvete maravilhoso. Hoje em dia você não encontra. Ela tinha uma lanchonete lá em cima, tinha wafles com sorvete, o colegial, o sunday, o bananasplit. A gente de tarde, ia tomar um sorvetinho, no verão.
P/2 – Você lembra do transporte?
R- Cheguei a andar de bonde . Cheguei a ir pra escola de bonde. Muito gostoso também. Bonde, depois foi o ônibus.
P/2 – Você gostava de Fazer compras com sua mãe?
R – Já. Já A gente freqüentava a Ribeiro’s que era no centro da cidade. Era uma outra loja. A Etam. E na esquina da loja do meu avô, tinha a Mercearia Natal, que hoje em dia poderia se chamar de um laticínio. Então naquela época tinha assim: frutas estrangeiras que eu lembro, os queijos melhores, lá vendia. As bebidas importadas. Era como se fosse um supermercado, mas só que em proporção menor. Mas tinha uma variedade enorme. Eu lembro do bacalhau. Na época de Natal que você vê muito. Era muito bonitinha. Era de esquina.
P/2 – E quando você começou a trabalhar?
R – Eu comecei a trabalhar com 15 anos. Aos 11 eu perdi meu pai, aí a mamãe começou a trabalhar e – eu sempre fui assim – eu queria ter o meu dinheiro. Eu comecei a dar aula. Consegui dar aula no Mobral. Eu tinha uma amiga minha, que era professora no Mobral. Então ela arrumou pra mim ir dar aula no Mobral. Só que no primeiro ano eu fiquei substituindo. Eu não tinha uma classe só minha. Então eu ia substituir no Morro da Nova Cintra, no Morro do Pacheco. Todas as escolas que tivessem um posto do Mobral, eu ia substituir. Depois, no segundo ano, eles me deram uma classe, que era atrás do Centro Cultural. Centro Cultural Brasil Estados Unidos, ali no Gonzaga, atrás eles forneciam uma classe que seria alfabetização. Eu fazia o colegial de manhã, e à tarde eu ia dar aula. E à noite, eu continuava com as substituições. Era muito engraçado porque – são pessoas de idade, normalmente. Então, quando eu chegava na classe, o pessoal olhava assim e falava assim: “ Olha, você aguarda um pouquinho, porque a professora ainda não chegou.” Era muito engraçado. Então eu simplesmente adotei o critério de ir de avental,que assim o pessoal já olhava com... Porque eles ficam envergonhados quando você fala que você é a professora. Eles ficam todos encabulados. Mas foi uma época gratificante. Se eu pudesse, eu voltava a dar aulas.
P/1 –E quanto tempo ficou?
R – Durante três anos. Eu larguei porque aí eu entrei na faculdade, e não tinha mais um horário.
P/1 –Que faculdade você fez?
R – Eu fiz Jornalismo.
P/1- Por que você escolheu Jornalismo?
R – Olha, é uma coisa que eu gosto. Na realidade eu gostaria de ter feito Veterinária. Mas de acordo com a situação financeira, Veterinária era período integral na época que eu. E até hoje. Mas em Santos não tinha faculdade, teria que ser na Federal. Só tinha no Sul, e não tinha como me manter. Então a segunda opção seria Jornalismo. Fiz vestibular, entrei. Tanto é que o ano passado ainda fui ver a faculdade de Veterinária aqui em Santos, que abriu. Agora, o problema é o horário. Não tenho como cursar.
P/2 – E tem vontade de fazer?
R – De fazer? Tenho. É uma coisa assim... Eu amo bicho. Adoro. Mas eu gostaria de fazer Veterinária não pra ganhar dinheiro. Seria assim pra fazer um projeto, montar um projeto, pra pessoas carentes que tenham animais que precisam ser cuidados, castrados. Era pra isso que eu queria fazer. Não pra ganhar dinheiro. Pra ganhar dinheiro, não adianta. É o comércio (risos)
P/1 – Então, foi fazer Faculdade, Mobral...
R – Não. Vamos voltar um pouquinho atrás. Eu parei o Mobral, entrei na Faculdade. Eu trabalhava na Prefeitura daqui de Santos. Com o salário da Prefeitura, eu pagava a faculdade. Então não sobrava nada. Tinha que arrumar um jeito de ter um dinheirinho pra sair, pra me vestir. Porque eu achava chato – a minha mãe já sustentava a casa, tinha meu irmão também que era pequeno – ter que me dar alguma coisa. Eu não gostava de pedir. Aí eu comecei a vender bijuteria. Eu peguei um dinheirinho, fui pra são Paulo, todo mundo sabe, na 25 de Março, e daí eu comecei com bijuteria. Eu fiquei durante três anos vendendo bijuteria, e tinha umas coisinhas assim, uns artigos importados, que hoje seriam. Era umas canetinhas diferente e tal.
P/2 – Como é que você fazia pra vender?
R – Eu vendia na Prefeitura, na faculdade, pras amigas...
P/2 – Você montava as bijuterias ou você...
R – Não. Não. Naquela época não tinha como montar. Era tudo pronto já.Já comprava prontinho. Ia no sábado de manhã, que eu não trabalhava na Prefeitura, tinha até a uma da tarde pra fazer as compras, voltava, punha preço e saia pra vender. Pras amigas e tal. Aí, fiquei três anos vendendo bijuteria. Resolvi dar um passo maior e aí eu entrei com roupa. Fui pro Rio de Janeiro, não conhecia nada, nunca tinha ido, não sabia endereços, nada. Aí comecei a procurar, fiz um roteiro direitinho, só que a primeira compra, como em todo comércio, a primeira compra é a vista. Você paga tudo. Trouxe pra Santos, comecei a vender pras amigas, e aí foi. Primeiro eu ia na casa das minhas amigas ou de pessoas que elas indicassem. Eu saia da Prefeitura, ia, marcava um horário, levava a mercadoria pras pessoas. Depois, o negócio começou a crescer. Era uma mala, depois eram três, até doze. Aí eu montei um esquema dentro da minha casa, e eu vendia roupa em casa. Eu fiquei 11 anos em casa.
P/1 - Você disse 12 malas? Como é que era?
R – Era muito engraçado. Você chegar, no Rio de Janeiro, na rodoviária, com 12 malas e sozinha. Você parece retirante do Nordeste. Então chegava na rodoviária e era aquele pandemônio. Pegava um bagageiro de ônibus, pra você ter noção.
P/2 As lojas não entregavam, você...
R- Comprava e já trazia. Mesmo porque o transporte era muito caro. Não atinha como. Você tem que trazer. Como continua até hoje. Você vai, pega e trás.
P/1 – Então você achou que o Rio de Janeiro era um lugar...
R- Na época era a capital da moda. Naquela época era. Hoje em dia não é mais. Hoje em dia Belo Horizonte tomou conta desse espaço. Hoje a moda nacional seria mais Belo Horizonte. Basicamente é. É o carro chefe. O Rio, eu fiquei assim com uma partezinha bem pequena. Porque quando eu comecei a vender roupa, era assim: 100% Rio. Aí, com esses planos Real e tal, Belo Horizonte começou a aumentar e em conseqüência o Rio começou a diminuir, a minguar. Boas fábricas fecharam, ou senão mudaram de ramo. Quem produzia roupa começou a produzir modinha. Aí o mercado ficou bem restrito. Eu tive que partir pra Belo Horizonte. Levando roupa de Belo Horizonte uns 15 anos.
P/1 – Como você descobriu que tinha mudado? Como você descobriu essa história?
R – De percebe? Você convive com outros sacoleiros, lojistas, então cada um vai indicando para o outro. O que não acontece no comércio. É muito engraçada essa diferença de sacoleiro para o comerciante, porque todo o comerciante não pode esquecer que um dia foi sacoleiro. Ninguém abre uma loja de um dia para o outro, a não ser, hoje em dia que o pessoal pega suas indenizações e decide ser comerciante. Aí você vê esse mundo de loja fechando, a pessoa não teve ninguém para dizer: “Olha, começa na sua casa, para ver se você gosta, se você tem jeito, porque às vezes você pode até gostar mais não tem jeito de vender e muito menos de receber, porque não adianta só você vender,você tem que receber. O fundamental hoje em dia do comércio. Então, naquela época o sacoleiro dava muitas dicas, um fala para o outro: “Olha, está melhor lá.” Eu também fui com a cara e com a coragem, eu não conhecia Belo Horizonte, também não sabia os lugares, mas depois de 15 anos a gente faz um roteiro.
P/1- Você optou em vender as roupas do Rio porque era a capital da moda.
R – Era, porque o clima de Santos é igual do Rio, justamente para se ajustar a moda aqui. Porque de São Paulo era uma roupa mais séria. Na época que eu comecei a vender, era uma moda muito mais séria que é hoje.
P/1- _____________
R – 23 anos que eu vendo roupa. Há vinte anos atrás, São Paulo era uma roupa muito pesada, e o clima não é igual o nosso. O inverno de lá era inverno naquela época, então não dava. A roupa do Rio era mais leve. Depois teve esse negócio de novela ditar a moda, as novelas são filmadas no Rio, então a moda vinha de lá. O pessoal via a roupa na novela queria, como é hoje.
P/1- Você estava falando da novela, você só comprava roupa de moda, ou você tinha algum critério pessoal?
R – Aquela época eu comprava roupa de moda mesmo, mas depois que você faz 30 anos, você vê que no mercado, você vê que há uma exclusão desse pessoal, que sirva a mulher de 30 anos que tem uma gordurinha a mais, que não pode se vestir moderninha porque não combina. Então eu fui partindo... eu fui me vestindo, bem dizer, vestindo a mim e as minha amigas e aí comecei a vestir as mães de minhas amigas, que também eram gordinha, que tinha problemas em achar uma roupa bem elaborada, que tivesse uma boa qualidade, que fosse bonita e diferente.
P/1 – Você ficou trabalhando na sua casa, você montou...
R – Eu montei uma boutique fechada em casa.
P/1 – Como era essa relação na sua casa?
R – Primeiro começaram as amigas irem. Depois as amigas das amigas iam. Aí começou a crescer. É aquela história, começam a invadir a sua privacidade, você não tem mais horário. Porque era muito engraçado no domingo: o marido ia no futebol ou iam dormir e elas não tinham o que fazer e iam para minha casa. A venda em casa é uma visita e a pessoa senta, conversa, toma café, por último é a roupa. Chegou ao ponto de eu estar chegando de viagem com mala e ter gente atrás de mim: “Deixa eu ver, eu quero ser a primeira.” Então você perde um pouco a privacidade e os horários que as pessoas acham que o que é bom para elas tem que ser bom para todo mundo e não é por aí. Na verdade, eu não fiquei pensando em montar uma loja, foi bem por acaso. Uma dona de fábrica do Rio de Janeiro, naquela época queria Há 13 anos atrás, montar uma franquia dela aqui em Santos, só que ela me pediu para procurar um ponto comercial para ela, num shopping ou onde eu achasse que deveria ser. Montei um esquema, procurei e tal. Na época os aluguéis eram muito altos nos Shoppings, tinha ponto comercial, que também levava metade de seu capital de giro, aí eu achei essa loja na galeria. Liguei para ela falei: “Ângela, eu achei um ponto legal que o pessoal obrigatoriamente tem que atravessar para ir ao Shopping, quem está a pé, eu acho que vai dar certo.” Qual foi minha surpresa: “Eu abro, mas você vai tomar conta.” Não tinha como eu tomar conta, e aquele pessoal que eu trabalhava... aí o franqueado, eu vendia a roupa dela. Era mais diversificado, e assim ficava mais restrito. Eu falei: “Eu agradeço a confiança...” mas aquilo deu um formigão, sabe quando dá...
Fita 1 – Lado B
... eu tinha disponibilidade de tempo porque eu tinha saído da prefeitura, só estava vendendo roupa em casa. Aí eu liguei para essa minha amiga que era psicóloga, ela queria montar alguma coisa porque os pais dela também eram comerciantes. Eu falei para ela se ela estava a fim de abrir uma loja comigo, ela falou que topava, mãe eu é que ficaria responsável pelas compras, ela podia ajudar a vender, mas comprar era eu. “Está bom.” Quando foi de noite que meu marido chegou em casa eu falei: “Sabe aquela loja assim, assim, assim... que eu estava procurando para a Ângela, a Ângela desistiu, eu estou com vontade de abrir, eu falei com a Arlene, ela topava. Ele olhou pra mim e falou: “Porque a Arlene?” “Porque assim a gente divide as dispesas.” Ele falou que não, que ele seria o meu sócio. “Você topa?” Ele falou que topava e então eu abri a loja. Então foi assim, de tarde eu tinha arrumado uma sócia, de noite eu tinha mudado de sócio. (risos)
P/1 – Você estava com a loja em Galeria?
R – Eu tenho uma na Galeria Ipiranga, que foi a primeira Galeria de Santos.
P/1 – Que ano abriu a Galeria e que ano você foi?
R – Não me pergunte quando que abriu, não tenho idéia, há 13 anos atrás. Foi na época que não tinha comércio no Gonzaga, então foi a primeira Galeria, as melhores lojas foram para ela, depois é que foi construído o Shopping Balneário, que é ao lado. Eu fiquei na loja durante três anos, aí o Collor pegou o dinheiro de todo mundo, o Plano Collor, aí eu estava reformando minha loja, ai eu achei esse ponto no Balneário. Eu fui dar uma saracoteada para tomar um café, e surgiu essa oportunidade dessa outra loja, aí eu comprei. Eu tenho as duas, uma no Balneário e outra na Galeria Ipiranga.
P/1 – Não é muito perto?
R – A princípio, quando eu abri a segunda loja, eu fiz diferente: eu vendia roupa feminina e na segunda loja, como era uma época de muita camiseta, eu vendia só camiseta – feminina, masculina, infantil, então tinha só camiseta. De uns anos para cá a camiseta deixou de ser um uso feminino, é um uso infantil e masculino, basicamente. Então eu fui diversificando, fui injetando roupa feminina lá, mesmo porque só camiseta não estava dando pra pagar as despesas, então eu injetei as roupas femininas.
P/1 – Vou voltar um pouquinho na venda de porta em porta que você estava fazendo. Você vendia para o pessoal de seu serviço, seus colegas, mas ia na casa das pessoas?
R – No começo eu ia, marcava um horário depois que eu saia da Prefeitura, saía por volta das 18:00 – 18:30 hs e aí eu ia na casa das pessoas.
P/1 – Pelo que eu entendi, você tinha uma variedade muito grande de roupas, você levava tudo isso?
R – Ah, sim, eu punha na mala e ia. Não era uma mala normal, era uma mala bem grandinha. Era uns sacos que na época eu comprava no Paraguai, eram todos de couro. Também teve a fase do artigo importado.
P/1 – Você foi pra lá também?
R – Também, fui sacoleira de lá. Sacoleira eu já era, aí eu comecei a ir para o Paraguai. Eu fiz Paraguai durante uns dois anos. Mas para o Paraguai era diferente: eu saia daqui com as encomendas feitas. Então era perfume que eu trazia, relógio, casaco de couro, maquiagem, shampoo de lá. Era uma fase mais fácil que não tinha fiscalização assim tão acirrada.
P/1 – Você ia e vendia para o pessoal daqui?
R – É, eu ia uma vez por mês.
P/1 – Era pra loja ou freguês particular?
R – Não era para loja.
P/1 – Você nunca vendeu para loja?
R – Não, era direto para o consumidor. Eu normalmente chegava, enchia duas camas de solteiro, eu lembro, eu enchia as camas - do meu irmão e a minha - de guarda-chuva, essas coisinha todas. Tudo que era miudiza eu trazia de lá. Era muito engraçado passar na fronteira, porque às vezes estava um frio, tinha umas botas grandes, eu punha uns vinte relógios, aí não dava para dobrar a perna. Era uma aventura ir para o Paraguai, você não sabia nunca quando você ia ser pego na estrada.
P/1 – Passou algum aperto?
R – Vários apertos, porque no meio do caminho às vezes havia fiscalização e o pessoal parava. Era um tal de trocar... era um pessoal unido porque a gente sempre viajava nos mesmos grupos. Uns traziam muito whisky, muita bebida; eu trazia muito relógio, então a gente trocava. Havia essa camaradagem. Naquela época o `Paraguai era só isso, o pessoal ia buscar só esse tipo de mercadoria.
P/1 – Produtos eletrônicos você vendia?
R – Eletrônico era muito pouco. Quando eu parei de trabalhar, aí que começaram a trazer vídeo cassete, aí que começou a a´parecer esses eletrônicos. Até então eram os perfumes, guarda-chuvas, batons. Tinha batons de tudo quanto era jeito. Era só isso. Nada proibido, era proibidinho normal.
P/1 – você contou quando você montou a loja você já era casada, você não conheceu como você conheceu seu marido.
R – Eu conheci meu marido na época que eu estava fazendo faculdade, nos jogos universitário no Jubas, aqui em Santos. Ele era amigo de um amigo meu. Foi através dele que eu conheci, nós namoramos seis anos e meio, ele trabalhava na época na Cosipa, depois nós casamos. Ele ainda ficou um tempo na Cosipa e agora ele fica na outra loja, do Balneário. Ele virou comerciante na marra.
P/1 – _______________
R – No começo foi muito engraçado, ele era meio desajeitado, é uma pessoa mais introvertida. Então eu e meu irmão. Quando eu abri a segunda loja, que ficou nas lojas eram eu e meu irmão. Aí depois o Ricardo saiu da Cosipa e eu e meu irmão ensinamos ele a trabalhar no comércio. Ele não tinha a menor noção, ele tinha vergonha de mostrar a roupa. Hoje em dia ele ficou na parte financeira. Está bem distribuído. Eu sou responsável pelas compras e pela venda e ele fica na parte financeira, que não é meu forte, eu não gosto.
P/1 – Você contou que seu marido trabalhou na Cosipa. Ele saiu nessa época que diminuíram os funcionários?
R – Foi exatamente. Ele era casado com uma pessoa que tinha duas lojas e não tinha filhos. Foi esse o critério.
P/1 – Foi o critério de escolha?
R – Exatamente, da sessão dele, o único que não ficaria numa situação difícil era ele. Os outros eram casados, tinham filhos, as mulheres não trabalhavam. Esse era mais ou menos o que foi falado.
P/1 –
R – Não, foi antes. Pra depois privatizar já vinha esse processo.
P/1 – Me fale uma coisa, você comentou sobre o Plano Collor, como que você sentia as mudanças econômicas que aconteceram na cidade, no comércio. Como que vocês sentiram? Ao longo dos anos, o que aconteceu? Quais foram as grandes crises?
R – As grandes crises, uma delas foi a do Plano Collor e hoje em dia você vê a do Plano Real, que muita loja grande no comércio, foi indo e fechou. Está havendo uma seleção: os melhores vão sobreviver porque é a tal história, junto com o processo econômico das privatizações, no caso daqui em Santos: Cosipa, o pessoal de Santos trabalhava basicamente em Cubatão. Se não era na Cosipa era na Petrobrás, tinha a CarboCloro. Esse pessoal foi pegando suas indenizações e querendo montar negócios em Santos. Pegava sua indenização ia montar um cafezinho, uma loja de roupa, uma loja de brinquedo. Nesse processo de privatização. Eu tenho muita dó porque perderam os empregos, perderam as indenizações e não conseguem sobreviver. Hoje é uma seleção natural, vai ficar os melhores, infelizmente. Não dá para todo mundo. Eu acredito que com a segunda pista da Anchieta-Imigrantes o comércio tende a crescer. Porque basicamente o comércio aqui em Santos sobrevive: de funcionários da Prefeitura, da Receita, Aduaneiros ou de pessoas que tem seu próprio negócio. Eu vejo pela minha clientela.
P/1 – Como é sua clientela?
R – A minha clientela já é uma clientela mais seletiva, não por mim, mas são profissionais liberais que eu tenho como cliente de um poder aquisitivo um pouco mais alto.
P/1 – Me descreve o interior de sua loja. Você tem duas loja, me descreve as duas lojas.
R – Elas são bem praticas. Hoje você tem que ter bastante praticidade, mesmo porque eu não trabalho com ninguém. Eu trabalho sozinha, só na época de novembro e dezembro que eu contrato uma menina para me ajudar. Eu já tentei, não que eu não queira, eu gostaria de ter alguém para me ajudar, mas a coisa ficou tão personalizada que não adianta colocar uma vendedora pra me ajudar, ela não vão comprar com as vendedoras. Elas querem que eu atenda, que eu de um palpite. Às vezes eu falo: “Essa cor eu não gostei em você, mas tem essa outra.” Elas acatam. É engraçada, mas minha clientes todas viraram amigas. Tanto que há quatro eu fiz um desfile a pedido do Rotary e a Presidente falou “Olha, eu arrumo os manequins.” “Não, eu faço o desfile, mas a única exigência que eu faço é que minha clientes desfilem, porque é um público que eu sei o que fica bem no corpo, não são aquela s manecas magrinha. Eu não vendo roupa para Barbie. Eu vendo roupa pra pessoas que usam do 40 ao 54. Em desfile, hoje em dia, você vê só as menininhas. Tem um pouco de roupa mais séria, mais jovial, mas com um corpo de pessoal normal, não da Barbie. Eu pedi 10 clientes minha que desfilassem. Foi um sucesso, hoje em dia você vê um monte de gente fazendo a mesma coisa. Eu fico até feliz porque a minha idéia deu certo. O pessoal copiou.
P/1 – Vamos voltar um pouco na loja, a sua cliente hoje é a mesma que comprava na época que você era sacoleira?
R – Veja bem, no comercio é muito engraçado isso. Você abre uma loja. O santista é muito resistente, se ele tem por hábito comprar na loja X ele vai lá. Tenha a mercadoria que ele esteja procurando ou não, ele vai lá. Ele sai com outra mercadoria, ele não tem o habito de percorrer. Hoje em dia você vê, por causa da situação financeira, existe isso, mas há 13 anos atrás não. Por exemplo, essas clientes que eu consegui 11 anos na minha casa, elas que me prestigiaram durante dois anos para você fazer uma clientela que passa na sua porta. Aí ela te da oportunidade de entrar e você poder mostrar e trabalhar essa clientela, se não já teria fechado. É o que acontece e eu sempre falo: “Trabalhe na sua casa depois você monta seu negócio.” Aí você tem uma base para te sustentar, abrir assim na raça é muito duro. Hoje em dia essas de 13 anos continuam, as de 11 também, e as de 13 são só clientes da loja.
P/1 – Você diz que suas lojas são pratica? Como?
R – Funcional. Pra limpar, para arrumar, é bem funcional. Mesmo porque eu não posso perder tempo em ficar... eu tenho que servir, e não me preocupar em manter uma loja sofisticada.
P/1 – Você tem um estoque muito grande?
R – Não, eu tenho uma variedade muito grande. Eu trabalho com uma peça de cada, pra justamente não acontecer de duas clientes saírem com a mesma roupa e se encontrarem na festa. Então normalmente de seis anos pra cá eu fechei exclusividade com todas as fábricas que eu trabalho porque com essa história de entrarem no mercado as franquias e o mercado está mudando. Eles querem exclusividade. Pagam o preço, mas querem uma exclusividade.
P/1 – Mas tem marca suas roupas?
R – Tem, são marcas... A maioria é uma de cada. De todas as fábricas, o que eu trago é uma de cada.
P/1 – Daí não é que você põe a sua etiqueta?
R – Não, não. Não gosto disso porque, veja bem, você desprestigia o teu fabricante. Seria melhor, a gente não teria tanto problema com os concorrentes, porque você tirando a etiqueta do fabricante, o teu concorrente não tem como ver, mas eu acho que você desprestigia o teu fabricante.
P/1 – Você tem uma loja em uma Galeria e uma loja em um Shopping Center. Qual a diferença estrutural, conde você deixas o estoque, onde você atende. Tem muita diferença?
R – Não. O estoque tem nas duas lojas. O público que é diferente.
P/1 – Qual a diferença?
R – A diferença do público é a seguinte: o santista percorre Shoppings e Galerias. O pessoal de turismo só percorre só Shoppings. Ele não sabe que existe Galerias, não existe só a minha, existem várias no Gonzaga. O santista sabe mas o turista não. Em janeiro tem muito mais movimento nos Shoppings do que nas Galerias, porque o santista viajou e o turista não freqüenta galeria. Todo mundo sente, não só eu. É janeiro e julho. Porque o turismo ainda que vem para Santos, infelizmente é de um poder aquisitivo menor. Ele vem mais para curtir a praia, ele não vem para fazer compras, ele não é um turista de compras. Você sente a diferença.
P/1 – Mas mesmo assim ele chega na tua loja?
R – Ah sim, também tem aquele turista que vem todos os anos, porque tem um apartamento que herdou, era da família, então aí já me descobriu. Eu tenho clientes em Campinas, em Sorocaba, em São Bernardo, em São Paulo. Aí é outro público. Como tenho clientes de Santos, de São Vicente, de Praia Grande, de Mongaguá, da Baixada, todos vem para fazer compras em Santos.
P/1 – Você diz que é turista local, turista que vem do interior. Como você sente __________
R – De três anos pra cá o turista do interior. Antigamente era de São Paulo – capital, os bairros de São Paulo. Mas agora você vê muita gente procurando.
P/1 – E estrangeiros?
R – Estrangeiros bem poucos porque infelizmente eles não ficam em Santos. Os ônibus pegam e levam pra São Paulo, mas ainda tem uma minoria que você vê.
P/1 – Como pegam e levam para São Paulo?
R – Dos navios. Esses navios que fazem esse circuito que começa em outubro e vai o verão todo. São turistas que vêm e vão para São Paulo. Montaram um esquema de levar. Embora sobre alguma coisa pra cá também.
P/1 –
R – Elas são bem personalizadas. Quando eu abri a loja, esse rapaz que me fornece as embalagens, ele faz caixas pintadas com lápis de cera. Bem artesanal. Mas se eu falar para você, você não diz que é caixa pintada com lápis de cera, então ficou... essa parceira tem 13 anos que a gente está junto e é uma gracinha a embalagem dele. De todas que eu vi no mercado...
P/1 – É a mesma ou ela mudou um pouquinho?
R – Não, é a mesma pessoa, a mesma embalagem.
P/1 – Das duas lojas?
R – Das duas lojas, só com cores diferentes.
P/1 – As duas lojas tem o mesmo nome?
R – Não. Uma chama-se Raoní e a outra Yasmim.
P/1 – Porque esses nomes?
R – Particularmente os nomes eu gosto muito, então no caso a primeira foi uma loja feminina com nome de homem, que seria o cacique, um nome indígena. Meu marido brincava muito “Eu não acredito que você vai botar esse nome.” “Eu quero por, eu acho um nome bonito, um nome forte.” A outra era de camisetas, na época que a gente abriu e ficou Yasmim. São dois nomes que eu acho que são legais.
P/1 – Não tem motivo assim?
R – Não, não.
P/1 – Quais são os produtos mais vendidos?
R – Roupa. Que tipo de roupa? É bem diversificado. Depende da época do ano, tem épocas que tem mais festas, então você vende roupas mais elaboradas, outras épocas não, você vende o dia-a-dia. Eu tenho roupa desde o dia-a-dia, do passeio na praia, de uma festa. Não do ABE (?) não trabalho com ABE, mas uma festa normal eu teria.
P/1 – O que é uma roupa para o passeio na praia?
R – Um conjuntinho de shorts, um conjuntinho de bermuda ciclista, um conjunto de calça jeans, de Tecel (?). Essa é uma roupa que eu considero para passear na praia.
P/1 – Você vende maiô?
R – Já vendi.
P/1 – Porque não vende mais?
R – Eu comprava muito maiô no Rio, o Rio ainda continua a ser a capital do maiô, então eu agora eu não vou, então eu não tenho como pegar. Eu gosto de ir escolher. Eu compro as roupas para vender como se eu fosse usar. Às vezes a pessoa fala “Ta na moda.” Mas eu não gosto e eu não vou dizer que é bonito. Eu acho feio então acabo não trazendo.
P/2 – Como é a forma de pagamento, só a vista, cheque pré datado?
R – Existe hoje em dia, cartões de crédito, cheque pré-datado.
P/2 – Você vende de todas essas maneiras?
R – Essas situações todinhas.
P/2 – Quando você vendia de porta em porta, como você vendia?
R – Era na base da amizade, ninguém dava cheque pré datado. Mesmo porque muito pouca gente tinha...
P/2 – Era à vista?
R – Não, era naquele modelo que todo mundo conhece, anotava na fichinha. Era por aí.
P/2 – Uma espécie de caderneta?
R – Caderneta não, era uma ficha. Cada cliente tinha uma ficha. Então, às vezes aparecia para comprar no meio do mês. Você anotava qual mercadoria que saia.
P/2 – Você vendia em vezes?
R – Também era. Era determinado pelo cliente. “Esse mês eu posso dar tanto, mês que vem posso dar mais.” Era assim.
P/1 – Quais são as exigências dos clientes?
R – Hoje em dia, o plano real serviu para uma coisa, hoje em dia as mulheres basicamente estão começando enxergar melhor. Não adiante você ter meia dúzia que são descartáveis do que você ter uma que é boa. Esse plano real serviu para o pessoal amadurecer. Pelo menos as minhas clientes e as que eu estou conquistando, você vê que a qualidade é importante, a exclusividade é importante e o atendimento hoje é importante. Basicamente eu atendo, eu dou meu palpite – elas aceitam se quiser, é claro. Mas eu deixo bem à vontade, se você não gostar você não é obrigada a comprar, mesmo se você tiver entrado na finalidade de comprar. Mas você fica à vontade, você pode sair. Isso elas acham importante, essa abertura. É diferente de comprar com o dono do que comprar com funcionário. Hoje em dia no comércio é muito difícil você conseguir funcionários bons, é muito difícil.
P/2 – Você acha que esse é o diferencial, do proprietário estar à frente?
R – Não é um diferencial, eu acho que é muito importante o proprietário estar à frente. Você vê lojas que o proprietário passa no final do dia para pegar o caixa. Não está lá, não vê uma reclamação, não é ele que está atendendo, é a funcionária. A funcionária está de mau humor, dá uma má resposta e o cliente não volta mais, você perde um cliente. Para conseguir um cliente você leva muito tempo, mas para perder é três tempos, basta você dar uma resposta mau-criada. É isso que tem que haver no comércio.
P/1 – Qual o horário de funcionamento da sua loja, você contou que no começo foi difícil
R – Quando eu abri a loja funcionava das 10:00 hs às 19:00 hs da noite. Fazia uma hora, uma hora e meia de almoço. Abria às 10:00 e fechava às 12:00 – 12:30 depende, às vezes entra cliente e você deixa de almoçar e voltava por volta da 13:30 hs e ficava até às 19:00 hs. Aí eu comecei a prestar a atenção que de manhã, das 10:00 até 13:30 você, às vezes, não atendia ninguém, ao passo que começava às 19:00, o pessoal que saia do serviço ia pro Gonzaga e as lojas estavam fechadas. Aí eu fiz uma experiência: eu abria as 13:00 até as 20:00 ou até a hora que tivesse cliente.
Interrupção
Fita 2 – Lado A
P/1 – Nós vamos retomar, você estava falando sobre horário de funcionamento.
R – Aí eu comecei abrir a loja às 13:00 hs e fechar as 20:00. Mas mesmo assim, essa 20:00 nunca era, às vezes era às 21:00, 21:30; e esse 13:00, eu ficava sem fazer nada. Aí eu comecei das 14:00 às 21:00. Eu adotei esse horário porque o que eu costumo dizer, eu trabalho pra quem trabalha. Quem trabalha, é um monte de profissional liberal. Então fecha escritório às 19:00, 20:00. Tem médicas que estão recebendo pacientes, tal. Meu horário hoje é das 15:00 às 21:00 hs. Eu fiz esse horário, isso de segunda a sexta. No sábado eu trabalho das 11:00 às 2100 hs. Agora novembro e dezembro que são datas próximas ao Natal, o comercio se intensifica um pouco mais, aí eu começo a trabalhar de manhã, eu trabalho das 11:00 hs – aí não seria tanto pra atender, é que você tem que manter a loja mais arrumada, você tem mais movimento no final do dia. Então pra deixar tudo em ordem. O estoque em ordem porque começa a chegar mercadoria nova, você tem que deixar tudo arrumadinho.
P/1 – As duas lojas funcionam com o mesmo horário ou não?
R – Não, a do Balneário eu tenho uma funcionária que entra às 13:00 e sai às 21:00 hs. De manhã o meu marido está na loja. Ele faz serviço de banco e fica na loja.
P/1 – E hoje como está essa coisa do fornecimento? A mercadoria chega até você?
R – Não. Sou eu que vou até ela e trago mesmo no carro.
P/2 – Eu ia justamente perguntar essa questão da freqüência...
R – Eu viajo uma vez por mês, sempre todo o final de mês eu viajo. Então eu vou de carro ou de avião, eu trago a mercadoria.
P/2 – Você ainda traz doze malas?
R – Hoje não é mala, você acomoda no carro, seriam sacolas, não é tanto mala. No avião, a última vez que fui para Belo Horizonte, eu trouxe quatro malas, aí estava bem divididinho, tinha duas com o Ricardo. Agora eu tenho uma companhia porque até então, antes dele sair da Cosipa, eu viajava sozinha. Eu e Deus. Deus é que guardava, porque 12 malas no Rio de Janeiro, não é qualquer um que faz. O problema era do táxi, eu às vezes chegava na rua com as malas, o táxi não parava. Então eu pedia à cooperativa que tem lá no Rio, então vinha. Eu fiz amizade com um motorista de táxi, que por sinal ele era Diretor da Harmonia da Mangueira, então era um papo gostoso, era um senhor. A gente ia conversando, sempre saia Mangueira. Ele que me ajudava. Ele parava na rodoviária, ele ficava tirando as malas, enquanto isso eu ia correndo no guichê comprar passagem. Era realmente uma aventura. Chegava com a passagem, aí eu ia para o local de embarque porque não tinha ninguém que ficasse tomando conta. Então eu dependia do vendedor de água que passasse por ali, normalmente eu chegava por volta das 22:00 – 22:30 na rodoviária e chegava em Santos 4:30 – 5:00 da manhã.
P/2 – Pra descarregar era a mesma novela?
R – Ah sim. Aí eu contava aqui com o Ricardo que ia me buscar na rodoviária. Às vezes fazia duas viagens, dependendo. Eu ficava na rodoviária, ia até a loja, deixava, ou em casa e deixava. A época em que eu abri a loja, o comercio já estava mais difícil, hoje nem se fale. Eu acho que o comercio em Santos há trinta anos atrás era uma outra realidade. Eu ouço de comerciante antigos: em dezembro, o que eles faturavam em dezembro eles compravam em imóveis em janeiro. Pra você ver como se tinha dinheiro. O café, naquela época era boa, o pólo industrial era bom. Tinha dinheiro na praça, não é como hoje.
P/1 – Pra você, qual foi a melhor época de venda, dentro de seu processo?
R – Ela caminha, é engraçado, você sobe um degrauzinho todo ano.
P/1 – Então está aumentando?
R – Eu acredito... veja bem, por eu vender uma moda especializada, ela aumentou. Porque ficou muito restrito. O capital de giro dos comerciantes cada vez está menor, então muito comerciante deixou de vender boas mercadorias, vende uma moda mais imediata, uma moda que... então chega numa época de festa, de aniversário, tem cliente que só compra roupa em época de aniversário, de final de ano, de um jantar. Aí ela vai lá, vai comprar, vai achar. Não acha porque não gosta, porque não tem o tamanho. Eu peguei esse filão do mercado que não tem. Tinha, na época que eu abri a loja, tinham outras lojas que tinham o mesmo estilo, mas foram indo e fecharam. Na época que eu abri tinha a Gipsy, que era da D. Moreira, que tinha o mesmo perfil, a Dose Dupla, tinha outra bonitinha também. Na minha rua tinha A Exclusiva. O pessoal não agüentou, foi fechando. Você tem que ter um capital, cada vez o mercado... eu chamo o comércio é a realidade do país. Com esse atentado do dia 11 de setembro nos EUA nós ficamos uma semana com movimento fraco no Gonzaga, não precisa mais nada pra te dar exemplo. Tudo reflete no comércio. Você sente. O pessoal não saiu de casa uma semana pra ver todos os detalhes que aconteceu, então o comercio sentiu isso.
P/1 – O que mais mudou desde que você está nesse trabalho, desde que você começou a mexer com comércio?
R – Hoje tem mais qualidade em compensação existe uma concorrência desleal. Antigamente você via mais profissionalismo, um respeito maior. Você era meu concorrente, mas eu te respeitava profissionalmente, eu não invadira teu espaço. Hoje não. Hoje, você sente isso, existe uma falta de profissionalismo, não respeitam. Você tem que fechar exclusividade porque o pessoal não está preocupado em saber, em vender aquilo que ele escolheu, ele está preocupado em vender o que o outro está vendendo na esquina. Eu acho que existe uma falta de profissionalismo nisso. Um quer invadir o espaço do outro. E para você sobreviver não precisa disso, o sol nasceu pra todo mundo.
P/1 – Como é a competição em relação ao mercado de fora, confecções, lojas não de Santos, marcas famosas...
R – Você dia da época do pessoal comprando em Nova York?
P/1 – _______________- lojas que são conhecidas nacionalmente.
R – Mas tem público pra todo mundo, não afeta em nada não.
P/2 – Você estava dizendo que é muito difícil achar bons funcionários pro comércio. Você acha que falta o que nessa relação patrão empregado no comércio?
R – Eu acho que a pessoa tem que fazer o que gosta, e às vezes você encontra no mercado, ele faz porque precisa ganhar dinheiro. Tudo que você faz porque gosta, dá certo. Se você não tiver prazer em fazer, não funciona. Me dá prazer ir para Belo horizonte, andar dois dias consecutivamente, você vem cansada, mas me dá prazer. Eu vou comprando as mercadorias e vou lembrando das pessoas que eu vou servir. Aí você trás, arruma na loja; é prazeroso, você recebe um, você mostra. Hoje em dia não é assim, trabalha porque precisa. Isso é um grande bloqueio, sem contar que o pessoal não se estimula a ir pra frente, não sei te explicar.
P/1 – Você trabalha vendendo roupas, pra vender roupas precisa saber costurar?
R – Não. Eu sou um exemplo vivo disso. Não precisa não. Você precisa saber dizer se aquela roupa tem um bom corte. Costurar, pegar linha não. Mas se você, com o passar dos anos, você sabe. Também nasce com você esse estilo: você vê uma roupa bem talhada, você sabe onde está dando defeito naquele corpo daquela pessoa, onde precisa apertar e não dar um defeito. Às vezes você vê cliente que põe uma regata e ela ficou aberta na cava, dependendo do corpo você aperta aqui ou você aperta na lateral. Pra isso você tem que ter esse now-how.
P/1 –Outra pergunta que eu ia fazer é se você tem costureira que trabalham pra você?
R – Eu tenho pessoas que eu indico.
P/1 – Quando precisa consertar uma roupa?
R – Eu indico aquela pessoa.
P/2 – A loja não faz?
R – Não. Eu não quis prestar esse serviço. Veja bem, por eu trazer uma peça de cada, eu acho muita responsabilidade, a pessoa já pagou, já deu entrada, já está feliz da vida, satisfeita com aquela mercadoria. Você contratar uma costureira, essa costureira pode estragar aquela mercadoria. Como você vai dizer a pessoa que o conserto não foi a contento. Eu compro a roupa, vendo pra você. Ela vai servir, ela tem que servir. Eu não gosto de transformar roupa, porque tem gente que pra vender, compra uma 46 e vende ela em 42. então você faz uma roupa nova. E aí que vem os pepinos, você vê um monte de mulher reclamando da mesma coisa: “Eu mandei arrumar, ficou fazendo defeito aqui ou ali.” Então eu me isento dessa responsabilidade. Ao passo que muitas delas têm uma costureira, ou a mãe faz uma barra. Roupa pra você vender é aquela que precisa no máximo de fazer uma barra. Eu penso assim. Eu não transformo uma roupa de 46 em 42 ou de 42 em 44 porque é só dar uma alargadinha. Não é por aí.
P/2 – Você disse que indica para a cliente, a cliente aceita ou não. Isso acaba tendo algum problema ou não?
R – Elas aceitam essa indicação. É uma profissional já estabelecida no Gonzaga há muitos anos. Eu a conheci por intermédio de outras clientes minhas que mandavam consertar nela.
P/2 – Eu digo de uma cliente que comprou uma roupa, você dá um palpite se gostou ou não gostou. A cliente aceita isso?
R – A maioria aceita.
P/2 – Nunca teve uma discussão, mas eu quero assim.
R – Você percebe aquela que aceita e aquela que não vai aceitar. Ela é 46 e diz pra você que é 42. Quando começa esse tipo de conversa, essa troca, você percebe que não é por aí, não dá.
P/2 – Tem muito disso?
R – Tem. A mulher gosta de se enganar, às vezes. Eu não sei, ou ela consegue se ver como ela foi. Porque você vender roupa, você faz umas terapias com as pessoas. Eu chamo que tem um dia do CVV, que a pessoa está aborrecida, mas ela quer se dar um presente, ela quer se agradar. Então ela conversa, conta seus problemas, aí ela fica mais aliviadinha e vai escolher alguma coisa para se agradar. Tem aquela que acha que tem 20 anos, pesava 50 quilos, só que ela está com 30 e está pesando 90. Ela diz para você “Olha, eu sou manequim 42”, você tem que respeitar, tem que dar uma roupa 42. Eu tenho um costureiro em Belo Horizonte, é muito engraçada a fábrica dele, é um estilista. Ele coloca tamanho único, ele não gosta de ofender as mulheres. Que é o caso desse perfil de mulher que eu citei agora: ela se imagina 42, então com o tamanho único ela fica feliz, serviu nela, ela não é o 48 – 50 que isso aborrece. Como existe essa neurose nos tempos de hoje, só é elegante a mulher que é magra. Você vê isso as mães passando para as filhas, dá dó. Não é por aí, cada uma tem uma constituição, a gordinha é bonitinha, a magrinha é bonitinha, a baixinha, a alta. Não adianta você ir contra. Essa massificação da mídia: só é elegante é a magra. É como a massificação do pretinho: todo mundo acha que vai com o pretinho básico, aí vira uniforme, a coisa radical. Coloca na revista. Gozado que o pessoal é tão induzido mesmo que entra na loja e pede o pretinho básico, exatamente. Elas falam “pretinho básico”.
P/1 – Qual foi a venda mais diferente, interessante. Você se lembra de alguma vez?
R – Lembro. Foi muito interessante: eu tinha uma cliente que tinha ido a loja umas três vezes, ela comprava. Ou ela pagava em dinheiro a vista... eu nunca fui muito preocupada em ver nome e sobrenome, eu guardo a fisionomia, eu sou boa fisionomista. Eu posso não lembrar do nome, mas eu sei que você comprou aqui, às vezes eu consigo lembrar o que eu te vendi, é muito engraçado isso. Era a terceira vez que ela tinha ido, ela falou pra mim... estava perto do Baile dos Mares de Sul, no Ilha Porchat. Ela precisava de um vestido. Eu trabalho com muita roupa pintada. Ela queria um vestido não muito exagerado mas que fosse bonito. Ela falou: “meu marido falou, eu cismei de colocar um aplique de uma trança.” Ela era miudinha, uma belezinha de corpo. “Já que eu vou com essa trança comprida, eu tenho que ir com um vestido mais discreto.” “Porque discreto, você é tão bonitinha, ponha uma cor mais vibrante.” “Eu prefiro um mais discreto.” Eu falei: “Você quer um tipo de vestido que você possa usar em outras situações?” ela deu uma risadinha. Ela comprou, experimentou, ficou ótimo. Quando foi a noite, fechei a loja, saí, jantei, cheguei e liguei a televisão, qual foi minha a surpresa? Era a Primeira Dama de São Vicente. Por isso que ela queria um vestidinho mais discreto. Então é uma coisa que você lembra. Claro, no palanque, já com aquela trança ela queria uma coisa mais amena. Mas eu nunca... depois é que eu soube que era a mulher do Márcio França.
P/2 – Conheceu o vestido?
R – Foi muito engraçado porque eu vi no palanque a trança e a roupa, depois que eu vi que ela estava com ele, mas eu não sabia.
P/1 – Bom, o que você faz nas suas horas de lazer?
R – Olha eu adoro ficar em casa. Ou eu estou mexendo com as cachorras ou... gosto de ir à praia. Nas minhas horas de lazer, ou eu estou em casa lendo, mexendo com a cachorrada, sempre tem alguma coisa pra fazer, vou à praia e adoro cantar. Eu descobri, é uma terapia maravilhosa.
P/1 – Você canta sozinha em casa ou com algum grupo?
R – Sozinha, eu comprei um microfone, adaptei. Não gosto de Karaokê porque eu acho o som dele meio estridente. Eu comprei um microfone, adaptei na minha aparelhagem, aí eu escuto uma música popular brasileira e canto.
P/1 – Você não vai cantar nada pra gente?
R – Não vou cantar nada. Gosto de filmes, gosto de ir ao cinema.
P/1 – Você gosta de fazer compras?
R – Você diz pra mim? Pra mim é meio restrito. Eu tenho que comprar coisas pra minha casa, pro meu marido e presentes. Porque roupa eu não compro. Normalmente quando eu vou na fábrica, eu vejo se eu gosto eu já trago. Eu não tenho esse prazer de entrar na loja, escolher, a não ser quando eu estou viajando, aí compro, adoro comprar sapato. Sapato e jóia, adoro.
P/1 – Você não tem sapato na loja?
R –Não, porque eu iria à falência. Não ia dar lucro, adoro sapato.
P/2 – Você disse das roupas pintadas?
R – Pintada à mão. As roupas de Belo Horizonte, a maioria são pintadas à mão. Então cada fábrica tem um estilo, são vários artistas plásticos que pintam a roupa, então fica uma roupa exclusiva mesmo. Você não consegue pintar dois quadros iguaizinhos.
P/1 – Vamos encaminhar para as perguntas finais, se pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o que você mudaria?
R – Hoje seria ter tempo pra fazer veterinária, só. O resto eu sou feliz, eu fui feliz, não tenho nada pra mudar.
P/1 – O que é o comércio pra você?
R – É um prazer. É você fazer aquilo que você gosta.
P/1 – Quais as lições que você tirou ao longo de sua carreira do comércio?
R - Solidariedade. Hoje em dia, no comércio, o dinheiro muda muito de mão. Você vê grandes lojistas, hoje dá dó de você ver, ou vice e versa. Você tem que lembrar que o dinheiro nunca é permanente, ele pode mudar de mão, as pessoas têm que lembrar disso. Porque tem muito comerciante que faz gozação do outro. A vida dá tanta volta, você não sabe o dia de amanhã.
P/2 – Pegando esse gancho, você acha que falta um pouco de união entre os comerciantes daqui de Santos, você vê isso de uma forma geral, só aqui em Santos, só num lugar? Como você vê essa relação?
R – Não é uma falta de união da classe, existe a classe formada. Existem picuinhas, porque mercado tem pra todo mundo. Não pode é deixar morrer, infelizmente o centro da cidade tem outras funções, como o turismo. Eu acredito nisso. O comércio deixaram morrer o centro. A partir do momento que a pessoa vai uma, duas, três vezes naquele lugar e não encontra aquilo que ela precisa ela vai procurar em outro. Foi o que aconteceu no centro da cidade, começou a ter muitas lojas populares e o pessoal que tinha um poder aquisitivo um pouquinho maior não se adaptou e aí essas lojas, as melhores ficaram no Gonzaga. Selecionaram por si só.
P/2 – O pessoal critica muito esse Shopping da Aparecida que interferiu muito no comércio do Gonzaga, pra você fez diferença?
R – Não, acho que não. Eu acho que dividiu clientela pra quem vende roupas de marca, mas pra mim não mudou. O comerciante santista tem por hábito, ele tem uma loja numa Galeria, num Shopping, noutro Shopping. Tem que ter uma conscientização, não adianta você ter várias lojas pra dividir teu próprio cliente. Você tem que enxugar despesas. O fato dele ter aberto lá, os lojista de lá reclamam lá. O pessoal do Gonzaga acha que lá está ótimo. O comércio no Brasil não está bom pra ninguém, não é o fato dele ter aberto. Acho saudável essa competição. Vai sempre gerar esses conflitos, não tem jeito.
P/2 – Você tem uma boa expectativa?
R – Eu acredito no comércio aqui em Santos. Com essa segunda pista da Imigrantes, muita gente que mora em São Paulo vai vir morar em Santos e vão consumir onde? Em
Santos. Eu penso dessa forma. Eu ouvi comerciantes dizerem “Vai virar uma cidade dormitório.” Não é uma cidade dormitório, e o fim de semana? O dinheiro vai ficar aqui. Eu acredito muito nessa... inclusive o mercado imobiliário criou uma grande expectativa. E o turismo. O legal seria trazer turista, divulgar mais a cidade. É limitado esse turista, o pessoal só se distrai na praia. É isso que nós oferecemos aqui. Ninguém fala do comércio, que tem um bom comércio. Eu escuto que é um comércio de nível porque o pessoal de São Paulo que está acostumado com Shoppings grandes fala. Então o comércio em si em Santos é bom, tem uma variedade. Inclusive eu escutei a Diretora do Centro de Convenções Mendes dando uma entrevista na TV, porque ela não é de Santos, é de São Paulo, ela nunca tinha vindo à Santos, é uma cidadezinha bonitinha, que tem tudo. Nós estamos muito próximos à São Paulo.
P/1 – O que você acha de ter participado dessa entrevista?
R – Gostei, muito boa. E fico feliz de poder nesse pequeno espaço de vida que eu tenho no comércio, poder participar junto com o pessoal que deve ter tido muito mais história pra contar do que eu.
P/1 – Muito Obrigada.
R – Não há de que.