Masaru Dodo rememora a infância entre a colônia japonesa de Bastos e o bairro paulistano da Penha, além de sua adolescência na carvoaria e a vida adulta entre a família, os amigos e o trabalho. Seus olhos brilham ao contar do Japão, país de origem de seus pais e destino de sua grande viagem. Frequentador assíduo do Sesc Itaquera, hoje participa dos clubes de vôlei e de caminhada, além de fazer parte do grupo de samba da terceira idade como tocador de pandeiro. Neste bate-papo, Dodo revela traços sua dupla identidade: brasileiro lá no Japão e japonês aqui no Brasil.
Histórias de Internautas
Seu Dodo: um japonês na Penha, um brasileiro no Japão
História de Masaru Dodo
Autor: Viviane Cristina dos Santos
Publicado em 25/04/2017 por Viviane Cristina dos Santos
P/1 – Seu Dodo, fala o nome inteiro do senhor, onde e quando o senhor nasceu.
R – Vou falar primeiro o nome, né? Nome e a data.
P/1 – E o local.
R – Eu nasci cinco de novembro de 1939 na cidade de Bastos, no interior de Bastos.
P/1 – E o senhor ficou pouco tempo lá ou o senhor veio...
R – Vim com seis anos.
P/1 – O senhor já tinha irmão quando o senhor veio pra São Paulo?
R – Se eu tinha irmão?
P/1 – É.
R – Não, eu sou o mais velho.
P/1 – É o mais velho.
R – Sim.
P/1 – E seus irmãos nasceram aqui em São Paulo, então.
R – Não. Eu, meu irmão e minha irmã. Era de dois em dois anos (risos).
P/1 – Qual é o nome dos seus pais, seu Dodo?
R – O meu pai se chama Yoshinori Dodo, minha mãe Sasao Dodo. Mas nome de solteira era Morinaka. Ainda tem um pessoal lá, tem as irmãs dela, tem o irmão que moram lá em Bastos ainda. Meu pai e minha mãe são falecidos já.
P/1 – O senhor conheceu os seus avós?
R – Só os dois avôs, as avós não.
P/1 – E eles vieram do Japão também, os seus avós?
R – Vieram, vieram. A família do meu pai veio só meu pai e meu avô, eles completaram a família Tanaka. A família do meu pai é Dodo, mas como Tanaka é tio, tio do meu pai, então completou a família pra vir. Agora a família Morinaka veio inteira (risos).
P/1 – O senhor sabe quando que a família Morinaka veio e quando a família Tanaka veio?
R – Puxa vida, não sei! Não lembro, me falaram mas já faz muitos anos, então não lembro mais.
P/1 – Mas é antes do senhor nascer.
R – Sim.
P/1 – Então foi antes de 39.
R – Foi, foi.
P/1 – Deve ter vindo junto com os primeiros mesmo.
R – Parece que meu pai tinha dez anos e minha mãe tinha seis anos. Assim conta, porque tanto meu pai quanto minha mãe conhece Japão direito.
P/1 – Eles fizeram a vida deles mesmo aqui.
R – Foi aqui, é. Foi aqui.
P/1 – Em Bastos e em São Paulo só.
R – É. Bastos e São Paulo. Mas eles andavam, minha mãe andou em Araraquara, depois foi pra outra cidade, foi pra Bastos. Que Bastos é o seguinte: o governo japonês financiou terra lá, então todo mundo, meu pai parece que pegou 20, a família da minha mãe pegou 20 alqueires, cada um. O governo pagou e depois foi pagando aos poucos. Mas como lá a terra é muita areia, a terra é boa. Criou primeiro o bicho de seda, não sei se vocês conhecem, depois frango, terra do ovo lá.
P/1 – E a família do senhor, o que eles produziam nesses alqueires? Eles mexiam na terra?
R – Plantavam pra comer, mas usava mais, a minha mãe que trabalhava, meu pai era meio vagal, vivia na cidade. Casou novo, com 19 anos. E minha mãe tomava conta lá de bicho de seda, que eu me lembro. Pegava aquele pessoal pra trabalhar, veio muito pessoal do norte, pegava aquele pessoal e minha mãe tomava conta e meu pai vivia pra cá e pra lá, treinava judô, jogava beisebol, corria. Meu pai era atleta, mas trabalhar mesmo (risos).
P/2 – Como é que eles se conheceram, você sabe, seu Dodo?
R – Sim. Não sei se vocês sabem, mas antigamente fazia Miai.
P/1 – O que é Miai?
R – Miai é assim, tem um pessoal, via moça bonita ali, o rapaz mais ou menos ali: “Vamos fazer aquele ajuntamento?”, mas o cara tem que pagar pra ele. Vai arrumar moça bonita, homem trabalhador e fazia o miai. Esse que fazia o intermediário ganhava.
P/1 – Ah, foi assim?
R – É, agora não tem mais.
P/1 – Foi sua mãe ou foi seu pai? Quem que pagava, era a moça ou o moço?
R – Puxa vida, agora não sei. Eu sei que fazia o Miai (risos).
P/2 – Então enganaram a mãe do senhor, né, seu Dodo? Porque era um rapaz trabalhador, só que não muito.
R – É, porque a minha mãe era muito trabalhadeira porque tinha a família, né? Meu pai não tinha, era só meu avô e ele, eram dois. E o meu avô tomava uma cachacinha (risos). Inclusive, abriu até uma cerveja artesanal que fazia na casa.
P/1 – Vocês faziam cerveja artesanal?
R – Só pra tomar em casa. Meu avô por parte do meu pai era muito inteligente, da minha mãe também. O avô por parte da minha mãe, inclusive, no Japão ele era policial, se não me engano ele lutou na guerra da China lá. Teve uma vez que o Japão invadiu a China lá e meu avô parece que foi lá junto (risos).
P/1 – Legal, gostei da história do Miai, não sabia, não.
R – Não sabia?
P/1 – Não.
R – Agora não tem mais. Mas antigamente tinha muito Miai porque o cara que fazia o Miai ganhar dinheiro.
P/1 – Será que era muito dinheiro? O que o senhor acha?
R – Não era tanto, mas sempre sobrava pra ele (risos).
P/2 – E o senhor cresceu ouvindo muitas histórias sobre a guerra da China, de como foi lutar lá na guerra da China?
R – Não, não ouvi porque eu vim muito cedo pra São Paulo e o meu avô por parte da minha mãe, ficou lá. Porque como meu pai só tem ele de filho veio ele e o avô, minha mãe e mais dois irmãos. E eu não tive oportunidade de falar, depois meu pai não falava muito japonês, então não aprendi a falar muito japonês. Aquele pessoal que fica no interior, que tem aquele pessoal que reune, faz reunião, tem aquelas festas undokai, mas como eu vim muito cedo pra São Paulo, eu não peguei muita coisa, nem aprendi a falar muito. No começo eu falava, mas depois eu fui esquecendo, a gente vivendo no meio de baiano, preto (risos).
P/1 – O senhor esqueceu como falava japonês.
R – No começo eu falava porque os meus avôs falavam só em japonês, tanto um como o outro, aí depois quando eu vim pra São Paulo não tinha mais japonês, vivia no meio da molecada tudo brasileiro, tinha um ou dois japoneses, mas não falavam japonês também. Então fui esquecendo, fui esquecendo, esqueci. Depois com 55 anos fui pro Japão trabalhar, ainda me pegaram tudo, lá. Aí toda aquela turma no meio da japonesada. A turma fala que vai lá pra aprender e não aprende porque o brasileiro fica com brasileiro, peruano fica com peruano, mas como lá tinha as escolas a japonesada ensinava ali a aprender Kanji, eu não sabia escrever nada, nem Katakana, Hiragana. Kanji é letra chinesa, né? Eu aprendi um pouco lá. Depois eu peguei uma firma lá, trabalhei dois anos com duas japonesas. Elas começaram a me ensinar japonês, aprendi um pouco japonês. Uma falava inglês, mas o inglês eu não sabia falar nem o português, como vou aprender a falar o inglês? Então trabalhei dois anos e aprendi bastante com essas duas pessoas.
P/1 – O senhor voltou pro Japão bem mais velho pra trabalhar, é isso?
R – Com 55 anos eu fui pra lá. Voltei com 62. Sete anos, né? É, com 62 anos eu voltei.
P/1 – E daí o senhor achou alguém da sua família que veio pra cá lá ou o senhor foi só pra trabalhar mesmo?
R – Fui só pra trabalhar mesmo, não encontrei ninguém. Encontrei um parente do meu pai lá, mas eles não queriam, que nós éramos família de maloqueiro porque a gente vivia na periferia, família do Tanaka que foi presidente aqui da Associação da Liberdade, ali. O Tanaka e o Watanabe, que é o Kazuo, foi primeiro o embaixador brasileiro lá. E o Tanaka também era família. E nós era maloqueiro. Toda família chamava a gente de maloqueiro porque vivia na periferia.
P/1 – E onde era essa periferia? Na Penha?
R – Na Penha, na Vila Esperança. Naquela época tinha muita chácara, a gente entrava na chácara pra pegar fruta.
P/1 – Era disso que o senhor brincava quando era criança.
R – Sim. Tem um córrego lá, pegava peixe no córrego.
P/1 – E o senhor lembra do nome desse córrego lá na Penha?
R – Rincão.
P/1 – Córrego do Rincão.
R – É, Córrego do Rincão.
P/1 – E do que mais o senhor brincava quando era criança, com essa molecada que o senhor falou?
R – Mãe da rua, mãe da mula. Jogava mais era bola, todo terreno vazio que tinha era bola. E meu pai andava ensinando lá, que era faixa preta de judô, ensinava a molecada a lutar judô (risos). E o meu irmão era mais boxe. Esse meu irmão tem dois casos. Além de ser forte ele era ruim, não era de falar muito. Tinha um cara lá que mexeu com ele lá, era mais grande que ele. Ele pegou esse moleque nesses campinhos que a gente brincava, enterrou a cabeça do moleque na areia, se eu não fosse lá ele tinha matado o cara. Meu irmão era ruim, viu? Sangue ruim. Outra vez, a gente tava nesse córrego de pegar peixe, então vinha aquela chuva, vinha bala de revólver, moeda e a gente ia garimpar ali. O negão mexeu com ele. Ele chegou lá e afundou a cabeça do negão lá, era acho que da mesma idade, só que o negão era mais alto que ele. Afundou, afundou, o negão estava quase morrendo, eu fui lá e tirei ele, né? Aí à noite, nessa época eu e meu avô trabalhava na carvoaria, meu pai de vez em quando ajudava lá. Meu pai esse dia estava lá. Aí veio o negão lá, maior que ele, o pai dele também maior que ele. Os dois. Andando assim. Aí o pai do moleque olhou ele, o pai do moleque até assustou porque o meu irmão era mais pequeno do que o outro. O meu pai olhou assim e viu o outro negão lá, os dois grandes porque o negão tem a perna comprida, alta. Puta merda. Meu pai falou: “Tem alguma coisa errada aí. Caramba!”. Sabe que o pai do menino pediu desculpa pro meu pai? “Ô rapaz, eu não sabia disso. O meu filho é maior do que o seu” (risos). Só que o meu irmão era forte também, sabe? Mas não era alto.
P/1 – Era no boxe que ele era...
R – É, ele era bom no boxe.
P/1 – E onde ele aprendeu a lutar boxe?
R – Meu pai trouxe dois pares de luva e ninguém parava na frente dele. Ele aprendia mais por ele mesmo porque era forte e batia na cara dos outros. Que a cara dos outros subia assim, bateu assim e a cara levantava.
P/1 – E o senhor não gostava de boxe?
R – Não, lutava judô. Mas no judô eu ganhava dele. Porque meu pai me ensinava a lutar, ele me levava na academia.
P/2 – Nessa época, seu Dodo, o senhor tinha quantos anos?
R – Nessa época do...
P/2 – Que aconteceu isso, que o senhor salvou o negão da morte?
R – Acho que tinha uns... meu irmão devia ter uns 12 anos e eu uns 14. Doze ou 13, mas era forte comparando com os outros.
P/2 – E o senhor lembra de algum amigo do senhor nessa época? Que brincava com o senhor na rua nessa época?
R – Sim. Inclusive eu encontrei com ele essa semana aqui. Sem querer. Eu estava ali perto do Parque Dom Pedro porque eu sou metalúrgico, sou sócio do sindicato, então estava dando problema no ouvido e eu fui no sindicato. Então estava vendo o pessoal e apareceu um colega meu, de criança assim, da mesma idade que eu, encontrei com ele. Agora eu perguntei das outras pessoas, morreu quase todo mundo. É! Só ele está vivo, daquela época. É, coincidência, foi essa semana.
P/1 – Essa semana.
R – É.
P/1 – Se tivesse entrevistado o senhor na semana passada não tinha acontecido.
R – É.
P/3 – Qual é o nome dele, seu Dodo?
R – Ele chama Eden Monteiro, família de portugueses.
P/3 – E ele morava no mesmo bairro ali?
R – Ele morava no bairro, o pai dele era rico, tinha meia dúzia de casas, era português. A chácara onde ele morava, uma chacrinha, eu morei lá um pouco que minha mãe teve o último filho. Ele tinha armazém, tinha várias casas de aluguel. Era uma família rica, ele estudava num colégio pago, eu estudava num grupo escolar (risos), no povão.
P/2 – Conta um pouco dessa escola pra gente, Dodo, como era essa escola?
R – Essa escola que eu estudei era assim, acho que era um grande armazém e depois virou escola. Eu me lembro que só tinha um banheiro, tinha um monte de classe e tinha um banheiro só de buraco, já pensou? Um banheiro de buraco! (risos). E aquela época as professoras podiam bater nos alunos. Mas como nós apanhava! (risos).
P/1 – Fora o senhor apanhando, o senhor lembra de alguma outra coisa da escola?
R – Deixa eu ver. Eu fui duas vezes pra diretoria. Tinha um neguinho na frente, a gente gostava muito de bexiga, a gente fez um bexiga assim, a gente furou a bexiga, chupava assim e fazia um bolinha. Aí cheguei assim virando, assim e assim e estourei a bexiga no ouvido do neguinho. O neguinho começou a gritar que ficou surdo, ficou surdo. Aí o inspetor da escola me catou e me levou pra diretoria. Mas a diretora lá da escola, era meu vizinho: “Fica aí, fica aí, daqui a pouco você vai embora” (risos). E outra vez também, deixa eu ver. A professora saiu da classe, tinha aquelas carteiras pesadas, móvel, encostemos ela na porta e a professora já estava lá batendo, batendo, estava segurando a porta pra professora não entrar (risos). Tem mais coisas, mas a gente esquece.
P/1 – Está lembrando só dessa parte boa.
R – É (risos). Aí levaram eu pra diretoria outra vez (risos).
P/1 – O senhor contou antes da gente começar a gravar uma história que eu achei bonita, sobre o parto da sua mãe. Ela teve todos vocês em casa, é isso?
R – Todos, todos, nascemos todos em casa. Os três primeiros nasceram em Bastos, então a mãe do Watanabe, do Kazuo Watanabe que foi o primeiro japonês juiz de direito daqui de São Paulo, diretor do Mackenzie, se não me engano, aqui em São Paulo. E a mãe dele era muito esperta e ela que fazia parto lá da comunidade. Cada uma que precisava fazer o parto ela ia. Ia de carroça, charrete.
P/1 – Uma parteira japonesa.
R – É. E assim, depois eu fiquei sabendo que esse Kazuo é filho do tio do meu pai. Os irmãos dele eram tudo burro e o único inteligente, que é o tio do meu pai Tanaka, aí a mulher pulou a cerca lá, é filho do (risos).
P/2 – Era normal, né, seu Masaru, nessa época. A maioria dos partos eram feitos em casa.
R – Era, tudo feito em casa.
P/2 – Era um época que não tinha essa coisa de ir pro hospital pra ter filho, sempre tinha uma pessoa que ia pra ajudar nas casas.
R – Isso mesmo, é isso mesmo. Mesmo aqui em São Paulo, tinha uma parteira aqui perto de casa lá, não era bem parteira, mas ela trabalhava em hospital então sabia. A gente teve nove irmãos, né, e já corria pra casa da mulher (risos). Mas nunca foi no hospital, ninguém nasceu em hospital.
P/3 – E o senhor enquanto mais velho ajudava a cuidar dos irmãozinhos?
R – Sim, trabalhei muito, cuidar. E hoje não estão me compensando muito, não. Principalmente o meu irmão caçula que é professor, trabalha no centro de saúde, ele tem um monte de diploma lá, tem consultório dentário, é dentista protético. Quando um cara faz uma faculdade, depois que faz a faculdade ele não precisa ir todo dia, então ele é inteligente e fez um monte de curso.
P/1 – E o senhor? O senhor falou que estudou nessa escola, que era o galpão. E depois o senhor falou que fez uma escola técnica também.
R – Foi, foi.
P/1 – E como é que foi essa outra escola, o senhor mais velho um pouquinho?
R – Depois eu fui pra... qual é a escola que eu fui? Foi na Mooca, fiz Senai na Mooca.
P/1 – Essa que o senhor falou que era a primeira era na Penha mesmo, perto da casa do senhor, que o senhor morava. Depois o senhor foi para uma outra.
R – Foi escola até a quarta série. Depois fiz curso do Senai, mas foi na Mooca.
P/2 – Enquanto o senhor estudava nessa escola o senhor trabalhava na carvoaria?
R – Sim, eu trabalhei até os... deixa eu ver... eu trabalhei até 56, eu tinha 16 anos, porque eu faço no final do ano. Até os 16 anos eu trabalhava numa carvoaria, eu e meu irmão. Porque o meu avô morreu em 53, antes eu trabalhava com meu avô. O meu avô tomava cachaça desde do Bastos, que fazia lá as cachaças dele, ele veio aqui em São Paulo e também... e fumava. Então ele faleceu. E foi eu e meu irmão, esse que era mais forte, tomava conta e depois como veio muito fogão a gás, então carvão não tinha muita saída. Ainda que antigamente tinha dois armazéns, não tinha mercadinho, não tinha nada, era armazém. Então a turma fazia assim, pegava lá no armazém e o armazém mandava entregar e me pagava. Lá antigamente era tudo caderneta. Eu falo caderneta e o cara marcava, às vezes o cara até pagava. Então eu trabalhei até 56, 57, na carvoaria. Eu tinha mais freguês por causa desses armazéns, que o pessoal comprava na caderneta e o pessoal ia lá, como não tinha carvão nesses armazéns e eu entregava.
P/1 – O senhor trabalhou lá até mais ou menos 57, mas quando o senhor começou a trabalhar na carvoaria?
R – Onze anos.
P/1 – Onze anos?
R – É.
P/1 – Mas o senhor estava na escola.
R – Estava na escola, é. Meu avô esperava eu pra entregar o carvão. Eu estudava de manhã e meu avô marcava as ruas pra fazer entrega com uma carrocinha, ele ia entregar carvão nas casas e eu ficava tomando conta da carroça pro cavalo não andar, né? Cavalo não gosta de ficar amarrando no poste (risos). E eu trabalhava com meu avô. Meu irmão tinha nove anos, então não dava.
P/1 – Esse foi o primeiro emprego do senhor então.
R – Foi.
P/1 – E depois, o senhor trabalhou com o quê mais?
R – Então, aí meu avô faleceu e fiquei tomando conta eu, eu, meu irmão, minha mãe. Meu pai ficava pela cidade, não sei, mas todo mundo quer trazer dinheiro (risos). Então foi assim. Agora depois eu falei: “Vamos vende a carvoaria”, vendemos por que der. Vendemos a carroça, o cavalo e o ponto. Só que até hoje não recebemos nada, os caras não pagaram. Também não foram muito pra frente porque já não estava dando pra nós, pra eles... passemos pra eles, vai, só que não recebi nada. Aí arrumei emprego de mecânico. Eu fui arrumar motor estacionário.
P/1 – O senhor já sabia mexer em motor?
R – Não, não, eu fui aprender.
P/1 – Aprender sozinho.
R – Não, o homem ensinava. Mas desmontava aquilo, lavava as peças e depois se a peça era estragada eles trocavam, né? Aí trabalhei acho que dois meses, não foi pra frente aquilo lá e fui trabalhar em um torno revólver, me arrumaram pra trabalhar num torno revólver. Não precisa de... porca e parafuso, então vai naquele revólver lá. Aprendi a trabalhar. Eu não sabia nada, nunca tinha visto aquilo lá. Aí comecei a fazer porca e parafuso, trabalhei acho que um ano. Depois de um ano eu fui trabalhar em uma outra firma de multi esmeril. Sabe o que é multi esmeril?
P/1 – Não.
R – É aquelas duas pedras assim pra afiar faca, afiar ferramenta, broca. Fazia isso e fazia motor elétrico lá, nessa firma aí. Eletromecânica Schmidt, lá no Canindé. Fiquei seis anos trabalhando nessa firma. Como os caras estavam pagando muito pouco eu fui trabalhar em outra firma lá na 25 de abril, no Belém. Começamos a fazer máquina pra tecelagem, fazia vários tipos de peças, tamanho pra Sabesp.
P/1 – O senhor fazia as peças?
R – É, fazia as peças. Eram peças grandes.
P/1 – Com o quê?
R – Torno mecânico. Antes fazia parafuso, o torno revólver, não sei se você conhece torno revólver, torno mecânico. Antes fazia porca e parafuso, porca e parafuso, arruela. Depois me chamaram pra fábrica de máquinas. Fui lá, era torno grande, eixo, polia, era grande lá, viu? Trabalhei dez anos nessa firma aí, estava no Belém e depois fui pra Vila Formosa. Essas máquinas, tinha o desenho de uma outra máquina grande de fiação de tecido, aquilo virava algodão e ia pras tecelagens pra fazer pano. Eu fiquei sabendo por intermédio desse colega que eu encontrei esse ano, esse colega meu inclusive me ficou devendo um dinheiro porque falou: “Você me ajuda a fazer a máquina que depois eu pago pra você”. Eu ia trabalhar de graça pra ele de sábado, ia fazer bico pra ele, mas ele não tinha dinheiro e não me pagava. Aí não conseguimos montar a máquina. Eu fazia só as peças. Com dois corpos, era uma peça com sete metros de comprimento, cinco de largura mais ou menos. Era um tambor grande com essa altura assim. O tambor tudo cheio de fiapo, dois tambores. Uma ponta mais fina e outra ponta mais grossa, que passa primeiro na mais grossa, depois vai na mais fina e chega na ponta e sai fininho e depois vira tecido. Com essa máquina, esse senhor que a gente trabalhava pra ele, nós peguemo o contrato. “Se vocês conseguirem montar essa máquina eu dou tanto” “Tudo bem”, como eu era razoavelmente bom. Aí com essa máquina o homem ficou rico, mas o homem ficou rico, rico, rico! Ficou rico rico. Porque jogava lixo aqui e do outro lado saía ouro, dois tambores grande, sete metros de comprimento. Tudo cheio de... eu falando assim não dá pra entender, mas é um, pra depois virar pano. Aí o cara ficou rico, comprou dois apartamentos na Paulista, andar inteiro, comprou um sítio em Sorocaba, comprou fazenda em Goiás. Jogava plástico e do outro lado saía fininho pra poder fazer o pano, jogava lixo aqui e do outro lado saía ouro. Como nós tínhamos feito aquele contrato, pagar aquilo lá, ele pagou aquilo que a gente pediu, só que o homem ficou fico demais. Ficou rico, rico, rico! Já pensou? (risos). Parece que já morreu também esse ano, acho que está pros netos, filhos dele, né?
P/2 – Na verdade a melhor escola que o senhor teve foi a experiência, aprender a trabalhar no próprio lugar.
R – Sim, sim, foi, foi, foi! Aí, este colega meu falou: “Masaru, eu sei que estou devendo dinheiro pra você, a hora que sobrar um dinheiro eu vou te pagar. Agora perguntei pros colegas meus que eu te falei que encontrei, um dos colegas meus que está vivo: “Orra, mas parece que ele morreu. Ele até estava andando de bengala” (risos). O cara tem minha idade. “O cara estava andando de bengala, rapaz, acho que ele morreu”. Ih, caramba, agora não vou mais receber o dinheiro (risos). Mas mesmo assim eu saí, fui trabalhar no Ipiranga, mas aí já trabalhava com ouro e prata, coisa fina, não sujava tanto. Fazia aquelas peças, tudo quanto era emblema da polícia, do exército, avião, sabe? Fazia tudo quanto era coisa bonita, emblema, placa.
P/1 – Conta pra gente a medalha de meio quilo de ouro.
R – A gente fazia medalha. Sabe aquele Mercedes? Todo aquele emblema de Mercedes, da Ford, taça, medalha, medalhão, troféu, aquele troféu do Silvio Santos a gente fazia lá. Aquele troféu que o Corinthians ganhou, aquela placa grandona que dá do palácio do governo, era tudo feito lá. Eu fazia parte da manutenção e da mecânica. Esse Odebrecht, que está saindo muito aqui, a firma trabalhou muito pra ela. Maluf. Odebrecht era o que mais trabalhava, fazia muita coisa pra Odebrecht. Mas naquela época, deixa eu ver, trabalhei até 93, 94, em 95 fui pro Japão, naquela época. Dois medalhões de ouro puro, fizemos pro ministro Jerônimo Bastos na inauguração do Galeão do Rio de Janeiro e pro governo lá, como é que eu te falei? O Figueiredo. Quase um quilo de ouro puro. Eu trabalhei pra centrar porque cara e coroa tem que centrar os dois certinho e eu centrava aquilo lá. E dava o acabamento ainda, deixava redondinho com a ferramenta.
P/2 – Seu Dodo, e com quantos anos o senhor casou?
R – Casei com 34 anos, parece. É, com 34.
P/2 – E como é que o senhor conheceu?
R – Esse colega meu.
P/2 – O da semana passada?
R – É. Esse que nós fizemos o serviço, que morreu, também era muito amigo, sabe? Eu já trabalhava com ele também, ele comprou dois caminhões e ia comprar outro caminhão pra puxar ferro. Mas nós tínhamos nosso ofício, mecânico, torneiro, ferramenteiro, soldador. Mas ele queria trabalhar livre. Então ele tinha um FNM e tinha um Mercedes. Caminhão velho quebra muito. A gente ia puxar ferro. Era sempre assim, eu ia ajudar ele, fui arrumar o caminhão, pneu lá, um baita de um pneuzão lá e eu rasguei a calça. Rasguei a calça lá, ele falou: “Não, não, pode deixar, eu vou lá na casa da minha mãe que a minha mãe tem costureira lá, ela costura”. Eu já conhecia a mãe dele, a costureira eu não conhecia, não (risos). Cheguei lá, menina bonita pra caramba, cabelo comprido, o corpo violão. Era! Puta merda. Aí ele falou assim: “Parece que a moça gostou de você”. Ele já estava na dica pra ela, né? Eu falei: “Eu sou muito velho”. Ela parece que tinha 20 e poucos anos e eu já tinha 30, 31, eu sou quase 11 anos mais velho. Mas era muito bonita na época, cabelo comprido, corpo violão. Foi assim (risos).
P/3 – O senhor chegou lá com a calça rasgada e ela gostou do senhor?
R – É! Mas era muito. A verdade tem que ser dita, ela era muito bonita e o corpo violão. E eu velho, já 30 e poucos anos. Mesmo assim tive quatro filhas (risos). Foi assim que conheci.
P/1 – Vocês tiveram quatro filhas então.
R – Filha, tudo menina. Quatro meninas eu tenho.
P/1 – Ah, quatro meninas.
R – Quatro meninas, é.
P/2 – O senhor lembra desse período, quando as crianças nasceram?
R – Puxa vida, foi a maior alegria, sabe? A última é dez anos da penúltima.
P/2 – Ah, o temporão.
R – É! Porque assim, eu já estava com 51 anos e ela está com 40, mais ou menos. Não prevenimos nada e ela falou: “Estou sentindo um negócio, estou grávida de novo” (risos) “Ah, é? Deixa vir, né?” (risos). Foi assim.
P/2 – E a primeira, seu Dodo, foi mais difícil, primeiro filho, pai de primeira viagem.
R – Sim, eu aprontei. Aprontei. Aí, tem que falar a verdade, né? Em janeiro, antecipamos porque estava crescendo muito, casamos em dezembro (risos).
P/2 – Nasceu muito rapidinho a primeira então.
R – É. Depois de dois em dois anos apareceu e a outra depois de dez anos.
P/2 – Escadinha e depois teve a última.
R – Ela está em casa, voltou pra faculdade.
P/2 – E quantos anos ela está agora?
R – Vinte e oito, acho que é. É.
P/2 – Como que o senhor mudou da Penha para a Vila Carmosina?
R – Quando eu casei andei procurando casa ali na Vila Esperança que é na minha terra, mas não achava casa. E ela tinha três irmãs que moravam aqui no aeroporto, bem em frente ao aeroporto ali. As três irmãs eram cabeleireiras, costureiras. Então tinha uma casinha, inclusive a casa do outro lado morava o Carlos Gonzaga, não sei se vocês lembra do Carlos Gonzaga, (canta trecho de uma música). Lá morava muito artista. O padrasto do, esqueci, casou um monte de vezes, até casou outro dia.
P/3 – Fábio Júnior.
R – Isso, isso! O padrasto do Fábio Júnior morava ali perto. Então a minha cunhada, porque eles também são 11 irmãos, a família da minha mulher. Ela falou assim: “Vamos mudar pra outra casa maior e essa casa menor eu deixo pra vocês”. Eu deixo no meu nome, não precisa fazer contrato. Foi assim. Eu fui para o aeroporto de Congonhas, do outro lado ali, eu fiquei quatro anos morando lá. Depois comprei a casa lá na Carmosina.
P/2 – Então desde então o senhor mora lá onde o senhor está morando agora. Perto do SESC Itaquera.
R – Isso, isso, isso. Mas antes eu morava no aeroporto.
P/2 – Em Congonhas.
R – É, em Congonhas. É bem, bem, bem, onde tem aquelas luzes, é bem em frente.
P/1 – Quando o senhor se aposentou o senhor trabalhava nessa empresa que fazia as plaquinhas de ouro e prata, não é isso?
R – Isso, isso, isso.
P/1 – E quando o senhor se aposentou?
R – Deixa eu ver, 93. Eu aposentei em 91, trabalhei mais dois anos e a firma fechou. Sabe por que a firma fechou? A firma era de português, burro. Assim, eram quatro portugueses. Foram morrendo, foram morrendo, português bebe muito. Ficou um só, o gerente, aquela chefaiada, tudo, vendia as coisas por fora, sabe? E era uma firma que fazia serviço até para os Estados Unidos. Aí vendeu essa firma, mas não tem faculdade que coisa aquilo lá, é tudo por prática. Lima, fundição, tudo tem que ser por prática, não tem engenheiro pra fazer isso aí. Vendeu para um brasileiro que é um cara tipo Eike Batista, ele é casado com uma americana, ele tinha mina de ouro não sei onde, haras não sei onde, ele comprou mas não sabia tocar. Aí foi à falência. Mandaram aquele pessoal que ganhava um pouquinho mais: “Quando a firma melhorar a gente vai chamar”, só que a firma foi à falência, não levantou mais, aí fechou.
P/1 – O senhor se aposentou então com 53, 54 anos.
R – É. Com 55 eu fui pro Japão.
P/1 – O senhor aposentou e foi trabalhar no Japão.
R – Foi, foi.
P/2 – E foi junto os filhos?
R – Foi. Acho que primeiro foi eu e minha filha mais velha. Eu aprendi a cozinhar, fazer feijão, arroz. Depois chamei a do meio e a penúltima, aí foram. Depois veio a minha mulher e a caçula. A caçula tinha nove anos, parece. Eu sei que lá a escola é muito boa, já aprende a nadar, aprende a fazer física, aprende a cozinhar. A minha filha caçula era gordinha de tanto fazer ginástica, natação, ficou magrinha. Andar de bicicleta (risos). Hoje ela é esperta.
P/1 – Isso lá no Japão, né?
R – Foi, foi.
P/1 – O senhor trabalhou com o quê lá?
R – Primeiramente fui em fábrica de... estava te contando, né? Trabalhei com a Honda, fábrica de banco de carro da Honda, ali em Suzuka. Sabe Suzuka, onde tem o autódromo? Aquele autódromo é da Honda.
P/2 – Foi fácil arrumar um trabalho lá? O senhor foi porque já tinha uma coisa em vista?
R – Não. Geralmente você vai aqui na Liberdade e tem os pré-recrutando já. Se você não tiver dinheiro eles pagam e depois é descontado lá. Aconteceu comigo, pagaram e foi descontando a passagem. Eles não iam me mandar embora porque eu tenho que pagar eles (risos). Aí trabalhei um pouco, todo mundo trabalha terceirizado, é empreiteira. Fui trabalhar em empreiteira, então qualquer fábrica que tiver eles mandam, se precisar eles mandam. Trabalhei quase um ano na Honda. Depois eles me mandaram pra fábrica de banco de massagem, na época aqui não tinha, era lá. Tinha uma encomenda muito grande para os Estados Unidos, banco de massagem. Bate nas costas, bate na perna (risos). Aí como tinha muito peruano lá, peruano, bar de peruano, baile de peruano, time de peruano. E eu não sei falar nem inglês, nem japonês, não sabia falar nada: “Dodo san, você vai ser o tradutor” “Tá bom”. Porque espanhol, falando devagar dá pra entender, né? Eu vivia no meio daquela peruanada toda, só tinha peruano lá (risos).
P/2 – Japonês?
R – Tinha japonês também.
P/2 – Mas o senhor se virou sem o japonês.
R – É. Todo lugar que eu vou a turma gosta muito de mim porque eu não... eu chegava lá: “Dodosan” “Oi” “Koti Koti”, né? Vem cá, vem cá. Eu ia lá. Enganava lá. Puxa, puxa aqui. Aí eu enganava lá os caras. Eu via um peruano lá, a turma me chamava lá e eu ficava lá. Porque lá assim, toda firma tem a perua pra levar. Essa firma era a 20 quilômetros de onde eu morava, então tinha uma moça lá, uma japonesinha, dirigindo a van pra levar nós. Só que no fim, ainda a moça engraçou comigo, puta vida (risos), todo mundo ficou sabendo.
P/2 – Até a sua esposa aqui no Brasil?
R – Minha esposa? Não sei não, nunca falou nada pra mim. Mas a minha prima, que era a filha do Tanaka que mora lá ainda, mudou pra lá, prima do meu pai. Ela falou pra mim: “Usa preservativo, hein?” (risos).
P/1 – Aí o senhor voltou do Japão e o senhor está curtindo aqui essa vida.
R – É, não trabalhei mais. Me chamaram pra fazer alguma coisa, mas eu não quis fazer mais nada. Aí estava indo pro SESC (risos). Deixa eu ver, foi assim, teve a Copa. Acabou a Copa, passou acho que um ano e voltei. Mas assim, aquele lá teve a Copa lá e na Coreia, mas assim, tem uma vila Sasagawa, tinha dois mil e 500 brasileiros morando lá. Brasileiro, peruano.
P/1 – O senhor estava no Japão quando teve a Copa?
R – Tava, tava. Depois que acabou a copa, depois de uns seis, sete meses voltei. Lá sim, o prefeito da Sasagawa lá, tem um terreno grande e como tem muito brasileiro, peruano, os caras colocaram lá churrasquinho, cerveja, caipirinha e telão.
P/1 – É?
R – É. Só que não fui em estádio nenhum, é muito longe (risos). Foi na Coréia e no Japão, em Tóquio, lugar mais longe, então não fui.
P/1 – E agora que o senhor voltou pro Brasil, o que o senhor está fazendo hoje em dia com o tempo livre que o senhor tem agora, de aposentado?
R – Eu vou lá no SESC fazer ginástica, jogo vôlei lá. De vez em quando tem as corridinhas. Antigamente tinha tênis de mesa, eu jogava tênis de mesa. Depois no intervalo eu fui jogar em Santana do Parnaíba, comunidade de lá, essa aqui de Osasco. Aí fui jogando. Joguei ali na Mooca, vou fazendo essas coisas aí.
P/1 – Eu ouvi dizer que o senhor aprendeu algumas coisas novas aí desse tempo que o senhor tem agora. Tocar pandeiro.
R – Ah, sim, sim! Toquei pandeiro e eu saí na escola de samba. Essa escola de samba, quando tem o baile da terceira idade no Juventus da Mooca, eu já fui quatro vezes lá no Juventus, fui em Águas de Lindoia, Caxambu, Lambari. Nós fomos em Barueri. Tocar. A gente vai tocar por aí.
P/2 – E onde o senhor aprendeu a tocar pandeiro?
R – Tem uma senhora lá na Barra Funda, tinha o mestre da Vai Vai e o mestre do Peruche, então eles ensinavam o pessoal da terceira idade, ia aprender lá, a gente pagava por mês lá.
P/2 – E o senhor faz parte também do grupo da terceira idade lá do SESC?
R – Sim. Eu estava falando pra ela, pena que não tem mais competição. Antigamente tinha mais competição.
P/1 – Pros campeonatos.
R – É. A vida é mais ou menos isso mesmo.
P/1 – O senhor é um atleta, né?
R – Mais ou menos, já corri mais.
P/1 – Vôlei, futebol...
R – Treinei judô.
P/1 – Essa interação com os esportes foi do pai do senhor.
R – Sim, sim. Treinei judô. Sei lá, ainda estou mais ou menos, sou de cinco de nove de 39. Não pego quase gripe, eu estava falando pra ela.
P/1 – O senhor quer contar mais alguma coisa pra gente? História que o senhor tenha vivido aí com essa nova vida de atleta, jogador de vôlei, jogador de futebol.
P/2 – Tocador de pandeiro.
R – Então, é mais ou menos isso que eu falei. Em Santana do Parnaíba a gente ia lá, a gente não ganhava, mas não tinha nem tamanho pra jogar, eu estava de teimoso lá. Mas assim, como eu estava te falando, de manhã chegava lá, tomava café, tinha o almoço e depois volta. E depois tem os campeonatos que a gente vai disputar. Tem sempre torneio. Tem um torneio que nós fomos ali na... são duas cidades que fizeram torneio lá. A terra do 51 aí, como é que é?
P/1 – Pirassununga.
R – Pirassununga, é. Nós fomos lá, que tem que ir na sexta-feira. Na sexta-feira a gente dormia lá no clube lá, saía cinco horas da manhã. Lá nós ficamos em terceiro lugar. E o pessoal de Pirassununga, você chega lá e eles colocam um monte de comida pra você lá: laranja, maçã, sanduíche, refresco, toda hora a gente está comendo. Como tirei o terceiro lugar o técnico lá falou: “Pô, mas tinha quatro times, tiramos o terceiro” (risos). “Mas como nós tiramos o terceiro lugar, vamos pra churrascaria”. Já tinha comido bastante, mas mesmo assim fomos, levaram nós pra churrascaria. Depois nós fomos num torneio perto de Sorocaba, foram quatro dias. Dormimos numa escola, tomava banho. Café, almoço, janta, lanche. E nesse dia nós ganhemo também, inclusive encontramos Jair Rodrigues lá, estava vivo, estava dando baile, a gente ficou lá no show do Jair Rodrigues, porque tem baile lá, quem quiser ir no baile tinha. E acho que foi nesse dia, não me lembro se foi nesse dia ou outro torneio. Acho que não foi nesse, não sei se foi. Nós fomos campeões em tudo lá: baralho, dominó, tênis de mesa, natação, dança, dança folclórica. Aqueles times que iam perdendo iam caindo fora e nós ficamos uma meia dúzia de times lá no final. Mas tinha tanta comida lá, tanta comida, rapaz, que nós fiquemo pro final, né? É bom por causa disso, sobrava comida pra nós. E esse lance também foi preparação pra ir pra Santos, acho, se não me engano. Nosso time acho que tinha 12 jogadores, tinha que ter seis reservas. E eu estava na reserva lá, baixinho. Tinha um japonês mais baixinho que eu ainda, só que é japonês mesmo. Ele corria pra caramba. Eu estava na reserva lá. São três sets. O primeiro set perdemos, estava perdendo o segundo set. Aí o técnico: “Dodo, entra aí!”. Consegui salvar o time. Por sorte, consegui salvar o time. Empatemo e ganhemo no tie break (risos), aí conseguimos classificar. O colega meu falou, os jogadores deles: “Orra, se esse japonês aí é reserva, e os outros, como é que são?”. Mas tá perdendo, velho (risos). Cerquilho, foi Cerquilho.
P/1 – Cerquilho é o nome da cidade.
R – É. É aqui perto. Acho que Cerquilho é aqui perto da... é uma coisa interessante, né?
P/1 – Qual é a unidade do SESC que o senhor já frequenta ou frequentou?
R – Eu frequento Itaquera, mas eu sempre sou chamado aqui no Belenzinho, fui no Pinheiros, fui Santana, Osasco, vários.
P/1 – E o senhor foi pra visitar essas outras unidades?
R – É. Ali Santana nós fomos ensinar o pessoal lá a jogar, fazer o negócio da terceira idade. Lá em Pinheiros, fica perto daqui Pinheiros, né? Então, nós fomos disputar lá e meu time foi campeão.
P/1 – Ah, campeão do quê?
R – Do torneio.
P/1 – Torneio de?
R – De vôlei.
P/1 – De vôlei adaptado.
R – De vôlei adaptado.
P/1 – O senhor é um exímio jogador de vôlei agora, é isso?
R – É assim, eu sou mais ou menos. Tem um grandão lá, o Ed, tem dois metros de altura, um alemão lá. Grandão, dois metros. Quem jogar com ele, ninguém consegue pegar a bola dele, o cara tem dois metros, ué! Eu sempre fui do time dele. Nós fomos em Campinas e fomos campeões também, ele estava no meu time (risos).
P/3 – Seu Dodô, esse time é unido? Vocês são amigos fora do SESC, é um time unido?
R – É. Só tem uma pessoa que eu briguei lá, eu não me dou com ele.
P/2 – Por que vocês brigaram?
R – Porque assim, pensa que japonês é bobo? Então é Watanabe, parente dos Watanabe lá de Bastos. Aí começou a falar muita bobagem pra ela, me doí por ela. Pô, fala bobagem pra moça? Eu falei: “Bobão, você é um grandão”. Já sabe quem que é. Até o tal de Masarinho, Masaru também, é um baixinho do meu tamanho e estava fazendo pouco desse Masaru aí. Nós estava treinando handebol com a Carol, aí que me ensinaram a jogar handebol. Eu falei: “Vai pra puta que o pariu, não enche o saco, rapaz, você quer me tirar”. Aí começou a falar, falar: “Fica quieto aí, meu”. Ele estava sentado no banco, aquela bola de handebol é meio pesada, né? “Filho da puta. O que você falou de mim?”, e pá. Colocou a mão e não pegou na cara dele. Aí a turma do deixa disso foi lá: “Deixa pra lá, não dá bola pra esse cara que ninguém gosta dele”. Eu briguei com ele, foi a única pessoa.
P/2 – Mas fora isso o grupo é bem bacana.
R – Bem bacana, bem bacana. Tanto é que não dava nem para eu ver a cara dele e eu mudei de grupo. Mudei pro grupo mais fraco, mas é o lugar onde a gente se sente bem. Eu estou no lugar mais fraco, mas eu me dou bem com todo mundo (risos).
P/1 – (inaudível), de handebol. Você arranja amigo, arranja inimigo, arranja todo mundo nesse jogo.
R – Eu estava contando aqueles casos do Japão, você vê que a pessoa tudo gosta de mim. Até os filipinos, tem muito filipino lá. A firma que eu trabalhava lá, de banco, nas Filipinas também tem uma filial, então aquele pessoal das Filipinas... e as filipinas são bonitas, viu? São muito bonitas, é muita mistura de raça, tudo mestiço lá. E são pobres. Então no Japão as casas são pequenas, pega móvel, televisão, está tudo assim no lugar pra você ir lá pegar. Eu cheguei lá, vendo lá, tinha uma filipina lá, ela fala inglês, eu não falo nada. Aí ela estava falando que ela queria pegar um videocassete naquela época. Novinho estava. Eu falei em português, mas dá para entender. Aquilo? É. Aí eu fui lá, catei, amarrei na bicicleta dela, que ela estava tudo de bicicleta, porque o pessoal que vem das Filipinas ganha uma bicicleta e alojamento pra andarem por lá. Eu catei uma bicicleta e elas ficaram contentes, beautiful. O que é beautiful? (risos). Tem um lance lá, você não foi pro Japão, né? Ninguém buzina pra ninguém lá, ninguém buzina.
P/2 – As pessoas são educadas.
R – É. O cara fala: “Eu tenho carta do Japão”. Grande coisa porque ninguém ultrapassa ninguém lá. Você vai lá ver aquelas trombadas, aquelas porradas, tudo brasileiro. E um peruano lá que morreu, que corria muito. Mas japonês tudo atrás do outro.
P/2 – Tudo disciplinado.
R – Muito disciplinado. Aí o prédio onde nós estava, nós aluguemo lá, tinha um japonês que morava na Liberdade que casou até com uma brasileira. Depois como aqui na Liberdade não estava dando dinheiro voltaram pro Japão. Então ele está trabalhando de despachante, fazendo pequenos serviços de hospital, prefeitura, tirar carta. E servia pra fazer essas coisas. Nós tinha ido não sei onde, levei a família, tal, estava voltando pro apartamento. O lugar onde eu estaciono tinha um carro lá. Então minha filha falou: “Buzina, buzina, papapa”. Pô, saiu o japonês lá bravo, rapaz. Bravo. Aí foi falar ele lá: “Não sei o quê, que eu tenho não sei o quê, eu tenho bastão de basebal” “Pô, mas pra bater em mim?” O cara é uns dez anos mais novo que eu, dez 15 anos. Mas o cara viu eu carregando televisão, carregando um monte de coisa e falou: “Esse brasileiro é forte”. Mas assim, tudo, deixa pra cá, deixa pra lá. Mas um cara mafioso que vive de jogo, primeiramente os caras, tinha um Mercedes preto lá, quebraram o vidro do Mercedes preto dele, encostado do lado do meu. E onde eu encosto estava a amante desse cara. A namorada dele, vai. Aí, buzinou, o cara apareceu e deixa pra cá, deixa pra lá, conversa pra lá. Não cheguemo a se agarrar, cada um foi prum lado, tudo bem. Passou uns 15 dias, acho que ele estava devendo dinheiro pra esses caras aí, mafioso, o gangster. Tacaram fogo no Mercedes dele. Aí como o meu estacionamento é encostado no dele, começaram a gritar: "Kadi, kadi“, saí de calção, correndo e consegui tirar o meu carro. O carro dele pegou fogo. Mas mesmo assim, na lateral, meu retrovisor, derreteu porque é plástico. E o bombeiro foi lá e andou fazendo pergunta, como é que era, como que não era. O cara falou que eu tinha brigado com ele e achava que eu que tinha tocado fogo no carro dele. Aí eu contratei esse cara que morava na Liberdade pra ser despachante. Eu não falo japonês, nada, como ele é japonês, fomos lá na delegacia, conversamos se o cara ia pagar o carro que pegou fogo. Tem uma moça, nem parece delegacia, não tem revólver, ninguém usa revólver lá. Aí ele falou: “Nós vimos a ficha do outro, o outro não é gente boa”. Como eu trabalhava lá na empreiteira eu tenho serviço fixo. E vamos fazer o seguinte, cada um paga o seu pra não... você vê que coisa. Eu não sei se o cara não quis brigar comigo porque ia dar problema pra ele, não sei. Mas ele não esbarrou a mão em mim. O cara era bem mais novo que eu. Foi assim, mas é coisa que acontece. E ninguém buzina pra ninguém lá.
P/2 – É, uma vez que buzinou deu tudo isso de confusão.
R – Deu toda confusão. A minha filha também não sabia, né? É a mais velha. Lá ninguém buzina pra ninguém.
P/2 – Seu Dodo, tem mais algum causo que o senhor queria contar pra gente, ou se agora, da vida do senhor de agora, aposentado, de quando o senhor trabalhava, de quando era criança? Da família do senhor.
R – Praticamente eu falei quase tudo. Era uma fazenda muito pobre, não tinha casa (risos). Acho que eu já contei quase tudo dentro do que eu fiz.
P/2 – Seu Dodo, quando o senhor casou teve festa?
R – Teve, teve. Teve lá um bolinho, quebra gelo, uma cerveja (risos).
P/2 – E onde que foi?
R – Foi na minha casa mesmo lá, onde eu morava, casa alugada.
P/2 – E teve vestido de noiva ou não?
R – Vestido de noiva tinha. Ela casou e noiva pra não aparecer muito (risos), tem que falar a verdade.
P/2 – Ela estava com uma barriguinha já.
R – Já, já.
P/2 – E quando os filhos do senhor nasceram já foi no hospital, como foi?
R – Agora foi. Como eu sou sócio do sindicato há muitos anos, foi pelo sindicato. Naquela época o sindicato tinha hospital bom, agora não tem muito. Mas as duas primeiras nasceram no hospital do sindicato, na Liberdade.
P/2 – E as filhas, o senhor vê bastante, convive bastante com elas?
R – Elas moram longe. A mais velha está no Japão, está morando não sei com quem lá. A segunda mora em Registro aqui, a gente não vai muito pra lá. A terceira mora em Umuarama. É longe, divisa de Mato Grosso, é longe, onze horas e meia de viagem, 900 quilômetros. Umuarama, Descalvado praquele lado.
P/3 – E a esposa do senhor acompanha o senhor no SESC?
R – Nunca foi.
P/3 – Nunca foi?!
R – Não, só fica me xingando, só.
P/3 – Mas tem que levar ela pro SESC.
R – No começo, eu levei ela. Eu sempre dancei em festa junina lá vestido de cangaceiro, de espingarda. Ela foi assistir algumas vezes, nesses anos não está tendo mais. Ela foi umas vezes lá, mas ela não tá indo mais.
P/2 – Antigamente tinha festa junina no SESC.
R – Tinha. Tudo bem fantasiado. Dava roupa, dava chapéu.
P/2 – Ai que delícia!
R – É. Eu tenho chapéu, tenho roupa lá com espingarda, de cangaceiro (risos).
P/1 – Ela não gosta de ir lá com o senhor então.
R – Ela não vai.
P/1 – É o Clube da Caminhada, ginástica. O que mais o senhor faz mesmo? É o Clube da Caminhada do sábado. Daí na quinta, na quarta e na sexta é o que mesmo?
R – A gente faz o esporte e a ginástica. Alongamento. Lá o alongamento é bom, viu? Vem o pessoal de fora e não dá nem pra comparar o pessoal do SESC.
P/1 – E na piscina, o senhor não gosta de ir, não?
R – Gosto, mas eu não estou indo porque me deu herpes zoster, estou com a mancha ainda, então não pode cloro, sol, dói pra caramba.
P/1 – Mas o senhor costumava ir na piscina lá do SESC Itaquera?
R – Já fui umas vezes, mas não vou muito, não.
P/2 – Eu não conheço a unidade lá em Itaquera, seu Dodo, como que é?
R – É muito grande lá, acho que é o maior SESC de São Paulo, viu?
P/2 – Eles têm uma área verde.
R – Tem área verde, tem dois campos de society, campo de areia.
P/2 – Então dá pra aproveitar bastante.
R – Tem churrasqueira lá pelo meio das árvores. Dá pra aproveitar bastante.
P/2 – O senhor já fez churrasco lá?
R – Fiz.
P/2 – Fez? O senhor está escondendo, não está contando tudo o que o senhor faz lá.
R – É que a gente esquece, a gente esquece.
P/2 – O senhor já foi a alguma show grande lá que o senhor lembra?
R – Teve o show do KLB na época que estava no auge, as meninas tudo correndo atrás. KLB.
P/2 – Ou um outro pequenininho que o senhor tenha gostado. Porque o senhor fica lá no sábado e às vezes tem, não tem? Teatro, uma dança.
R – Tem. Puxa vida.
P/2 – O senhor estava lá quando teve as Irmãs Galvão?
R – Estive. Irmãs Galvão. Aqueles dois que já morreram, eu esqueço o nome... Irmãs Galvão, deixa eu ver, aquele sanfoneiro lá que morreu.
P/2 – Dominguinhos?
R – Dominguinhos. Ele estava tocando sentado já, que não aguentava mais.
P/2 – Tadinho.
R – É. Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo.
P/2 – Tudo isso o senhor viu lá.
R – Estive. Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo. Jerry Adriani, ele é do Carrão, né?
P/2 – Ele é do Carrão? Não sabia, não.
R – É, morou no Carrão. Zeca Pagodinho. Zeca Pagodinho eu não sei se foi lá. Mas foi aquele outro lá, todos aqueles sambistas foram lá.
P/2 – É gostoso, né?
R – É.
P/2 – É um lugar bonito. Dodo, acho que a gente está encaminhando pro fim, o senhor quer contar mais alguma coisa pra gente?
R – Por cima eu já contei quase tudo, né? Eu fui no Japão, de lá eu principalmente, todo mundo, assim, nunca briguei com ninguém, sempre todo mundo gostava de mim lá no Japão. Porque eu dava atenção pra todo mundo, né? Ajudava todo mundo. No carro eu vinha contando que eu trabalhei na esteira lá, mas é que assim, pra você ver, um jogo de banco sai em menos de um minuto, é muito corrido lá. E eu ajudava todo mundo que pudesse ajudar. E teve um que era repositor do supermercado que não conseguiu fazer porque além de ter a perna meio arcada, é 55 segundos, os bancos vem um atrás do outro. Eu tinha que colocar o plástico, o selo pra registrar no computador, pegar o _1:13:31_, pegar o banco e colocar na outra esteira pra ir pro despacho lá, pro armazém. Então não conseguiu. Depois tem muita gente que consegue, eu já era velho e conseguia, mas no começo é muito rápido aquilo lá, tem que treinar bastante. O cara ficou dois dias e não conseguiu colocar um banco (risos). E também o cara era repositor do supermercado brasileiro e peruano e fazia churrasquinho. O cara estava fazendo churrasquinho lá (risos).
P/2 – Mas o churrasquinho dele é bom.
R – É bom! A japonesada ia comprar lá. Porque churrasco japonês é tudo pequenininho, carninha pequenininha. Brasileiro não, bifão. Naco de carne espetado lá. Porque tem muita carne lá. Não no Japão, no Japão não tem carne nenhuma, mas vem de fora (risos).
P/3 – O senhor gosta de um churrasquinho?
R – Ôpa (risos). Ia lá pegar no supermercado brasileiro e peruano lá. A turma fala que não tem nada lá, tem tudo agora. Tudo, tudo. O que eu acho caro é peixe lá, peixe é caro.
P/3 – E a comida é totalmente diferente da comida que a gente come como comida japonesa, é totamente diferente lá no Japão, né, seu Dodo?
R – É. Assim, mas se você quer feijoada tem, se você quer pastéis, tem, mas é tudo brasileiro que faz. O brasileiro não quer trabalhar e fica fazendo lá.
P/3 – Mas é trabalhar fazer comida pros outros comerem. Mas e o sushi, seu Dodo? É igual ou diferente? Eu tenho curiosidade.
R – Sushi é igual.
P/3 – É igual?
R – É. Igual porque assim, lá onde eu morava, perto do centro de Suzuka, tinha restaurante indiano, chinês, japonês. Se você quiser comer sushi é uma esteira que vem rodando. Cada pratinho daquele tem um desenho e cada desenho é um preço. Às vezes quando você quer uma bebida, uma coisa que não tem, tem um microfone lá pra você falar (risos). Aí eles colocam na esteira e vem.
P/3 – Ah, então é meio automático.
R – É. E tem o restaurante. Você come duas horas, fica sentado duas horas. Primeira coisa que eu ia lá era pegar um monte de sushi. E a mesa assim, tem três aqui, três aqui e no meio tem o fogareiro. Aí você vai pegar a carne e assa a carne. Mas carne japonesa é pequenininha assim, sabe? (risos) Não é bifão que nem brasileiro. E assa e vai comer. Tem o shoyu, aquelas coisas. Você pode ficar duas horas comendo ali. Tem até macarronada. Só não tem arroz e feijão.
P/1 – Mas se pedir tem, não tem, feijoada, que você falou?
R – Não tem, aí é só macarronada. Agora assim, aí você tem que ir numa casa de brasileiro lá que tem. Pastel (risos).
P/2 – Quando o senhor era pequeno, os pais do senhor fazia alguma comida oriental? Ou era tudo mais do Brasil?
R – Não, não, porque na terra onde eu nasci só tem japonês, então fazia muito. Mesmo quando a gente veio pra Penha a minha mãe sempre fazia, estava acostumada.
P/1 – O que ela fazia?
R – Sushi, nigiri (risos), kemono (risos).
P/2 – Do que o senhor mais gostava?
R – Eu gostava muito de nigiri de sardinha. Fazia nigiri assim, arroz assim, colocava uma parte de sardinha aqui. Colocava num prato, colocava shoyu e comia.
P/2 – Essa é a lembrança que o senhor tem da comida da sua mãe.
R – É. Puxa vida, o que ela fazia. É verdade, é verdade! Esse nigiri de sardinha. Eu comia muita sardinha, por isso que não sei (risos).
P/2 – Se o senhor comer um nigiri de sardinha vai lembrar da infância.
R – Puxa vida! Minha mulher não faz, ela não gosta de nigiri. E o sushi também ela não gosta. Aí eu vou lá na feira e compro, eu mesmo faço e como. Limão, ajinomoto e shoyu. Ajinomoto sabe qual é, né? Aquele...
P/2 – Um tempero.
R – É. Eu gosto muito daquilo lá.
P/1 – É gostoso mesmo.
R – Então, a gente ia muito de sábado comer nesse restaurante, já pensou comer duas horas? Vai pegando...
P/1 – E vai comendo.
R – É.
P/1 – É melhor do que os almoços dos campeonatos de vôlei?
R – Ah, sim, sim, sim.
P/1 – Que também tem bastante comida.
R – É. Agora se você quiser comer só sushi, no sushi como eu estava falando, tem uma esteira que vem tudo quanto é tipo de sushi lá. E aqueles peixes mais nobres, é caro lá, viu? Carne é mais barato lá, bem barato, que vem a carne da Austrália. Puxa vida, é uma lembrança boa. Só vim embora porque chegou a idade, vim embora.
P/1 – Lá não é muito frio?
R – É. É frio, frio. Mas assim, você não sente frio lá porque a roupa lá é toda já preparada. Quando neva já tem a corrente, a roda pra neve. E tem um lugar que a gente ia esquiar lá também. Tinha um lugar lá que é um morro ali em cima assim, tem um elevador pra levar a gente lá. Aí você ia lá comer lamen, uma espécie de uma sopa. Lamen aqui também tem, é um negócio de uma sopa quente que você come lá. E a turma vai esquiar lá.
P/2 – Depois dessa viagem pro Japão o senhor fez alguma outra viagem que marcou, que o senhor gostou muito? No Brasil ou fora?
R – Eu nunca saí daqui. Só vou viajar pra casa da minha filha, eu gosto bastante de lá (risos).
P/2 – Tem que ir pros passeios do SESC, seu Dodo.
R – Não, do SESC, deixa eu ver. Eu fui pra Holambra, Paranapiacaba, Santos.
P/2 – O senhor foi. O senhor falou que não foi pra lugar nenhum.
R – É modo de falar, de ficar perto, né? Fui pra Holambra, Paranapiacaba, Santos, ali na serra do, como que chama aquela serra de Santos.
P/2 – Serra do Mar.
R – Não, lá em Santos, tem a serra lá perto do porto. Tem um bondinho lá, a gente andou de bondinho.
P/1 – Paranapiacaba?
R – Paranapiacaba também fui. Não, lá em Santos. Serra do... tem até, antigamente tinha jogo lá, tem uma igreja. Quer dizer, agora não tem nada disso, deixou aquilo lá e tem um bondinho pra subir a serra.
P/1 – Não sei.
P/2 – Foram legais esses passeios com o grupo inteiro, um monte de gente, passear?
R – Nós andemo de bonde, não pagava nada porque o bonde é pra turista, lá onde tem o café. Fomos lá onde faz o café.
P/1 – Ah, o Museu do Café.
R – Isso, isso, isso.
P/1 – Ah, lá é legal mesmo, é o centro antigo de Santos ali, né?
R – Isso. Nós andemo de bonde, tudo de graça porque estava incluído no passeio. Eu fui aí com o SESC, que eu me lembro, né?
P/4 – Nesses passeios a sua esposa foi?
R – Ela não vai pra lugar nenhum, ela só me xinga.
P/2 – Ela gosta muito de ficar em casa?
R – É.
P/2 – E o senhor tem rodinha no pé.
R – Sim. Eu falo: “Puxa vida. Quarenta e poucos anos, eu estou pagando as despesas, você não pode reclamar”. Muitas vezes eu chamei ela pra ir, mas é o gênio dela, sabe? O gênio dela, sei lá, nem pra casa das irmãs. Eram 11 irmãos, poxa vida.
P/2 – E ela não gosta de ir.
R – Não. Tem uma irmã que mora em Pernambuco.
P/2 – Que delícia!
R – É.
P/2 – Dá pra conhecer o litoral do Pernambuco.
R – É. Ela morou em Jaboatão dos Guararapes, ali encostado. Agora mora em Jaboatão. Mas praia da Boa Viagem, eles moraram lá. Porque o meu concunhado é técnico de avião então ele ganhava muito bem. Mas ele morreu, eu estava falando pra ela.
P/1 – (inaudível).
R – É. Ele veio se tratar aqui no Sírio Libanês, veio duas vezes. O cara tudo cheio de aparelho na barriga, na garganta, não passava mais nada. E a minha cunhada: “Parece que agora está melhorando, está com uma cor bonita”. Olhava assim: “Pô, mas o cara todo cheio de aparelho, não bebe água, não faz nada”. Aí levaram de volta pra Boa Viagem. Daqui passou uns três meses e voltou pra cá e morreu aí. Não tinha jeito. Não passava mais nada na garganta.Trouxe até uma enfermeira de Pernambuco pra cuidar dele. Dar banho.
P/1 – Dodo, a gente encerrou nossas perguntas, a gente queria agradecer ao senhor por ter se disposto a conversar com a gente. Eu não sei se o senhor quer falar alguma coisa.
P/2 – Eu queria perguntar uma coisa, seu Dodo. Como foi contar pra gente essa história de vida do senhor, como é trazer essas memórias pra gente? Como foi essa experiência pro senhor?
R – Foi muito boa, puxa vida, demais, viu? Muito boa! Agradeço por ter me escolhido, contar um pouquinho da minha vida, que eu trabalhei muito na vida (risos). E conheci o Japão. Quer dizer, também não conheci muito. Tem uma história assim, uma história bem legal do Japão. Tem um colega meu lá: “Ô, você não quer ir lá pra...”, deixa eu lembrar o nome da cidade lá. É meio longe. É um lugar frio, onde tem festival de esqui. Nagano! Nagano! “Eu tenho uma sobrinha que mora lá e faz tempo que eu não vejo ela, vamos lá passear em Nagano?” “Vamos, uai!”. Aí fomos, eu dirigi um pouco, ele dirigia outro e foi embora. Nós saímos de Suzuka, que é no Sul e lá no Japão é ao contrário, sul é mais quente que norte. Cheguemo lá em Nagano frio, frio pra caramba lá. Dormimos na casa da sobrinha, dei umas passeada por lá e voltamos. Conhecemos lá, tem muito castelo. Castelo Ueda, Castelo de Nagoia, tem muito castelo lá. E voltamos. Tem um túnel lá de oito quilômetros. Agora aqui não sei se tem, oito quilômetros. Na volta eu vinha dirigindo e aquele negócio, nunca acabava aquele túnel, rapaz, oito quilômetros! Aí quando passem o túnel ele falou: “Vamos comer alguma coisa?” “Vamos”. Ele já tinha ido várias vezes pra lá, então: “Pode ir no posto de gasolina”, porque posto de gasolina também tem. Mas entramos numa entradinha assim, tinha uma casinha lá, um barzinho lá. Entramos lá, luz apagada, não tinha ninguém. “Não tem ninguém aqui”. Eu não estou acostumado. Ele foi lá, acendeu a luz, ligou a televisão e falou: “Vamos comer um lamen, tomar um café, alguma coisa?” “Vamos comer um lamen”. É tudo na moeda lá, os refrigerantes. Aí colocamos a moeda, peguemo o lamen lá, comemo o lamen assistindo televisão. Depois nós peguemo não sei o quê, um café, tudo com moeda, coloquemo a moeda, tomemo café, ninguém lá. Aí ele desligou a televisão, apagamo a luz e viemo embora. Vê se faz uma coisa dessa aqui?! Ele já conhecia, né? Ia sempre lá (risos). E eu como sou brasileiro, tudo o que tiver na mão aí eu vou catar. Ele também é brasileiro, mas ele já conhecia (risos). Você vê que coisa, rapaz, não tem ladrão lá. Os caras fazem mil coisa pra ladrão não pegar e lá deixa aberto. Você vai nos parques também está tudo assim, refrigerante, chá, coca-cola, tudo, no meio do mato. Você coloca uma moeda e você toma um chá, uma coca-cola. Aqui o cara pega o martelo e quebra pra pegar (risos). Essas coisas curiosas.
P/4 – Muito obrigado, viu?
R – Puxa vida, a minha é uma pequena história que deu pra contar.
P/4 – Maravilha, o senhor gostou?
R – Muito!