Infância de brincadeiras em Santos. Sonho de ser motorista inspirada pelo pai. Trabalho em uma profissão anteriormente dominada por homens. Abertura da sua própria empresa de doces gourmet.
Sem medo de arriscar
Autor: Ana Lúcia Conceição de Assis
Publicado em 28/01/2021 por Fernanda Regina Ferreira dos Santos
Projeto BTP Mulheres empreendedoras
Depoimento de Ana Lucia
Entrevistado por Jonas Samaúma
São Paulo, 09/11/2020
PCSH_HV883
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Fernanda Regina
P/1 - Então, é Ana, né?
R - Isso.
P/1 - Eu queria que você pudesse fechar os olhos e pegar uma vara de pescar das lembranças. E buscasse qual é a sua memória mais antiga, a primeira Lembrança que você tem nessa vida.
[pausa]
R - Eu lembro que eu era pequena, aprendendo a andar de bicicleta. É a memória.
P/1 - Pode abrir.
R - Nossa (risos).
P/1 - E era onde que você estava andando de bicicleta, você lembra?
R - Minha mãe tinha acabado de comprar a casa, lá onde a gente mora. E foi uma mudança muito diferente pra mim, porque a gente morava em Santos e nós fomos para São Vicente, longe da família, mas ali eu... Dali surgiu a minha vida.
P/1 - Indo de Santos para São Vicente que surgiu a sua vida?
R - Isso.
P/1 - Como assim?
R - Porque dali foi a minha história, entendeu? Eu era pequena, tive meus momentos aqui em Santos, que a gente vivia de aluguel, e lá foi onde minha mãe batalhou pra comprar a casa, onde todo mundo falou "Nossa, de Santos para São Vicente?". E ali foi o lugar que eu me identifiquei.
P/1 - Então a gente vai chegar mais profundamente lá. Queria te perguntar se você teve algum contato com seus avós.
R - Só com a minha vó.
P/1 - Só com a sua avó.
R - Só com a minha avó materna, a única que eu conheci.
P/1 - E você sabe um pouquinho a história deles?
R - A minha avó era da Bahia e veio para cá pra São Paulo, e eles sempre trabalharam... Assim, o pouco que eu sei, na roça. E minha vó era bem inteligente. É o pouco que eu conheço deles... Da minha avó materna, é isso daí.
P/1 - E você tem alguma memória, de você com ela?
R - Tenho. Tenho uma memória que eu ia para Mongaguá, que ela morou em Mongaguá, a cachoeira. A gente ia muito para a cachoeira.
P/1 - Nossa.
R - Ela trabalhou no Poço das Antas. Não sei se vocês são daqui. Ela trabalhou no Poço das Antas, que é região de Cachoeira. Então tenho bastante memória de lá.
P/1 - Você lembra de algum episódio específico no Poço das Antas, algo que ela te disse?
R - Especificamente assim, não.
P/1 - E ela era mãe da sua mãe, né?
R - Isso.
P/1 - E a sua mãe, você sabe um pouquinho da história dela?
R - A minha mãe era batalhadora. A minha mãe também começou trabalhar cortando Samambaia em Mongaguá para vender, para a minha vó vender. Trabalhou fazendo ruas em Mongaguá, colocando paralelepípedo. E depois conheceu meu pai, veio para Santos, aí trabalhou em fábrica de refrigerante. Eu me espelho muito assim nela, porque minha mãe é super batalhadora, minha mãe tem 68 anos e até hoje está trabalhando. Agora tá trabalhando comigo, né?
P/1 - Tem alguma... Por que que você acha que sua mãe é batalhadora, o que você lembra da sua mãe estar batalhando que você viu?
R - Justamente quando nós fomos de Santos para lá, porque nós compramos um terreno, eu lembro que eu a ajudava a carregar carrinho de areia, que meu pai trabalhava e ela estava lá ajudando a acelerar pra construção. E a minha mãe carregando carrinho de material de construção de aterro para colocar na casa. Então assim a minha mãe é um faz tudo, a minha mãe ela sobe em casa para limpar caixa d'água, minha mãe usa... Faz cimento, se tiver que acimentar, então a minha mãe é guerreira (risos).
P/2 - Qual o nome da sua mãe?
R - Leonice.
P/1 - E aí a Leonice ela conheceu o seu pai... Qual o nome do seu pai?
R - Francisco.
P/1 - Eles se conheceram como, você sabe?
R - Meu pai era motorista de ônibus. E minha mãe acho que vinha pra Santos, se não me engano, a minha mãe fazia um curso de enfermagem. E eles se conheceram, ela era passageira e ele era o motorista.
P/1 - Nossa. Mas aí eles falaram como rolou o romance?
R - (risos) Falaram, falaram sim. Eles brincam até hoje, que a minha mãe é negra, então meu pai fala que foi enganado por ela, toda de branquinho, roupa branca, com aquele cabelo alisado. E meu pai é do rio grande do Norte, a minha mãe também fala que foi enganada porque chegou falando pra minha vó que conheceu um... Um gaúcho. Só que aí o meu pai chegou e falou pra ela assim: "Tá vindo um ônibus, acolá", aí a minha vó fala: "Não, não é gaúcho, é do Rio Grande do Norte". Então tem essa brincadeira deles, que eles sempre ficam falando que um foi enganado pelo outro. Isso já... Eles estão juntos já há 44 anos. 44 anos atrás.
P/1 - E aí o seu pai, o Francisco, ele era do Rio Grande do Norte. Como que é a história dele?
R - A história dele é a seguinte, ele veio do Rio Grande do Norte pra cá, só que nisso ele deixou lá uma mulher com cinco filhos e um filho na barriga (risos). Aí conheceu a minha mãe, ficaram juntos, foram morar juntos, mas a minha mãe não sabia. A minha mãe foi descobrir quando estava com ele, quando pegou acho que o documento do trabalho dele que era pensão, uma coisa relacionada a isso, eu não sei dizer direito, e aí a minha mãe foi perguntar, aí ele falou, que tinha mesmo cinco filhos lá, tinha uma mulher, chamou a mulher para vir, ela não veio, aí ele conheceu minha mãe e de lá pra cá ficou com a minha mãe. Fez o divórcio lá e só teve eu, só tiveram eu. Sou a "rapa do taxo".
P/1 - Ah, você foi a primeira... A única filha, né?
R - Não. Ele tem seis filhos. Eu sou a única filha da minha mãe. Do meu pai são dois homens e cinco mulheres comigo.
P/1 - E eles já eram casados antes de te ter ou casaram te tendo?
R - Não, eles casaram depois e eu fui madrinha do meu pai. Depois já de... Tem acho que uns 10 ou 12 anos que eles casaram.
P/1 - Você foi madrinha do seu pai.
R - Fui, madrinha de casamento do meu pai.
P/1 - Conta um pouco disso.
R - Então, minha mãe sempre falava para ele separar né. Aí ele falava "não, não. Ela já tá lá, não precisa disso". E aí teve uma hora que ele falou: "Tá bom, vou me separar". Aí minha mãe arranjou a papelada para separar, ele se divorciou lá. E aí minha mãe estava indo para igreja, queria tudo bonitinho, casaram. Aí meu pai me chamou para ser a madrinha dele, perguntou se eu aceitava. Falei que aceitaria. Aí eu fui a madrinha dele, do casamento.
P/1 - E aí voltando lá para esse comecinho de infância. Você nasceu, aí você morava... Então começou a sua vida aqui em Santos.
R - Isso, no Macu.
P/1 - Macu?
R - Macu. Bairro Macu.
P/1 - E você nasceu de parto natural, nasceu de cesárea?
R - Nasci de cesárea. Minha mãe sempre quis um menino, mas veio uma menina (risos). A única filha veio uma menina.
P/1 - E aí porque ela decidiu se mudar pra São Vicente?
R - Porque foi lá que ela teve a condição de comprar um terreno. Só teve condição de comprar lá.
P/1 - E aí o que você lembra disso? Você ajudava nessa obra?
R - Lembro, do início eu lembro. A minha mãe colocando o aterro, levando o aterro. Meu tio ajudando a construir muro, ele construía o muro, eu pegava o cimento e eu colocava entre os blocos para juntar. Então eu tenho bastante lembranças disso daí. Quando eu aprendi a andar de bicicleta, foi justamente nessa obra. Eu me lembro dos arranhões que eu levei caindo lá.
P/1 - E quem mais estava na obra?
R - Então, era minha mãe, meu tio... Meu pai trabalhava. E tinha os pedreiros.
P/1 - E o seu pai era motorista, né?
R - Meu pai era motorista de ônibus.
P/1 - E o que você lembra de contar com ele na sua infância?
R - Eu lembro que ele trazia bala para mim. Toda vez quando ele chegava em casa ele trazia um doce para mim, ou era uma balinha de canela, ou um doce. E eu sempre achei legal assim, dirigir, sempre fui apaixonada pelo que ele fazia, tanto é que foi onde eu me identifiquei, meu primeiro... Minha primeira profissão, assim, de dirigir, foi ônibus, igual a ele. Sempre quis ser igual o meu pai.
P/1 - Desde pequena.
R - Sempre.
P/1 - Mas ele falava, ele incentivava de alguma maneira isso?
R - Não, nunca incentivou. Eu que via e... Assim, na minha família tem bastante motorista. Então eu achava que tipo assim, eu tinha que... Quando eu era pequena eu achava que eu tinha que seguir aquele ramo. Então eu tenho tios motoristas, fiquei sabendo a pouco tempo que minha mãe grávida de mim desceu com um caminhão dirigindo, minha mãe também tem habilitação D. Então acho que dali surgiu a vontade.
P/1 - E com a sua mãe, quais são as lembranças que você tem de contato com a sua mãe?
R - A minha mãe eu sou muito amiga dela, então tem muita coisa assim. A gente trabalha agora juntas, a gente se vê todo dia, mesmo eu sendo casada eu dou satisfação pra onde eu vou, quando cheguei... Então são bastante coisas.
P/1 - E aí quando você mudou para São Vicente era que ano mais ou menos?
R - 1992. Eu tinha sete anos.
P/1 - Como era são Vicente nessa época?
R - Lá onde a gente morava era tudo areia. Sabe aquelas areias de praia, fininha? Eram poucas casas que tinham, então por isso que foi aquele impacto, de Santos para São Vicente, ainda que nós fomos lá para a Continental. Então era só areia, você olhava assim de longe dava para ver até a pista. Que é acho que 1km mais ou menos... Então de longe dava pra ver, porque só era aquilo, areia.
P/1 - E você tinha brincadeiras, assim, na praia, alguma coisa nessa areia? Como que era?
R - Ah, eu brincava de comidinha. Pegava a areia, fazia de comidinha. Tinha também uns barros vermelhos que eu ralava para falar que era o feijão. O caldo do feijão (risos). Os matos eu pegava para dizer que eram os temperos. Então eu fui bem feliz. Eu fui bem... No começo foi aquele susto, mas foi como eu falei, dali eu fiz a minha vida e fui muito feliz.
P/1 - E você tinha vizinhos? Tinha uma relação com os vizinhos, boa naquele período?
R - Tinha uma vizinha que tinha um poço e ajudava muito a minha mãe a pegar água. Eu lembro dela.
P/2 - Tinha outras crianças na vizinhança?
R - Tinha a filha dela, a Bia. Ela infelizmente faleceu a pouco tempo por causa da covid, foi bem triste. Mas eu tinha a Bia, a Beatriz, que a gente brincava muito.
P/1 - Vocês brincavam. E aí era dessa brincadeira de cozinhar?
R - É, de comidinha, de brincar... Pega-pega, escolinha.
P/1 - E você teve algum trauma forte na sua infância, que você lembra?
R - Na infância não.
P/1 - Só depois.
R - (risos).
P/1 - E aí você falou escolinha, brincava de escolinha, você ia estudar também?
R - Como assim, se eu já estava estudando?
P/1 - É.
R - Estava iniciando a primeira série. Em 1992, primeira série. Já.
P/1 - E era uma escola pública?
R - Era.
P/1 - E o que você lembra desse período de escola?
R - Ah, era uma escola boa. A gente brincava muito de queimada. Foi da primeira à quarta série ali, que é onde o meu filho está estudando hoje, meu filho mais velho. Não lembro... Eu era muito levada, ne? Então...
P/1 - É? O que você fazia de "levadice"?
R - Ah, eu sempre gostei de tirar sarro. Então era muito... Eu estudava, mas eu era muito repreendida pela professora, porque eu era sempre... E na primeira série, agora eu lembrei de um caso, na primeira série a minha professora... Eu sai do prezinho, né? Chamava as professoras de tia. Eu lembro que eu chamei uma professora de tia, ela falou que não era irmã nem da minha mãe, nem do meu pai. (risos) Então isso daí eu lembro até hoje.
P/1 - E teve alguma outra professora ou professor que te marcou assim?
R - Ah, teve vários. Teve a terceira série, quarta série, professora Vânia Mara. Teve a professora Cleonice, que era já mais velha, de filosofia, que hoje eu nem sei mais se tem essa aula, essa matéria. Então teve bastante professor que me marcou.
P/1 - E como esse... Esse episódio que você falou, da professora, da sua tia... Teve algum outro episódio na infância que você lembra?
R - Na escola?
P/1 - Não. Qualquer ambiente.
R - Ah, então... Como eu falei que era meio levada, lembro que teve uma vez que, foi com a minha tia, eu me escondi no mercado. E nisso eu fiquei escondida olhando pelas brechinhas, eu fiquei um bom tempo, ela chamou até a polícia pra me procurar. E eu lembro que ela chamou a minha mãe que me perdeu, que tinha me perdido, e eu de longe só olhando toda a movimentação, acho que eu tinha uns cinco anos... Quatro ou cinco anos nessa situação (risos).
P/1 - E qual foi a primeira vez que você cozinhou mesmo?
R - Cozinhei... Foi... Deve ter sido na infância, mas... Sinceramente, comida eu detesto fazer. O que eu me identifiquei foi só com os doces, mas fazer comida... Coisa salgada...
P/1 - E fazer doce na infância, você já fazia também?
R - Fazia bolo com a minha mãe. Muito raro, mas fazia.
P/1 - E aí, vamos falar um pouquinho da sua adolescência. E aí, como era, o que mudou da adolescência pra infância?
R - Ah, eu era um pouco rebelde, né? Queria as minhas coisas. Comecei a trabalhar também com quinze... Não, quatorze anos. Fiz curso de manicure, comecei a trabalhar. Participei do CAMP, entrei no CAMP da minha cidade, comecei a trabalhar registrada já com dezesseis anos, e de lá pra cá não parei em termos de trabalho.
P/1 - Você começou a trabalhar foi de manicure?
R - Foi, fiz um curso de manicure no bairro, no centro comunitário, e aí eu comecei a querer ganhar dinheiro e eu batia de porta em porta pra ver quem queria fazer unha. E aí consegui uns clientes, mas fiquei pouco tempo, porque aí eu já fui... Sempre gostei de fazer, de ganhar dinheiro, então eu fazia desenhos e vendia desenhos simples para as meninas da escola pintarem. Fazia na época aquelas pulseirinhas de miçangas e vendia, colar de miçangas. Tinha aqueles fios de telefone também, trançado, aquelas pulseirinhas coloridas. Eu pegava, fazia e vendia. Então eu sempre fui... A partir do dinheiro, eu sempre dava um jeito de estar ganhando um dinheiro.
P/1 - É mesmo? Aí você vendia esse desenho para as suas amigas, né?
R - Para as minhas amigas, é.
P/1 - E o colar você aprendeu a fazer sozinha, alguém te ensinou, como foi?
R - Não, sozinha. Sozinha. Na época não tinha internet. Eu perguntei na loja mais ou menos como que era, não tinha muito...
P/1 - E de onde surgiu a ideia do curso da manicure?
R - É porque lá na época não tinha muita coisa, não tinha muita opção para fazer, então quando eu fiquei sabendo minha amiga me chamou, "Ana, vamos fazer?", pra eu não ficar sem fazer nada, aí a gente fez o curso. Era um curso de manicure, acho que designer de sobrancelha.
P/2 - No CAMP esses cursos?
R - Não, no centro comunitário. No CAMP foi onde eu comecei meu primeiro emprego registrado.
P/1 - E aí conta como foi isso de... Teve algum episódio, de você batendo na casa das pessoas, tem alguma lembrança disso?
R - Não, eu lembro que eu fiquei com uma cliente fixa, que ela sempre fazia as unhas comigo, mas eu não me lembro o nome dela. Faz tempo, eu tinha uns treze anos... Treze ou quatorze anos.
P/1 - E como sua mãe e seu pai viram você trabalhar sendo manicure?
R - Minha mãe gostava, minha mãe achava que eu estava certa, que eu tinha que correr atrás já desde pequena para a gente saber como era a vida. E meu pai... Meu pai sempre trabalhou, saia de manhã e chegava à noite. Não tive tanto contato assim com o meu pai porque ele trabalhou muito, mais com a minha mãe. Minha mãe trabalhava também, mas eram os horários mais flexíveis. Minha mãe era diarista, depois que ela saiu da fábrica, comprou... Então, o contato assim era mais com a minha mãe.
P/1 - Sua mãe era diarista e eram casas em São Vicente?
R - Santos. Ela trabalhava em Santos.
P/1 - Ela saia bem cedo?
R - Saia. Quatro e pouca da manhã, pegava o primeiro ônibus. Mas não eram todos os dias, eram dias alternados.
P/1 - E você alguma vez chegou a acompanhar sua mãe no trabalho?
R - Já.
P/1 - E o que você lembra dessas companhias?
R - Ah, eu a ajudava em algumas coisas simples, porque eu era muito pequena, então ela tinha medo que eu mexesse para quebrar as coisas. E era isso daí. Uma parte também, quando você falou da minha infância, que minha mãe, como a gente era tudo assim, trabalhava em negócios de... Meus tios trabalhavam em negócios de ônibus, na época aqui em Santos tinha a (Sesta Ce?), a minha mãe me colocava... Eu tinha acho que cinco anos, minha mãe me colocava no ônibus sozinha, e eu percorria um trecho de... Acho que uns 3km, pra eu chegar na casa e fazer natação, eu fazia natação.
P/2 - Com cinco anos?
R - Com cinco anos. Porque conhecia o motorista, então ela me deixava com o motorista, o motorista descia acho que no SESC, era em frente ao SESC. Acho que cinco ou seis anos, porque foi logo antes de eu ir para São Vicente, eu fui com sete.
P/1 - E aí você começou a trabalhar nesse CAP?
R - CAMP.
P/1 - Foi de que?
R - Comecei a trabalhar no CAMP de vendedora. Foi numa loja de cosméticos. Eu comecei a trabalhar lá, eu fiquei acho que um ano, um ano e um pouquinho. Aí depois...
P/1 - Calma. Como foi seu primeiro dia lá de vendedora?
R - Foi tenso, porque eu nunca tinha trabalhado vendendo em loja... Eu vendia as minhas coisinhas na adolescência, mas tinha meta, tinha que arrumar as prateleiras, tinha meta para vender certo produto... Tive que conhecer mais as coisas, que tipo de shampoo, para que quando chegasse os clientes a gente estivesse oferecendo um produto adequado para o cabelo, o tipo de cabelo da pessoa.
P/1 - E aí, o que impactou em você estar trabalhando com vendas?
R - Não entendi a pergunta.
P/1 - Teve algo que impactou em você trabalhar, vender?
R - Não. Normal. Foi só o começo. Depois eu... Tanto é que na loja mesmo, ele abriu outra loja, o dono abriu outra loja, e teve um produto que a vendedora que vendesse mais, ganhava um celular. Na época era aquele celular Ericsson, acho que foi um dos primeiros celulares que teve, e entre as duas lojas eu fui a que mais vendi. E aí eu ganhei um celular. Meu primeiro celular tijolão.
P/1 - É mesmo? Mais de uma vez você foi a que mais vendeu?
R - Fui. Porque tinha um período. Eu vendi, entre as duas lojas eu fui a que mais vendi o produto que tinha que vender pra ganhar o celular.
P/1 - E como foi que você conseguiu vender tanto? Conta aqui pra gente.
R - Ah, já abordava o cliente... Já explicava toda a situação do produto, que ia fazer bem pro cabelo. Que aí era quem vendesse mais, ganharia. Dali que eu vi que eu era boa mesmo de vendas. Porque para duas lojas, né? Eram seis vendedoras comigo.
P/1 - E aí o que você fez com o celular?
R - Ah, eu usei. Não tinha. Eu usei, foi meu primeiro celular. Ericsson.
P/1 - E aí você tinha namorado na sua adolescência?
R - Tinha. Comecei a namorar escondido com treze anos, aí minha mãe descobriu, não queria deixar eu namorar, meu pai que deixou eu namorar, porque ele falava que era melhor deixar namorar sabendo do que eu ficar namorando escondida. E aí comecei a namorar com treze anos.
P/1 - E aí você ficou quanto tempo namorando?
R - Com esse rapaz eu fiquei acho que uns 3 anos. Acho que foi.
P/1 - E aí tem alguma memória disso que quer partilhar ou melhor não?
R - Não, eu lembro que quando a gente terminou, eu ainda gostava dele, eu falava que se um dia ele passasse na minha frente com outra menina eu não ia mais querer saber dele, e foi o que aconteceu (risos). Ele passou na frente da minha casa de mãos dadas com outra menina. Quando eu vi eu entrei e chorei, mas dali acho que... Acho que foi o relacionamento mais sensato que eu tive. Quando acabou eu me conformei.
P/1 - E como foi que você fez pra se conformar?
R - Não sei (risos). Isso dai eu não sei, acho que eu fui com aquela mentalidade, que quando eu visse ele passando eu ia deixar de gostar, ia deixar... E foi o que aconteceu. Depois disso ele quis voltar, terminou com a menina lá, quis voltar, aí eu não tinha mais nenhum sentimento.
P/1 - Olha só. E aí por que você saiu das vendas? Você estava tão bem assim, vendendo bastante.
R - Porque acabou o contrato da idade. No CAMP é menor aprendiz. Aí acabou e aí eles sempre pegam outros, porque pra eles o custo era mais baixo do que registrar. Eu sai dali e fui fazer curso... Fui fazer curso de enfermagem? Isso, fui fazer curso de enfermagem.
P/1 - Curso de enfermagem.
R - Isso, auxiliar e técnica de enfermagem.
P/1 - Por que?
R - Porque era o sonho da minha mãe. Porque quando ela conheceu o meu pai ela fazia esse curso, só que ela não quis seguir porque ela tinha medo de morto (risos). Então ela não seguiu por causa disso e ela queria que eu seguisse, realizasse o sonho dela que era trabalhar em enfermagem, que a minha outra tia também trabalha... Trabalhava, porque agora é aposentada. E ao eu fiz esse curso porque ela queria, não porque eu queria. Eu queria ter feito de técnica em radiologia, porque ganhava mais. Mas aí ela queria que eu fizesse de enfermagem, aí eu fiz, pra agradar. Fiz, cheguei a trabalhar no pronto socorro em Mongaguá, que essa minha tia me arrumou. Temporário, né, final de ano. Foi legal, mas não era o que eu queria fazer ainda. E quando chegava adulto, de boa. Mas quando chegava criança... Aí eu já ficava com medo.
P/1 - Com medo?
R - Com medo de aplicar injeção, criança começar a chorar, se espernear, quebrar agulha... Porque é muito caso, é muito caso que a gente vê, acontece muita coisa.
P/1 - E aí você ficou pouco tempo então?
R - Foi. Foi... Acho de outubro, novembro, até fevereiro, até o Carnaval. Foram uns quatro ou cinco meses trabalhando de auxiliar técnica de enfermagem. Lá foi de auxiliar, eu fiz o curso de auxiliar de técnica. Lá eu trabalhei de auxiliar de enfermagem, em Mongaguá.
P/1 - Aí você foi fazer o que quando acabou o curso de Enfermagem?
R - Quando acabou o curso, eu fui fazer um...quando acabou esse emprego, eu fui fazer um curso de computação. Aí eu fiz ali em São Vicente. Não lembro o nome da escola. E de lá eles me mandaram para uma vaga de emprego em uma confeitaria, numa casa de confeitaria. Que lá eu tinha que estar pesando os bolos, tinha que estar fazendo a notinha para o cliente. E quando eu fiquei também uns sete meses, acho que foi pouco tempo trabalhando, porque era muito longe. Era no canal 6. Para eu chegar, era mais fácil ir da minha casa ir até São Paulo do que pegar o ônibus da ponta da praia pra chegar na minha casa. Aí eu sai, também eu mandei currículo para Piracicabana para trabalhar em outro lugar e me chamar, aí eu sai de lá para trabalhar em outro lugar.
P/1 - Com computação?
R - Não. Foi vendendo passe.
P/1 - Passe?
R - Passe de ônibus. Na época tinha os passes, agora é cartão, na época tinha os passes de ônibus. Aí eu sai de lá para ser vendedora de passagem, que eram as amarelinhas, que era um colete amarelo que a gente vendia nos pontos de ônibus.
P/1 - E era em qual ponto que você ficava?
R - Eu fiquei na Divisa, fiquei no Gonzaga aqui também, na galeria da (Amoreira?), aquele ponto.
P/1 - E era diferente, o lugar do que é hoje?
R - Ah, é diferente. É diferente. E nos finais de semana variavam os lugares, né? Tanto é que eu tive dois assaltos, fui assaltada duas vezes. Um foi no Escolástica Rosa e o outro na Conselheiro Nébias.
P/1 - Como é que foram esses assaltos?
R - Ah, encostou e mandou passar tudo, o dinheiro e todos os passes. Aí a gente tinha que chamar o nosso monitor, porque a gente anotava no papel a série do passe. Então, quando a gente chamava o monitor e falava, ele já bloqueava os passes de tal número ao tal número, e o dinheiro ficava perdido. Aí tinha que fazer o b.o. E a vítima sempre era a empresa.
P/1 - Mas era com arma, agressão?
R - Não. Só fingia, né? Mas nunca vi nada. Mas eu também entregava.
P/1 - E teve algum outro fator marcante assim nesse trabalho?
R - Não, o marcante foi porque daí desse trabalho que eu me interessei a ser motorista.
P/1 - Como foi que rolou o interesse?
R - Eu estava no ponto de ônibus, aí eu via passar, logo quando eu comecei, uma motorista, bem novinha. A Fran, que hoje é até minha amiga, ela fazia a linha da Ana Costa. Aí eu olhava assim e pensava: "Nossa, a menina é novinha e dirigindo". Eu tinha... 19 anos. Aí eu tive que esperar, no caso os 21 anos, para mudar a minha categoria, que a minha eu já tinha, a carta. A e B. E daí eu fiz o teste, passei no da empresa, no psicotécnico que precisava lá, no psicólogo, passei e comecei a treinar no ônibus, e aí foi onde eu virei motorista. Na época eu era a motorista mais nova da empresa, eu comecei com 21 anos.
P/1 - Como é que você foi recebida na empresa?
R - Fui recebida bem. Bem, me ensinaram tudo direitinho.
P/1 - Você sentia que tinha uma diferença de tratamento entre os homens e as mulheres com você, nesse momento?
R - Na empresa não. Na empresa, assim, os funcionários não, mas pelos colegas assim... Porque já teve colegas meus, homens, que faziam o mesmo que eu, que fizeram teste não passaram. E eles ficavam tipo, meio que desdenhando, falando que era só porque eu era mulher que eu tinha passado, e eu simplesmente fiz a mesma coisa que eles, o psicológico lá, e passei.
P/2 - E com os passageiros do ônibus, você sentia que tinha alguma?
R - Não. Não... Pelo contrário. Assim, já um pouquinho mais a frente, quando eu trabalhei no ônibus em Cubatão, tinha passageiros que queriam ir comigo e não com um dos caras porque eu era a que chegava mais cedo no trabalho (risos), porque eu sempre fui um pouquinho pé de chumbo (risos). Então eu chegava sempre no horário, meu ônibus era um dos primeiros... Era quatro e quarenta, então o meu ônibus lotava, lotava. Da primeira viagem não, da segunda viagem. Eu não lembro direito o horário, o primeiro horário eu lembro, mas da segunda viagem que o pessoal tinha que chegar sete horas, o meu ônibus lotava.
[pausa]
P/1 - Então eu queria que você contasse aí pra gente, em primeira mão para o Brasil inteiro saber, como é que era a vida de uma motorista de ônibus.
R - Nossa, eu amava. Quando eu estava no ônibus, eu achava que eu era poderosa. É muito gostoso, é uma sensação muito... E eu personalizava tudo, era tudo rosa. Capa do banco era rosa, cinto rosa, aquele... Aquela toalha que põe atras, para os passageiros não ficarem... Tudo rosa. A capinha do câmbio era rosa, então eu gostava muito. Gostava muito, era muito legal. No começo dava muita insegurança, né? A gente começa com micro, micro-ônibus, e aí depois vai subindo, vai... Você começa com o salário de micro e depois faz um teste, vai para o ônibus convencional. E tenho muita saudade.
P/1 - E fazer o trajeto todo dia, você conseguia perceber alguma diferença no trajeto?
R - Não, tinha os... Sabia, assim, só os horários que cada... As vezes tinha os passageiros fixos, que iam para o trabalho, então você acabava fazendo amizade, acabava esperando... Olhava no retrovisor, sabia que aquela pessoa não estava ali, aquele horário, aconteceu alguma coisa? Aí eu olhava pra ver se não estava atrasado. Então era bem gostoso, porque eu fazia a linha do Marapé. Então era muito legal. Fiz amizade com passageiros, cheguei a ir pra escola de samba com as passageiras. Era muito (isso?).
P/1 - Conta, conta mais isso, como é que foi essa da escola de samba?
R - Então, fiz amizade com a menina, que nem eu falei, que ela pegava o ônibus todo dia. Aí ela falou: "Ana, vamos na escola de samba?". Eu falei: "Ah, mas eu vou ter que ir lá na minha casa, voltar, vai ficar ruim", ela falou: "Não, você vem, traz uma mochila, traz a sua roupa, você toma banho lá em casa e aí a gente vai pra escola de samba", e aí eu fui. Tomei banho na casa dela, troquei de roupa, e aí a gente foi pra escola de samba, porque eu trabalhava de meio dia até umas oito horas. E aí dava pra aproveitar a noite, dava pra acordar um pouquinho tarde, que eu entrava meio-dia, e foi isso daí.
P/1 - E você ficou direto na escola de samba?
R - Foi, foi direto. Porque foi bem na época do carnaval, né? Que ia ter... Que tinha aqui em Santos, antigamente não tinha, acho que não era lá onde faz o Carnaval agora. Acho que tem pouco tempo, porque isso aí foi em 2008. Não sei se tinha. Mas eu só ia na escola. Não era cristã, só ia na escola de samba.
P/2 - Você tem essas amizades da época que era motorista de ônibus?
R - Não tenho mais. Eu sei onde que ela mora, se eu for acho que eu sei onde ela mora, mas eu não tenho amizade. Porque aí depois eu fui mudando de linha, né? E aí... Porque quando eu fui para o ônibus grande, o convencional, eu passei a ser folguista. Então eu só cobria as folgas, então cada dia eu estava num lugar, era muito ruim, porque você não tinha aquela adaptação. Mas eu fiquei por um bom tempo nessa linha do Marapé, no Natal eu ganhei bastante coisa, bastante panetone, bastante champanhe, ganhava lanche...
P/1 - De quem?
R - Dos passageiros (risos).
P/1 - Nossa. Quais outros passageiros fizeram amizade com você?
R - Foi o senhor Mauricio... Acho que eu ainda tenho ele no Face. O senhor Mauricio, ele e a esposa dele. Porque o ponto era bem em frente deles, então eles sempre davam alguma coisa, pegavam o ônibus para ir para o centro pegavam comigo, e no natal eu lembro que ganhei dele uma caixa de panetone.
P/1 - E quais eram os papos que você batia com as pessoas?
R - Ah, a gente falava de tudo. Vou tentar lembrar... É, falava de tudo um pouco. Falava do trânsito, falava de centro, falava de tudo um pouco.
P/1 - E rolava umas brigas no trânsito também?
R - Ah, já rolou. Já rolou. Nesse dai, da Piracicabana, não, mas quando eu estava em Cubatão, eu estava grávida do meu filho e o ônibus estava lotado. E pegou esse passageiro que eu não estava... A gente sabe quem a gente pega todo dia, né? Esse passageiro ele pegou o ônibus e ele desceu do ônibus, a porta de trás, e na hora que eu estava saindo com o ônibus ele entrou na frente do ônibus. Tipo assim, ele não esperou... Estava descendo todo mundo, ao invés de ele ter passado logo ou ter esperado, não. Quando eu fui sair com o ônibus ele saiu junto. Aí eu fiz assim pra ele [gesto], aí ele me xingou. Me xingou de tudo quanto é nome. Aí eu já... Sempre fui um pouquinho da "pá virada", eu peguei, acelerei o ônibus e joguei pra cima dele (risos). Ai... Só que não machucou nem nada, pegou na mochila dele. Aí ele ligou na empresa e eu levei três dias de gancho. (risos) Porque eu fiz isso.
P/2 - Gancho é advertência?
R - É advertência. Fiquei afastada três dias. Mas foi bom, fiquei três dias afastada... Desconta, né? Mas os meus dois dias de folga. Aí teve esse caso.
P/2 - Quando você começou a dirigir ônibus você era solteira?
R - Era. Comecei com 21 anos.
P/2 - E aí você casou e continuou na profissão?
R - Na verdade, eu casei, tem três anos que eu encontrei o meu marido, na BTP (risos).
P/2 - Ela falou que trabalhou dirigindo grávida, eu fiquei curiosa.
R - Trabalhei, trabalhei dirigindo até os sete meses, de ônibus, do meu primeiro filho.
P/2 - E como é a maternidade quando você é motorista de ônibus? Você tem um limite, que você pode dirigir até... Ou você pode dirigir, que nem os outros carros, até os nove meses, se você aguentar você pode dirigir?
R - Isso, posso dirigir. Mas eu me afastei. Com sete meses eu me afastei porque os buracos estavam me machucando. E aí depois, quando você volta, você tem que trabalhar seis horas por causa da amamentação. Aí eu peguei uma linha que só trabalhava seis horas, porque o horário de motorista de ônibus é sete horas e vinte.
P/2 - E quanto tempo de licença-maternidade vocês têm?
R - Quatro meses.
P/2 - Quatro meses?
R - Quatro meses. É 120 dias, né? Quatro meses. Aí eles não optaram por seis meses. Tem empresas que são seis meses, né? Mas as duas vezes que eu fiquei, foram quatro meses, de dois meninos.
P/2 - Depois a gente volta.
P/1 - E você já passou por algum assédio assim no ônibus, com algum homem?
R - Não, eu recebia bilhetinhos, cartinhas só.
P/1 - Bilhetinhos?
R - é. Porque quando eu trabalhei em Cubatão, tinha cobradora, então a minha cara sempre foi assim, séria, fechada, então os caras não chegavam em mim, chegavam na cobradora, mandavam bilhetinho, aí ela falava: "Ana, aquele passageiro assim, assim e assim, olha", aí eu "ah, ta".
P/1 - E como era um pouco a sua relação com os cobradores?
R - Ah, era tudo mulher, né? A maioria era tudo mulher, então a gente se identificava legal, era legal.
P/1 - Como é que eram essas amizades? Você lembra das cobradoras trabalhando com você?
R - Lembro, tenho amizade até hoje com elas. Quando entrava alguém que a gente já sabia que... O patrão tem muito carteirinha, né? Então a gente já sabia quando tinha gente que queria dar golpe, a gente já trocava de olhar pelo retrovisor. Gente com o passe falso. E fora as brincadeiras assim, né? Era muito gostoso. E muito... Pra mim, era bom porque quando trabalhava na Piracicaba, eu tinha que prestar conta do dinheiro.
P/2 - A motorista tinha que prestar conta?
R - Tinha que prestar conta. E se fosse assaltado também, a gente tinha que pagar. Então... O amarelinha não, mas o motorista tinha que pagar. Já com o cobrador não, você deixava o ônibus lá e ia embora, aí a cobradora que tinha que ir lá prestar conta. Mas agora tá boa, né? Ta tudo no motorista mesmo.
P/1 - Quando acabou você ainda estava, você ainda era motorista?
R - Então, quando eu comecei a trabalhar, eu comecei a trabalhar, eu, cobrando. Lá em Cubatão que tinha as cobradoras, só em Cubatão que tinha. Aí agora acabou, agora também em Cubatão só motorista.
P/1 - Entendi. Mas depois quando você estava, quando virou só motorista de novo...
R - Aí lá... não, aí lá eu já tinha saído, aí de lá eu já fui pra carreta.
P/1 - E só pra ____ [00:50:15:00] um pouquinho mais o ônibus, tinha essa coisa dentro de artista de rua dentro do ônibus? Tocava, esse tipo de coisa?
R - Tinha mais vendendo bala, querendo vender bala.
P/1 - Pastor, tinha pastor?
R - Não, eram aqueles caras com aqueles cartõezinhos... Sabe, com aquelas mensagens? Como é que era o nome... Não sei o que lá da alegria. Pedindo dinheiro pra ajudar a instituição e eu sempre deixava, até que um dia eu vi o cara no Carrefour com uma televisão enorme (risos). Nunca mais eu deixei. Aí nunca mais eu deixei.
P/1 - E como foi o dia assim que realmente foi fora do normal nesse trabalho?
R - No dia que eu peguei um trânsito. Porque na época estava tendo a safra de soja e eu fiquei cinco horas dentro do ônibus com os passageiros e me deu vontade de ir no banheiro, eu tive que ir no meio do mato fazer xixi (risos). Foi, é muita coisa que acontece.
P/2 - Por que banheiro é só no final?
R - No ponto final, isso. Só que esse dia estava tendo trânsito das carretas e eu fiquei parada na pista, lá na rodovia. E como é que eu ia fazer xixi, cinco horas já? Aí eu tive que descer, ir pro meio do matinho...
P/2 - E os passageiros ficaram no ônibus?
R - Os passageiros ficaram no ônibus. Não, eu deixava até a porta aberta pra eles saírem, porque quem vai ficar? Ônibus cheio, com as portas fechadas? A gente estava parado na pista, mais de cinco horas, mais de três horas parados.
P/1 - E aí eles comentaram alguma coisa na hora que você saiu?
R - Não, não era nada. Que eles já tinham me chamado, alguns já tinham falado "ê, Ana"... Não tinha o que fazer, ne? Que situação essa daí, não tinha muito o que fazer, eu tinha que ir no banheiro.
P/1 - E como foi a coisa da transição do ônibus para a carreta?
R - Eu já estava enjoada de passageiro (risos). Porque eu amava dirigir, mas é muito estressante motorista de ônibus. E lá eu ainda tinha cobradora, imagina quando é você cobrar, dirigir... Era quando você não passava as vezes no horário porque tinha trem que passava, e aí você perdia a hora, né? Que as vezes ficava o trem passando maior tempão. E aí ficava passageiro falando "ah, você tá atrasada", aí eu já era meio bocuda e falava "ué, eu não marquei horário". Então era muito isso, já estava bem estressada já, e eu quis sair do... Fui procurar esse da carreta, me chamaram e eu sai do ônibus.
P/1 - E aí você já passou por algum acidente?
R - Grave, não. Grave assim, não. Já bateram no ônibus, o carro bateu no ônibus. Mas nenhum... Graças a Deus, nenhum gravíssimo.
P/1 - E aí quando você foi trabalhar de carreta, você foi trabalhar onde?
R - Na Santos Brasil. Deixa eu ver se essa daí foi mesmo... Foi, eu trabalhei na Braspess, depois fui pra Translider, que eu fiz o teste lá na Marginal Tietê, na Translider, e depois eu fui pra Santos Brasil, no porto.
P/1 - No porto. Era que ano?
R - Foi 2013... 2013? Foi 2013 ou 2014.
P/1 - E aí conta aqui pra uma pessoa que não estava vendo, que não esteve lá, como era o Porto de Santos nesse período?
R - Nossa... Eu nunca tinha entrado assim, num porto, né? Eu achei enorme. Achei assim que ia ser muito difícil, mas tudo questão de adaptação, porque quando a gente entra lá pra fazer aqueles treinamentos, vem aqueles maquinários, dá um susto, né? Que é container, RTG, empilhadeira... Você fica meio assustada, mas nada que com o tempo vai. Como eu nunca tinha pego em carreta, a empresa deu um curso para agente no SEST SENAT. A gente tá ficando um mês ali com uns instrutores ensinando a gente a fazer baliza, a manobra, e depois que nós entramos, ficamos um mês fazendo isso, mas ficamos ainda como... De acompanhante, entendeu? Para ele explicar pra gente, as quadras, como é que faz. Porque uma coisa é a gente ver, mas saber... Aí com isso foi bem tranquilo para mim, eu peguei rápido.
P/2 - Esses instrutores eram homens?
R - Eram.
P/2 - E tinham outras mulheres fazendo o curso com você?
R - Na minha turma só foi eu. Eram 28 pessoas... 28 ou 27, assim, e eu era a única mulher.
P/1 - E como você se sentia ali?
R - Ah, bem porque eu sempre trabalhei com homem, né? Que nem motorista, lá na garagem eram poucas mulheres e o resto tudo homem, netão essa parte assim eu sempre levei de boa.
P/2 - Eles não faziam piadinhas em termos de preconceito?
R - Não. Comigo não.
P/1 - E aí como é que era a rotina... Você fez o curso, né?
R - Fiz, esse curso que eles pagaram.
P/1 - E aí já começou a trabalhar direto?
R - Foi. Porque na verdade eu sai da Translider, eu sai dia 7... Não, dia 8 de setembro, quando foi em outubro eu já fui registrada. E fiz esse curso, eles fizerem lá... Eu fiz o teste pra Santos Brasil, sem nunca ter pego carreta, eu fiz o teste só para tirar a habilitação, né? Eu fiz o teste... Na verdade, foi assim, quando eu sai... Quando eu estava na Translider, eu já estava trocando a habilitação pra E. E aí a carreta da autoescola quebrou, então nós ficamos parados acho que umas duas semanas, e eu já tinha mandado currículo pra Santos Brasil. E aí eu fiz o teste, eu lembro que eu fiz o teste e passei, só que ainda demorou pra chegar a CNH. Aí a menina me ligou e ela perguntou "Ana, tem tal dia pra você fazer", eu falei assim "Olha, eu ainda... Eu passei, mas eu ainda não peguei a CNH". Ela falou "faz o seguinte, quando você pegar a CNH você liga nesse número", aí eu liguei. Foi... Demorou uns quatro dias, aí eu peguei e aí ela remarcou. Aí eu fiz um teste lá dentro da Santos Brasil com uns cones, uns oitos, uns zigue zags, que só não sei como (risos), mas eu passei no curso, no teste. E aí depois disso eu fiquei esperando quase um mês, achei até que eu não tinha, porque eles não falam na hora. Achei que eu tinha reprovado, que tinha feito errado alguma coisa. E depois de um mês eles ligaram, que tinha aprovado, pra eu fazer o psicotécnico. Aí depois passei no psicotécnico, aí foi questão de uma semana, de um negócio e outro, e já registraram a gente e mandaram a gente pro curso. Um mês no SEST SENAT só fazendo baliza. Só fazendo baliza com a carreta, treinando e desengatando o reboque.
P/1 - E aí como é que foi essa rotina de trabalho?
R - Foi bem, foi onde eu entrei nos turnos, turnos de seis horas. Eram cinco por um. Aí o turno era das sete às treze, aí folgava um. Aí depois ia indo pra madrugada, de uma da manhã até as sete da manhã, aí folgava um. Depois vinha das dezenove horas até as uma, folgava uma, e depois era das treze às dezenove.
P/2 - E qual era o percurso que você fazia com a carreta?
R - Só no terminal. Era o vira interno que chamava. Pegava do navio, o container, levava pra RTG para ele descarregar e colocar na pilha na quadra.
P/1 - E era a mesma coisa que você ficava em (horário?).
R - É, sempre seis horinhas fazendo a mesma coisa.
P/1 - E você não enjoava?
R - Não, passava rápido, seis horas. Não, e já estava acostumada com o ônibus, que eu tinha que fazer seis viagens para o mesmo lugar, então ali... É que era mais curto, né? Rodava mais. Mas era legal.
P/1 - E que mais que tinha no Porto de Santos assim, que chamava atenção?
R - Ah, quando tinha os recessos. Quando tinha os recessos era uma equipe que... Nossa, era uns negócios muito loucos. Era um guindaste, eles colocavam as cordas, aí tinha que ser aquele movimento devagar para colocar em cima até daquelas carretas especiais, que são rebaixadas. Então aquilo ali eu gostava de ver porque eu achava bem legal. Aí já teve helicóptero, já teve lancha, já teve de tudo um pouco lá.
P/1 - E aí você foi de lá pra BTP?
R - Aí de lá eu fui mandada embora, porque teve um corte, aí fiquei acho que um mês também recebendo... Meus seguros sempre foram de um mês, já, graças a Deus, ia pra outro. Só que pra entrar nesse daí, eu não mandei currículo, assim, entre aspas, pelo site. Eu tinha meu cadastro no vagas, mas eu parei um rapaz que estava uniformizado e perguntei se la estava pegando. Aí ele falou que estava, se eu estava com currículo, e eu falei que não estava com currículo ali, mas que eu poderia voltar no outro dia. Aí no outro dia eu levei, só que o rapaz não estava, aí eu entreguei para outro rapaz que estava uniformizado e eles levaram pra BTP. E depois de uma semana me chamaram.
P/1 - E aí como que era de diferente lá?
R - Lá não teve o teste. Lá não teve o teste, só teve o psicotécnico fora, mas não teve o teste pra entrar, teste prático. E foi tudo lá na BTP mesmo que fizeram os exames médicos, não era que nem... Na Santos Brasil, a gente foi até um local para fazer e tudo, os exames, lá não, já foi tudo na BTP.
P/1 - E o trabalho era fazer o que?
R - Era o mesmo. Do navio levar pra quadra. A única diferença é que a BTP é mais estreita, né? Então eu tinha muito medo de bater, porque as quadras, nossa... A Santos Brasil é muito grande e a BTP as quadras já são menores, e quando eu via aquilo eu ficava pensando "Meu Deus do céu, acho que eu vou acabar batendo". Mas graças a Deus, trabalhei lá dois anos e uns quebradinhos e nunca bati em nada. E fazia manobra.
P/1 - E aí foi lá que você conheceu o seu marido?
R - Foi. Lá eu conheci o meu marido. Aí teve uma festa da equipe, em São Vicente, num clube lá, e aí nós começamos a trocar olhares e aí começamos a ficar. Com cinco meses de namoro, nós casamos.
P/2 - Como é o nome dele?
R - Marcio. Trabalha lá.
P/1 - Ele trabalhava... Ele trabalha lá com o que?
R - Ele é a mesma coisa que eu fazia. É motorista de carreta.
P/1 - E que memória você tem, para deixar eternizado aqui conosco, com ele?
R - Do trabalho?
P/1 - Da vida.
R - Ah... [pausa] Não sei falar (risos).
P/1 - Não, tranquilo. Como foi que você descobriu que estava grávida?
P/2 - Mas queria fazer uma pergunta antes, posso? Como era... Vocês começaram a namorar trabalhavam os dois lá.
R - Isso, mas os meus filhos não são dele. Os meus filhos.
P/2 - Ah, você tinha um casamento antes desse?
R - Não, eu não casei. Alias, eu casei, só que eu não tive filho do meu casamento. Eu tive dois filhos de pais diferentes. De um motorista, quando eu trabalhei na Translider. E o outro que era um rapaz da época da escola, que eu namorei. Mas eu... O meu primeiro marido não foi nenhum dos pais dos meus filhos.
P/2 - E como é conciliar a maternidade com esses horários? Você fazia turno, assim, você não tinha horário fixo para conciliar a maternidade com os horários da Ana, que era meio bagunçado.
R - Então, quando eu tive o meu primeiro filho eu trabalhava na Translider, eu trabalhava de manhã, tinha que estar lá quatro e quarenta. O meu filho ficava comigo e eu pegava e levava ele para minha mãe, pra casa da minha mãe, que é perto da minha casa. Só que meu filho chegava, ele acordava e não dormia mais e aí a minha mãe também não dormia. Então minha mãe falou "não, deixa ele dormindo aqui". E acabou que meus filhos moram com a minha mãe (risos). Não moram comigo, os dois. Mas assim, é perto da minha casa, eu o vejo todos os dias, a única coisa que assim, como eu era filha única, o meu quarto é o quarto deles. E aí eles moram com a minha mãe, justamente também por causa desse horário, porque também não iria dar. Porque quando eu não estava trabalhando, eu tinha que dormir. Que nem, quando eu trabalhava na meia noite... Não, uma hora da manhã, o que eu fazia, eu chegava em casa eu não dormia. Eu ficava acordada até umas três horas, que aí eu dormia das três até o horário próximo de trabalhar para não sentir sono à noite, porque a madrugada começa com _____ [01:04:28:00] a tarde, é muito cansativo, depois das três, quatro horas, o sono vem. E aí pesa, aí as piscadas dirigindo... É perigoso. Então não tinha muito o que fazer.
P/2 - Como é o nome dos seus filhos?
R - Arthur, de oito anos. E Heitor, de cinco.
P/1 - E que memória você tem dos seus filhos? Não, deve ter muitas, né? Mas tipo, que histórias você tem? Tem alguma história com eles?
R - Ah... Meus filhos são bonzinhos, né?
P/2 - O que eles acham da mãe dirigir carreta, quando você dirigia?
R - Ah, eles gostam. Eles gostam, tanto é que teve uma festa da BTP que eu levei eles, no dia das crianças, que estava lá a empilhadeira pra subir, um ônibus, eles ficaram... Deu pra ver o navio, eles gostaram muito. Meu filho falou que quer ser igual a mãe, o pequenininho já quer ser igual ao pai, que é maquinista. Então ta meio que ___ [01:05:39:00] as profissões (risos).
P/1 - E qual era a coisa que você mais gostava de dirigir?
R - Não entendi.
P/1 - A coisa que você mais gostava.
R - De dirigir?
P/1 - É.
R - AH, eu achava o máximo porque... Quando eu comecei, não tinha muita mulher dirigindo. Agora não, agora tem bastante, mas quando eu comecei, há uns 15 anos, não tinha tanta mulher como tem hoje. Então quando eu subia no ônibus eu ficava assim... Sabe, aquela emoção, eu me sentia. Era muito prazeroso. Era a minha profissão, mas era mais do que a minha profissão, eu gostava porque eu me sentia, sei lá, uma rainha ali. Porque, né? Um ônibus tão grande. Eu não tive preconceito assim de ninguém, porque graças a Deus eu sempre dirigi muito bem, tanto é que meus colegas de trabalho falam... Não vai filmar isso (risos), falavam que eu dirijo melhor que meu marido (risos). Então assim, eu sempre fui muito elogiada, porque eu nunca tive medo. Eu manobrava mesmo, com container, e tinha motorista que tinha medo, as vezes tinha que fazer uma manobra mais rápida porque o trabalho estava pedindo aquele determinado container, eu fazia uma manobra rápida, e tinha um homem que as vezes davam a volta para ir de frente, não para fazer a manobra, entendeu? Então assim, eu graças a Deus sempre dirigir bem, nunca tive nenhum acidente. Quando eu sai dessa empresa Translider, eu pedi para eles me mandar embora, para entrar na Santos Brasil, o meu chefe não queria que eu saísse porque eu nunca falto, nunca fui de faltar, nunca fui bater, porque é prejuízo, né? Bater um ônibus e ficar um ônibus fora, então ele não queria nem que eu saísse porque eu era uma ótima funcionária, mas não dava mais para mim, já não estava mais feliz ali.
P/1 - Por que você não estava feliz?
R - Ah, porque achei que eu já estava saturada olhando os passageiros. E também o ônibus é seis por um, você folgar um dia só não é uma folga, é muito cansativo. Porque essas sete horas e vinte é o horário, mas você fazia onze horas. E aí como eu trabalhava de manhã, se a minha rendição não chegasse eu tinha que fazer mais uma viagem. Então era muito puxado, já estava muito estressada do trânsito também, é diferente. O terminal é diferente porque lá você não vai ter trânsito, não vai ter... Não tem como...você bater, assim, tem como você bater, mas é mais sossegado, e também seis horas por dia. Quando chegava a sexta feira, que eu trabalhava na madrugada, de uma Às sete da manhã, aí eu ficava... Saia sete horas da manhã na sexta-feira, só ia trabalhar segunda feira às dezenove horas, então dava tempo pra eu viajar. Fiz vários passeios nessas folgas longas, que a gente chama de "folga longa". Saia sexta feira e só voltava segunda feira a noite, então isso já diminuiu bastante o estresse.
P/1 - E qual... Na carreta, qual você achava que era o maior desafio pra você no trabalho?
R - Ah, como eu falei... Pessoal tinha muito medo das manobras, em bater. Eu não tinha medo. Não tive desafio na época.
P/1 - E porque você decidiu parar de trabalhar com isso?
R - Porque eu sempre quis ter uma coisa pra mim. E aí eu... Porque foi assim, quando eu casei, eu casei com meu marido lá na BTP, né? E eu sempre morei... Eu tenho a minha casa, eu comprei a minha casa com 25 anos, e eu sempre morei sozinha. Tive os meus filhos, mas eu morei sozinha. E quando eu me vi dona de casa, aquilo... Eu fui entrando numa depressão de ficar acordada, fazer comida, lavar roupa... Eu não tinha isso, eu nunca tive isso. E eu já estava naquela rotina de dona de casa e eu nunca me vi nisso, e aí eu comecei a procurar na internet o que fazer. Como eu sempre vendi as coisas, né? Aí eu fui querer fazer alguma coisa, primeiramente eu vi o suco detox. Falei "ah, vou fazer o suco detox, vou entrar na academia, ofereço suco detox". Aí logo embaixo tinha um vídeo de brigadeiro gourmet. Aí eu falei "vou fazer". Aí fiz, vi o vídeo, assisti, comecei a me interessar. E lá em São Vicente tem uma loja que dá cursos, vende os doces e da curso. Aí procurei me informar, fui fazer um curso. Fiz o primeiro curso e daí me apaixonei pela área do doce. Foi até antes do meu filho fazer aniversário, foi no finalzinho de abril, começo de maio. Finalzinho e começo de maio. Aí eu fiz o curso e comprei os ingredientes para o doce. Aí eu fiz um brigadeiro de café. Devia até ter trazido pra vocês (risos), fica pra outra oportunidade. Fiz o brigadeiro de café. E ofereci na festa. Todo mundo amou. Todo mundo amou. Aí eu levei no trabalho, dei pra umas pessoas que também gostaram. E aí quiseram mais, e daí que eu vi, que eu comecei, com brigadeiro. Aí quis uma food bike, vim aqui na ____ [01:11:18:00], comprei uma food bike de oito mil reais. Perguntei pro meu marido " você me ajuda?", ele falou "te ajudo, mas aí a gente vai ter que se privar de várias coisas", falei "tá bom". Só que graças a Deus, a bicicleta... O doce pagou a bicicleta, não precisou nem eu colocar, nem ele colocar dinheiro.
P/1 - É mesmo? Quanto tempo que você pagou?
R - Isso foi no ano passado. Foi quando... Foi em maio do ano passado. Eu comprei a bicicleta em julho.
P/2 - Mas você conciliava esse trabalho na BTP com a bicicleta?
R - Isso. Isso. Eu ia e levava as bicicletas nas feiras no dia de domingo. Aí quando eu trabalhava a noite, eu ia para as feiras e fazia os dois. E aí daí eu fui despertando o interesse. Aí eu só fazia brigadeiro, comecei a fazer bolo de pote, comecei a fazer outras coisas, outros doces, e foi indo. Aí até que eu quis sair da BTP pra ficar com um negócio meu. Muita gente criticou, né? "Ah, não vai dar certo, tudo isso e aquilo", mas eu sou uma pessoa que eu tenho que tentar pra falar, não, se não der certo, eu sou, eu tenho profissão, motorista tá precisando em qualquer lugar. Então eu fui, tentei e graças a Deus tá aí. Tenho a minha bicicleta e abri uma loja em junho.
P/2 - Agora você tem a bicicleta e a loja?
R - Isso, a bicicleta ficou um pouco parada. E foi assim, quando eu sai da BTP, foi em janeiro. Aí eu quis alugar um box em São Vicente, para fazer o meu cantinho. Aí eu montei o box, dia 12 de março. Quando foi na outra semana, veio o corona vírus. Fechou o box. E eu tinha feito o investimento de sete mil da geladeira, da vitrine e da estufa. Aí minhas coisas ficaram todas no box. Mas aí eu fui pra casa e comecei a divulgar, divulgar na internet e comecei a ter muito pedido. E daí coloquei o Ifood, e daí começou, as vendas virem, virem, virem... Aí eu falei "não, quer saber, eu vou tirar minhas coisas de lá e vou abrir uma loja aqui". Porque teve que dar errado pra dar certo. E eu abri a minha loja em junho, no meio da pandemia, e tô aí desde junho, desde o dia cinco de junho com a minha loja, lá no meu bairro.
P/1 - Na pandemia?
R - Na pandemia.
P/1 - E como foi que você manteve a loja na pandemia?
R - Olha, foi... Quer que eu pare?
P/1 - Não, pode ir.
R - Foi, que nem eu te falei, tinha muita gente que me chamava no WhatsApp. Eu fiz lista de transição eu salvei todos os clientes, colocava "cliente 1", "cliente 2", "cliente 3", salvei, fiz umas três listas, e nisso comecei a divulgar. Fiz o cardápio que eu tinha do dia. Eu fazia o que, fazia os doces, acordava cedo, cinco horas da manhã, fazia os doces até uma hora. Quando era duas horas, eu saia pra fazer as entregas. Porque era eu sozinha, meu marido estava trabalhando, aí eu fazia as entregas das duas até as dez da noite. Todo o dia. Aí eu fui vendo que estava indo, e os pedidos começaram aumentando, aumentando... Aí eu falei "não, vou abrir uma loja aqui no bairro". E aí deu certo.
P/1 - E o seu filho deve ter adorado ter você ter virado doceira, né?
R - Mas você acredita que eles não gostam muito de doce? (risos) Eu não sei se acho bom ou ruim, né? Eles não gostam muito de doce, é raridade eles comerem algum doce. Eu falo: "Filho, quer que a mãe faça uma tortinha?", o meu filho ele gosta mais do azedinho, o mais velho. Gosta mais de um doce de limão, uma torta de limão, mas doce, assim, mesmo, eles não... Gostam do brigadeiro de café, mas chocolate em si não curtem muito, bolo...
P/1 - E qual o seu plano para daqui para frente?
R - Eu quero abrir mais lojas. Eu quero... Que nem essa minha loja lá no meu bairro, essa semana já tô querendo, já mudei o logo, desde quando eu comecei eu fiz um outro logo e já mudei. Já coloquei um logo novo na minha bicicleta e eu vou colocar a bicicleta num outro bairro. E eu quero abrir mais lojas.
P/1 - E qual você acha que é o melhor doce que você já fez?
R - Hum?
P/1 - Melhor doce que você já fez?
R - O melhor doce... Não posso deixar de falar que são os brigadeiros, que foi por eles que eu comecei. Eu fazia brigadeiro de banana, brigadeiro de limão, brigadeiro de café, frutas vermelhas. Então era bem sortido de brigadeiro mesmo, os sabores.
P/1 - E pra fechar, você acha que tem alguma outra lembrança para adoçar sua história?
[pausa]
P/1 - Algum outro caso, alguma outra coisa que aconteceu assim que você gostaria de deixar registrado, deixar aquele melzinho?
R - Não, eu acho que o que aconteceu mesmo, que foi um sonho, foi eu ter aberto a minha loja. Porque teve muita gente que me criticou, "nossa, você vai querer sair de um trabalho que você ganha o seu salário todo mês para você se arriscar?", e deu certo. Está dando certo.
P/1 - O que fez você confiar nesse empreendimento?
R - Eu sempre fui confiante para essas coisas assim. Que nem eu falei, eu sempre fui de fazer, eu sou meio sem pensar, eu faço as coisas um pouco até sem pensar, mas graças a Deus até hoje, tudo que eu fiz sem pensar deu certo. Então eu fui porque comida é uma coisa que todo mundo pede, tá sempre comendo, o povo tá sempre comendo, então eu apostei nisso. E no meu bairro não tinha nenhuma loja. Tem as meninas já, que faziam, mas não tinha nenhuma confeitaria, nenhuma doceria assim. Então eu vi que ali pro bairro ia fazer sucesso porque não tinha nada e deu certo, está dando certo.
P/1 - E como foi para você contar a história aqui?
R - Fora o nervoso? (risos)
P/1 - Fora o nervoso.
R - Ah, foi legal, né? Porque eu tô dividindo, compartilhando um pouco da minha história assim... Não sei como vai ser, mas espero que inspire outras pessoas a não ficar com medo, porque o medo deixa a pessoa muito reprimida, entendeu? E eu nunca fui assim de ter medo, eu sempre fui assim de botar as caras, se não der certo pelo menos eu ia saber que eu tentei fazer o que eu quis e não deu certo. Seria pior se eu ficasse "ah, mas se eu tivesse? Se eu não tivesse... Se eu tivesse saído, como é que ia ser?" então meu pensamento é esse. Meu marido já é mais firme, ele já foi um dos que "tem certeza? É isso? Quer isso?", falei: "não, tenho certeza". E deu certo.
P/1 - Muito obrigado, viu?
R - De nada.