No dia 01 de junho de 2014 foi realizada a Roda de Histórias com moradores de assentamentos dos municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante – Ceará. O encontro aconteceu no Jardim Botânico de São Gonçalo do Amarante e contou com a presença de moradores que foram deslocados devido às transformações ocasionadas pelo Complexo Industrial Portuário do Pecém (CIPP). A roda contou com moradores dos assentamentos Forquilha, Nova Vida, Tapuio e Novo Torem, e compartilharam suas experiências sobre a região antes e depois da chegada do Complexo.
O dia em que todo mundo parou pra ouvir: Valorização da História e da Cultura dos Municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante (CSP)
Roda de Histórias com moradores de assentamentos de Caucaia e São Gonçalo do Amarante
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 05/02/2015 por Danilo Eiji
Projeto: Valorização da História e da Cultura dos Municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante - CSP
Roda de Histórias – Moradores de assentamentos
Mediação: Danilo Eiji Lopes
Local, Jardim Botânico de São Gonçalo do Amarante.
Data: 01 de junho de 2014
Roda de histórias 04
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por: Danilo Eiji Lopes
P/1 – Vamos fazer essa rodada de apresentação. Não se preocupem, a gente vai conversar sobre a história de vida de vocês, ou seja, tudo o que vocês conhecem, tudo o que vocês sabem, não tem muito segredo, não quero um furo da vida de vocês, tá bom? Podemos começar? Se apresentar, seu nome, local, data de nascimento, onde morava e onde mora hoje. Por favor.
Hernanes – Posso começar?
P/1 – Por favor.
Hernanes – Hernanes Pinheiro da Silva.
P/1 – Local de nascimento, data?
Hernanes – Gregório, onde está sendo montada a siderúrgica hoje.
P/1 – E Hernanes, você nasceu em que ano?
Hernanes – Em 72. Dia sete de novembro de 72.
P/1 – E hoje qual é a sua ocupação, no que você trabalha?
Hernanes – Hoje eu estou trabalhando empregado, mas a minha função era agricultor, desde que eu nasci até agora, há poucos dias.
P/1 – Era agricultor, e hoje?
Hernanes – Hoje eu estou trabalhando empregado nas empresas porque é a solução que tem, não tem outra coisa.
P/1 – Qual a sua função?
Hernanes – Hoje estou trabalhando de ajudante nas empresas.
P/1 – Qual empresa?
Hernanes – Na Santos.
P/1 – Obrigado, Hernanes. Bom dia.
Valneide – Bom dia. Meu nome é Valneide da Rocha Nogueira. Nascida no Bolso.
P/1 – Qual o ano que a senhora nasceu?
Valneide – Foi em 59, no dia 28 de junho.
P/1 – E a senhora nasceu no Bolso e hoje está morando onde?
Valneide – No Assentamento Parada.
P/1 – Parada é Nova Parada?
Valneide – Nova Vida.
P/1 – Por que chamam de Parada?
Vários – Porque é o município.
P/1 – Município é Parada? Município não é Caucaia?
Hernanes – O município é São Gonçalo do Amarante, mas é Parada.
P/1 – Distrito?
Hernanes – É, Distrito Parada.
P/1 – Distrito Parada, Nova Vida. Você tá morando também no Nova Vida?
Hernanes – Nova Vida.
P/1 – Valneide, obrigado. Isso aqui é só o começo, viu gente? Não se preocupem, não fiquem nervosos, eu estou só perguntando o nome, hein? (Risos). Por favor, desculpe.
Antonio – Antonio Nogueira de Oliveira.
P/1 – Senhor Antonio, o senhor nasceu quando?
Antonio – Eu nasci no Jirau. É o lugar, né?
P/1 – Lugar e a data.
Antonio – Eu nasci no Jirau, município de São Gonçalo do Amarante, que fica perto da siderúrgica onde eu nasci. E a idade é dez de dezembro de 1956.
P/1 – E hoje o senhor está morando...?
Antonio – Estou morando no Assentamento Nova Vida.
P/1 – Obrigado, senhor Antonio.
Lúcia – Lúcia Silva Pinheiro.
P/1 – Lúcia eu conheci antes. Sabia que você ia participar, Lúcia! Ela me recebeu super bem lá no portão (risos), contou já um pouco da história. Lúcia, você nasceu onde, data, local?
Lúcia – Eu nasci tão longe! Eu nasci no Rosarinho de Maranhão.
P/1 – Em que ano?
Lúcia – No dia 13 de março de 1968.
P/1 – Por que você veio pra cá? Como é que você veio parar aqui?
Lúcia – Porque meus pais vieram embora pra cá, pra essa região. Aí pouco tempo que eles faleceram, e eu conheci ele, casei e fiquei aqui. Trabalhando na agricultura pra ajudar a criar nossos filhos.
P/1 – Ok, e foi pra região lá do Gregório?
R – Hum-hum. Madeiro.
Vários – Lá é Gregório.
P/1 – E hoje você está no Nova Vida.
Lúcia – Exatamente.
P/1 – Tá bom, Lúcia, obrigado.
Maria do Socorro – Maria do Socorro Sereno. Minha data de nascimento é seis de setembro de 62.
P/1 – Você nasceu onde?
Maria do Socorro – Fortaleza.
P/1 – Fortaleza. Daí você veio pra essa região como?
Maria do Socorro – Porque eu fui morar com o pessoal em Fortaleza e lá eles me registraram, aí então é Fortaleza, né? Depois de um tempo eu vim embora pra cá de novo, fui morar com meus pais legítimos. Depois saí deste lugar onde eu morava e vim morar no Velho Torém. E do Velho Torém, agora eu tô no Novo Torém.
P/1 – Quem que dá os nomes, hein gente? Conta pra mim?
Maria do Socorro – Não sei. Não sei se porque lá tinha muito pé de torém, né? Aí ficou Torém Velho e Novo Torém (risos).
P/1 – Tá certo. E você veio pra cá com a família também?
Maria do Socorro – Foi.
P/1 – Era criança?
Maria do Socorro – Não!
P/1 – Pro Velho Torém?
Maria do Socorro – Não, já era já...
P/1 – E você lembra os motivos de vir pra cá, especificamente?
Maria do Socorro – Foi porque foi desapropriado.
P/1 – Não, não, pro Velho Torém.
Maria do Socorro – Ah sim, pro Velho Torém? É porque eu vim morar com a minha mãe, aí eu vim cuidar de uma irmã minha que tinha quebrado o pé, aí conheci um rapaz, aí pronto, de lá da casa da minha mãe eu vim morar com ele. Aí pronto, to até hoje, no Novo Torém (risos).
P/1 – Maria do Socorro, obrigado. Tatiana?
Antonia – Antonia.
P/1 – Antonia? Nossa de onde tirei? Desculpe.
Antonia Tatiana – É Antonia Tatiana. Quase parecido.
P/1 – Não errei tanto, né? (Risos) Eu tinha entendido Tatiana, é Antonia Tatiana, tudo bem. Vamos lá. Tudo bem? (Risos).
Antonia Tatiana – Eu nasci no dia seis do três de 87.
P/1 – Onde?
Antonia Tatiana – Caucaia.
P/1 – Caucaia. E morava no centro aí?
Antonia Tatiana – Não, eu morava lá no Putiri.
Hernanes – Ela veio embora pro Putiri, a mãe dela veio embora.
P/1 – Não conheço o Tiri, onde é o Tiri?
Antonia Tatiana – Putiri.
P/1 – Putiri?
Antonia Tatiana – É.
P/1 – Onde que é?
Hernanes – Município de São Gonçalo do Amarante.
P/1 – Também em São Gonçalo.
Antonia Tatiana – É.
P/1 – Entendi. E hoje você está morando onde?
Antonia Tatiana – Assentamento Forquilha.
P/1 – Forquilha. Forquilha já é mais antigo o assentamento, não é? Já tem mais de dez anos.
Hernanes – Dezesseis.
Lúcia – Foi o primeiro, né?
P/1 – Foi um dos primeiros. Você lembra disso?
Antonia Tatiana – Lembro, eu cheguei lá pequenininha, cheguei lá com 13 anos.
P/1 – Mas você lembra dessa mudança pra ir pra lá?
Antonia Tatiana – Lembro, eu fui mais meu pai (risos).
P/1 – E foi tudo bem?
Antonia Tatiana – Foi.
P/1 – A gente vai saber sobre isso. Obrigado. Eu te chamo de Antonia ou de Tatiana?
Antonia Tatiana – Você que sabe.
Francisco – Antonia Tatiana.
P/1 – Tá bom, Antonia Tatiana (risos). Bom dia.
Francisco – Bom dia. Francisco Carlito Lima de Moraes. Nasci no Gregório, município de São Gonçalo do Amarante. Profissão, agricultor. Hoje moro no Assentamento Forquilha, que foi pego pelo Complexo Industrial do Porto do Pecém. Aí nos desapropriaram e nos trouxeram pra cá, pro Forquilha. Estamos aqui.
P/1 – Do Gregório pro Forquilha?
Francisco – Foi. Estamos aí.
P/1 – O senhor hoje continua com agricultura?
Francisco – Não é com agricultura porque hoje não pode mais, to comendo do aposento. Sou aposentado, agricultura não está dando mais pra gente, não.
P/1 – Mas quem quer trabalhar com agricultura no Forquilha, é possível?
Francisco – É, sozinho ninguém pode, né? Você sabe que o aleijado não anda sem muleta, tá faltando as muletas da gente andar.
P/1 – Mas ali na comunidade vocês estão se organizando, como é? Tem gente plantando?
Francisco – Não tem gente plantando porque não tem condição de plantar, não tem condição. Primeiro, nós não estamos tendo ajuda do Governo em nada, e foi prometido a nós, quando foi desapropriado lá foi prometido a nós que... só prometeram o céu pra nós e nada veio, não tem nada. Não tem nada. O que tem foi que as nossas terrinhas se foram. Lá onde estão fazendo a siderúrgica, central da energia, era meu. Aí se foi, o que eu ganhei? Uma casa com um lotezinho. E como é que se remexe? Quantos lotes não davam a minha terra e a terra desse rapaz? Aí nós não planta porque não tem onde. O senhor bote na sua cabeça que 71 hectares pra 24 famílias e ainda tirando 17 de área que não pode se trabalhar. Setenta e um hectares, tira mais 17 que não pode se trabalhar que é morro, como é que esse pessoal pode viver de agricultura, pode plantar o quê? Em riba de quê? O meu terreno era estreito, mas era comprido, dava mais de três mil metros de comprimento, eu tinha onde plantar. Hoje eu não tenho. Olha, são 20 metros assim com 50, isso dá pra gente viver de agricultura, uma coisa dessa? Agora prometer que nós ia ter terra pra trabalhar, ia ter destinatário aos bancos, isso aí foi prometido e não foi só uma vez não, foram muitas e muitas e muitas.
P/1 – Seu Francisco, vamos fazer o seguinte, eu vou terminar essa rodada de apresentação e a gente vai retomar essa questão, porque é importante. E imagino que vários de vocês devem ter esse tema, de como foi essa transformação do que era antes e do que é hoje. E essas questões de qual foi o papel do governo, o que foi prometido, como foi essa conversa é importante a gente registrar sim. Então, a gente já retoma, tudo bem?
Francisco – Prometer, prometeram. Prometeram sem falta e faltaram como sei dívida.
P/1 – Vamos retomar. Com licença, bom dia.
Maria Nazaré – Bom dia.
P/1 – A senhora, por favor.
Maria Nazaré – O meu nome é o mais conhecido do mundo (risos). Maria Nazaré Conceição do Nascimento.
P/1 – Dona Maria Nazaré, a senhora é religiosa?
Maria Nazaré – Graças a Deus (risos).
P/1 – Está no nome, faz jus. A senhora é católica, evangélica?
Maria Nazaré – Sou.
P/1 – Católica. E chamo de Nazaré?
Maria Nazaré – Pode ser.
P/1 – Maria Nazaré, tá bom. O ano que a senhora nasceu, onde?
Maria Nazaré – Nasci em Cauípe.
P/1 – Cauípe?
Maria Nazaré – Em 1945.
P/1 – E a senhora estava morando onde antes de vir pra cá?
Maria Nazaré – No Madeiro.
P/1 – No Madeiro. A senhora morava no Madeiro e hoje está morando no...?
Maria Nazaré – Nova Vida.
P/1 – Eu lembro da casa da senhora.
Maria Nazaré – Ótima, né?
P/1 – Ótima. E seus parentes estão perto, lembro bem. Sua neta, né? Muito obrigado.
Maria Nazaré – Nada.
P/1 – Bom dia.
Raimunda – Bom dia.
P/1 – Nome da senhora?
Raimunda – Raimunda Vieira Gonçalves.
P/1 – E a senhora nasceu onde?
Raimunda – Coité, Matões. Caucaia.
P/1 – Matões. Que ano, dona Raimunda, por favor?
Raimunda – Trinta e quatro...
P/1 – 1934. Mudou muito Matões?
Raimunda – Matões não sei porque não moro mais lá, né? Agora moro pra cá, estou distante.
P/1 – A senhora nunca mais voltou ali?
Raimunda – Não. Tenho uma filha que mora lá, só assim a passeio, mas de morada não.
P/1 – Mas a senhora viu aquilo mudando ou não?
Raimunda – Tá muito diferente, sabe? Porque ali era só mato e agora está rua.
P/1 – Entendi. Vou lhe perguntar depois como era o Matões antigamente.
Raimunda – Tá diferente mesmo.
P/1 – Tá bom, obrigado. E quem está lá atrás? Oi! Tudo bem? Quem é você?
Mariane – Mariane Lopes Nascimento.
P/1 – Mariane? Tudo bem, Mariane? Isso é só um microfone, viu? (risos). Quantos anos você tem?
Mariane – Nove.
P/1 – Nove? Seja bem-vinda (risos). Bom dia. O senhor é o seu Antônio, né?
Antonio – Antônio Alves de Araújo.
P/1 – Senhor Antônio. O senhor nasceu onde, quando?
Antônio – Eu nasci em 49. Onde eu nasci? Eu nasci lá no Campo Grande e me criei na Omesc.
P/1 – Onde?
Antonio João – Na Omesc. Tudo é município de São Gonçalo.
P/1 – E o senhor também foi pro Forquilha, é isso?
Antônio – Fui desapropriado e fui pra Forquilha.
P/1 – Na desapropriação o senhor estava onde?
Antônio – Eu estava lá no Gregório mesmo.
P/1 – Ok. O senhor também era agricultor?
Antônio – Era. E ainda sou. Só não estou podendo é trabalhar (risos), mas ainda sou agricultor. Já tive uns problemas de saúde, até fui operado três vezes e não estou em condições de trabalhar muito não.
P/1 – Na casa onde eu fui buscá-lo, o senhor mora com a família, é isso?
Antônio – Moro.
P/1 – Vocês estão em quantos ali?
Antônio – Lá só eu mesmo e minha esposa. Eu tenho duas filhas, mas já casaram.
P/1 – Mas continuam no Forquilha?
Antônio – Continuam. Desde que eu cheguei lá eu ainda moro lá.
P/1 – Mas a sua família, suas filhas casaram e continuam na Forquilha?
Antônio – Ela mora no Pecém e outra aqui na Parada.
P/1 – Muito obrigado por ter vindo.
Maria Anelita – Maria Anelita Ferreira de Lima.
P/1 – Você, Anelita, nasceu quando, onde?
Maria Anelita – Eu nasci no dia 21 de março, agora do ano que eu estou esquecida. Tenho 58 anos.
P/1 – Está com 58 anos. E você estava morando onde?
Maria Anelita – Eu morava no Velho Torém, agora eu estou morando no Novo Torém.
P/1 – Velho Torém e foi pro Novo Torém. Vocês sabem a origem desses nomes? Eu perguntei pra vocês. O seu palpite é que torém é porque tinha muita plantação de torém.
Maria do Socorro – Eu nunca ouvi assim ninguém...
Raimunda – Eu sei onde é o Velho Torém e eu sei onde é o Novo Torém.
P/1 – É? E por que chama Gregório?
Raimunda – Fica perto do Gregório, né?
P/1 – Mas por que esse nome?
Francisco – Eu quero que você me dê licença pela minha saída porque eu tenho um problema, agora às 11 horas lá depois da barragem.
P/1 – É mesmo? O senhor não quer nem contar um pouquinho? Eu lhe pergunto como foi essa sua transição e o senhor vai, que tal? O senhor consegue contar um pouco como foi essa mudança, sair do... o senhor era do Gregório e ir pro Forquilha antes de ir embora? Porque o senhor colocou questões importantes aqui.
Francisco – Eu saí de lá porque...
P/1 – Como foi?
Francisco – Eu não esperava sair de lá, não. Lá eu nasci, me criei, e não tinha nenhum pensamento de sair de lá. Saí de lá porque o senhor Tasso Jereissati inventou esse negócio do Porto do Pecém, e aí quando eu cuidei que não, os homens estavam dentro da terra, medindo, tudinho.
P/1 – De repente chegou um monte de gente?
Francisco – Foi, medindo as terras. Eu digo: “Meu amigo...
P/1 – Sem falar nada?
Francisco – Botaram o aviso, mas botaram dizendo que iam medir as terras pra desapropriar. Agora nós tínhamos tudo, ia ter cesta básica, acesso no banco, ia ter terra pra trabalhar... E quando acabou botaram 71 hectares, ainda tirando 17; 71 menos 17 o que dá?
P/1 – Mas seu Francisco, eu queria que o senhor contasse como foi essa chegada. O senhor estava lá, de repente chegaram pra conversar com você, como foi essa conversa?
Francisco – Chegaram, foram dizendo que iam desapropriar, pagar bem.
P/1 – Mas quem chegou?
Francisco – Quem chegou foram os técnicos do Idace, dizendo que ia pagar bem, e a gente não viu esse bem pagamento. O que fez foi uma casinha ali, deu uma casinha ali e não deu terra. Nós somos sem terra. O pessoal diz assim: “É o assentamento dos sem terra”, porque nós não tem terra pra trabalhar.
Antonio Nogueira – Terra pra gente fazer as coisas, não tem mesmo, não.
Francisco – Tem não. Olha, eu crio umas vaquinhas lá no terreno do homem da Receita Federal, do doutor Campeiro, crio lá na terra dele porque eu não tenho onde crie. Não tenho onde crie, não tenho terra, eu sou um dos sem terra. Quando o senhor ouvir falar dos sem terra, pode dizer: “Tem o Carlito acolá que é sem terra”, viu?
P/1 – Mas como veio essa história? O senhor estava ali e de repente começou a ouvir falar que ia ter a construção?
Francisco – Ia fazer o Porto do Pecém.
P/1 – Veio gente do Estado conversar?
Francisco – Veio, conversa não faltou, não, todo dia tinha conversa. Todo dia tinha conversa, e as conversas era dizendo que era de bem pra melhor. E não foi.
P/1 – Mas vocês tiveram associação, por exemplo?
Francisco – Lógico que teve associação.
P/1 – E como foi isso? Como vocês se organizaram? Eu queria entender como foi até chegar nisso, essas conversas.
Francisco – A conversa foi boa, viu? O senhor conheceu aquela história da Xuxa, beijinho-beijinho tchau-tchau? Foi isso que aconteceu com nós.
P/1 – Essa é uma sensação geral de vocês? Todo mundo acha que foi assim, “beijinho-beijinho tchau-tchau” ou o Governo...?
Francisco – Eles não olharam mais pra nós.
(Burburinho: Grupo se manifesta)
P/1 – Eu conheci o Forquilha... Mas eu queria entender mais, gente, como foi a chegada dessa conversa até o que foi prometido, o que foi dado, quem foram as pessoas que foram ali? O senhor falou que o pessoal ia medir. O senhor acompanhou as pessoas medindo?
Francisco – A gente acompanhou, acompanhar a gente acompanhou tudo. Nós acompanhamos até os prometimentos tudo. O que foi prometido. Não foi assim. Não mano, prometeram, prometeram mundos e fundos, meu amigo, fez que nem Maria Heloísa lá em Fortaleza, prometeu mundos e fundos. Agora o mundo ninguém viu, não.
P/1 – E o Idace que era o contato?
Francisco – O Idace foi o rapaz que fez tudo lá.
P/1 – Era só o Idace que era o contato com vocês?
Francisco – Era.
P/1 – Mas como foi chegar no Forquilha? Quem que escolheu? O senhor participou da escolha?
Francisco – Nós viemos visitar, eles diziam que era terra pra todo mundo trabalhar, e não tem, não. De 71 tira 17, que aí você soma conta quantos dá.
P/1 – E antes falaram que ia ser mais, é isso?
Francisco – Diziam que era. Cinquenta e quatro hectares pra 20 moradores, você me diz quantos hectares dá. Um homem em riba de duas hectares, meu amigo, ele não cria família, não, viu?
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho porque eu quero entender como era antes e como foi essa transformação pra chegar no hoje. Podemos fazer assim? Hernanes, você nasceu no Gregório?
Hernanes – Gregório. Nasci e me criei, saí agora depois de velho (risos).
P/1 – Como que era o Gregório? Conta pra mim a sua infância no Gregório.
Hernanes – Gregório era muito bom, ainda hoje não me esqueço.
P/1 – É mesmo? Descreve um pouco pra mim.
Hernanes – É. Lá eu vivia na agricultura, mas de tudo eu tinha. Eu criava do meu gado, porco, a galinha, de tudo eu tinha. Farinha, eu fazia três semanas de farinhada. E hoje eu não tenho donde fazer um litro de farinha porque não tem a terra onde plantar.
P/1 – Mas a terra era de vocês?
Hernanes – A terra era nossa e de um vizinho meu que comprou a terra e me entregou para eu plantar, trabalhar na terra. Doutor Xavier, que é engenheiro da Petrobrás.
P/1 – Doutor Xavier.
Hernanes – Doutor Xavier.
P/1 – E você trabalhava...
Hernanes – Trabalhava na terra dele e na minha, plantava dois terrenos.
P/1 – Entendi. Sua casa era dentro da propriedade do seu Xavier?
Hernanes – Era dentro da minha mesmo, só que eu plantava nos dois terrenos, meu e dele.
P/1 – E tinham poucas famílias?
Hernanes – Encostado lá tinha umas 25 casas, entre o Madeiro 1 e Madeiro 2.
Lúcia – Não, do lado de cá que a gente morou tem o Madeiro divide, por causa do córrego que passa no meio, aí divide, uma parte de família por um lado e por outro lado divide a outra. No Madeiro do nosso lado morava eu, a minha filha, a Maria de Nazaré, a Jaqueleide, essas famílias.
Hernanes – E minha mãe e meu pai moravam lá.
Lúcia – Mas com a desapropriação eles já tinham falecido, né?
Hernanes – Mas eles moraram o tempo todo.
Lúcia – Aí ficava nessa parte que a gente morava, muita terra pra gente plantar.
Francisco Carlito – Conheci demais a mãe dele, minha comadre. Comadre Ficuta, e o compadre Oscar, conheci demais. Sou padrinho de uma filha da comadre Ficuta.
Lúcia – Pois é. E lá onde a gente morava, a gente, que nem as coisas que ele diz que já criava, a plantação a gente plantava muito, tinha feijão, tinha o milho, tinha de tudo. Aí hoje tiraram a gente pra essa área que colocaram a gente que tem só que nem ele citou aí, só o local da casa, a gente não tem direito de criar nada. A gente vive nessa situação, sem governo aparecer pra dar assistência de nada, sem saber como a gente vive, só promessa. E a gente quer uma resposta pra isso, que ninguém vai viver a vida toda, um acesso pra gente sair não tem, tem que caçar canto por dentro dos matos porque a lama é muito horrível...
P/1 – Mas Lúcia, eu queria entender um pouco de como era esse Gregório antes de ter empresa, antes de ter qualquer ideia. Lá tinha escola?
Lúcia – Tinha.
P/1 – Vocês iam até a escola, por exemplo? Na infância de vocês, é que você não teve a infância ali, né?
Lucia – Não, a minha infância não foi ali, mas quando eu vim pra dentro dele eu tinha o quê, 16 anos.
P/1 – Dezesseis anos.
Lucia – Dezesseis anos que eu vim pra dentro dele, eu já tô com meus 46 anos.
P/1 – Você viu bastante coisa ali. Tinha escola no Gregório?
Hernanes – Tinha. A própria esposa dele era professora.
Lucia – A esposa dele, Salvelina.
P/1 – Salvelina era professora.
Lucia – Salvelina que era professora dos meus filhos. De todos que morava ali naquela área do Gregório.
P/1 – Fundamental I, para os pequenininhos.
Lucia – Era.
P/1 – Entendi. E que mais? Tinha posto de saúde?
Lucia – O posto de saúde era na dita escola.
P/1 – No mesmo espaço?
Lucia – No mesmo espaço.
Antonio Nogueira – O doutor consultava lá, né?
Lucia – Era. Tinha os dias do doutor ir pra fazer a consulta.
P/1 – Entendi. Vocês lembram quem era?
Lucia – O doutor?
P/1 – Quem era o doutor do Gregório?
Lucia – Tá com tanto tempo que eles vinham. Foi o tempo que inventaram pras Caraúbas, tiraram o posto de lá e botaram pras Caraúbas. E a gente tinha que destacar lá de onde a gente morava pra ir consultar nas Caraúbas, que tava numa creche e tinha um espaço pra atender as crianças, os adultos e os idosos.
P/1 – E como vocês faziam pra ir pra Caraúbas?
Lucia – A gente ia a pé, muito longe, pelas varedas.
Valneide – No lombo de jumento! (Risos gerais).
Lucia – Às vezes, pro menino ir estudar ia de jumento, ia de cavalo, era assim, as dificuldades, era muito difícil no madeira.
Hernanes – Mas tudo era bom.
Lucia – Três horas da madrugada precisava meus filhos se levantar pra ir pra escola.
Antônio – Depois eu posso dar uma palavra?
P/1 – Por favor, o senhor se sinta à vontade.
Antônio – Eu vim aqui pra ter um grande proveito, aliás o senhor teve a consideração de me buscar lá em casa, mas eu não quero acusar os dois lados. Na época dos meus pais, meu pai tinha propriedade, ele nunca deu de “dizeça” ninguém pra criar os filhos, mas na agricultura ele morreu sem possuir nada. E hoje com esse investimento do Porto do Pecém, essas firmas que chegaram, teve uma grande melhora, porque se não fosse isso eu estava com minhas filhas trabalhando, até fazendo faxina, porque não tinha emprego. E hoje todo mundo tem emprego, todo mundo tem suas condições de viver, todo mundo tem sua geladeira em casa, muitos têm suas motos, tem um transporte. Por quê? Porque chegou esses empregos e houve um grande avanço, uma grande melhora na nossa população. Eu não vou dizer que só naquela época era bom. Era bom, mas eu acho que apesar da violência que está acontecendo as coisas melhoraram, não só porque está havendo muitas coisas aí, mas por outra parte, financeira, está sendo melhor do que naquela época. O que eu quero dizer é isso, porque hoje eu tenho minhas filhas empregadas, meu genro empregado, e se não fosse o Porto do Pecém, elas estavam trabalhando mais eu lá na roça, porque não tinha onde se empregasse. Há 20 anos eu alcancei pedreiro trabalhando na enxada pros outros porque não tinha uma construção pra ele trabalhar. E hoje você procura um pedreiro pra 100 reais e ainda é difícil de arranjar porque todo mundo está emprego.
Lúcia – Isso aí é verdade.
Antônio – E o desenvolvimento melhorou pra todo mundo. Hoje nós podemos chegar na casa de qualquer pessoa que tem uma geladeira em casa, tem uma televisão, tem uma moto, hoje não tá havendo mais diferença do rico pro pobre. Mas naquela época havia diferença do escravo pro rico, o que eu quero dizer é isso. E eu estou muito satisfeito. Perdi minha propriedade, não perdi porque fui beneficiado com a casa, com o emprego pra minha família, vai chegar até pros meus netos. E eu creio que cada um desses aqui estão sendo beneficiados pelos empregos que estão aparecendo. E naquela época muitos viviam trabalhando pros outros, aguentando abuso dos patrões, porque os patrões viviam humilhando os pobres, porque tinham uma propriedadezinha e precisava de um trabalhador, começava a humilhar. E ele tinha que correr no outro dia pro mesmo canto porque não tinha onde ganhar nada. E hoje não tem que querer ser humilhado de ninguém, se for trabalhar com um patrão e ele vier com abuso, ele deixa ele lá e no outro dia bota um currículo em qualquer posto desse, é chamado pro emprego e está sendo beneficiado pelo emprego. Hoje eu acho que está sendo muito bom, aliás, do que era de primeiro. O que eu tenho de dizer é isso.
P/1 – E justamente. Eu queria entender como que era esse antes. O senhor está falando dessa questão da humilhação, por exemplo, das relações. O senhor se lembra de alguma história, por exemplo? Me conte uma situação, por exemplo, que o senhor vê que era.
Antônio – Naquela época era muito cansativo. Trabalhava de sol a sol, a gente não tinha um conforto na casa da gente. A gente não tinha uma merenda, que naquela época as merendas, podia-se dizer assim, farinha com rapadura. Hoje a gente bota um trabalhador, se botar um suco pra ele, ele vai dizer: “Vou querer refrigerante com pão”. E tem que aparecer refrigerante com pão. Naquela época os patrão comia farinha com rapadura, e hoje os trabalhadores que vão trabalhar hoje, pode botar um suco pra eles que eles não querem, eles vão querer é refrigerante com pão. Por quê? Porque há uma diferença hoje. Porque naquela época era uma época que vinha a época dos coronéis, daquelas pessoas antigas, mas hoje a diferença mudou muito.
P/1 – Mas o senhor conseguiria me contar uma história, por exemplo, de um proprietário de terra, como que trabalhava e com eram as relações? Alguma situação que o senhor vivenciou? Que foi trabalhar não sei onde...
Antônio – Era assim, a pessoa, se a gente ia trabalhar tinha a distância de pé, a gente não tinha transporte. Essa região onde a gente morava se a gente ia pra um comércio andava dois quilômetros pra chegar e comprar um alimento pra comer, porque perto de casa não tinha. Se uma criança ia pra escola andava duas, três léguas pra chegar naquela escola, chegava lá e a criança nem podia aprender mais nada, já chegava desfalecido de necessidade, suado, cansado. Estudava lá, vinha pra casa meio-dia em ponto, chegava em casa não tinha conforto. E hoje é transporte na porta pra pegar os alunos, as criancinhas é coisa desse tamanho e as mães: “Tomara que o carro já chegue pra levar essa criança pra creche, pelo menos eu estou livre dela até meio-dia”. Dão graças a Deus de chegar, chega o carro pra levar as crianças, aí tem uma pessoa pra receber as crianças. Chega lá tem a pessoa pra cuidar das crianças, ninguém pode fazer nada com a criança. E as crianças são bem recebidas como se fossem na casa dos pais, ou então melhor. E eu acho que tá sendo muito melhor o que eu to vendo agora pro que eu vi antes, que eu tenho 64 anos.
P/1 – Na questão do pessoal que é do Velho Torém, pessoal de Matões, vocês veem isso também, essa mudança? Era complicado antes morar aqui? Tinha essa relação de trabalho que o senhor Antônio colocou, por exemplo? Tinha gente que mandava e desmandava?
Lúcia – Lá onde a gente morava, lá praticamente era mais família, tinha a propriedade própria. A gente trabalha com horta lá e eles plantavam, plantavam feijão, milho, mas só pra sobrevivência mesmo. Farinha, tinha muita fartura. E hoje lá no assentamento onde a gente mora são 61 hectares, tem terra, eles não plantam porque não têm condições de plantar. Porque uns já são idosos, aposentados, já não querem mais trabalhar, mas que um dia de serviço de um agricultor lá, onde nós moramos, é 50 reais o dia, sabe? Só que nós já somos idosos, quase não planta mais. Tem uns que ainda plantam. Tem a casa de farinha lá, como tava comentando aqui. Quando a gente morava lá no outro era mais fácil, tinha farinhada de mês, de 15 dias, de 20 dias. E tinha muita fartura. Hoje em dia farinha tem que ser comprada, feijão tem que ser comprado, a goma tem que ser comprada. E tem esse outro lado, as crianças pra ir pra escola era longe, era muito longe. Pra pegar transporte a gente tinha que sair cinco horas da manhã pra pegar o ônibus seis horas. E hoje não, hoje tem ônibus na porta onde a gente mora, tem o posto de saúde. Agora tem a UPA no Pecém, tem pra vários cantos pra se localizar pra ir pros médicos. Agora tem esse outro lado, eles prometeram também muita coisa lá. Como o excesso lá, quando chove, se for um inverno bom, carro pequeno não passa, só passa grande. A nossa praça também que foi prometida, nunca fizeram. Foi pago o projeto, o SS também da passagem, o Dert (Departamento de Edificações Rodovias e Transportes) veio, vem fiscal, olhou, perguntou onde estava sendo construído uma obra, a gente disse: “Aqui dentro não tem obra construindo, nada não”. Foi pago, mas não foi feito nada disso. E até hoje, com 14 anos que nós tá lá que a gente vem pelejando pra ver se eles fazem porque quando chove não passa carro pequeno, só grande. Aí eu sei e como de fato essas empresas trouxeram muita coisa boa, emprego pra muito jovem. Até meu filho trabalha no porto, ele fez um curso de empilhador, passou, tá trabalhando, depois que ele tá lá já trabalhou em três empregos, já trabalhou em três empresas. A maioria dos jovens também trabalha no Porto do Pecém. Tenho uma filha minha que está fazendo faculdade no Pecém, Recursos Humanos.
P/1 – Pessoal mais jovem está todo mundo trabalhando.
M – Todo mundo trabalhando nessas empresas.
P/1 – E o pessoal que já tem mais idade como vocês?
Raimunda – Não trabalham em nada. Tem um que não trabalha em nada, tá com bem um ano que não pode mais, que é doente, diabete.
P/1 – Se quisesse, se tivesse essa questão tem oportunidades?
Antonio Nogueira – Não tem, não.
Raimunda – Diz que não, né?
P/1 – O senhor chegou a procurar, seu Antonio?
Antonio Nogueira – Eu já procurei já pra ver se arrumava qualquer oportunidade, mas não arrumei, não. Que diz que eu não tenho direito porque causa da diabete e pressão alta que eu tenho.
P/1 – Mas o senhor tem colegas, por exemplo, da mesma faixa etária, da mesma idade, que também trabalha?
Antonio Nogueira – Tem gente que é velho e que às vezes aguenta, trabalha, às vezes, em firma por aí.
P/1 – Trabalhando em firma?
Antonio Nogueira – Mas só que eu não aguento de jeito nenhum trabalho. Quando eu levo um solzinho mais arretado eu fico passando mal.
P/1 – Essas questões, a gente vai vendo que tem coisas que são mais legais e coisas que...
Lúcia – Justamente.
P/1 – Por exemplo, senhora Raimunda, pensando na sua infância, lá no Matões, como que era, quem que morava lá, quais eram as famílias que tinham? A senhora foi na escola, por exemplo?
Raimunda – Eu? Eu fui na escola, estudei pouquinho, só até o segundo ano, antigo, porque agora é diferente os estudos.
P/1 – A senhora se lembra da escola, por exemplo?
Raimunda – Eu me lembro da escola.
P/1 – Professores?
Raimunda – Professora, duas professoras. Era bom.
P/1 – Me conta uma história da sua infância, dona Raimunda.
Raimunda – História da minha infância? Como é que eu vou contar? (risos)
P/1 – O que a senhora lembra que gostava de fazer? Quais eram suas brincadeiras, por exemplo, que a senhora gostava?
Raimunda – Eu ia pra escola, brincava mais as outras jogando bola praqui e pracolá. Baralho com as outras, era assim.
P/1 – Entendi. Tinha essa preocupação de andar na rua ou não?
Raimunda – Não. Meu pai não deixava nós sair, nós só saía pra escola, só. É. Daquela escola pro roçado. Ele era agricultor.
P/1 – A senhora trabalhava no roçado? Desde criança?
Raimunda – É, desde criança. E aí me casei, meu marido a mesma coisa, também na agricultura. Graças a Deus lá em casa não faltava feijão, milho, arroz, essas coisas. Mas ele faleceu, já está com três anos, estou três anos de viúva.
P/1 – E como era essa diversão lá no passado? Tinha festas?
Raimunda – Tinha festas, tinha.
P/1 – Por exemplo?
Raimunda – Tinha festa no Gregório, eu vinha mais o meu pai. Mas ele não deixava a gente sair com as outras pessoas não, ele tinha que andar com a gente (risos).
P/1 – Na marcação!
Raimunda – Ele tinha que todo jeito estar ali, se ele não fosse não ia ninguém.
P/1 – Como era a festa do Gregório?
Raimunda – Era festa de sanfona, violão, pandeiro, tamborim, essas coisas.
P/1 – Eu entendo que escola era um pouco difícil, hospital era mais difícil ainda, né?
Raimunda – Hospital era difícil. Era.
P/1 – Vocês usavam, por exemplo, coisas do mato, chá? Vocês usavam remédio?
Vários – Usava, ainda usa.
P/1 – Ainda usa?
Vários – Ainda usa.
P/1 – Vocês tinham rezadeira?
Raimunda – Esses remédios de hospital, meu filho, não servem não. Esses chazinhos que nós toma serve mais do que de hospital. Eu acho, né?
P/1 – A senhora sabe fazer?
Raimunda – Eu? Ó maninha (risos). Eu faço um chazinho...
P/1 – A senhora sabe algum?
Raimunda – Eu sei.
P/1 – Por exemplo? Conte um pra nós?
Raimunda – (risos) Eita, meu Deus do céu... Uma cebolinha, umas malvas, mastruz, uns hortelã e mais alguma coisinha pra fazer aquele lambedor, aquele mel. A gente toma umas colherinhas e é melhor do que esse remédio de hospital (risos).
P/1 – E no caso, vocês tinham lá no... a senhora era do Matões, né?
Raimunda – É.
P/1 – Filho, tinha parteira? Na comunidade?
Raimunda – Parteira.
P/1 – Quem fazia lá, a mulher tava pra ter um filho, como fazia? Tinha parteira?
Raimunda – Tinha. Tinha parteira.
Hernanes – Minha mãe pegou muito.
P/1 – Sua mãe era parteira?
Hernanes – Parteira. Ela morou até ali no Pecém, ela trabalhou de parteira.
P/1 – Conta um pouco sobre ela, quem é ela, nome.
Hernanes – O nome dela era Francisca Pinheiro da Silva. A maioria desses meninos que mora na região de Gregório quem pegou foi ela. Era debaixo de chuva, trovão, relâmpago, ela saía e ia...
Antonio Nogueira – Só corriam atrás dela, né?
Hernanes – Era, a negada só corria atrás dela pra pegar.
Maria Nazeré – _0:43:56_ dentro de casa era do terreiro.
Hernanes – Tá aí uma que conheceu muito.
Lúcia – Mas não era só a mãe que era parteira, não, o filho também foi parteiro, pegou o filho (risos).
P/1 – Você pegou o filho?
Lúcia – Pegou o filho! (Risos)
Hernanes – Mas não foi de luxo, não! (Risos)
Lúcia – Não, ele pegou o filho mesmo! Eu tava sentindo pra ter o menino, ele pegou o menino.
Hernanes – Foi que ela aperriou, eu saí, fui chamar a mãe, ela atrasou um pouco. Só fiz peguei, juntei lá e ela que cortou o imbigo, né?
Lúcia – Como que a parteira é aquela que corta o imbigo (risos).
P/1 – Mas você aprendeu com a sua mãe, foi isso?
Hernanes – Eu peguei porque foi o jeito (risos).
Lúcia – Não ia deixar cair no chão (risos).
P/1 – Mas conta essa história direito. Não deu tempo de ir no hospital?
Lúcia – Não!
P/1 – Ou você nem quis?
Lúcia – Não, eu tava boa, sem sentir nada. Aí só deu uma dorzinha de cólica, eu fui e pensando que ia era de fazer alguma coisa, eu peguei, fui e não fiz. Eu peguei, voltei, me sentei na cama esperando. Aí dá outra. Aí eu pego, me deito na cama, que antigamente não era energia, era lamparina. Eu apago a lamparina e me enrolo. Quando eu me enrolo eu senti um estalo, quando eu senti o estalo já era a bolsa que tinha rompido. Na hora da bolsa o menino veio com tudo! Ele foi chegando, não deu tempo nem de acender a luz, ele pegou o menino foi no escuro (risos). Foi no escuro mesmo, ele pegou o menino. Mas foi tão rápido, que depois me deu um trimilico, que eu não me sustentava em cima da cama de jeito nenhum. Nunca vi, o menino parece que era igual peixe, pulou (risos), pulou de dentro pra fora e um meninão. A minha sogra veio, pesou o menino, adivinha quantos quilos o menino deu? Quatro quilos e meio!
Vários – Ave maria!
Lúcia – Quatro quilos e meio. É o Luciano, foi o Luciano, mas foi um meninão, eu digo avemaria, esse menino quase que acaba com a mãe (risos).
PAUSA
P/1 – Isso era comum, gente? Os filhos nascerem na casa das pessoas
Lúcia – Eu peguei duas meninas.
P/1 – Você pegou duas meninas?
Lúcia – Peguei, só não cortei o imbigo porque não tive coragem.
Raimunda – Antigamente era! Nascia tudo em casa.
Antonio Nogueira – Não tinha maternidade, não.
Raimunda – No meu tempo, no tempo desses daqui.
P/1 – Você teve filhos?
Maria Nazaré – Nós tem.
Raimunda – No tempo da minha mãe que era tudo em casa.
P/1 – No tempo da sua mãe.
Raimunda – Mas eu tive dois em casa.
Maria Nazaré – Eu tive quatro em casa.
P/1 – Você também?
Antonio Nogueira – Não, tu teve uma só.
Raimunda – Dois.
Antonio Nogueira – É, foi dois mesmo, foi.
P/1 – Como foi? Por que em casa?
Raimunda – Porque não deu tempo pra ir pra maternidade, a hora que a gente ia a menina vinha nascendo e não deu tempo. Aí, eu tinha uma tia que era parteira e veio cortar o imbigo.
P/1 – Como ela aprendeu a ser parteira? Porque assim, gente, veio normal é uma coisa, né, o problema é quando tá virado, né?
Maria Nazaré – Mas cortar imbigo é muito fácil.
P/1 – A senhora já cortou?
Maria Nazaré – Eu não cortei porque era dos meus netos e eu não tive coragem, mas é a coisa mais fácil do mundo.
P/1 – É fácil?
Maria Nazaré – É sim.
P/1 – Ah, é? Mas a senhora participou de parto?
Maria Nazaré – Não só participei, como peguei (risos).
P/1 – Mas a senhora pegava. É que realmente pra mim, gente, eu sou de São Paulo, cidade, nasci na cidade, no hospital, pra mim isso é uma coisa diferente. Pra vocês era algo comum essas questões? Parto em casa...
Maria Nazaré – Era o jeito que tinha.
P/1 – Vocês mesmo... Sem treino nenhum, vocês tinham a parteira da comunidade, tinha?
Raimunda – Não tinha hospital por perto, o jeito que tinha era ser em casa mesmo. Às vezes não dava tempo, levava pra Caucaia assim.
P/1 – Eu sei, dona Raimunda, mas a minha pergunta é: Existia a parteira do Matões? A parteira do Torém?
Raimunda – Existia.
P/1 – Quem que era a parteira do Torém?
Lúcia – Lá no Torém era a minha comadre, Nezinha. Mas só que ela já faleceu. Ela pegou muita criança.
P/1 – A senhora acompanhou uma dessas?
Lúcia – Acompanhei. Eu peguei a criança, aí a menina foi chamar ela pra cortar o imbigo porque eu não tive coragem, sabe? Enquanto ela foi chamar pra cortar o imbigo eu fiquei segurando a menina, foi. (Risos)
P/1 – E como ela fez? Descreve pra gente, ela chegou, o que ela fez?
Lúcia – Ela chegou, mediu assim, parece que é dois dedos, aí cortou. Pronto, aí amarrou e pronto (risos)
Antonio Nogueira – E dá um nó, né?
P/1 – Você sabe também, hein? O que é esses dois dedinhos? (Risos), de onde vem essa informação (risos). A sua mãe te ensinou?
Hernanes – É, ela dizia tudo que jeito era, falava tudo.
P/1 – Fala aí, detalhes, como é isso aí?
Hernanes – Ela dizia, quando o menino nascia era só pegar, limpar o menino, aí media dois dedinhos da tripa do imbigo do menino, amarrava bem amarradinho pra não sangrar, cortar e pronto, tava feito o trabalho.
Raimunda – Aí com cinco dias caía a tripinha.
Hernanes – É, com cinco dias. Agora tem uma solução, se a mãe não comer comida reimosa, que tem inflamação do imbigo. Tem as comidas reimosa que não pode comer, até o menino cair o imbigo não pode, aí inflama e dá trabalho cair.
Raimunda – Mas também ela estando de resguardo, se comeu é porque é doida, né?
Hernanes – É, é doida (risos).
Lúcia – Eu tive. Eu tive três, a mãe dele pegou três filhos meus, só não foi os quatro porque um ela viu que não era pra ela e botou pro hospital. Ela conhecia, quando um parto não era pra ela, ela conhecia. E como de fato como o meu outro menino que era pra ela pegar, que já muitos médicos também disseram que já fizeram muito parto e nunca fizeram um parto como o meu, o menino, eu tive ele normal, só que o que veio nascer dele primeiro foi a tripa umbilical. Por isso que ela conheceu, que não era pra ela. Ela foi e me botou pro hospital. Até os médicos se assombraram quando viram nascendo primeiro a tripa imbilical, eles se aperriaram, aí tem uma santa assim, eu me vali da santa, tem gente que é crente, mas tem os católicos que tem fé, né? Aí tinha uma Nossa Senhora do Bom Parto do meu lado, eu fui e me vali dela. Aí veio aquela dor, quando o médico veio eu já tinha tido o menino, aí ele foi e disse: “Olha, durante esse tempo que eu trabalho aqui, eu nunca fiz um parto complicado que nem o seu. Porque a tripa do imbigo nascendo primeiro corre risco do menino tampar a respiração do menino, ou morre o menino, ou morre a mãe, que o menino fica sem ar”. E hoje, graças a Deus, eu tive meu filho, ele tem 22 anos, é um menino bem saudável, graças a Deus.
P/1 – A gente está falando das parteiras. E tinha o médico? Tinha alguém que sabia bem de remédio, de erva, que tinha um problema e ele sabia o que fazer? Vocês tinham isso nas comunidades de vocês? Aquele que sabia bem: “Puxa, essa planta é boa pra tal coisa, esse aqui” ... Vocês tinham isso?
Maria do Socorro – Essa minha comadre que pegou a criança ela tinha, ela fazia remédio. Tanto que meu menino, ele cansava, aí ela disse assim: “Socorro, tu pega algodão inteiro, semente de quiabo e semente de gergelim. Pisa durante nove dias”. Eu fiz, peguei o algodão com gergelim e a semente de quiabo, e hoje em dia ele tá aí, com 24 anos, já é pai, nunca mais cansou. Justamente na época que estava nascendo os dentes, nasceu oito dentes de uma vez, foi, nasceu oito dentes. Aí quase morre. Andou pelos hospitais, cansado, foi uma coisa horrível mesmo. Aí veio ficar bom com esse remédio.
P/1 – E ela falava que era o que isso aí?
Maria do Socorro – Problema de cansaço, devido aos dentes. E ela ensinava muitos remédios. Pra criança que tem o mal de sete dias? Que é uma doença que dá na tripa do imbigo. Ela ensinava, era... fedegoso, ela fazia um remédio de fedegoso e tinha uns outros remédios lá também, algodão inteiro, semente de quiabo, gergelim, aí fazia aquela papinha e dava pro menino tomar, durante sete dias ela fazia isso. E o menino ficava bom. Aquele que Deus queria que ficasse bom, ele ficava, agora aquele que Deus não queria, levava. Pois é.
P/1 – Olá, bom dia! Tudo bem com a senhora? Por favor, seja bem-vinda.
Maria – Meu nome? Maria.
P/1 – Maria, por favor, sente-se conosco, seja bem-vinda. A gente só tá proseando, viu?
Maria – Eu sei.
P/1 – Seja bem-vinda.
Maria do Socorro – Tinha um outro remédio também que ela fazia muito, pra gripe, ela pegava malva, um corama, botava dentro de um vidro, enterrava no chão durante três dias, aí com três dias ela arrancava esse vidro, com esse mel, aí dava só o mel. Aí botava durante três dias pra esfriar, aí tomava pra gripe, pra arrancar catarro. E dava certo.
P/1 – E como é que ela aprendeu isso, você sabe?
Maria do Socorro – Não sei com quem ela aprendeu.
P/1 – E você aprendeu?
Maria do Socorro – Eu aprendi muito remédio.
P/1 – E você faz?
Maria do Socorro – Às vezes eu faço e dá certo. Um dia eu até curei a tosse do meu esposo com mel de abelha, banha de galinha e alho. Tanto que hoje em dia ele não quer ver nem alho (risos). Foi.
P/1 – Vocês também tinham isso, gente? Fazer o próprio remédio?
P/1 – Você?
Maria Anelita – Meu menino fico ficou foi cansado ainda, cansou muito, ainda tá cansado o bichinho. Aí eu fiz o mel, corama, cebola branca, malva, alho, boto tudo misturado.
P/1 – E como vocês aprenderam isso, gente?
Maria Anelita – Eu aprendi da minha mãe. Minha mãe fazia. Ainda hoje minha mãe é viva, graças a Deus. Eu aprendi, ela me ensinou.
P/1 – E ela aprendeu com a mãe?
Maria Anelita – Agora não sei com quem ela aprendeu, né? Com a mãe não, porque quando a mãe dela morreu ela ficou bem pequenininha, deve ser da madrasta, pois é.
P/1 – Entendi, gente. Vocês tinham contato com uma terra que eu acho que tava ali, não tava? Tinha muita história tipo lenda, assombração? Tinha essas histórias quando vocês eram crianças?
Maria do Socorro – Isso aí tinha.
P/1 – Tinha?
Maria do Socorro – Tinha, antigamente tinha. Mas hoje, como eu sou evangélica acabou a ignorância.
P/1 – Acabou a ignorância.
Maria do Socorro – Acabou, graças a Deus, acabou a ignorância. Eu tinha medo de quem morria. Não podia passar por debaixo de uma escada. Se tinha uma vassoura, não podia varrer a vassoura de trás pra frente. Menina, eu sei que eu era cheia de superstição. Graças a Deus o Senhor me libertou de tudo isso, graças a Deus.
P/1 – Mas você lembra, por exemplo? Porque vocês moravam no mato, né? Era muito mato, não era? E normalmente as avós contavam umas histórias pros meninos não irem muito pra longe, não é verdade?
Maria do Socorro – Justamente. Tinha uma porteira lá que eu fazia a unha e quando eu voltava, dava cinco, seis horas, eu tinha o maior medo de passar porque diz que lá quebrava, pé de um fungo, né? Diz que lá aparecia um homem de branco, que os paus se quebravam sozinhos. Menina, eu passava, eu sei como eu passava ali, parece que eu ficava era suspensa do chão, né? Mas aí depois eu me mudei de lá e pronto. Mas muita gente diz que viu, eu, graças a Deus, nunca vi isso, né? (Risos).
P/1 – Vocês também tinham essas histórias de pai, avó que contava? Vocês tinham isso? Seu Antônio, vocês tinham essas histórias do mato, bicho do mato, Saci?
Antônio – Eu também. Quando eu ia num velório, se eu saísse dali eu passava a noite todinha sem dormir, porque pra mim eu tava vendo aquela pessoa que ficou lá morta, né? Aí passava no outro dia pra mim, estava na minha mente toda aquelas coisas no meu juízo. Aí graças a Deus eu também, que nem a irmã falou, eu aceitei Jesus, ele é quem nos liberta do pecado, da lei e da morte, aí eu fui. Eu tinha medo de andar de noite, pra mim uma pessoa vinha andando perto de mim. Depois disso eu, graças a Deus, afastou todos esses medos. Uma vez eu fui em um velório lá na casa de um homem que tinham matado lá, e tinha duas redes lá armada, uma era de um sobrinho meu, e outra era a que eu ia dormir. Quando eu me deitei na rede do sobrinho meu, que era mais perto da outra pessoa e deixei a que eu ia dormir, que ficava mais distante. Quando ele chegou foi onde eu tava: “Quem é que tá aqui na minha rede?”, eu digo: “Sou eu” “E por que você não foi praquela?” “Ah, é que eu cheguei um pouco assombrado do negócio que aconteceu acolá” (risos), aí eu fui dormir na minha rede mesmo (risos). Graças a Deus passou essas coisas ruim em mim. Eu não podia ver uma pessoa ir pra um velório que eu ficava no outro dia, amanhecia com aquela coisa dentro de mim, no meu pensamento.
P/1 – Mas vocês sempre foram religiosos, né, católicos, as famílias eram católicas, não eram?
Antônio – Eu vou dizer que eu aceitei Jesus, mas se eu fui na Igreja Católica foi umas duas vezes, que fui pelos outros, mas eu nunca ia porque era muito distante. Era como se a gente não tivesse muita aquela convivência de ir, meus pais não iam, aí eu ia pouco à igreja católica. Mas graças a Deus hoje eu aceitei Jesus e hoje quando eu perco um culto eu já fico achando ruim.
TROCA DE FITA
P/1 – Pra vocês que chegaram agora, a gente está aqui contando as nossas histórias, contando um pouco das regiões etc. E essa questão da religião é uma coisa que eu acho importante pra gente registrar. Você disse que ia muito à igreja.
Maria do Socorro – Ia muito.
P/1 – E a sua família também.
Maria do Socorro – Era, era sim. Eu ia muito com meus filhos. Tanto que agora, nesse assentamento onde a gente tá morando, a maioria do pessoal lá ia pra igreja porque eu ia, sabe? Era novena, era no Sete de Setembro, todo mundo me acompanhava, né? Aí depois que os meus filhos foram, tanto que eles fizeram Primeira Comunhão, Crisma, tudinho, fizeram tudo isso. Aí eu sei que depois que eu aceitei Jesus eles deixaram de ir pra igreja. Tanto que quase nem vão, só vão quando é Sete de Setembro, que tem sete noites de novena aí eles vão, mas, graças a Deus, eu não vou mais não.
P/1 – Mas você foi pra evangélica, né? O que foi que fez pra você mudar?
Maria do Socorro – Foi assim, quando eu vim de Fortaleza, eu me batizei na Adventista, que a minha família quase toda é adventista, minha mãe, minhas irmãs, aí eu me batizei na Adventista. Quando eu conheci o meu esposo eu saí da igreja porque ele não deixava eu ir. Aí o meu menino aceitou Jesus. Quando foi um dia ele disse: “Mãe, vamos pra igreja?”, aí fui. Tava me arrumando pra ir pra aula. “Mãe, vamos pra igreja?”, eu fui. Quando foi na hora lá, eu ouvi o culto e tudo e quando foi na hora do apelo: “Quem quer aceitar Jesus?”, ou “Quem quer se aconselhar”, eu fui uma das que fui. E graças a Deus, hoje tá com cinco anos, não me arrependo e todo dia eu peço ao Senhor para permanecer cada dia mais nos caminhos do Senhor, porque muita coisa eu aprendi. Aprendi a ler a bíblia, aprendi a cantar hino, que eu não cantava. Aprendi muita coisa boa mesmo, saí da ignorância (risos).
P/1 – Você, Nazaré, a senhora é religiosa?
Maria Nazaré – Sou. Eu estou aqui só de ouvido.
P/1 – Mas a senhora, a sua família era religiosa?
Maria Nazaré – Todinha. Agora a maior parte tudo é crente.
P/1 – E a senhora? A senhora ia também nos cultos, ia na igreja?
Maria Nazaré – Era muito difícil eu ir.
P/1 – Não gostava, a família não ia?
Maria Nazaré – Gostar eu gostava, mas é porque as companhias de ir mais eu era difícil. Para eu sair era um sacrifício, se ia na bodega tinha que voltar em cima do rastro, e pra mim ir pra uma novena, pra uma missa, era difícil mesmo. Agora no tempo que eu era solteira não, aí eu ia.
P/1 – Entendi. Então com a sua família, seus pais, eles iam e você ia junto.
Maria Nazaré – Isso.
P/1 – Quando a senhora casou que já era mais difícil, é isso?
Maria Nazaré – Era mais difícil.
P/1 – Mas de não deixar ir pra missa, gente?
Maria Nazaré – Não ia pra canto nenhum.
P/1 – Era ciúmes?
Maria Nazaré – Não sei. Ciúmes de quê? (Risos)
P/1 – Dona Maria, que chegou agora. A senhora também é religiosa?
Maria – Sou.
P/1 – A senhora é católica, evangélica?
Maria – Sou católica.
P/1 – Também vai na missa?
Maria – Às vezes eu vou.
P/1 – Vem de família isso? Seus pais...
Maria – É.
P/1 – Entendi. Essas coisas são interessantes, né, gente? Porque vem tudo junto, as histórias... Por isso que eu estou perguntando dessas lendas. Quando vocês eram crianças, vocês tinham essas histórias com mato. Eu falei de Saci, eu não sei se tinha Saci, vocês ouviam isso? Espírito do mato. Mula sem cabeça.
Antonio Nogueira – Agora nessa tal de mula sem cabeça já ouvi falar.
Hernanes – Tinha um tal de perna cabeluda, não era?
(Falas simultâneas)
Valneide – E tem gente que ficou foi com medo, tem muita gente.
Antonio Nogueira – Tem gente que tinha medo, mesmo.
P/1 – Vocês tinham medo do que tinha no mato? Quando vocês eram crianças?
Maria do Socorro – Eu tinha o maior medo de pé de bambu. Porque eu sempre ouvi dizer que dentro do bambu existia Saci. Então eu cresci naquele negócio, dentro do bambu tem Saci, não vai se encostar aí que tem Saci. Aí quando foi um dia eu perguntei assim: “Seu Elieser, se olhar dentro desse bambu aí tem Saci?”, eu já grandona mesmo. Aí ele disse: “Quem foi que contou essa história?” “Não, seu Elieser, eu sempre ouvi essa história, que tinha Saci dentro do pé de bambu”. Aí é tanto que no córrego do Alexandre tinha um pé de macaúba lá que meu tio dizia: “Vocês não vão mexer no pé de macaúba que lá tem Saci, se vocês forem tirar macaúba o Saci pega vocês!”. Aí eu cresci naquele negócio, sabe? Saci dentro do pé de macaúba, do bambu. Ai meu Deus, a gente inventa cada besteira na cabeça, né?
P/1 – Dona Raimunda, tinha Saci nas suas histórias ou não? Ah tá (risos).
Raimunda – Existe esse negócio não.
P/1 – Nunca vi (risos).
Raimunda – Não, nunca ouvi falar.
P/1 – Deixa eu perguntar, pensando no lugar em que vocês moravam, pensando no Gregório, no Bolso, Torém, Jirau. Pensem um pouquinho. O que vocês sentem falta de lá e que vocês não conseguiram trazer? Pode ser coisas que vocês faziam, pode ser pessoas que não existem mais. Do que vocês sentem falta? Vamos lá, o Bolso.
Raimunda – A gente plantava as plantinhas da gente, aqui não tem terreno pra gente fazer nada, né?
Antonio Nogueira – E aqui não tem terra que ninguém faça planta de jeito nenhum.
Raimunda – Das plantagenzinhas que a gente fazia. Tinha um feijão verde no inverno.
Antonio Nogueira – Fruta pra gente comer de graça não faltava e aqui não tem jeito nenhum, tem que a gente comprar.
Mulher – A mangueira ao redor da minha casa, era a mangueira de maior beleza no mundo, fartura de manga. E aqui agora? Não tem nada. Lá no meu quintal não tem nada, só uns pezinhos novos plantado agora. É a falta que eu sinto, da sombra que tinha ao redor da minha casa. Agora tem os coqueirinhos que eu plantei, as mangueirinhas, pequeninhas ainda.
Maria do Socorro – Lá onde eu moro tem muita manga. Agora não tem porque acabou.
P/1 – Mas pensando lá no passado. O que você sente falta?
Maria do Socorro – Lá não tinha manga e nesse tem.
P/1 – Manga é um exemplo, mas você sente falta de alguma coisa do Velho Torém?
Maria do Socorro – Não. Não sinto, não.
P/1 – Nada? Nem das pessoas.
Maria do Socorro – Só de uma irmã minha que foi pro outro canto, a gente morava tudo perto e ela foi morar na Barra Nova, aí isso aí que a gente sente. Ela, sobrinha. Mas sobre esse negócio de fruta, lá tem, na época de manga tem pra dar a estragar.
P/1 – Lúcia, você sente falta de alguma coisa?
Lúcia – Sim.
P/1 – E do que você sente falta?
Lúcia – O que eu sinto falta lá de onde a gente morou é aquele terreiro bem limpo que nem a gente tinha, aquela paisagem bonita, a lua de noite, quando a gente terminava de jantar, a gente vinha pro terreiro, sentava naquela areia bem limpa dos terreiros da gente. E do gado da gente, que a gente possuía. Só isso que eu sinto saudades.
P/1 – Dona Maria, a senhora sente falta de alguma coisa? A senhora morava onde antes?
Maria – No Madeiro.
P/1 – No Madeiro. Do que a senhora sente falta do Madeiro?
Maria – Sinto falta porque eu já estava acostumada lá, gostava muito de lá, aí saiu porque era o jeito de sair.
P/1 – A senhora sente falta do quê?
Maria – Por um ponto eu achei bom também porque lá era mais dificuldade pra fazer compra, distante da bodega, do mercantil. E aqui não, aqui ficou bom demais porque aí fica perto, né? Só era ruim por isso.
P/1 – Mas tem algo que você fala: “Poxa”. A Lúcia, por exemplo, falou dessa paisagem, esse terreiro, essa tranquilidade. Você sente falta de alguma coisa?
Maria – Sinto falta das plantas, o cajueral dava caju todos os anos; coqueiro. Essas coisas eu sinto falta.
P/1 – Tudo o que você plantou?
Maria – Tudo o que eu plantei.
P/1 – Isso tinha, né gente, vocês que plantavam tudo.
Raimunda – Tudo, tudo a gente tinha, plantemo, desde pequenininho e viemos colher até o fim...
P/1 – Mas agora vocês estão plantando também, né?
Raimunda – É, mas o terreno não...
Antonio Nogueira – Só coisinha, só coisinha mesmo, só pra dizer. Não cabe muito porque é um lotezinho de terra, só.
Raimunda – Só um lote...
P/1 – Nazaré, você sente falta de alguma coisa?
Maria Nazaré – O canto da minha rede lá (risos gerais).
P/1 – Não, vai ter que descrever! Como é isso aí? Canto da minha rede? (Risos).
(Falas simultâneas)
P/1 – Descreve um pouco como era a sua casa?
Maria Nazaré – Menino, a minha casa era tão delícia (risos). Como era.
P/1 – Você consegue descrever pra gente? Só pra imaginar.
Maria Nazaré – Consigo. É que se eu não tivesse saído de lá, ela já tinha caído em cima de mim (risos gerais). Não, mas era mesmo, não tava não, Lúcia?
Lúcia – Era. Era verdade.
Maria Nazaré – Eu tenho que contar a verdade. Mas assim mesmo eu ainda sinto falta daquele cantinho lá.
P/1 – Mas era casa de taipa?
Maria Nazaré – Era de taipa.
P/1 – Taipa. Você consegue descrever pra gente? Essa paisagem, como que era?
Maria Nazaré – Relembrar mais pra quê? Não tem mais volta. Vamos deixar como tá que é melhor.
Maria do Socorro – Ela vai se emocionar e vai chorar. Já tá começando, ó lá?
Maria Nazaré – Eu vou relembrar muita coisa, aí não vai dar certo.
P/1 – Mas se emocionar é bom, é importante, mas tudo bem, se a senhora não quiser falar não tem problema.
Maria Nazaré – Vou relembrar muitos. E assim já passou, deixa pra lá.
P/1 – Dona Raimunda, a senhora se lembra? Tem alguma coisa que a senhora sente falta, que a senhora não conseguiu trazer a sente falta? A senhora falou da mangueira, né?
Raimunda – Foi. A minha casa era rodeada de mangueira, fartura mais beleza do mundo. Manga jasmim; rosa também tinha, manga rosa.
Valneide – Falar em mangueira, era comum em todo canto.
Raimunda – Era em todo canto. Cajueiro, muito caju.
P/1 – Hoje não é mais?
Raimunda – Hoje já não tem mais, sabe? Hoje a gente tá plantando, tudo é pequeno.
P/1 – Entendi, mas está dando certo?
Raimunda – Tá dando tudo certo, só não tá mais certo porque sou sozinha, né?
P/1 – Seu Antônio, o senhor sente falta de alguma coisa que tava ali?
Antônio – Por uma parte eu sinto, né, que um lar é um grande amigo da gente. Quando a gente deixa é como ter partido uma pessoa da gente. Mas só que pelo outro lado, a minha casa lá, e acho que de nós todos, naquela época acho que não tinha nem um banheiro, né? A gente (risos), eu posso até pedir licencinha, vou falar uma palavra aqui, que pra gente ir fazer alguma previsão no mato tinha que levar um pedaço de pau na mão, senão os porcos derrubavam a gente (risos gerais). Era a gente no mato, com um pedaço de pau e os porcos atrás pra derrubar a gente. Aí eu achei que onde eu estou tem um confortozinho, tem dois banheiros.
[inaudível] (Risos gerais).
Antônio – Aí na época que eu fiz uma casa lá, aí eu fiz até o local de fazer o banheiro. Quando a gente tava pra terminar foi que o pessoal do Idace chegou lá em casa, fizeram o cadastro do que eu possuía lá, botaram no papel pra levar lá pro escritório e eu já tava com o material pra terminar o banheiro. Eu digo: “Doutor, e esse banheiro? Eu to com material pra terminar. A gente tem passado muita dificuldade, o senhor vê eu com criança aqui e não tenho um banheiro” “Se você quiser terminar, mas o que você gastar é por sua conta, porque eu vou botar aqui, não vou botar nada de banheiro pra terminar, não”. Também eu deixei pra lá, não fiz mais, não. E foi o tempo que viemos embora pra cá. Mas eu nunca me esqueci de lá não, porque é onde eu fui criado. Fui criado e a gente tinha aquelas tradições dos pais da gente, quando era Semana Santa tinha aquela fartura de fazer aqueles bolos, tapiocas, e aquela animação. E hoje é muita mudança, muita mudança.
P/1 – Hoje vocês não fazem mais isso?
Antonio Nogueira – Não tem mais quase não.
P/1 – Hoje não tem mais festas religiosas?
Antonio Nogueira – Ter tem ainda, festa religiosa tem, agora só que muita coisa tá quase acabando.
P/1 – Mas o que você lembrou que hoje não tem mais? Isso, por exemplo, a Semana Santa?
Vários – Tem não.
P/1 – Mas como era a Semana Santa?
Antonio Nogueira – Semana Santa era bom os guisados que as pessoas faziam, né? Bolo, grude, tapioca.
Maria Nazaré – Era fartura.
Antonio Nogueira – Era fartura grande.
P/1 – Mas juntava todo mundo?
Antonio Nogueira – Era.
P/1 – Ou só na sua casa?
Antonio Nogueira – Era na casa de todo mundo. Toda casa de farinha. As famílias fazia todo mundo. Podia ter casa de farinha, podia não ter.
Maria do Socorro – Aqueles que não faziam a gente dava.
Vários – Era.
P/1 – Ah, vocês tinham essa... tinham famílias que eram mais pobres assim?
Antonio Nogueira – Às vezes não fazia, mas aí os outros davam.
Maria do Socorro – A gente dividia, dava pra um, pra outro.
Antonio João – Quem não tinha a gente dava, os que tinha, era aquela união.
Maria do Socorro – É, eram unidos.
P/1 – E hoje nos assentamentos?
Vários – Não tem não.
Raimunda – Só se comprar.
Antonio Nogueira – Às vezes, nem comprado tem.
P/1 – Mas essa solidariedade dos assentamentos, ela continua? Vocês trouxeram isso?
Maria do Socorro – Eu ainda faço isso. Porque quando eu ganho, eu sei que dali não vai comer tudo, que endurece, ou então azeda, aí a gente reparte com as outras pessoas. Lá a gente faz assim.
P/1 – Isso é uma coisa que você trouxe de lá do Velho Torém.
Maria do Socorro – Justamente. É.
P/1 – Como foi esse processo. O seu Antonio fala que eles chegaram, fizeram o cadastro. Com todo mundo foi assim? Chegou, veio conversando, foi o Idace que fez essa conversa?
Lúcia – Eu ainda lembro dos empregados do Idace que andou na minha casa.
P/1 – Como foi? Descreve pra gente como foi isso?
Lúcia – Primeiro nesse dia quem chegou na minha casa pra medir as terras e avaliar, quem chegou foi Darlice e o Cristian, esses dois chegou aí dizendo que era desapropriação. Eles vinham medir, mediram as terras. Uma semana depois veio o avaliador pra avaliar, medir, dizer quanto é que valia pé de coqueiro, pé de ave, essas fruteiras, fazer o valor da casa, de fogão, de tudo que a gente tinha; de chiqueiro de porco, de cercado de gado, tudo eles iam somar pra saber quanto que ia dar o valor pra poder pagar pra desapropriar. Ainda lembro deles tudinho.
P/1 – E depois, o que foi? Mediu, avaliou e depois?
Lúcia – Mediu, avaliou e depois teve o prazo da gente sair, né?
P/1 – Mas veio uma carta?
Lúcia – Não, a gente foi numa reunião no Idace. A gente veio pra uma reunião no Idace, aí eles foram e disseram que iam tirar a gente pra morar de aluguel. Aí nesse dia saiu primeiro o pessoal do outro lado do Madeiro, aí depois saiu a Nazaré, não foi?
Nazaré – Foi.
Lúcia – Só ia ficar eu e minha menina lá, os pessoal saíram tudo. Aí a gente teve que ir morar de aluguel. Eles pagaram seis mes de aluguel pra mim e pra minha menina. O aluguel foi dois mil e 400 por seis meses. A gente passou esses seis meses, aí passado o tempo as casas do assentamento não foram terminadas, aí tiraram a gente pra outro local mais um mês, eles pagaram mais um mês. Depois que venceu o mês foi que a gente veio morar no novo assentamento.
P/1 – Você lembra do primeiro dia que você viu a casa?
M – Lembro.
Lúcia – Eles não queriam nem entregar, que o Governo ainda ia fazer inauguração pra entregar. Até hoje o Governo não veio aí (risos gerais).
Falas simultâneas
P/1 – Como é que é? Eles prometeram uma inauguração?!
Hernanes – Foi! O Governo vinha pra inaugurar e entregar a casa de todo mundo, que o Governo era quem queria participar da inauguração. Até hoje esse Governo não passou nem por cima de avião (risos).
Falas simultâneas
P/1 – Então tinham prometido que ia ter um evento, é isso?
Lúcia – Era pra ter um evento.
P/1 – E aí não teve e foi assim mesmo?
Lúcia – E na hora o dono da casa despejar a gente, porque ainda tem aluguel atrasado, tem muita gente, proprietário de casa que alugou casa pro pessoal morar, as pessoas saíram e ele nunca pagou o resto dos aluguel das pessoas que alugaram as casas.
Antonio Nogueira – Foi mesmo.
Raimunda – Nem cesta, nem nada que faltou.
Antonio Nogueira – Até cesta faltou.
Raimunda – Tá com mais de ano que não aparece.
Lúcia – Eu ainda recebi. Recebi 12 cestas.
Raimunda – Era pra ser 12, nós recebemos só oito.
Lúcia – Isso eu não tenho onde reclamar que eu recebi as 12.
Raimunda – Tá com mais de ano que não vem.
Antonio Nogueira – Não vem mais não.
Lúcia – Eu recebi as minhas tudinho, graças a Deus eu recebi.
Antonio Nogueira – Não vem mais, não.
P/1 – Mas esse diálogo era com quem? Essa conversa pra vir a cesta.
Antonio Nogueira – Era com o Brilhante. O Brilhante lá do Idace.
P/1 – Do Idace. Entendi. Aí não veio a cesta.
Antonio Nogueira – Veio não. E os aluguéis também não deram pra todos, atrasaram bem uns três ou quatro meses.
Lúcia – As casas que eu morei ainda tiveram sorte, o dono da casa, porque eles pagaram tudo todo no arruma, não ficaram devendo nada ao dono da casa, não, pagaram tudinho.
Antonio Nogueira – Que era só por isso mesmo, mas teve muitos dos que vieram por último foi desse jeito.
P/1 – Vocês também tiveram essa questão? Mesma coisa. Também foram com o aluguel, daí depois, só depois foi pra casa e atrasou também.
Maria – E depois eles disseram que não iam mais pagar aluguel pra ninguém, né? Aí nós ficou, e as casas já estavam pronta. E o Governo ia fazer não sei o quê e a gente invadiu, disse: “Vamo-se embora”. Lá do Madeiro, viemos simbora pras casas. Cheguemo lá: “Brilhante, eu quero receber minha casa, nós tudinho tamo à toa, ocês não vão pagar mais aluguel, o pessoal não vai mais querer dentro de casa”. Eu com ele, eu tinha bandeira com ele, dizia muita coisa. “Pois tá aí a casa, pode dar a chave pra todo mundo”, e pronto. Aí o gerente entregou a chave pra todo mundo. “Agora vocês se faça aí que agora eu não tenho mais nada a ver”.
P/1 – Vocês quase invadiram o negócio?
Maria – É porque eles não iam pagar mais e o pessoal ia jogar nós fora. Onde é que a gente ia ficar?
Antonio Nogueira – E precisavam do canto pras empresas, né?
Maria – Esperar por inauguração que iam fazer, nunca no mundo foi feito, viu? Aí nós nunca tinha entrado dentro de casa.
P/1 – Quando vocês chegaram na casa, a casa não tava pronta?
Maria – Tava pronta!
P/1 – Tava pronta.
Maria – Tava pronta, mas faltava a inauguração.
Lúcia – As casas estavam tudo pronta, só tava esperando o Governo pra ele entregar as casas.
Antonio Nogueira – E essa inauguração nunca chegou! (Risos).
Maria – Aí nós tinha ficado no meio da rua. E o pessoal roubando as portas, roubando tudo.
P/1 – Ah, teve esse problema?
Maria do Socorro – Teve, teve muita casa no assentamento aqui que roubaram as portas ainda.
P/1 – Chegar gente de fora e começar a roubar o material?
Maria do Socorro – Não, gente mesmo, por aí mesmo. Que casas ficavam só e só tinha vigia de dia, estavam trabalhando, aí o vigia parece que abandonava tudo e aí pronto.
P/1 – Deixa eu entender. Quem que começou a roubar? Gente de fora ou gente da própria comunidade?
Maria do Socorro – Gente de fora.
Hernanes – Os que ficavam de vigia roubavam as coisas.
P/1 – Os próprios vigias?!
Hernanes – Foi.
P/1 – Teve problema, teve polícia?
Antonio Nogueira – Teve nada!
P/1 – Você chegou e tava sem a porta, é isso? Ai gente, olha só.
Lúcia – Teve até um dia que um dos vigias mesmo se rasgou-se todinho pra dizer que tinha sido ele que tinha corrido atrás do ladrão pra tomar e o ladrão foi e rasgou ele todinho, caso o ladrão sendo ele, né? (Risos).
Antonio Nogueira – O ladrão era arame, era? (Risos).
Lúcia – Foi-se! Rasgou-se todinho assim pra dizer que tinha sido um ladrão que tinha rasgado ele.
P/1 – E o pessoal descobriu?
Lúcia – Não, que o ladrão era ele.
P/1 – Vocês descobriram?
Lúcia – Não, ninguém precisava descobrir não, a gente já tinha certeza que era essa pessoa.
P/1 – Já estava vendendo não sei onde, né?
Lúcia – É... Não tinha como você correr atrás do ladrão, o ladrão sendo a pessoa que estava rasgada. Levaram cimento, levaram cano porque teve uma casa que o construtor da obra alugou pra colocar o material. E esse vigia ficava lá. No fim das obra que sobrou essas coisas, porta, cimento, essas coisas, ele foi levando, e o ladrão de fora que levava a culpa (risos).
P/1 – Isso também foi geral?
M – Foi.
Maria do Socorro – No nosso lá não teve não. Porque quando nós saímos das nossas casas, as casas já estavam tudo pronta.
P/1 – Ah, você não foi pro aluguel?
Maria do Socorro – Não. Foi até uma coisa assim rápida: “Não, não, tem que ir logo pras casas porque já está pronta”. Aí todo mundo se avexou logo pra ir pras suas casas. Nós não tivemos esse problema.
P/1 – Você saiu da sua antiga e já foi pra nova sem intermediário de aluguel.
Maria do Socorro – Foi. Aí ficou vindo as cestas até... como a gente trabalha com horta, o meu esposo veio logo, antes das casas estarem prontas porque ele trabalhava nas casas também. Antes das casas ficarem prontas nós já viemos, já fomos fazer canteiro. Quando nós viemos já tinha mais ou menos cada canteiro pra gente não ter tanto, aquela dificuldade muito grande. Graças a Deus que foi até mais ou menos, aí veio as cestas, que a cesta não dá pra suprir o mês todinho, né? Mas ajudava.
P/1 – Eu visitei os assentamentos e eu vi que o pessoal começou a subir os muros. Por quê?
Lúcia – Por causa da privacidade, que de manhã a gente se levantava, ia pro quintal e ficava olhando pra todo mundo, ninguém tinha aquele, como é que se diz? Não tinha como ficar à vontade no quintal da gente, sabe lá se não tinha um rabo de burro por ali olhando a gente? (Risos).
Antonio Nogueira – Rapaz, será que tinha? Tem não. (Risos)
Hernanes – E lá onde nós morava, nós dormia de porta aberta, nenhuma raposa entrava dentro de casa, e se hoje a gente dormir de porta aberta amanhece o dia roubado, né? Pode botar duas fechaduras que eles ainda roubam.
P/1 – Mas os assentamentos estão tendo esse problema?
Hernanes – Aqui já teve, onde nós mora já teve.
P/1 – Aqui?
Hernanes – Aqui, umas várias vezes já teve aí. Agora, há poucos dias, assaltaram os meninos bem aqui.
Raimunda – Foi mesmo, assaltaram por aí agora.
P/1 – Desculpa, eu perdi. O que está acontecendo?
Hernanes – Os brochotezinho de menor, que não tem punição pros de menor, eles vêm e faz e...
P/1 – Mas estão entrando nas casas, é isso?
Hernanes – Eles estão assaltando na rua mesmo. A pessoa vai passando. Um dia desses quase mataram uma mulher aqui na descida do ônibus. A mulher vinha com cento e poucos reais que tinha ido pagar a conta, pegaram a mulher, trouxeram, tomaram o dinheiro, tomaram o celular.
Mulher – Onde foi isso?
Hernanes – Bem aqui no Tonico, a gente desce na Central do Tonico, essa que mora aqui no assentamento.
Antonio Nogueira – Foi mesmo.
Hernanes – E quase toda noite aqui a gente ouvi falar em assalto nesse loteamento.
Antonio Nogueira – É perigoso por essas bandas daqui.
Mulher – Tiroteio, né?
Mulher – É, tiroteio de noite por aí é muito.
P/1 – Mas é gente de fora isso?
Antonio Nogueira – Aqui tem muito.
Hernanes – Às vezes pode ser gente até do lugar e se mistura, né? Vai chegando mais gente desconhecida, aí...
P/1 – Vocês conhecem todo mundo que mora nos assentamentos, né?
Hernanes – Mas tá chegando muita gente de fora também.
P/1 – Tá chegando?
Hernanes – Tá.
P/1 – Mas eles estão fazendo o quê? Eles têm uma casinha também igual?
Maria – Aluga
Hernanes – Vão comprando, né, o povo vendendo e vão comprando, aí sai debitando.
P/1 – Tem gente que tá vendendo.
Raimunda – Teve ali um bocado que invadiu uma parte ali, de gente de fora, o nosso também, aí depois foram botado pra fora.
P/1 – Não sei. Invadiram as casas?
Vários – Não, o terreno.
P/1 – Ah, isso eu vi. É um terreno que foi ocupado ali, né?
Vários – É.
P/1 – Entendi. Mas vocês acham que essas pessoas estão envolvidas, por exemplo, com essas ondas de violência?
Maria– Já saiu já, botaram pra fora, não estão mais aí, não.
Maria do Socorro – Porque lá no nosso assentamento, lá onde a gente mora, lá só são 23 casas. Aí vem muita gente assim, gente que a gente não conhece, e gente de fora que vem, rapazinho.
P/1 – Mas vem fazer o quê? Conhecer gente de dentro, né?
Maria do Socorro – É, que já vem com outras famílias, já vem com os filhos daquelas pessoas que moram lá afastado.
P/1 – Mas então, vocês mudaram com 23 famílias.
Maria do Socorro – Foi.
P/1 – Teve gente que vendeu a casa e foi embora?
Maria do Socorro – Não.
P/1 – Ou são as mesmas 23 famílias?
Maria do Socorro – São as mesmas 23.
P/1 – Vocês conhecem todo mundo.
Maria do Socorro – Conhece todo mundo, mas só que tem rapaz que é filho da senhora que mora lá, que já mora em outro canto, aí vem passar o dia e já traz outro. Aí já tem outro que já traz outro, já vem uns que vêm de Fortaleza, amigo e tudo. Aí ali por ali, sabe, vai. E lá também tinha um acesso que passava gente da estrada por dentro do assentamento, aí gente que passa que a gente não sabe nem quem é. Alta hora da noite carro passa lá que ninguém sabe quem é. Tinha um carro vermelho, que esse carro ficava parado horas e horas por lá, ninguém sabe fazendo o quê. Porque tem um rapaz que fazia construção, ele dormia no alpendre, ele dizia que tarde da noite vinha dois motoqueiros, uns garupeiros, tudo de capacete, roupa preta, passando bem devagarzinho. Agora pra fazer o quê? Atrás de quem? Ali onde a gente mora fica moto do lado de fora, fica carro, motor, fica muita coisa, né? Aí sempre olhando alguma coisa que tem, né?
Antonio Nogueira – Só pode ser, né?
Maria do Socorro – Pois é.
Raimunda – Aqui também é, não falta carro e moto aqui de noite.
Antonio Nogueira – É a noite todinha rodando carro aí direto. É moto, é carro, é tudo.
Maria Nazaré – Ali de frente lá de casa faz é medo. Final de semana, ave maria.
P/1 – Não aconteceu nada?
Maria – Motor não ficou, roubaram os motores tudinho que dormiam fora.
P/1 – Entendi.
Maria Anelita – Graças a Deus, nunca vi nada. Levanto à noite, vou pra fora...
P/1 – E não tem problema nenhum.
Maria Anelita – Tem não senhor.
P/1 – Porque a princípio todo mundo se conhece, né? E quando vem alguém que você não conhece já sabe que, quem é esse, né?
Maria – É, ali da vila eu conheço tudo. Algum de fora que vem é ali pra firma.
P/1 – Vai pra firma, entendi. Mas essa questão da segurança tem pegado vocês um pouco. É por isso que estão subindo os muros. Segurança e privacidade, né?
Lúcia – Com toda certeza.
P/1 – Pensando assim, gente, se a gente for pensar, o que vocês esperam, como vocês acham que vai estar aqui daqui a 20 anos? Como vocês acham que o assentamento de vocês vão estar?
Lúcia – Vai ser igual como se a gente morasse em Fortaleza. Sabe por quê? Porque a minha menina morou dois anos em Fortaleza. Ela trabalhava assim, o mercantil era aqui e a casa dela. Saía daqui pra cá, e não podia nem ficar sentada na calçada. E hoje eu já to vendo isso, já vejo isso aí. Que a gente dorme de porta aberta, não fecha a porta, mas daqui uns anos não vamos poder... acho que nem daqui a 20 anos! Vamos poder fazer isso, dormir de porta aberta, dormir uma pessoa do lado de fora no alpendre?
Antonio Nogueira – Agora mesmo já não pode.
Raimunda – Em casa também dormia ali lá no alpendre.
P/1 – Antes podia?
Antonio Nogueira – Antes podia. Onde nós morava podia dormir de porta aberta, não tinha perigo de nada, graças a Deus.
Raimunda – Antes de aparecer a firma. Mas depois que começou a aparecer gente de fora e tudo mais.
Antonio Nogueira – Foi aí que começou a arruinar, começou a ficar mais perigoso. Mas antigamente podia dormir de porta aberta tranquilo mesmo
P/1 – Você acha que daqui 20 anos vai ser que nem uma Fortaleza? Vocês acham que esse é o...
Vários – Vai.
P/1 – E isso é bom?
Lúcia – Isso aí eu não respondo, porque do jeito que essas fumaças estão aí ninguém sabe responder, né?
P/1 – Ah?
Lúcia – Eu não posso dizer daqui 20 anos porque do jeito que essas fumaças dessas empresas está vindo aí ninguém sabe. Eu não sei responder se daqui 20 anos eu sou viva, eu não sei.
Antonio Nogueira – E ninguém sabe que poluição é aquela lá dentro, né?
Lúcia – Porque tem poluição! Essas fumaças dessas chaminés aí têm poluição.
Hernanes – A folha do limão, de que cor ela é?
P/1 – Perdão?
Hernanes – A folha do limão, de que cor ela é?
P/1 – Verde.
Hernanes – Vai lá em casa pro senhor olhar de que cor tá a folha do meu pé de limoeiro. Ela está que nem tivesse passado um óleo queimado. De onde está vindo a poluição? Depois que começou as empresas as frutas não estão prosperando mais nada. O muricizeiro, até o murici do mato tá morrendo, né?
Antonio Nogueira – É, morre mesmo.
Hernanes – Dá uma lêndea, dá aquele mel preto, sei que se acaba tudo.
Raimunda – Não tem um pé de feijão que a gente planta de onde não dá uma baia de feijão mais.
Antonio Nogueira – Pé de feijão que eu planto lá em casa tem vez que dá lêndea, que engrunha de lêndea e não dá uma baia. É preferível fazer quebrar e rebolar.
Raimunda – De primeiro não tinha isso.
P/1 – É diferente do que era, é isso?
Raimunda – Muito diferente.
Maria do Socorro – Muito diferente. O limão tá com as folhas pretas, pé de acerola, coqueiro.
Lúcia – Por isso que ninguém sabe o que a gente vai viver daqui 20 anos, só Deus sabe.
Vários – É.
Falas simultâneas e ao longe 1:32:03 a 1:32:26 (Discussão)
Maria do Socorro – No ano passado, no ano retrasado, não aproveitamos uma seriguela. No ano retrasado, não aproveitamos um seriguela porque ele saía tanto branco de lendia, tanto a madeira como a fruta e parecia uns monstros na seriguela, tudo grudado um no outro, tudo deformado. Nunca na minha vida eu tinha visto aquilo, tudo deformado.
Antonio Nogueira – Por causa das lêndeas.
Hernanes – Até os próprios meninos estão nascendo tudo doente, agora nasceu um bocado de menino aí tudo com problema de cansado, né, de pulmões.
P/1 – Tá acontecendo isso?
Hernanes – Tá, tá acontecendo aqui. Vizinho aqui, foi um bocado que nasceu com esse problema já. Tem mãe que nem fumar, não fuma, por que esse menino tá nascendo com problema?
Antonio Nogueira – Só pode ser problema daí, né?
Raimunda – Da firma, é.
P/1 – Pessoal, pra gente ir fechando, queria só uma pergunta pro grupo. A gente está conversando aqui sobre as histórias, pensando um pouco no passado, pensando muito no hoje, né? Isso trouxe pra vocês alguma reflexão sobre toda sua vida, sobre o lugar, sobre seu espaço? Trouxe alguma ideia? Vocês estão saindo com o que na cabeça depois de tudo isso? De conversar, ver um pouco do passado, ver um pouco do que é hoje. O que vem pra vocês como reflexão, ou como pensamento?
Hernanes – A melhoria aí das empresas, foi bom elas terem vindo, mas quando chega no maneiro, fica só quem tem o estudo pra ficar dentro. Enquanto estiver no pesado todo mundo trabalha, mas quando ficar no maneiro vai ficar só quem tiver estudo dentro. Enquanto está no pesado, no grosso lá, tá todo mundo trabalhando, mas quando chegar no maneirinho é só pra aqueles estudados mesmo pra ficar dentro.
P/1 – O pessoal que é mais novo, todo mundo aqui falou que tava empregado. Esse pessoal está estudando também?
Hernanes – A maioria estuda, mas não termina.
Antonio Nogueira – Porque tem muitos que têm preguiça de estudar, né? Não se interessa.
Hernanes – É, quando chega nas alturas não vai terminar, não se interessa em fazer um curso, não se interessa em fazer nada, né?
Maria do Socorro - Eu tenho um lá em casa que trabalha também no Porto do Pecém, mas não sabe quase nada e não se interessa a estudar. E o estudo aí bem pertinho, tem ônibus toda noite pra ele ir e ele não vai. E eu mando ele ir.
P/1 – Quem, o seu filho?
M – É, Antonio José.
P/1 – Seu filho está trabalhando onde?
Maria do Socorro – Trabalha ali no Porto do Pecém. Ele trabalhava de dia, agora está à noite.
P/1 – Ele trabalha em que área?
Maria do Socorro – Eu não sei falar.
P/1 – Mas é uma coisa mais braçal, é isso que o Hernanes tá falando?
Maria do Socorro – Isso, é descarregando container, essas coisas assim, sabe? Diz ele que é só ferro. Aí, eu mando ele estudar, porque agora ele tá à noite, mas tem o dia, por que ele não vai estudar de dia? Aqui o dia ele fica até não pegar o serviço lá, que vai mudando o serviço. Pois é. Mas eu mando ele estudar, ele sabe bem pouquinho, mal sabe mesmo o nome. Mas ele está estudando lá, faz curso lá dentro.
P/1 – Do quê?
Maria do Socorro – Agora curso, eu vejo ele me mostrar um livro assim, coisas de amarrar ferro, essas coisas assim, dar nós nos ferros, ele tem um livro lá em casa tudinho.
P/1 – Um curso técnico?
Maria do Socorro – É! Que ele tá aprendendo lá dentro, tem o curso. A gente vê direitinho.
Lúcia – É um curso de empilhador, meu menino trabalha nisso aí também, ele é empilhador.
P/1 – Empilhador.
Lúcia – É, naquelas máquinas grandes.
P/1 – E essa reflexão que o Hernanes colocou, todo vocês têm pensado sobre isso, essa questão que vocês acham, que quando começar pra valer a empresa o pessoal tá fora?
Maria do Socorro – Eu penso igual a ele.
Antonio Nogueira – Eu também penso assim.
P/1 – Vocês têm falado isso pro pessoal mais novo? Pessoal mais novo, vocês estão vendo que eles estão parados no tempo ou eles estão indo atrás? Como vocês estão vendo isso?
Antonio Nogueira – Eles devem procurar é aprender, né?
P/1 – Mas você tem visto esse movimento, tem visto eles irem atrás de curso?
Antonio Nogueira – Rapaz, têm muitos que vão.
Hernanes – É, facilidade de curso tá tendo muito, né? Facilidade de curso tá tendo.
Maria do Socorro – Tem um curso aí que só tem em São Paulo, meu menino até ia fazer esse curso. A inscrição é cinco mil. Aí me diga uma coisa, o rapazinho que ganha um salário como ele, como vai poder fazer esse curso? Se cinco mil é só a inscrição, e aí se ele não tiver família lá, ele vai ficar alojado onde? Vai ficar à toa? Tanto que meu menino, a minha irmã disse: “Não, você vai, aí você fica na minha casa”. Foi o tempo que ele arrumou mulher e pronto, deixou de fazer o curso. Porque esse curso é pra máquina grande, é uma máquina que o salário depois é de cinco mil pra cima, aí pronto, ficou interrompido, ele não foi. Diga, se tivesse aqui esse curso, ele poderia fazer, mas ele tem que deslocar daqui pra ir pra São Paulo pra poder fazer, se tivesse aqui, né? Pois é, por isso que eu digo, que nem médico, qual é hoje em dia um pai de família, que é agricultor, pode formar um filho médico? Porque a área de médico tá muito carente, qual é o pai que pode formar um filho ganhando um salário? Não tem condições.
P/1 – Você acha que esse pessoal que é mais jovem, dos assentamentos, tem conversado sobre isso, tem pensado sobre isso? Tem ido atrás?
Antonio Nogueira – Tem muito dele que pensa, mas muitos deles que não tentam.
P/1 – Vocês fazem parte de associações, não fazem?
Maria do Socorro – A gente não tem associação, a gente mora nesse assentamento, mas a gente não tem associação. Aqui nós não tem não.
Maria Nazaré – Nós tem lá, só que nunca mais teve reunião pra sentar pra reunir, pra conversar, não.
Lúcia – Não corre atrás de nada, por isso que eu digo que não tem.
Antonio Nogueira – Ah não, correr atrás de nada, não corre corre mesmo, não.
Lúcia – Tem só nome pra dizer que tem, mas não tem.
Antonio Nogueira – É verdade mesmo.
P/1 – Mas vocês têm ido pra reunião?
Antonio Nogueira – Não, reunião é muito difícil ter.
Hernanes – O Rafael passa, avisa que tem, mas tem uns associados ali que não quis nada, não. O Rafael se desloca lá do lado dele lá e vem avisando o povo aí que tem.
P/1 – Entendi. Mas aí vocês vão pra reunião, vocês têm se articulado como associação, como grupo, que nem vocês faziam lá, faziam os almoços, distribuíam pra quem não tinha, vocês estão continuando, continuam com essa articulação de grupo.
Antonio Nogueira – Não.
Lúcia – Depois que a gente tá nesse assentamento, nós vamos pra três anos, nunca teve uma reunião sobre: “Hoje vai ter uma reunião sobre associação”. Nunca teve.
Antonio Nogueira – Também não ouvi falar não.
Lúcia – Nunca teve.
Antonio Nogueira – Depois que eu moro aqui não tem falado nisso não, negócio de reunião, não.
P/1 – Se tivesse você ia?
Lúcia – Ia.
Hernanes – Mas é melhor dizer que o povo também, às vez, nem querem muito. Porque no dia que o Rafael passou avisando, eu avisei pra todo mundo. Aí só quem foi lá a bem dizer fui eu, ela aqui, a Vanessa e o outro, mas eu avisei porque o Rafael pediu para avisar, né? Mas o pessoal também se desliga. Eu avisei: “Negada, o Rafael passou avisando que vai ter uma reunião lá no colégio, se vocês quiser assistir, é pra todo mundo do assentamento”. Aí um disse assim: “Eu vou”, aí quando vem a hora: “Não, eu vou fazer não sei o quê”, tira o corpo de banda e não vai, né?
P/1 – Vocês acham que no passado o pessoal se ajudava mais do que hoje? Ou é igual?
Maria do Socorro – Acho que é igual.
Vários – É igual.
P/1 – Se chover, precisou, aí todo mundo se vira, é isso, só se há necessidade?
Lúcia – É, com toda certeza.
Antônio – Nós estamos caminhando pra uma coisa muito difícil, só que nós estamos precisando de três órgãos que são muito importantes: A segurança, a educação e o médico, a saúde. Agora, pra pessoa chegar até a ser um soldado militar, pra ele ir lá e fazer tanto do curso que pra chegar lá também é uma dificuldade medonha. A população aumentando, os marginais querendo dominar o mundo, as cidades, e a polícia está muito pouca. Um lugar que nem esse aqui, quem é que vê policiamento?
Antonio Nogueira – Não tem quase, não.
Antonio João – Passa ronda aí uma vez por semana direto, com aquelas luzes funcionando, quando o ladrão tá com distância de 50 metros, que ele vê o carro funcionando, aquela luz, entra dentro do mato e vai embora. Aí ele vai direto. Aí pra pessoa chegar a ser um policial militar ele tem que ter uma faculdade, tem que andar não sei por onde pra poder se formar pra poder ser um policial militar. E está diminuindo a segurança, aumentando a população e o roubo está aumentando, os assaltos. E a violência medrando muito.
P/1 – E vocês tinham essa sensação antes? Quando vocês eram lá do Madeiro, quando vocês pensavam sobre isso?
Antônio – Antes não pensava, não, porque cada cidade tinha um delegado mantendo ali a segurança. Quando tinha qualquer causo assim, que acontecia nos interior, ele mandava só um ofício praquela pessoa comparecer na delegacia, aquela pessoa ia lá, dava o depoimento, fosse caso de ser punido pela justiça e preso, ele ia, se não fosse era liberado e naquilo ficava. Mas agora não, a pessoa mata um, se taca no meio do mundo, não tem quem pegue mais.
P/1 – Mas alguém aqui, desse grupo, já teve algum problema de assalto, de violência?
Maria do Socorro – Não, ainda não.
Antônio – Graças a Deus lá em casa nunca aconteceu, não.
Lúcia – Já, minha filha já foi em Fortaleza assaltada.
P/1 – Ah, mas em Fortaleza.
Lúcia – É.
P/1 – Aqui não?
Hernanes – Aqui sábado ao meio-dia assaltaram a senhora bem ali, ela gritando pedindo socorro, o ronda veio correu foi dentro do nosso assentamento, não tinha nada a ver, né? (risos) A mulher pedindo socorro lá na beira da pista e ele veio pra cá, pro assentamento. Aí quer dizer que ele tá trabalhando certo? Tá não, tá trabalhando errado porque ela pra ele caçar lá onde ela foi assaltada. Era. Aí ele passa com as armas na mão pro lado do povo que tá no assentamento, mostrando a arma pra todo mundo pra amedrontar o povo. Mas ele tem que trabalhar, né?
Maria do Socorro – Essa semana mesmo teve um caso de um diretor da escola, ele foi pro médico e quando chegou lá chegou uma mulher dizendo: “Olha, foi ele que roubou minha moto”, e o rapaz dizendo: “Não, eu não fui, eu não fui”. De repente chegou um carro da polícia, e lá se vem, pegaram o rapaz, levaram, eu sei que foi uma coisa medonha. Como é que se diz? Se a pessoa acha parecido, achar parecido é uma coisa e afirmar é outra, né? Eu sei que o rapaz até abriu um processo contra essa mulher.
Maria Nazaré – Ainda foi mês passado, não foi, Maria? Assaltaram uma neta minha ali de frente da casa da Maria.
Hernanes – É o mesmo aquela lá que eu tava falando, que estão assaltando ali no assentamento.
Maria Nazaré – Aí as duas meninas indo pra casa e era boquinha da noite. Eles tomaram o telefone delas e ainda deram um tiro pra cima, dizendo para que as meninas não corressem não, nem gritassem, se gritassem eles atiravam. Ela só fez entregar o telefone. A outra tinha pegado o telefone e tinha metido dentro da roupa, e o da Darlene, disse que não dava pra por. Aí quando elas duas correram ele meteu bala pra cima, e foi-se embora com o telefone.
P/1 – Pessoal, pra gente terminar. Qual é o sonho de vocês hoje? Qual é o seu sonho, Hernanes, por exemplo?
Hernanes – Ter melhorias, né?
P/1 – Melhoria, mas o quê? Tem que ajudar o santo.
Hernanes – Tem que pedir uma promessa e cumprir, né?
Antonio Nogueira – Promessa sem cumprir não adianta.
Hernanes – Hoje a gente tá numa situação, se não tiver uma diária pra sobreviver o cabra morre, que não tem uma solução.
Antonio Nogueira – É.
Hernanes – Não tem um terreno pro cara plantar, um pé de macaxeira, um pé de batata, um pé de feijão, não tem nada, né? Aí se não tiver aquela diária o cabra vai ficar dentro de casa parado, sem fazer nada, olhando pras telhas da casa sem ter outro socorro, né? O salário da gente é um salário muito baixo que só dá mesmo pra sobreviver, não tem como o cabra fazer outra coisa, porque se o cabra tivesse um salário bom e comprasse um terreno por conta própria, quisesse plantar dentro era bom, né?
Antonio Nogueira – Ainda é feliz por ainda ter o salário, não é não?
Hernanes – Só o salário da gente...
Raimunda – Sim, e nós que não tem salário nem nada, só Deus.
Hernanes – A gente espera uma melhoria...
P/1 – Vocês, por exemplo, estão aposentados?
Raimunda – Nenhum.
Hernanes – Não.
P/1 – E como entra a renda?
Antonio Nogueira – De nada.
Raimunda – Não tem renda de nada.
P/1 – Mas não dá pra viver de luz, né? Como vocês fazem?
Antonio Nogueira – A renda que ela tem sabe o que é? O Bolsa Família que ela recebe, 70 contos. É a renda que ela tem.
P/1 – Vocês estão passando o mês de vocês com 70 reais?
Antonio Nogueira – Com 70 reais e, às vezes, o pessoal dá uma ajudazinha. Os irmãos dela, a cunhada que ela tem, e a menina também, filha nossa, às vezes dá uma ajudinha também, compra umas coisinhas.
P/1 – Vai indo assim.
Raimunda – Só indo assim. Salário ninguém tem.
Antonio Nogueira – Nem eu, nem ela tem.
Maria – O senhor não é aposentado, não?
Antonio Nogueira – Sou não.
P/1 – E o sonho de vocês seria? Quando você fala melhoria, é o que eu estou comentando a você, tem que ajudar o santo a falar o que é.
Lúcia – A melhoria era que vinha mais emprego pra beneficiar mais essas pessoas que já tem. Muito emprego. Graças a Deus eu saí da minha localidade, mas eu agradeço porque ele trabalhava na agricultura, mas hoje ele já tem o emprego dele, meus filhos têm, que não tinha. Hoje eu agradeço a Deus por meus filhos viverem tudo empregado.
P/1 – Seus filhos falam em continuar morando aqui ou eles falam em sair?
Lúcia – Não, eles continuam aqui.
P/1 – Eles falam: “Quero continuar morando aqui”.
Lúcia – Querem. Aliás, eu não quero que eles saiam de perto de mim também, né? (risos) Eu quero que eles fiquem por aqui.
Antônio – Na época de mais passada a pessoa ia pra Fortaleza atrás de um emprego, ia pras casas dos outros, sofrendo. Mas hoje aqui tá muito bom porque a gente, os ônibus pegam as pessoas na porta, levam pras firmas, vêm deixar.
P/1 – O senhor tentou ir pra Fortaleza?
Antônio – Passei dez anos lá trabalhando?
P/1 – No quê?
Antônio – Trabalhava numa serraria.
P/1 – Dez anos.
Antônio – Passei dez anos. Mas eu vim embora, foi o tempo que meu pai morreu e eu vim tomar de conta do terreno dele. Foi nessa que eu fui desapropriado. Mas eu fui criado trabalhando com ele, quando eu me casei as coisas ficaram meio difíceis e eu fui pra Fortaleza e me empreguei lá, passei dez anos empregado. Aí voltei, vim de novo pra agricultura.
P/1 – E vocês acham que os jovens daqui não estão pensando mais como o seu Antonio pensava. Hernanes, você chegou a ir pra Fortaleza? Seu Antonio, vocês chegaram aí pra fora?
Hernanes – Eu me criei aqui mesmo trabalhando na agricultura.
P/1 – Mas muitos amigos de vocês devem ter ido pra Fortaleza trabalhar, né?
Vários – Foi.
P/1 – Os jovens de hoje, eles estão pensando nisso ou eles não falam sobre isso?
Antônio – É porque o jovem de hoje, a inteligência dos jovens de hoje não é como os antigos, né?
Antônio – É não, é não.
Hernanes – E pior que tá mudando, cada dia que passa mais o negócio tá mudando pro jovem, né?
Antonio Nogueira – É, mais muda.
Antônio – Eu só ando mais em Fortaleza quando eu vou pros hospitais, que me consulto lá no Hospital Geral, fui operado três vezes. Aí pra fazer o quê, passear lá, cadê o lazer que tem lá? Se a gente vai pra uma pracinha daquela sai um tiroteio das gangues? Se está dentro de casa ainda é perigoso. Não é discriminando a cidade não, que a cidade é muito boa. É a humanidade que não tá cooperando com as cidades, né? Porque tem muitos cidadãos em Fortaleza, tem muita gente boa, mas tá encostando também pessoas muito ruins, aí fica misturado o joio com o trigo, né?
P/1 – Pessoal, pra gente terminar, alguém gostaria de...
Lúcia – Mas hoje tá bom. Hoje tá bom porque eu mesma não tenho vergonha de dizer, eu já passei muita dificuldade. Quando meus meninos eram pequenos, eu não tenho vergonha de dizer, ah, porque hoje eu tenho minhas coisinhas na minha casa, mas eu não tenho vergonha de dizer o que eu já passei. Tinha um tempo, tinha noite na minha casa, pra gente jantar, cozinhava macaxeira dura pra comer porque não tinha outra alimentação pra se alimentar. E hoje, graças a Deus tá muito bom hoje.
Hernanes – A sobrevivência tá boa.
Lúcia – Tá bom, muito bom.
Hernanes – O que tá ruim é só porque tá mudando a bandidagem, o bandido querendo comandar. É porque a gente sai pra trabalhar já é com medo, né? Sai pro trabalho e nos caminhos é um olho na frente e outro atrás, olhando se o bandido não vem atrás, pensando que a gente tem alguma coisa.
Maria do Socorro – Se o jovem compra uma moto, ele tem que ter o dinheiro pra tirar a carteira, tem que ter medo dos bandidos e aquele que não tirou a carteira ainda tem que ter medo...
Hernanes – Dos guardas na estrada pra levar a moto dele. (risos)
Antônio – Eu tenho um transportezinho lá em casa, quando é pra eu sair nele, eu tenho que sair com dinheiro no bolso porque se os guardas pegar ali, o Detran ou qualquer guarda, aí eu tenho que, às vezes quando é a polícia estadual, o Detran, eles não têm desculpa, mas quando tem alguém ainda dou um agradozinho pra ver se eu passo direto, porque senão eles levam o carro e eu volto de pé pra casa.
P/1 – Pessoal, em nome do Projeto, eu gostaria de agradecer muito. Em nome do Museu da Pessoa, da CSP, da Dialog, de todos os nossos parceiros, muito obrigado por estarem aqui, dar esse tempo pra gente, conversar um pouco sobre a vida de vocês. E obrigado!
FINAL DA RODA DE HISTÓRIAS