Nesta entrevista, Remédios nos conta sobre sua infância e família em Piripiri e sobre como trabalhava no roçado, na rapadura e na mandioca desde pequena. Nos conta as dificuldades de se conseguir um ensino de qualidade na época, mas também sobre as brincadeiras que a alegrava, as festas juninas e suas diversões de juventude. Além disso, ouvimos sua história de emigração para São Paulo por causa de seu casamento: o conflito criado dentro de sua família, a viagem para a capital paulista e o deslumbramento vertiginoso com a chegada. Sabemos um pouco também sobre a história da Comunidade São Remo, local onde Remédios mora até hoje e os desafios de ser mãe e trabalhar ao mesmo tempo. Remédios nos conta a história de como entrou para o PET em 2000, a participação de seus filhos nele e as mudanças internas nos objetivos e visões de mundo do projeto ao longo de 15 anos. Ao final, Remédios fala o que achou de ser entrevistada e sobre seus sonhos pessoais para o futuro.
20 Anos do Projeto Esporte Talento (PET)
PET, uma escola da vida
História de Maria dos Remédios de Moura Gomes
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 17/09/2015 por Lucas Torigoe
P/1 – Remédios, pra começar, eu gostaria que você falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Ótimo. Eu me chamo Maria dos Remédios de Moura Gomes, nasci numa cidade do Piauí chamada Piripiri, aos 7 de novembro de 1959.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – José Joaquim de Moura e Maria Ferreira de Moura.
P/1 – O que os seus pais faziam?
R – Roça, eram roceiros, como eu também (risos).
P/1 – Você tem irmãos?
R – Treze, já dois falecidos, 11 vivos.
P/1 – Como é que é você nessa escadinha de tantos irmãos? Você é a mais nova, mais velha?
R – Décima primeira.
P/1 – Quase caçula?
R – Quase caçula.
P/1 – Remédios, como é que foi crescer numa casa com tantos irmãos assim?
R – Quando eu nasci, já tinha irmãos casados, né, então eu tenho um sobrinho que ele é quase da minha idade hoje, né, ele tá vivo, mas é muito bacana, porque, como eu já fui lá dos últimos, então os mais velhos já cuidavam dos mais novos. Mas, como toda criança que nasce na roça, muito cedo, e cedo que eu digo é aos três, quatro anos, já sabe fazer alguma coisa, já tem sua enxadinha desse tamanhinho, mas tem, e já vai pra roça junto com os mais velhos, não tem jeito.
P/1 – Como é que eram os seus pais? Você pode descrever eles pra gente, por favor?
R – A característica deles, eram, eles eram muito tranquilos, pra começar, as minhas vós, as minhas duas vós eram irmãs, então os meus pais eram primos legítimos, né, filhos de duas irmãs. A vida tranquila de roça, porque, comparando com essa vida aqui, lá é uma tranquilidade, se dorme cedo e acorda cedo, mas a gente trabalha muito, mas tem aquele momento de descanso muito mais do que em cidade grande, como é o caso aqui. Então os meus pais, eles viveram uma vida longa, minha mãe faleceu aos 86, meu pai aos 98 e nove meses, faz sete anos agora em agosto que o meu pai faleceu, três anos depois da minha mãe, mas eles eram pessoas tranquilas.
P/1 – Como é que era Piripiri?
R – Ah, Piripiri é uma cidade que ela é muito acolhedora, até porque ela, quem vai, por exemplo, pro Ceará, tem que cortar Piripiri, não tem jeito. Em Piripiri tem um açude que se chama Caldeirão, que é o que abastece a cidade, então atrai muitos turistas pra banho, essas coisas, não tem mar, mas o mar do Piauí é Parnaíba, então é uma cidade turística, até por ter também sete cidades, que é do lado, que é dentro do município de Piripiri, que atrai gente de todo o país, que não é uma cidade, é pedras, é parque, é um parque lá, coisa mais linda.
P/1 – Como é que foi a sua infância lá? Você já falou que logo cedo você já começava a ajudar, mas e as brincadeiras, como é que era com tantos irmãos brincar, do que vocês brincavam, o que vocês gostavam de fazer?
R – A gente trabalhava muito, mas a gente também tinha os momentos de brincadeira. As meninas, tinha uma cultura muito da gente mesmo, desde cedo, cinco anos, seis anos, a gente já pegava na tesoura pra cortar os pedacinhos de pano pra costurar as bonecas. Antes disso, a gente fazia as bonecas de pedaço de madeira, o que tinha na frente, sabugo de milho, inclusive até o cabelo a gente fingia, do cabelo, na época de colheita de milho. Então as brincadeiras da gente era mais voltada mesmo pra trepa-trepa, balanço com cipó, não com corda, mas a gente fabricava as cordas também pra gente brincar, a gente amarrava um pedaço de madeira, que fosse uma madeira larga, pra sentar, pra fazer esses balançador, debaixo das árvores, manga, laranja, enfim, o que tinha por lá.
P/1 – E a roça que os seus pais trabalhavam, era roça do quê?
R – A gente plantava o milho, o arroz, feijão, mandioca e também a cana-de-açúcar, meu pai trabalhou mais de 40 anos com fabricação só da rapadura, então ela ia de julho a outubro, esse período era um período que a gente tava enfiado lá nas, na rapadura. E tinha uma coisa muito bacana, porque o meu pai, por ser roceiro, a gente não tinha criação de gado, mas as fazendas vizinhas emprestavam os bois e meu pai tinha o trabalho de amansar esses bois, que depois os donos desses bois iam usar, é tanto, tal, que era muito disputado as juntas de boi que sempre vinham para serem amansadas, amansadas é educar eles em trabalhar com carroça, era bacana.
P/1 – Você lembra dessa produção da rapadura, como é que é?
R – Tudo.
P/1 – Como é que é? Descreve pra gente.
R – (risos) Então tá, a cana vem do corte, tem os cortadores de cana que cortam a cana, depois tem o carregador que traz essa cana pra fábrica, que são duas casas divididas, tem a casa que mói e a casa onde fica os tachos enormes, tacho de 60 litros, tinha uns até maiores. Então o carregador traz essa cana já cortada do corte pra essa fábrica, que é mini fábrica, na época, que hoje não existe mais, aí tem os dois moedores, que vão tocar o boi pra rodar o engenho, que é pesado e são engenhos de madeira e as manilhas de ferro que rodam, que são três, pra poder o bagaço sair do outro lado sequinho e não se perder o caldo da cana, que lá a gente chama a garapa de cana, aqui é caldo de cana. E daí dali ela vai pro tacho, o tacho são essas panelas grandes, então ela passa por três processos, o primeiro processo, da onde ela sai da moagem e cai aqui, depois ela vai pra um segundo e do segundo ela vai pro terceiro, que é da onde já vira o melado, que dali esse melado tem o ponto certo pra ir pra gamela, que é uma peça de madeira grande, que é escavada pelo homem, que a gente que fazia também, eu ajudava a fazer, e depois ela vai pras forminhas pequenas. Aí depois de mais ou menos uns dez minutos ela tá a ponto de desenformar e vai pra banca, onde dali ela vai embalar, aí vai pro comércio, muito gostoso.
P/1 – Vocês vendiam isso onde, na feira, onde é que era?
R – Não, pior que não era na feira, a gente vendia mesmo pra os vizinhos, se guardava empaiolada ela armazenada, então não tinha muito comércio, não, era mais pro consumo mesmo só da região, mas não o comércio.
P/1 – E escola, Remédios, você tem alguma primeira lembrança da escola, como é que foi?
R – Tenho, a minha professora ainda é viva e é minha madrinha, muito querida, eu fui pra escola aos dez anos, mas a escola, por ficar muito longe, a gente saía de casa, caminhava duas horas e meia pra chegar na escola, depois duas horas e meia pra voltar, e a gente tem um trecho muito grande da onde eu morava pra escola de serra, então era muito cansativo, por isso que as crianças lá ia pra escola só com essa idade, aos dez anos, porque já tinha mais força na perna pra andar. Tinha um período, quando chovia, a gente passava por um período muito ruim, que era a lama, a gente andava descalço, porque não tinha condições mesmo de, não existia bota. Então a gente tinha uma aula a cada, uma aula de uma matéria por dia, então, se na segunda-feira era Português, era só Português, na quarta era Matemática, era matemática, quando a gente perdia essa aula, então você só ia ter na outra semana, e quando tinha. E aí eu confesso pra você que na, com dez anos a gente já tem mais o interesse pelo trabalho, pra ajudar os pais em casa, pra ajudar a trazer mais comida pra dentro de casa, então a escola ficava em terceiro, quarto, quinto plano da vida da gente, é tanto, tal, que eu, quando eu vim pra São Paulo, depois a gente vai chegar lá, eu só cheguei até a quarta série. Então a primeira lembrança que eu tenho da escola é dessa alegria mesmo de tá mais gente, de ter alguém que você chamava, assim, de professora (risos).
P/1 – Tinha uma matéria preferida, assim, que você gostava mais nesses dias da semana aí?
R – O Português, mas não sei escrever, é tanto, tal, que ainda hoje eu escrevo e falo errado, mas não tenho vergonha de falar pra você, aqui é uma escola pra mim e a minha faculdade, que eu não tenho.
P/1 – Aí você foi ficando mais velha, e esses amigos da escola se tornaram amigos da juventude? O que você gostava de fazer quando você já virou mocinha?
R – Aí a gente tinha, é muito engraçado, porque lá era como se fosse todo mundo irmãos, então é assim, os amigos eram como se fossem irmãos também, então era uma coisa muito bacana, diferente de hoje, lógico, as décadas vão passando, elas vão ficando completamente diferente, mas os amigos, eu ainda tenho amigos por lá, aqui, e aonde a gente se encontra é como se a gente tivesse lá ainda. Era uma convivência muito bacana de amigo, desses amigos lá dos dez anos, da escola e que se tornaram, que a gente se tornou mocinha, mocinhos, rapazes e daí daqui a pouco um sai pro mundo e vai sair fora da sua cidade, porque tudo isso lá era roça. Quando a gente ia pra cidade, por exemplo, pra comprar alguma coisa, isso era muito bacana, e a gente, era assim, 18 quilômetros pra o município lá onde eu nasci e me criei, então a gente fazia isso mais de bicicleta,. Então tinha aquela, que se juntava, assim: “Dia tal da semana vamos em Piripiri?”, aí juntava essa galera pra ir na cidade, aí vai todo mundo de bicicleta.
P/1 – E o trabalho, como é que foi, foi desde pequena trabalhando na roça? Você trabalhou em alguma outra coisa?
R – Desde pequena trabalhando na roça, eu vim mudar mesmo, de fazer algo diferente, aqui em São Paulo, quando eu cheguei, fui trabalhar nas limpadoras, é outro assunto que nós vamos chegar lá. Mas uma das coisas que, quando eu me tornei, assim, lá pros 18, pros 19 anos, porque antes dos 18 anos papai não deixava a gente sair de casa pra ir pra, por exemplo, nós, eu moro aqui no município, tem uma, o meu local, onde eu nasci e me criei, chamava Lajes, daqui uma meia hora de caminhada você chega no Baixão, que hoje já tá lá uma mini cidade, um povoadinho muito bom e organizado, em julho do ano passado eu estive lá. Daí a gente migrava daqui, essa meia hora de caminhada pra chegar nessa outra, nesse outro local, pra trabalhar em farinhada, era um outro período também, que começava lá pra junho, julho, até agosto, depois de agosto os roceiros não gostam de fazer farinhada. Farinhada é arrancar a mandioca, é fazer todo o processo pra fazer a farinha e o polvilho, que lá é goma, pra tirar a goma. Então eu era aquela pessoa que eu saía de casa uma semana, duas semanas, às vezes um mês sem vir em casa, quando era mais longe, pra fazer isso, pra trabalhar na farinhada. Trabalhando na farinhada eu tinha a garantia de trazer ou farinha pra casa, pra gente comer durante o ano, com todos os meus irmãos, meus pais, que ainda estão em casa, ou pegar em dinheiro pra comprar um calçado, uma roupa. Era nessa época que a gente tinha esse dinheirinho pra comprar roupa, calçado, a gente não tinha luxo, se você tivesse uma sandália e uma havaiana já tava de bom tamanho, mas pra comprar um creme dental, shampoo, a gente não usava shampoo, era sabonete, o sabonete era só pra lavar o cabelo (risos).
P/1 – Você se lembra da primeira coisa que você comprou pra você?
R – Um vestido (risos), um vestido muito bonito, que hoje a gente usa o vestido na festa junina, que lá é o máximo, é um vestido.
P/1 – Descreve pra gente essa festa junina de lá, como é que é, o que tem de bom?
R – Bom, as festas juninas de lá, a gente tinha as fogueiras, a gente aproveitava os três, que são três fogueiras no mês de junho, é 13, 24 e 29, então é as festas desses santos, Santo Antônio dia 13, João Batista no dia 24 e São Pedro e São Paulo no dia 29, então a gente aproveitava esses três santos pra fazer essas comemorações, que era umas festas. A gente viajava muito, mas tudo a pé, e muito que eu digo era duas horas de caminhada, três horas de caminhada, pra ir a essas festas e era o máximo pra gente, que, assim, era as diversões que a gente tinha e alguns forrós que tinha por lá e a gente viajava pra ir se divertir. Então as festas juninas de lá eram isso, são essas três comemorações no mês de junho, que não é diferente daqui, não existe o quentão, não existe o vinho quente, a maçã do amor, não existe essas coisas lá, é o milho assado na fogueira e a batata, que a gente plantava pra isso e ainda hoje tem isso lá, é muito bacana.
P/1 – Como é que se deu essa sua vinda pra São Paulo? Quando veio a decisão de mudar pra cá?
R – Tá, aos 23 anos, 22, tinha o meu esposo, ele é da mesma região e a gente estudou junto, ele era mais velho do que eu oito anos, então ele foi meu catequista de primeira eucaristia, então ele ajudou minha madrinha, que era minha professora, também dele, ele já tinha uns anos que ele tinha vindo pra cá e aí a gente, nós começamos a namorar, aliás, todo o nosso período de namoro foi por carta, ele aqui e eu lá, eu aqui, ele lá, e isso era muito tranquilo. E daí, quando a gente, já com, eu já tava com 27 anos, aí ele foi num final de ano e aí eu falei pra ele: “Ou a gente casa agora ou então você fica pra lá e eu fico pra cá, que eu não te quero mais, seis anos me enrolando”. Aí, por eu trabalhar nas comunidades dos interior, que a gente tinha 72 comunidades na roça, fora a paróquia da cidade, e que eu era uma das equipes de nove pessoas de todo regional em volta da cidade, a gente acompanhava o padre ou o bispo nessas comunidades. Então nesse período que ele foi eu falei: “Ou é agora ou não é”, por eu ter esse trabalho com as comunidades lá, o padre, nós chegamos pra ele, fomos lá, compramos as alianças, fomos na igreja, falamos com o padre e ele olhou pra minha cara: “Eu caso você amanhã”, eu falei: “Não, porque aí o meu pai e minha mãe vão me matar, a gente precisa pelo menos dizer que a gente vai casar”. Aí compramos as alianças e marcamos pro sábado seguinte (risos), daí à noite nós fomos pra uma festa, que era um forró que tinha lá, ficamos a noite inteira no forró, no dia seguinte, no domingo de manhã viemos pra casa, aí foi quando a gente foi falar pra mamãe e papai. Minha mãe ficou muito brava, meu pai não, meu pai adorou, mas a minha mãe, porque lá os casamentos é assim, é aquela festa de dois dias, é muito bicho que morre pra dar comida pro povo que é convidado e eu não queria isso, eu queria uma coisa mais simples mesmo, e foi uma coisa mais simples. Teve uma janta pros padrinhos, meus padrinhos de casamento, uma galinha (risos), que isso pro meu pai foi bom, mas minha mãe ficou muito brava, e daí foi a minha vinda pra cá.
P/1 – E o vestido de noiva?
R – Porque ele já tava trabalhando aqui. Ah, o vestido de noiva, ainda tenho ele hoje, eu tenho ele, todo o final de ano eu lavo ele e guardo (risos), o próximo ano, se eu for pro Piauí, eu vou levar ele pra minha amiga, ela é mais velha do que eu dois anos, pra minha amiga que fez o vestido, que eu vou levar de volta pra ela, com 30 anos depois (risos), pra ela servir de modelo lá, tá em casa guardado e ainda me serve (risos), a bicha é tão ruim que nesse período não engordou, não cresceu, tá o mesmo tamanho.
P/1 – E aí vocês casaram e decidiram vir pra cá?
R – É, a minha vinda pra cá pra São Paulo se deu nessa situação, mas nós casamos dia 26 de dezembro de 86, mas eu ainda fiquei lá, porque o meu sogro, ele gostava já muito de mim, ele já era muito familiar, ele tava muito doentinho, então eu fiquei lá pra cuidar dele, inclusive nós casamos em dezembro e ele faleceu em julho do ano seguinte, casamos, de 87.
P/1 – Qual é o nome do seu marido?
R – Era Raimundo. E daí eu ainda fiquei lá uns nove meses, depois é que eu vim pra cá, pra São Paulo, que eu vim em novembro de 87 pra cá, então a minha vinda se deu por causa do meu marido, que a gente já estava casado, ele veio, eu fiquei e daí, depois da morte do meu sogro, aí eu vim pra cá. Isso depois que eu cuidei de toda a papelada da minha sogra, que ela tinha, ela foi batizada com um nome e ela se chamava com outro nome, eu tive que sair do Piauí, fui ao Ceará, numa cidade onde ela nasceu, atrás da documentação dela, pra não deixar ela desamparada, que ela só tinha dois filhos, o meu marido, que já trabalhava aqui em São Paulo, e a filha lá. Eu fiz essa correria, por isso ainda fiquei mais uns meses lá, pra poder vir pra cá.
P/1 – Como é que foi essa viagem de vinda pra cá? Qual foi a sua impressão chegando em São Paulo, essa cidade gigantesca, como é que foi?
R – Você tem certeza que você quer saber? (Risos) Fiquei apavorada, louca, querendo voltar, porque eu me assustei com tudo isso aqui, você sair da roça, onde tem essa tranquilidade, essa brisa que você tá aqui debaixo dessas árvores agora, e chegar numa cidade louca, que eu tinha medo de sair no portão. Aonde eu fui morar, aonde eu fiquei só oito meses, foi na Freguesia do Ó, onde meu marido morava com uns amigos.
P/1 – Como você veio pra São Paulo?
R – Eu vim de ônibus, não vim sozinha, porque eu vim com um sobrinho e pra minha salvação, quando eu cheguei na rodoviária, meu marido não estava me esperando, porque a carta não tinha chegado, ela chegou uma semana depois, e daí esse meu sobrinho que veio comigo tinha uns primos dele esperando ele, que não eram meus sobrinhos, mas a gente era tudo família, porque era do mesmo interior. E aí eles me trouxeram aqui pra São Remo, onde eu moro há 27 anos, que quinta-feira faz 27 anos que eu tô, que moro aqui, eu vim, da rodoviária eu vim pra cá, daí, como esses primos do meu sobrinho sabiam o endereço da onde o meu marido morava, aí eles, no dia seguinte eles foram me levar lá. Ele não sabia que eu tava chegando (risos), ele ficou assustado (risos), mas a carta não chegou, eu falei: “Então, se não chegava eu tava perdida na rodoviária até hoje”.
P/1 – E aí como é que foi, você começou a trabalhar por aqui, como é que deu essa sequência aí?
R – De imediato não, porque daí, como eu falei, ele morava na Freguesia do Ó, eu não tinha experiência nenhuma, eu tava já indo pros meus 28 anos, engravidei da minha primeira filha e daí eu fiquei, como eu morei oito, nove meses lá, eu vim, foram, na verdade foram nove, eu vim de oito meses grávida pra cá, quando a gente mudou de lá pra cá. Aí minha filha nasceu e logo eu engravidei do meu segundo filho, que só são dois.
P/1 – Qual o nome?
R – É Maria Raquel e Reginaldo, a Maria Raquel nasceu no dia 20 de agosto de 1988 e o Reginaldo nasceu no dia 22 de agosto de 1989. Aí eu falei: “Não, a fábrica não, se deixar essa fábrica, o que eu vou fazer numa cidade grande dessa?”, ainda assustada, né, ainda não tinha me acostumado, aí eu fechei a fábrica (risos), mas eu tive essa oportunidade.
P/1 – Como é que foi essa sensação de ser mãe?
R – Eu só tenho os dois, muito gostosa, porque eu já tava indo pra 28 anos, então muito bacana, meu marido trabalhava sozinho e teve mais um complicador, como ele tava morando de aluguel, ele ficou desempregado, aí foi um período bem difícil, lá nessa casa, a gente teve que sair da casa, moramos dois, um mês e meio com uma amiga dele. Aí que a gente conseguiu vir aqui pra Comunidade São Remo, porque aqui tinha dois primos do meu marido, então a gente teve essa oportunidade em 88, vir pra São Remo, onde eu moro até hoje, através desses primos do meu marido. Mas ser mãe é uma coisa, assim, que toda a mulher quer ser mãe, é difícil talvez ter uma na vida que não queira, porque a maternidade é uma coisa que não tem preço, não tem preço. Eu até costumo falar pros meus filhos: “A única e verdadeira amiga de vocês é mãe, não tem jeito, sou eu”, eu olho bem no olho deles, isso porque 25 e 26 anos (risos).
P/1 – E aí como é que foi essa sequência, com esses filhos pequenos, aqui em São Paulo, você começou a trabalhar em que momento?
R – Tá, aí, como eu falei que veio um atrás do outro, então, quando eu fui mesmo trabalhar, o meu filho, tava a menina com dois anos, ele com um aninho, então eu tinha uma coisa assim, mas isso não é só na roça, não, na cidade também acontece isso, ainda hoje, é raro, mas você ainda encontra casos de homens que dizem: “A minha mulher não vai trabalhar”, é o caso do meu marido. Ele foi uma pessoa muito boa, mas naquele momento lá atrás ele tinha essa coisa, dizia assim: “Você não vai trabalhar” e eu sempre, por ser muito agitada e gostar muito de fazer as coisas, sempre fui elétrica, eu falei: “Não, esse não é o mundo que eu quero pra mim, eu tenho os meus dois filhos pequenos, mas eu quero trabalhar, eu quero lhe ajudar”, até porque até aí a gente ainda pagava aluguel, quando o meu filho nasceu. Quando ele nasceu, aí nós fomos morar numa casa que a igreja, na comunidade, comprou, que hoje é o nosso salão, que a gente usa pros nossos eventos e pras catequeses, aí com 25 dias que o meu filho nasceu eu fui pra essa casa da igreja, a gente deixou de pagar o aluguel, economizamos um dinheirinho pra comprar um barraco de madeira, que depois nós construímos, a igreja me ajudou muito nesse sentido, nos ajudou, né, porque ele trabalhava sozinho. Quando o meu filho tava com um aninho, aí eu arregacei as mangas e fui trabalhar e foi muito engraçado, porque eu tava na porta de casa, na rua, a São Remo ainda era, se você hoje você for lá, ela cresceu muito, então são 27 anos, agora em julho faz 27 anos, as ruas eram tudo de terra. Quando nós levamos a Viviane Senna lá, era tudo ruas de terra, hoje não, tudo asfaltado, os barracos, só tem um trecho ainda que você ainda vê alguns barracos de madeira, mas é muito pouco, São Remo virou uma pequena cidade. E daí eu tava conversando com uma amiga minha, que a gente já tinha feito amizade, como essa família trabalhava, daí eu cuidava das meninas dela, dava uma olhadinha, elas ficavam em casa, mas eu tava de olho, saía na rua: “Pode entrar pra dentro”, ficava cuidando, né? E tinha uma cultura muito legal, que era o vizinho cuidar dos filhos do vizinho, mas não tinha troca de nada, não rolava dinheiro, hoje, se uma mãe quer ir trabalhar e não tem com quem deixar o filho, ninguém fica por mais de 300 reais, é um absurdo, mas nessa época ainda tinha essa cultura. E daí passou um carro de uma limpadora, dessas como trabalham aqui dentro na universidade, e daí era por meio período numa Caixa Econômica Federal da Heitor Penteado, na Lapa, aí a minha amiga falou assim: “Faça a ficha”, eu falei: “Meu marido vai me matar”, ela falou assim: “Se ele lhe matar vai me matar eu também”, eu falei: “Ah, é? Então eu vou nessa” (risos), foi essa conversa. A gente fez a ficha e deu tudo certo, mas, quando ele chegou em casa à noite, que ele trabalhava em portaria de prédio, ele chegava à meia-noite em casa, que eu fui falar que eu já ia começar no dia seguinte, era meio período só, das seis às, acho que era meio-dia, era mais ou menos isso, porque a gente não tinha hora de almoço, eu sei que era quase, menos de seis horas de serviço. Aí ele ficou muito bravo, eu falei: “Não esquente, não”, porque as crianças, a menina com, o menino com um aninho, a menina com dois aninhos, eu falei: “Não esquente, não, que eu já arrumei gente pra cuidar deles”. Aí eu fiz questão de dividir o que eu recebia lá pra pagar essa pessoa que ficou cuidando dos meus filhos, inclusive eles têm um apego muito grande por ela, que eles chamam ela até de vó, porque a minha mãe tava longe, a outra vó também longe, tudo lá no Piauí, então eles chamavam de vó. E foi aí aonde eu fui trabalhar, ficou bravo, não jantou dois dias, mas no terceiro dia, aí bateu a fome, aí ele jantou, aí foi aí que eu fui trabalhar, nesse serviço eu só fiquei quatro meses, porque a firma perdeu o contrato lá da Caixa. Como isso me deu um caminho aberto, aí eu já não fiquei mais parada, não, já em imediato eu com essa minha amiga, que ela também tava junto comigo, que foi quem me levou, ela também ficou desempregada, aí nós já ficamos correndo atrás de outro. Na mesma semana a gente começou a trabalhar na Odonto, aí na Odonto eu trabalhei alguns aninhos lá, na limpadora, aí foi aonde começou a minha trajetória de trabalhar em limpeza, que graças foi o que me deu essa estrutura pra mim hoje tá aqui.
P/1 – Como era a universidade nesse período, você pode descrever, mesmo a Cidade Universitária, como é que era? Era muito diferente?
R – Muito, muito, menos prédios, lógico, porque em 27 anos ela cresceu muito, né, aqui no CEPE eu fiz 20 anos agora em janeiro, então eram menos prédios, por exemplo, a Odonto, na época que eu trabalhei lá, era bem menor, as salas eram, tinha um departamento que eu trabalhava, no departamento de prótese, saía uma limpadora, o pessoal de lá não deixava eu sair, a outra que entrava, eu tinha que pedir conta, porque eu tinha que pedir conta, porque eles não pagam, como ainda é hoje, hoje tá até pior, eu ficava e ficava naquele departamento, porque eles não deixavam eu sair de lá, então foram acho que umas três limpadoras que eu passei por lá. Mas a Cidade Universitária era mais tranquila, até mais tranquila até pra gente andar, não que hoje ela seja tão violenta, mas tá ficando, mesmo com a PM aqui dentro, se não tomarem cuidado, a universidade tá ficando um pouco violenta, e eu digo, não é o bandido que vem de fora pra assaltar, roubar aqui dentro, é o próprio aluno. Isso eu digo com toda a segurança e se quiser prova eu tenho, digo com nenhum medo de errar, é o próprio aluno daqui da universidade, que a São Remo, ela funciona como um laboratório de droga mesmo, pra abastecer essa Cidade Universitária, que é uma pena, é. Querem prova, peguem o circular no sábado de manhã, porque a festa rola, que acontecia aqui, que graças, precisou alguém morrer pra tirar a festa daqui do velódromo, que a POLI domina em termos disso, caminhões e caminhões de bebidas que entram quando tem a entrada dos novos alunos, que são os calouros, que é uma pena. Mas, enfim, nesse tempo, eu posso descrever isso com toda a segurança, porque não existia isso, por isso que eu falo que era mais tranquilo.
P/1 – Mas o que acontece nesse circular do sábado?
R – Eu descrevo pra vocês os alunos, dá dó de ver o que a universidade está formando, bêbados, vomitados, com palavrões, não é só o favelado, não é só o bandido que fala palavrão, o universitário também fala. Tem um samba que não é samba, é pancadão mesmo, que acontece na minha rua, do sábado pro domingo, você não consegue sair de uma viela pra atravessar a rua na madrugada, porque é três mil pessoas ali naquela comunidade e, se você olhar, não são pessoas de classe baixa, não, é do alto escalão que estão lá, jovens que você olha assim, que você sabe pelas características que são pessoas que têm dinheiro que tão lá. E aí eu me pergunto, quando esse jovem chega em casa no domingo, o pai, a mãe será que percebem isso? Sabem onde é que seus filhos tão? Não importa que tenha 20, 25 anos, não, o meu tem 25 anos e hoje já tem a sua família, já tem a sua esposa, não são casados, mas já tão juntos e já têm um filhinho, são casados, eles moram embaixo e eu moro em cima, eu moro em cima com a minha filha, mas eu quero saber onde ele tá. Ele vai pra casa da sogra, fala: “Mãe, tô saindo pra casa da minha sogra”, “Ótimo, que horas voltam?”, eu quero saber aonde tão, isso é um cuidado de mãe canguru, que passou agora, eu falei: “Ichi, eu sou uma delas”, mas é um cuidado de mãe. Nasceram e se criaram fumando junto com os manos, porque a gente passa na rua, a gente tá fumando, isso eu falo com segurança, mas é o cuidado de todo dia, voltou da escola, olhar a mochila, ver o que tem na mochila, com quem andou, com quem conversou, fez o dever de casa, copiou o dever da lousa, é isso, é só isso e é simples de fazer, não é difícil, não, é simples de fazer. Então naquela época, quando eu trabalhava na limpeza, que eu comecei a minha vida aqui em São Paulo, a universidade era completamente diferente nesses aspectos e pra mim isso me entristece muito. Porque hoje o meu filho, com 22 anos, ele ficou sete anos e meio aqui de projeto, isso deu uma estrutura a ele, a ele escolher o curso que ele gostaria de fazer na vida, que é professor de Educação Física, hoje ele dá aula em dois CEUs pra crianças, também no qual o local que ele nasceu e se criou. A minha filha tá terminando Enfermagem na São Camilo agora, esse é o último semestre dela, ela, antes de ir pra faculdade, ela já fez Auxiliar e Técnica de Enfermagem no Hospital das Clínicas. Então, assim, é independente de onde nasceu, filho de quem é, de rico, pobre, é independente disso, de raça, de cor, de religião, de qualquer coisa, a universidade perdeu muito. Tem jeito? Tem, é só quererem dar um jeito, mas tem, é um número pequeno talvez, mas já é um número que, se não cuidar, ele pode crescer, ele pode aumentar. Nós temos alguns casos, inclusive tem uma educadora da universidade, que ela é formada exatamente, ela é contratada pela universidade pra, ela tem o título de educadora de rua, então o ano passado apareceram uns casos aqui na FFLCH, com alunos da FFLCH, através de um professor que me perguntou aqui: “Remédios, quando é que vai ter inscrição para o Projeto Esporte e Talento pra admitir criança?”, “Estamos na inscrição”, foi bem nas duas semanas de inscrição, é um professor aposentado. Ele falou: “Eu preciso identificar quatro crianças da comunidade que tão”, eles trazem a droga da comunidade pra esses alunos e levam dinheiro, uma hora essas crianças podem serem apagadas, porque elas podem ou não chegar com a droga ou não chegar com dinheiro e elas podem ser apagadas. Uma delas já tá no juizado, que a mãe conseguiu tirar, mas tem uma mãe que também é drogada, também consome, e aí essa mãe adora isso, porque essa criança leva também dinheiro pra casa, eles só têm dez e 11 anos, os quatro. E aí é assim, você identifica coisa muito mais pesada, que eu não vou nem falar aqui, porque pode comprometer, desses alunos, essas quatro crianças, coisas muito mais pesadas, não só a droga, muito mais forte, agora vocês podem tá se perguntando: “O que será que tá acontecendo?”. E aí essa educadora, ela é designada exatamente pra cuidar disso, num tempo atrás tiraram isso dela, mas agora voltou de novo e ela tá cuidando desses casos, inclusive encontrei ela na semana passada na São Remo e a gente precisa até marcar um dia pra gente se encontrar pra retomar esse assunto e não passar por esquecido, porque não dá pra esquecer.
P/1 – Remédios, fala pra gente como é que o Projeto Esporte e Talento entrou na sua vida.
R – Opa, (risos) trazendo só um tiquinho lá da limpadora, eu trabalhava na Odonto, na limpadora, aí uma menina do departamento pessoal, que é uma história também longa, mas no final teve uma história bonita comigo e ela, eu limpava a sala dela e aí um dia ela catou no meu braço e trancou a porta dentro da sala dela, isso é porque ela era secretária de um professor. E daí eu não entendi porque que ela trancou a porta, e aí ela falou assim: “Hoje você não vai limpar minha sala, nós vamos conversar”, mas muito fechada e daí eu perguntei se a porta não podia ficar aberta, ela falou: “Não, porque alguém pode nos escutar”. E eu, mais que esperta, olhei pra ela e falei assim: “Então tem um lugar mais legal pra gente conversar, se você quer conversar, só que a minha chefe não pode me ver conversando com você, eu to em hora de serviço”, a gente desceu pro jardim, eu deixei todo o meu material lá, como se eu tivesse limpando a sala dela, e descemos lá pro jardim da Odonto e fomos conversar. Naquele dia aquela menina ia se matar de depressão, de depressão, mas eu consegui tirar com conversa, conversando, brincando, só esse toque, aí ela saiu, ela melhorou bastante, porque daí eu não deixei mais ela, eu sempre procurava em hora de almoço, eu ia, eu levava marmita pra ela pra gente comer junto, pra poder conversar, aproveitava a minha hora do almoço, um bom tempo, um mês e, quase dois meses. Daí ela saiu desse local e foi pro departamento pessoal, tava na semana de inscrição pra admissão de duas pessoas pra limpeza aqui do CEPE, isso em 94, aí ela foi logo, ela ficou sabendo no último dia, ela falou assim: “Vá lá e leva teus documentos, vá lá”, eu saí pelos fundos da Odonto pra minha chefe não ver eu saindo e vim aqui na Reitoria, fiz a inscrição, fiz a prova. Quando eu fiz a prova pra entrar aqui no CEPE, eu falei: “Puxa, eu não vou passar”, porque era muita gente, tinha muita gente, dessa turma que fez a prova passou 70 pessoas, 70 pessoas foram chamadas pra uma segunda fase aqui no CEPE, como a entrevista era coletiva, eu acho que eu me dei bem (risos). Eu me dei bem, e na prova também, que foram quatro perguntas só e aí era relacionado à limpeza, aí foi comigo mesmo, porque eu sempre fui uma pessoa assim, eu não sei fazer isso, mas daí eu fico olhando como é que você faz pra mim poder fazer. Daí, depois dessa segunda fase, eu fiquei nove meses, eu falei: “Ah, não vai rolar”, aí, quando foi nove meses, o departamento pessoal daqui ligou pra lá pro departamento que eu trabalhava e aí me chamando pra mim vir aqui, que eu tinha cinco dias, eu falei: “Eu vou agora”. Quando eu cheguei aqui, eu não tinha dinheiro pra tirar xerox dos documentos, eu falei: “Então eu volto amanhã”, aí a menina do departamento pessoal falou assim: “Não, aqui tem um setor que vai tirar pra você”. Aí passei por todo esse processo, eu comecei trabalhar no dia 23 de janeiro de 1995, eu trabalhava à noite, em cinco meses eles me tiraram pra diretoria, fui assumir a menina que saiu pra ganhar neném, aí eu já fiquei na recepção, quando ela voltou, eu fiquei na copa lá, o diretor não deixou eu sair de lá. Nesse período, eu fiquei sabendo que tava tendo inscrição pra alfabetização de adultos funcionário uspiano que não tinha completado seu ensino fundamental. Daí o diretor da época, ele chegava cedinho, quando ele chegava, o café dele já tava pronto, aí eu falei: “Professor, eu precisava falar com o senhor”, ele falou: “Sente”, eu falei: “Não, é um minuto”, ele falou: “Sente que eu to mandando”, aí eu falei: “Agora eu sento”. Aí eu falei: “Eu só queria perguntar pro senhor se eu posso fazer a minha inscrição pra estudar, o senhor vê que eu já anoto o recado errado, porque eu só tenho quarta série e tal”, ele olhou pra mim e falou assim: “Você não pode, como você deve, vá agora mesmo”. Só que a minha chefe, naquele dia, ela não tava aqui, ela tinha tirado um dia de folga e eu fiquei com medo de fazer a inscrição na escola, pra estudar à noite, fora do meu horário, porque, quando a menina voltasse de licença, eu talvez voltaria pro meu horário, então eu tinha que ter uma garantia disso. Ele falou assim: “Não, quando a Silvinha voltar, eu quero você aqui” e foi aí aonde eu fui estudar e fiz meu segundo grau, tudo lá. Nisso, graças a eu ter voltado, esse passo que eu dei, eu saía do trabalho três horas, eu ia em casa, adiantava a janta das crianças, voltava correndo pra escola, a gente entrava cinco e 45 e saía às sete, pra desocupar as salas pros alunos, aqui na Faculdade de Educação, um projeto que uma professora, Estela, que criou, aquela mulher é uma mulher sagrada, abençoada. E daí, como eu voltei pra sala de aula, eu tive essa oportunidade de vir pra cá, e aí um belo dia, eu já sabia do projeto, mas não tinha muito entrosamento com eles, porque eu tava lá, aí quando foi em janeiro de 2000, 20 de janeiro, me chega o Marcos mais o, o Marcos Vinícius e o Professor Paulo, que eram os dois coordenadores, o Paulo Martins, que depois ele saiu, numa reunião com o diretor técnico. Aí eu preparei a sala pra eles, aí o diretor técnico me chamou, eu falei: “Hum, eu vou preparar o café”, ele falou assim: “Não, eu não tô pedindo café, tem uma cadeira vazia aí pra você”, aí eu gelei, eu falei: “Meu Deus”, mas quem não deve não teme, eu sei que eu não fiz, eu não fiz nada, as crianças falam assim: “Mas eu não fiz nada”. Aí eles passaram o assunto e aí eu fiquei pensando, eu falei: “Olha”, fui bem sincera pra eles, eu falei: “Meu serviço aqui é cabo de rodo, eu sei que indo pra lá a minha função vai mudar, eu vou fazer outras coisas, mas a minha experiência é cabo de rodo”. Lembro que o Marcos segurou no meu braço e olhou pra mim, falou assim: “Com a gente você vai aprender” e aí acho que é isso, que eles tão me aguentando até hoje. Então minha vinda pro projeto foi muito bacana, mas me preocupei com o Feliciano, Antônio Feliciano, que hoje tá nas compras, que era quem ficava aqui fazendo o que eu vinha fazer no lugar dele, primeiro, eu queria saber pra onde é que ele ia. Aí ele falou: “Não esquente”, porque ele tava junto: “Que você não tá me prejudicando”, eu me preocupava muito em talvez em prejudicar as pessoas: “Ah, to tomando o seu lugar”, então minha vinda pra cá foi muito bacana.
P/1 – O que você já conhecia do projeto quando você veio?
R – Nada, nada, só os dois, de vista, mas não tinha muito entrosamento, porque tava muito recente também de projeto e não conhecia quase ninguém ainda, porque lá eu chegava, o meu serviço era na diretoria, então eu saía muito pouco lá de dentro, então eu não conhecia muito, a não ser preparar um café e levar lá na sala, mas não sabia nem quem era.
P/1 – Remédios, qual era a sua atividade quando você entrou aqui no projeto? O que você fazia?
R – No projeto? Tá, no primeiro momento, como isso acontece até hoje, era mais pra mim organizar documentos, que seja, precisar de ir em algum setor, como tem alguns setores que eu vou muito, nessa época eu vim pra cá pra fazer isso, era levar documento em protocolo, no setor de carteirinha, que hoje ele tem outro nome, mas na época se dava isso, que é onde faz reserva de espaço, diretoria e cuidar de algumas coisinhas, fazer pedido de almoxarifado, mas era tudo anotadinho numa ficha, onde eu escrevia. Eu escrevia tudo errado, chegava lá no almoxarifado, eu não sabia nem escrever a palavra almoxarifado, nem falar, e tudo isso eu ia aprendendo, em qualquer sala que eu chegasse pra entregar um documento, se eu não soubesse falar o nome, eu pedia ajuda, pedi muita ajuda (risos). Então eu vim mais pra organizar, era como se fosse uma auxiliar administrativa.
P/1 – Você lembra do seu primeiro dia?
R – Me deu dor de barriga à noite, eu vim pra cá com dor de barriga (risos), porque eu não sabia o que que me esperava, aí quando eu cheguei aqui, Feliciano saindo, desocupando a sala pra mim, porque sempre foi ali a recepção mesmo, só que não era bem em frente, era diferente, a gente fez umas mudanças, ao longo dos anos a gente foi fazendo umas modificações, mas a cadeira nunca deixei trocar (risos), a cadeira tá toda estourada, mas continua a mesma há 14 anos (risos). Quinze, né? Nós estamos em 2015.
P/1 – Quantas pessoas eram? Você lembra mais ou menos como funcionava a recepção às crianças? Como é que funcionava o projeto?
R – Lucas, eu vou te contar, era, a gente, naquela época, a gente tinha 300 crianças e tinha também que ter esse olhar pras crianças, chegando, guardando mochila, vestiário, que tinha a menina que limpava os vestiários, mas tinha que tomar cuidado com as mochilas, era não jogar no corredor, tinha que guardar. Então eu também fui criando essa coisa do ajudar a cuidar das crianças e era uma coisa assim também, que pra mim é como se eu tivesse abraçando eles ali como mãe, eu me achei. Esse lugar aqui acho que foi feito pra mim, porque, além daquela fala que o Marcos disse: “Com a gente você vai aprender”, eles me deram também esse presente de ter as crianças ali perto de mim, de ajudar a cuidar delas, é tanto, tal, que se criou uma coisa: “Machucou, é a Remédios”, não pelo nome (risos), mas pelo cuidado mesmo. Aí eu fui fazer curso de auxiliar de primeiros socorros pra entender mais um pouco, enfim, foi muito bacana, o primeiro dia deu dor de barriga, mas depois foi. E era muita gente, estagiário, a gente tinha 30 estagiários, divididos nos grupos, então, por exemplo, o pequeninos, que é o de 11 e 12 anos, sempre foi o grupo que tinha mais criança, então era 70, chegando a 80 crianças, então tinha, só nesse grupo eram quatro estagiários com o coordenador, sempre, em cada grupo tinha que ter um coordenador.
P/1 – Como é que se dava a escolha dessas crianças pra participar do projeto?
R – Bem no comecinho, quando eu vim pra cá, ainda era pelo teste, fazia o teste nas três modalidades, nas quatro, basquete, handebol, futebol, basquete, handebol, canoagem e futebol, então tinha essas quatro modalidades, então era por teste, na época ainda era teste. Depois foi mudando e foi mudando muitas coisas, mas a escolha era por teste e tinha um, não, nessa época não entrava o fator do socioeconômico, era por teste mesmo. Nessa época eles tinham vale-transporte, ah, eu ajudava a cuidar também do vale-transporte, eu que ia comprar, era uma aventura, eu saía de carro oficial pra ir comprar esses lá na cidade, o vale-transporte deles, aí depois foi acabando, acabando, até chegou a acabar mesmo. Mas você tinha bastante coisinhas, eu vim pra fazer isso, mas aí ia surgindo as coisinhas e eu tava aqui pra isso mesmo, como tô até hoje, enquanto eles me aguentarem (risos).
P/1 – Como é que era a sua relação com as crianças? Como é ainda hoje?
R – Às vezes eu até tomo cuidado pra não ser muito protetora, mas eu protejo muito eles (risos), mas também, na hora de dar bronca, aí eu dou e tem umas mães que gostam (risos), mas eu sou muito protetora, às vezes até tenho que tomar um pouco de cuidado (risos).
P/1 – Você disse que os seus filhos também participaram, o seu filho também participou?
R – Participaram, eles entraram ainda quando era o teste, ainda, o meu filho ficou.
P/1 – Você já trabalhava aqui?
R – Já tava aqui, eu entrei aqui, eu vim pra cá em janeiro e aí teve já logo em seguida, um mês depois, dois meses, começou em abril, teve o teste, aí eles já fizeram o teste, aí o Reginaldo veio pro futebol e a Raquel foi pra canoagem. Na canoagem, a Raquel ficou pouco, porque daí logo depois veio a mudança das modalidades, não específica, e virou a educação pelo esporte, aí ela não se adaptou nos outros, nas outras modalidades, ela até ainda tentou, mas não quis ficar, eu falei: “É um direito seu de escolher, eu não vou forçar você a ficar”. Agora, o Reginaldo ama bola, como praticamente, é difícil ter um menino que não goste de bola, ele ficou até os 18.
P/1 – Como é que foi pra você ver os seus filhos participando do projeto?
R – Eu procurava não estar aqui pra eles, é tanto, tal, que eu dizia: “Machucou? A mãe não tá aqui” (risos), mas eu acabava correndo atrás e ajudando, porque aí, vou contar dois casos. O Reginaldo se machucou nesse campo, o professor desmaiou (risos), passou mal, a pressão, aí eu falei: “Põe no banco, pode deitar no banco”, aí fiquei lá segurando o joelho. Ontem, na escolha das fotos, tem uma foto que ele tá lá com o joelho (risos), pequenininho, com dez anos, né, machucadinho lá. E teve um outro da Raquel, que foi a bola de basquete no nariz, aí quebrou, aí fomos pro hospital, ela com o nariz quebrado, mas a professora enlouqueceu e eu: “Calma, calma, vai dar tudo certo”, e ela não chorava, era só muito sangue, muito sangue lá, mas ela: “Mãe, só não quero ver o sangue, só não quero ver o sangue”, e a professora desesperada: “Calma, calma, vai dar tudo certo”, e era a professora de canoagem: “Calma, vai dar tudo certo”. Agora, quando nós chegamos no HU, a gente fez uma besteira, que eu podia ter deixado ela entrar, o médico não deixou nem eu e nem a professora entrar e judiaram muito dela, é tanto, tal, que ela não voltou, e aí a professora ficou muito tempo falando: “Puxa, se eu tivesse entrado, não tinha deixado”, eles judiaram muito dela pra poder pôr no lugar, porque ficou pro lado, e ela saiu de lá com aquele tempão e era horrível, porque tinha que respirar pela boa, foi horrível (risos). Mas nesse ponto eu acho que eu ficava mais de longe: “Não to aqui” (risos), mas protegia, de certa forma protegia.
P/1 – Como é que era a sua relação com os outros profissionais, com os professores?
R – Ah, muito bacana, porque eu sempre fui essa pessoa, assim, de muito acolhedora, então, por esse meu jeito de sempre ser mãezona, acho que abraçar, eu abraço, é tanto, tal, que os primeiros estagiários que eu peguei aqui, que hoje são pais de famílias aí, voltam aqui com os seus filhinhos, ai, eu, é um amor ver esse povo. Então a relação era muito boa, eu acho que em momento algum teve alguém que a relação não foi muito boa, porque sempre, assim, se acontecia alguma coisa a gente já tinha, na época a gente também tinha os profissionais de psicologia, que tinham supervisões com a gente. Então eu me, fazia parte desse grupo da coordenação, então eu entrava na supervisão com o psico uma vez por mês no grupo da coordenação, então lá nesses grupos tinham esses momentos de desabafo, o que foi bom, o que não foi, o que gostou, o que tá bom, o que não tá, então tentar se acertar, aqui foi uma relação muito bacana acho que todo esse tempo, não tenho do que reclamar, não.
P/1 – Você falou que depois mudou pro programa educação por esporte, seu filho acabou até desanimando um pouco, a sua filha, né? Que mudança foi essa, o que aconteceu, o que ficou diferente?
R – Nela?
P/1 – No programa, no projeto, você falou que com a educação pelo esporte as atividades mudaram.
R – Ah, porque daí acabou a modalidade específica, porque ela tinha paixão pela canoagem, então a canoagem acabou, não existe mais, o futebol acabou, não existia mais, mas, como todas as outras modalidades, basquete, handebol e futebol, mas ele tava ali presente, mas em conjunto. Aquele grupo que era do futebol, eles passaram a fazer todas as modalidades, como não ia mais pra raia, então ela, e teve acidente com ela, então ela desistiu mesmo em prol das duas coisas, não foi só uma coisa, que ela não se adaptou depois. Quando virou a educação pelo esporte, quem era do futebol ia fazer basquete também, quem era do basquete ia fazer futebol, basquete, handebol existe, só a canoagem que foi extinta mesmo, mas as outras modalidades estavam presentes em todos os grupos. Aí é que virou os grupos de oito a dez anos, 11 e 12, 13 e 14, 15 e 16, 17 até os 18, aí que teve essa mudança bem radical.
P/1 – Você sabe por que aconteceu essa mudança?
R – Porque o próprio programa, que é o Instituto Ayrton Senna, ele manteve o projeto por muitos anos, então essa mudança veio do próprio instituto, que daí eles queriam uma coisa mais ampla, não trabalhar só com modalidade específica, a mudança veio daí e que não foi ruim, não, foi bom.
P/1 – Como era a relação com o Instituto Ayrton Senna?
R – Quanto a mim?
P/1 – É.
R – Muito boa, porque, assim, como eram os professores, a coordenação maior que tinha mais todo esse envolvimento, mas eu tinha um envolvimento muito grande, porque o pagamento dos nossos estagiários vinha do instituto. Então esse dinheiro vinha pra reitoria, da reitora ele vinha pra tesouraria e qual era a minha relação com relação a isso? A frequência dos estagiários era na minha mesa, eu é que dava aquela controlada, você faltou, tem que trazer uma declaração do porquê você faltou, era eu que pegava esse pacote assinado pela coordenação, hoje é fechamento de folha, de correr atrás deles pra assinar, a coordenação assinar pra mim despachar pra diretoria. Então a minha relação sempre foi nesse sentido.
P/1 – Você comentou do dia que a Viviane Senna foi lá na São Remo, conta pra gente como é que foi. O que aconteceu?
R – Foi bacana, ela foi lá umas duas vezes, era, teve uma das visitas que ela, era uma matéria pra um revista, não lembro, americana, brasileira não era, era americana, então ela queria ir fazer visita a algumas famílias na comunidade e a comunidade escolhida foi a São Remo. Talvez a minha vinda para o Projeto Esporte e Talento também teve muita essa relação, porque a São Remo dominava as crianças aqui por ser perto, tá perto do campo, eles tinham o circular pra vir de graça, que hoje não tem mais, né, então o grupo da São Remo era grande, então foi a comunidade escolhida pra ela visitar. Foi muito bacana, foi um grupo de professores, foram com ela lá.
P/1 – Então foi antes de você trabalhar aqui?
R – Eu já estava aqui e daí, assim, a visita dela lá na comunidade foi fantástica, porque as pessoas reconheciam, dela parar na rua e tirar o bebezinho do braço da mãe e pegar e abraçar e ficar brincando, isso foi muito bacana. Nesse dia a gente esqueceu o carro aberto, porta aberta e o pessoal cuidando, muito bacana, e ela também, porque ela é uma pessoa muito simples, pode, ela parece e ela é, ela não só parece, ela é muito simples, então foi as visitas, as vezes que ela foi lá supertranquilo, muito bacana.
P/1 – A partir de que momento parou de existir esse apoio mais financeiro do Instituto Ayrton Senna?
R – A coordenação vai saber explicar melhor pra vocês, mas eles começaram também lá, o cronograma do instituto começou a mudar muito, então hoje a parceria com o instituto é mesmo só mais na parte tecnológica e deu pra sentir ainda bem forte ainda a relação, até por o projeto ter sido o primeiro dos 14 que se criou em todo o Brasil. O nosso é o pioneiro, foi o primogênito, né, vamos falar assim, e acabou, assim, essa relação com relação a dinheiro, pagar estagiário, porque foi-se crescendo os projetos, a demanda foi maior e a própria pró-reitoria de cultura e extensão da universidade abraçou como cultura, porque senão talvez o projeto nem estivesse mais aqui, porque projeto tem começo, meio e fim, esse não tem fim, 20 anos já, então por isso que nós estamos aqui, né? Então foi, acabou mais nesse sentido mesmo das próprias mudança lá do instituto, mas com certeza a coordenação vai explicar melhor, é um assunto que eu não domino muito, não.
P/1 – Você sabe quando surgiu o PRODHE, esse nome PRODHE?
R – Em 2009, começou a se procurar um jeito pra manutenção do projeto, pro PET, Esporte e Talento, não acabar, que ele é como, ele é o atendimento às crianças, por isso que agora são dois, e aí a gente aqui, nossas colegas de trabalho: “O PET acabou”, não, o projeto não acabou, ele tá aí, ele tem, ele tá presente no atendimento com a garotada com um número menor, são três coordenadores que estão em campo. A gente já teve oportunidade de ter nove bolsas, mas a gente não consegue estagiário da universidade pra ocupar essas nove bolsas, o semestre passado a gente tava com três, esse semestre, graças a Deus, semana que vem, vão seis pessoas, seis estagiários, graças a Deus, cruzando esses campos, trabalhando, dando atividade pra essa garotada, seis, de três foi pra seis, graças, mas ainda faltam três. A gente não consegue preencher, não sei se a demanda que é grande, mas esses estagiários que vêm, que trabalham com a gente aqui, eles têm uma bagagem que a faculdade, a universidade não dá, é tanto, tal, que se cria n projetos aí fora de estagiários que já saíram daqui, e com essa bagagem bacana que sai daqui. O projeto, mesmo com, a coordenação enxugou muito, mas a gente tá aí com uma qualidade muito bacana, então eu acho que é isso.
P/1 – O que é esse PRODHE, você pode dizer o que significa o nome, se você lembra da escolha do nome?
R – Lembro, porque foi muito engraçado, a gente brincou muito em várias conversas de reunião, porque, assim, PRODHE é um palavrão, Programa de Desenvolvimento Humano pelo Esporte, Kátia é a responsável por isso, Programa de Desenvolvimento Humano pelo Esporte para a manutenção, porque foi aí que a pró-reitoria de cultura abraçou como cultura e extensão mesmo, porque lá atrás a gente podia, quando o instituto mantinha, com verba pra pagar os estagiários, os estagiários eram de outras universidades, Mackenzie, o Mackenzie dominava aqui, da UNIBAN, tinha de outras universidades, mas o Mackenzie era dominador de estagiários aqui, pela qualidade. Daí, quando aconteceu isso, que diminui essa verba, diminui os estagiários, não se pode mais admitir estagiário de outras universidades, só da própria universidade USP, então aí que se deu essa loucura de procurar outras coisas pra ter essa manutenção do programa e aí surgiu esse nome, PRODHE, parece um palavrão, mas não é, é pra manutenção mesmo na parte tecnológica mesmo, e aí onde o instituto também entra ainda com essa sua parceria.
P/1 – Esses estagiários são de graduação? Tem algum curso específico? Como é que é essa procura?
R – Educação Física, Pedagogia e Psicologia, mas já passaram estagiários da universidade USP aqui que são da ECA, a gente teve também, e tem ainda, que é isso que a gente chama de Espalhando Tecnologia, que são de outras áreas. A gente já teve um da FFLCH, o curso dele.
P/1 – A gente tava falando sobre a escolha desses estagiários, que agora são só dentro da universidade, você tava comentando um pouco dos cursos que eles fazem parte.
R – Que são dessas áreas, Educação Física, Pedagogia e Psicologia, mas também já tivemos também dessas outras áreas, que foi da ECA, a gente teve um estagiário muito bacana, que ele até criou umas coisas muito bacanas, que ainda tem, que hoje é um espaço que a gente nem usa mais, mas a marca dele ainda tá lá, na sala de leitura tem aquelas identificações, era de um estagiário da ECA, eu não lembro especificamente qual era o curso dele da ECA, mas voltado pra desenho. Então a gente tem, mas a área que domina mesmo é a Educação Física.
P/1 – Como é que é pra você ver esses estagiários que passaram um tempo com vocês depois desenvolvendo projetos com o que aprenderam aqui?
R – Eles voltam sempre pra beber água, não tem jeito, hoje mesmo eu cheguei tinha uma me esperando só pra me dar um oi (risos), mas ela veio também porque ela precisava de uns, assinar uns documentos. A relação se cria assim, muito bacana, hoje a gente se encontra é festa, não tem jeito (risos).
P/1 – Remédios, desde que mudou, que virou PRODHE, pra hoje, atualmente, houveram muitas mudanças ou o programa continua mais ou menos da mesma forma?
R – Não, as mudanças foram grandes, inclusive, no número de crianças que se atende hoje, de crianças e adolescentes, o número enxugou muito, porque também é o que a gente, é o que dá pra ser atendido, isso já é uma mudança radical. Por isso que se tem essa coisa, essa fala: “Ah, o projeto acabou”, “Não”, “Ah, mas eu não vejo mais criança”, sim, há anos atrás eram 300 crianças que circulavam aqui nos dois períodos, hoje você vê, o grupo da manhã tem 25 crianças, mas estamos aqui, tá aqui, e o trabalho que é feito com essas 25 crianças é um trabalho com qualidade, não é um trabalho qualquer, elas se doam, os professores e estagiários se doam pra isso. É tanto, tal, que você vê um estagiário que chega, passa por uma semana de capacitação, na outra semana as crianças já tão aqui, eles já são capazes de ir pro campo sozinhos, sem o educador, no mínimo o educador tá ali mais ou menos por perto pra dar um suporte, mas eles são capazes de dar conta e essa bagagem que esses estagiários levam daqui é uma bagagem boa, com qualidade e riquíssima pra eles, eu caracterizo assim.
P/1 – Quais são essas atividades que são oferecidas pras crianças hoje?
R – Como teve essa mudança de não ser mais a modalidade específica, então os de oito e dez anos a gente costuma chamar a iniciação, porque os pais também ligam perguntando: “Quero saber o que o meu filho vai fazer aí”, mesmo ele sendo chamado pra reunião. No dia da matrícula eles tem um, são três folhas lá com várias perguntas, onde eles assinam, tem a reuniãozinha exatamente pra isso, pra orientar o que o seu filho tá fazendo aqui, mas às vezes eles já ligam pra perguntar: “O que o meu filho, o que que vai fazer aí?”. Então a criança vem não só pra jogar bola, ele vem pra fazer n coisas, tem uns teste que a Suzana faz com eles, com os menores, que é o teste de equilíbrio. O que isso tem a ver com esporte? Tem, equilíbrio, vai andar em cima da madeira equilibrando, vai pra frente, volta pra trás, pular altura, então isso parece que não é esporte, mas é. Então quando você fala da, que eles, iniciação, eles passam por várias coisas que é interessante pro desenvolvimento do seu corpo, principalmente os de dez, de oito a dez anos, então eu acho que tá dentro de tudo isso.
P/1 – Antes você havia dito pra gente que a escolha era meio por teste, né, como é que é hoje em dia?
R – No início era, hoje, aí teve um outro período, que era mais o socioeconômico que tava ali, depois do socioeconômico, agora as escolhas é por vaga no grupo, por exemplo, a escola particular não podia se inscrever, hoje até a gente tem garotos, pouquíssimos, mas tem alguns casos. A escolha hoje é assim, é vaga no grupo e hoje, assim, a coordenação tá tomando um pouco de cuidado quando vai chamar a garotada que compõe o grupo dos mais velhos, que é dos 13 aos 17 anos, um cuidado do garoto ou a garota vir junto pra dizer: “É isso mesmo que você quer?”. As modalidades, é o grupo que escolhe as modalidades que querem fazer no semestre, é esse grupo que a gente considera o grupo dos mais velhos, de 13 a 17 anos, então eles vão escolher três modalidades por semestre, o basquete, o handebol, o futebol, ah, beleza, e aí vai pra votação e tem essas escolhas. Eles já têm essa autonomia de, junto com o professor, escolher o que eles querem fazer durante aquele semestre e, se aparecer outras, vai pra votação.
P/1 – Mas essa questão da vaga no grupo, qualquer criança pode tentar se candidatar?
R – Sim, sim, independente hoje de ser da região ou não, porque também teve lá naquele período que a escolha era tanto por teste, teste, minto, o teste também abrangia outras regiões, quando foi do socioeconômico, era das escolas públicas. Então precisava a criança ser da escola pública da região, então toda essa região aqui, eram, na época, eram 22 escolas, ainda continua essas escolas, que no período de inscrição, como, por exemplo, agora em outubro, última semana pra primeira de novembro, é o período que eles se inscrevem. Eu ainda saio pras escolas e vou levar a divulgação, mas eles podem, hoje eles já podem fazer pelo site, porque era, teve um período que a ficha ia pra escola. E daí o que se identificou nisso? Foi uma coisa que a coordenação tomou cuidado, era escolhido aquele que era bonzinho na sala de aula, então aí se tirou da escola, trouxemos pra cá, vai ser a divulgação pra escola e o familiar vinha fazer a inscrição aqui. Aí agora, com o avanço da tecnologia, graças, né, é feito pelo site, então eles fazem pelo site, a escolha deles é se tem vaga no grupo que ele vai compor.
P/1 – Você comentou dessa sua ida às escolas pra fazer a divulgação, fala um pouco pra gente das suas atividades hoje no projeto. Mudou muita coisa, o que você faz hoje? Qual é a sua rotina do dia a dia?
R – Vai mudando e muda muito, porque hoje é mais aquela correria, eu sou um bicho do mato com o computador (risos), agora, agora que eu to aprendendo a mexer, eu não tinha computador ali na recepção, em outubro do ano passado, que vai fazer um ano (risos), que veio aquele pequenininho. Eu falei: “Não tem problema”, dando pra eu mexer nas coisas mais básicas, que é fazer um pedido de almoxarifado, que é tudo pelo sistema, é entrada e saída de um processo, que é tudo na minha responsa, então algumas coisinhas vai aumentando. E agora eu to num processo, as meninas até brincaram comigo: “Aê, beleza, aê”, eu comecei a digitar todas as fichas de todo mundo que já passou por aqui, aí desde aquele que começou no projeto lá em 95, eu to em quem nasceu agora em 92 (risos), mas eu chego lá no final. Essas mudanças são grandes, pode não lembrar de algumas.
P/1 – Com relação ao PRODHE, ao programa em sim, quais você acha que são os maiores desafios aí pro futuro? Quais são os planos? Tem algum projeto pra acontecer? Como é que tá?
R – O projeto, ele tem crescido muito, tanto aqui, eu digo, tanto aqui dentro como fora do Brasil, nós temos a Professora Paula, que é quem faz esse intercâmbio com outros países, inclusive há uns dois meses, em junho, estamos em julho, em junho ela ficou duas semanas fora, na França, ela dando as palestras, levando o projeto pra fora. Então, assim, tem outras coisas que tão acontecendo aí, então o projeto, ele tá crescendo muito com ligação com outras redes e eu acho que é nosso caminho mesmo, tem bem a cara do projeto. Isso traz um enriquecimento tanto pro CEPEUSP como pra a reitoria, como pro Estado de São Paulo, aí leva junto todo mundo.
P/1 – Como você se sente em fazer parte de tudo isso?
R – Eu me sinto privilegiada, pelo grau de estudo que eu tinha quando eu vim pra cá, vindo de uma, da roça, de cidades pequenas, de Nordeste pra essa cidade grande, e hoje eu estar aqui, trabalhando na área administrativa, com essa coordenação que leva esse nome bonito, que tem a marca do Ayrton Senna, eu só tenho a dizer que eu me sinto e sou privilegiada. E aqui é uma faculdade, que eu não tive oportunidade de fazer, né, e por n coisas, não é nem talvez só condições, mas talvez por outras, as condições não é talvez só em dinheiro, ah, pagar uma faculdade, porque na USP jamais eu entraria, né, mas é por deficiência. Eu costumo dizer, a minha deficiência está em não ter sido alfabetizada no tempo certo, na hora certa, mas não, me sinto uma pessoa privilegiada por não ter, me sentir pequena, eu sou pequena no tamanho, mas eu sou grande (risos), eu sou privilegiada aqui, aqui é um lugar que é muito bacana de trabalhar.
P/1 – Agora vamos voltar pra você, eu quero que você me diga o que você gosta de fazer quando você não tá trabalhando.
R – Eu repito, posso repetir? Você quer saber? Lucas, a minha vida, ela não se baseia só, em primeiro lugar, a minha família, né, com os meus filhos, fiquei viúva há sete anos, tive muito medo, insegurança de não dar conta do recado, porque a Raquel, ainda ela tava fazendo o curso de Auxiliar de Enfermagem, o Reginaldo entrando na faculdade. No dia que a gente tava saindo à noite, oito horas da noite, pra velar o pai, ele olhando lá no sistema e falou: “Mãe, eu fui aprovado”, ele fez Mackenzie, né, eu falei: “Filho, vai dar tudo certo, o pai tá feliz do mesmo jeito, vamos que o carro tá esperando a gente pra ir pro cemitério, se não a funerária chega primeiro do que a gente, a gente não pode deixar isso acontecer”, essa loucura toda. Me senti um peixe fora d’água, mas depois achei o chão, o pé fora do chão, mas eu achei de novo, e fui tocando o barco junto com eles, não deixei a peteca cair, o trabalho me fortaleceu, as crianças me fortaleceram e to levando. Acho que eu perdi a pergunta.
P/1 – Tudo bem. Você até comentou da sua atuação junto com a igreja, eu queria que você falasse um pouco mais, de onde vem isso?
R – E aí aqui falar um pouco de família, agora, comunidade, a comunidade me consome um pouco, mas eu também, em primeiro lugar minha família, comunidade, trabalho, por eu ter vindo cedo pra essa comunidade na qual eu ainda moro até hoje, se criou um cultura, porque eu já vinha disso do Piauí, de comunidade, igreja, paróquia. Quando eu cheguei na São Remo, eu cheguei num domingo, no outro domingo eu já tava dentro da igreja e na mesma semana eu já tava dentro das casas rezando terço com um grupo, que era pequenininho, a comunidade pequenininha, e fomos levando essa coisa gostosa da visita. Isso foi se caracterizando uma coisa muito bacana, que isso ainda acontece até hoje, Lucas, visita às famílias, quando a pessoa chega, muitos, mas muitos nordestinos nestas comunidades, como hoje à comunidade chega também gente de outros países, como os bolivianos, como já teve gente de Estados Unidos, moraram na São Remo, tudo isso. Eles procuram quem já tá, lideranças, não me considero como uma líder da comunidades, não, mas vai criando essa característica das pessoas te procurarem pra ajuda mesmo, e ajudas em todos os sentidos que você pode imaginar, desde a conversa até um colchão velho pra dormir, uma cama velha, um fogão velho. É tanto, tal, que a comunidade, muita gente, comprou um fogãozinho novo, leva o velhinho pra igreja, você junta dois, três, quando dá fé, não tem mais nenhum, porque as pessoas te procuram, então eu tenho também essa coisa na comunidade. Isso é um trabalho que a gente faz voluntário, que nos faz muito bem, e meus filhos também são assim, a gente tem a Pastoral da Criança, que foi criado. Vocês conhecem a Pastoral da Criança? Que foi criada pela Doutora Zilda, que também já não está mais entre nós, né, e a gente atende na comunidade, criança que você, o líder às vezes vai na casa da mãe ajudar a lavar fraldinha, que não sabe lavar, porque não é todo mundo que tem dinheiro pra comprar uma fralda descartável, ainda tem famílias que usam a fralda de pano, por necessidade mesmo, não que gostaria, porque tem preguiça de lavar. Então a Pastoral da Criança, isso é uma coisa que a gente faz, a gente todo mês, no segundo sábado do mês, a gente tem a pesagem dessas crianças, que são 135, tem umas grávidas que tão para ganhar, aí esse número aumenta, quando a criança faz seis anos ela deixa de existir na Pastoral da Criança, com ficha, mas ela continua ali junto com a família e a gente faz a pesagem dessas crianças e dá um lanche e os líderes têm um papel também de visitar as famílias em casa. Se a gente identifica uma família que não tem o que comer, a gente solicita à comunidade e a comunidade sempre ajuda, então eu também tenho essa mão de obra lá e é um trabalho gratuito, assim, que são voluntários que são muito bacanas.
P/1 – Um tema que não dá pra gente fugir: esporte. Você gosta de algum esporte em específico? Você já chegou a praticar alguma coisa? O que você gosta de assistir?
R – Futebol eu não gostava muito, não, mas agora eu gosto mais ou menos, mas não tenho um time, ah, meu time, não, não tenho meu time, é caminhada, eu sempre gostei muito de caminhada, eu faço atividade aqui há uns nove anos. agora eu tô na musculação, faço musculação, aí, como eu tenho uma meia hora só de musculação, eu vou todos os dias, de segunda a sexta, hoje eu não fui, mas eu faço todos os dias. Assim, um esporte específico eu acho que não, se eu for pegar, é um pouquinho de cada um, mas a caminhada pra mim é, eu venho da São Remo a pé trabalhar muitas e muitas vezes, mas agora vou comprar uma bicicleta, começar a andar de bicicleta, que eu adoro.
P/1 – Agora uma difícil, Remédios. Fala pra mim qual é o seu maior sonho, você tem um sonho, alguma coisa que você queira muito realizar, qual é o seu maior sonho hoje?
R – Tenho, já to trabalhando pra isso, ter talvez a minha casa, a minha casa própria, aonde eu posso pagar o meu imposto, a minha água e luz eu pago, a casa onde eu moro hoje, ela, nós compramos e pagamos, mas o terreno não é nosso, são terrenos cedidos, que a gente, até hoje a gente não sabe se é do Estado, se é da USP, se é do Federal, a gente não sabe de quem é o terreno hoje que mora essa comunidade São Remo. Mas um sonho mesmo que eu tenho hoje, que eu torço e trabalho pra isso, pra realizar, é a casa própria, e que é o sonho dos meus filhos também, pra onde eu for eu levo tudo (risos).
P/1 – Como é que é a Remédios vó?
R – A Remédios vó é muito coruja, porque meu neto é um tesouro.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – Ele é muito especial, é Pedro, ele começou a andar com 11 meses, esse menino com dez meses já chamava papai e mamãe, ele é muito danado, é elétrico que nem a avó. Ontem a gente, ele tem quatro anos, ele fez quatro anos em abril, e pra sorte dele ainda nasceu no dia do Tiradentes, ele desocupava uma cadeira, porque a gente fecha a rua, fechamos a rua pra quermesse, mas qualquer evento lá a gente fecha a rua, e ele já recolhendo as cadeiras pra guardar, ele quer ajudar, ele pega a vassoura, ele vai juntar um papel que ele vê no chão, ele não gosta de nada fora do lugar, é muito a mim, puxou a mim, eu falei: “Não é filho do meu filho” (risos). A Remédios como vó eu sou coruja, corujona mesmo, e talvez canguru.
P/1 – O que você achou de contar a sua história, contar um pouquinho da sua história aqui pra gente?
R – Ah, é muito bacana, porque, assim... Você falava de como é?
P/1 – Como foi pra você contar um pouco da sua história pra gente?
R – Olha, muito bacana, espero ter ajudado vocês em alguma coisa, porque não é pra qualquer um, me senti muito honrada até, assim: “É você”, “Não, tem mais pais aí”, “Não, mas você também é funcionária”, eu falei: “Não, mas chama outras pessoas, tem outras pessoas bacanas e tal”, “Não, mas vamos você”. Dentro das fotos que eu trouxe, tem, teve uma época que o CEPE, ele fazia entrevista uma vez por mês, eles faziam o Informe CEPE, e aí chegaram até mim, mas aí pena que acabou, mas tinha o Informe CEPE, era entrevistar um funcionário, contar um pouquinho da sua história, e lá tem um pouquinho do resumo da minha história, tem algo mais, talvez sirva pra você. Mas fazer essa conversa com vocês, esse bate papo é muito bacana e muito rico, caracterizava assim, muito obrigada mesmo por vocês me aturarem aqui com essa loucura.
P/1 – Então tá certo, Remédios, em nome do Museu da Pessoa, do PRODHE e do Instituto Ayrton Senna, eu agradeço muito a sua participação.
R – Mas aí eu que agradeço, fico feliz por vocês também, em poder ajudar.