Nesta entrevista, Emílio nos conta a respeito de sua família e de suas raízes em Portugal, onde cresceu e passou sua infância até os 8 anos. Depois, ouvimos muito sobre sua viagem para São Paulo e a vida na capital. Sabemos sobre seu cotidiano na escola, sua juventude, os bailes, a presença da Jovem Guarda e o clima volátil da ditadura militar que cercava os jovens na época. Emílio nos fala sobre sua paixão pelo esporte, o trabalho no restaurante de seu pai e sua relação com a USP, onde entrou em 1974. A partir daí, ouvimos sobre a Escola de Educação Física e Esporte e o Centro de Práticas Esportivas, lugar onde é diretor atualmente. Por fim, Emílio nos conta sobre a formação do Projeto Esporte Talento, o seu casamento, seus filhos e seus sonhos para o futuro.
20 Anos do Projeto Esporte Talento (PET)
Para além do CEPEUSP
História de Emílio Antônio Miranda
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 17/09/2015 por Lucas Torigoe
P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Você pode falar pra gente o seu nome completo, sua data de nascimento e onde você nasceu?
R – Bom, Emílio Antonio Miranda. Nasci dia 30 de novembro de 1948. Eu nasci em Portugal, Bragança e agora estou aqui (risos).
P/1 – E o seu pai, você pode fazer o mesmo?
R – Você quer o nome dele?
P/1 – Sim, nome, onde nasceu.
R – Augusto Manuel Miranda. Também nasceu em Portugal. Minha mãe, Maria da Conceição Afonso, também nasceu em Portugal. Os dois casaram lá e migraram para o Brasil, meu pai veio em 54 e nós viemos em 56.
P/1 – E os seus pais, o que eles faziam em Portugal?
R – Meu pai em Portugal era marceneiro, minha mãe era do lar, e quando vieram para o Brasil acabaram entrando em comércio, como naquela época praticamente todo imigrante fazia, trabalhar em comércio. No caso era padaria, restaurante, essa área.
P/1 – Eles moravam onde lá em Portugal?
R – Bragança.
P/1 – Bragança. Bragança mesmo.
R – Bragança. Lá no norte, uma região que chama Trás-os-montes.
P/1 – Eles se conheceram como? Você sabe a história?
R – Olha, meu pai e a minha mãe é um caso muito interessante porque Bragança que é o concelho, que nem se fosse um estado, e nasceram numa aldeia do lado, bem perto. Eles têm uma diferença de um ano, então praticamente se conheceram quando nasceram porque moravam praticamente um ao lado do outro. Então a vida deles, inteira, foram juntos. Assim que nasceram se conheceram, estudaram sempre juntos na mesma escola, cresceram, namoraram, casaram, vieram pro Brasil, tiveram filhos. E assim, meu pai faleceu faz dois anos só.
PAUSA
P/1 – Você estava falando dos seus pais, como eles se conheceram.
R – Meus pais viveram praticamente a vida inteira juntos, meu pai faleceu faz dois anos. E assim, meu pai e a minha mãe é um caso muito interessante porque praticamente desde que nasceram eles estão juntos. Minha mãe ainda está viva, mas ela faz aniversário, hoje é 28?
P/1 – Hoje é 28.
R – Ela faz aniversário hoje, dia 28. Fim de semana a gente vai pra lá, toda a família. Viveram sempre juntos, trabalharam sempre juntos, é um caso muito interessante.
P/1 – A família dele como é que era? Você sabe?
R – Do meu pai?Do meu pai, o meu pai era o caçula, tinha mais três irmãos. Esses todos ficaram lá em Portugal, não imigraram. Um deles, inclusive, é meu padrinho. Um é alfaiate, o outro era agricultor, tinha coisas de vinho, essas coisas assim e o outro era carpinteiro. Que o meu avô por parte do meu pai trabalhava com marcenaria também e tinha o que a gente chamava vinhas, onde você planta uvas e fazia vinho, essas coisas. É um pouco de agricultura mas de pequeno porte.
P/1 – E a família da sua mãe?
R – Então, a minha mãe, minha avó, no caso a mãe dela também era do lugar, ela trabalhava junto com o marido dela que também tinha alguma coisa. E migraram também pro Brasil. Vieram pro Brasil, mas minha mãe já era casada, quer dizer, a minha mãe veio antes deles. Aí acabaram também vindo todos pra cá, a família inteira por parte da minha mãe veio, então ela e mais quatro irmãs e dois irmãos, a família já maior do que a nossa. E todos moram aqui no Brasil.
P/1 – Todos moram.
R – Meus avós já faleceram, os dois. E da parte do meu pai também, óbvio.
P/1 – E como é que foi crescer lá em Bragança?
R – Olha, eu cresci lá até os sete anos. Eu lembro bem daquela região, garotinho. A lembrança que eu tenho é maravilhosa porque, como eu disse, é uma aldeia perto de Bragança, pra mim era uma coisa muito grande, enorme, achava. E eu voltei lá depois de 40 anos, quando eu fiz 40 anos eu voltei e aí que eu vi que o negócio era pequeno, né? (risos) A ideia que você tem quando é criança é uma coisa. Pra mim, aquela região lá é muito bonita, tem montes, tem rios, lagoas, lagos, pra mim aquilo, o rio eu achava uma enormidade; a hora que eu cheguei lá: “Pô, mas é um córrego”. Mas quando criança é diferente. A imagem que eu tenho da minha infância lá, inclusive, eu ainda convivi um pouquinho com o meu pai, né, porque quando tinha quatro, cinco anos ele veio embora. Então lembro bem, graças a Deus eu memorizei muito essas fases. Fui na escola, ia na escola, às vezes com calor, com inverno, debaixo de neve porque neva lá no inverno. Eu tenho boas lembranças lá de brincadeiras com meus primos...
P/1 – Vocês brincavam.
R – Muito, muito. Porque a vida era ao livre, lá você não tinha restrição a nada, né? Tanto você brincar, quando era verão ir pra água, ou então você andar pelos prados, que a gente chamava, as áreas, de você ir pegar castanha, que lá dá muita castanha, pegar passarinho, essas brincadeiras de criança. Porque você não tinha restrição a nada, né? O espaço era livre.
P/1 – Vocês brincavam mais do que lá?
R – Brincadeira mais em relação à natureza, viu? Muito mais em relação à natureza. Não tinha nada de coisa mecânica, nada, era natureza. Eu lembro que meu pai tinha cachorro, ia com o cachorro. Tinha, a gente chamava de mula, também ia, andava com eles. Lá naquela época você não tinha leite de vaca, era leite de cabra. Eu lembro muito de ir lá na cabra e tirar leite pra beber. Deu vontade de tomar leite, vou lá e tiro o leite da cabra. Essas coisas de brincadeira, que você tinha de criança normal.
P/1 – E como era a sua casa, você se lembra?
R – Lembro. Uma casa muito, muito antiga, de pedra ainda, era de pedra. Até hoje ela está em pé, tem uns cento e poucos anos, aquelas casas antigas que faziam com pedras sobrepostas. Eu lembro que embaixo tinha um grande sótão onde o pessoal guardava mantimentos para o inverno. Então guardava batata, embutidos, o pessoal guardava tudo. Quando é inverno ali, novembro até fevereiro, março, principalmente dezembro a fevereiro é muito frio.
P/1 – Neva, você falou.
R – Neva. Você não consegue fazer nada. Depois tinha uma escadona lá, era assobradada. Era comum naquela época você ter, a gente fala hoje lareira, que é sofisticado, mas lá não, era obrigado a ter, obrigado por causa do frio. Então embaixo também se guardava madeira, todas essas coisas.
P/1 – Tinha quintal lá?
R – Ah tinha. O que mais tinha lá era quintal (risos). Era muito espaçoso. E eu morava muito assim, todos familiares eram muito próximos porque era muito pequeno, então morava perto do meu avô, ia na casa do meu avô, minha avó, meus outros primos, então a gente convivia muito ali com os amigos.
P/1 – Vocês faziam festa lá?
R – Lá tem festas tradicionais.
P/1 – Conta pra gente.
R – Uma delas que a gente fala que é na Cruz, Cruz é a praça que tinha em frente à igreja e tem uma cruz, essa que eu achava que era um negócio, uma Praça da Sé, mas na verdade é um negócio pequeno. E tem as festas, eu não vou saber dizer a que elas se reportam mas lá é muito tradicional fazer festas conforme as épocas. Santo Antônio é muito forte, que é uma população muito católica. Tem uma outra que chama São Bartolomeu, que é que nem se fosse pra nós aqui, era quase uma semana de festas que é onde tem a colheita, essas coisas, então o pessoal agradece. E outras, tem outras aldeias perto que você também acabava indo. Onde eu nasci também, em Bragança, não é muito longe da Espanha, é quase perto da fronteira com a Espanha, então às vezes a gente ia lá. Eu lembro que a primeira vez que eu levei um susto, que era muito comum, foi logo pós-guerra, então tinha muito problema de material, de calçados. E a Espanha tinha calçados que lá não tinha e eu e meus pais, fomos lá pra festa e eles compraram pra mim os brinquedos e um calçado. E na volta tinha guarda da fronteira e eu criança não sabia, o guarda lá: “O que você tem, o que você está levando?”, e eu todo com medo, né, aí eu falei isso e ele: “Então vou pegar”, eu: “Não tira que eu ganhei”. Na brincadeira, porque ele era primo do meu pai, então pra brincar, tal. Mas era muito comum nessa época você fazia isso, você acabava interagindo com outras culturas. Naquela época a gente já ia. Então eu convivi muito com essa questão da Espanha quando criança, ia pra lá, vinha pra cá. E esse tipo de festividade antigamente era muito comum nas aldeias, algumas mais tradicionais.
P/1 – E que outras aldeias? Você chegou a viajar bastante lá, você falou.
R – Mas tudo pequeno, é Outeiro, é Régua, eu não sei direito hoje mais os nomes, mas são tudo assim. Porque Portugal é um país pequeno e as coisas são muito perto uma da outra, né? Então se você for viajar pra Portugal, que aliás eu aconselho, você pega um carro, você está 30 quilômetros está numa, 40 na outra, 20. E é um país que é muito homogêneo, não tem muitas diferenças. Um pouquinho mais do Norte pro Sul, um pouquinho no meio, mas isso é mais de hábitos, não de cultura.
P/1 – Você praticava algum esporte lá?
R – Não, não.
P/1 – Só brincava mesmo.
R – Só brincadeira mesmo, brincadeira. O que eu me lembro assim, talvez, que eu tenha brincado é futebol. Mas futebol é de criação porque eu tinha seis, sete anos.
P/1 – Você tinha irmão?
R – Eu tenho, tenho um irmão. Eu sou o mais velho. Eu tenho um irmão e depois mais duas irmãs.
P/1 – E vocês brincavam juntos, você saía?
R – Mais com o meu irmão, a gente tem diferença de dois anos. As minhas irmãs foram bem mais novas, não cheguei a brincar muito com elas.
P/1 – E como é que era a escola lá em Portugal?
R – A escola, é que naquela época você tinha o primário só. E você tinha uma professora e ela dava aula pra todos da primeira à quarta série. Tinha pouca criança, então você tinha aula junto com todo mundo. Eu só fiz o primeiro ano lá, quando passei pro segundo vim pra cá, pro Brasil.
P/1 – Então não tem muitas lembranças da escola mesmo, né?
R – Ah, pouca, pouca. Eu lembro de ir pra escola, que eu ia. E pra mim, o que mais me chamou sempre a atenção é ir pra escola no frio, porque as férias escolares são em julho e agosto, que é quando é muito calor, e depois você não tem férias. Eu lembro que na época de inverno, que eu ia pra escola eu ia bem no frio, andar na neve, essas coisas assim.
P/1 – E você gostava?
R – Adorava. Pô, pra garotada era uma delícia a neve. Você brincava, aprontava mil e uma. Era muito gostoso. Eu sempre gostei muito de escola, então nunca tive restrição a ir pra escola.
P/1 – Entendi. E por que vocês vieram pro Brasil? Primeiro o seu pai e depois...
R – Eles vieram por causa da questão da crise econômica naquela época. Logo no pós-guerra a Europa estava arrebentada. Tanto Portugal, Espanha, Itália, acho que talvez foi a segunda onda imigratória da Europa. E o pessoal jovem não tinha muita oportunidade lá. Época de ditadura, uma série de coisas. E meu pai tinha ido pro exército, assim que ele saiu do exército, como os primos dele já tinham vindo pro Brasil, aí começaram a falar: “Olha, aqui é melhor, aqui está bom”. Lógico, ele tinha 17 pra 18 anos, veio embora.
P/1 – Foi novo então.
R – Ah, ele veio embora, com 18 anos ele veio pra cá. Eles casaram novos, com 17 anos.
P/1 – E só tinha você de filho.
R – Eu e meu irmão. E quando meu pai veio embora a minha mãe estava grávida da minha irmã. Tanto é que quando ela chegou aqui ela chegou com dois anos e pouco. Nossa, pra ela, ela não conhecia o pai, né? (risos)
P/1 – E você se lembra de alguma outra história que te marcou nessa época de Portugal ainda, com sete anos?
R – Olha, que eu lembro foi de sair lá de onde eu nasci e nós viemos pra Lisboa, porque nós pegamos o navio em Lisboa. Pra mim era tudo novidade, andar de trem, um negócio, nossa, uma aventura. Viemos de Bragança pro Porto, aí do Porto pra Lisboa.
P/1 – Bragança é mais ao norte que Porto, né?
R – Bem no norte, é.
P/1 – Perto de Santiago de Compostela?
R – Não, mais pra cá, mais pra dentro aqui. Santiago é mais Braga, você subindo, é mais para o lado esquerdo, quase interior mesmo do país.
P/1 – E vocês pegaram trem, foram pra Lisboa?
R – É, em Lisboa nós ficamos lá porque a minha mãe tem uma prima lá, que aliás está lá até hoje, então nós ficamos lá uns três, quatro dias, acho, antes de pegar o navio pro Brasil. Foram 11 dias de viagem.
P/1 – Como é que foi essa viagem?
R – Olha, pra mim foi maravilhosa, eu me divertia bastante, nunca tive enjoo, nem nada. O que minha mãe conta de algumas coisas é que pra mim navio foi uma festa. E descemos em Santos. Essas coisas que ficaram marcadas, de você sair de um lugar pequeno e de repente você estar em Lisboa, que já era uma grande cidade, diferente, gente, as pessoas. Eu, por exemplo, nunca tinha visto um negro na minha vida, aí com sete anos eu vi um negro, então me chamou a atenção. Aquela curiosidade de criança: “Por que?”. Então algumas coisas assim que você foi descobrindo aos poucos. Essa viagem também foi legal, não tem problemas.
P/1 – Vocês dormiram em beliches?
R – Não, não, eram quartos. Naquele tempo já eram navios bons. Inclusive eram navios portugueses, acho que eram portugueses, nem lembro. Não, italiano. O que nós viemos é italiano. Mas bem com quartos, com alimentação boa, sem problemas. Bem seguro.
P/1 – Em Santos o que aconteceu?
R – Aí em Santos o meu pai já estava esperando a gente lá, tudo. Aí uma coisa também muito legal que a gente veio de trem pra cá, porque não tinha ônibus que nem hoje, carro. Então você tinha a questão do trem, do trem que vinha de Santos, subia ali Paranapiacaba e depois a gente descia na estação da Luz, acho que é estação da Luz.
P/1 – Na época tinha um trem, então.
R – Trem, um trem normal, sempre tinha um trem pra São Paulo de Santos. E era um trem que era muito usado, tudo se usava, né? Você viajava ou pra Santos, ou mesmo lá pro litoral. Acho que até os 18 anos eu ainda fui pra Santos de trem. Eu ia pra Mongaguá de trem, pegava ali na Luz e íamos de trem pra lá. Hoje eu vou pro litoral ainda e não tem mais, infelizmente.
P/1 – E você se lembra o que você sentiu quando você viu o Brasil assim: “Estamos chegando em Santos”.
R – Ah, pra mim foi... Porque antes de vir pra Santos passou no Rio, só que nós não desembarcamos, algumas pessoas desembarcaram no Rio também. E pra mim aquilo, nossa. Acho que não tinha nem ideia onde eu estava, o que eu estava fazendo. Mas era um negócio descomunal, grande, tudo grande, tudo grande. Então pra mim era tudo descoberta. O impacto que talvez tenha me causado é não só o tamanho da cidade, mas o tipo de pessoas porque eu estava acostumado a conviver com aquele grupinho todo dia, de repente você vê um negócio. E a gente foi morar na Vila Guilherme, que era um reduto português naquela época, Vila Maria, Vila Guilherme. E a coisa é enorme, pra você se locomover já era tudo longe. Pra mim que saía de casa, atravessava a rua e estava nos meus avós, nos meus primos, aqui tinha que pegar ônibus pra visitar, então essa coisa que me causou um pouco de impacto. E a escola.
P/1 – Escola aqui em São Paulo?
R – Escola aqui em São Paulo.
P/1 – Como é que foi?
R – Então, no primeiro ano, que eu tinha feito o primeiro ano, eu passei pro segundo, chegou aqui eu tive que voltar pro primeiro. Eu acho que já naquela época o ensino lá já era um pouco mais puxado que aqui, tanto é que no primeiro ano que eu fiz aqui eu não tinha, chamaram minha mãe lá umas três, quatro vezes porque eu não me interessava. Porque imagina, ficava lá fazendo uns negocinhos, tudo e eu já sabia ler e escrever. Aí começar a alfabetizar? Ai só depois do segundo ano em diante que eu embalei. Aí por causa da escola, que era uma escola muito boa ali no Pari, que era ligada à Igreja Santo Antônio do Pari, dos franciscanos. Era um ambiente muito gostoso pra gente, sabe? A escola era legal, os professores, isso acho que também me animou.
P/1 – Você estudou nessa escola até quando?
R – Até fazer o... naquela época tinha o quinto ano que você fazia admissão pro ginásio, eu estudei lá até. Porque assim, quando meus pais me colocaram, colocaram numa escola estadual, aí não deu certo. E antigamente tinha três períodos, um acho que era das sete às onze, das onze às três ou às duas e depois tinha outro até às cinco. Me colocaram justamente das onze às três e eu tenho problema até hoje, se você quer fazer alguma coisa que eu não produza me dá nesse horário (risos), incrível. Eu levanto cedo, não tenho preguiça, faço, das quatro em diante também trabalho legal, nesse período de almoço não.. Minha mãe fala que eu dormia na aula. Aí quando fui pra essa outra escola não, porque eu ia de manhã, das sete ao meio-dia.
P/1 – Aí melhorou pra você?
R – Nossa! E o tipo de escola era diferente.
P/1 – Como é que era?
R – Era uma escola onde os padres, era um convênio dos padres com o Estado, quem pagava os professores era o Estado, mas o espaço, você tinha quadra pra jogar bola, tinha cinema pra assistir filme, tinha aula de religião. Eles faziam um clima tão gostoso que você gostava de ir na escola, entendeu? O grupo, também tive sorte da classe ser legal, professores também eram bons, os companheiros eram legais.
P/1 – Algum professor te marcou nessa escola?
R – Olha, a que marcou mais foi a da quarta série, que inclusive depois ela me deu aula também no quinto ano. É uma professora muito simpática com os alunos, tinha paciência, foi uma professora que me marcou bastante.Me arrumou o primeiro emprego, inclusive (risos), de office-boy porque o marido dela era advogado, aí quando eu comecei já com 13 anos, aí fui trabalhar.
P/1 – Você se lembra o nome dela?
R – Puta rapaz, não lembro mais não, não lembro.
P/1 – Não tem problema. E você falou que tinha cinema lá, vocês assistiam filmes?
R – Tinha, tinha cinema. E eu sempre gostei muito de filme, até hoje eu gosto. E os padres estimulavam muito você a participar das atividades. Então eu fui coroinha de lá enquanto estudei lá, até os 13 anos. Participava da atividade na igreja, catecismo e tal. E o cinema, o cinema acontecia, pra que você pudesse assistir aos filmes você tinha que ir na aula de catecismo, então era uma chantagem, mas tudo bem. Mas a gente ia. E eu comecei a me envolver muito nisso, então os padres pediam eu e mais um outro colega, a gente vinha ali, acho que na rua dos Andradas ou rua dos Gusmões que tinha uma distribuidora de filmes, aqueles rolos grandes. “Então vocês vão lá pegar o filme”. A gente vinha até a cidade, eles davam lá o dinheiro pro ônibus, a gente vinha, pegava dois rolos, então era Tarzan, Jim das Selvas, essas coisas assim. Roy Rogers, eram os filmes que passavam. E aí passavam pra gente lá. Era de domingo, não desculpa, era sábado. Tinha aula de catecismo, aí depois à tarde era a nossa matinê dos filmes.
P/1 – Você se lembra do que você assistia lá, do que você gostava?
R – Ah, era mais esses filmes que eu falei, Jim das Selvas, Tarzan. O que mais passava naquela época? E tinha as séries, né? Então você pegava lá o Roy Rogers, cada fim de semana era um filme diferente. Rin Tin Tin, nossa, pra nós era o grande sucesso. Cantinfla às vezes passava, passava filme assim pra garotada, né? Eram os filmes que a gente assistia na época.
P/1 – Queria voltar um pouquinho e te perguntar onde é que vocês moravam na Vila Guilherme. Como é que era essa casa, a rua?
R – Olha, era uma casa maravilhosa que tinha um quintal enorme, pomar, tinha bananeira, tinha pera, maçã, abacate, mexerica. A Vila Guilherme, onde hoje você pegar ali da marginal pra dentro, como se fosse lá pra Maria Cândida, tudo ali eram chácaras. Onde tem o Center Norte hoje eram lagoas, aquilo foi aterrado. Então toda aquela área que você vê ali onde é o terminal Tietê hoje, ali também eram lagoas. E você indo mais praquela parte ali perto da detenção era tudo chácaras. Na rua que eu morava tinha as casas e depois em frente eram todas chácaras, tudo chácara. Chácara mesmo, a portuguesada plantava e serviam praticamente o mercado municipal, eles plantavam tudo, que era legumes, cenoura, beterraba, alface, couve, tudo essas coisas. E a minha casa, nossa, era uma casa que a gente se divertia. Então praticamente de fruta você tinha tudo ali. Tinha brincadeira, já jogava bola na rua, empinar pipa, era essas coisas assim, correr atrás de balão, fazia balão. Realmente naquela época era um lugar que você tinha realmente muita liberdade, não tinha nenhum risco, as ruas todas de terra ainda, não é nada asfaltado, e a garotada convivia assim. Então esse local era bem bucólico pra época.
P/1 – Você se lembra dos seus vizinhos?
R – Eu lembro alguns, se falar o nome eu lembro de um que chamava Carlos, que era o meu melhor amigo, a gente estudava junto. Tinha um outro lá, filho de um outro português, mas agora, rapaz, não vou lembrar.
P/1 – E vocês brincavam lá?
R – Ah, tudo. Brincava, jogava bola, fazia os brinquedos, fazia as pipas, tudo.
P/1 – Vocês iam pro centro também?
R – Era raro, viu? Era raro. Apesar de ser perto a gente se divertia por ali. Como eu te falei, tinha muita área, tinha muita água, então a gente pescava ali perto, você vê? Falar que pescava ali não é brincadeira. Pescava, nadava, aprendia a nadar ali. Ia nas lagoas, muita gente morria afogada por causa disso, molecada ia lá, calor, entrava na água e tchumba. E assim a gente aprendia a nadar, sozinho. Ia lá, via um como é que era, como que não era, imitava e ia assim. Tinha barquinho, você andava de barco às vezes também. Porque eram lagoas grandes. Então você tinha uma vida bem natural, bem natural.
P/1 – Você estranhou o clima quando você chegou? Não nevava mais.
R – É um pouco mais quente, mas apesar que no verão lá é muito quente, muito quente. Assim, era criança, né? Eu me adapto bem a climas, também tenho essa característica, eu não sou assim. Lógico, se você falar se prefere calor ou frio eu prefiro mais frio, mas eu não tenho problema com frio, assim.
P/1 – E o seu pai, ele começou a trabalhar aqui?
R – Sim, que ele já veio antes. Ele veio dois anos antes, trabalhava aqui. Foi trabalhar com os primos dele em padaria e restaurante. Depois que nós viemos pra cá ele conseguiu comprar um.
P/1 – Foi padaria?
R – Foi um bar. Depois ele foi indo, de bar foi pra restaurante. Aí misturava, às vezes alternava, era padaria, às vezes era bar, restaurante.
P/1 – Mas primeiramente foi um bar. Qual que era o nome dele, você se lembra?
R – Ah, do bar?
P/1 – É.
R – Não vou lembrar, não vou lembrar, não.
P/1 – Você ficava por lá também?
R – Também. Eu comecei assim, eu ajudava, comecei a ajudá-lo. Era muito comum naquela época os filhos ajudarem os pais, o pessoal acabava trabalhando ajudando o pai. Porque era tempo muito duro, muito difícil, não dava pra você ter empregado. As famílias todas trabalhavam juntas. Isso espanhol, português, italiano era muito comum. Aí eu trabalhei, mas ajudava aos pouquinhos, não muito. Depois eu arrumei emprego, fui ser office-boy, mas também não deu muito certo, fiquei um ano, um ano e pouco. E meu pai comprou um restaurante maior, eu fui ajudá-los. Eu estudava à noite, então como eu fui estudar à noite fiquei ajudando. Esse que eu comecei a ajuda-lo, aí a gente já tinha mudado pra Penha, era lá na Penha, na Rua Guaiaúna. A gente aí era maior, um restaurante grande e tal, aí eu fiquei trabalhando com ele direto.
P/1 – Vocês se mudaram em que ano, você se lembra?
R – Rapaz, olha... se é uma coisa que eu fiz muito na vida foi mudar de bairro, viu? Porque as pessoas, nesse tipo de negócio você muda muito, né? Eu morei na Vila Maria, a Vila Maria foi mais, foi antes da Penha. Era Canindé, Vila Guilherme, aí nós fomos para o Ipiranga, morei um pouco no Ipiranga. Depois nós fomos para Penha, aí lá fiquei bastante, nós ficamos lá uns quatro anos. Voltamos pra Vila Maria, lá a gente ficou bastante tempo também. E depois eu fui para o Tucuruvi. Foi onde eu casei, depois que eu casei mudei para o Jardim São Paulo, que é ali perto do Tucuruvi, e depois já casado vim pro Brooklin e estou aqui até hoje.
P/1 – Voltando um pouco, o seu pai comprou o restaurante na...?
R – Quando ele começou?
P/1 – Isso.
R – Ele começou no Canindé.
P/1 – No Canindé. Isso foi que ano, mais ou menos?
R – Isso devia ser lá pelo ano de 59, 60, por aí. Foi 59 porque 61 nós já estávamos lá na Penha.
P/1 – No ginásio você estudava onde?
R – O ginásio eu fiz lá na Penha.
P/1 – Na Penha mesmo, entendi.
R – Lá na Penha.
P/1 – Você se lembra da escola, como é que era?
R – Lembro, ôpa! Era Colégio Estadual Vila Aricanduva. Fiz os quatro anos de ginásio lá. Porque quando eu estava no terceiro ano do ginásio meus pais mudaram pro Alto da Vila Maria e eu falei: “Eu sinto muito”. Eu vinha da Vila Maria para estudar à noite lá na Aricanduva. É longe, viu cara?
P/1 – Você fazia como pra ir?
R – Eu pegava o ônibus ali onde hoje é o finalzinho da Radial Leste, vinha com o ônibus até no final da Celso Garcia que chamava Penha-Lapa, acho que nem existe mais. Aí vinha até a Tuiuti, da Tuiuti eu pegava o ônibus pro Alto da Vila Maria. Eu saía da escola tipo quinze pras onze e chegava em casa meia-noite. Mas eu não saí porque eu adorava aquela escola. Pra mim, aliás, a coisa que mais me marcou foi o ginásio.
P/1 – Por que?
R – Porque eu sempre gostei muito de escola e por uma coincidência, rapaz, a minha classe era muito boa. A gente tinha uma empatia muito grande, tanto os rapazes como as meninas. E eu acabei me envolvendo, por causa daquela defasagem minha de escola eu sempre era um pouquinho mais adulto do que os outros, dois anos mais velho. Aí me envolvi logo no segundo ano do ginásio no grêmio, tinha o grêmio. E o grêmio fazia a parte esportiva, fazia aquela questão cultural de fazer jornal. Eu gostava daquilo. Aí pegamos lá uns seis amigos e aquilo foi crescendo, então aquilo me criou um ambiente bom e a gente acabou tendo uma grande intimidade entre o grupo, sabe? Foi época de Jovem Guarda, então a gente ia nos shows, ia a shows do Roberto Carlos, ia a cambada toda. Fazia bailinho na casa de um, na casa de outro, foi essa época. Então não queria sair, falei: “Pô, eu não vou”, porque como a gente mudava muito você acabava perdendo raízes, né? Eu falei: “Não, daqui eu não vou sair não, eu vou ficar aqui”, então eu convivi sempre com eles, até terminar o ginásio. É por esse motivo que eu acabei ficando nessa escola.
P/1 – Estava falando da escola, dos seus amigos de lá da Penha.
R – Do ginásio.
P/1 – É, do ginásio.
R – O meu ginasial foi assim, foi muito gostoso, tem umas coisas muito boas. E o momento político também era muito legal, que foi naquela época logo depois da renúncia do Jânio, então a gente tinha uma participação política muito forte. Eu lembro que eu ia nas manifestações, meio bobão mas ia. Era legal. Foi quando começou. Então assim, a questão do ginásio pra mim foi um momento muito marcante na minha vida.
P/1 – Você tinha quantos anos no ginásio, mais ou menos?
R – Eu fiz dos 14, 15, 16, é... eu fiz dos 13 até os... 13, 14, 15, 16.
P/1 – Dos 13 aos 16.
R – É.
P/1 – E você falou que a Vanguarda estava tocando, como era isso?
R – Como é que era o quê?
P/1 – Como é que você descobriu essa música?
R – Naquela época não tinha jeito, né? Era Jovem Guarda, fora que começou Beatles, então era a grande... não tinha muita coisa pra fazer na vida, era música, estudar e jogar bola. Era o que eu fazia. Ajudava o meu pai durante a semana, sábado e domingo eu dava um jeito – porque abria, né, o bar ou restaurante – aí eu negociava com ele pra jogar bola, que eu sempre joguei relativamente bem. E ali nessa região ali da Guaiaúna, onde hoje passa o metrô, tinha um lado lá que era só com campos de futebol, tinha dez, 12 campos de futebol. Então ali que a molecada, sábado e domingo era bola o tempo inteiro. E como eu gostava também já de organizar torneios, eu organizava campeonatozinho do time de cima com o time de baixo valendo flâmula, essas coisas assim. Então aquela região assim sempre me marcou muito por causa disso, tive uma atividade muito intensa o tempo inteiro e atividades gostosas, coisas que praquele momento eram as melhores que tinham.
P/1 – Você começou a jogar futebol um pouco sério quando?
R – Ah, só depois dos 15 anos é que fui jogar nos times de lá. Até os 14 eu brincava só. Que era comum naquela época, com 13, 14 anos você ainda brincava com bola. Pessoal começava a olhar você, se você era bom jogador ou te convidar pra jogar com uns 15. Dezesseis anos, que é onde eles tinham, chamavam, é o esporte, né? Então tinha o time dos bons e deixavam você jogar de vez em quando um pouquinho, então era essa coisa que a gente fazia.
P/1 – Você tinha alguma posição que você gostava mais?
R – Ponta-direita.
P/1 – Ponta-direita. Você era um bom ponta-direita, o pessoal gostava?
R – Olha, na época até acho que era porque joguei em bastante time. Tentei até jogar em clube depois, profissional, mas aí eu já estava pra entrar na faculdade, achei que era melhor estudar. Hoje é mais, bom, hoje é mais tranquilo, assim, você tem mais opções, naquela época não.
P/1 – Vou voltar um pouquinho, o que mais você fazia pra se divertir nessa época do ginásio?
R – Olha, ginásio era assim, era música, os bailinhos, jogar bola. Cinema, nas matinês de domingo. Basicamente fazia isso.
P/1 – Vocês discutiam política em casa?
R – Não, não. Essas coisas, não.
P/1 – Mas fora você sentia que tinha alguma coisa acontecendo.
R – Ah sim. Lá no ginásio, como eu era do grêmio, então algumas coisas a gente já começava e estava começando a questão da ditadura, o Jânio. Eu sempre gostei muito de ler jornal também. Isso foi influência do meu pai porque o meu pai era uma pessoa que também tinha estudado até o primário mas era uma pessoa que gostava muito de ler, ele era muito interessado em tudo. E era uma das coisas que ele mais forçava a gente em casa, falava: “Aqui todo mundo tem que estudar, não tem essa”, e cobrava. A vida inteira ele sempre cobrou da gente, de todos nós. Então eu lia muito jornal e sabia o que estava acontecendo. Escutava rádio, naquela época rádio também era ligado o tempo inteiro. Eu sempre tive muita informação política e eu me interessei, sempre me interessei por política, eu gosto.
P/1 – E você se lembra de alguma Copa do Mundo?
R – Todas. De 58 eu já lembro de escutar no radinho.
P/1 – Você acompanhou ela?
R – Ôpa, todinha, todinha.
P/1 – E como é que foi?
R – Ah, muita emoção. Porque eu tinha acabado de chegar de Portugal em 56, eu já estava aqui há dois anos, 58. E eu nunca tinha visto esse negócio de Copa do Mundo, imagina. E eu comecei a ver futebol aqui direto. Porque gente morava no Canindé e tinha a Portuguesa. O meu pai, imagina, colocou todos nós de sócio, até hoje sou sócio. Então domingo quando tinha jogo da Portuguesa todo mundo ia ver jogo da Portuguesa. Aquela coisa foi ficando, ia todo mundo, ia meu pai, eu, meu irmão, todos os primos, os primos deles, ia de 20, ia de penca, como a gente falava. Nessas coisas então eu comecei a me envolver com esporte. E na Copa do Mundo eu acabei, lógico, o tempo todo no radinho.
P/1 – Você já torcia para o Brasil.
R – Já, já.
P/1 – Você tinha algum ídolo nessa época?
R – Ah, era Pelé, né? Pelé, Garrincha, por isso que eu fui ser ponta-direita. Eu adorava ver o Garrincha. Às vezes eu ia no Pacaembu ver jogo do Botafogo só pra ver o Garrincha. Eu ia lá, assistia, o Garrincha ia jogar desse lado eu ficava aqui. Você conhece o Pacaembu, né? Alambrado? Aí ele ia mudar de lado e eu mudava pro outro. Era meu ídolo, eu era... E tinha outros que a gente gostava mas esses eram os melhores.
P/1 – Na Portuguesa tinha algum?
R – Djalma Santos, eu lembro do Djalma Santos. Que por coincidência quando eu entrei lá trabalhei junto com ele.
P/1 – Na época ele jogava na Portuguesa.
R – Ele era o lateral direito da Portuguesa. Depois é que ele foi pro Palmeiras. Tinha outro também que eu lembro, Pinga. Mais ou menos esses que eu lembro.
P/1 – E depois do ginásio?
R – Do ginásio nós mudamos pro Jaçanã. Nós estávamos na Vila Maria, aí meu pai tinha lá um restaurante, um bar grande também, e acabou comprando um outro em Jaçanã. Nesse eu já estava maior, já estava com 16 anos. A gente já trabalhava e eu com 16 anos fui abrir esse negócio lá. Eu chegava lá e abria de manhã cedo, tal. E foi. O meu irmão também me ajudava, tinha empregado. Depois de um certo tempo ele vendeu aquele e foi todo mundo pra lá. Lá também era grande. Acabou vendendo um e a gente mudou pra lá, pro Jaçanã.
P/1 – E como era trabalhar no restaurante, era difícil?
R – Não. Não porque eu fui criado nisso, então, você vai assimilando. E a minha mãe que era cozinheira, então minha mãe sempre cozinhava, fazia as coisas. Tinha empregada pra ajudar. Trabalhava eu, meu irmão, meu pai, minha mãe. Minhas irmãs não, minhas irmãs nunca, que eram pequenas ainda. Então era assim, era a família que trabalhava. E era gostoso porque você acabava convivendo com a comunidade toda em volta. Você estudava, o cara que era teu vizinho era teu colega de escola também; a vizinha era amiga da minha mãe. Naquele tempo era muito, o pessoal ficava muito, convivia muito na região, né? E Jaçanã ainda tinha o trem, a música do Adoniran Barbosa é verdadeira porque o trem tinha lá mesmo, ia até Guarulhos. E meus avós moravam em Vila Galvão que é perto ali do Jaçanã. Então pra gente ir de trem e voltar era fácil, a maioria estava por ali. E aquela região era muito gostosa também.
P/1 – O que tinha lá?
R – Ah rapaz, tinha tudo, viu? Vou ser bem sincero. Ali também você saía, tinha clube. Apesar que eu já era adolescente, mas também foi um momento muito legal. Aí teve um momento muito grande na parte política, foi naquela época já de, eu lembro de Roda Vida. Eu tive uma professora de Português que era daqui da escola, daqui da USP, era uma jovem ainda, mas ela era muito envolvida com política. Então levava muita gente pra ver aquelas peças (ruído de avião).
P/1 – Estava falando das peças.
R – E aquele momento da vida escolar foi quando o regime militar expandiu muito escolas, então precisava de muito professor. E eu tive a sorte, sorte, de alguns deles. Porque é assim, você tinha que optar, ou você fazia o clássico, que era pra Humanas, ou você fazia o científico que era pra Ciências Médicas. Eu fui fazer científico, eu queria fazer Medicina, alguma coisa assim. E por sorte os professores que a gente teve nesse colégio, que era Colégio Estadual Eurico Figueiredo lá no Jaçanã, quase Tucuruvi, metade era aqui da USP, então você tinha cara muito bom. Tinha um professor de Matemática, seu Sérgio, que era um baita de um bam bam bam aqui, a professora de Português que era daqui, o cara de Física era daqui, a Biologia era daqui. E era um pessoal muito engajado, sabe? Era um pessoal na faixa dos 30, 40 anos. Então eles envolviam muito a gente em questão de política, tinha teatro, aí foi. Tinha amigo que a gente tinha que sair pulando muro porque a polícia estava pra pegar.
P/1 – Ah, é? Conta dessa história pra gente.
R – Foi assim, o que aconteceu? Foi a época da ditadura mais forte, época de 68, 69. É, foi no meio de 69, isso. 69, 68, 67, uma época que estava fervendo, aquelas baita passeatas, manifestações, então a gente ia em todas. E nós tínhamos grupo de teatro, então ia fazer peça. E aquela época era assim, qualquer coisinha que você fazia você já era subversivo. A gente não sabia, mas na nossa classe tinha um cara infiltrado. O cara disse que era mecânico e tal, ok, vamos embora. Estudava junto com a gente. E começou a ter um grupo de teatro muito forte lá, eu não participava no grupo, mas meus amigos participavam, o César, Vitor. E eles começaram a se envolver muito nessa questão de política. E essa professora, ela agitava bastante, convidava a gente pra assistir Roda Vida e nós íamos em tudo que era peça que tinha, ela levava a gente. Fazia parte até da disciplina. E isso foi crescendo e começou aquela coisa. Esse César era um cara que tinha uma boa comunicação, começou a se envolver bastante, fala isso, fala aquilo. E um dia estávamos lá, falou: “Ó, estão procurando o César aí”. E nós ficamos meio preocupados. A polícia do DOPS tinha umas peruas tipo Chevrolet grandona. A gente viu e falou: “Ih, é isso mesmo. Os caras foram atrás dele”. A gente saiu com ele pelo fundo e levamos ele pra Atibaia, que tinha um amigo nosso português, tinha uma Kombi. Levamos pra Atibaia, escondemos ele lá e ele ficou lá um tempo. Depois ele voltou, aí depois ele foi preso, inclusive, com o Frei Betto, ele ficou com o Frei Betto lá acho que um mês. Mas é assim, a gente participava muito dessas coisas, ninguém era alienado, não, todo mundo participava bastante.
P/1 – Você falou das peças de teatro. Você lembra alguma que te marcou, alguma que você ficou sabendo?
R – Ah, Roda Viva.
P/1 – Roda Viva.
R – Roda Viva foi marcante. Ficava ali na rua dos Ingleses. Eu lembro depois até um dia entraram lá, arrebentaram tudo. Marieta Severo. Isso eu lembro bem, eu gostava. Ia naqueles shows que tinha, que hoje é Teatro Brigadeiro, Bradesco, tinha um teatro ali que tinha Elis Regina, esses shows a gente ia, eu gostava. Era o que tocava a gente, né, era o que mais você tinha sintonia.
P/1 – Como era, eles saíam na rua, revistavam?
R – Não, não, revistado assim, não. A única vez que eu levei umas bolachadas foi numa passeata que nós fizemos lá na... Nós não, né, que era assim, a UNE convocava, aí tinha lá, acho que tinha uma outra que era do ensino secundário, tal, aí foi todo mundo. Eu lembro que foi lá na Rangel Pestana. E tinha, quem comandava isso era Zé Dirceu, Serra, Travassos. Aí a gente vê os caras hoje e você fala: “Pô”. Mas é, foram épocas, né? Esses eram os grandes líderes naquela época.
P/1 – E eles chamavam como vocês? Como eles chamavam os alunos?
R – Ah, o pessoal passava manifesto, coletivo, distribuíam nas escolas. O pessoal ia de escola em escola distribuindo. Você já sabia e ia pra lá.
P/1 – Chegava nas passeatas, como é que era?
R – Ah, ia em grupo. Tinha aqueles comícios e depois saía: “Ah, vamos sair”. Saía, depois vinha a polícia e dá-lhe cacetada. Cada um que se salvasse, corria para um lado, pro outro (risos). Era mais pra, era aquela participação juvenil, que você queria ir, você acreditava nos caras.
P/1 – Emílio e depois? Você foi pro ensino científico, você terminou ele.
R – Terminei o científico, aí eu fui fazer vestibular. Mas antes disso, quando eu estava no colegial, eu trabalhando com meu pai e falei: “Pô, pai, eu quero fazer faculdade”. Lógico, eu sabia o que era a USP, como era a USP, mas eu não conhecia aqui, até porque eu morava em Jaçanã, né, então o máximo que eu vinha era Tucuruvi, vinha pra Santana, ia pro centro e tal, mas eu nunca tinha vindo pra cá. Eu sabia que era longe pra caramba. Mas, por coincidência, o pai de um amigo meu que estudava comigo, o Dabius, a gente jogava futebol, trabalhava aqui na USP.
PAUSA
R – E ele trabalhando na USP, um dia eu estava conversando, já quase no final de ano, em 70. Desculpa, bem no finalzinho de 69, 70. Aí eu falei: “Seu Moraes, nas férias leva a gente pra conhecer a USP” “Levo, vamos embora”. Ele tinha carro. Eu fiquei maravilhado com a USP, não tinha nada disso aqui, mas. E ele trabalhava na Geologia. Desculpe, na Filosofia. Lá na administração. “Pô, que legal, que bonito”. E naquela época a USP tinha muito problema pra contratar funcionário, ninguém queria trabalhar aqui, era tudo longe, pra vir aqui era uma vida. Ele falou: “Pô, o que você está fazendo?”, eu falei: “Ah, eu não vou trabalhar com meu pai esse ano, não. Vou fazer cursinho” “Ó, está precisando de gente aqui pra trabalhar como auxiliar administrativo. Você não quer fazer um teste?” “Faço”. O teste era datilografia, mais conhecimentos gerais. “Mas quanto vai pagar?”, vamos chutar hoje. “Acho que vai pagar aí uns 600 reais. Falei: “Quanto???” “É, 600 reais”. Eu falei: “Estou dentro!”. Pra mim era fortuna porque eu não ganhava nada (risos), trabalhava pro meu pai. Não é que eu não ganhava nada, só pegava aquilo que eu precisava, né? Eu falei: “Ah vou, vou”. E comecei a trabalhar aqui, em 70. E nesse ano eu fiz o cursinho do Equipe. Eles faziam bolsa, tal, também prestei bolsa lá, acabei ganhando. Aí foi outra mudança na minha vida, que pra mim o cursinho foi outro mundo, outra vida. E o Equipe naquela época era um cursinho da esquerda, todo mundo que dava aula lá era da esquerda. E era assim, era um mundo pra mim. Então, trabalhando aqui e muita gente que trabalhava comigo era estudante também, então tinha o pessoal que estudava na Poli, tinha o que estudava lá na Geologia, outro na Química. E aqui a universidade fervia naquela época também, em 70. Nossa, era um negócio. Então acabei me... bom, ia fazer Medicina, aí no cursinho percebi: “Não vai dar pra entrar em Medicina, não”. Aí acabei optando. Em 70 o Brasil foi campeão de futebol e eu já era muito ligado, tinha parado de jogar pra fazer cursinho. Até antes de vir pro cursinho eu jogava futebol, tinha tentado até jogar, tinha feito teste no Corinthians.
P/1 – Fala pra gente como foi isso aí?
R – Os testes?
P/1 – É.
R – Teste era hilário porque você chegava lá com a chuteira embaixo do braço e falava: “Quero fazer teste”. Eles marcavam lá, as peneiras que eles falavam. Você ficava lá até a hora que o técnico mandava você entrar. Você entrava lá, se desse sorte de ficar 20 minutos jogando você podia demonstrar alguma coisa. Às vezes você estava lá e depois de 15 minutos falava: “Pode sair, garoto! Entra outro”. Porque tinha muita gente. Você entrava, pegava uma vez, duas, na bola. Então assim, e naquela época já tinha gente que trazia o jogador também, ou já tinha visto jogar em outro lugar. Então as duas vezes que eu fiz, fiz uma na Portuguesa, depois me levaram pro Corinthians: “Não, lá no Corinthians é melhor” “Tá bom”. Fiquei lá uma semana mas depois eu vi que não adianta, tem coisas que às vezes não é aquilo que você quer, né? Eu falei: “Não vai dar”. Não sei, também falta de estímulo na hora. Você ia sozinho, colocava a chuteira embaixo do braço com o jornalzinho e ia lá jogar. Não é que nem hoje que você tem mais apoio, você prepara. Aí com esse negócio também de estudar eu falei: “Ah, vou estudar”. E o Brasil tinha sido campeão em 70, de futebol. E eu conheci o Parreira. Até hoje eu tenho amizade com ele, de vez em quando a gente se encontra por causa do futebol, que é uma outra área que eu atuo. Eu falei: “Pô, vou ser isso aí, vou ser preparador físico de futebol. Educação Física, tal, tal, tal”, e descobri que a USP tinha Educação Física. Falei: “Já quero estudar na USP, tem Educação Física, vou fazer isso”. Prestei vestibular e passei tranquilo.
P/1 – Ele era preparador físico.
R – Parreira era preparador físico da seleção, em 70. E o Zagalo era o técnico. Aí achei aquilo: “Nossa, que legal! Que lindo, maravilhoso”. Acabou isso que eu vim pra Educação Física. E graças a Deus vim, me dei bem, gostei. Então essas coisas que a universidade também me estimulou. Que eu nunca na minha vida eu imaginei que ia ser professor de Educação Física. Apesar que eu sempre gostei, sempre fiz e tal. Na escola tive bons professores. Inclusive dois deles foram aqui da USP, ganharam medalha, o Waldir Pagan. Mas assim, não era coisa que, mas depois mudei. Essa coisa me motivou a ir.
P/1 – Como é que foi a prova? Tinha prova física?
R – Tinha prova física e teórica. Naquela época teoria era no Cecen, que era junto com o pessoal da Medicina, Veterinária, Biologia, era um vestibular só. Aí depois você fazia a sua opção. E tinha a prova prática, que era 12 minutos na pista, 50 metros. Você tinha natação, a parte de ginástica olímpica, fazer barra, deitava, subir na corda. Um exercício que o pessoal mostrava na hora e você tinha que repetir, era isso aí.
P/1 – E você foi bem e passou.
R – Fui, fui bem. Também treinei pra caramba, viu? Treinei porque a Educação Física fazia cursinho, a parte prática. Então eu vinha trabalhar aqui na USP, aí dava uma escapada e fazia o cursinho lá no Ibirapuera, às vezes eu ainda vinha pra cá e depois ia pro cursinho à noite no Equipe. Eu chegava em casa uma da manhã todo dia, morto. No outro dia, cinco, seis horas da manhã levantava, começava de novo. Assim foi o ano inteiro. Mas é aquela coisa, quando você é jovem e tem vontade você faz. E olha que o cursinho era apertado, sábado tinha aula o dia inteiro, a gente ficava lá. Eu tinha entrado num grupo de estudos que só tinha, tinha dois japoneses, dois chineses e acho que eu e um outro brasileiro. Os caras estudavam pra caramba, que nem uns loucos lá e cobravam, então eu tinha que. No cursinho eu também fui bem, sempre quando tinha os simulados eu ia bem. Depois fiquei na escola e entrei direto.
P/1 – Os professores do Equipe eram bons?
R – Maravilhosos, cara, maravilhosos. A maioria é daqui. Eu não vou lembrar dos nomes, mas o de Física era daqui, excelente. O Plutão que era de Português era daqui. História era daqui. O Cândido era daqui. A maioria era tudo daqui.
P/1 – O Equipe era onde?
R – Equipe era ali na Martinico Prado, perto da Angélica, era ali. Era só o cursinho, depois que virou colégio, mas antes era só cursinho.
P/1 – Você chegou a namorar nessa época, tinha alguma namorada?
R – Ah, namorava. Sempre namorei, desde a época do ginásio.
P/1 – E como é que você fazia pra conhecer elas? Ia no baile?
R – Ah, na escola, né?
P/1 – Escola mesmo.
R – Conhecia. Comecei a namorar acho que na quinta série. Mas também namorava pouco, daqui a pouco saía outra.
P/1 – Entendi. E como eram os bailes? Você chegou a falar.
R – A gente fazia muito baile na casa de alguma amiga. Quem tinha a casa maior e os pais emprestavam a gente fazia. Aí fazia, naquela época de ginásio principalmente. Que a gente fazia os bailes para arrecadar dinheiro pra formatura, pra festa de formatura. Os pais não pagavam, a gente que juntava grana pra pagar. Então a gente fazia os bailinhos lá. Na época da Jovem Guarda lançaram um bonequinho que chamava Mug. Então Baile do Mug, a gente fazia. Tinha o baile do, o Volkswagen antigamente tinha um respingo que saía do capô pra lavar o parabrisa, tinha um nome esquisito, não me lembro o nome, e a gente fazia baile do tal. Então pra entrar você tinha que ter um anelzinho daquele. Então imagina o que os caras faziam, né? Não tinha Volkswagen que você passava, o cara ia lá e tirava. E assim, tinha bebida, era época do cuba libre. E eu como era de bar tinha que ajudar a vender bebida. Tinha outro que fazia a parte musical. Era muito legal. Todo mundo participava, todo mundo ajudava. Esses eram os bailes que a gente fazia.
TROCA DE FITA
P/1 – Eu esqueci de perguntar se você tem alguma história dessa época em que você trabalhou no restaurante com o seu pai, uma coisa que te marcou, uma história que você se lembra.
R – Ah assim, histórias, cara, tenho muitas. Tem algumas boas, outras ruins. Boas, num dos bares tinha um campo de bocha, então os velhinhos jogavam bocha naquela época e tal. E eu gostava muito de ajudá-los porque era um pessoal legal e tal. Por isso eles me colocaram de secretário do clube. Eu falei: “Pô, secretário do clube?”, então eu tinha que fazer a ata pra eles, porque era um pessoal mais humilde. Uma outra de Jaçanã, uma vez nós fizemos, entre nós num final de ano: “Ah, o que vamos fazer?”, tinha mesa de snooki: “Então vamos jogar snooki, vamos apostar” “Então vamos apostar”. E adolescente é... tinha fechado o bar, lógico, e nós ficamos lá na madrugada inteira. Cada um que perdia tinha que pagar uma champanhe, então imagina como é que o pessoal saiu de lá às seis horas da manhã. Era assim. Uma outra história que também me marcou, num outro bar que meu pai teve era de, trabalhava muito no fim de semana, era bar e padaria. Eu estava paquerando a menina. E eu marquei com ela de sair no sábado à noite. Eu me arrumei todo bonitinho e tal, aí a menina passou e meu pai falou: “Onde é que você vai?” “Vou sair” “Não, hoje você não vai sair não porque tem muita gente”. Naquela época a gente obedecia muito o pai, então nem ia querer questionar o por quê. Imagina, eu fiquei um tempão paquerando a menina pra querer sair (risos). Aí não deu, tive que ficar trabalhando. Algumas coisas que te frustravam na vida. Mas eu sempre respeitei muito meus pais, então, a gente sabia também de algumas dificuldades, a gente acabava aceitando.
P/1 – E os seus irmãos, o que eles estavam fazendo nessa época?
R – O meu irmão trabalhava comigo, sempre estava junto com a gente. E depois também na época que a gente já se livrou pra entrar na faculdade, eu fui fazer cursinho e ele foi fazer Senai. Ele também saiu e ficou só meu pai e minha mãe no bar. Aí já tinham vindo aqui pra Moema, já era menor e tal. E ele foi fazer Senai, foi fazer Técnico Têxtil. E minhas irmãs só estudavam. Estudavam, depois uma com 17 pra 18 anos foi trabalhar no banco, mas elas mais estudavam. E a minha outra irmã mais nova foi fazer Enfermagem, trabalha na Santa Casa.
P/1 – E como é que foi entrar ne EEFE? Como é que era o cotidiano?
R – Ah, era muito bom, cara! Muito bom. Que a nossa escola era lá no Ibirapuera, no Ginásio do Ibirapuera, não era aqui. E você tinha uma grande vantagem que você convivia com todo mundo, do primeiro ao último ano, ao terceiro ano que era na época. E tinha o curso de especialização também. Então você conhecia todo mundo e você convivia muito com os professores. E o Ibirapuera também era um ginásio que tinha muito evento, tinha Circo Moscou, Holiday on Ice, tinha jogo de basquete, tinha de tudo. Então além das aulas que a gente tinha que eram muito boas, que eram tanto teóricas quanto práticas, tinha muita prática, você tinha mais toda essa... tinha Atletismo lá no Constâncio Vaz Guimarães, então você convivia com esporte o tempo inteiro. E assim, ainda na minha época quem entrava na escola, muita gente tinha sido atleta ou era atleta. Eu tinha colega lá que era de natação, o cara competia na seleção brasileira. Basquetebol, o Joia era o pivô da seleção brasileira. Tinha duas meninas que jogavam na seleção de vôlei, tinha dois rapazes que jogavam na seleção brasileira de vôlei, que era o Pinha e o outro. Tinha handebol, que estava começando a crescer. Então você tinha muita gente assim. E foi quando começou o Cepe, 72. Então 71 a gente ainda fez, 72 abriu o Cepe, aí a coisa começou a crescer mais.
P/1 – Vocês se mudaram do Ibirapuera pra cá, então?
R – Eu não, a minha turma se formou lá ainda. Pra cá veio em 76 só. Eu fiz aqui o meu segundo curso de especialização, 76, foi quando eu fiz especialização em futebol.
P/1 – Você ainda trabalhava aqui também?
R – Não, até 74 eu trabalhei na USP como funcionário, depois eu saí. Formei, aí saí em 74, fui trabalhar numa academia lá no Brooklin, fui dar aula lá e voltei pra cá como professor em 78. Em 78 quando foi implantada na universidade a Educação Física obrigatória, começou a contratar professores, aí contrataram nove e eu fui um deles. É que o diretor já conhecia a gente, naquela época você fazia um teste, como o professor já conhecia, então acabava trazendo quem ele podia trazer. Tinha um concursinho lá que você fazia, dava um tema e você tinha que descrever sobre ele, tal, exame médico e vamos que vamos.
P/1 – E você falou todos os alunos precisavam de Educação Física, é isso? Não entendi, entrou nove professores.
R – Sim. A universidade tinha uma disciplina que chamava Educação Física Obrigatória, em 76 acho que começou.
P/1 – Pra todos os cursos?
R – Todo mundo. Pra você sair da universidade você tem que fazer, isso era nacional, que era Educação Física obrigatória. Você tinha no ginásio, no colegial e na universidade.
P/1 – E como era a USP nessa época? A cidade universitária.
R – A cidade universitária era, lógico que você não tinha todo esse movimento que tem hoje. A gente convivia muito aqui dentro, você tinha muita atividade aqui, principalmente atividade cultural. Eu cheguei a assistir shows, Gilberto Gil, quem mais que teve aqui? Teve aqui Daniela Mercury. Fazia porque pra você trazer as pessoas pra cá você tinha que ter uma atração muito grande porque ninguém queria vir pra cá, era longe, pô. Você não tinha essa entrada ainda, você entrava pelo Butantã. Os ônibus todos entravam pelo Butantã.
P/1 – Tudo pelo Butantã?
R – Tudo pelo Butantã. Alguns cursos ainda eram fora, tinha muito curso fora, depois veio vindo, veio vindo, veio vindo. Mas a universidade, o nosso centro de encontro era o Crusp, tanto o restaurante, ali tinha o Centro de Convivência antigamente, não sei como é que está lá. Então a gente convivia muito aqui dentro. Você não tinha essa facilidade de sair e voltar, quase ninguém tinha carro, quando vinha pra cá ficava. Eu praticamente vinha pra cá, chegava aqui sete da manhã e saía daqui onze da noite. Conheci a minha mulher aqui também, ela estudou aqui. Tinha festas, né, a gente tinha os cursos, muita festa. Não dessas que têm hoje.
P/1 – Mas fazia aqui dentro.
R – Era tranquilo. Tinha na Educação, tinha na Poli. Uma das melhores era a Geo. Que a Geo ficava nos barracões, então era mais fácil todo mundo ir pra lá. Mas eram festas, na boa cara, não tinha nada de problema, nada. Uma vez um ou outro lá bebia um pouquinho a mais, mas pegava eles pra lá, não tinha drogas, não tinha essas coisas assim. Tinha, né, mas não era, porque era época disso, mas não era essa coisa que é hoje. Bebida assim, maluca.
P/1 – Vocês não tinham nenhum problema com repressão aqui nessa época?
R – Com isso das festas, coisas assim?
P/1 – Não, não.
R – Politicamente sim.
P/1 – Sim.
R – Tanto é que fecharam o Crusp. O conjunto residencial ficou um tempão fechado quando invadiram aqui. Prenderam um montão de gente. A gente mesmo, na época de... Depois da reforma universitária a Química, a História, Geologia, Psicologia. Aliás, antes da reforma, uma série de cursos pertencia à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Física. E nós fazíamos a matrícula deles lá. Então a gente sabia quem que a polícia queria pegar ou não, que eles ficavam lá e davam uma relação, falavam assim: “Ó, a hora que o Lucas vier aqui você...” “Tá bom, pode deixar com a gente”. O que a gente fazia? Como todo mundo estudava aqui: “Você conhece?” “Conheço” “Fala pra ele não vir”. Então às vezes o cara ia fazer matrícula: “Não vai não que os homens estão querendo te pegar”. Então a gente, às vezes ficava aqui direto. Naquela época, acho que de 72 até 76, por aí, estava um caos.
P/1 – Tinha muita gente infiltrada, você falou também.
R – Muita gente.
P/1 – Você sacava quando o cara era?
R – Ah, percebiam, né? E os caras iam lá na faculdade e pediam o nome dos caras, tal. A gente falava: “Deixa a lista com a gente quando chegar eu te aviso que ele está aqui”. Não falava nada (risos) e só avisava, falava: “Ó, não vai”. Então a gente participava, convivia muito. E era legal que você convivia com todos os cursos, né? E quando o Cepeusp começou, a gente começou a fazer os jogos da liga, eu fui um dos fundadores da liga também, lá na USP, pelo vice-presidente, então começamos a trazer mais os outros cursos pra cá, começou a ter os jogos aqui. Isso começou a congregar mais o pessoal da universidade.
P/1 – O Cepe abriu em que ano?
R – 71, final de 71. É, último semestre de 71 foi inaugurado, mas ele começou a funcionar em 72, pra valer mesmo.
P/1 – E o seu curso acabou em 74, é isso?
R – Eu acabei em 73, aí eu fiz especialização em 74 em judô. Até isso ainda era estagiário, que sempre fui estagiário.
P/1 – Como era o Cepe quando ele abriu? É muito diferente do que é hoje?
R – Ah, muito diferente. Só tinha a pista, tinha um campo de futebol, tinha uma piscininha redonda lá onde é o estádio hoje e essas quadras aqui, essas quadras...
P/1 – De futsal?
R – É. Essas aqui e aquelas outras, sabe onde está o módulo e tem aquele que a gente chama de lixão, 78? Então, tudo ali eram quadras iguais, só tinha isso. E as quadras de tênis. Isso aqui não tinha.
P/1 – Velódromo?
R – As quadras de tênis só eram a um, dois e três. Não, não tinha nada, isso aqui veio depois. Estádio veio depois de 76, mas antes disso não, era só aquilo mesmo.
P/1 – Do jeito que você fala parece que a USP era muito vazia.
R – Muito vazia. Ah, não tinha catraca, você precisa convidar os caras para entrar aqui. O pessoal entrava, vinha, senão ninguém vinha pra cá. Começou a vir mesmo a partir de 77, 78, quando veio essa questão da obrigatoriedade o pessoal começou a descobrir que tinha: “Ô, tem um espaço bom para fazer atividade”. Aí já fizeram os módulos, era tudo descoberto. Quando começou a ter módulos, a piscina, começou a melhorar.
P/1 – E aqui só tinha aulas ou já tinha algum projeto que ocupava aqui?
R – Só aulas, só aulas. Não tinha projeto nenhum, só aulas. Os projetos vieram bem depois.
P/1 – Aí você entrou como professor...
R – Em 78.
P/1 – 78. Como é que foi ser professor aqui?
R – Então, porque precisou de um professor pra judô e eu acabei vindo pra judô. Comecei a dar aula de judô e como não tinha muita aula de judô eu comecei a trabalhar também na área de competições, organizar as competições, eu sempre gostei de fazer. Já fazia lá na Atlética, na Educação Física, quando era aluno aqui na USP organiza os torneios, tudo isso, então acabei indo pra essa área. E uma coisa que eu também sempre tive junto com a minha carreira de professor, eu sempre gostei muito de gestão de atividades. Eu fiz depois dois anos de Economia, fiz Administração. E logo depois que me formei fiz Administração e eu fiz até Administração de Gestão Pública, lá na GV. Eu queria fazer concurso pra trabalhar nessas áreas, mas depois tudo que leva pra essa vida você acaba indo, né? Então eu comecei a me envolver muito com aqui.
P/1 – Você falou que você criou uma liga, como é que foi?
R – É, a Laausp. Foi na minha época de aluno que nós criamos aqui. O pessoal da Poli, Educação Física, pessoal da FEA. Porque naquela época a gente jogava só a Fupe, e a Fupe você precisava pagar, né? E eram equipes mais competitivas e para nós aqui a maioria das atléticas não tinha condições de pagar. E tinha pouca atlética. Então o que nós fizemos? Ah, vamos fazer a nossa liga aqui, só das atléticas da USP, justamente pra isso. Então tinha o Olimpusp, o Bichusp. Aliás, eu conheci o Bichusp antes de entrar na USP. Eu lia a Gazeta Esportiva e: “Isso é Bichusp”. A primeira coisa que eu perguntei quando entrei na Escola de Educação Física: “Como é que eu faço pra jogar no Bichusp?”, que era uma competição que todo mundo queria participar. E era muito legal.
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho. Você participou do esporte universitário aqui, você jogava?
R – Sempre, sempre. Aqui? Sempre.
P/1 – E o que você jogou?
R – Era assim, tudo o que você passava, faltava um você entrava. Eu jogava futebol, fui no judô. Você pode não acreditar, mas fui remo. Outra coisa que eu joguei mas porque faltava sempre gente e tinha que entrar, basquete. Atletismo, algumas provas de atletismo.
P/1 – Nesses eventos que você falou que tinha aqui dentro.
R – É. Porque assim, a gente entrava. Porque, como eu te disse, como a Escola de Educação Física te dava muita prática, você tinha muita atividade prática, você acabava aprendendo. E eu já fazia também, sempre fiz, então eu não era um atleta de nível mas sabia fazer as coisas. A única dificuldade que eu tinha um pouco era natação. Mas correr, saltar, ginástica, essas coisas, eu fazia. Ginástica olímpica, dar cambalhota, fazer uma oitava, ir lá na barra e fazer umas brincadeirinhas você fazia que era fácil, né? Eu já tinha isso porque Educação Física te dava tudo isso.
P/1 – E depois você estava como professor, você continuou sendo.
R – Sempre aqui. Minha vida profissional. Quando eu saí daqui montei uma academia ali no Brooklin, em paralelo trabalhava aqui e também prestei concurso pra dar aula na prefeitura, escola também, mas depois não fiquei muito tempo, saí logo. Mas eu trabalhei muito tempo na Secretaria Municipal de Esportes, também com centro educacional, aí eu passei a coordenar algumas coisas esportivas. Eu tinha uma academia de judô, natação, caratê, ginástica e criamos a primeira escola de futebol no Brasil, que era a Escola Bellini, por isso que eu falei do Djalma Santos que trabalhou comigo. Então fundamos a Escola Bellini de Futebol logo depois daquele fiasco de 74. E o Bellini era o nosso ídolo porque tinha sido campeão e tal. Aí levamos Bellini, Djalma Santos, Ivan, levamos todos ex-jogadores pra lá.
P/1 – Como é que você contratou eles?
R – Porque o professor Teixeira, que era o nosso professor aqui na escola de futebol, era técnico do Corinthians, então ele tinha muito contato, trabalhou no São Paulo, ele trabalhava só com profissional. E o Teixeira também foi ser o nosso diretor técnico lá. Acabamos congregando tudo isso aí. Essas coisas foram em paralelo, mas depois acabei mais focando aqui na universidade mesmo.
P/1 – Mas você tinha essa academia no Brooklin, certo? Você foi mudar pra lá também?
R – Mudei pra lá, aí fiquei morando lá.Meus filhos nasceram lá também.
P/1 – Antes disso você se casou também.
R – Casei. Eu casei lá em Santana porque a minha mulher morava em Santana, eu morava no Jardim São Paulo também. Mas depois ela também fez concurso pra prefeitura e tal, né? Ela se formou aqui na Pedagogia. Ela foi ser diretora de uma escola então acabou indo lá praquela região. Eu falei: “Já que eu estou lá com a academia você também vai pra lá”, e acabamos fazendo toda a nossa vida lá. Moramos lá.
P/1 – Você conheceu ela na USP?
R – Na verdade, rapaz, eu conheci ela no Projeto Rondon. Eu fiz Projeto Rondon três vezes.
P/1 – O que é o Projeto Rondon?
R – Projeto Rondon era um projeto que o Ministério da Educação e Cultura naquela época fazia. Era uma maneira que o regime militar tinha de levar universitários pros interior do Brasil. Então fazia um grupo com todas as áreas, então cara da Medicina, cara da Enfermagem, Educação Física, Direito e você se candidatava. E a USP fazia parte. E era uma maneira que você tinha pra viajar. Pô, de graça, então vou viajar. Viajei, fui pra Marabá uma vez naqueles aviões da Força Aérea que você ia sentado de lado. Fui para o vale do Paraíba e pra Brasília. E eu conheci nesse projeto que nós fomos pro vale do Paraíba. Eu não conhecia ela aqui, conheci nesse projeto.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Rosemeire.
P/1 – Rosemeire. E vocês viajaram pro vale do Paraíba e foram fazer o que lá?
R – Então, lá é assim. Você conhece Cunha?
P/1 – Não conheço.
R – Então Cunha é, você vai ali Guaratinguetá, sobe, é bem lá em cima, quando de lá você desce e cai em Paraty, é com a divisa. Lá tinha uma comunidade que era uma comunidade metodista. E o projeto Rondon acho que fez algum contato, ou eles fizeram contato com o Projeto Rondon, que era uma área muito atrasada. Atrasada assim, tinha os patriarcas naquela região. Então o que o velho falava todo mundo tinha que cumprir. E lá você tinha muito caso de consanguíneos. Então eles levaram esse pessoal da Medicina, Enfermagem, Direito, Agrimensor, tudo pra dar uma, sabe? Porque o prefeito lá, ele não tinha muito peito pra mudar a situação. Como nós fomos em 20 pra lá imagina a revolução que foi, né? Tudo cara jovem, todo mundo... aí fala com um, fala com outro, nossa, saímos de lá que os caras queriam matar a gente, porque conseguiu mexer naquilo e todo mundo começou a questionar, questionar por que isso, por que aquilo, todo mundo só ia na, o que o pastor falava todo mundo cumpria. Então era uma maneira, não sei, alguma lacuna pra abrir alguma coisa assim. E a gente ia pra esses lugares.
P/1 – E você conheceu ela lá como?
R – Ah, na verdade conheci no ônibus. Na primeira vez nos conhecemos no ônibus. Você apresenta um, apresenta outro. Também faço USP, o outro fazia Paulista, o outro Medicina, o outro fazia não sei o quê, outro fazia Direito. Lembro que tinha um cara da Esalq. A gente foi se apresentando e aí começa. Você vai para um lugar, fica um mês, lá no fim do mundo, não tinha quase nem luz, aí você começa a interagir.
P/1 – Você se apaixonou nessa viagem?
R – É, “apaixonar”, começamos...
P/1 – Namoro.
R – Namorozinho, aqueles namoradinhos. Depois quando voltou que a gente continuou. Quando voltamos nem pensava que ia continuar, mas depois continuamos, namoramos quatro anos e casamos.
P/1 – Vocês se casaram que dia?
R – Três de julho de 76.
P/1 – Nessa época você tinha a academia e trabalhava aqui, é isso?
R – Ainda não. Eu só vim trabalhar aqui em 78.
P/1 – Verdade.
R – Eu estava na prefeitura, lá na Secretaria Municipal de Esportes. Ela também já tinha prestado concurso e passado, estava formada já. E na academia.
P/1 – Como é que foi o seu casamento? Como é que foi o dia, a cerimônia?
R – Choveu pra caramba, julho chover. Mas foi legal, foi uma festa... festa não digo, mas foi um casamento legal, muito bom.
P/1 – Foi na igreja também?
R – Foi na igreja, na Igreja Salette lá em Santana, depois a gente fez uma recepção na casa que ela morava, os parentes, amigos, tal. E depois fomos passar a lua de mel no Rio de Janeiro, de Fusca.
P/1 – E a academia depois, como é que foi?
R – Olha, a academia foi boa. Foi crescendo, um lugar bom. Ela existe até hoje lá, não tenho mais, vendi, mas até hoje está lá.
P/1 – Ela tem o mesmo nome ainda?
R – Não, não, já mudaram o nome.
P/1 – E como é que foi a experiência de gerir uma academia?
R – Olha, foi acho que a grande escola da minha vida porque eu ainda era garotão, jovem, não tinha muita experiência com essa questão da gestão, de administrar, de você investir, de crescer, foi muito bom. Porque eu entrei lá como professor, era comissionado, eles me pagavam comissão pelas aula que eu dava e tal e depois acabei comprando do dono lá. O dono não era da área, eu e um amigo acabamos comprando. Acabamos comprando no peito e na raça, não tinha nem dinheiro. A gente falou: “Quanto você quer?” “Tanto” “Podemos pagar assim” “Tá bom, então aceito”. Eu falei: “E agora, hein?”. A gente trabalhou, o que ganhava pagava lá. Mas foi bom, tudo é válido.
P/1 – E você ficou dono dela até que ano?
R – Rapaz, deixa eu ver. Até 86, por aí. Não, acho que foi mais, até 90, fiquei bastante tempo lá.
P/1 – E você ficou dono dela em que ano?
R – Nós entramos lá em 74, acho que foi em 76. 78, foi quando montou a escola de futebol que ele também era par e depois já tiramos ele.
P/1 – E aqui trabalhando você continuou como professor?
R – Professor eu fiquei de 78 até 85, só dando aula e trabalhando na área de competições e eventos, organizando os eventos. Aí me convidaram pra ser diretor técnico, mas eu nunca deixei de dar aula, sempre diretor técnico e dando aula. Comecei a dar aula aqui de judô e futebol. Fui sempre dando futebol, futebol, futebol, depois deixei o judô. Quando virei diretor técnico deixei o judô que veio outro professor e fiquei só na área de futebol.
P/1 – Diretor técnico na área de futebol, é isso?
R – Diretor técnico do Cepeusp. Porque assim, você tem o diretor geral e tem o diretor técnico. Eu fiquei de 85, fiquei acho que uns oito anos como diretor técnico. Mas sempre também dando aula.
P/1 – Sempre dando aula também. E como é que foi pegar toda essa responsabilidade?
R – Olha, Lucas, sendo sincero eu não senti muito, não. No comecinho sim, como diretor técnico um pouquinho porque não tinha muita experiência e tal. Mas como eu te falei, eu me preparei muito nessa área de gestão, então fui fazer um curso nessa área de gestão e administração. Conseguia conciliar bem, eu me relaciono razoavelmente bem com as pessoas também, então isso acabou ajudando.
P/1 – E você vê alguma mudança muito grande no Cepe entre esses anos, anos 70 e 80?
R – Ah, muito cara. Eu acompanhei tudo. Com essas grandes mudanças de tudo, de tudo. Não só de infraestrutura, mas principalmente das atividades que foram sendo oferecidas. O público, hoje se tem muito mais aceite do nosso trabalho aqui dentro. A gente tem uma gama enorme de atividades aqui, que isso aqui, você até de vez em quando dá uma segurada porque é muita gente procura aqui agora. Então a evolução foi muito grande, foi muito grande.
P/1 – De construção de coisas e...
R – É. Por exemplo, isso aqui, o velódromo. Pra quê? Nós fizemos. Aí você tem um estádio pra 30 mil pessoas, o módulo, a modernização da raia. A abertura do Cepe pra outras comunidades, que antes só atendia USP, hoje você atende comunidade externa. A questão de projetos aqui dentro. Então tudo isso acabou dando uma alavancada grande ao Cepeusp. Você vê, hoje a gente tem o problema, no bom sentido, de você ter até que segurar algumas coisas aí porque é muita gente. Quando eu digo gente, pessoas, não digo nossa, aqui da USP, mas muita gente externa quer vir pra cá, quer usar aqui.
P/1 – Você lembra quando abriu pro público externo aqui?
R – Olha, acho que foi lá pra... nós estamos em 2015. Acho que 2005, por aí.
P/1 – Foi recente então.
R – É. Na verdade você começou a abrir quando acabou a Educação Física obrigatória. Porque teve que ter uma mudança de todo oferecimento de nossos cursos. Nós continuamos a oferecer nossos cursos e ampliar outros porque não tinha mais obrigatoriedade então você podia oferecer outros tipos de cursos. Esse espaço começou a ficar com alguns horários ociosos, então você pega entre nove e onze horas estava ocioso; entre duas e quatro, quatro e meia, ficava ocioso. E uma maneira da gente, acabou resolvendo atender a comunidade externa e foi você fazer o quê? Abrir curso pra comunidade infanto juvenil e terceira idade, aí começou a vir. Hoje você tem grande número de terceira idade aqui. Infantojuvenil nem tanto, até hoje, antigamente tinha mais porque acho que era mais fáci vir pra cá, hoje é muito mais difícil. Nenhum pai solta a garotada pra vir sozinho. E começamos a criar também projetos.
P/1 – Quais projetos?
R – O primeiro grande projeto que teve aqui dentro foi o USP Xerox. Porque a Xerox bancava, patrocinava, que era de atletismo e judô. E depois veio o Projeto Talento, foi o último.
P/1 – O Xerox foi em que ano, você se lembra mais ou menos quando começou?
R – Deixa eu ver... esse aqui começou em 95, o outro começou, acho que foi três anos antes, 92, por aí.
P/1 – Você era diretor técnico?
R – Eu era diretor técnico.
P/1 – E qual que era o objetivo desse projeto?
R – Esse do Xerox era descobrir talento para atletismo e para o judô. Então tinha 300 vagas e a Xerox pagava tudo, mesmo os técnicos que foram contratados, que eram técnicos altamente especializados. Nós tivemos muita gente atleta que saiu daqui, muita gente. Que acabou sendo, principalmente na parte de velocidade, de salto de distância. Uma menina, acho que salto com vara. Acho que até essa menina que está aí, a Maureen.
P/1 – Maureen Maggi?
R – Não. É, Maureen Maggi, né, essa que está saltando agora? É isso aí.
P/2 – Fabiana Murer?
R – Fabiana Murer, isso. Maureen Maggi é de salto à distância. Ela começou aqui. Foi um projeto muito interessante porque os testes eram feitos para descobrir o talento mesmo, entendeu?
P/1 – Tinha peneira?
R – Peneira, tudo. Nossa, eram testes e testes. Alguém indicava, então a gente começou a pegar muita gente. Como também outra coisa que foi muito legal nesse projeto, é que começou a aparecer muita criança numa situação socioeconômica bem desfavorável. E como aqui ele tinha lanche, tinha almoço, tinha passe escolar, nossa, vinha muita gente. E deram bons resultados.
P/1 – Queria entra no PET agora. Como é que surgiu a ideia dele?
R – Muito bem. Então o PET é assim, como é que surgiu o PET? O PET surgiu acho que um ano depois da morte do Ayrton porque o Ayrton treinou aqui oito anos. Como na pré-temporada ele ficava aqui ele estava sempre interagindo, conversando, às vezes ele ia pra sala e ficava batendo papo. O Nuno, que era o treinador dele, ficava por aí. Então ele vinha e ficava a manhã inteira aqui. Gostava porque ninguém perturbava, ficava mais no restrito também, um lugar bem sossegado. Ele vinha nesse horário de nove até dez, onze horas. Então acho que isso também, não sei se ele comentava lá com alguém da família. E ele fez uma vez uma reportagem, não sei se vocês já viram isso, que é um sobrevoo sobre São Paulo, nos lugares que ele gostava, de helicóptero. E um dos que apareceu foi aqui. Ele falou: “Olha, aqui é a Universidade de São Paulo onde eu treino, que eu gosto” (corte). Veio aqui na visita pra conhecer e ainda estava tendo Xerox. E parece que o Ayrton Senna tinha falado alguma coisa pra eles lá e gostaria de fazer alguma coisa com esporte. Porque ele tinha se comprometido com o Banco Nacional de reformar a pista, que a pista já estava ficando meio ruim: “Ah, vamos falar com eles lá”. Foi em março, ele faleceu em maio. Então a Viviane veio aqui conversar com a gente. O professor Luzimar Teixeira era o diretor e eu era diretor técnico. E ela veio perguntar como é que era, conheceu, papapa, um dia lá ela ela disse: “Olha, eu tenho a ideia de fazer um projeto mais ou menos assim mas não sei como, parara parara. Aí a gente falou: “Olha, nós temos já experiência com o projeto Xerox, se você quiser conversar”, então levamos ela pra conversar com o pessoal da Xerox, explicaram como é que era, como que não era. “E a gente pode, que tipo de coisa que vocês querem, qual é o tipo de suporte que vocês podem dar porque a universidade não vai suportar isso aí, não vai ter dinheiro pra bancar” “Não, isso é o de menos, nós vamos conversar”. Aí conversar, depois veio de novo e falou: “Bom, como é que a gente pode desenhar isso aí”. Ele falou: “Nós temos aqui atletismo e temos judô. Já que vocês querem fazer também, do mesmo modo”. Porque por que é Esporte e Talento? Que é também pra descobrir talentos. “Nós podemos fazer futebol, podemos fazer canoagem, podemos fazer handebol, basquete”. Ficou aquela discussão até que se chegou à conclusão. E o que nós fizemos então? Acho que era basquete, o futebol, acho que um pouco de canoagem, foram quatro modalidades. Nós contratamos professores, montamos todo um projeto, como é que iria ser, como é que não iria ser, com quem ia fazer parcerias, se ia dar passe de ônibus, se ia dar lanche, essas coisas assim. E depois como é que vai ser o nome, mas ninguém sabia o nome. Nós estávamos discutindo, não sei se fui eu, quem é que foi: “Pô, não é pra talento?”, era projeto, né, não era programa. “Projeto Esporte e Talento”, aí ficou, PET, Projeto Esporte e Talento. Mas o objetivo dele era você montar equipes, descobrir garotos para o esporte. E foi durante um grande tempo e realmente foi saindo garotos daqui de canoagem, do basquete, futebol. E também se faziam os testes. Então contratamos professores pra trabalhar com isso. E assim foi. E aí nós começamos também a arrumar algumas parcerias para ajudar. Então na época eu tinha uma relação muito boa com o pessoal da Nestlé, aí conseguimos lá com esse meu amigo que o lanche fosse bancado pela Nestlé, então a Nestlé bancava, mandava iogurte, bolacha, essas coisas assim. E outra parte o Instituto assumia.
P/1 – O Instituto Ayrton Senna.
R – O Instituto Ayrton Senna bancava os professores e outras despesas que tinha de operacionalização, parte operacional.
CORTE
P/1 – Ia te perguntar então quem que você chamou e como é que você escolheu essas pessoas para compor o PET?
R – Olha, nós fizemos uma seleção. A gente sempre dava prioridade pro pessoal aqui da escola, formado aqui na escola. E como sempre teve esse programa de estagiários aqui, então pra nós, e eu como eu falei eu passei por isso, acho que é uma das melhores maneiras que você tem de ver o profissional, como é que ele é. Porque você participa, trabalha com ele, vê, ele se envolve, coisa assim. Então nós tínhamos naquela época estágios aqui, então tinha alguns meninos da escola que faziam, então Alexandre Sasaki, Michael, Marcos e outros aí. E nesse momento que teve essa necessidade pra gente selecionar para o Projeto Esporte e Talento, a gente fez uma seleção. Alguns a gente já conhecia, então já convidou direto, até porque você podia contratá-los direto, era contrato pelo projeto, não era aqui pela USP. Então alguns a gente indicou e outros selecionou. Mas assim, a maioria já era pessoal que a gente conhecia.
P/1 – E quem você lembra de ser...
R – O Alexandre Sasaki, o Maykell, o Marcos, a Kátia. Acho que a Paula veio depois um pouco. É, o Paulinho que já saiu, a Miriam que já saiu, o Zé Roberto Siqueira saiu. A Suzana, que a Suzana era minha atleta de futebol feminino. A Suzana, não sei se ela falou ou se vai entrevistar, mas ela jogou na seleção brasileira de futebol feminino. Ah, no Esporte e Talento nós também fizemos isso, nós demos também um enfoque às meninas, a esporte pra meninas. Então futebol foi um deles. Futebol feminino. E tem menina boa que saiu daí também. E a Suzana trabalhou com a gente nesse aí, eu a convidei também.
P/1 – Você se lembra mais ou menos como é que eram as atividades, se era dividido por modalidade?
R – Era por modalidades, já selecionava as crianças para aquela modalidade. Então era modalidade, tinha de manhã e tinha à tarde, tinha o número x de vagas, era anual, você fazia semestre mas normalmente o programa era anual, sempre a gente fazia a seleção pro ano. E o enfoque era esporte competitivo, quando começou.
P/1 – E como é que vocês selecionavam as crianças?
R – Ah, você divulgava, elas iam fazer testes. Tinha uma bateria de testes específicos para cada modalidade e as crianças passavam por isso. E tinha a questão socioeconômica, que era muito forte, que a gente sempre dava prioridade àqueles que tinham menos condição socioeconômica.
P/1 – Vocês acabavam atendendo alguma área específica no fim? Da comunidade.
R – A maior parte era daqui, vizinho. São Remo, Jaguaré, era mais daqui, essa garotada da redondeza.
P/1 – Como era o espaço lá? Era onde é hoje?
R – Sempre foi lá. É que depois cresceu lá, mas a gente já começou lá sim. Já começou naquelas sala ali que era o “escritório”. O escritório começou ali.
P/1 – E você tinha apoio de mais alguém aqui da USP, da reitoria, o Cepe viu com bons olhos isso?
R – Viu, viu.
PAUSA
R – Como eu te disse que a gente já tinha tido uma boa experiência, uma ótima experiência com a Xerox, então já tinha um know-how. E na época o diretor era o Luzimar, então a reitoria também aceitou na boa. Era o professor Fava que era o reitor, não deu problema, não.
P/1 – E o PET mudou com o tempo?
R – Ah, mudou, né? Eu assim, acho que 2003, por aí, acho, eu saí da direção técnica e fiquei só como professor. Aí eu te confesso que eu deixei de participar. Eu vi que as coisas foram mudando, foram mudando, mas eu via muito de longe. Eu sei que depois nas discussões que têm aí dos professores que houve mudança com o Instituto Ayrton Senna. Porque na época também, logo depois que começou, teve o grande apoio da Audi, me parece que a Audi sustentava também o projeto, que era uma parceria do Instituto Ayrton Senna com a Audi e a gente. Acho que teve mudanças depois, não sei o que aconteceu, e aí houve uma mudança até de filosofia, que aí o instituto também foi mais pra área educacional e acabou o esporte sendo usado mais nessa área educacional. Então acabou essa questão da competição, hoje a atividade é mais, não vou chamar de recreativa, mas é uma atividade que é mais um elemento que você vai auxiliar na educação do menino ou da menina, que hoje acho que é o grande direcionamento do Instituto Ayrton Senna. Mas eu te confesso que depois disso eu não acompanhei muito mais, comecei agora que eu voltei como diretor faz um ano, aí fui me inteirar de novo o que estava acontecendo, como é que era, como é que não era. Mas eu sabia por cima, detalhes não.
P/1 – Depois de 2003.
R – Depois de 2003 eu me afastei e só voltei agora.
P/1 – E antes de você se afastar você lembra se tinha eventos que o PET organizava? Como é que fazia?
R – Tinha. Nós fazíamos grandes torneios. Convidava outras escolas, fazíamos torneios de futebol, de basquete, fazia de tudo das modalidades. No caso da canoagem as crianças participavam de federação, tivemos garoto que ganhou medalha, que foi campeão paulista. Como era competitivo você tinha que promover a competição, não tinha jeito. Só treinar, treinar, ninguém quer, então você tinha que fazer com que o garoto competisse.
P/1 – Era Olipet também?
R – Não, esse Olipet veio agora com essa questão educacional. O nosso era competição, era jogo pra valer, o cara tinha que ganhar. Não que tivesse cobrança, mas você tinha um público que era selecionado, treinava pra isso, então eles também queriam ganhar.
P/1 – Você se lembra quando mudou de PET pra Prodhe? Você estava acompanhando esse processo?
R – Não, não. Essa foi a grande mudança.
P/2 – Emílio, enquanto diretor técnico no Cepe qual era o seu papel de proximidade com o PET?
R – Eu que coordenava tudo. Eu coordenava toda a área do PET, que era pequeno. E como era esportivo eu praticamente coordenava todo. Só depois, quase no final da minha gestão de diretor técnico que eu coloquei o professor Edson Bacani pra gerenciar lá. Só pra você ter uma ideia, esse nosso projeto, o PET, Projeto Esporte e Talento, era tão forte, foi tão forte que nós conseguimos colocar em outros lugares do país. Então abrimos, não nós abrimos, mas colocamos assessoria pra Viviane que já que ela tinha a ideia de expandir, então colocamos em Belém do Pará, que era o Riacho Doce, também foi um evento muito grande, teve muito, muito resultado. Em Campo Grande, lá na Federal de Pernambuco, em Recife, com o professor Cabral, e na Unisinos. Então tinha grandes polos. Tanto é que teve uma época que a gente se reunia, vinha pra cá, ia pra lá, tinha reuniões juntas, tinha competições juntas, a gente ia pra lá ou eles vinham pra cá, fazia um intercâmbio. Tinha uma vida muito grande.
P/1 – O modelo do PET se expandiu.
R – Expandiu. É que aqui nós fomos o primeiro, aí a gente acabou. É lógico, cada um com a sua particularidade mas, vamos dizer, a estrutura era a mesma.
P/1 – E depois de 2003 você foi fazer o quê?
R – Fiquei aqui dando aula só. Dando aula, fazendo cursos. E como eu falei a vocês que eu sou ligado ao futebol, hoje eu sou vice-presidente do Sindicato dos Treinadores Profissionais de Futebol de São Paulo. Então acabei me envolvendo muito com organização de curso pra treinadores, questão da capacitação técnica. Também comecei a fazer muito intercâmbio de times, de universidades, clubes, dos Estados Unidos pro Brasil, de futebol também. Seleção americana, trazia universidades, trazia clubes. Ou ia dar clínica lá, eles vinham pra cá. Aí eu fiquei mais ou menos esse período assim.
P/1 – Você chegou a treinar algum clube, algum time?
R – Eu treinei não como treinador mas como preparador físico logo que eu me formei, na Portuguesa. E agora, aqui profissional. Amador sim, fui técnico de seleção brasileira de futebol, Universíade. Daqui da Universidade de São Paulo nós fomos disputar torneios internacionais. Da PUC. E o último trabalho meu com o futebol foi coordenador técnico desse projeto Red Bull, que começou na B e agora está na A1 e está, felizmente, disputando o Brasileiro D. Mas eu já saí também, faz uns três anos eu saí de lá. Mas a gente que implantou todo esse projeto, desenvolveu, até chegar na A2.
P/1 – Eu queria voltar um pouco agora pra sua vida pessoal. Você se casou com a Rosemeire e você teve filhos?
R – Tenho dois filhos.
P/1 – Quem são?
R – Um é o Luís Augusto, o outro é o Fernando. Luís Augusto está com 35 e o Fernando, 33. Luís Augusto é publicitário e o Fernando é professor de Educação Física, trabalha também com personal trainer e futebol. E o Luís Augusto é músico, tem banda, se vocês quiserem divulgar, eles tinham o, ai caramba, tem a banda que era mais ligada a rock, agora não, agora eles estão indo pra música mais instrumental.
P/1 – E você voltou a ser diretor em que ano?
R – No ano passado.
P/1 – Como é que foi?
R – Porque assim, hoje quando muda o reitor o pessoal aqui faz uma, quem quer ser diretor? Então você se candidata, você quer ou não. Aí tem uma discussão, você apresenta o seu plano de trabalho, sua proposta de gestão e depois tem uma eleição e escolhem, nós funcionários e professores. E aí me candidatei e ganhei e estamos aqui.
P/1 – Como é que está o projeto hoje, o Prodhe?
R – Hoje ele continua sendo voltado mais para a parte de esporte educacional. Eles têm muita integração com a comunidade aqui em volta, acho que essa região toda. Tem trabalho que eles fazem de conscientização, de auxiliar em recursos humanos, fazer com que o esporte seja mais...
PAUSA
R – ... o esporte que onde se desenvolve mais com a periferia, nossos vizinhos aí. E participa de alguns movimentos aí, a questão de atividade física. A Poli, inclusive, é muito envolvida. Hoje o Prodhe também está envolvido com o ministério, questão de Plano Nacional de Esporte. Acho que já saiu fora da universidade. A gente está aí, acho que eles até estão rediscutindo uma nova forma de trabalho, vamos ver como é que a coisa vai.
P/1 – Você tem alguma expectativa pro futuro do Prodhe, que você espera que aconteça agora?
R – Olha, o que a gente está vendo agora com o Prodhe, inclusive uma aproximação maior com as atividades do Cepeusp (barulho de helicóptero). O que nós estamos fazendo é uma aproximação maior do Prodhe com as atividades aqui do Cepeusp. Até porque a própria universidade hoje, essa gestão, ela está muito preocupada em incentivar a prática esportiva dos alunos. Apesar de você ver muita gente aqui competindo, tem 60 mil alunos. Pelos dados que nós temos aqui, 6%, 7% praticam alguma atividade que a gente controla. É pouco, né? Então nós estamos discutindo inclusive isso.
P/2 – O Prodhe tem algum parceiro hoje?
R – Que eu saiba só o Ayrton Senna, parceiro, parceiro. As outras são Sesc participa, mas são coisas isoladas, algum evento, alguma atividade.
P/1 – E quais são os desafios hoje pro Cepe?
R – Hoje o grande desafio do Cepeusp é a recuperação da infraestrutura, vocês devem ter visto aí tem uma montanha de obras. Reestruturar um pouco os cursos que nós oferecemos, até porque nós tivemos alguns professores que saíram agora, se aposentaram, saíram. E fazer com que mais alunos venham fazer atividade, porque funcionário, professor já fazem, mas aluno acho que ainda tem campo pra fazer o número de frequentadores aumentar. E isso implica, lógico, em você reestrurar a infraestrutura. Então tem muita coisa aqui que dá problema, isso aqui, estádio, a gente está tentando fazer com que algumas instalações sejama recuperadas e a gente está fazendo. Pra você ter ideia, o módulo três e quatro vai sair agora, já vai trocar o telhado dos módulos, que tem um problema sério de chuva, já está andando. Vai recuperar as quadras de tênis porque a China vai vir treinar aqui para a Olimpíada. A Itália vai vir treinar aqui pra pista, a pista é nova, perfeita. A gente conseguiu também aprovar duas leis de incentivo, uma para uma sala de musculação e outra para a volta, também já foi comercializado. E essas quadras externas a gente vai comemorar da um a seis e aquela sete e oito está até tudo pronto pra fazer, mas agora como vai começar a obra do telhado a gente vai parar porque acho que aquilo lá vai ser usado pra canteiro de obras e tal porque vai ser uma obra que vai demorar quase um ano. Então acho que esses são os grandes desafios. Mas a gente está conseguindo, viu? Está conseguindo. Essa gestão da reitoria está num apoio muito grande pra isso. Nós tínhamos uma relação muito boa com a pró-reitoria de graduação, professor Antônio Carlos Hernandes e ele é uma pessoa que está estimulando muito essa questão da atividade física, esporte, tanto aqui no Cepeusp quanto o Cefers do interior e com a Laausp, com os jogos da liga. Então isso é muito bom porque desde que eu estou aqui alguns já apoiaram, mas essa foi a primeira vez que a reitoria colocou no plano de metas da universidade queo esporte na universidade é importante. E não é só no papo, é com dinheiro, com recursos. Só pra ter ideia, essa reforma do telhado do módulo, cinco milhões, um quantia bem significativa, né? Isso é sinal que valoriza e acha que isso é importante. Então esse eu acho que é o grande desafio que nós temos hoje aqui, é de você estar sempre evoluindo. Dentro da universidade você tem que estar assim. Nós temos, por outro lado, nosso corpo docente está ficando velho, então nós temos que tentar também fazer com que o pessoal mais jovem se anime, se motive a fazer coisas bem importantes. E diferentes, inovadoras.
P/1 – Esses anos todos que você está aqui, quais histórias marcaram você? Que você passou.
R – Olha, tem histórias boas assim, que são de esporte, que a gente fez muitos eventos interessantes, eventos internacionais, eventos onde nós viajamos pro exterior também, com a universidade, levando as equipes, principalmente futebol e atletismo, como um evento que tem no Japão que chama Ekiden, fomos diversos anos pra lá. E agora histórias tem, história de alunos, tem história de piscina, tem uma série de coisa que acontece aí, tem que acontecer, né, não tem jeito.
P/2 – E teve algum aluno que foi problema ou te marcou?
R – Por incrível que pareça nós tínhamos uma época que era um grupo que vinha lá da FFLCH que todo sábado quando era três horas eles vinham e queriam usar o campo de futebol sem reserva. Tinha até o nome, era nome sugestivo, Esquadrilha da Fumaça, imagina por quê. Eles vinham, ficavam, aí invadiam o campo. Toda vez, toda vez. E a gente ia lá, falava: “Não, tinha que fazer reserva” “Não, não fazemos reserva porque somos contra isso, a universidade é livre”. Tá bom. Foi, foi, foi. E a gente não sabia, alguns até conhecia, alguns professores, uns são colegas meus hoje, naquela época eram alunos. Eu tenho, inclusive, três alunos que são daquela época, tal. Até que um dia eu me irritei, eu era diretor técnico naquela época e chamei a polícia. Porque a reitoria tinha um gabinete militar naquela época, agora não tem mais. Aí eu conversei lá com o tenente e ele falou: “Você liga”, aí veio a Rota aí. Fez um pente fino. Naquele pente fino cinco foram presos, que tudo tinha passagem na polícia. Porque era um pessoal que morava no Crusp mas não era aluno, invadiam o Crusp, então essa é uma das coisas. Piscina, né, tinha a época do topless, que as meninas faziam topless, então você ia lá questionar, elas achavam que tinha que tirar porque era um direito delas, tudo bem. E vou contar aquele caso, veio uma vez o salva vida que naquela época a gente fazia contrato com o pessoal dos bombeiros. Ela estava de topless e foi questionar que ela não poderia fazer topless que é atentado ao puder. Aí ela chegou e falou: “Ah é? Então...”, tirou o resto, ficou nua e falou: “Então me prende”. Aí não teve, né? Virou as costas e foi embora, vai fazer o quê? Deixa ela ficar nua aí. Então tinha outras pessoas aí também, tinha umas alunas que faziam isso. Teve um aluno também, essa eu lembro muito bem porque me deu uma dor de cabeça
PAUSA
R – Teve também um moleque na piscina que eu lembro assim, um aluno que era filho de um diretor aqui de uma grande faculdade e ele gostava de ir no trampolim, lá na plataforma de dez metros. Chegava lá, subia, ficava lá. Daqui a pouco tirava o calção e pulava pelado o tanque de salto. E você ia fazer o quê? Tinha que ir lá, chamar, pegava a carteirinha, aí chamava, depois fazia de novo. Alguns casos meio... mas assim, casos muito esquisitos. Tivemos aqui, ah, gosto de falar uma coisa também que foi muito legal, uma história muito muito bonita, aqui no velódromo, nós tínhamos a um evento que era Free Jazz Festival. Então BB King tocou aqui, Etta James, Chuck Berry.
CORTE
P/1 – O que significa o Cepe pra você, pra sua vida?
R – Olha, pra mim o Cepe está impregnado na minha vida porque eu desde 1970 estou aqui, sempre, então pra mim faz parte da minha vida. É assim, mais de 60%, mais, parece que passei a minha vida inteira praticamente aqui. Estou há 40 anos. E assim, é um lugar que eu me realizo, me sinto bem, gosto muito, acho que é um lugar que sempre vou querer estar aqui, mesmo depois que eu me aposentar, eu até brinco com o pessoal aí, terceira idade eu vou vir pra cá para usufruir mais o que eu puder (risos). Pra mim é aquela coisa que fica assim, é uma parte da sua vida, né? Uma coisa que te completa profissionalmente, acho que profissionalmente pra mim me abriu imensas portas, em todos os sentido, tanto relacionamento humano, relacionamento de atividade profissional. Consegui, através do Cepeusp, conviver com muitas pessoas importantes, tanto no meio esportivo como no meio aqui dos reitores, governadores, presidentes, alguns atletas famosos, então isso me deu muita, muita, não só autosatisfação mas também muita alegria. Então o Cepeusp pra mim é em suma assim, é um braço, dois braços da minha vida, do meu corpo. Eu tenho o tempo inteiro, minha vida é identificada, mesmo quem me conhece profissionalmente é o Emílio do Cepeusp, Emílio do Cepeusp. Estamos aqui.
P/2 – E fora do Cepe, o que você faz hoje?
R – Olha, fora do Cepe hoje eu estou no sindicato de treinadores, que faz esses cursos, e às vezes faço umas consultorias, mas mais a questão de projetos. Tem inclusive uma empresa que faz projeto com futebol, então, sou consultor deles.
P/2 – E em casa você faz alguma coisa, você pratica esportes?
R – Eu pratico esportes, eu gosto de correr, gosto de fazer musculação, jogo futebol ainda, segundas e quartas, só recreação, não jogo mais pra valer, chega, abandonei faz dois anos a carreira, não dá mais (risos). E assim, gosto de participar de alguma outra corrida, mas poucas, cinco mil, sete mil metros, até dez mil eu topo, depois disso já não. Gosto de restaurante, cinema, gosto bastante de cinema. Viajar, nossa, eu adoro viajar. Aliás meu signo não pode ver um aeroporto que já quer viajar, sagitariano. Adoro viajar, nem que seja daqui pra, se o cara me convidar: “Vamos pra Embu”, eu vou. Eu acho que, pra mim, eu acho que a maior lição de vida que se tem é viajar, você conhecer pessoas diferentes, lugares diferentes, culturas diferentes, então eu sempre gostei e até hoje eu faço isso quando posso.
P/1 – Que viagem você gostou de fazer?
R – Ah rapaz, muitas, muitas. Aqui no Brasil foi alguns lugares que eu fui pra interiorzão do Brasil. Eu fui muito pros Estados Unidos, muitas vezes pros Estados Unidos, então conheço muitos lugares. Europa, adoro a Europa. Um dos lugares que me marcou muito e ainda quero voltar de novo é o Japão. Japão é uma cultura muito diferenciada pra nós. Pra esses lugares assim que aparecer, que nem te falei, a minha mala está pronta e eu vou.
P/1 – Tem alguma pergunta que eu não fiz e que você gostaria que fizesse pra você?
R – Rapaz, agora. Acho que você fez sim, não lembro nada aqui.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje? Sonhos pessoais.
R – Pessoal? Olha rapaz, eu quero poder curtir um pouquinho mais, principalmente praia que eu gosto, né? Ir um pouquinho mais pra praia, ficar lá mais sossegado. E ter uma qualidade de vida. Praticamente mais uns três anos eu aposento, então ter uma segurança, uma tranquilidade. E que São Paulo fique menos agressiva que é. Eu me criei aqui, vivo aqui, mas hoje vou te falar, cara, sabe quando você começa a ficar incomodado em morar em São Paulo? Eu estou começando a ter isso. Então se puder melhorar um pouco São Paulo ia ser um grande sonho pra mim.
P/1 – Como foi contar a sua história?
R – Olha, maravilhosa, cara! Vocês me fizeram lembrar coisas que... foi muito forte pra mim, cara. Relembrar muita coisa da vida da gente que normalmente você não faz, né? Você vive o seu dia a dia, ou então você lembra de coisinha de ontem, anteontem, mas começar desde a época que eu nasci, foi muito bom. E eu agradeço a vocês por ter me dado esse momento aí, viu? Muito, muito, muito gratificante, obrigado.
P/1 – O Museu e o Prodhe agradecem a sua entrevista, foi ótimo.
R – Que é isso, eu é que agradeço a vocês e se tiver uma outra coisa estou à disposição aí.