Identificação. A origem libanesa da avó paterna. Bairro do Vista Alegre, em Bauru. O futebol de Várzea, no famoso Parquinho. A Praça Rui Barbosa de antigamente. Os cinemas de Bauru. A Rua Batista de Carvalho, o footing e o verbo “Batistar”. Os trens da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, o Puma e o carro-restaurante. O trabalho do pai no carro-restaurante e as histórias engraçadas. A abertura da Lalai, uma das melhores confeitarias/restaurantes da cidade e o trabalho do pai como garçom. A ida para o restaurante do Posto Sem Limites. A proposta do Sr. Abel do Beco Armarinhos para o pai assumir o Skinão na Rodrigues Alves, esquina com a Gustavo Maciel. A história do verdadeiro sanduíche Bauru. O trabalho no trailer para manter a tradição do Zé do Skinão.
O perfeito "Bauru" é do Zé do Skinão!
História de Júlio César Sanches Francisco
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 10/03/2021 por Ana Eliza Barreiro
Projeto Memórias do Comércio de Bauru 2020-2021
Entrevista de Júlio César Sanches Francisco (Jóia)
Entrevistado por Claudia Leonor Oliveira e Luis Paulo Domingues
Entrevista MC_HV009
Transcrita por Selma Paiva
P1: Vamos lá, Joia?
R1: Vamos.
P1: A gente pode te chamar de Joia?
R1: Pode.
P1: Você vai explicar esse apelido, hein?
R1: Ai, meu Deus.
P1: ((risos)) Sabe por quê? Eu coloquei na planilha da entrevista, que a gente organiza, eu coloquei lá "Joia, Bauru - Skinão Lanches". Né? Aí o pessoal falou assim: "Mas, Cláudia, ele chama Joia?". Eu falei: "Pra mim é". ((risos))
R1: Não, é Joia.
P1: Não, mas a gente começa oficialmente como Júlio, né e pode te chamar de Joia durante a entrevista?
R1: Pode. Perfeitamente.
P1: Tá. Então vai lá, Lu.
P2: Tá legal. Claquete então:
Projeto Memórias do Comércio 2020
Memórias do Comércio Bauru, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto
Entrevista HV_009
Júlio César Sanches Francisco, o Joia, Skinão Lanches
Transcrita por Selma Paiva
P2: Bom, bom dia. Agradeço por você aceitar a nossa entrevista. É um trabalho muito interessante e muito importante pra nossa cidade, porque resgata a história do comércio, desde os primórdios de Bauru. E, pra começar, eu gostaria que o senhor falasse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que o senhor nasceu.
R1: Bom, primeiramente, obrigado pela oportunidade e queria, antes de me identificar, parabenizar a nossa querida São Paulo, pelos 467 anos hoje. Parabéns!
P2: Opa! É hoje.
R1: Meu nome é Júlio César Sanches Francisco, eu nasci dia 06 de março de 1955, em Bauru.
P2: Em Bauru. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R1: José Francisco Júnior e Mariana Sanches Francisco.
P2: E dos seus avós? Você lembra o nome dos quatro avós?
R1: Sim. Mariano Sanches, Carmem Galves, José Francisco e Zulmira Bechir.
P2: Legal. E o senhor tem irmãos também?
R1: Sim.
P2: Quantos?
R1: Tem mais dois: José Carlos Sanches Francisco e Marco Antônio Sanches Francisco.
P2: Legal. E o que o senhor lembra, o que o senhor sabe da origem da sua família, né? Eles vieram de onde, pra chegar em Bauru? Se eles são imigrantes ou não? O senhor conhece essa história?
R1: Sim. (00:02:05:17) Por parte de meu pai, a minha avó, quando atracou o navio vindo do Líbano, ela deu à luz a meu pai. Então, meu pai é norte-rio-grandense, nasceu no Rio Grande do Norte. Assim que o navio atracou, a minha avó deu à luz, brasileiro, ((riso)) mas gerado no Líbano (00:02:26:15) e os outros são espanhóis, o vô Mariano e a vó Carmem.
P2: Ah, tá. E eles não tinham nome sírio?
R1: Só a minha avó, Zulmira Bechir.
P2: Ah, Bechir, está certo.
R1: É.
P2: E você lembra, quando você era criança, desses traços culturais que vêm de fora? Tinha comida síria, por exemplo, na sua casa?
R1: Meu Deus do céu! Coalhada, charuto, quibe cru, quibe assado, homus. O que você imaginar, tinha.
P2: Tinha lá.
R1: Era uma delícia. Minha avó cozinhava que era uma beleza.
P2: E eles falavam a língua da pátria-mãe?
R1: Minha avó, sim.
P2: Falava?
R1: (00:03:12:00) Minha avó tramava a língua dela, tinha só umas... palavrões assim, a gente aprendia bastante com ela, mas as outras coisas normais, não. (00:03:19:19) E ela tinha uma diferença, sabe? Diferenciava a minha avó.
P2: Sim.
R1: Isso a gente lembra desde a infância, que (00:03:27:07) todos os dias, às 19 horas, ela encostava o ouvido no rádio, pra ouvir Hora do Brasil. Não tinha vínculo nenhum com Brasil, era libanesa e todo dia... sessão de final de semana, todo dia ela ligava o rádio, ficava lá encostadinha, ouvindo uma hora de rádio. Xingava algumas vezes, algumas coisas que ela entendia, mas ((Riso)) essa é a lembrança que eu tenho. (00:03:52:15)
P2: Sim. E aí o seu pai nasceu lá no Rio Grande do Norte, né?
R1: Sim.
P2: Depois que desembarcou do navio. E como chegaram a Bauru?
R1: Aí vieram de... não pau de arara, vieram de ônibus, né? Chegaram aqui... eles vieram pra Águas do Paiol. Na realidade, mudaram tudo pra Água do Paiol, com a Dona Sara Viziara, aquele pessoal ali. E ali ele foi conhecendo, fazendo amigo, aí veio pra Bauru, onde entrou na Noroeste.
P2: Ah. Primeiro, então, eles foram pra uma fazenda, né, na Água do Paiol?
R1: Sim, é.
P2: Aí depois foram pra Noroeste, trabalhar lá?
R1: Isso. Depois eles vieram, ele conseguiu emprego na Noroeste, num carro-restaurante e ficou lá até entrar na Lalai, uma confeitaria muito chique na época, aqui em Bauru.
P2: Sim. E da sua infância, você lembra o que, assim? Quando você era criança, você morava onde, aqui em Bauru?
R1: Nasci e cresci no Vista Alegre. Parque Vista Alegre.
P2: No Vista Alegre?
R1: Eu chamo de Estância Balneária do Parque Vista Alegre, porque a água é muito boa.
P2: Água é muito boa lá, né?
R1: A água é muito boa.
P2: A primeira estação de água nossa, de pegar água pra tomar, em Bauru, foi lá, né?
R1: Foi.
P2: O senhor lembra disso?
R1: Lembro.
P2: Foi ali perto do Vista Alegre.
R1: Foi lá no Vista Alegre.
P2: E o que o senhor fazia? Como é que era o Vista Alegre quando o senhor era criança?
R1: Não tinha nada.
P2: Se o senhor puder fazer...
R1: Só tinha casa onde morávamos e o resto era tudo mato. Subia então... era rua de subida, né? Normal, subida. (risos) Chovia, o ônibus não subia. Não tinha força o motor, pra subir o ônibus naquela subida.
P1: Ô Joia, a Daiana chegou.
P2: Era terra? Rua de terra?
R1: Tudo terra. Oi, Daiana. Bom dia, tudo bem?
P3: Tudo bem?
R1: Bom ver você. Saúde!
P3: Tudo bem. Muito feliz também. O senhor está bem?
R1: Estou. Muito obrigado. Graças a Deus.
P3: Ai, que bom, fico feliz.
P1: Então, Joia, deixa eu pedir uma coisa assim: descreve pra gente como é que era o Parque Vista Alegre, assim, perto de que outro bairro ficava? Você falou da chuva, né? Mas como... descreve pra gente essa sua lembrança mais antiga do Vista Alegre.
R1: (00:06:12:06) Vista Alegre, na minha infância, era tudo estrada, rua de terra, né? Não tinha. Tinha erosões, bastante erosões, a gente brincava nos buracos. E acesso pra Bauru só tinha dois: um era a ponte ali da cadeia e a outra era a Ponte Silvino. Só dois lugares pra você chegar ao Vista Alegre. E era, nossa, a molecada era búlica, futebol, (risos) tudo, birola, jogava tudo, não tinha... bet. Jogava tudo na rua. Não tinha problema de violência, não tinha nada. A molecada ingênua, né, não tinha nada, maldade nenhuma. (00:06:47:28)
P2: E, nessa época, você morava com os seus pais e com os avós juntos?
R1: Não, só com os meus pais. Minha avó ficou conosco 20 e poucos anos, depois veio a falecer, a vó Zulmira.
P2: Certo. E quem foi trabalhar no vagão de restaurante da Noroeste, depois na Lalai, foi seu pai, então?
R1: Sim. Depois da Lalai, ele ficou ali... (00:07:21:24) os anos dourados de Bauru, né, que tinha o footing, aquele pessoal. Era chique demais aquilo lá, né? Prataria. Era coisa de primeira, pra época, né? (SEM CONDIÇÕES)
P2: Sim.
(00:07:36:02)
R1: E aí, depois, ele foi pro BTC. Abriu uma concessão do restaurante, ele participou da concessão e ganhou. E lá permaneceu por 25 anos, como gerente do restaurante, ele com a Lalai Pompeo. Depois muda a política, muda o presidente de clube, então ele acabou saindo. Saiu e foi pro Sem Limites. Foi pro Sem Limites, na rodovia, do Red five* [incompreensível] (08:02). Convidou ele pra ir lá, tal. Ficou um ano. Aí, depois desse ano, ele falou: "Ah, eu acho que eu vou ganhar alguma coisa". Aí ele parou por seis meses. E ‘seu’ Abel subia, que é do Beco Armarinho ali, de boa memória ‘seu’ Abel, havia aberto esse Skinão na Rodrigues Alves, esquina com a Gustavo Maciel. Até o nome, quem deu foi ele, o nome fantasia foi ele. Aí encontrou com meu pai na rua, na Batista Carvalho e falou: "Zé, meu negócio é vender armarinho, vender zíper, essas coisa, Zé, não é fazer lanche. Você não quer pegar aquilo?". Falou: "Não, mas não tenho dinheiro. Quanto você quer?". Na época era 10 milhões. Era dinheiro a beça, né? Mas cortaram muitos zeros do nosso dinheiro, né? Então: "Ah não, não tenho dinheiro" "Não, pensa com carinho". Ele tinha... havia aberto há seis meses a lanchonete, ele não aguentava mais, o turco, lá. Aí ele: "Ah, pensa Zé, pensa". Aí chegou em casa: "Tenho uma proposta, tal, mas eu não tenho esse dinheiro. Onde vou arrumar esse dinheiro?". Aí, como ele havia passado no BTC, aí tem aquela história, né: "O Zé é amigo meu, é amigo meu". Tapinha nas costas, aquelas coisas, sabe, de: "Se você precisar de alguma coisa, tal". Aí meu pai: "Vou pegar fulano, pegar ciclano. Ô Zé, sinto muito, mas não dá, não tenho". Ah, tudo bem até aí. Passou uma semana, ele preocupado: "Puta, vou perder aquele negócio lá". Aí ele encontrou um amigo dele. Pode falar o nome?
(00:09:28:14)
P2: Pode, claro.
R1: Posso falar o nome dele, né?
P2: Pode.
(00:09:35:07)
R1: É o Juca, o dono da Consiste, falecido também: "Ô Zé, o que está acontecendo, Zé? Você está meio preocupado, tal" "Ah, é que surgiu um negócio". O meu pai explicou a situação pra ele. Aí ele falou: "Ah Zé, não esquenta a cabeça, vamos ver o que que a gente pode fazer". Mas nunca ia imaginar. Aí, uma bela terça-feira, nós estávamos na casa do meu pai, chega lá o Juca: "Zé". Fez o cheque. "Paga quando você puder". Nossa, aquilo foi... ((riso)) até emociona. Aí ele comprou o Skinão.
(00:10:09:08)
P2: Sim. E o senhor lembra que ano foi isso?
R1: 1972. (00:10:16:00) Agosto de 1972. Comprou e pagou em dez parcelas. Tenho o recibo ali guardado até hoje. (00:10:24:03)
P2: Até hoje. Mas vamos voltar um pouco mais pro passado, na sua infância. O que o senhor fazia na rua, assim? Saía pra passear? O senhor participou desse footing aí? Ou não?
R1: Participava, sim. Tinha... (00:10:43:00) que nós não tínhamos carro, né, tinha um cara que era sobrinho da Dona Eny Cezarino, ele tinha um... quando ele fez 18 anos, ele conseguiu um Opala, ganhou um Opala. Tirou zero o Opala. Aí nós fomos... então, você descia a Primeiro de Agosto, fazia o balão na Machado de Melo e subia a Batista de Carvalho. Aquilo era uma beleza, dentro de um Opala, toda a molecada. Isso e teve também o Parquinho Futebol Clube, clube do amador aqui, que nós fundamos...
P2: Sim.
R1: ...em 1967, no Vista Alegre. E era uma escola que existe até hoje.
(00:11:12:23)
P2: E o senhor foi jogar lá? E o senhor jogava lá no parquinho? Jogava futebol?
R1: Jogava não, dava exibição. Eu não jogava...
P2: Ah, exibição? ((risos))
R1: Não,(00:11:33:04) a gente praticava com a turma, né, que era tudo canelada. E onde tinha esse... existe hoje o Joaquim Madureira, o ginásio, existia um parquinho. Parque de... sabe? De passear, o pessoal, com brinquedo. Então, como não tínhamos campo, tal, a gente brincava ali. Então, surgiu o nome Parquinho, porque era no parquinho ali no Vista Alegre. Isso em 1967. (00:11:57:12)
P2: Sim. Aí já começou o Parquinho a enfrentar os outros times do amador, né?
R1: É, começou com amistosos, depois com o (12:50) Carlinho, um torneio que era um gigante aqui, não tinha pra ninguém, foi a segunda divisão, segunda divisão do amador, primeira divisão. Chegamos a disputar até a terceira divisão profissional. Ficamos em quarto lugar, porque o presidente da federação achou que seria uma competição amistosa. Aí perdemos o embalo, aí ficamos em quarto.
P2: Ah, legal. E o senhor chegou a viajar com o seu pai, no vagão-restaurante, quando era bem pequeno?
R1: Não, não, não. Não participei, não. Fui pra Mato Grosso, tudo, mas fui só a passeio. Com ele, não.
P3: E o trem ia até a fronteira?
R1: Até Corumbá.
P2: E o trem ia até Corumbá, né? Fronteira.
R1: Até Corumbá, isso. Corria tudo. Hoje, infelizmente, acabou.
P2: Pena, né?
R1: É uma pena.
P2: Não tem mais trem de passageiro.
R1: Não tem.
P2: E o restaurante do trem, da Noroeste, era conhecido, né, por ser um baita de um restaurante bom, não era?
R1: Era cinco estrelas, cara. Na época, não tinha pra ninguém, não. Era do William Pompeo, que era o pai da Dona Lalai, que era o arrendatário do trem, né?
P2: Do trem.
R1: Ele fazia seis ... (13:30).
P2: E o senhor lembra da ... [problema de áudio] (13:34) ficou quanto tempo?
R1: Não... não saiu direito a pergunta. Repete, por favor.
P2: Ah, desculpa. Aí eles tomaram conta do restaurante até mais ou menos quanto tempo? Até que ano?
R1: Ah, 1965, mais ou menos. Depois ele foi pra Lalai.
P2: Ah, legal. Aí foi o restaurante mesmo da Lalai, né?
R1: Isso. Essa é uma confeitaria.
P2: É? O senhor lembra da estação da Noroeste? O senhor frequentou lá?
R1: Lembro. Uma pena também, tudo abandonada.
P2: Está tudo abandonado, né?
R1: Tudo abandonada.
P2: E como é que era o ambiente lá? Como era...
(00:14:15:19)
R1: Nossa, o ambiente era... era gostoso o ambiente. Você via aqueles trens Puma da Paulista chegando, horário. Você acertava o relógio com o horário do trem, rapaz. Era pontualidade britânica. Acertava...
(00:14:27:16)
P2: Sim.
R1: Podia bater seis horas: "Ó, seis horas o trem está chegando, está saindo". Dez horas chegava. Impressionante. Funcionava. Bitola estreita, bitola larga. E tinha passagem subterrânea, você saía de uma grade pra ir pra outra, pegar o trem. Era fabuloso. Os carregadores. Tinha números os rapazes que carregavam as malas: "Carregador número tal". ((Riso)) Chamava os caras. Mas era bom, muito bom. E tinha também o restaurante do seu Edgar Bicudo, que é o pai da dona Olga Bicudo, falecida, presidente da Apae. Meu pai chegou a trabalhar com ele também lá. O homem chegava assim lá fora, falava: "Zé, aquela cadeira, aquela mesa está fora". Ele visualizava um pé de mesa assim, tinha que ver um só, numa estação ferroviária, você imagina como é que era o homem! Aquelas taças brilhando, tudo, mas não tinha uma sujeira, nada, nada, nada. O homem era um primor. Meu pai aprendeu muito com ele, graças a Deus.
(00:15:26:27)
P2: O senhor lembra o nome desse restaurante? Era dentro da estação, né?
R1: Dentro da estação. (00:15:34:21) Eu só sei que é Edgar Bicudo o nome do homem, mas o restaurante eu não sei, não lembro o nome, não. Mas era uma... me dava gosto de ver aquilo, toalhinha tudo limpinha. Pra uma ferrovia, uma estação ferroviária, aquilo era um luxo. (00:15:47:10)
P2: Eu cheguei a ver isso daí.
R1: O que me marcou muito foi ele marcar os pés da mesa: "Zé, está torto". O homem era terrível.
P1: ((risos)) Tinha que alinhar. Ô Joia, quem que eram os clientes do restaurante aí da estação?
R1: Ah, tinha os engenheiros do Noroeste que vinham. As autoridades que passavam tudo no município, tudo frequentavam e o pessoal de Bauru também ia, porque sabia que o restaurante era ótimo, né? Atendimento, tudo, em se tratando de Edgar Bicudo, né?
P1: E na época que o seu pai...
P2: Esse restaurante, pelo que eu li...
P1: Desculpa.
P2: Desculpa. Pode falar. Esse restaurante...
P1: Na época que o seu pai... Hã. Não, pode falar, Lu. ((risos))
P2: Pelo que eu li, esse restaurante chegou a receber até presidentes de outros países, governadores, vinham aqui, iam nesse restaurante.
R1: Sim. Jânio Quadros, Ademar de Barros, esse pessoal passou tudo por ali.
P2: Ah, que legal. Fala, Cláudia. Pode falar, do pai dele.
P1: O que eu ia perguntar pra você, Joia, é assim: qual que era a dinâmica do trabalho do seu pai no trem, no carro-restaurante. Ele ia e voltava no mesmo dia? Como é que era, assim, o cotidiano dele de entrada, de saída?
R1: Não, pernoitava. Pernoitava. Ficava em Corumbá e voltava no outro trem. Não tinha como ir e voltar, né? Tinha que ficar. (00:17:16:13) E teve um fato pitoresco aí nesse... do trem, que o Ademar Barros ia estar em Araçatuba e foi com o trem, que iam fazer lá e tinha que preparar o almoço. E tinha o seu Crispim, que era um cozinheiro de mão cheia, só que bebia muito. Aí começaram limpar os frangos, limpar o frango, limpar o frango. Aí tinha um... não sei se vocês conhecem o restaurante do trem, tem um funil assim que você solta na linha ou você fecha e segura, né, pra guardar as coisas. Ele foi limpando e foi jogando ali no funil, jogando no funil. Chegou perto de Araçatuba, meu pai falou: "Cadê os frangos?" "Estão lá". Ele não tinha fechado o buraco, jogou tudo na linha os frangos e correram em Araçatuba ((risos)) comprar os frangos, pra atender o doutor Ademar de Barros. Era pitoresco, mas valia a pena. (00: 18:12:10)
P2: Demorava quanto pra chegar de Bauru até Corumbá? O senhor sabe?
R1: Nossa! Quase 24 horas. (00:18:23:25) O trem era muito devagar. E fazia muita curva. Meu pai falava: "Se o passageiro do último vagão esticar o braço, dá a mão pro maquinista, de tanta curva que tem". Então, sabe? Curva, curva. Se esticasse a linha fica mil e quinhentos quilômetros. (00: 18:38:02) Muita curva.
P2: E voltando pra vida do senhor quando criança, o senhor estudou onde? Na escola, o senhor lembra?
R1: Estudei. (risos) Primeiro grupo ali no Vista Alegre mesmo, depois fui pro quarto grupo, que é o Eduardo Velho Filho, é na Rua Timbiras, esquina com a Araújo, onde é o Paraná Autopeças hoje, ali.
P2: Rodoviária?
R1: É, ali foi uma das melhores escolas que eu tive. Seu Walter Barreto, meu chefe, meu diretor. Me punha de castigo direto, mas era uma boa pessoa.
P2: E o que o senhor lembra da escola? Lá era legal?
R1: Nossa Senhora!
P2: Você gostava dos professores?
R1: Ô! Adorava. A gente tinha respeito pelo professor, porque o professor entrava na sala de aula, a gente ficava em pé. Hoje estão batendo em professor, infelizmente.
P2: Sim.
R1: Mas olha, tinha Dona Sara Iverbec* (20:16), que foi minha professora, Dona Henriqueta; Dona Olga Bicudo foi professora minha. Olha o estilo: tinha o seu Dito, que era o sineiro, que batia o sino; Dona Virgínia, que era a zeladora; tinha um primo, meu primo, né, o Valdir Bechir, que era o dentista da turma, tinha dentista; tinha o seu Walter. Mas o melhor que a gente fazia mesmo era estripulia de molecada. Pegava... na época tinha mata-borrão, você pegava o mata-borrão, punha na régua e jogava no teto, "pum", aquilo espirrava tinta pra todo lado. Aí, adivinha? Paredão pra eu, pra outro. ((riso)) Sempre de castigo. Mas era bom, nossa e aprendemos muito. Seu Walter era um diretor enérgico, mas até hoje a gente tem lembrança boa dele.
P2: E que matéria que o senhor gostava mais, assim? O senhor se dava bem em quê?
R1: É Geografia, História...
P2: Português, Matemática?
R1: Matemática eu gostava, mas não tanto. Português era bom também. Mas as outras, não. Depois fui pro Senac, né?
P2: Isso, isso. Depois que o senhor saiu da escola foi pro Senac?
R1: É, Senac. Como o meu pai era comerciário, nós tínhamos direito de estudar lá meio período e trabalhar outro meio período. Então, eu saía do Senac onze e meia, almoçava e já ia pra trabalhar. Aí o Senac mesmo empregava o pessoal, né, conseguia. Na época, era mais fácil. Aí, só no comércio. Aí eu fui pra Riachuelo, trabalhar de pacoteiro. Aí pegava a bicicleta, que era bicicleta com carga na frente, sabe aquelas? Aí você subia Vista Alegre, Bela Vista e Falcão, só no pedal, peso na frente. Mas era bom, molecada não tinha jeito, era gostoso, uma época boa. E depois fui pro - como é que fala? - Senac, fiz... fui pra Fundação Educacional, estava fazendo Tecnologia de Sistemas Elétricos, mas o governo, como eu trabalhava na companhia, ao invés de engenheiro, ia ser tecnólogo de sistemas elétricos: "Não, ou é engenheiro, ou é técnico". Aí nós ficamos com técnico. Não deu certo, infelizmente. Mas agradeço a oportunidade que todos me deram.
P2: E o senhor não teve momento de trabalhar com o seu pai na Lalai e depois no Skinão?
R1: Não, (00:22: 04:10) eu trabalhei com o meu pai, da hora que ele começou o Skinão, eu entrei com ele. Só que eu saía da companhia na sexta-feira ou o dia que ele precisava, cinco e meia a gente saía da companhia, aí cinco e meia, quinze pras seis estava no Skinão ajudando, na sexta-feira. Aí ficava até fechar, não tinha hora. Entendeu? É... abria seis, sete horas da manhã, minha mãe ia lá, abria a lanchonete, ficava o dia todo e tinha almoço, né, marmita, fornecia pro pessoal, naquela época já tinha. Tanto é que a lasanha dela, até hoje, qualquer um lugar que você conversa, a lasanha dela não tem pra ninguém, que ela fazia, né? Aí ficava lá à noite, duas horas da manhã, duas e meia, não tinha hora. Meu pai nunca teve hora pra ir embora, sempre gostou da noite. (00:23:00:12) Aí ele ficava. Aí, quando começaram, no início sempre foi difícil, né? Então, eu tinha cheque, meu pai fazia o pedido na sexta-feira, Coca-Cola, Brahma, tudo chegava. Só tinha Brahma e Antártica, não tinha outra cerveja na época e a Coca-Cola e Antártica. Fazia o pedido e dava X, aí pegava o cheque, preenchia o cheque, pagava o pedido, na sexta-feira, cheque sem fundo. ((Riso)) Aí, com o movimento de sexta, sábado e domingo, segunda-feira cedo meu pai estava... era o Banco Comind. É novo, hein, Cláudia? (risos) O Banco Comind, aquele Banco do cheque verde. Nunca devolveu um cheque do meu pai, sempre trabalhando assim com movimento, sabe? Até que foi melhorando, melhorando, pagou o Juca, que a gente devia. Nossa, isso aí é... eu agradeço a Deus por ter feito tudo isso pelo meu pai.
P2: E desde o início foi esse sucesso? Como é que foi a história do bauru? Ficar um bauru tão perfeito, que ele é visto como o bauru verdadeiro, né? Como que foi essa história? Foi desde o início do Skinão?
R1: Sim. (00: 24:09:10) Então, em 1972 meu pai estava começando, no início, tal. Então, ele, graças a Deus, sempre teve nome e esses amigo deles, né, que sempre colaboraram. Ou bem, ou mal, sempre era amigo dele, o ajudando. E isso, o pessoal: "O Zé está lá, o Zé está lá". Então iam. Tinha o Carnaval, Baile da Engenharia da Fundação. Nossa, os pinguins descendo aquela Gustavo Maciel, aquilo não sai da memória. Esses smokings, sabe? Aquele bando de pinguim descendo. Deixavam o carro no Tênis pra descer. Não tinha problema nenhum de violência. Baile de Direito. Você sabia tudo. Então, você programava, falava: "Ó, até uma hora nós vamos ficar. Depois ficava parado até as três e meia, depois começa a descer os pinguins". Descia. Carnaval então... Carnaval chegava, abria o Skinão sexta-feira, só fechava na quarta-feira. O pessoal ia entrando e saindo, só lavava, limpava e abastecia. Não fechava, era direto. Com canja seis hora da manhã, cinco hora da manhã. Aquilo não tem igual. (00:25:10:20)
P1: Isso que eu ia falar, da canja, né? O pessoal tinha o costume de sair dos clubes e tomar canja.
R1: Nossa Senhora! Quando acabava a canja ((risos)) o pai falava: "Dá um jeito lá". Aí pegava o frango, jogava água quente, isso pra sair o caldo assim, já ia... canja com arroz. Pessoal tudo embalado, tudo bêbado, vai saber se tem canja? Mas era uma delícia mesmo, o caldo. Quem conheceu a canja dali... o pessoal parava em cima da calçada. O ônibus começava a circular seis hora, sete hora da manhã, tudo mundo lá tomando canja no Skinão. Era uma loucura. E você perguntou de...
P1: Ô Joia....
R1: Ãhn.
P1: ... nessa época, o Carnaval era na Rodrigues Alves, né?
R1: Foi na Rodrigues Alves, é. Rodrigues Alves...
P1: Aumentava muito o movimento também?
R1: Não, não, aumentava não. Só os pingaiada só. Porque o meu pai... o Skinão sempre dependeu bastante dos clubes, principalmente do BTC. BTC descia... na época, tinha bastante, agora não tem, acabou tudo, associado. Tem sócio, mas agora está um clube de campo, não tem mais nada ali.
P1: Uhum.
R1: Mas a canja nossa marcou época.
P1: Marcou. Mas voltando à pergunta do Luís Paulo, né, como é que surgiu a questão do sanduíche bauru lá no Skinão?
R1: Ah, me perdoe. Fugiu. Fugiu. Então, estava falando: (00: 26:24:23) meu pai, em 1972, era amigo do Casimiro Pinto Neto, que foi estudante de Direito lá no Largo São Francisco em São Paulo. Perfeito. Aí houve um boato, diz que o Ponto Chic ia fechar, o Ponto Chic ia fechar, não vai fechar. Aí o meu pai falou: "Quer saber de uma coisa? Vou fazer esse bauru aqui. Não, não vou deixar morrer a tradição". Então, meu pai era o padrasto do bauru. Pra não deixar morrer, ele assumiu a paternidade do lanche. E assumindo a paternidade do lanche, ele começou fazê-lo. Em fazendo, o pessoal não conhecia o que era rosbife: "O que é isso?". Aí ele pegava: "Ô fulano, conhece o bauru?" "Não" “Come aí” “Ah” "Fulano, conhece o bauru?". E foi... mas distribuiu muitos baurus grátis pro pessoal experimentar, entendeu? E isso foi pegando, pegando, pegando. Falou: “Ah, onde é o Skinão?” “O Skinão, o bauru está lá com o Zé". Então, não deixou morrer a tradição. Aí o Ponto Chic voltou. Tivemos também uma festa do sanduíche bauru que nós fizemos. Fazíamos, né, todo ano a Festa do Sanduíche. Não essa que estão fazendo agora. Fizemos quatro mil e duzentos lanches no Sesc, primeira edição do Sanduíche Bauru e veio o pessoal do Ponto Chic, tudo. Muito gostoso. O José Carlos era proprietário, agradeceu meu pai por ter... "Ô Zé, você deixou... assumiu, né, a coisa". Aí ele falou: "Não, Zé, muito obrigado". Aí ficou parceiro com o meu pai. Muito bom. Veio na inauguração do museu do meu pai, vieram aqui, as festas que fizeram, eles vieram nas festas. Então, ficaram amigos da família, né? Por isso que o meu pai não deixou morrer a tradição. (00:28:09:24)
P2: E ele copiou a receita do Casimiro Pinto Neto...
R1: Original.
P2: ...ou ele foi em São Paulo?
R1: Não, não, ele copiou.
P2: Desculpa, eu não ouvi.
R1: Copiou a receita. Copiou a receita.
P2: Era igualzinha do Ponto Chic?
P1: Já que a gente está fazendo uma entrevista histórica, né, pra ficar aí pro Museu da Pessoa, descreve pra gente o que vai no sanduíche bauru, o que tem de tão especial assim, que é tão bom?
R1: (00: 28:39:11) Sanduíche bauru: pão francês, rosbife, que é o lagarto, né, que você teve... frita ou assa, depende do gosto; tomate, picles, orégano e o queijo derretido em banho-maria, que é o segredo do sanduíche. (00:28:54:16)
P2: Legal. E aí foi sucesso estrondoso logo de início, né? A cidade...
R1: Graças a Deus e à insistência do meu pai. Que se não... se ele não tivesse ido lá...
P3: Eu queria perguntar uma coisa.
R1: Se ele não tivesse doado esse lanche pra experimentar, talvez não seria tão astronômico o sucesso que foi, não. Porque se você não conhece: “Vou pagar um negócio que eu não vou... que eu não sei se eu vou gostar?” "Não, experimenta, é de graça". Aí o cara já mudava.
P2: É verdade.
P3: Eu queria perguntar pra você, Joia.
R1: Pois não.
P3: Ainda do lanche bauru. Eu queria que você contasse um pouquinho do processo, se é um processo artesanal? Você mencionou o lagarto, né?
R1: Sim.
P3: Como, sei lá, se eu quiser tentar, né, claro que não vai ser o original ((riso)) do seu Joia, mas eu queria saber, se eu quiser tentar reproduzir em casa, por exemplo, como que eu faria a carne, o queijo? Qual tipo de queijo que é que vai na receita? Você poderia explicar o processo de cada ingrediente, por favor? Os picles.
R1: Pois não, perfeitamente. Bom, o lagarto, que é o rosbife, né? Quer dizer, vai virar o rosbife depois. Então, o lagarto, você pega o lagarto. Tem duas opções. Nós, ultimamente, estamos assando. Que fritava, então fritar você tem que ficar em cima da peça da carne virando, dando o tom, tal e no forno, quando você assa, ele vai assando de dentro pra fora, ao contrário do frito, o frito vai de fora pra dentro. Então, é melhor no forno. Aí você deixa o ponto que você quer, deixa esfriar um pouquinho, põe no congelador uma meia hora, uma hora, aí você fatia. Fatia na espessura que você quer. Tomate, com picles, que a gente faz também os picles, corta, faz a conserva. Os picles é aquele japonês, né, o pepino japonês, fatia, coloca no vinagre, sal e limão, deixa três dias, quatro dias, já pega um gostinho azedinho dele, já fica pronto. E o queijo, o queijo é mussarela. Agora o Ponto Chic tem quatro, cinco tipos de queijo, mas aí a tradição é o queijo mussarela. E quanto mais você o deixa na água, mais aquela nata, sabe, dele vai soltando e fica, aquilo é uma delícia. O último fica melhor ainda. Essa é a receita do bauru.
P3: ((risos)) Eu imagino.
P2: E eu lembro - como eu sou de Bauru - da infância, que a família toda ia no Skinão e teve outras invenções do seu pai, né? Não tinha um sanduíche de pernil com molho especial, que era muito bom também?
R1: Hum! É ótimo esse pernil. Agora do pernil, ele fez o pernil queijo. Pernil queijo.
P2: Sei.
R1: Nossa, é outro que vai no forno. É a mesma coisa, tem que assar. É tudo... é o que a Daiane falou. Daiane, né? É artesanal, dá trabalho.
(00:32:15:08) Então, o pessoal fala: "Eu faço bauru". Faz bauru, não faz nada. Você não faz, porque dá trabalho. É duro. Então, o pernil, no início, logo em 1972, o meu pai, ele fazia o pernil com osso. Ele punha na assadeira, do lado da chapa, aí o pessoal encostava atrás dele, ele que tirava as lascas do pernil e punha na chapa e fazia com molho de pernil e queijo. (00:32:42:09) Aí agora nós, na praça lá onde nós estamos hoje, tem o pernil bauru, que é o pernil, bacon, cebola, molho e queijo. Esse não tem pra ninguém mesmo, não. Pernil, salada...
P3: Nossa, quero experimentar.
R1: Nossa! Você pode ficar sossegada. Aí uma das... que lembra bem a memória que vocês estão, né? Tinha um delegado em Bauru chamado Marcos de Paula Raphael. Ele, toda noite, chegava no Skinão, camisa manga curta, branca, gravata e ele comia o pernil sem queijo. Aí tinha aquele molho. "Zé, dá um aí". Ele falava. E suco de laranja. Os investigadores que iam com ele tomavam cerveja, mas ele tomava suco de laranja. Ele dava aquela mordida assim, a hora que ele mordia, aquilo pingava na camisa branca dele: "Dá o talco, Zé" "Que talco, Doutor Marcos? Não precisa" "Estragou, eu tenho que ir em casa trocar a camisa". Isso aí era fatal, todas as vezes ele fazia isso. Doutor Marcos de Paula, outro delegado.
P3: Tinha que levar uma camisa reserva.
R1: É.
P2: E a frequência lá do Skinão, ia de todo mundo, né? Gente popular, prefeito?
R1: Ia.
P2: Todo mundo entrava lá.
R1: De A à Z, todo mundo. E outra, (00:34:05:12) o Skinão foi chamado também de Senadinho na época, que montamos lá, meu pai, o pessoal, muitas chapas e só tinha Arena e PMDB, não tinha outro partido, só dois. Então, ficava um do lado de lá, o outro do lado de cá e formava uma fila: "Ah, vou disputar com você. Vou ser prefeito" "Não, você não vai ser prefeito, você vai ser vereador". E montava ali no Skinão e chamava de Senadinho o Skinão. Fernando Collor foi, teve o Paulo Maluf, era freguês nosso aqui, perguntava de todo mundo, aquela demagogia dele. A assessoria de imprensa do Maluf é muito boa: "Aí, fulano, cadê seu Zé? Cadê Dona Mariana?". Ele nunca tinha visto a minha mãe, nada, mas ele chegava lá, impressionava. (00:34:46:23)
P2: Sei.
R1: Muito boa a época.
P2: E nessa época do Skinão, o senhor ainda morava com o seu pai ou já tinha casado?
R1: Eu morava com o meu pai, depois casei. Aí nós íamos na Igreja do Divino Espírito Santo, que é ao lado, né? Aí domingo, geralmente, domingo era dia que faltava alguém, né, então saía por lá eu e a minha esposa, chegava lá, abria a porta, seis, sete hora, já meia porta, falava: "Ih! É bucha. Adivinha?” Aí entrava, ficava pra ajudar, porque tinha faltado alguém, aí a esposa ia embora ou ela ficava e também ajudava. Domingo era fatal, saía da missa: "Vamos passar lá comer um lanche?". Ah, não era comer lanche. Ia comer lanche dez horas, onze horas da noite, mas comia.
P2: Comia.
R1: Era muito bom.
P2: Sim.
P1: Ô Joia, assim: era uma época que o Centro da cidade ainda era muita referência, né? Então o pessoal depois passeava na Batista pra ver vitrine, essas coisas? Fala um pouco desses hábitos, assim, das famílias.
R1: Não, (00:35:53:21) o pessoal ia muito na Praça Rui Barbosa. A Praça Rui Barbosa era um espetáculo. Depois que reformaram, aí virou só nóia, essas coisas, traficante, essas coisas, aí estragou. Ele quis modernizar muito - acho que foi o Wilian que fez isso - modernizar tanto a praça, que estragou a praça. E outra: o pessoal saía dali ou passava na Batista. Que a Gustavo Maciel subia. Não sei se você lembra, mas ela subia, a Antônio Alves descia. Então, o pessoal subia ali, parava ali, comia um lanche. "Ah, vamos dar uma olhadinha na loja aqui, vamos ver fulano, vamos lá, vamos lá". E saía numa boa, não tinha problema de assalto, não tinha problema de ninguém abordar você, nada, sabe? (00:36:35:24) Hoje você não pode dar um passo, que está arriscado assaltarem você. Mas esse que a Cláudia falou, a Batista Carvalho fervia de gente. Domingo, então, meu Deus do céu! Aquilo era um espetáculo e culminava que o pessoal ia ali comer um lanche. Comia o lanche, descia, voltava, entrava no carro numa boa, nunca aconteceu nada. Que eu tenha notícia, não.
P2: E tinha mais coisa pra fazer...
P1: Era muito comum o pessoal... era um ambiente familiar também, né?
R1: Não tenha dúvida. (00:37:06:17) Meu pai sempre soube, sabe, diferenciar. Que chegava um ou outro ali, aquela mulherada lá: "Escuta aqui, você vai gastar? Pode entrar. Se for pra bagunçar, aqui não" “Ah, não”. Ia família, família, família. "Todo mundo aqui é família. Se for pra arrumar encrenca aqui, você pode andar". E o pessoal... meu pai olhava com aquele olhão dele, falava: "Vai ficar ou vai embora?". Pessoal já... se tivesse mal-intencionado não ficava mesmo, ia embora. Então, só de olhar do meu pai... meu pai nunca me pôs a mão, rapaz, nunca bateu, ele só olhava. Se pegasse também. ((risos)) Ele falava assim: "Me livre de pôr a mão em você". Em compensação, a minha mãe não tirava a mão. Batia que dava gosto. (00:37:53:17) Você dá risada, Cláudia? Aquela palma de São Jorge, lembra? Aquilo dói, hein? Aquilo dói. E Alpargata Roda, aquilo é uma alpargata de corda. Você já chegou a ver aquilo, né? Aquilo é bom. Mas nem por isso eu morri, não.
P1: Eram outros tempos, né?
R1: Ah, não. Agradeci até. Pelo amor de Deus.
P2: E tinha muito mais coisa, né, no Centro, pra fazer, né? Tinha bastante cinema na época?
R1: Nossa....
P2: O pessoal ia pra ir no cinema...
R1: (00:38:28:15)
Tinha o Cine Capri, Cine São Paulo e Cine Bauru, no Centro. Tinha o Vila Rica, mas depois virou pornografia, eles acabaram com esse... até que demoliram, até hoje demoliram. Era um ótimo cinema, o Vila Rica, mas com filme normal, depois começou, sabe, cair a frequência, aí começou a pornografia, aí acabou, estragou. Mas o Cine Capri era um cinema muito chique. Você chegava lá, você tinha uma tábua assim ó, o teatro, né, as poltronas, tudo com buraquinho e papelzinho, então você pegava o número da sua... podia ir passear, batistar, voltava na hora certinha e o seu lugar estava lá. E tinha uma bala de cevada que tinha naquele cinema. Meu Deus do céu, nunca comi uma bala daquele jeito, cevada. Nunca mais eu vi. Mas você podia chegar... o Cine Bauru já era mais tranquilão, você podia entrar, não tinha lugar o seu lá, mas o Capri era poltrona, sabe aquelas poltronas azuis? Estofada, bonita. O Bauru já era aquelas de madeira, tábua direto mesmo. São Paulo também era melhorzinho, onde é o Magazine Luiza hoje. Mas olha, marcou época demais esse cinema aí. E o pessoal ia, fazia e passava, no final, comia um lanche e ia embora. Isso dez horas, onze horas, que acabava a sessão. (00:39:42:00)
P1: Passeio completo, né?
R1: É.
P1: Ô Joia, você falou um termo agora que é muito importante aqui em Bauru. Explica assim, pra gente, pra gente registrar, o que é batistar?
R1: (00: 39:54: 02) Batistar ((Riso)) seria: você descia de um lado, descia de um lado da calçada, subia do outro vendo vitrine. Mas "vendo vitrine" é modo de dizer, você estava vendo as meninas, né? Fora as que passava... os cara que passava, as meninas que passavam no carro, tal. Mas quando passava no carro, não era pra você, não era pro seu bico não, então...
P2: Era footing, né? (00:40:13:26)
R1: É, era o footing. É onde você ficava vendo loja, as vitrines. Na época, o pessoal caprichava nas vitrines, era um espetáculo. Batistar é isso aí, paquerando. (00:40:25:01)
P1: Na Batista de Carvalho.
R1: Só na Batista, é. Primeiro de Agosto não tinha muito movimento no comércio, não. Era mais as lojas na Batista. Da estação até aqui na Rui Barbosa.
P2: E você conheceu a sua esposa onde? Nesse batistar aí, no footing?
R1: Eu e quem? Minha esposa?
P2: Acho que cortou.
R1: É, cortou.
P1: Aonde você a conheceu, sua esposa?
R1: Ah, conheci ali... que a companhia era ali na Rodrigues Alves, esquina com a Agenor Meira, prédio da companhia ali e ela trabalhava ao lado, numa loja de móveis. Aí, um belo dia, eu encontrei com ela, falei: "Ah, vou dar um sorvete Chicabon pra ela, ver se dá certo". (risos) Aí ela aceitou o sorvete Chicabon. ((Riso)) Até hoje ela fala que foi iludida, por causa do sorvete Chicabon. ((risos)) Mas ela gostou. Era assim, conheci lá.
P2: Ah, legal.
R1: No comércio do lado da companhia, ela trabalhava.
P1: Ô Joia, fala um pouco aí como você ingressou na companhia.
P2: Aí namoraram, noivaram, tudo?
P1: Está cortando.
R1: Oito anos, meu filho. Não foi mais porque a sogra pegou a cartucheira e falou: "Ou sai, ou desocupa o rancho". Ficou brava. Aí casei. Oito ano e meio namorando. ((risos))
P2: Oito anos e meio. E era sério na época, né?
R1: Pelo amor de Deus! A ‘véia’ não saía da cozinha, só olhando assim: "O que está fazendo?". Não podia fazer nada. Hoje descambou tudo.
P1: E aonde vocês iam, Joia, assim, pra namorar, nesses oito anos? Iam ao cinema, como você já falou?
R1: Cinema. Cinema, ia na Roda Viva, era uma pizzaria que tinha, né, do Vitinho, muito famosa também em Bauru, Lanches Fátima. Esses lugares que a gente ia. Lelo’s. Só frequentava esses lugares. Aí até que comprei, consegui pagar, comprar uma Brasília zero, cem parcelas. O carnezinho ficou um tempo comigo. Mas era zero. ((Riso)) Aí conseguimos comprar, aí começamos a namorar. Aí tinha o Pop Som - Autocine, Pop Som, lá onde é o Havan hoje lá. Nossa, aquilo era um espetáculo. Pra nós era novidade aquela tela daquele cinema, daquele tamanho. Entrava o carro, punha o microfone na porta. Nossa, não tinha... era novidade pra nós, né? E assim foi, Graças a Deus.
P1: Foi um marco ali o cine, né, ao ar livre?
R1: Nossa! Aquilo era um espetáculo.
P1: O que você lembra de ter assistido ali?
R1: Dez Mandamentos, Ben-Hur. Esses filmes novos. É bom que você punha o som alto, aquelas charretes, aquelas carruagens correndo, aquelas bigas correndo. Eeeeeeeeee. E duro quando você saía com o carro e esquecia de tirar o fone, né e levava o fone embora, arrebentava. Mas fazia parte. ((Risos))
P1: Ô Joia, mas ali tinha uma lanchonete também, atrás também, na parte de trás do...
R1: Tinha. É, mas o pessoal não ia muito. É que eles serviam no carro. Você acendia o farol, ele vinha, ele vinha atender você. Tão bom.
P2: E vocês costumavam... na época, muita gente gostava de chegar no final de semana e ir pra roça, assim, ir pescar no rio, passear no sítio. Vocês não tinham esse costume?
R1: Não, não, dificilmente ia. Era mais cidade, né? É, porque tinha o serviço e, mesmo assim, o Skinão pegava todo o tempo nosso, né? Meu e do meu pai. Você não podia agendar nada, que era agendar, faltava um funcionário: “Está onde?". Falava: "Estou aonde?". E não tinha celular naquela época, era só fixo. Você tinha que ficar em casa pra esperar. Depois que inventaram o celular ficou uma beleza, mas faltava um, pronto. Era fatal, só você chegar em algum lugar, "pum", telefone, aí não tinha jeito. Eu não ia distrair, você ficava preocupado com o que estava acontecendo aqui, então não dava pra distrair.
P2: Certo. E até que época foi esse período melhor do Skinão assim, que ficou lá na Rodrigues?
R1: Na Rodrigues? Até... meu pai faleceu em 2002? Até 1997. Depois meu pai veio a falecer, ele não queria subir lá pra Praça Portugal. Aí meu irmão: "É, vou lá, tal". Aí tinha o Zezinho Marco, que é amigo da família, tal: "Ah, tem lá, vai". A família... era uma padaria elétrica que tinha na esquina ali: “Está desocupada. Você não quer pegar?". Pegou. Aí pegou a esquina. Aí o Zezinho: "Ah, tem um açougue que vai desativar. Você não quer pegar?". Foi pegando, foi pegando, aí começou a subir muito, oito mil e quinhentos reais o aluguel, para, rapaz. Você abrir uma porta de um estabelecimento pra vender lanche, pagando oito mil e quinhentos só o aluguel, pensa, só de você abrir a porta, você fala: "Puxa, tem que pagar... quantos lanches tenho que fazer aqui?". Então, ficou inviável. Aí fechou. Infelizmente, ele fechou.
P2: O seu pai faleceu antes, né? Vocês que mudaram pra cima, né?
R1: É. (00:45:56: 23) Meu pai faleceu em 2002. Em 29 de abril de 2002, ele faleceu. Aí depois meu irmão: "Ah, vou subir" "Então vai". Mas como ele não tinha serviço e eu tinha serviço, era empregado, graças a Deus, meu pai falou: "Fica com você então, você assume aí. Não deixe falir". Mas, infelizmente, veio a acontecer. (risos) (00:46:19:04)
P2: Mas ficou muitos anos, né, na Praça Portugal, aqui atrás?
R1: Ficou 12... 15 anos.
P1: Bastante, né?
P2: 15 anos.
R1: É, 2003 a 2018.
P2: 2018. Aí depois que fechou aqui, como é que você chegou a ter a ideia de fazer esse novo negócio na Praça da Paz? Foi direto ou você passou por outro lado também?
R1: Não. Na Praça da Paz foi o seguinte: tinha - a Cláudia lembra bem – (00: 46: 51: 25) na Praça da Paz, o Baiano Lanche lá, da Fundação, fazia o cachorro quente da Fundação Educacional em Bauru, na frente, ele fazia. E ele estava meio cansado já na Praça da Paz. Era um trailer que ele tinha lá. Aí eu sempre frequentava lá, desde a Fundação até... que ele vinha aqui, eu ia perturbar o Baiano. E eu sempre falava pro meu filho que ele não tinha orelha, porque ele usava um chapéu aqui, sabe, baiano assim, ele não tinha orelha. Meu filho falou: "Ô Baiano, é verdade que você não tem orelha?" "É, que orelha o quê? Seu pai está brincando". ((Risos)) Ele pensou que não tivesse a orelha. Aí ele fazia um cachorro-quente, nossa Senhora! Aí ele conversando, tal, fui uma vez, segunda. Aí um dos filhos dele falou: "Você não quer pegar isso aqui, não?". Falei: "Mas como pegar?" "Ah, façamos um contrato de gaveta aí, eu passo pra você, sem problema nenhum" "Mas quanto você quer?" "Não, eu quero quarenta". Falei: "Ô, quarenta mil". Aí conversamos, aí conversei com o meu filho, falei: "Vamos?". E meu filho também tem isso, que ele pegou o dom do meu pai, graças a Deus, herdou, né? E ele gosta do que ele faz. E peguei, tinha um Corollinha aí, peguei e joguei na mão do cara, peguei o recibo fiz (48:54) está lá faz cinco anos, já. Deu certo. Reformamos o trailer, já é outro. Era apertado, agora cabe cinco, seis lá dentro. Ficou bonito, hein? Modéstia à parte, está bonito o trailer. (00:48:23:10)
P1: Ô Joia, mas fala uma coisa, antes de você estar com o trailer...
P2: E o sanduíche é...
P1: ... você estava fazendo na sua casa? Ou estou enganada? Onde você fazia antes?
R1: Não, pra não parar, nesse intervalo aí que eu fiquei sem, aí comecei a vender, a fazer disque. Aí o pessoal ou vinha pegar em casa, na garagem, comia na garagem ou levava, eu entregava pra eles. E não parou não, graças a Deus, o bauru continuou o carro-chefe.
P1: É? ((risos)) E lá no trailer, agora você reformou, tudo, está com aquela foto, que é icônica do seu pai, né?
R1: Sim, está lá. Está lá. Inclusive, quando... que o meu irmão agora cedeu o Skinão pra um outro rapaz, está lá perto do aeroporto, não tem nada a ver conosco, com a família, não tem nada a ver, só cedeu o nome pra ele. E o Marco, o qual houve um atrito dele com o... falou desse painel aí: "Eu quero tirar esse painel daí" "Mas vai tirar por quê? Por que lá na praça tem?" "Não, lá na praça é meu irmão, lá não pode" ((risos)). E brigaram por causa de um painel, mas o painel era... meu pai usa onde eu quero. E ficou bonito, Cláudia, vem visitar (49:45), fizemos aquele piso de inox, sabe? Inox. Está chique mesmo. Ficou bonito.
P1: Caprichou, né?
R1: Nossa, a clientela merece.
P1: Ô Joia, você falou que está há cinco anos lá na Praça da Paz, né? Descreve pra gente como é que é o comércio ali, o que que é a Praça da Paz, como é que se organiza o comércio de alimentos ali.
R1: Ali na Praça de Paz é um lugar bem diversificado.
P2: E como que é o entorno.
R1: É. Bem diversificado a coisa. Tem lanche, tem lanches. Maioria tudo lanche. Tem espetinho, tem pizza frita, tem o crepe suíço, crepe francês. Tudo que você imaginar tem ali. Pastel, churros. É o churro do Claudinho, o Oba. E ali deveria ser, no meu entender, uma praça de alimentação, igual o shopping. Que a praça de alimentação, você pega um negócio no McDonald's, você vai comer lá no Trem Bão, o cara não questiona se você comprou ali ou comprou ali, você vai usar a mesa, né? E ali tem muito, sabe, de pessoa: "Ah, não, não comprou aqui, não vai sentar". Sabe essas picuinhas? (risos) Isso tem. Então, você tem que tomar cuidado pra você ver onde você vai levar o pessoal pra sentar. Nós temos uma e tem um... sabe? Sempre tem a diferença, né? E um... de um rapazinho pro outro, pra... mas não comerciante, então, não levo pra esse lado. Mas é isso que funciona a praça. Tem pula-pula, diversão pra molecada, tem um rapaz que vende bijuterias, é um hippie, um barba que fica lá. É tudo pra chamar a atenção da meninada, né? É muito bom, gostosa a praça.
P2: E como é que foi esse trabalho novo na praça, junto com a sua família? Você tem... falou de um filho, você só tem um filho?
R1: Não.
P2: Que trabalha contigo?
R1: Tenho um casal: Camila e o Bruno. O Bruno que está comigo lá na praça, né? Aliás, eu... ficou pra ele, passei pra ele porque... eu ajudo, faço lanche e tudo, mas na hora que dá dez horas...
P: O Bruno trabalha com você, tá.
R1: "Opa, o corona está chegando, eu vou embora" ((risos)). É, ele fica até encerrar, ele sabe fazer o lanche direitinho. Mas aí o vírus só vai depois das dez, então eu tenho que prevenir, né? Antes da 10, ele não me pega ((risos)). É garantido. Mas a Camila tem também, ela faz Design, sabe? Eventos, casamentos, trabalhou bastante com Mantovani, pessoal aqui em Bauru. Ele tem bijuteria, faz um monte de coisa.
P2: E a sua esposa trabalhou com você bastante também ou fica mais na casa?
R1: Não, ela foi professora da... ela foi professora municipal, né, educação infantil e aposentou como diretora de educação infantil também, na própria prefeitura e trabalhou também na Facol em Lençóis Paulista por 15 anos, coordenadora da faculdade.
P2: Sim. E como é que está agora o movimento, né? Porque esse ano a gente teve, o ano que passou, esse problema grande do vírus, né, da pandemia. Como que o senhor enfrentou isso? Vocês enfrentaram isso?
R1: Olha, ô Luís, graças de Deus, nós temos nome e esse nome ajuda muito, porque o pessoal pede e nós temos uma moto pra entregar. Agora nós tivemos problema com o motoqueiro, que ele queria tal (53:41) e nós não tem vínculo nenhum com o motoqueiro, você paga o dia e acabou. É isso que nós queremos. Mas não caiu muito não, graças a Deus. Eu... quando o pessoal não pede, ele pede e vai buscar. Entendeu? Então, pra nós... agora estão falando em abrir até às 20 horas só. 20 horas só se for meu irmão que acorda cinco da manhã, vai comer às seis da tarde e vai dormir, por que quem vai comer antes das oito horas da noite? Foi estranho, vamos conversar com autoridade. (risos)
P2: E como é que funciona o pagamento?
R1: Porque é difícil, né, o horário. Até 20 horas? Vai... restaurante trabalhando? Qual pagamento que você fala?
P2: Como é que é... ah, tem muitas formas de pagamento hoje em dia. O senhor aceita dinheiro, cheque, cartão, o quê?
R1: Aceito todos os cartões, menos cartões de visita. Teve uma pessoa que foi, Daiana, acho que é do Sesc, ela teve lá, foi com um cartão de visita. Não aceitamos, não. Também não pagou, né?
P3: ((risos)) Olha só.
R1: Não, não, aceita tudo. Só aquele refeição que nós não temos a maquininha, que não compensa. O resto, aceitamos todos.
P2: Vocês fazem algum tipo de propaganda, assim, rede social, ou é mais boca a boca mesmo? Porque todo mundo...
R1: Tem.
P2: ... já conhece, né?
R1: Não, não, rede social tem. Tem Facebook.
P2: Tem?
R1: Tem tudo. O moleque joga em tudo. Instagram, tudo.
P2: Dá pra fazer o pedido pela própria Facebook, né?
R1: Dá, dá. Maioria tudo no WhatsApp, Face. Dá pra fazer.
P2: Sim.
P3: Legal. E seu... ô Joia, agora o Luís falou, né, da questão da pandemia, vocês investiram muito no delivery também ou vocês já tinham? Igual você falou do motoboy, vocês já tinham...
R1: Não, já tínhamos. Inclusive...
P3: ...ou vocês mudaram agora na pandemia?
R1: ... desculpe, eu esqueci de citar que, durante a pandemia, se você pedia acima de dois lanches, você ganhava uma Coca-Cola litro de brinde. Aí acabou a pandemia, né, que diminuiu um pouquinho, entrou outra fase, o cara pedia: "Ô, cadê a Coca? Não vai vir?". Eu falei: "Ê, espera aí, é só na pandemia, ((risos)) rapaz, não é toda hora, não". Mas é um jeito de incentivar, né?
P3: É, você teve um...
R1: Com a pandemia.
P3: ...deu um jeito de se reinventar, né, nessa pandemia, então.
R1: É, uai, tem que se virar.
P3: Está certo.
R1: Na dificuldade assim que a gente vê, né? Então, as coisas boas tudo foram na dificuldade que conseguiram, então, vai dar um jeito. Não vai ficar milionário, num vai nada, mas pelo menos você atende o cliente. "Ô, você não está entregando?" "Não”. Hoje tinha. Porque o ser humano é difícil de lidar com o ser humano.
P2: É, isso aí.
P3: Tem que ter jogo de cintura, né?
R1: Ah, não.
P2: E quanto ao futuro? O nome do Skinão é muito marcante, né? Ele é a identidade da nossa cidade. Tem a ver com esse nome do Skinão, né?
R1: Uhum.
P2: O seu filho, ele tem sonhos, assim, pro futuro, ampliar um pouco mais, levar pra outra cidade, fazer a marca se desenvolver em outros bairros, por exemplo, ou ele prefere o certo?
R1: Não, a intenção dele é... tinha ali na Getúlio também, já foi convidado pra ir, pra entrar ali. Eu falei: "Vai devagar". Né? Porque... pé no chão. Porque o cara pra julgar você, né, fácil, depois tem a... são muitos encargos pra você abrir uma empresa hoje, não é fácil, não. Ali na praça mesmo, eu pago X de arrendatário uma vez por ano. Quer dizer, é bem diferente você pegar, alugar um imóvel num lugar ali na Getúlio, lá embaixo, pra lá da Polícia Federal, um prédio novo que está abrindo ali. Estão loucos pra jogar ele lá, mas ele vai com o Bauru na Praça, com o Skinão não.
P2: Sei. E o senhor falou que teve até um museu do seu pai, um museu do Skinão, teve uma peça de teatro. Eu não fiquei sabendo. Conta como é que foi isso.
R1: Ah, tem um museu.
P2: Onde é?
R1: O museu é na Antônio Alves ali. Está ali ainda, Cláudia? Eu não sei esse está ali ainda. Nós levamos as espátulas, faca, tudo que ele usou está tudo ali, guardado ali. É na Antônio Alves, perto do São José ali. Creio que seja lá ainda.
P2: Ah, hum. Deve ter mudado lá pra estação de trem, isso.
R1: É, deve estar lá embaixo, na praça.
P2: É. E a peça de teatro? Teve uma peça, que o senhor falou?
R1: Não. Que eu saiba, não.
P2: Não. Que eu ouvi... foi um ruído que deu aí. Eu ouvi. E já estamos assim, mais perto do final, né? Eu queria... se o senhor...
R1: Final do quê? Está acabando?
P2: Sim, já estamos chegando nos finalmentes aqui, né? Quais foram os aprendizados da sua vida, junto do sanduíche bauru, trabalhando no Skinão?
R1: Nossa! Primeira coisa: ser honesto. (00:58:26:28) Meu pai sempre me ensinou a ser honesto. Nunca relou a mão em mim, só o olhar dele já bastava. Isso aí é importante. E trabalhar, porque de graça ninguém... e outra: rico ninguém fica, assim, não, sabe? Tem que trabalhar, de graça não cai nada do céu, não. E outra: tem que fazer a coisa uma vez só bem feita. Porque o serviço que dá pra fazer malfeito é o mesmo que dá pra fazer bem feito, então faça bem feito. Meu pai sempre falou isso. (00:58:55:03)
P2: Sim. E quanto à cidade de Bauru, o que o senhor vê de diferença entre essa época, que foi a época principal do Skinão lá na Rodrigues Alves e hoje, que o senhor está na Praça da Paz? Era mais fácil trabalhar naquela época? Hoje também pode dar mais dinheiro, dependendo de onde estiver, dependendo do ramo? Como que o senhor vê isso?
R1: Pode dar mais dinheiro, mas (00:59: 26: 06) o calor humano era bem diferente. Totalmente diferente. As pessoas se comunicavam mais, conversavam, sabe? Hoje não... faz lá sanduíche, pega, come e vai embora. Isso aí. Com exceções do pessoal da antiga que frequenta a praça, graças a Deus. E para, o pessoal chega e fala: "Zé, faz aquele um (01:00:27) pra mim". Ia lá no Skinão, você lembra o sanduíche do cara, o cara fica emocionado. Fala: "Ô, você não esqueceu como é que era o jeitinho?”. Ele morde e volta cinquenta anos atrás. (00: 59: 52: 17) Quer dizer, isso aí é que importa.
P2: Sim.
R1: Mas mudou muito. Na época, ali, você deixava o... tinha um posto Samir, duas quadras. Você fechava o Skinão, atravessava duas quadras, até chegar na Araújo, com dinheiro, com um bolão de dinheiro, nunca ninguém chegava... só dava caixinha pro cara lavar o carro seu no posto, né? Só também. Nunca ninguém chegou: “Dá o dinheiro aí”. Nada. Hoje está muito preocupado, nossa. Está diferente demais.
P2: É verdade. E o que o senhor gosta de fazer, quando não está trabalhando? O que você gosta de lazer, de assistir filme, televisão, passear com a família. O que gosta?
R1: É, a gente dá passeio, vai no Botânico domingo de manhã, quando tinha, né? Agora não tem mais. Tinha cântico no Botânico, era bom aquilo. Ia no Sesc, aqueles pés de valsa que tem lá, aqueles velhões que se tropeçar, cai, mas é bom aquilo lá, hein? Nossa, cada show que vimos naquele Sesc lá tarde de domingo, meu Deus do céu, aquilo não tem o que pague. E outra coisa que funciona nesse país aqui é o Sesc, Senai, tudo com comércio, indústria. Senai funciona, só funciona isso. E o Poupatempo funciona agora também, né? Mas era isso aí a diversão. Eu gosto muito de palavra cruzada também, sabe?
P2: Sim.
R1: E um item que eu pulei também, que meu pai fazia muito lá no Skinão lá embaixo, era um jogo que ele chamava Jogo de Palavras. Então, você falava uma letra, ele falava outra. Ele tinha um pai do burro embaixo, um Aurélio embaixo e falava: "A, X, C" "Ah, não tem essa letra". Aí você ia, fuuuuuuuu. Ganhava quem achasse a palavra. Mas meu pai, ele dava banho em jornalista, requenho* (01:02:23), esses caras que era bons, sabe? Dava banho neles só nas palavrinhas. "Vamos jogar palavrinha, João?". Isso depois da meia-noite, né? Que ele não tinha hora pra ir embora. (risos) Mas isso é muito bom.
P3: Eu queria fazer uma pergunta.
R1: Pois não.
P3: O senhor conversa super bem, né, Joia? Conversa super bem no atendimento. E eu queria que você, apesar de eu já suspeitar, mas eu queria ouvir de você: o que você acha que deve o sucesso do sanduíche bauru? Você acha que é baseado em quê? Só no gosto, no atendimento, no tratamento, na história?
R1: No tratamento, no gosto. Bom, ontem foi uma diretora minha lá, Dona Carmem Massack**(01:03:13): "Ah, é meu aluno". ((Risos)) A hora que fala assim, eu falei: "Ai, meu Deus do céu" "Ah, é meu aluno. Você faz aquele lanchinho pra mim?" "Faço". Se você gostava, então, você vai lá. Às vezes, se eu sair da chapa, eu vou lá e converso com o pessoal da mesa. Tudo isso faz bem, pra mim e pra ele também. Né? E o pessoal, eu gosto disso aí, eu gosto de comunicar. Comunicar eu gosto. Principalmente quando está comendo meu lanche, aí: "Gostou? Não pode falar que não gostou". ((Risos)) Aí fica bom, isso é bom.
P3: Impossível.
P2: E quanto aos recortes de jornal, às notícias que saíram, porque o Skinão saiu em jornal, saiu em revista. O senhor tem isso guardado ainda?
R1: Tenho. Tudo guardado. Quando meu pai foi até... uma das viagens que ele fez, porque ele acompanhava um piloto nosso aqui, o Glauco Vinecolosvisk* (01:04:11), que era corredor de Kart e ele... o pai dele era muito amigo do meu pai e levava meu pai. Foram de carro daqui à Córdoba, na Argentina. Chegando lá, Doutor Raul Vilela estava lá, médico aqui de Bauru. Aí conversou com o prefeito, Doutor Montoja. Deram hóspede oficial pro meu pai, porque: "Este homem de Bauru, você vai ser...". Deram o hóspede oficial pra ele em Córdoba. Isso está guardado até hoje, não tem o que pague isso. Foi lá recebido como hóspede do município, por um dia, mas foi.
P2: Então, eles conheciam lá o sanduíche do seu pai também, né?
R1: Conheciam. "Você é o homem do sanduíche bauru?". Aí fica uma... deu corda pro meu pai, aí foi embora, aí ele não parou de falar mais. (risos) Ele gostava de divulgar também, sempre gostou.
P2: Legal. Queria... a Cláudia...
R1: Hum?
P2: Abre o microfone, Cláudia, um minutinho.
P1: É. Eu posso recuperar umas coisinhas, assim, que a gente passou meio batido, mas que eu acho importante ter o seu olhar, pra gente registar? Então, assim, você estava falando ali do Centro, né? E dos lugares...
R1: Sim.
P1: ... que seu pai passou trabalhando, né? Então, assim, eu gostaria...
R1: Sim.
P1: ... que você falasse pra gente, assim, qual era a importância, o que que significou a Lalai ali na Batista de Carvalho, né? A antiga Lalai ali da... quem é a Lalai, enfim, quais eram os produtos que eram carro-chefe também, como é que você vê esse comércio da Lalai?
R1: (01: 05: 12: 17) A Lalai, na época dela, foi um espanto, porque não existia, nunca existiu em Bauru uma confeitaria igual aquela. Tudo de prata, tudo que você imaginar, tudo. Mas aquelas cadeiras, aquilo não existia. E ela, a Dona Lalai, é a Lalai Pompeo, que era a filha do Wiliam Pompeo. Aliás, foi a primeira motorista em Bauru que conseguiu tirar a carta, que deram a carta pra ela, porque era louco e ela tirou carta, ((risos)) conseguiu, passava na Batista Carvalho, a Dona Lalai, mas gente finíssima, a Dona Lalai. E tinha, além dos doces, do café, tinha comida também, né? Servia refeições. A hora que você entrava ali, você via aquelas coisas tudo de prata, aquilo assombrava, não era pra Bauru aquilo. Ela foi à frente do tempo dela, a Dona Lalai, nesse aspecto. Um espetáculo. (01: 06:07:28)
P1: E uma mulher comandando o comércio, né?
R1: Foi. Nossa, o seu Fernando era o esposo dela. "Não, eu faço". Ela não... ele só cuidava da fazenda, só, ((riso)) ela que ficava lá, a Dona Lalai. Era terrível, a Dona Lalai. Hoje tem a Lalai aqui em Bauru também, que é filha, acho que a Renata que está tomando conta.
P1: E outro lugar...
R1: Mas não é igual, não.
P1: ... que você comentou, Joia, o restaurante do BTC, né? Do Bauru Tênis Clube.
R1: Sim. Nossa, ótimo também. Eu ia lá, porque moleque é uma coisa de louco, né? Então, era de ônibus, né? (01: 06: 49: 27) Então, tinha aqueles cigarros Hilton Longo, não sei se você lembra, o Hilton Longo. Aí, eu pegava o cigarro, pai não via, punha no bolso, ia no ônibus. "O cara está fumando cigarro". Hilton Longo, né? Bombom Sonho de Valsa, pegava escondido, porque se Dona Lalai visse ia achar ruim, mas olha, eu ajudava meu pai no... aquele fogão que tinha na central, na boqueta, assim, aquele fogão, você chegava ali: "Zezinho, você vai comer...". Nossa, bater aquele bife naquelas toras de aroeira, sabe? Bater o bife ali. Nossa, aquilo não tem pra ninguém. Jogar naquela chapa, aquele fogão pegando fogo, nossa Senhora! A infância minha... ali eu gostava. E ajudava meu pai a matar os perus também, pro Natal. Que ele tinha, ia lá no fundo, ele falava assim... lá no restaurante, né? Perto das lenhas lá. Falou: "Ó, pega lá os perus, dá pinga pra ele lá, mas dá um golinho". Aí, você dava uma garrafa Três Fazendas pra ele, ((risos)) coitado, não sabia nem onde estava mais, o peru. "Era um gole que era pra dar!" "Ah, o senhor não falou, eu dei uma garrafa logo ali, amolecer a carne, pra amolecer a carne". Essa época era boa, nossa! Aí você fazia... meu pai tinha uma bebida Ranger que fazia, Ranger. Aí, pra servir os coquetéis que ele fazia, tinha que pegar a taça, você passava o limão na borda, assim e jogava no açúcar cristal. Aquilo ficava, nossa Senhora! Morreu e não deixou pra ninguém a receita, infelizmente. (01: 08: 15: 23) E tinha coxinha, coxinha que a dona Maria fazia no BTC, coxinha de frango. Aquela crosta, aquela casquinha frita na hora, aquele creme vermelho, meu Deus do céu! Não tenho a receita também, infelizmente.
P3: Nossa!
P1: A Dona Maria é a...
R1: Era funcionária do BTC. Nossa, ela fazia aquela coxinha. Lembro até hoje ela embrulhando, assim, passava no ovo, na farinha, assim, fica aquilo crocante. A massa vermelha dentro, massa junto, não tinha recheio dentro, era misturada junto, frango com a massa, sabe? Nossa, não tinha pra ninguém. Espetáculo.
P2: E tinha um restaurante embaixo e tinha uma boate em cima, né, do BTC.
R1: Tinha a boate.
P2: Tinha uma boate.
R1: A boate tinha aquela... lembra, no chão? Tinha umas músicas no chão, né, que era fuuuuuuuuuu. A gente ia lá de segunda-feira, porque era folga de todo mundo, o clube era fechado, que a gente ia lá, né? Aí, ligava aquela... ficava dançando. Moleque era... ficava dançando em cima daquela luz colorida. Nossa Senhora, aquilo era um espetáculo. (01:09:24:04) E outra coisa: meu pai ficou 25 anos no BTC. Nossa, os prefeitos, o Gabriel Rabello de Andrade, as presidências, Sampainho, turma boa. Só que você não... porque eu era filho do homem que era arrendatário do restaurante, não tinha nada a ver, mas pra você entrar na piscina, só no dia do banho à fantasia, porque a água sujava e você podia entrar, se não, não entrava não. (01:09:50:10) Jogar tênis, aí tinha o Marquinho, que era catador de bola, Júlio Messer*, nossa, gente finíssima. Aí, tinha o ‘seu’ João, que era o coordenador e tinha o Pedro, que era coordenador. "Vai, vai, vai, vai brincar um pouquinho, vai". E segunda-feira, só, também outro dia não, não podia. Mas o banho à fantasia era bom também, nossa, adorava ir naquele banho à fantasia. E tinha Carnaval na época.
P1: Explica pra gente o que que é o banho à fantasia.
(01:10:13:26)
R1: Banho à fantasia, os associados do BTC faziam... na época, tinha vamos supor, hoje é o corona. Então, um fantasiava do corona, um fantasiava de Princesa Isabel. Sabe aquelas coisas? Tudo fantasia e com papel, aquele papel crepom, né? O papel dissolve, né? Aí depois, saía o resultado, todo mundo pulava na piscina. (01:10:37:03)
P1: O desfile era na piscina, né?
R1: Sujava a água... É, era do lado da piscina, ali. Fazia o desfile tudo ali na piscina. Aí, acabava ali e eles pulavam dentro da piscina, aí, eu, Joia, podia pular, porque a água estava suja ((risos)). Ah, é brincadeira, mas era... usava a piscina de vez em quando, mas só quando... segunda-feira, quando não tinha ninguém.
P1: Ô Joia, e você falou também do posto Sem Limites, que era do seu Hecmet Farah, né? Da família Farah.
R1: Um espetáculo também. Meu pai trabalhou lá um ano. Aí, depois surgiu a oportunidade e ele veio pro Skinão. Mas era... nossa, um lugar aprazível, assim, sabe? Chegava com família... não tinha acesso pela Rodrigues, era só por baixo.
P1: Só pela avenida, pela rodovia, né?
R1: É. Não tinha acesso de nada. Então, você entrava, era mais pra cima o lugar, muito bonito. Arvoredo. Nossa! Coisa de louco. Marcou época também. Muito bom o restaurante.
P1: E eu vou pedir pra você falar um pouco, assim, da parte de serviços, né? Vou pedir pra você falar um pouco, assim, como que você ingressou na Força e Luz...
R1: Hum.
P1: ... que era ali na Rodrigues, tudo, depois foi pra outro bairro, né? Pra Rua Wenceslau Brás.
R1: Isso. Bom, eu trabalhei, como eu falei, na Riachuelo, depois da Riachuelo eu fiquei um ano na Tilibra. Não tivesse feito o concurso na companhia pra entrar, teria aposentado na Tilibra, até hoje. Muito boa também, a empresa. Aí, entrei como office-boy na companhia, pra escriturário, auxiliar de administração. Aí depois teve um rapaz lá, um engenheiro, um baiano, soteropolitano, Djalma de Oliveira, acho que você conhece bem: "Ah, por que você não faz um curso?". Ah, já tinha feito o curso técnico, aí fui pra técnico, aposentei como técnico na companhia e foi até agora.
P1: Ele que te incentivou a passar pra parte técnica?
R1: Foi ele que incentivou. Falou: "Escuta aqui, rapazinho" - ele falava assim - "você não vai?" "Ah, Seu Djalma, não tenho...”. Devo muito ao seu pai, ele incentivou e falou isso aí: "Ei, vamos lá, vamos fazer". Aí, mas... quer dizer, o pessoal que trabalhou comigo, anterior, ninguém falou nada. Ele chegou logo, falei: "Putz, seu Djalma, da área comercial, eu vim aqui na parte técnica? O que veio fazer aqui?". Veio pra arrumar um serviço pra mim. Aí, arrumou. Nossa, foi uma época de ouro. E outra: você fazia o que fazia, você não tinha que dar explicação pra ninguém, só pro gerente seu. Hoje, se faltar um parafuso, tem que falar: "Por que você orçou esse parafuso a mais?". Não quer saber do resultado que você fez, ele quer saber por que você orçou a mais. Para. Roubaram tanto a companhia ((risos)), agora querem tapar o sol com a peneira. Não adianta, agora é tarde. E outra: quando eu aposentei, no dia seguinte, eu fui lá. É mania, sabe? Aposentamos na sexta, segunda-feira: "Ah, vou lá". Chamei o computador. Senha. “Não pertence ao quadro de funcionários”. Já tinha deletado eu. Somos número, não tem jeito ((risos)). Fiz o que fiz, gostei... nossa, adorava o que fazia. Trabalhar, então, com seu pai, foi uma maravilha.
P1: Ele era o gerente comercial, né?
R1: É, depois ele foi gerente da divisão técnica nossa. O José Araújo saiu, entrou ele.
P1: O Araújo.
R1: É, o José Araújo saiu, entrou ele no lugar.
P1: E na divisão técnica, o que vocês faziam? Vocês acompanhavam as cidades, a iluminação pública? Como é que era isso?
R1: Nós fazíamos obra, realizávamos obra, sabe? Extensão, fizemos Mary Dota, nós fizemos associação, fizemos tudo. O interessante, o gostoso do serviço, é que você fazia o levantamento. Certo? Fazia o levantamento, ia lá e não tinha nada de computador não, era tudo na prancheta. Você fazia o desenho, desenhava tudo na prancheta, fazia o orçamento. Aí fazia orçamento, pedia os materiais, ia com a empreiteira realizar a obra. Isso é gratificante, você ver fazer o negócio, Mary Dota, assim, não tem igual. Aí tinha... acabava a obra, você ia lá receber a obra. Prontinho, entregava, não faltava nada. Isso é gratificante, muito bom, não tem o que pague.
P1: Você falou do Mary Dota, né? Como é que isso se organizou? Assim, caracteriza pra gente por que isso foi tão gratificante assim.
R1: Não, porque você está vendo o tamanho do núcleo que você estava fazendo, é uma cidade dentro de Bauru, aquilo. Aquele, tem o Pastor Arlindo, esses foram o que nós fizemos, sabe? Fora alimentador, fazia alimentador. A gente ficava seis, sete meses no meio do mato aí. Iacanga, Arealva, essa região, fazendo alimentador, interligando Ibitinga com Iacanga, sabe? Duartina. Então, essas cidades. Cada técnico atendia determinada região. Então, tinha Iacanga, Arealva e Duartina era comigo e Pederneiras, o resto dividia em mais pessoas, sabe? Tinha bastante gente. Mas era muito gratificante você começar e entregar um serviço, nossa, não tem o que pague.
P1: Maravilha. E você falou uma outra coisa aqui, que o Wilian, que é o nosso pesquisador que está acompanhando também observou, conta pra gente o que mudou em específico na Praça Rui Barbosa, antes e depois da reforma.
R1: (01:16:06:23) Nossa Senhora! Mudou tudo. Antes, ((riso)) o pessoal ia com família, tinha pipoqueiro, tinha tudo. Diversão pra família inteira. Tinha jacaré, tinha... sabe? Os lagos, tinha as pontes, tinha tudo ali. Hoje ficou tudo... concretou tudo, poucas árvores. Era bonito demais, aquela tomba (01:17:12) do clube no fundo. Era... infelizmente, foi modernizar tanto, que acabou estragando tudo. (01:16:36:26)
P1: Verdade.
P2: Dessa época, o senhor chegou a pegar a época do Bar Crystal e do teatro dos Simonetti, ali na Primeiro de Agosto?
R1: Bar Crystal, dos irmão Padilha?
P2: Isso.
R1: Eu conheci o ‘seu’ Oscar Padilha. Só ele, só, mas ele já não estava com o bar, ele estava com um salão de jogos, mas arrendava o estatuto do Parquinho pra ele abrir como clube pra não o pegarem, entendeu? Então: "Ó, você está aqui" "Não, isso aqui é do Parquinho. Estatuto está aqui, é sala de jogos do clube do Parquinho". Então, esse ‘seu’ Oscar, sim, eu conheci bastante.
P2: Sim. E o teatro do Simonetti? Onde gravava a TV lá, tudo?
R1: Ah, lá no PRG 8, lá em cima?
P2: É.
R1: Lá na Praça dos Expedicionários, lá em cima, né? É.
P2: Isso.
R1: Não, eu fui num... Nivaldo Franco Bueno tinha uns programas de auditório e eu fui umas vezes só lá, mas não frequentava muito, não. Nivaldo Franco Bueno fazia o programa de auditório lá, ontem ((risos)).
P1: ((risos)). Maravilha.
P2: Será que tem algum aspecto da sua vida que a gente não perguntou, que o senhor gostaria de falar? Alguma coisa que a gente esqueceu de perguntar, por exemplo? Porque é um tempo bastante grande.
R1: Não, você falou, perguntou se eu tenho um neto, tenho um moleque. É o Bento, molequinho.
P1: Uhum. Tem uma coisa que a gente não perguntou: por que o seu apelido é Joia? Que eu estou te chamando de Joia desde...
R1: Ah, tá. Ah, sim.
P1: ... que eu só te conheci como Joia. Por que o teu apelido é Joia? De onde vem?
R1: Então, eu tive uma entrevista com o Jornal da Cidade, na semana... na segunda semana do mês aqui, entrevista da semana. Falei tudo que... o que mais marcou foi o pessoal... porque eu falei que era chamado de Joia. Falei que era chamado de Joia porque minha mãe, quando eu era pequeno, chamava eu “joia da mamãe”, que era bonito.
P3: Ah.
R1: E eles não acreditaram. Todo mundo falou: "Ah, joia da mamãe". "Mentira". Ele falando que não, mas eu falei ((risos)). Aí, a entrevista da semana no jornal está lá. Ninguém perguntou se você jogou bola no parquinho, se você não sei o que, se você trabalhou? Não. "Ah, mas aquele apelido lá, sua mãe estava cega quando fez isso aí, não é possível chamar você de Joia, joia da mamãe". Isso, o apelido é esse. Por isso. Era bonito. Agora não, né? ((risos))
P1: ((risos)) E aí pegou, o apelido?
P3: Demais.
R1: Aí, pegou o apelido. Nossa, Joia, Joia.
P3: Eu pensei que era Joia...
R1: Maioria não sabe nem... não conhece por Júlio, só Joia, Joia. "Você é filho do Joia?". Nossa Senhora! Aí é festa pra lá e pra cá. Graças a Deus. Isso tem... desde que meu pai faleceu, até hoje não chegou: "Ô, esse velho não valia nada". Até hoje, ninguém falou nada, graças a Deus, só coisa boa. Isso é importante. Ele deixou um legado bom.
P1: Com certeza.
P3: “Seu’ Júlio, eu pensei que Joia...
P1: Qual que é a participação de vocês na Festa do Sanduíche?
R1: Olha, no início, como eu disse pra vocês, nós fizemos quatro mil e duzentos lanches no Sesc. Nilson Costa era presidente da Lar Escola Rafael Maurício e do filho do prefeito. Aí, nós fizemos o lanche, quatro mil e duzentos lanches numa tarde. Aí, o que aconteceu? Era pro Lar Escola Rafael Maurício. Pessoal viu que funcionou, aí começou a abrir o leque. Abrindo o leque, começou uma, duas, três... começou com cinco entidades. Logo depois dali, foi na Rui Barbosa que nós fizemos. E eu lembro até hoje que meu pai foi lá pra... nós íamos lá orientar, derreter o queijo e tal, como é que faz, pra não levar o pão amassado, que meu pai ficava louco com pão amassado. Aí, chegava lá, o cara estava puxando queijo, cortando com tesoura. Falava: “Está errado isso aí, não é assim" "Ah, não sabe" "Então, não sabe, não se meta a fazer o que não sabe". Meu pai falava pra eles: "Tem que fazer bem feito, filho, é o sanduíche bauru". E chamava atenção deles. Ah, dependendo disso. Aí saía. Aí, foi pro Vitória Régia, aí já abriu mais o leque ainda, acho que vinte, vinte e poucas instituições. O que acontece? O pão chegava, você põe o pão francês dentro de um saco de plástico, o que acontece? O de baixo vai amassar tudo. Então, minhas... ele não colocava trinta pães, colocava cem. Então, dez, vinte embaixo não usava, porque amassava. E, na época, era o Renato Zaiden, do Jornal da Cidade, que fazia o Viva Bauru. Eu falei pra ele: “Renato, você tem um Senai aí, rapaz, tem uma carreta que faz pão, rapaz. Põe essa carreta pra funcionar aqui, faz o pão, sai o pão fresquinho na hora, é outro sabor" "É, vamos ver". Até hoje não fizeram nada. E assim vai. Mas é gostoso. Ficamos orgulhosos de ter feito a primeira festa, a segunda, até a quarta nós fizemos. Depois meu pai falou: "Ah, não, deixa eles tomarem conta". Não adianta, não tem jeito, você tem que ter o jeito de fazer, mexer com queijo é o mínimo que tem que fazer. Aí vem aqueles que começaram a reclamar pra nós. Falamos: "Ô, nós não temos nada com isso não, nós só colaboramos" "Pô, estava frio". Você vai fazer o quê? É muita gente mexendo, então não adianta. A finalidade é ótima, filantropia, mas não é assim também, né? Podia fazer menos entidades e faz de seis em seis meses pelo menos a festa, mas faz com menos entidade, aí todo mundo ajuda. Mas está bom, valeu.
P1: Certo. O Wilian também está lembrando aqui que o Marcos de Paula Raphael, delegado que você citou, nomeia a principal avenida ali do Mary Dota, né?
R1: É, Avenida Doutor Marcos de Paula Raphael. Aí, você vai lá no plantão policial, pra você ver como é que é, você chega lá, você entra na sala do delegado atual, não sei quem é, aí está escrito lá: Sala Doutor Marcos de Paula Raphael, o delegado. Está lá assim: o delegado. Era, nossa, gente finíssima. Ele prendia você, você dava risada dele ter prendido você. Sabe? A educação do homem. É brincadeira, o homem era fantástico. A educação dele, nossa! Essa boa lembrança, a gente tem, graças a Deus, a gente ter vivido com um pessoal desse. Isso é bom. Que a gente vê que está ficando velho, fala assim: "Puta, Gabriel Rabello de Andrade, conheci esse homem". Marcos de Paula Raphael, tudo nome de rua, está ficando velho ((risos)). Mas é boa a lembrança, nossa, ‘seu’ Marcos marcou muito, viu? Nossa Senhora, brincadeira.
P1: Eram todos frequentadores ali do antigo Skinão, né? Todos frequentadores do antigo Skinão?
R1: Assíduos frequentadores. Doutor Marcos, então! Nossa, o delegado, tudo, polícia, sargento, tudo que imaginar, delegado, tudo ia lá. Polícia Federal. Ê! Graças a Deus. Isso meu pai (terminou), teve bastante amigo, assim, sabe?
P1: Maravilha.
P2: E o Pelé?
P1: Você ia fazer uma pergunta, Daiana?
R1: Acho que cortou a sua pergunta, Luís, a conexão.
P3: Eu ia fazer uma observação. É que quando você disse, Joia, do seu apelido, eu não ia imaginar que era um apelido já que você tinha herdado da sua mãe, eu pensei que era por conta da sua simpatia mesmo. Joia, tipo: "Nossa, legal, joia". E aí, você contou, eu achei muito fofo.
R1: Não, não, não, a minha mãe que achou eu bonito mesmo. Prefiro a primeira opção ((risos)).
P3: ((risos)). Era isso, obrigada. Pode falar, Luís.
R1: E na entrevista. Você vai ver a entrevista lá do jornal lá, dia 10 que saiu o jornal, você lê o jornal lá, fala: "Ah, ninguém questiona o que que eu fiz. Não joguei no parquinho, não fundei não sei o que" "Aquele apelido lá, sua mãe estava cega, não sei o que". Ah, fazer o quê? Mas ela que falou. Era Joia da mamãe ((risos)).
P3: Joia da mamãe. Obrigada.
P2: Ô Joia, eu queria perguntar do Pelé. O Pelé chegou a ir lá (comer lanche) do seu pai?
R1: Não. Não, nunca foi. O Pelé nunca passou no Skinão não.
P2: Não?
R1: Não, (Pelé) nunca passou.
P2: É que ele foi embora de Bauru. Ele foi embora de Bauru jovem, parece que era jovem.
R1: Ah, foi muito tempo, né? Cinquenta e pouco. É, foi... foi moleque daqui, né? Foi embora daqui. Nem lembra de Bauru também. Ganhou título de Cidadão Bauruense, não veio buscar.
P2: Não veio buscar?
R1: Veio nada ((risos)). Não, mas gente boa. Pelo que ele fez pelo futebol, meu Deus do céu. Depois dele, só o Maradona. O homem era terrível, hein? Os dois.
P2: Sim. Ô Cláudia.
P1: Oi.
P2: A gente pode falar das fotos já?
P1: Vamos, vamos encerrando. Oficialmente, então, Joia...
R1: Hum.
P1: ... a gente agradece a sua entrevista.
R1: Não, eu que agradeço.
P1: Foi muito bom, eu não tinha dúvida que seria bom. E, assim, e você percorreu um olhar sobre a cidade que a gente precisava muito. Agradeço muito, em nome do Sesc Bauru, do Sesc São Paulo e do Museu da Pessoa, tá?
R1: Muito obrigado.
P1: Então a gente está encerrando oficialmente a gravação
(Fim da transcrição)