Recordações carinhosas da família, infância, lugares e emoções se enlaçam delineando a história de um jovem criado na Rua Clélia. Os pais se conheceram e se apaixonaram na Rua Clélia, e a partir de então tudo aconteceu na Rua Clélia...
Histórias de Internautas
O menino da Rua Clélia
História de Pablo Figueiroa
Autor: Elaine Garcia
Publicado em 18/04/2017 por Elaine Garcia
P/1 – Boa tarde, Pablo.
R – Boa tarde.
P/1 – Muito obrigada por estar aqui.
R – Obrigado.
P/1 – Pablo, pra começar, quer fazer um panorama geral, falar sua idade, falar o que você estuda, o que você gosta de fazer?
R – Meu nome é Pablo, eu tenho 20 anos. Eu nasci no dia sete de fevereiro de 1997. Eu sou ator, escritor, atualmente curso Produção Cultural e espero seguir isso.
P/1 – E como foi esse processo de formação de ator na sua vida/?
R – Eu comecei a fazer teatro aos 12 anos de idade no SESC e isso vai até os dias de hoje. Comecei fazendo teatro infantil, depois eu fiz teatro intergeracional e depois eu fiz um curso técnico, foi onde eu me formei, e hoje eu estou aí, na produção cultural.
P/1 – E como que você percebeu que o teatro entrou na sua vida? Que momento você falou: “Nossa, gostaria de ser ator, gosto disso, gosto de atuar”.
R – Eu e minha irmã morávamos em um casarão e nesse casarão tinha uma laje muito grande. E todo dia, sempre, às sete horas da noite a gente subia pra laje. Do lado tinha um prédio comercial e a gente começou a fazer um programa de rádio fictício, então, a gente cantava, a gente dançava e eu sempre fui muito comunicativo. E as pessoas desse prédio ao lado do casarão ficavam olhando a gente, ficavam fazendo perguntas e interagindo com a gente durante esse programa que nós fazíamos. Eu sempre gostei muito de arte, só que até então eu nunca tinha ido em nenhum espetáculo de teatro. Meus pais não tinham como me levar a espetáculos de teatro, naquela época era muito mais difícil o acesso do que é hoje. Nisso eu entrei no SESC, foi onde eu comecei a ter uma abertura maior de possibilidades. Eu fazia já um curso no SESC e a partir desse curso surgiu uma oficina de teatro e eu falei: “Eu quero fazer essa oficina de teatro”. Eu sempre quis fazer, sempre quis fazer, sempre, sempre, desde pequeno. E eu fiz essa oficina de teatro, gostei e não parei nunca mais.
P/1 – Você quer falar um pouco da sua infância? Pelo visto você é um pouco próximo da sua irmã. Você tem só ela de irmã? Você mora com seus pais? Como foi um pouco da sua infância.
R – Minha infância foi, contando desde o comecinho, eu fui criado pela minha avó até meus dois anos de idade porque meus pais não tinham condições de cuidar de mim. Depois de dois anos eu voltei a morar com meus pais porque eles conseguiram um lugar pra morar, onde eu fiquei até os meus 18 anos. Eu sempre fui muito próximo da minha irmã que é um pouquinho mais nova do que eu. Hoje em dia somos em quatro irmãos e eu sempre fui muito próximo dela, a gente sempre foi muito amigo, muito amigo, muito amigo, muito amigo. E hoje em dia ela mora com o marido dela, ela já tem uma filha, e eu continuo morando com meus pais em outra casa.
P/1 – E como é o seu relacionamento com seus pais?
R – Meu relacionamento com meus pais hoje em dia é muito mais calmo do que antigamente. Eu brigava muito com meu pai, a gente discutia muito por probleminhas idiotas que hoje em dia eu falo: “Nossa, são problemas x, de pai e filho mesmo, brigas normais”. E eu consigo entender um pouco o lado dele e acho que hoje em dia ele consegue entender um pouco mais o meu lado, só que eu não converso muito com o meu pai sobre todos os tipos de assuntos, é muito mais com a minha mãe, só que ainda assim muito pouco.
P/2 – Hoje você mora com seus pais?
R – Moro com meus pais.
P/2 – E em que época que você disse que brigava muito com seu pai, você tinha quantos anos?
R – Tem uma época que todo adolescente entra numa introspecção muito grande. E a minha fase de introspecção foi nos meus 14, 15 anos, que foi justamente quando eu comecei a escrever. Meus pais sempre me prenderam muito, muito, muito, muito. Eu não podia fazer nada além de ir pra escola, ir e voltar pra escola ou ir pro SESC e ir pra escola e voltar pra casa. E eu me sentia às vezes muito preso e eu sempre fui muito compreensivo, então eu achava que era melhor eu pegar, chegar em casa e me trancar no meu quarto e ficar ouvindo música ou chorando, ou alguma coisa assim, do que pegar e discutir com meus pais: “Ai, eu quero fazer isso, eu quero fazer aquilo”. Eu consegui entender aí nos meus 16 anos, foi quando eu comecei a ter um pouquinho de abertura, só que eu só comecei a sair depois que eu arrumei o meu primeiro trabalho oficial, que eu falei: “Eu quero o meu dinheiro, eu quero as minhas coisas e eu não quero depender dos meus pais porque eu não gosto de pedir nada pros meus pais”. E foi bem cedo assim.
P/2 – Estava com quantos anos?
R – Com 15 anos. Comecei a trabalhar. E foi uma mudança tremenda na minha vida. Eu comecei a conversar com amigos mais velhos nesse meu trabalho que eu faço até hoje e eu gosto muito, e eu pude conhecer muitas pessoas, muitas pessoas que deram várias aberturas pra minha vida, que são meus amigos até hoje.
P/1 – E pra você chegar nesse trabalho que você está hoje e gosta muito, você acha que essa história que você passou tem alguma influência pra você ter chegado nesse ponto de gostar muito de fazer algo? Seus pais, por mais que eles te prendiam eles te incentivavam também a fazer coisas no SESC, ou fazer outros projetos, participar de outras coisas educativas?
R – Eu comecei o meu primeiro trabalho, trabalho, foi também no SESC, num seminário chamado “Encontro de Gerações”, que eu era do GIA, Grupo Intergeracional de Apoio, por fazer parte de projetos do SESC. Depois disso, com 15 anos foi quando eu fui lá, bati na porta de um buffet infantil que estava construindo do lado da minha casa e eu falei que eu seria o socorro deles caso eles precisassem, por eu morar perto. Mas eu ir trabalhar veio dessa necessidade de querer liberdade, de querer sair de casa sem ser pra ir pra escola e voltar pra casa. Eu queria conhecer pessoas, eu queria criar contatos, eu precisava ver pessoas. Eu não aguentava mais ficar dentro de casa de tão sufocado que era. E era bem sufocante. Até que eu comecei a trabalhar e tudo se acalmou mais, fiquei mais tranquilo.
P/1 – E você comentou que mesmo com todo relacionamento vocês não conversavam muito. Mas seus pais te contaram alguma vez como eles se conheceram?
R – Já contaram e eu acho incrível, eu acho incrível. Toda a minha vida eu posso dizer que se passou numa rua na Lapa chamada Clélia. Meus pais se conheceram na Clélia, eu sempre estudei na Rua Clélia. Meu primeiro trabalho foi na Rua Clélia e tudo aconteceu na Clélia. A minha mãe sempre morou na Lapa, meu pai veio da praia pra cá, mas ele nasceu em Pernambuco, veio pra São Paulo muito pequeno e a minha mãe já morava aqui. E nisso que ele veio da praia ele não conhecia ninguém, ele não tinha absolutamente ninguém e ele veio parar na Lapa. E meu pai sempre foi muito comunicativo, sempre, sempre. Sempre foi muito comunicativo. E nisso ele precisava de um lugar pra dormir, ele precisava comer porque ele não tinha ninguém. Nisso existe uma pizzaria muito famosa na Clélia chamada Pizzaria Tino, muito famosa, muito conhecida. Ele foi lá pedir emprego e o cara falou pra ele: “Você trabalha e eu te dou a comida”. Então ele trabalhava pra comer. Ele ficou acho que dois anos fazendo isso. E nesse meio tempo, a minha mãe estava se mudando da Guaicurus, que é uma rua, e subiu pra Clélia, no prédio que era em cima dessa pizzaria. Eles nunca tinham se visto, nem nada. Daí meu pai novão. Chega meu avô com as quatro filhas com a mudança. Meu pai sempre foi muito forte, então ele falou: “O senhor precisa de ajuda pra mudança?”. Meu avô falou: “Lógico”. Foi onde ele teve o primeiro contato com a minha mãe. Depois disso eles começaram a conversar, começaram a conversar e se apaixonaram. Eles realmente se apaixonaram. E nesse meio tempo minha mãe não podia contar pros pais dela que eles estavam juntos porque meu pai era um nada. Meu pai não tinha onde morar, meu pai não tinha dinheiro e tinha chegado de um lugar x do mundo, do nada. E a minha mãe, gostando muito do meu pai, começou a ajudar ele. Nisso meu pai chegou a dormir em praça, na Praça Cornélia que também é na Clélia. E meu pai e minha mãe contam que ela comprava marmita e levava pra ele comer nessa praça pra ele não ficar com fome porque... isso é muito real e meu pai fala isso pra mim até hoje. Se você chegar pra qualquer conhecido seu e falar: “Me dá um prato de comida”, ninguém vai dar. Mas se você chegar e falar: “Compra uma dose de cachaça”, vão pagar pra você. Isso é muito real e eu vejo isso até hoje. Eu já testemunhei isso. E nisso minha mãe levava comida pra ele, eles se conheceram, tãnãnã, tãnãnã e começaram a se gostar. Aí nisso que eles começaram a se gostar meus avós não aceitaram ele e meus avós meio que falaram: “Ou ele ou a gente” e minha mãe escolheu meu pai. Depois de dois anos nisso, morando em quartinhos e coisas x, essa parte era a parte que eu não sabia se podia falar, eles conseguiram uma casa e entraram nessa casa. Nisso essa casa era uma casa muito grande, muito grande e estava completamente abandonada. Nessa casa abandonada tinha muitas pessoas, muitas pessoas. Ela estava abandonada pelos donos, não sei, e tinha muitas pessoas nela. Nisso meu pai, pra não dormir na rua, começou a abrir a porta dessa casa e começou a dormir dentro dessa casa, suja, sem energia elétrica, sem água, sem nada. Nisso ele levou a minha mãe pra lá e depois de dois anos eles limparam, eles arrumaram, eles fizeram toda a reestruturação da casa. Pra vocês terem noção, do lado de fora tinha uma árvore pegando na parede já, de tanto tempo que estava abandonada. E nisso eles entraram nessa casa e foi quando eu nasci. Minha mãe fala até hoje que ela queria que eu nascesse, ela já tinha planejado ter esse filho. E por meus pais não terem estrutura, aí foi que eu fui morar com a minha avó e fiquei dois anos com ela. Depois, já numa fase um pouco melhor da família eu voltei pra morar com meus pais e fiquei até hoje com eles e tem outras muitas coisas envolvidas, que é bem legal.
P/1 – Hoje a sua mãe já se dá bem com seus avós?
R – Então, por parte de mãe meus avós já faleceram. Por parte de pai só tem a minha avó. Só que depois de muito tempo, não, não foi tanto tempo, que a minha mãe e meu pai começaram a se estruturar, meus avós começaram a aceitar melhor. Meus pais começaram a ganhar dinheiro, meu pai começou a trabalhar, engraçado, na Praça Cornélia também. Meu pai começou a trabalhar num carrinho de cachorro quente e ele sempre foi muito comunicativo. E nisso ele começou a trabalhar nesse carrinho de cachorro quente, teve uma hora que ele falou: “Eu quero ter o meu carrinho de cachorro quente”. E esse dono do carrinho de cachorro quente ia embora, não sei, e deixou ele cuidando desse carinho. E meu pai falou: “Ah, vende pra mim, eu vou trabalhando, você vai descontando até esse carrinho ser meu”. E ele comprou esse carrinho de cachorro quente. Depois disso ele comprou outro carrinho de cachorro quente. Então chegou uma época que meu pai e minha mãe tinham três carrinhos de cachorro quente na Praça Cornélia vendendo hot-dog. Então eles começaram a se estruturar daí, do comércio. Depois disso minha mãe conseguiu arrumar um trabalho, também na Clélia, numa loja de conveniência. E eu gosto de falar também da história dos meus pais. Minha mãe começou a trabalhar com sete anos de idade fazendo jogo do bicho pelo bairro. Eu acho isso um exemplo de vida pra mim muito forte.
P/2 – Queria falar um pouquinho sobre a época da sua infância nesse bairro que foi marcante pra você, a Rua Clélia, se você tinha muitos amigos ali, quais eram suas brincadeiras favoritas, se você tem essa lembrança.
R – A Clélia é como se fosse uma avenida. Sempre passou muito carro na Clélia, muito carro, muito carro. Então a maioria das brincadeiras que eu fazia era dentro de casa. E a casa é muito grande, muito grande. Então tudo o que eu fazia foi dentro de casa, a maioria das vezes. Ou era dentro de casa, ou era na casa da minha avó, só que era longe. Eu brincava desde carrinho até, não sei, até fazer esse programa de rádio com a minha irmã, ou brincar com os ursos que a gente ganhava. Eu e minha irmã, a gente brincava muito, muito, muito de esconde-esconde por ser uma casa muito grande, brincava de pega-pega, a gente podia brincar de todas essas brincadeiras de quintal dentro de casa tranquilamente, sem problema nenhum. E por ser um sobrado era bem grande.
P/2 – Era sempre vocês dois, então?
R – Sempre nós dois.
P/2 – Qual é o nome da sua irmã?
R – Elisabete. A gente sempre brincava junto, sempre brincou junto. A gente sempre foi muito parceiro, muito amigo mesmo. E vindo pros dias de hoje, imaginar que eu não tenho mais ela ao meu lado porque ela teve uma filhinha recentemente é meio estranho.
P/1 – Você tem um sentimento bem bairrista, né, Rua Clélia.
R – Sim.
P/1 – E por ela ter essas características de ser uma rua, mas que tem essas características de avenida, depois quando vocês foram crescendo vocês tiveram que procurar outras lugares pra brincar, já que a casa já não comportava mais vocês?
R – Os meus pais sempre foram muito super protetores, sempre, sempre. Ou era com eles ou não era, então, a gente não poderia sair de casa sem a presença dos meus pais, mesmo mais velhos. Eu lembro um dia até que uma amiga minha me chamou pra ir comer cum misto quente na esquina de casa e eu demorei 30 minutos, eu cheguei em casa e meu pai me deu uma super bronca, falou: “Onde você estava, o que aconteceu?”, mas por não estar acostumado com o sair. O sair era muito difícil dos meus pais. Eu não sei se pela quantidade de coisas que eles já tinham vivido e o medo da rua, o medo de algo acontecer com a gente por a gente ser a base da família eles tinham esse medo muito grande, principalmente comigo. Foi bem difícil para eu começar a destrinchar, entender e fazer com que eles entendessem que eu precisava sair. Eu sempre tive essa coisa de bairro e as únicas coisas que tínhamos pra fazer no bairro era ou ir para o Escola da Família da escola, que tinha antigamente, ou ir para o SESC. Então, o SESC desde muito pequeno foi a minha segunda casa, por muitos motivos, muitos motivos. E até hoje é muito presente na minha vida. Foi onde eu conheci pessoas que eu levo até hoje e eu sei que vou levar pra sempre. Eu tenho uma relação muito forte e real com o SESC Pompeia.
P/1 – Conta um pouquinho como foi essa trajetória no SESC Pompeia.
R – No SESC? A minha mãe e as minhas tias fizeram um programa infantil que existe no SESC chamado Curumim e mesmo antes de eu entrar no Curumin a minha mãe me falava: “Vocês têm que fazer Curumim. Curumim é muito bom, você aprende muitas coisas, vocês têm que fazer”. Eu entrei no Curumim acho que com dez anos, acho que dez, 11 anos, e era uma das atividades que a gente tinha, uma das poucas atividades que nós fazíamos durante nossos dias. Eu fiz Curumim durante dois ou três anos no SESC Pompeia. Depois do Curumim eu fui pro Alta Voltagem, também no SESC Pompeia. Do Alta Voltagem eu fui para o Trilhos e Trilhas, também no SESC Pompeia, que é de teatro intergeracional. Eu fiz teatro infantil também no SESC Pompeia. Aí eu trabalhei no SESC Pompeia e sempre criei muitos vínculos no SESC Pompeia. Eu sempre gostei de conversar, até hoje eu converso com monitores de exposições de lá que falam: “Nossa, Pablo, como você cresceu, como você está grande! Eu não acredito que você está desse tamanho!” Eu realmente era um chato de SESC, eu era um chato porque todas as exposições eu queria ajudar os monitores das exposições. E eu era chato, eu era bem chato (risos). Então eu sempre falava pra eles me explicarem as coisas, tentando entender. E sempre contava muito da minha vida pra todo mundo. Eu sempre contei muito da minha vida pra todo mundo. O que eu não conseguia falar pros meus pais eu sempre contei pra todo mundo, todo mundo. Então eram os monitores do SESC, meus professores, os meus amigos que trabalham lá. E eu sempre falei tudo, sempre falei tudo, nunca tive medo de falar sobre o que estava acontecendo na minha vida, os meus amores, os meus dramas, sempre foi no SESC. O SESC foi um diário pra mim, um refúgio.
P/1 – E hoje em dia você continua participando de algum projeto no SESC? Você frequenta o SESC ainda hoje, depois de grande?
R – Logo que eu saí do Alta Voltagem eu falei: “Meu Deus, o que eu vou fazer da minha vida, eu não vou ter mais o SESC na minha vida! Eu não vou ter mais o que fazer, eu não sei o que fazer”. E os meus professores falaram pra mim: “Pablo, existe um milhão de outras coisas no SESC que você ainda nem experimentou”. Eu achava que pra mim naquela época o SESC era fazer as atividades do Alta Voltagem ou do Curumim e só. Mas não, eu poderia ir em show, peça de teatro, fazer uma vastidão de coisas que eu não tinha conhecimento. Eu lembro que logo que eu parei de fazer esses programas eu devo ter ficado um ano sem ir no SESC, mais ou menos. Não sei por que, mas eu fiquei um ano sem ir no SESC. E depois desse um ano eu comecei a frequentar teatro, show de música, dança, todos os tipos de programa que o SESC tinha a me oferecer, que desde pequenininho eu era sócio, neném. Bem legal.
P/1 – Fora o SESC na sua vida, você tem um outro hobby que você gosta de fazer? Você quer falar um pouquinho o que mais você gosta de fazer.
R – Hobbies da minha vida? Depois que eu descobri que eu sabia escrever eu não parei nunca mais de escrever, eu não parei. Até ano passado o que eu mais gostava de fazer era escrever, eu sempre escrevi muito. E eu sempre gostei de ler poemas, eu sempre li muito poema. Muito, muito, muito, muito poema. E eu comecei a escrever muitos poemas. Então hoje em dia eu devo ter mais de 600 poemas escritos e muita coisa, muita coisa. O meu hobby hoje em dia, até o ano passado foi o teatro, que eu não parei nunca de fazer teatro e hoje em dia meu hobby é ir ao cinema sozinho, ir ao teatro com amigos e às vezes quando bate alguma coisa, escrever, escrever.
P/1 – E o que você pensa em fazer com essas coisas que você escreve?
R – Um dia, uma dia, espero que o mais rápido possível, eu penso em publicar um livro. Eu falo que é até engraçado os títulos, que todos os anos eu começava, eu falo que meu ano só começa depois que eu começo a escrever um livro. Meu ano só começa depois de algum acontecimento que a partir daí eu começo a escrever um livro. Então eu comecei escrevendo o “Meus 15 anos, que” foi na época da minha vida super super depressivo, melancólico, aí eu escrevi “Meus 15 anos”. Depois disso, com uns 16 anos eu escrevi o “Minha Melancolia” (risos), escrevi que já aumentou o número de poemas. Do “Minha Melancolia” veio “Pierre”, que é uma história muito particular, muito, que eu adoro, adoro. Do “Pierre” veio um continho que eu escrevi, que é “O Mistério da Rua Escura”. Depois disso o ”Fragmentos”, o “Inquietudes””e o “Do Amor”, que são vários poema, prosa e poesia e várias coisas que um dia, um dia eu vou lançar. É muito real. Eu acho muito engraçado isso, todo mundo que lê os meus textos eles falam: “Nossa, Pablo, dá pra sentir!” Eu fico: “Como assim, dá pra sentir?” (risos). E eles falam: “Pablo, dá pra sentir o que você escreve”. Isso me alimenta mais, eu gosto muito, eu acho muito real.
P/2 – Dentro da sua trajetória de vida você sabe o que te levou a essa paixão? Você tinha algum incentivo na escola? O que fez com que você gostasse tanto, essa paixão por leitura, escrita?
R – O meu pai sempre cobrou muito na escola. Meu pai sempre falou, por não ter tido isso, ele cobrava às vezes até muito de mim. Mas hoje em dia vendo eu entendo o porquê disso. Então a cada mês eu tinha que ler um livro e tinha que falar pra ele sobre esse livro. Eu tinha que ler esse livro e falar pra ele. Aí a minha mãe tinha um livro da Cecília Meireles, foi a primeira poetisa que eu li, acho que é “”Toda Poesia”, da Cecília Meireles. Eu comecei a ler, foi a primeira vez que eu li um poema real na minha vida e eu me apaixonei pelos poemas, me apaixonei. Falei: “Nossa, que lindo! Que lindo, que lindo, que lindo, que lindo!”. E desde que eu comecei a escrever eu sempre fui bom em rima, eu sempre rimava, todos os meus poeminhas, eles sempre se encaixam. E eu nunca tive estudo nenhum disso, eu nunca tive nada. Aí eu comecei a ler esse livro, foi quando eu descobri o poema na minha vida e nunca mais eu larguei o poema. E está até hoje comigo. Do nada tenho umas inspirações, bem legal.
P/2 – Você falou que quando você escreveu “Meus Quinze Anos”, foi uma fase. O que é esse sentimento, você tem até hoje? Como que foi esse processo pra você?
R – Quando eu escrevi “Meus Quinze anos” foi justamente na época que eu estava no meu quarto e eu precisava de alguma forma passar o que eu estava sentindo para algum lugar, eu não podia sair, eu não podia gritar, eu não podia brigar. Então foi a forma que eu encontrei de tirar um pouco aquilo que estava dentro de mim e colocar pro papel. Eu vi em algum lugar, não sei, eu assisti algum filme, não sei qual, que o cara pegava e escrevia tudo aquilo que ele estava sentindo e rasgava, picotava, não sei onde eu vi isso. E eu fazia isso, eu comecei fazendo isso. Depois disso eu fiz amizade com uma menina que também fazia projeto do SESC e ela escrevi. E a gente passava horas no telefone todo dia, ela falando o poema dela e eu falando o poema meu, ela falando o poema dela e eu falando o poema meu. E aí eu só continuei. Mas os poemas entraram na minha vida a partir dessa necessidade de querer tirar aquilo que estava me sufocando e colocar pra fora. E até hoje é assim, eu sinto essa necessidade de colocar o que eu sinto pra fora, seja pelo teatro, seja recitando um poema, seja fazendo alguma intervenção com algum amigo meu, seja indo conversar com algum amigo em algum lugar x ou só sair de casa e ficar andando, se preciso tirar pra fora de alguma forma.
P/1 – Hoje em dia você continua escrevendo.
R – Sim.
P/1 – E o que te inspira escrever hoje em dia?
R – Nossa, os meus poemas são muito, muito de amor. Eu escrevo muito poema de amor. Muito, muito, muito. Então a maioria dos meus poemas é de amor, eu sempre fui muito apaixonado. Muito, muito, muito. E eu sempre, que todas as coisas que eu sempre comecei a fazer sempre quis fazer muito certinho. Às vezes eu ficava até louco porque eu começava a escrever um poema, eu não conseguia terminar e eu falava: “Meu, como assim eu não consegui terminar esse poema?”. E eu precisava terminar, eu precisava terminar. Perdi sua pergunta.
P/1 – As inspirações (risos).
R – As inspirações eram sempre amores que não deram certo, amores à distância, amores que estavam mas não podiam estar, tipo isso.
P/2 – Posso voltar um pouquinho na sua infância? Eu queria saber se você teve uma... você falou que conviveu com a sua avó até os dois anos, né? Mas depois que você voltou pros seus pais você continuou tendo convívio com seus avós? Você tem alguma lembrança deles na memória, junto aos seus avós? Se eles contavam histórias da família.
R – Desde pequeno, já com meus avós e meu próprio pai também, só que mais com meus avós quando era bem menor, o meu avô tinha um teclado, um violão e mais alguns instrumentos. E ele sempre me incentivou a tocar. Então uma lembrança que eu tenho é estar todo mundo na sala do apartamento da minha avó super pequenininho e eu começar a tocar o teclado e todo mundo: “Ai, Pablo, que legal! Que bonito!”. Outra lembrança dos meus avós, eu sempre tive uma conexão muito forte com a minha avó materna, muito forte, muito forte. Não sei se é por eu ter sido o que mais conviveu com ela, que foi uma vez que meu avô estava brincando comigo, ele tinha aquela barbas ralas que espetavam e eu gritava: “Para, vô! Para, para!”. E a minha avó gritou da cozinha: “Al-fre-do! Para de fazer isso com o Pablo”, e não sei o quê. Ele: “Ah, Lourdes, eu estou brincando com o menino”, todo sério. E continuava brincando comigo, continuava brincando comigo. E é a única lembrança real que eu tenho do meu avô. E de voz é a única lembrança real de voz que eu tenho da minha avó, que é meu avô brincando comigo e ela repreendendo meu avô por eu estar gritando, mas estar gostando da brincadeira (risos), que o meu avô estava fazendo comigo. E outra lembrança é de todas as vezes que a minha mãe brigava com meu pai ela pegava e ia pra casa da minha avó. Isso desde pequeno. Era muito engraçado isso, quando ela discutia por qualquer motivo x com meu pai: “Vou para a casa da minha mãe”, e ia pra casa da minha avó. Sempre, sempre. Essa é uma lembrança que eu tenho forte em mim, da minha mãe saindo à noite e indo pra casa da minha avó e ficando lá.
P/1 – De todas essas histórias que você passou, Pablo, quais são os fatos que passaram na sua vida que você pode apontar que formaram o Pablo hoje?
R – Que aconteceram na minha vida?
P/1 – É, o que influenciou para que o Pablo de hoje exista, sabe, ao longo da sua vida, quais foram os fatos principais da sua vida que te influenciaram pra ser o que você é hoje.
R – Ah, eu ver a comunicação do meu pai, o quanto ele era comunicativo com as pessoas me fez ser comunicativo. E desde muito pequeno eu sempre fui muito comunicativo, eu sempre conversei com todo mundo, sempre, sempre, sempre. Então eu acho que isso pegou muito, até o jeito que o meu pai penteava o cabelo faz o Pablo de hoje. Eu acho engraçado. Coisas que marcaram, que fizeram o Pablo de hoje é eu saber desde pequeno e ter visto e convivido com o que é certo e com o que é errado. Eu tive vivências bem pessoais de saber o que é certo e o que é errado, de saber o que poderia me prejudicar e o que não poderia me prejudicar. Desde pequeno meus pais sempre foram muito abertos comigo. E muitas coisas eu descobri sozinho e eu guarde pra mim e eu maturei aquilo na minha cabeça e fez com que hoje eu seja eu. Mas o que pegou foram essas vivências que eu tive, reais, do que pode ou não, do que é certo ou não, do que é legal ou não e dos conselhos que minha mãe sempre me deu.
P/2 – E nessas vivências existe alguma em especial que você poderia descrever pra gente?
R – Dessas vivências? Eu tenho um tio viciado em drogas. Meus pais buscaram ele da Bahia e trouxeram ele pra casa e entre as drogas ele tem vários problemas psicológicos de surtar e de fazer coisas que eu vi e entendi que aquilo não era certo. Então ter uma pessoa dependente química na família, e muito perto é muito forte porque você de um jeito ou de outro acaba vendo, você acaba percebendo e mesmo seus pais tentando te blindar daquilo você percebe. Eu sempre fui muito, muito curioso, então eu sempre peguei as coisas muito rápido dentro de casa. E isso foi uma das coisas que eu percebi desde pequeno só que eu não poderia falar pros meus pais nunca, eles falariam: “Jamais, isso não acontece”. E depois de um tempo eles foram abrindo e foram me contando o porquê de ser assim. Foi uma experiência. Então as drogas foram uma experiência que eu vivenciei observando e que eu entendi que não me faria bem daquela forma, igual o meu tio fazia. E outra vivência muito forte que eu tive, que tornaram o Pablo hoje, é a garra e a vontade de vencer da minha mãe. A minha mãe sempre lutou muito pra conseguir tudo. Ela cuidava de mim, ela cuidava dos meus avós, ela cuidava do meu pai, ela cuidava das minhas irmãs e trabalhava. E teve uma época que... eu me inspiro muito na minha mãe. Teve uma época que minha mãe saía de casa seis, sete da manhã e voltava duas horas da manhã. Eu acordava ela já não estava mais lá e quando ela chegava eu já estava dormindo. Então passei muitos anos tendo só a presença do meu pai, só a presença do meu pai. E isso é muito forte. Eu entendo ela, o porquê disso, só que a minha mãe não viu e os meus irmãos crescermos, uma parte, né? Só que eu sempre fui muito conectado com a minha mãe. Muito, muito, muito, muito, muito. Então tudo o que ela fazia eu pegava de exemplo para mim. Esse trabalhar dela, de ir atrás, de não desistir mesmo, sabe? De ficar mal e no outro dia levantar e estar tudo bem: “Não, está tudo bem, vai dar tudo certo. Vai dar tudo certo”. E ela sempre falava: “Não, meu filho, vai dar tudo certo. Hoje a gente está comendo isso porque tem isso, mas amanhã vai estar melhor”. E teve uma época da minha infância que foi muito difícil. Os meus pais não me contaram, mas eu sabia que estava difícil. Foi um caminho longo pra gente ter a vida que a gente tem de dez anos pra cá. Eu tenho 20 anos, de dez anos pra cá as coisas mudaram absurdamente. Eu saber, mesmo que sem querer, que a minha mãe estava fazendo quase que o limite dela me alimenta até hoje e é a minha maior admiradora, por saber que ela sempre fez tudo por nós. E de novo, é muito real, é muito presente, é muito bonito essa presença da minha mãe no “vai dar tudo certo, vai dar tudo certo”. E até hoje é assim. E é muito bonito, muito legal, eu gosto muito. Então o que me formou foi a comunicação do meu pai, as vivências da minha mãe, os conselhos da minha mãe, os aprendizados dos dois e o meu jeito curioso de ser. E eu pegar tanto um pouquinho do meu pai, quanto um pouquinho da minha mãe e me formar hoje. Então tem muito do meu pai e da minha mãe em mim. Muito, muito, muito, muito. Muita coisa.
P/2 – Eu queria falar um pouquinho sobre um tema que a gente não comentou, viagens. Você tem alguma viagem que te marcou, alguma lembrança relativa a algum lugar? Em família ou sozinho?
R – Viagens? Eu lembro, eu era muito pequeno, muito pequeno, e eu lembro da primeira vez que a gente foi pra praia. Fomos eu, meu pai, minha mãe e a minha irmã, que já devia ter um ou dois anos eu acho. E eu morria de medo de água, morria de medo de pisar no chão e sentir qualquer coisa, eu gritava. Isso eu tenho forte em mim, que eu gritava e eu falava: “Não, eu não quero, eu não quero!”. E meu pai sempre foi da praia, então ele ficou tipo... e depois quando a gente retornou à praia nas próximas vezes eu ainda tinha isso: “Eu tenho medo de entrar no mar, eu não quero sentir isso”. O meu pai ficava mais p da vida ainda, ele falava: “Como assim você tem medo do mar? Eu praticamente vivi a minha vida inteira aqui, eu nasci aqui, eu estou aqui e você tem medo de mar, menino! Você está louco?”. E com o tempo eu fui me acostumando, mas eu nunca fui muito de fã de tomar muito sol (risos), ficar muito na água e ir na praia. Só agora, depois de muito tempo, eu fiz a minha primeira viagem sozinho com amigos, que foi um desafio também porque eu sempre fui muito medroso, muito, muito, muito. Então eu tinha medo de viajar. Eu já poderia ter viajado outras vezes mas eu morria de medo de viajar. E para uma pessoa de 18 anos ter medo de viajar com amigos é muito... na época eu tinha 19 anos. Um cara de 19 anos ter medo de viajar com um monte de amigo é tipo: “Oi, tudo bem? O que está acontecenndo?”. Eu fiz essa minha primeira viagem pra São Tomé das Letras e eu lembro que eu estava com medo de morrer, eu falei: “Meu, o ônibus vai bater”. Aí eu escrevi (risos), eu escrevi um texto falando que eu estava com medo de viajar, mas se acontecesse alguma coisa tudo bem porque eu estava arriscando alguma coisa (risos). E eu escrevi esse texto antes de viajar tipo falando: “Eu estou inso, se acontecer alguma coisa tudo bem que vou esta feliz e eu espero que dê tudo certo. Eu escrevi esse texto, fui viaja e fui super tranquilo. Depois eu fui viajar de novo e é bem legal. Foram viagens assim. Mas eu ainda tenho um pouquinho de medo.
P/2 – Tem um lugar que você queira conhecer? Que você tenha uma vontade especial?
R – Eu sou meio maluco eu acho (risos) porque todo ano eu coloco na minha cabeça: este ano eu vou fazer tudo o que eu nunca quis. Ou este ano eu vou viajar de avião. Ou este ano eu quero escrever dois livros. Sei lá, eu traço planos pra guiar o meu ano, isso é coisa de louco, mas é sério. E quando eu falei: “Eu vou viajar”, em 2015, 2016, eu falei: “Eu quero fazer tudo o que eu nunca fiz”. E eu fui viajar. E continuou em 2016: “Eu quero fazer tudo o que eu nunca fiz”. E fiz um milhão de coisas que eu nunca tinha feito. Em 2017 eu continuei isso: “Eu quero fazer o que eu nunca fiz”. Então desde o primeiro dia do ano, que eu passei o ano novo na praia, nunca imaginei que eu ia passar o ano novo na praia sem os meus pais, é muito estranho. E eu passei o ano novo na praia, uma praia extremamente, quase vazia, com meus amigos e foi muito mágico, foi aquele start de pá, eu estou sozinho, eu cresci. E outra coisa engraçada de eu cresci, que a primeira vez que eu olhei pros lados e falei: “Nossa, sou eu mesmo?”, foi quando eu fui assistir a um show no SESC, na choperia do SESC Pompeia (risos). Eu já tinha 18 anos e eu comprei uma lata de cerveja. E eu comprei essa lata de cerveja, eu abri, aí olhei pro lado, olhei pro outro lado e falei: “Eu posso beber uma cerveja!”, tipo, eu já tenho 18 anos, eu posso beber uma lata de cerveja! Eu estou no SESC, um lugar que eu passei a minha infância, que ontem eu estava com 12 anos e eu nunca pensaria em beber uma cerveja e eu estava sentado assistindo a um show bebendo uma cerveja. Foi muito forte isso pra mim, o comprar, o pegar e o beber. Foi muito real, eu fiquei tipo: “Nossa, eu cresci, cara! Que legal, eu cresci, eu já tenho 18 anos, eu posso beber”. Mesmo que eu só comprasse a lata de cerveja e não bebesse nada, mas o poder comprar e o estar foi muito simbólico, foi muito forte. Foi uma coisa que marca a minha transferência de responsabilidade, idade, nessa linha do tempo.
P/1 – Pablo, só pra gente finalizar, você quer contar como você se sentiu nessa última hora contando a sua história? Como foi lembrar de tudo, falar das coisas?
R – Então, é uma história muito grande. Se eu fosse contar tudo, eu tentei resumir o máximo possível as coisas. Mas contar uma história do passado é muito forte, ainda mais quando as pessoas que fizeram parte desse passado e fizeram bem pra você não estão mais com você. É muito forte falar da minha avó, é muito forte lembrar das coisas que aconteceram em casa. É muito forte retomar aquilo que eu já vivi, que foi muito bom, só que eu sei que não vai acontecer nunca mais. É muito forte isso. E eu pude retomar, desde as entranhas lá do começo de tudo como eu sou hoje e como eu me formei.
P/2 – Teve alguma coisa que você queira contar e a gente não tenha perguntado? Alguma história especial?
R – História especial? Quando eu dei meu primeiro beijo.
P/1 – Foi na Rua Clélia também?
R – Foi no SESC Pompeia. Eu achava que quando eu ficasse com a pessoa que eu fiquei teria fogos de artifício, toda aquela coisa. Eu idealizei uma coisa que não existia, eu coloquei na minha cabeça: “Nossa, quando eu fizer isso vai acontecer isso, isso e isso”. E quando eu beijei, no SESC Pompeia, foi uma coisa tipo: “Ah, tudo bem, mas é só isso?” (risos), é só isso? Eu realmente esperava mais desse beijo e eu vi que eu fiquei até... depois eu fiquei: “Mas como assim? Como assim foi só isso? Cadê os fogos, cadê a musiquinha?”, acabou. Foi uma coisa que aconteceu que hoje é legal marcar. Foi muito engraçado, tem toda uma situação envolvida de onde, de por que, de eu estar pensando no por que, dessa minha necessidade de se abrir, de sair. E foi muito engraçado, eu nunca vou esquecer. Foi muito bom e eu nunca vou esquecer.
P/2 – Você não quer descrever pra gente? Pode colocar mais detalhes, não precisa resumir (risos), se você ficar à vontade.
R – Não, foi super (risos) engraçado. Eu sempre tive isso em mim, de fazer as coisas com quem eu me sentisse à vontade. Sempre. Eu sempre precisei me sentir à vontade pra fazer alguma coisa. E ao extremo, eu tinha que estar à vontade ao extremo pra fazer alguma coisa, senão eu não faria. E eu sempre coloquei muitos empecilhos na minha vida pra não fazer as coisas. E nesse dia eu falei: “Eu vou fazer, vou fazer”. Daí a gente falou: “Ah, tem aquele lugar tal que não vai quase ninguém”. Um lugar que não vai quase ninguém no SESC Pompeia. O SESC mudou muito, muito durante os anos, naquela época, enfim (risos). “Ah, então vamos nesse lugar?” “Vamos”. E aconteceu. Foi super rápido, foi muito mágico, mas foi muito inferior às minhas expectativas. Foi muito inferior porque eu não sei se é porque eu pensei muito, planejei muito, tã nã nã, tã nã nã, vai sair aquela coisa. E não foi aquela coisa. E eu fiquei mal depois, mas depois eu fui entender: ”Ah, faz parte de um processo que acontece” (risos). Faz parte de um processo que vai acontecendo. Depois eu fiquei outras vezes com essa pessoa e foi bem legal, foi bem legal. E outra coisa que eu acho legal na minha vida foi que eu sempre, de mim assim, eu sempre tomei iniciativa de tudo, as pessoas me conhecem por ser o Pablo, o comunicativo, o que toma atitude e faz o que tem que fazer e faz as coisas por amor. Tudo o que eu fiz até hoje foi por amor, foi por eu gostar muito e eu ter um objetivo. E eu acho legal. E uma coisa na minha trajetória que eu sempre fui considerado super puxa-saco da sala porque eu virava amigo dos diretores, dos vice-diretores, dos coordenadores, professores, eu sempre virei amigo muito fácil das pessoas. As pessoas sempre confiaram em mim muito rápido. Então eu acaba de conhecer a pessoa e ela contava a vida inteira dela pra mim por se sentir à vontade. E uma coisa que eu gosto de mim hoje em dia é saber que eu deixo as pessoas à vontade, eu consigo conversar desde a criancinha a uma senhorinha e eu acho muito legal isso. Tanto que uma coisa muito importante da minha vida, experiência de vida que eu vou levar pra toda vida, foi que no ano passado eu fui indicado por uma amiga a ser tutor de um garoto autista. Então durante seis meses eu fui um tutor de um garoto autista num colégio particular. Isso foi uma coisa que me marcou muito. E da confiança que colocaram em cima de mim para eu fazer isso. Então eu ficava do lado dele na sala de aula todos os dias de manhã até à tarde e eu tinha que pegar o que a professora falava, transformar de um jeito que ele entendesse e explicar pra ele. Isso todos os dias. E lidar com um garoto autista é uma coisa muito forte porque a gente tem o nosso humor fixo, a gente tem o nosso humor, e a gente pode mudar esse nosso humor, mas a gente muda de uma maneira muito mais leve. O autista não, o autista pega do nada, se a mente dele ficar sobrecarregada ele vai pegar, ele pode causar uma situação, ele não vai entender muito as coisas. Então meu papel era fazer com que ele entendesse as coisas e fazer essa própria inclusão dele dentro da escola e dentro da sala e fazer com que entendessem que ele é uma criança normal, ele só tem, digamos, um pontinho diferente que se você entender vai dar tudo. E esse era o meu papel com ele, me marcou muito esse ser tutor de um garoto autista. Eu fiz muitos trabalhos e foi uma coisa que pegou muito, eu gosto de falar. Que marcou bastante.
P/2 – Tem algum momento triste que tenha te marcado, que você se sente à vontade pra falar?
R – Momento triste? Tem uma situação triste que eu fiz com que ficasse alegre. Todas as vezes antes de eu dormir a minha avó rezava com a gente. E era uma oração de dormir. Minha avó faleceu. Não, meu avô faleceu. E no enterro do meu avô todo mundo lá muito triste, eu comecei a fazer a oração do sono e todo mundo começou a dar risada e eu fiquei tipo... gente o que aconteceu? E todo mundo: “Pablo, isso é pra dormir, não é pra enterro! Você está falando uma coisa de dormir, alegre, no enterro do seu avô?” (risos). Todo mundo de risada e o clima ficou muito mais suave, muito mais alegre. E eu não esqueço, não esqueço. A gente descendo, todo mundo lá chorando, mal e eu falando: “Santo Anjo do Senhor”, como se estivesse todo mundo indo dormir. Todo mundo deu risada, foi super, eu não esqueço, foi muito legal (risos). E um momento triste, muito triste, foi quando a minha cachorra morreu, estava com a gente desde muito pequena, era uma pastor alemão e foi quando acho que me pegou assim, que eu nunca tinha passado. Meu avô já tinha falecido, mas eu nunca tinha passado uma tão real, tão pertinho de mim, eu tinha um apego muito grande com ela e ela comigo. Por mais que ela fosse uma pastor alemão enorme eu que dava banho, eu que levava pra passear e ela estava comigo desde bebê, ela me viu crescer. Ela já estava doente e nisso que ela adoeceu não tinha o que fazer. Ela já estava com 14 anos e descobriu-se que ela estava com vários tumores, não tinha o que fazer. Aí falaram: “Ou sacrifica, ou deixa”. E a gente viu que ela ainda estava bem e a gente ficou com ela até o último dia e teve um domingo ensolarado, dia 28 de janeiro de algum ano, eu subi as escadas pra ver ela na laje e ela estava deitada respirando. Eu falei: “Não, não pode ser, não acredito nisso”. Ela estava respirando, eu fiquei do lado dela e falava: “Princesa, Princesa, vem, vamos brincar, vamos brincar. Vamos brincar, Princesa! Não, Princesa, não faz isso, não faz isso, vamos brincar”. E ela lá respirando, respirando. Eu peguei ela no meu colo, foi quando eu senti ela dando o último suspiro dela, tipo. Daí eu comecei a gritar meu pai e ele: “Calma, filho, calma”, tentando me acalmar e eu chorando, chorando, chorando. Aí subiu minha mãe, eu comecei a chorar com a minha mãe, muito, muito. Porque ela esteve com todo mundo desde o começo, ela fez parte da história da casa, da estruturação da família, de tudo, e do nada ela foi embora. Tanto que a gente ficou um tempo sem cachorro. Achei muito forte, acho que foi um dos momentos mais tristes da minha vida, foi a morte dela. E me marcou muito, de tristeza. Mas...
P/1 – Acho que tem bastante história já, né?
R – Bastante história.
P/2 – Obrigada, Pablo.
P/1 – Pablo, obrigada por ter aberto seu coração.