Infância em São Manuel. Primeiro emprego, bastante jovem, embarcado de navio de Companhia Grega. Descrição da guerra, quando navios comerciais pararam de circular, e luta como mercenário. Volta ao Brasil e vai para Paranaguá, donde vem seu apelido. Começa a vender mate. Viaja para o Rio de Janeiro, mas para em Santos. Tem ponto de venda na praia junto ao canal 3. Os políticos e famosos que frequentam o local. Afirma que algumas melhorias na cidade são sua iniciativa, como os chuveiros e os jardins das praias.
IDENTIFICAÇÃO
Nome, local e data de nascimento Mamhmdus Hassan. Nasci em São Manoel, Estado de São Paulo, à 06 de outubro de 1922.
FAMÍLIA
Nome dos pais David Hassan e Catarina Tudra Hassan. Meu pai nasceu na Palestina, num bairro distante uns 20 quilômetros de Jerusalém.
IMIGRAÇÃO
Vinda do pai para o Brasil Ele não sabia que estava vindo para o Brasil, ele não sabia nada. Ele chegou, pagou dinheiro e viajou porque antigamente não tinha passaporte nem nada. Ele chegava, pagava a taxa, e vinha. O navio veio parar no Brasil. Ele não sabia falar a língua. Começou a aprender a falar, ficou mascate, viajava. Ele acabou ficando em Bauru, aí viajava, trazia arroz, feijão de Bauru, de São Manoel. Minha mãe, ele conheceu depois, aqui no Brasil. Ela era da Polônia. Veio para o Brasil porque meu tio, era jornalista. Ele depois ingressou como jornalista. Ele trazia imigração da Polônia e da Alemanha, daquele setor ali, Iugoslávia,... Então, ele trazia imigração, aí os padres falavam: "Não, não leva, não viaja porque lá tem mosquito que morde e mata, que é a malária, né?" E de fato mesmo. Aí eles veio, viajavam de novo, voltava até no Rio tem a carteira dele. Eu tinha todos os documentos dele, perdi.
FAMÍLIA
Atividade do tio Meu tio, como jornalista, foi ele e um colega dele na África do Sul, aquele pegou uma malária e morreu. Ele voltou para o Brasil pegou seis meses de cadeia, que ele fez o contrato para girar o mundo. Ele ficou preso porque ele não cumpriu o contrato. FAMÍLIA Atividade dos irmãos Nós somos em cinco. Três moram em Sorocaba, um faleceu, e eu. Meu irmão trabalhava, o mais velho, trabalhava numa fábrica de macarrão. Outros eram menores. Outro era maior, também era marceneiro, lustrador, Ele trabalhava na Sorocabana, o mais velho. Lá em Botucatu. Entrou na Sorocabana, depois mudaram ele para Sorocaba. Sabe, negócio de trem, essas coisas, máquina. Mas, ele não era maquinista, trabalhava na oficina. Fazia peças. FAMÍLIA Atividade dos pais Meu pai era comerciante. Ele ia em Bauru, pegava aquelas linhas de trem Sorocabana, ele trazia arroz e feijão em São Paulo. Ele pegava dois, três vagões, alugava e trazia para cá. Minha mãe era patroa de casa, porque quando ela conheceu meu pai se casaram e ficaram.
INFÂNCIA
Mudança de cidade Saí pequeno, bebê, de São Manoel. Nós fomos para Botucatu, uns 10 quilômetros, 15 quilômetros de São Manoel. Ficamos lá até depois da Revolução de 1932. Minha infância foi passada em Botucatu.
EDUCAÇÃO
Escola primária Era Grupo Escolar de Botucatu, não me lembro bem. Eu sei que nós morávamos fora, atravessava um rio e ia até a Vila dos Lavradores, eu me lembro bem. E lá eu ia estudar, não tinha como é hoje. A gente ia descalço e ia na escola.
TRANSIÇÃO
Mudança de vida Depois quando cresci, chegou muitos anos depois, uns dois anos depois, chegou um comandante, amigo do meu pai, ele me viu, ele falou: "Não quer adotar ele para ele embarcar comigo?" Era amigo do meu pai. Então, ele gostou de mim e falou: "Deixa ele viver comigo, ele vai aprender mais coisas na vida." Então me levou. Nós viajamos para Itália. Embarcamos em Santos. Vim de trem desde Botucatu. Depois descemos naquela Estação da Luz, em São Paulo. E aí trocou de trem e veio para cá. Vim. Entrei aí no cais, ali no porto.
SANTOS
Década de 40 Quando eu cheguei, tinha meia dúzia de prédios na orla da praia. E tudo era chácara, chalé, areia, não tinha asfalto. VIAGEM Impressões Eu não conhecia o mar. Viagem a gente acostuma. Criança, a gente entra no navio de cargueiro, a gente pega, acostuma que nem eles. É tão simples, depois que se acostumar... Falavam árabe. Carregava alimentação, tudo, Não podia trazer laranja e banana porque apodrecia. Naquela loja tinha frigorífico, tinha, tinha mal e mal para a gente comer, se virar.
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Viagem durante a Segunda Guerra Sei falar árabe e hebraico porque eu morei em Israel, quando estourou a guerra. Quando nós atravessamos o Canal de Suez, a embarcação parou lá numa cidade chamada Jafa, aí a guerra começou, a gente não sabia quando ela ia parar. Seis sete, oito meses, o comandante não tinha mais verba porque não podia o navio sair nem viajar, não nós, todo o mundo. Na Guerra Mundial, embarcação não viajava, só navio de guerra, ia e vinha. Então, ficamos lá e eu fiquei. Aprendi falar árabe um pouquinho, comecei trabalhar e trabalhei em Telavive. Eu não esqueci falar português porque minha idioma, minha língua. Eu falei: "Acho que não existe essa língua naquele tempo." Eu falei: "Acho que o Brasil não existe porque ninguém falava português." Uma vez no navio, embarcação, eu estava em Jafa, aí vou falar: "Tem um navio para o Brasil." Eu fui pedi para falar com alguém, aí veio os dois, três lá, o comandante veio, me abraçou, me beijou, começamos chorar. Que era difícil brasileiro sair antigamente, né? Não é como hoje. Hoje, qualquer parte jogam bola. Então, me admirou, ele queria me trazer, mas não dava. Depois estourou a guerra mundial, eu me alistei no exército inglês para comer o pão de cada dia, porque se você tinha 16, 17 anos, você era obrigado a alistar. Quando você tem família, depender da tua família, quando não tem família você tem que trabalhar. Eu viajava, entrava no Canal de Suez, ia até a Turquia, voltava pra Grécia e fazia aquele caminho. Me alistei, como voluntário. Eu era driver, motorista. Aprendi a dirigir no exército mesmo. Tudo se aprende no exército. Eu não sabia, era Jipe, dirigia Jipe porque lá a gente ficava no Canal de Suez, lado do Deserto do Saara era tudo Jipe. Eu fiquei muito em Líbia, Trípoli, aquele redor, eu comi o pão que o diabo amassou. Passei, passei, um aperto. Uma bomba explodiu o Jipe. No deserto, cortou a minha mão quase aqui. É minha filha, a gente... Fiquei até o fim da guerra.
AVALIAÇÃO
Experiências no pós-guerra Minha aula e minha escola foi que eu aprendi a viver. Eu não gostei do povo inglês, é falso. Francês também não. Se você não tiver amizade, você... Se não souber falar francês, ninguém olha para tua cara. Inglês também não era... Então o único mundo que dava, tinha amizade era judeu e árabe palestino. Eu vivi lá em Telavive, trabalhava em Telavive tudo, na construção ali me dei muito bem. Trabalhei. Tem que aprender de tudo, tem que fazer, viu? Eu aprendi trabalhando e... Com o mundo árabe e com judeu. Eu me admiro que está essa guerra agora. São tudo... Olha, era uma vida muito saudável tinha lá, viu? Viajava todo o fim de semana para Jerusalém na festa e eu me sinto até com vergonha dessas brigas bobas. Era uma vida saudável minha lá, eu tenho saudades. Depois da guerra, fui trabalhar na construção civil. Era prédio de segundo ou terceiro andar, não tinha elevador, mas bem feito... obra muito bonita. Eu fiquei em Telavive na independência de Israel 1948. Em 1946, eu estava lá.
HISTÓRIA
Independência de Israel - comemoração Eu estava em Telavive em 1946. Foi festa, né? Sabe o que é festa? É que nem futebol, ganha o time, aquela festa, depois todo mundo esquece. VIAGEM Retorno ao Brasil Eu voltei aqui em 1950, a Copa do Mundo. Fiquei 18 anos fora do Brasil. Eu voltei porque eu viajei até Gênova, de Gênova foi o cônsul brasileiro me mandou para o Brasil. Lá quando eu estive em Israel, me falaram: "Você quer naturalizar palestino, israelense?" Eu falava: "Não, eu nasci pedra tenho que morrer pedra." Nunca troco a minha pátria, hein? Porque antigamente não é que nem hoje. Antigamente, quando você saía, depois da mudança de Israel, aí pode ter duas nacionalidades. Agora era uma só antigamente e eu ia me alistar em Gênova, legião estrangeira. Eu ia perder cidadania brasileira, eu não aceitei porque eu era moço, eu gostava de movimento. A gente aprende sozinho, quer movimento. Não aceitei, porque ia perder a minha nacionalidade. Depois surgiu que pode ter duas nacionalidades, que o judeu tem duas. Bom, aí eu estava na Itália, eu não tinha documento, eu precisei ir no cônsul, aí eu falei: "Quero voltar para o Brasil" porque na Itália já é diferente. Outra, é frio lá, já não me acostumei. Eu quando vim para o Brasil, também não me acostumei, não? Eu fui morar em Paraná, na Curitiba, Paranaguá, eu não me acostumei morar em São Paulo, horrível. Eu vim para São Paulo, trabalhei com judeu mascate lá, fazer compras, etc. etc.
COMÉRCIO AMBULANTE
Venda de caldo de cana Minha mãe e meus irmãos falaram: "Você para acostumar, você tem que ir no Paraná. Lá, o clima é idêntico com a Europa, com a Palestina." Eu peguei e fui, mas nós fomos até Paranaguá, uma festa do Rocio, leva aquela bijuteria e faz uma barraca, aluga uma barraca em frente a igreja e começa... Comecei a gostar disso. Aí formei aquele brinquedo de criança. Aí foi armando uma barraca, começou vender. Aí, faturei um dinheiro. Aí, faturei, voltei. "Já, aonde que está aquela festa?" "Em tal lugar." E aí. Eu ia também, comecei a fazer. Aí, eu acostumei, aí eu provei fazendo mate, eu não sabia fazer mate. Eu vendia lá... esse caldo de cana, comprei uma máquina de moer cana, comecei vender caldo de cana... COMÉRCIO AMBULANTE Venda de mate Aí, chega um: "Paraná"... Não era Paraná, Zé me chamavam Zé. "O senhor não quer vender mate gelado?" Eu falei: "O que é isso?" "Mate gelado." Aí, chegou o capitão dos portos falou e um deputado federal, aí falou: "Por que o senhor não vende? Eu tenho Instituto de Mate do Rio. Era que nem o café, tem o Instituto do Café, tem o Instituto do Mate, eu te mando uma carta para o capitão dos portos de Paranaguá", me fez uma carta para mim levar, lá no Rio. O presidente do mate era no Rio. Eu fui, me apresentei lá como o deputado e o capitão dos portos. Ele fez uma festa lá no Rio para mim e me deu um aparelho para fazer mate e me ensinou como fazer, eu peguei e me deram uma bolsa. Bolsa são 20 quilos de erva mate, até eu despachei que, antigamente, saía de Paranaguá para o Rio, tinha transporte passava em Santos, Paraná, Rio e Paranaguá. Aí, eles me despacharam a coisa, de avião. Eu fiquei em Paranaguá fazendo mate. Eu vendia, vamos supor, caldo de cana, mas cana aquela cana caiana, a roxa assim, eu vendia 30 litros e comecei vender mate, mate, mate matou o caldo de cana, que o meu mate é gostoso. Aí eu comecei a vender mate e agora eu vendia, dobrou que eu vendia 300... Começou 30 litros de caldo de cana, começou a vender mate, 30 litros. Vendia para a turma lá, para o povo, na cidade. O prefeito me deu uma cantina no meio da praça ali. Eu peguei amizade com ele, ele me deu na Praça Coronel, nem sei o nome da praça. Eu sei que era no coração de Paranaguá, perto da estação de trem.
MIGRAÇÃO
Mudança para Santos Aí eu fui para Curitiba, abri, vendi mate também em Curitiba. Aí chegou um comandante, ele viajava para Ilhéus, ele falou: "Mas escuta"... Conheci ele num clube, ele falou: "Bom, você é da cana, você não quer ir comigo para Ilhéus? Ilhéus é Bahia. Fica lá um mês, 30 dias, deixo você, volto pego mais sal." Ele viajava, transportava sal e na outra você volta comigo." "Tá bom, tá bom, tá bom." Cheguei aqui em Santos, ia viajar, ele falou: "Em Santos, você me pega, eu vou lá de te pegar." Cheguei aqui: "Eu sou amigo do pai do Taifur, aquele vereador que morreu o Gilberto Taifur. "Não fica aqui", ele morava na Avenida Conselheiro Nébias, perto da Guarda Municipal. "Não, você é muito popular, você pega amizade logo, fica aqui em Santos, você vai ficar na minha casa." Fiquei seis meses na casa dele. Aí comecei fazer mate e ir para a praia. Ah, não brinca Fiz o maior sucesso. Vendia no Boqueirão. No mesmo lugar onde estou hoje. Só sábado e domingo.... Sábado tinha futebol de praia, era Náutico, Caravela, Cruzeiro aqui, Cruzeiro também, todos jogavam ali, no canal dois, canal três, canal quatro, então peguei aquela amizade.
SANTOS
Praia - 1951 O pessoal ia à praia, Jogar bola. Iam de maiô, jogavam bola ali. O povão ficava sabe aonde? Ana Costa, Conselheiro Neves, onde que tem a fonte. Ali que ficava o povão, ficava em frente. Na beirada do canal não tinha ninguém, beirando o canal. Aí, eu fiquei, eu gosto de praticar o futebol, eu gosto de bola, até eu tinha meus times ali. Jogou Clodoaldo, Negreiro. Não jogou Pelé e Pepe, só. Todos os jogadores do Santos Futebol Clube vinham jogar comigo.
LAZER
Time de Futebol de praia Eu tinha o time do Paraná. Eles vinham jogar comigo, em pouco tempo. Então eles jogavam no Santos vinham... "Pô Paraná deixa eu dar uma ..." "Pô, mas você não treinou agora"? "Aqui é mais gostoso." Sabe porque é mais gostoso, porque é livre. Então, toda amizade, eu tinha com eles, eu tenho foto deles. Com os jogadores que vinham jogar. Coutinho jogou, Clodoaldo, Picolé, Pitico, todos eles jogaram comigo. O Nenê, Belarmino, que está em Portugal agora como técnico. Então, fiquei conhecido Paraná. Eu tenho saudades. Primeira coisa, eu ia lá, colocava o meu carrinho, não vinha menina sozinha, menina de 17, 18 anos vinha com a família. Não vinha com o namorado, não, vinha com a família, pai e mãe eram unido antigamente. É diferente. Não fumavam cigarro, nem nada. Não podia atravessar. No tempo do Jânio Quadros não podia andar sem camisa na rua, nem atravessar de biquíni. Não podia atravessar a rua sem camisa. Tinha uma avenida só. Depois formava duas, duas linhas de bonde, não podia atravessar sem camisa. Sem camisa e com tanguinha de jeito maneira. Senão ia preso. É, ia preso. Ia na polícia. Não estou brincando não. As mulheres eram diferentes, não tem.... Não dava... Tudo era aquele roupão grande... Era outro respeito, viu? Estou te falando, eu sinto saudade daquele tempo.
MORADIA
Vila Mathias Eu morei na Vila Mathias, no Campo Grande e comprei um apartamento na Rua Campos Melo.
FAMÍLIA
Casamento Me juntei. Era de Antonina, ela veio, tinha dois filhos. Me juntei com ela, é a mesma coisa que casar. FAMÍLIA Filhos Meus filho moram comigo. Um mora, outro mora aqui na... Perto da praia onde que eu trabalho. Um é arquiteto mora ali. Trabalha na Prefeitura. O outro é inspetor da Orla da Praia. É tudo filhinho de papai. Tudo esses que estão ali que o pai deles é vereador, Fulano de tal, não precisa dizer, né? Meu filho porque é filho do Paraná.
COMÉRCIO
Preparação do Mate Tem que cozinhar ele. Por exemplo, eu vou à tarde, cozinho ele, tiro e deixo para o dia seguinte. Aí eu tempero ele com tudo, coou ele, adoço. Agora é preciso ver tempo também para não perder dinheiro. Antigamente eu sabia mais, hoje em dia tudo mudou. Antigamente, eu conhecia o tempo, mas agora tudo mudou. Vem o noroeste, eu sei que vai chover, agora não sabe mais. Noroeste é batata que vinha chuva. E se vinha chuva com noroeste ficava dois, três dias. Tudo é pratica, agora mudou tudo, viu?
SANTOS
Tempestades de Verão Mudou tudo. Eu me lembro bem quando nós jogava na praia, lá para às 15:30, 16:00, virava aquele tempo, ficava escuro tudo... Antes ficava jogando, depois de meia hora abria o sol... SANTOS Temporada Antigamente quando eu chegava cedo, lá pelas 9:00 horas, colocar o carrinho lá na areia, eu colocava na areia, agora eu estou no jardim. "Dá licença", abre caminho, que ficava o povo assim, que nem formiga e onde que eu estava depois começou: "O Paraná está no canal três?" Todo mundo começou ir para lá. Formou-se o Canal Três. A Confeitaria Joinville... Então, o futebol mesmo, eu fiquei muito conhecido, aí eu fiquei: "Não agüento mais." Eu levava três carrinhos para vender. Ah, para que eu vou vender? Vou me matar?
SANTOS
Chuveirinhos na praia Aí, falei: "Vou ficar no jardim.". Cheguei e falei, o Barbosa foi prefeito. Aí, eu falei: "Senhor Barbosa, é o seguinte eu vou colocar um chuveiro ali na orla da praia." Apertou assim, chamou o engenheiro: "Que lugar que você quer?" "Em frente ao Jacarandá, lá onde que vocês me viram." "Bom." Chamou o empregado lá: "Me atende o Paraná, o que você quiser, vê o que ele quer coloca onde que ele quer." Fui lá, arrumei, coloquei o chuveiro. Aí depois entrou a Telma, aí chegou uma engenheira. Falou: "Paraná, eu tenho ordem de atender você, onde que você quer mais chuveiro?" Porque o povo ali era assim, eu não brinco não. Anos atrás, o povo ficava tudo no canal três, era mais famoso. Aí cheguei: "Tenho ordem de colocar onde que você quer chuveiro." Peguei, mandei colocar em frente a Rua da Paz, colocar outro mais na frente, mais três ali pode ver.
SANTOS
Telefone na areia Não eu também queria colocar, até coloquei aquele telefone na areia. Eu queria colocar pertinho de mim ali, ali pertinho da estátua Vicente de Carvalho. SANTOS Jardim da Praia Eu plantei abacate, cerejeira, goiaba. Você entrando na Avenida Conselheiro Nébias, no jardim da orla da praia, não é da orla aquele canteiro onde que o ônibus passa aqui. Aqui, pode ver antes de chegar na Conselheiro Nébias, uma goiabeira. Faz 35 anos que eu plantei ela, está até hoje lá. Goiaba vermelha, todo mundo, esses meninos de rua sobe nela. Aquele edifício que tem a rampa grande, não viu? Pode ver ali, você vê uma goiabeira e perto do relógio do sol tem uma goiabeira ali. Eu plantava muito mamão papaia, mas mamão papaia estraga logo, fica dois três anos estraga, apodrece o pé, aí cortei. Tudo estão ali e ninguém toca. Pode ver onde que vocês me viram, não tem ali "Bem vindo a Santos." Aquele letreiro foi eu, meu dinheiro. "Bem vindo a Santos". Eu cheguei, chamei o jardineiro falei: "Vem aqui, corta aí, vamos por "Bem vindo a Santos." Ele cortou, coloquei, plantei aí falei: "Beto fiz isso.". "Então você fez, está bem feito". É aquela grama Bico de Ouro, Pingo de Ouro, ela é pequenininha assim, amarelinha.
ESPORTES
Prática de corrida Ganhei uma medalha de corredor. Não medalha, é um troféu. É que o primeiro corredor quando corria, ninguém andava na praia, eu que inventei a corrida, correr. Juiz de direito, promotor, advogado, milhares correram comigo. Jogador de futebol corria comigo.
POPULARIDADE
Procuram até por mim, "o Paraná, vocês conhecem?" Uma vez, minha sobrinha foram para a Grécia, turismo. Foram, estavam em quatro, cinco, entraram em Atenas, Atenas da Grécia. Aí começaram... Tem aniversário da minha sobrinha, começaram: "Parabéns à você" e aquele grito. Aí, tinha um cozinheiro grego, aí falou: Fala para os brasileiros para esperar que eu quero falar com eles." Que ele estava trabalhando, não tinha tempo. Aí foi: "Vocês são de onde?" "De São Paulo, do Paraná." "Vocês viajam para Santos?" A minha neta falou: "Eu tenho meu tio Paraná." Então, ele começou a chorar, coitado. "Ele é meu irmão, meu amigo. Eu morei muito lá em Santos, é o famoso Paraná." Você vê? Em Atenas. Agora, quando minha família foi para Argentina, em Buenos Aires, aí chegou, sabe? Brasileiro quando tem festa começam fazer aquela arruaça em aniversário começam a falar. Aí começou também no cabaré, lá eles dizem cabaré. No cabaré começou: "Parabéns a você", aí uma família falou: "De onde vocês são?" "De São Paulo." "Vocês vão para Santos?" "Nós vamos para Santos." "Vocês conhecem o Paraná, manda um abraço para ele." Num cabaré em Buenos Aires. Lá bar, eles falam cabaré.
COMÉRCIO AMBULANTE
Capacidade do carrinho A capacidade era 40 litros, agora é de 100. Eu ampliei ele. Aço inox, tudo aço inox. Eu mandei fazer lá no Rio. Antes era quadrado. Era aço inox porque tem que ser aço inox, era quadra... Agora tudo é aço inox, até a bomba, tudo menos o pneu.
PRODUTO
Fornecedores Mate Real, eu compro no Paraná, em Curitiba. Mate Real. Não Leão, o Real. É só escrever lá, mandar um telegrama ele me manda a bolsa quanto eu quiser. Eles queriam: "Bom, mas você... É o seguinte vamos deixar você ser presidente do mate, representante do mate de Santos." Eu falei: "Não, não quero." Eu quero sossego na minha vida, hein? Não vai me arrumar sarna para me coçar. Eu não aceito.
CLIENTES
Para mim não tem, época melhor ou pior. Antigamente era temporada, agora não. Agora qualquer sábado e domingo, eu vendo para chuchu. Se cair no sábado... Porque eu vendo para santista, não me interessa paulista da capital. Agora tem muitos que são conhecidos, tomando mate, volta. O Pepe, saiu na rua com a mulher dele, tomou umas duas, três vezes, o Beto Mansur. Eu sou muito conhecido. Toda alta sociedade vem tomar meu mate porque a praia é uma sujeira, calma pouco. Estou 42 anos na praia.
EMBALAGEM
Copinho plástico, o meu é descartável. Plastificado o meu, o meu é caríssimo. Não é plástico, plástico não se vende, uma sujeira.
CONCORRÊNCIA
Outro dia, estava eu, o Pepe e um corredor, doutor Germano, tem dois médicos, doutor Evandro e o Germano. Aquela Isa, Liza não sei. "Toma um suco de laranja, o senhor é muito orgulhoso." Eu tomei, saí correndo quando cheguei lá no final da areia, lá na ponta da praia, senti uma azia aqui. Eles moem com casca e com tudo, está errado.
HÁBITOS
Esportes que pratica Tomo mate todo dia. Eu pratico muito esporte, eu corro muito. Desde que eu cheguei, estou correndo até hoje. Amanhã, eu vou correr com o Pepe. Aqueles lutadores de boxe, tudo corre comigo. Agora estou correndo 10 quilômetros. Saio aqui do Três, vou até a Ilha Porchat, e volto, Tem 10 quilômetros, cinco e cinco. Agora daqui do Três até a balsa tem nove e seiscentos. Nove e quatrocentos, ida e volta. Eu participo do campeonato da Tribuna, né? Todo ano tem corrida, maratona.
COMÉRCIO NA PRAIA
Diversidade de marcas Antigamente, quando eu cheguei, tinha só Kibon. Gellato, Melato, Telato não existia, só o Kibon. Eu e a Kibon. Quando eu cheguei tinha uma firma mate gelado abriu falência. Porque não é fazer... Quando você quer trabalhar numa coisa, num ramo, você tem que trabalhar com carinho, certo? Dou o mate com todo o carinho. Então, já são terceira geração.
CLIENTES
Capitão dos portos a uns 15 anos atrás ficava lá comigo, ele com a família dele, a mulher... Porque cada quatro anos muda capitão dos portos, ficava comigo. Eu, pede carteira preta da estiva para ele Paraná. Eu só queria pedir, pedia ele me dava. A mulher dele era muito amiga. Quando ele foi embora, ele falou: "O mês que vem, vou embora, tá? O que você quer?" Ele me trouxe meia dúzia de whisky. Até me lembro bem, coloquei debaixo do carrinho, chegou um policial: "Oh, está vendendo muamba? Vai preso" Falei: "Problema é teu, está aqui, você quer chamar a delegacia, preso?" O Capitão dos Portos que me deu... Na época, o capitão dos portos é quem manda na cidade
PORTO
Estiva Carteira preta é para trabalhar no cais. É o melhor emprego que tem. Agora é e não é. Porque antigamente você tinha carteira, os caras: "Que comerciante abriu a porta para você, heim?" Maior respeito ao estivador. Hoje em dia, já caiu o serviço, compreendeu? O comércio abria a porta, que ele era dono da cidade. Porque ele escolhe o melhor emprego que tem no cais, carteira preta. Era aquele tempo bom. Hoje, só tem os antigos
PORTO
Transformações O porto mudou muito. Antigamente para mim, eu acho era muito melhor. Eu conheci tantos portos na Inglaterra, em Gênova, Itália, França, é diferente. Quando vim aqui era uma sujeira tremenda, agora está melhorzinho um pouco. O certo, eles têm que asfaltar aquilo, deixar bonito, para passageiro, para carro. Mas ninguém faz isso. Lembro do tempo dos navios de passageiros. Hoje tem, mas não tem onde que parar o navio. Sabe, não tem profundidade navio grande não pode atracar aqui. Só aqueles pequenos, Andréa "C", Flórida, não sei, só esses. Agora não tem profundidade. Lodo, tem que afundar aquilo ali, não é bicho de sete cabeças. Se nós não construímos uma ponte daqui até o Guarujá, é uma vergonha. Pode fazer por baixo ou por cima.
COMÉRCIO AMBULANTE
Propostas Já me convidaram, para vender mate em outras cidades. O Ney Serra me convidou, todo me convida, mas eu não vou. Chegou antigamente quando estavam construindo aí o Parque Balneário, chegou um amigo meu médico que jogava bola: "Paraná, você vai ser meu sócio." "Teu sócio, do que?" "É o seguinte, eu vou comprar uma loja no Parque Balneário, você entra meu sócio." Ele comprava a loja para mim, para ele, para mim trabalhar fazendo.... "Thum, thum, não espera isso." Eu estou lá no parque, eu não sei se é noite, dia o que é isso? Eu gosto de liberdade, heim? Você chega: "Vamos dar uma corridinha, Paraná?" "Vamos." Eu pego, corro. Liberdade não tem preço.
AVALIAÇÃO
Avaliação do comércio Olha, querida, trabalhando com carinho dá. Tudo dá. O que você planta, você colhe. Não tenho idéia de quanto vendo. Num dia bom vendo tudo, os 100 litros. Tudo que eu fizer. Vendo brincando. E não é para qualquer um não, tem que escolher. Quando tem pouco mate, eu prefiro não vender para gente de fora, aquele que eu conheço. Eu controlo para não faltar, entendeu? Nunca tive ajudante. Só minha mão e Deus, para que ajudante?
FILOSOFIA DE VIDA
Amizades O Joinville faz bolo para mim e me traz, qualquer um... Eu tenho tanto médico amigo, chegou até um juiz de direito empurrar meu carrinho quando eu trabalhava na areia. Essas amizades, eu tenho de montão. "O que você quer Paraná?" "Nada obrigado." A amizade é grande. Então, a gente constrói para tirar o fruto, viu? Primeira coisa, honestidade e ser honesto com tudo, viu? Não só na palavra, ter caráter é muito importante na vida, ganância não presta. Tem muitos aquilo que era do jornal que falava horóscopo, como chama? Morreu ele, o Murilo, do Jornal A Tribuna. Ele chegou: "Paraná, hoje você vai... Amanhã, você vai vender dois, três carrinhos." Eu fiz. Quando era 9:00 horas, virou o tempo. Eu fui na casa dele e joguei tudo no quintal dele. Mentiroso, sem vergonha, ele não... Aí, um desaforo. Eu corri, falei: "Sem vergonha esse tal de Murilo me falou quase nada e disse que sol, quando era 9:00 virou o tempo." Eu te falei porque até essa hora é tempo, né? Eu tenho tudo que eu quero na cidade. Já recebi título de Cidadão Santista. Recebi um prêmio lá no Memorial. Eu tenho aqui na Beneficência, todo lugar. Amigo é tudo, viu? Eu tenho muita amizade muito grande com promotores de direito.
AVALIAÇÃO
Pessoal Eu não gosto de mudar, eu queria ficar o que eu sou, eu amo essa cidade. Estive na Inglaterra, França, Espanha, África do Sul, tudo, não tem, que nem Santos não existe, não existe no planeta. Primeira coisa, temos 20 quilômetros de planície, dá para praticar esporte e o povo daqui é muito querido, muito amigo. A amizade que eu tenho... Todo mundo queria que eu me candidatasse a vereador, eu não quis. Porque para mim não me serve mentira, egoísmo, assinar papel por causa de dinheiro que nem a filha do Pelé, assinou. Não, não não... Eu coloquei presidente, conhece o Pestana? Vereador? Aqui da Beneficência, ele é presidente, eu falei: "Não, você vai ser eleito, eu vou apoiar você." Foi eleito. Ele está com aquelas catracas dos ônibus. Está apoiando essa turma. Eu falei: "Eu não vou me candidatar, você entra vai, vou apoiar você." Porque se eu quero me candidatar, eu chamo o Nuno Leal Maia, eu vou andar de Jipe, duas, três voltas pronto. Já saio eleito, não preciso gastar nada. Quantos não me falaram, eu sou muito popular. Eu tive escola de samba.
SANTOS
Carnaval Eu tive um bloco, o Bloco Mate onde há saudades. Eu tenho alvará, tenho tudo. É tudo da Academia da... Era Medicina, tudo... Do Canadá, tudo onde formava ali na orla da praia. Foi um ano só esse bloco, dá muito trabalho. Me deram muito trabalho. Então, aí eu falei: "Você faz Nóbrega." Jornalista, do Santa Cecília. Um grandão. Eu falei: "Você que faz, eu não quero saber." Está todos os papéis lá em casa". Depois saiu o bloco "Segura no bagre." Eu não aceitei, entrou o "Segura no bagre" um ano depois, não sei que ano 1978, 1968... por aí, não sei... As fantasias eram umas camisas listadas, shorts e boné. Eu me lembro bem, gostoso estava, mas sabe, que é muita dor de cabeça, muita. O Mesquita, doutor Mesquita tinha. Tinha polícia federal, tinha tudo igual que tinha o carnaval.
COMÉRCIO AMBULANTE
Lições Experiência na vida. Porque pega aquela amizade com o povo. Você está lidando com o povo. Então, você sendo homem direito, honesto, direito, você pega amizade com todo o mundo. Você está lidando com gente boa. Tem gente mau, tem gente boa, mas tudo pega o carinho com você. Tem cada mocinha, moço, homem, chega médico, advogado, me abraça e me beija.
AVALIAÇÃO
Depoimento É um prazer. Eu sinto como estou em casa lá, livre, viu? É um prazer estar com vocês. Fazer coisas úteis, boas na vida, né? Quando precisar disponha, tem mais coisa na vida.
Memórias do Comércio - Baixada Santista (MCS)
O Chá da praia
História de Mamhmdus Hassan (Paraná)
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 23/03/2005 por Museu da Pessoa
P/1 - Bom, Paraná, eu vou pedir para você começar falando o seu nome completo de novo, sua data de nascimento e local de nascimento?
R - Em primeiro lugar...
P/1 - Nome completo.
R - Mamhmdus Hassan, M, a, m, h, m, d, u, s Hassan, H, a s, s, a, n com H.
P/1 - Data de nascimento?
R -1922.
P/1 - Ano? Não, ano... Mês e ano.
R - 06 de outubro.
P/1 - 06 de outubro?
R - 1922.
P/1 - E o local de nascimento?
R - Nasci em São Manoel, Estado de São Paulo.
P/1 - Muito bem. O nome do seu pai?
R - David Hassan.
P/1 - Sua mãe?
R - Catarina (Hatudra?) Hassan.
P/1 - Seus avós, conheceu seus avós?
R - Não.
P/1 - Não conheceu seus avós?
R - Não, eu tinha lá um prazer na minha vida, não conheci não.
P/1 - Qual era a atividade de seu pai?
R - Meu pai era comerciante. Ele ia em Bauru, pegava aquelas linhas de trem Sorocabana, ele trazia arroz e feijão em São Paulo.
P/1 - Para São Paulo?
R - É. Ele pegava dois, três vagões, alugava e trazia para cá.
P/1 - E vendia aqui?
R - É, em São Paulo.
P/1 - E a sua mãe?
R - Minha mãe era patroa de casa, porque quando ela conheceu meu pai se casaram e ficaram.
P/1 - E quantos irmãos o senhor tem?
R - Nós somos em cinco.
P/1 - Cinco. E os seus irmãos...
R - Moram em Sorocaba.
P/1 - Moram em Sorocaba?
R - Três em Sorocaba, um faleceu e eu.
P/1 - Certo. E senhor se lembra da sua infância lá em São Simão?
R - Botucatu, em São Manoel.
P/1 - São Manoel, desculpe?
R - Eu não conheço São Manoel, eu saí pequeno.
P/1 - Com quantos anos o senhor saiu de São Manoel?
R - Saí pequeno, bebê.
P/1 - Bebê?
R - Nós fomos para Botucatu.
P/1 - Para Botucatu?
R - É, Botucatu é uns 10 quilômetros, 15 quilômetros de São Manoel.
P/1 - E aí o senhor ficou até com quantos anos em Botucatu?
R - Ficamos depois da Revolução de 1932.
P/1 - Que ano mesmo o senhor nasceu?
R - Em 1922.
P/1 - 1922 até 1932.
R - Uns 13 anos.
P/1 - Então, a sua infância foi passada em Botucatu?
R - Botucatu, ia na escola.
P/1 - Hum! Como é que era a escola?
R - Era Grupo Escolar de não sei, que em Botucatu, não me lembro bem. Eu sei que nós morava fora, atravessava um rio e ia... Qual é o bairro? Era numa escola Vila dos Lavradores, eu me lembro bem. E lá eu ia estudar, não tinha como é hoje. A gente ia descalço e ia na escola. Depois quando cresci, aí chegou muitos anos depois, uns dois anos depois, chegou um comandante, amigo do meu pai, ele me viu, ele falou: “Não quer adotar ele para ele embarcar comigo?”
P/1 - Isso lá em Botucatu?
R - É.
P/1 - É?
R - Amigo do meu pai. Então, ele gostou de mim e falou: “Deixa ele viver comigo, ele vai aprender mais coisas na vida.” Então me levou a _______ porque não era como hoje...
P/1 - Ele levou o senhor para onde, como é que foi isso?
R - Embarcava. Nós viajamos para Itália.
P/1 - Espera um pouquinho, aqui no Brasil, o senhor estava em Botucatu, para que porto o senhor foi com esse comandante?
R - Santos.
P/1 - Para Santos?
R - É. De Santos, nós embarcamos.
P/1 - E como é que era Santos naquela... Sua visão de...
R - Olha, meia dúzia... Eu conheço, quando eu cheguei agora, tinha meia dúzia de prédios na orla da praia. E tudo era chácara, chalé, areia, não tinha asfalto.
P/1 - E a primeira então, a primeira vez que o senhor veio para Santos, o senhor entrou no navio e foi embora.
R - Foi com o capitão.
P/1 - E o senhor conhecia o mar?
R - Não.
P/1 - Não?
R - Não
P/1 - E como é que foi essa viagem, a primeira viagem?
R - Viagem a gente acostuma. Criança, a gente entra no navio de cargueiro, a gente pega, acostuma que nem eles. É tão simples, depois que se acostumar...
P/1 - Que língua eles falavam no navio?
R - Heim?
P/1 - Que língua?
R - Falavam árabe.
P/1 - Árabe?
R - É.
P/1 - O senhor sabe falar árabe?
R - Sei.
P/1 - Porque a sua família...
R - Sei falar árabe e hebráico porque eu morei em Israel, que estourou a guerra. Quando nós atravessamos o Canal de Suez, a embarcação parou lá numa cidade chamada Jafa, aí a guerra começou, a gente não sabia quando ela ia parar. Seis sete, oito meses, o comandante não tinha mais verba porque não podia o navio sair nem viajar, não nós, todo o mundo. Na Guerra Mundial, embarcação não viajava, só navio de guerra, ia e vinha. Então, ficamos lá e eu fiquei. Aprendi falar árabe um pouquinho, comecei trabalhar e trabalhei em Telaviv.
P/1 - Seu pai nasceu no Brasil?
R - Não, na Palestina estou falando. Ele nasceu naquela __________, é bairro... Como é que chama? De Jerusalém, é uns 20 quilômetros de Jerusalém, não tem nem 20, 15.
P/1 - E ele veio para o Brasil com quantos anos?
R - Ele veio... Ele não sabia que era Brasil, ele não sabia que era nada. Ele chegou, pagou dinheiro e viajou porque antigamente não tinha passaporte nem nada. Ele chegava, pagava a taxa, ele vi... O navio veio parar no Brasil.
P/1 - E aí ele veio para o Brasil...
R - Ele não sabia falar, começou aprendeu a falar, ficou mascate, viajava. Ele acabou ficando em Bauru, aí viajava, trazia arroz, feijão de Bauru, de São Manoel.
P/1 - E a sua mãe também...
R - Minha mãe, ele conheceu depois.
P/1 - Ele conheceu sua mãe aqui no Brasil?
R - Aqui no Brasil.
P/1 - E a sua mãe era de onde?
R - Da Polônia.
P/1 - E a sua mãe veio por que para o Brasil, você sabe?
R - Porque meu tio, ele era jornalista. Ele depois ingressou como jornalista. Ele trazia imigração da Polônia e da Alemanha, daquele setor ali, Iuguslávia, aquele... Então, ele trazia imigração, aíos padres falavam: “Não, não leva, não viaja porque lá tem mosquito que morde e mata, que é a Malária, né?” E de fato mesmo. Aí eles veio, viajavam de novo, voltava até no Rio tem a carteira dele. Eu tenho todos os documentos dele, perdi.
P/1 - Desse seu tio aí?
R - É. Como jornalista. Aí ele ficou preso. Foi ele e um colega dele na África do Sul, aquele pegou uma malária e morreu. Ele voltou para o Brasil pegou seis meses de cadeia, que ele fez o contrato para girar o mundo, né? Ele pegou, ficou seis meses na cadeia, isso eu sei.
P/2 - Por que ele ficou preso?
R - Porque ele não cumpriu o...
P/2 - O contrato?
R - O contrato.
P/1 - Certo. Então... Mas como é que era... Vamos voltar um pouquinho, a sua infância lá em Botucatu com seus irmãos, vocês brincavam do que, como é que vocês faziam?
R - Eu ia na escola. Meu irmão trabalhava, o mais velho, trabalhava numa fábrica de macarrão Adibac, Bac e Leonardo não sei. Ele trabalhava lá.
P/1 - E os seus outros irmãos?
R - Outros eram menores.
P/1 Ah, eram menores.
R - Outro era maior, também era marceneiro, tra... Lustra... Ele trabalhava na Sorocabana, o mais velho.
P/1 - Lá em...
R - Lá em Botucatu.
P/1 - Em Botucatu?
R - Entrou na Sorocabana, depois mudaram ele para Sorocaba.
P/1 - E e o que ele fazia na Sorocabana?
R - Sabe, negócio de trem, essas coisas, máquina. Mas, ele não era maquinista, trabalhava na oficina.
P/1 - Sei.
R - Fazia peças e...
P/1 - Sei. E quando o senhor veio de lá de Botucatú para cá o senhor veio de trem?
R - Vim de trem.
P/1 - Para Santos?
R - É. Vim e depois descemos aquela Estação da Luz ali, aquela...
P/1 - Em São Paulo?
R - É.
P/2 - E aí trocou de trem e veio para cá.
R - Vim. Entrei aí no cais, ali no prto.
P/1 - Quanto tempo o senhor ficou fora do Brasil quando...
R - Olha, eu voltei aqui em 1950, a Copa do Mundo.
P/1 - E o senhor foi?
R - Fiquei 18 anos.
P/1 - 18 anos fora do Brasil?
R - Eu esqueci... Eu não esqueci falar português porque minha idioma, minha língua. Eu falei “acho que não existe essa língua naquele tempo.” Eu falei: “Acho que o Brasil não existe porque ninguém falava português.” Uma vez no navio, embarcação, eu estava em Jafa, aí vou falar “tem um navio para o Brasil.” Eu fui pedi para falar com alguém, aí veio os dois, três lá, o comandante veio, me abraçaram, me beijaram, começamos chorar. Que era difícil brasileiro sair antigamente, né? Não é como hoje. Hoje, qualquer parte jogam bola. Então, me admirou, ele queria me trazer, mas não dava.
P/1 - E o senhor então, trabalhava para esse comandante, que tinha um navio...
R - É.
P/1 - E, o senhor se lembra o que o navio carregava...
R - Carregava alimentação, tudo, Não podia trazer laranja e banana porque apodrecia. Coisa que... Que não... Naquela loja tinha frigorífico, tinha, tinha mau e mau para a gente comer, se virar.
P/1 - E o senhor ficou só fora do Brasil, não era um navio que vinha sempre para... O senhor não veio mais para o Brasil?
R - Depois estourou a guerra mundial, eu me alistei no exército inglês para comer o pão de cada dia, porque se você tinha 16, 17 anos, você era obrigado a alistar. Quando você tem família, depender da tua família, quando não tem família você tem que trabalhar.
P/1 - E o senhor estava então na Europa, e o senhor se alistou no exército inglês?
R - É, eu viajava, entrava no Canal de Suez, ia até a Turquia, voltava Grécia e fazia aquele caminho, né?
P/1 - E o que o senhor fez na guerra, o senhor se alistou no exército inglês e aí?
R - Me alistei no exército inglês, como voluntário.
P/1 – Hum. E o que o senhor fazia, chegou a trabalhar como...
R - Eu era driver, motorista.
P/1 - Motorista.
R - É.
P/1 - Onde o senhor aprendeu a dirigir?
R - No exército mesmo.
P/1 - No exército. O senhor não sabia, o senhor se inscreveu?
R - Então, tudo se aprende no exército minha filha. Eu não sabia, era Jeepe, dirigia Jeepe porque lá a gente ficava no Canal de Suez, lado do Deserto do Saara era tudo Jipe. Eu fiquei muito em Líbia, Trípoli, aquele redor, eu comi o pão que o diabo amassou.
P/1 - É mesmo? O senhor passou algum aperto assim de bombardeio?
R - Passei, passei. Uma bomba explodiu o Jeepe.
P/1 - Nossa!
R - No deserto, cortou a minha mão quase aqui. É minha filha, a gente... Minha aula e minha escola foi que eu aprendi a viver. Eu não gostei do povo italiano e inglês, é falso. Francês também não. Se você não tiver amizade, você... Se não souber falar francês, ninguém olha para tua cara. Inglês também não era... Então o único mundo que dava, tinha amizade era judeu e árabe palestino. Eu vivi lá em Telaviv, trabalhava em Telaviv tudo, na construção ali me dei muito bem.
P/1 - O senhor também trabalhou em construção?
R - Trabalhei. Tem que aprender de tudo, tem que fazer, viu? Eu aprendi trabalhando e... Com o mundo árabe e com judeu. Eu me admiro que está essa guerra agora. São tudo... Olha, era uma vida muito saudável tinha lá, viu? Viajava todo o fim de semana para Jerusalém na festa e eu me sinto até com vergonha dessas brigas bobas, viu? Era uma vida saudável minha lá, eu tenho saudades.
P/1 - E o que o senhor construiu quando o senhor estava lá?
R - Heim?
P/1 - O que o senhor construía lá? Como é que eram as construções?
R - Não, era prédio de segundo, terceiro andar. Não tinha elevador, aqueles de... Tudo era... Mas bem feito, viu? Obra muito bonita. Eu sinto saudades.
P/1 - E o senhor ficou então quanto tempo na guerra? Até acabar a guerra?
R - Até o fim da guerra.
P/1 - Sei. E aí, depois da guerra, que o senhor foi trabalhar na construção civil?
R - Também, voltei tudo, eu fiquei emTelaviv na independência de Israel 1948. Em 1946, eu estava lá.
P/1 - Na independência de Israel.
R - Em 1946, eu estava em Telaviv.
P/1 - E como é que foi esse momento lá? Foi emocionante, foi...
R - Foi festa, né? Sabe o que é festa? É que nem futebol, ganha o time, aquela festa, depois todo mundo esquece.
P/1 - Sei.
R - Viu? É marcou...
P/1 - Como é que o senhor acabou voltando para o Brasil?
R - Eu voltei porque eu viajei até Gênova, de Gênova foi o cônsul brasileiro me mandou para o Brasil.
P/1 - Mas o senhor queria voltar?
R - Minha filha, lá quando eu tive lá em Israel, me falaram “você quer naturalizar palestino, israelense?” Eu falava: “Não, eu nasci pedra tenho que morrer pedra.” Nunca troco a minha pátria, heim? Porque antigamente não é que nem hoje. Antigamente, quando você saía, depois da mudança de Israel, aí pode ter duas nacionalidades. Agora era uma só antigamente e eu ia me alistar em Gênova, legião estrangeira. Eu ia perder cidadania brasileira, eu não aceitei porque eu era moço, eu gostava de com... Eu gostava de movimento, viu? Heim? A gente aprende sozinho, quer movimento. Não aceitei, porque ia perder a minha nacionalidade. Depois surgiu que pode ter duas nacionalidades, que o judeu tem duas; israelita e pales... E brasileiro, espanhol, argentino. O Pepe é argentino, é meu amigo íntimo.
P/1 - E... Bom, aí o senhor estava na Itália e o senhor estava com uma dificuldade que o senhor tinha que optar por uma nacionalidade, como brasileiro o senhor não podia ficar lá?
R - Eu não tinha documento, eu precisei ir no cônsul, aí eu falei: “Quero voltar para o Brasil” porque na Itália já é diferente. Outra, é frio lá, já não me acostumei. Eu quando vim para o Brasil, também não me acostumei, não? Eu fui morar em Paraná, na Curitiba, Paranaguá, eu não me acostumei morar em São Paulo, horrível.
P/1 - Quando o senhor voltou, o senhor foi morar aonde?
R - Aonde?
P/1 - Quando o senhor veio de volta, o senhor...
R - Eu vim para São Paulo, trabalhei com judeu mascate lá, fazer compras, etc etc.
P/1 - Como é que era o nome dessa pessoa para quem o senhor trabalhou? O senhor...
R - Olha, a gente é tanta pessoa no mundo, não sei se é Abraão, não sei se é... Eu não sei.
P/1 - Conheceu em São Paulo?
R - Em São Paulo. Aí eu peguei e falei, sabe o que me falaram minha mãe e minha... Meus irmãos falaram: “Você para acostumar, você tem que ir no Paraná. Lá, o clima é idêntico com a Europa, com a Palestina.” Eu peguei, falei: “Ah, é?” Eu peguei e fui, mas nós fomos até Paranaguá, uma festa de Rocil, leva aquela bijuteria e faz uma barraca, aluga uma barraca em frente a igreja e começa... Comecei a gostar disso. Aí formei aquele brinquedo de criança, des... Aí foi armando uma barraca, começou vender. Aí, faturei um dinheiro. Aí, faturei, voltei. “Já, aonde que está aquela festa?” “Em tal lugar.” E aí. eu ia também, comecei a fazer. Aí, eu acostumei, aí eu provei fazendo mate, eu não sabia fazer mate. Eu vendia lá... Como é que chama? Esse caldo de cana, comprei uma máquina...
P/1 - Isso era lá?
R - Em Paranaguá.
P/1 - Paranaguá?
R - É. Comprei uma máquina de moer cana, comecei vender caldo de cana. Aí, chega um: “Paraná”... Não era Paraná, Zé me chamavam Zé, “o senhor não quer vender mate gelado?” Eu falei: “O que é isso?” “Mate gelado.” Aí, chegou o capitão dos portos falou e um deputado federal, aí falou: “Por que o senhor não vende? Eu tenho Instituto de Mate do Rio. Era que nem o café, tem o Instituto do Café, tem o Instituto do Mate, eu te mando uma carta para o capitão dos portos de Paranaguá”, me fez uma carta para mim levar na... Para o presidente do mate ge... Lá no Rio, presidente do mate era no Rio. Eu fui, me apresentei lá como o deputado e o capitão dos portos. Ele fez uma festa lá no Rio para mim e me deu um aparelho para fazer mate e me ensinou tudo jeito que eu fazer, eu peguei e me deram uma bolsa. Bolsa são 20 quilos de erva mate, até eu despachei que antigamente saía de Paranaguá para o Rio, tinha transporte passava em Santos, Paraná, Rio e Paranaguá.
P/1 - Por mar?
R - É... Não, avião.
P/1 - Ah, avião.
R - Aí, eles me despacharam a coisa, eu fiquei em Paranaguá fazendo mate. Eu vendia, vamos supor, caldo de cana, mas cana aquela cana caiana, a roxa assim, eu vendia 30 litros e comecei vender mate, mate, mate matou o caldo de cana, que o meu mate é gostoso, você não tomou?
P/1 - Ainda não.
R - É. Mas você vai tomar, viu? Aí eu comecei a vender mate e agora eu vendia, dobrou que eu vendia 300... Começou 30 litros de caldo de cana, começou a vender mate, 30 litros.
P/1 - Para quem o senhor vendia?
R - Para a turma lá, para o povo.
P/1 - Do porto?
R - Não, na cidade. O prefeito me deu uma cantina no meio da praça ali. O prefeito era... Eu peguei amizade com ele, ele me deu na Praça Coronel, nem sei o nome da praça. Eu sei que era no coração de Paranaguá, perto da estação ali.
P/1 - Estação de trem?
R - É. E fiquei lá. Aí eu fui para Curitiba, abri, vendi mate também em Curitiba. Aí chegou um comandante, ele viajava para Ilhéus, ele falou: “Mas escuta”... Conheci ele num clube, ele falou: “Bom, você é da cana, você não quer ir comigo para Ilhéus? Ilhéus é Bahia. Fica lá um mês, 30 dias, deixo você, volto pego mais sal.” Ele viajava, transportava sal e na outra você volta comigo.” “Tá bom, tá bom, tá bom.” Cheguei aqui em Santos, ia viajar, ele falou: “Em Santos, você me pega, eu vou lá de te pegar.” Cheguei aqui, “eu sou amigo do pai do Taifur”, aquele vereador, morreu o José Taifur. “Não fica aqui”, ele morava na Conselheiro Néves perto da Guarda Municipal. “Não, você é muito popular, você pega amizade logo, fica aqui em Santos, você vai ficar na minha casa.” Fiquei seis meses na casa dele. Aí comecei fazer mate e ir para a praia. Ah, não brinca! Fiz o maior sucesso.
P/1 - Aí o senhor fazia, vendia para que ponto da praia?
R - O Boqueirão.
P/1 - No mesmo lugar que o senhor está hoje?
R - No mesmo lugar. Só Sábado e domin.... Sábado tinha futebol de praia, era Náutico, Caravela, Cruzeiro aqui, Cruzeiro também, todos jogavam ali, no canal dois, canal três, canal quatro, então peguei aquela amizade.
P/1 - Nessa época, que ano que era isso? O senhor lembra que ano era?
R - 1951.
P/1 - E o pessoal ia na praia?
R - Iam. Jogar bola.
P/1 - De maiô, tudo?
R - É. Jogavam bola ali.
P/1 - Era mais jogar bola, mas levar criança...
R - Não, no canal três não tinha. O povão ficava sabe aonde? Ana Costa, Conselheiro Neves, onde que tem a fonte. Ali que ficava o povão, ficava em frente. Na beirada do canal não tinha ninguém, beirando o canal. Aí, eu fiquei, eu gosto de praticar o futebol, eu gosto de bola, até eu tinha meus times ali. Jogou Clodoaldo, Negreiro. Não jogou Pelé e Pepe só Todos eles jogadores do Santos vinham jogar comigo.
P/1 - O senhor tinha um time?
R - Tinha, do Paraná. Eles vinham jogar comigo, em pouco tempo. Então eles jogavam no Santos vinham... “Pô Paraná deixa eu dar uma ...” “Pô, mas você não treinou agora”? “Aqui é mais gostoso.” Sabe porque é mais gostoso, porque é livre. Então, toda amizade, eu tinha com eles, eu tenho foto deles.
P/1 - O senhor tem a foto?
R - Tenho.
P/1 - Com eles na praia?
R - É, com os jogadores que vinham jogar. Coutinho jogou, Clodoaldo, Picolé, Petico, todos eles jogaram comigo.
P/1 - Nossa, que...
R - O Nenê, Belarmino que está em Portugal agora como técnico. Então, fiquei conhecido Paraná.
P/1 - E como é que era Santos, quando o senhor veio para cá em 1950?
R - Era... Eu tenho saudades. Primeira coisa, eu ia lá, colocava o meu carrinho, não vinha menina sozinha, menina de 17, 18 anos vinha com a família. Não vinha com o namorado, não, vinha com a família, pai e mãe eram unido antigamente. É diferente. Não fumavam cigarro, nem nada. Não podia atravessar. No tempo do Janio Quadros não podia andar sem camisa na rua, nem atravessar de biquini, você não sabia?
P/1 - Não.
R - A história diz isso. Pergunta o que você quiser, não podia.
P/1 - Não podia andar sem camisa?
R - Não, não atravessar a rua? Tinha uma avenida só. Depois formava duas, duas linhas de bonde, não podia atravessar sem camisa. Sem camisa e com tanguinha de jeito maneira.
P/1 - E tinha um controle disso? Tinha alguém que tomava conta da praia?
R - Ia preso. É, ia preso. Ia na polícia. Não estou brincando não.
P/1 - Não, eu acredito.
R - As mulheres eram diferentes, não tem.... Não dava... Tudo era aquele roupão grande... Era outro respeito, viu? Estou te falando, eu sinto saudade daquele tempo.
P/1 - E o senhor morava aonde aqui em Santos?
R - Eu morei, eu vivi Vila Matias morei, morei em Campo Grande e comprei um apartamento na Campos Melo.
P/1 - E quando que o senhor casou?
R - Heim?
P/1 - Quando que o senhor casou? Como que é? O senhor tem família?
R - Me juntei. Era de Antonina, ela veio, tinha dois filhos.
P/1 - Tem dois filhos?
R - É. Me juntei com ela, não é casar.
P/1 - Sei.
R - É mesma coisa.
P/1 - Hum, hum.
R - Heim?
P/1 - Claro, mesma coisa.
R - Mesma coisa.
P/1 - E seus filho, moram aqui em Santos?
R - Moram comigo. Um mora, outro mora aqui na... Perto da praia onde que eu trabalho.
P/1 - Sei, e...
R - Arquiteto mora ali.
P/1 - O senhor tem um filho arquiteto?
R - É. Trabalha na praia... Trabalha na Prefeitura.
P/1 - E o outro filho?
R - O outro é inspetor da Orla da Praia.
P/1 - Inspetor da orla da praia. Hoje em dia é mais fácil ser inspetor do que naquele tempo ou não?
R - Heim?
P/1 - É mais fácil ser...
R - Não, ele usa... É filhinho de papai, né? (risos) Tudo esses que estão ali que o pai deles é vereador, no Fulano de tal, não precisa dizer, né? Meu filho porque é filho do Paraná.
P/1 - E me conta uma coisa, como é que faz o mate?
R - Tem que cozinhar ele. Por exemplo, eu vou à tarde, cozinho ele, tiro e deixo para o dia seguinte. Aí eu tempero ele com tudo, coou ele, endoço. Agora é preciso ver tempo também para não perder dinheiro.
P/1 - E o senhor sabe já entender o tempo para saber...
R - Antigamente eu sabia mais, hoje em dia tudo mudou. Antigamente, eu conhecia o tempo, mas agora tudo mudou. Vem o noroeste, eu sei que vai chover, agora não sabe mais. (risos)
P/2 - Eram mais definidas as estações?
R - É, é. Noroeste é batata que vinha chuva. E se vinha chuva com noroeste ficava dois, três dias. Tudo é pratica, agora mudou tudo, viu?
P/1 - Não é mais assim?
R - Não. Não é mudou tudo. Agora eu me lembro bem quando nós jogava na praia, lá para às 15:30, 16:00, virava aquele tempo, ficava escuro tudo... Aaaaaa!... Antes ficava jogando, depois de meia hora abria o sol...
P/1 - E outra coisa que eu ia perguntar para o senhor, tem diferença ou desde o começo quando é temporada, quando não é temporada, como é que é?
R - Olha, antigamente quando eu chegava cedo, lá pelas 9:00, colocar o carrinho lá na areia, eu colocava na areia, agora eu estou no jardim. “Dá licença”, abre caminho, que ficava o povo assim, que nem formiga e onde que eu estava depois começou: “O Paraná está no canal três?” Todo mundo começou ir para lá. Formou-se o canal três. A Joinvile, a Joinvile era desse lado. Depois mudou para lá. Então, o futebol mesmo, eu fiquei muito conhecido, aí eu fiquei: “Não aguento mais.” Eu levava três carrinhos para vender. Ah, para que eu vou vender? Vou me matar? Ai falei: “Vou ficar no jardim.”. Cheguei e falei, o Barbosa foi prefeito. Aí, eu falei: “Senhor Barbosa, é o seguinte eu vou colocar um chuveiro ali na orla da praia.” Apertou assim, chamou o engenheiro: “Que lugar que você quer?” “Em frente ao Jacarandá, lá onde que vocês me viram.” “Bom.” Chamou o empregado lá: “Me atende o Paraná, o que você quiser, vê o que ele quer coloca onde que ele quer.” Fui lá, arrumei, coloquei o chuveiro. Aí depois entrou a Telma, aí chegou uma engenheira. Falou: “Paraná, eu tenho ordem de atender você, onde que você quer mais chuveiro?” Porque o povo ali era assim, eu não brinco não. Anos atrás, o povo ficava tudo no canal três, era mais famoso. Aí cheguei: “Tenho ordem de colocar onde que você quer chuveiro.” Peguei, mandei colocar em frente a Rua da Paz, colocar outro mais na frente, mais três ali pode ver. O lugar que tem mais...
P/1 - Então, quer dizer quem escolheu os chuveiros da praia foi você, Paraná?
R - Heim? Não eu também queria colocar, até coloquei aquele telefone na areia. Eu queria colocar pertinho de mim ali, ali pertinho da estátua Vicente de Carvalho. Sabe por que? Pode ver lá, eu plantei abacate, cerejeira, você não prestar aten... Não brinca?
P/1 - Mas eu vou prestar, agora que o senhor está contando, vou prestar.
R - Abacate e goiaba. Você entrando na Conselheiro Neves, no jardim da orla da praia, não é da orla aquele canteiro onde que o ônibus passa aqui. Aqui, pode ver antes de chegar na Conselheiro Neves uma goiabeira. Faz 35 anos que eu plantei ela, está até hoje lá.
P/1 - O senhor come goiaba lá?
R - Goiaba vermelha, todo mundo, esses meninos de rua sobe nela. Aquele edifício que tem a rampa grande, não viu?
P/1 - Sei.
R - Pode ver ali, você vê uma goiabeira e perto do relógio do sol tem uma goiabeira ali. Eu plantava muito mamão papaya, mas mamão papaya estraga logo, fica dois três anos estraga, apodrece o pé, aí cortei. Tudo estão ali e ninguém toca. Pode ver onde que vocês me viram, não tem ali “Bem vindo a Santos.”
P/1 - Sim.
R - Eu que coloquei, sabia?
R - Aquele letreiro foi eu, meu dinheiro. “Bem vindo a Santos” não era em frente ao Jacarandá?
P/1 - Sei.
R - Vocês não repararam?
P/1 - Vi, vi sim.
R - Reparou? Fui eu.
P/2 - Eu achei que era a Prefeitura.
R - Eu cheguei, chamei o jardineiro falei: “Vem aqui, corta aí, vamos por “Bem vindo a Santos.” Ele cortou, coloquei, plantei aí falei: “Beto fiz isso.”. “Então você fez, está bem feito. (risos)
P/1 - A grama você?
R - Aquela grama Bico de Ouro, Pingo de Ouro, ela é pequenininha assim, amarelinha.
P/1 - Sei?
R - Tudo eu que fiz. Eu coloco Pepe na praia aos 36 anos. Pepe Astut. Eu recebi uma medalha agora, dia quatro, você não viu? Não te mostrei?
P/1 - Não, o senhor não me mostrou.
R - Esta na Kombi.
P/1 - Medalha de corredor?
R - Não, é um bronze, né? Não medalha, é um troféu.
P/1 - Sei.
R - É que o primeiro corredor quando corria, ninguém andava na praia, eu que inventei a corrida, correr. Juiz de direito, promotor, advogado, milhares correram comigo. Jogador de futebol corria comigo.
P/1 - Então, o senhor tem bastante contato com as pessoas aqui de Santos, né? E os turistas que vem de fora, vem bastante gente?
R - Ah, barbaridade! Procuram até por mim, “o Paraná, vocês conhecem?” Uma vez, minha sobrinha foram para a Grécia, turismo. Foram, estavam em quatro, cinco, entraram em Atenas, Atenas da Grécia. Aí começaram... Tem aniversário da minha sobrinha, começaram “Parabéns à você” e aquele grito. Aí, tinha um cozinheiro grego, aí falou: Fala para os brasileiros para esperar que eu quero falar com eles.” Que ele estava trabalhando, não tinha tempo. Aí foi: “Vocês são de onde?” “De São Paulo, do Paraná.” “Vocês viajam para Santos?” A minha neta falou: “Eu tenho meu tio Paraná.” Então, ele começou a chorar, coitado. “Ele é meu irmão, meu amigo. Eu morei muito lá em Santos, é o famoso Paraná.” (risos) Você vê? Em Atenas. Agora, quando minha família foi para Argentina, em Buenos Aires, aí chegou, sabe? Brasileiro quando tem festa começam fazer aquela arruaça em aniversário começam a falar. Aí começou também no cabaré, lá eles dizem cabaré. No cabaré começou “Parabéns a você”, aí uma família falou: “De onde vocês são?” “De São Paulo.” “Vocês vão para Santos?” “Nós vamos para Santos.” “Vocês conhecem o Paraná,
manda um abraço para ele.” Num cabaré em San...
P/1 - Cabaré aonde?
R - Em Buenos Aires. Lá bar, eles falam cabaré.
P/1 - Ah, certo. Então...
P/1 - E outra coisa, como é que é o seu... Sempre o senhor levou nesse carrinho, como é que foi o começo do seu...
R - Era 40 litros, agora é de 100. Eu ampliei ele.
P/1 - Era feito...
R - Era a mesma coisa, como era antigamente só mesma coisa...
P/1 - Sempre foi de aço inox?
R - Aço inox, tudo aço inox.
P/1 - E o senhor manda fazer especialmente?
R - Eu mandei fazer lá no Rio.
P/1 - Lá no Rio?
R - É.
P/1 - Desde o primeiro foi feito lá no Rio?
R - Não, era quadrado. Era aço inox porque tem que ser aço inox, era quadra... Agora tudo é aço inox, até a bomba, tudo menos o pneu.
P/1 - E o senhor compra mate, sempre o senhor achou mate para comprar?
R - Não, eu compro no Paraná em Curitiba.
P/1 - Em Curitiba?
R - É. Mate Real. Não Leão, o Real.
P/1 - Real.
R - É.
P/1 - Sei. O senhor então, vem de Curitiba para o senhor, o senhor...
R - É, é só escrever lá, mandar um telegrama ele me manda a bolsa quanto eu quiser. Eles queriam: “Bom, mas você... É o seguinte vamos deixar você ser presidente do mate, representante do mate de Santos.” Eu falei: “Não, não quero.” Eu quero sossego na minha vida, heim? Não vai me arrumar sarna para me coçar. ( risos) Eu não aceito.
P/1 - Que época do ano que o senhor vende mais mate?
R - Na temporada... Não, para mim não tem. Antigamente era temporada, agora não. Agora qualquer sábado e domingo, eu vendo para xuxu. Se cair no sábado... Porque eu vendo para santista, não me interessa paulista da capital. Agora tem muitos que são conhecidos, tomando mate não volta. O Pepe, o senador saiu na rua com a mulher dele, tomou umas duas, três vezes, o Beto Mansur. Eu sou muito conhecido. Toda alta sociedade vem tomar meu mate porque a praia é uma sujeira, calma pouco. Estou 42 anos na praia. Não tem nem.... Saúde não existe. Pô mas, copinho plástico, o meu não, é descartável, você viu? Plastificado o meu, o meu é caríssimo. Não é plástico, plástico não se vende, uma sujeira. Fica quieta, eu não quero falar, sou suspeito. (risos) É, não brinca. Pô, mas outro dia eu estava com... Estava eu Pepe e um correio, doutor Germano, tem dois médicos, doutor Evandro e o Germano. Aquela Isa, Liza não sei. “Toma um suco de laranja, o senhor é muito orgulhoso.” Eu tomei, saí correndo quando cheguei lá no final da areia, lá na ponta da praia, sentí uma asia aqui. Eles moem com casca e com tudo, está errado.
P/1 - O senhor toma mate todo dia?
R - Todo dia. Eu que faço.
P/1 - É isso que dá essa saúde para o senhor?
R - Olha, eu pratico muito esporte, eu corro muito. Desde que eu cheguei, estou correndo até hoje. Amanhã eu vou correr com o Pepe. Aqueles lutadores de boxe, tudo corre comigo.
P/2 - Quantos quilômetros o senhor corre?
R - Heim?
P/2 - Quantos quilômetros o senhor corre todo o dia?
R - Agora estou correndo 10.
P/2 - Mas já correu mais?
R - Sai daqui do três, vai até o fa... A piscina lá do...
P/1 - Aquário?
R - Não, não outro lá, aquela da praia lá, Ilha Porchat, ali e eu volto, Tem 10 quilômetros, cinco e cinco. Agora daqui do três até a balsa tem nove e seiscentos. Nove e quatrocentos, ida e volta. Eu participo do campeonato da Tribuna, né?
P/1 - Que campeonato é esse?
R - Todo ano tem corrida, maratona.
P/1 - Hum! E que época que é essa corrida?
R - Heim?
P/1 - Quando que é essa corrida?
R - Quem eles querem. Eles que sabem. Eu sei...
P/1 - O senhor não lembra, depois a gente vê, não tem problema.
R - É, pode ver no... Não sei.
P/1 - E assim na praia, tem outras pessoas que vendem alguma coisa fora o senhor? Como que é outro comércio, ou tão antigo ou...
R - Antigamente não tinha. Antigamente, quando eu cheguei, tinha só Kibon. Gellato, Melato, Telato não existia, só o Kibon. Eu e a Kibon. Quando eu cheguei tinha uma firma mate gelado abriu falência. Porque não é fazer... Quando você quer trabalhar numa coisa, num ramo, você tem que trabalhar com carinho, certo? Fazer tudo, tem que ser assim, assim, chega e toma: “Ana, dá um mate, Ana?” Dou o mate com todo o carinho. Então, já são terceiros geração. Capitão dos portos aos 15 anos atrás ficava lá comigo, ele com a família dele a mulher... Porque cada quatro anos muda capitão dos portos, ficava comigo. Eu, pede carteira preta da estiva para ele Paraná. Eu só queria pedir, pedia ele me dava.
P/1 - O que é isso?
R - Para trabalhar no cais. Carteira preta.
P/1 - Sei.
R - É o melhor emprego que tem.
P/1 - Ainda é hoje o melhor emprego?
R - Agora é e não é.
P/2 - Por que?
R - Porque... Porque antigamente você tinha carteira, os caras: “Que comerciante abriu a porta para você, heim?” Maior respeito ao estivador. Hoje em dia, já caiu o serviço, compreendeu?
P/1 - Por que caiu o salário, ou...
R - Eu não posso te dizer, mas já é outra coisa. Tinha... O comércio abria a porta, que ele era dono da cidade. Porque ele escolhe o melhor emprego que tem no cais, carteira preta. Era aquele tempo bom.
P/2 - Hoje ainda existe a carteira preta?
R - Tem, mas antigo.
P/2 - E o senhor não quis uma carteira preta?
R - Não, eu não pedi.
P/1 - Sei.
R - A mulher dele era muito amiga. Quando ele foi embora, ele falou: “O mês que vem, vou embora, tá? O que você quer?” Ele me trouxe meia dúzia de wisky. Até me lembro bem, coloquei debaixo do carrinho, chegou um policial: “Oh, está vendendo moamba? Vai preso!” Falei: “Problema é teu, está aqui, você quer chamar a delegacia, preso?” O Capitão dos Portos que me”...” Ele .. (risos) Na época, o capitão dos portos é quem manda na cidade
P/1 - Com certeza.
R - Compreendeu? Aquela amizade que a gente tem.
P/1 - E o porto mudou muito durante todo esse tempo, porque você conheceu muitos portos, né? Como é que é o porto de Santos em relação aos outros portos?
R - Olha, antigamente para mim, eu acho era muito melhor.
P/1 - Por que?
R - Eu conheci tantos portos na Inglaterra, em Gênova, Itália, França, é diferente. Quando vim aqui era uma sujeira tremenda, agora está melhorzinho um pouco. O certo, eles têm que asfaltar aquilo, deixar bonito, para passageiro, para carro, heim? Mas ninguém faz isso.
P/1 - O senhor lembra no tempo que tinha navio de passageiro aqui em Santos? Hoje não tem mais?
R - Lembro. Hoje tem, mas não tem onde que parar o navio.
P/1 - E como é que eles faziam antes?
R - Heim?
P/1 - Como eles faziam?
R - Sabe, não tem profundidade navio grande não pode atracar aqui. Só aqueles pequenos, Andrea ______, Flórida, não sei, só esses. Agora não tem profundidade. Lodo, tem que afundar aquilo ali, não é bicho de sete cabeças. Se nós não construimos uma ponte daqui até o Guarujá é uma vergonha, heim? Ampliar, heim? Pode fazer por baixo ou por cima.
P/1 - E o senhor sempre vendeu mate aqui na praia de Santos, o senhor nunca pensou em vender no Guarujá em outro pedaço?
R - Já me convidaram, o Ney Serra me convidou, todo me convida, mas eu não vou. Chegou antigamente quando estavam construindo aí o Parque Balneário, chegou um amigo meu médico que jogava bola: “Paraná, você vai ser meu sócio.” “Teu sócio, do que?” “É o seguinte, eu vou comprar uma loja na Parque Balneário, você entra meu sócio.”
P/2 - O que ele queria fazer?
R - Tudo. Ele comprava a loja para mim, para ele, para mim trabalhar fazendo.... “Thum, thum, não espera isso.” Eu estou lá no parque, eu não sei se é noite, dia o que é isso? Eu gosto de liberdade, heim? Você chega: “Vamos dar uma corridinha, Paraná?” “Vamos.” Eu pego, corro. Liberdade não tem preço.
P/1 - Não tem mesmo. É muito bom mesmo.
R - Eu saio a hora que eu quero e entro a hora que eu quero, certo?
P/1 - Certo.
R - Não aceitei. Aquele também queria, o dono que construiu aquele... Como chama? O filho dele? O Parque Balneário?
P/1 - Armênio?
R - Não.
P/2 - Não, não é o Armênio.
R - O Armênio estava morto nesses dia. (risos)
P/1 - Ah, eu não sei quem é.
R - Não... Não sei. “Escolhe ali onde que põe a escada rolante para você por o mate.” “Thu, thu nem pagando.” (risos)
P/1 - E dá para viver de mate?
R - Olha, querida, trabalhando com carinho dá. Tudo dá. O que você planta, você colhe.
P/1 - O senhor tem idéia de quanto de mate o senhor vende?
R - Não tem, não tem idéia. (risos)
P/1 - Num dia, quanto que vende?
R - Ah, vende tudo.
P/1 - Tudo o que? É 100 litros, é isso?
R - Tudo que eu fizer. Vendo brincando. E não é para qualquer um não, tem que escolher.
P/1 - Ah, é?
R - Não atende qualquer um não.
P/2 - O senhor não vende para alguma pessoa?
R _ Você não entendeu, quando tem pouco mate que eu vendo, eu prefiro não vender para gente de fora, aquele que eu conheço. Eu controlo para não faltar, entendeu?
P/2 - O senhor já teve algum ajudante?
R - Ajudante não, minha mão e Deus, para que ajudante?
P/2 – Então, quando o senhor vai comer...
R - Não, não preciso comer, eles me trazem. O Joinvile faz bolo para mim e me traz, qualquer um... Eu tenho tanto médico amigo, chegou até um juiz de direito empurrar meu carrinho quando eu trabalhava na areia. Essas amizades, eu tenho de montão. “O que você quer Paraná?” “Nada obrigado.” A amizade é grande. Então, a gente constrói para tirar o fruto, viu? Primeira coisa, honestidade e ser honesto com tudo, viu? Não só na palavra, ter caráter é muito importante na vida, ganância não presta. Tem muitos aquilo que era do jornal que falava horóscopo, como chama? Morreu ele...
P/1 - Jornal A Tribuna?
R - É.
P/1 - Não conheço.
R - Ele morreu. Ele chegou: “Paraná, hoje você vai... Amanhã, você vai vender dois, três carrinhos.” Eu fiz. Quando era 9:00, Murilo, ouviu falar nele? É da Tribuna, aí virou o tempo. Eu fui na casa dele e joguei tudo no quintal dele. (risos) Mentiroso, sem vergonha, ele não... Aí, um desaforo. Eu corri, falei: “Sem vergonha esse tal de Murilo me falou quase nada e disse que sol, quando era 9:00 virou o tempo.” Eu te falei porque até essa hora é tempo, né? Eu tenho tudo que eu quero na cidade. Já recebi Cidadão Santista, vocês não sabem, não? Está entrevistando e não sabe? Recebi Cidadão Santista, recebi dia quatro um prêmio lá no Memorial, ali está lá na Kombi eu vou te mostrar. Eu tenho aqui na Beneficência, todo lugar.
P/1 - Tem amigos...
R - Amigo é tudo, viu? Eu tenho muita amizade muito grande com promotores de direito.
P/1 - Então, está bom. Me fala uma coisa, se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua vida, o que o senhor mudaria?
R - Eu não gosto de mudar, eu queria ficar o que eu sou, eu amo essa cidade. Se não... Olha, tive na Inglaterra, França, Espanha, África do Sul, tudo, não tem, que nem Santos não existe, não existe no planeta. Primeira coisa, temos 20 quilômetros de planície, dá para praticar esporte e o povo daqui é muito querido, muito amigo. A amizade que eu tenho... Todo mundo queria que eu me cadidatasse a vereador, eu não quis. Porque para mim não me serve mentira, egoísmo, assinar papel por causa de dinheiro que nem a filha do Pelé, assinou. Não, não não... Eu coloquei presidente, conhece o Pestana? Vereador? Aqui da Beneficência, ele é presidente, eu falei: “Não, você vai ser eleito, eu vou apoiar você.” Foi eleito. Ele está com aquelas catraca, ouviu falar? Do ônibus? Está apoiando essa turma. Eu falei: “Eu não vou me candidatar, você entra vai, vou apoiar você.” Porque se eu quero me candidatar, eu chamo o Nuno, eu vou andar de Jeepe, duas, três voltas pronto. Já saio eleito, não preciso gastar nada. Quantos não me falaram, eu sou muito popular. (risos) Eu tive escola de samba.
P/1 - Ah, é?
R - É.
P/1 - Aqui em Santos tem escola de samba boa? Como é que era?
R - Não, não. Era bloco, né?
P/1 - Bloco.
R - Bloco Mate onde há saudades.
P/1 - Como é que chama?
R - Mate onde há saudades.
P/1 - Mate onde há...
R-– Há saudades.
P/1 - Saudades.
R - Eu tenho alvará, tenho tudo.
P/1 - Ah, onde que era esse bloco, de onde que saía?
R - É tudo da Academia da... Era Medicina, tudo... Do Canadá, tudo onde formava ali na orla da praia.
P/1 - E o Carnaval era realizado ali?
R - É. Era o... Aquele que está na... O Nóbrega, eu disse: “No ano seguinte, vai fazer o maior sucesso.” Eu falei: “Não conta comigo. É muita dor de cabeça.” Falei: “Não, não quero ver...
P/1 - Foi um ano só esse bloco?
R - Só. Muito trabalho. Me deram muito trabalho. Então, aí eu falei: “Você faz Nobrega.” Conhece Nobrega? Jornalista, ele é ali na Santa Cecília. Um grandão. Eu falei: “Você que faz, eu não quero saber.” Está todos os papéis lá em casa”.
P/2 - Isso foi quando?
R - Heim?
P/2 - Isso foi quando, esse bloco?
R - Olha, eu não me lembro bem.
P/1 - Faz muito tempo?
R - Depois saiu “Segurando o bagre.” Eu não aceitei, entrou “Segurando o bagre” um ano depois, não sei que ano 1978, 1968, por aí, não sei o número...
P/1 – Como é que era a fantasia, o senhor se lembra como é que era?
R - Olha, era uma camisas listadas, shorts e boné. Eu me lembro bem, gostoso estava, mas sabe, que é muita dor de cabeça, muita. O Mesquita, doutor Mesquita tinha... (risos) Tinha polícia federal, tinha tudo igual que tinha o carnaval.
P/2 - Nesses 40 anos que o senhor vende mate, o senhor notou alguma diferença nas pessoas que compram?
P/1 - Então, assim eu gostaria de saber quais foram as lições que o senhor tirou na sua carreira de vendedor de mate?
R - Lição?
P/1 - É.
R - Experiência na vida.
P/1 - Experiência na vida?
R - Porque pega aquela amizade com o popu... Você está lidando com o povo. Então, você sendo homem direito, honesto, direito, você pega amizade com todo o mundo.
P/1 - Com certeza.
R - Heim? Você está lidando com gente boa. Tem gente mau, tem gente boa, mas tudo pega o carinho com você. Tem cada mocinha, moço, homem, chega médico, advogado, me abraça e me beija.
P/1 - E o senhor gostou de dar essa entrevista aqui para a gente hoje? P que o senhor achou de ter dado essa entrevista?
R - É um prazer. Eu sinto como estou em casa lá, livre, viu? É um prazer estar com vocês.
P/1 - Que bom.
R - Fazer coisas úteis, boas na vida, né?
P/1 - Com certeza, a gente queria agradecer então...
P/2 - Muito obrigada.
P/1 - Tá, isso é muito bom.
R - Quando precisar disponha, tem mais coisa na vida.
P/2 - Sim senhor.