História de:
Patrícia
Autor:
Museu da Pessoa
Publicado em:
18/10/2019
Patrícia, em sua entrevista, conta do lugar onde morava na infância: um local bonito, cheio de árvores, um lago cheio de peixes e poucas pessoas. Recorda-se das idas à creche, das brincadeiras com os colegas, com os professores, e do típico lanchinho: pipoca. Mas sua vida, desde cedo, não foi fácil. Passou por dificuldades financeiras e teve que começar a trabalhar ainda bem jovem para ajudar a mãe e os sete irmãos. Após a angústia de se sentir aprisionada em um casamento de quatro anos, hoje sente a liberdade da independência, ao lado da filha pequena, e da mãe. Sonha com uma vida sóbria, e que, em caso de dificuldades, tenha força para superar as pedras no caminho.
Meu nome é Patrícia, tenho 21 anos e nasci na região Sul do Brasil. Hoje em dia vivo apenas com a minha mãe, porque meus pais são separados há um tempo, e eu nem sei por quê.
O lugar em que eu morava quando criança era muito bonito; a casa era de madeira, como se fosse um campo. A rua era de pedra e o local era bem arborizado, muito bonito. Tinha um lago cheio de peixes e poucas pessoas moravam lá. Lembro-me também da creche em que estudei, das brincadeiras, das professoras e da pipoca que eles nos davam para comer.
Mas eu era bem criança quando nos mudamos de cidade. Na nova cidade, minha mãe ficava cuidando de mim e dos meus sete irmãos, enquanto meu pai trabalhava como carpinteiro. Quando entrei na escola de lá, tive a melhor professora: como ela, jamais vou encontrar. Ela nos ensinava muito bem, ajudava os alunos quando percebia que tinham dificuldades em casa. Ela também sempre trazia roupas para mim e meus irmãos, ajudava a gente.
A situação era difícil, nem todo dia tinha coisa para comer dentro de casa, tínhamos que ser fortes. Nessa época, a minha mãe havia conseguido um trabalho como boia-fria, chegava muito tarde em casa. Para conseguir coisas, ela ia à assistência social. E enquanto isso, ficávamos em casa, com a minha irmã mais velha tomando conta da gente.
Quando a minha mãe se separou do meu pai, as coisas foram ficando mais difíceis, e eu tive que começar a trabalhar para ajudá-la quando eu ainda era bem nova. Trabalhei em uma pousada em que eu era muito bem tratada, a dona gostava muito de mim. Eu ajudava a limpar, estender roupa, fazer comida, esse tipo de coisa. E, com o dinheirinho que eu ganhava, ajuda com as despesas de casa e comprava sempre alguma coisinha para mim.
Enquanto isso, tive algumas interrupções em relação à escola. Parei de estudar na terceira série, mas voltei e consegui terminar. Depois, quando eu tinha uns quinze anos, parei de novo, porque eu trabalhava como doméstica para ajudar em casa e cuidava dos meus irmãos, nem saía muito de casa.
Com dezesseis anos de idade, comecei a namorar e, com dezoito anos, me casei. Algumas vezes, discutíamos bastante. Quando eu ia para a casa da minha mãe, ela não queria que eu permanecesse com ele, porque ela via os meus machucados. Fiquei casada com ele por quatro anos e tive uma filhinha, mas já não o queria mais. Um dia, peguei as minhas coisas e as coisas da minha filha, fui para a casa da minha mãe e não voltei mais.
Depois ele até me procurou para reatar, mas eu não quis. Ele também era muito ciumento, não me deixava nem trabalhar, e eu ficava angustiada, enjoada de ficar só em casa, queria trabalhar.
Hoje, em casa, acabei me tornando a mãe de todo mundo; para qualquer coisa, sou eu que chamam. É muita responsabilidade. A minha irmã mais velha, não sei o que aconteceu que ela começou a usar crack, e hoje está presa. Ela diz que vai mudar, que vai melhorar, e eu tenho fé em Deus que isso aconteça. Mas acaba tendo muita responsabilidade em cima de mim.
Foi através da minha ex-cunhada que eu soube do ViraVida. Vi a oportunidade e não deixei passar, porque aqui nós temos a oportunidade de progredir, de conseguir um serviço melhor do que o de ficar limpando banheiro de outras casas, até porque este é um trabalho que as pessoas não valorizam.
E no projeto, a gente tem o compromisso como se fosse em um emprego mesmo. É cansativo, tem que sair cedo, às vezes tem brigas, discussões, mas a gente tem que ter força. Aprendemos muitas coisas, temos terapia e amigas que se preocupam conosco. Quando eu penso em desistir, é em minhas amigas e em minha filha que penso, elas me dão força, e é por isso que tenho insistido no projeto.
Hoje, quando enfrento uma dificuldade, como quando falta alguma coisa em casa e eu fico irritada, tento me acalmar, me lembrar de que às vezes têm pedras no caminho, mas que a gente tem que ter força de vontade para conseguir passar por elas. Não é fácil passar pelas dificuldades, mas eu me considero uma vitoriosa. Me sinto pronta para viver, e tenho esperança de novo. Não quero ficar rica, só quero ter uma vida estável, arrumar uma casa melhor e um emprego.
Nesta entrevista foram utilizados nomes fantasia para preservar a integridade da imagem dos entrevistados. A entrevista na íntegra bem como a identidade dos entrevistados tem veiculação restrita e qualquer uso deve respeitar a confidencialidade destas informações.
Maria da Saúde de Souza
por Museu da Pessoa
Dulce Sardinha de Vasconcelos
por Museu da Pessoa
Mayara Rocha
por Mayara Rocha
Nelson de Souza Lima
por Nelson de Souza Lima
Elenilde Dias Fernandes
por Museu da Pessoa
Telines Basílio do Nascimento Junior
por Museu da Pessoa
Museu da Pessoa está licenciado com uma Licença
Creative Commons - Atribuição-Não Comercial - Compartilha Igual 4.0 Internacional