Identificação e origem dos pais. Descrição da família, sobretudo do avô maquinista. Surgimento e desenvolvimento do pastifício. Estudos de música. Trabalho no pastifício durante a infância: entregas e balcão. Morte do pai e decisão de administrar o comércio. Aprovação em música na Unicamp. Descrição da família e dos empregados antigos. Mudanças em Campinas. Os anos de namoro e do período escolar. O abastecimento no pastifício e as principais transformações. Lazer em Campinas. Mudanças na produção, nos produtos e nas embalagens. Formas de pagamento. Transformações no comércio.
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Fernando Selmi e sou nascido em Campinas no dia 12 de junho de 1954.
FAMÍLIA
Os meus pais são Marino Selmi e Cândida Ruas Selmi; os dois são falecidos. O meu pai nasceu em Picciorana, na Itália, Estado de Lucca, e a minha mãe nasceu em Portugal numa província chamada Trás-os-Montes. Meu pai veio da Itália com 15 anos. Ele nasceu em 1915, então sua chegada deve ter sido em 1930. O meu avô materno era ferroviário. Inclusive dizem que ele foi o maquinista da máquina blindada na revolução de 1932. Ele era o maquinista que levava os soldados na revolução. Meu pai conheceu a minha mãe, começaram a namorar e casaram-se em 1942. Tudo na minha família acontecia de seis em seis anos. O meu irmão nasceu em 1948 e eu, seis anos depois, em 1954. Somos apenas nós dois. E foi constituída a nossa família. O meu avô morreu com 106 anos; há pouco tempo, uns dez, quinze anos atrás. Eu convivi com ele desde criança. Ele ficou viúvo cedo e passou a freqüentar a minha casa. Eu passeava com ele, ele contava as histórias dos trens quando era maquinista da antiga Mogiana. Até andei bastante de trem com ele. O meu irmão quis ser padre, mas depois saiu. Acho que ele entrou no seminário com 10 anos de idade e ficou por nove anos. Era seminário de padre mesmo; hoje, por exemplo, o seminarista freqüenta a casa paroquial, estuda na PUC, faz Teologia. Naquele tempo, seminário era fechado, regime interno; ele nos recebia numa sala. Eu, minha mãe, meu avô e o meu pai íamos visitá-lo duas vezes por ano. Estou falando de 1964, 65. Eu tinha 10, 11 anos. Carro era muito difícil, nós íamos de trem. O trem demorava 12 horas para chegar. Fazíamos baldeação em Santa Rita do Sapucaí e pegávamos aquele trem maria-fumaça. Foi nessa máquina que o meu avô trabalhou quase a vida inteira. Ele ia me falando de todas as cidades nas estações em que o trem ia parando. Ele falava: “Tal cidade é essa, tal cidade é aquela, agora vai parar em tal. E ia assim até chegar em Itajubá, sul de Minas. Numa dessas viagens, a maria-fumaça fez uma curva e deu uma freada brusca. O chefe de trem e o pessoal que trabalhava na ferrovia sabiam que o meu avô estava nessa viagem; vieram pedir desculpas ao meu avô porque ele era um dos maquinistas mais antigos e também tinha sido chefe dos maquinistas. Olha em que tempo nós vivíamos Esse era o meu avô por parte de mãe. Ele era muito brincalhão e falava: “Fernando, você que é do comércio e conhece muita gente, não tem como você me ver uma segunda aposentadoria? É porque eu vou fazer 30 anos de aposentado.” O meu avô por parte de pai era Adolfo Selmi, veio da Itália naqueles navios com imigrantes, em 1880. Ele se casou duas vezes. No primeiro casamento, teve duas filhas; ficou viúvo, casou-se pela segunda vez e teve mais dez filhos.
IMIGRAÇÃO
Meu avô tinha umas terras na região de Lucca, Itália, perto de Asti. Uma região rica em uvas e que fabrica vinhos. Lá existe um vinho espumante chamado Asti Riccadonna que é famosíssimo. Ele plantava uvas com os irmãos e veio para o Brasil com a segunda mulher. Seu primeiro comércio foi de vinho; então ele trazia os barris. O meu pai falava que naquele tempo chamavam de cartola de vinho. A cartola era um barril de vinho mesmo. O pessoal chamava assim porque tinha uma tampa com o formato de uma cartola. Então ele trazia os vinhos da Itália, engarrafava e vendia aqui em Campinas. Esse foi o seu primeiro trabalho. Ele ia à Itália uma vez por ano pra buscar mais vinho. A viagem demorava 35 dias de navio. E tem um detalhe, o meu pai chama-se Marino porque nasceu no mar. O meu avô tinha um filho na Itália e por isso ficava um tempo lá e voltava para o Brasil. Os dez filhos eram alternados: um italiano, o outro brasileiro, um italiano, outro brasileiro... E de todos os filhos homens, só o meu pai é italiano. Os outros filhos homens são brasileiros e as mulheres são italianas; o meu pai é o caçula. Quando o meu pai veio da Itália, com 15 anos, o meu avô não voltou mais pra lá. Depois de um tempo, ele comprou um pastifício que já existia aqui em Campinas numa rua chamada Saldanha Marinho, no centro da cidade. Comprou em sociedade com o genro mais velho, casado com Cecília, filha do primeiro casamento.
VOCAÇÃO PARA O COMÉRCIO
Numa boa família italiana só os homens trabalham; as mulheres ficam tomando conta da casa. O meu avô era daqueles italianos rígidos, então todos os filhos trabalhavam. O meu pai conta que ele empurrava carrinho de macarrão aqui em Campinas pra fazer as entregas daquele macarrão que era produzido no pastifício. Foi indo, meu pai foi trabalhando e, em 1948, o meu avô faleceu. Também, como bons italianos, deu aquela briga sobre quem ficaria com o pastifício, um quis matar o outro, foi aquele negócio. Todo italiano tem isso e se não tiver, não tem graça. Acabaram se separando. O meu pai abriu o pastifício com o irmão que era antes dele, em 1951. Hoje fica ali na Rua Conceição. Eles falaram: “Nós somos os caçulas e não vai sobrar nada pra nós” Porque os irmãos mais velhos já tinham se apoderado do pastifício do meu avô, que se chamava Comendador Aladino Selmi, famoso na cidade. Um tio ficou com esse pastifício junto com mais dois irmãos. O meu pai com outro irmão também montou esse pastifício na Rua Conceição. Falaram: “Vamos fazer um pastifício de massa fresca. Era pra não concorrer com o pastifício industrializado do irmão. O meu pai deu uma espécie de pulo do gato, porque o pastifício não era Selmi, era Galo; até hoje é conhecido na cidade como Pastifício Galo. E eles criaram a marca Selmi. O meu pai registrou essa marca quando saiu de lá. Quando ele abriu, chamava-se Pastifício Selmi & Irmãos. E ele registrou o macarrão Selmi. Hoje você tem Macarrão Renata e uma série de outros como o Tricolino que é fabricado pelo meu tio. Aliás, todos os meus tios já morreram. Tem a segunda, a terceira geração. Se bem que hoje, o Pastifício Galo já não é totalmente da família. Tem um filho de um primo. Eu sou a terceira geração que continua lá, mas 50% já está na mão de outra pessoa. É uma empresa muito grande, tem fábrica fora de Campinas e é conhecidíssima. Produzem a farinha Renata, mas não têm macarrão Selmi. Não têm porque o meu pai registrou aquela marca. O meu pastifício chama-se Pastifício Selmi porque eu tenho a marca. E o outro grupo é Selmi, mas o macarrão tem o Galo e outras coisas mais. A razão social deles é Pastifício Selmi SA e nós éramos Selmi & Irmãos. Em 1967, o irmão do meu pai vendeu a parte dele para um primo, filho da irmã mais velha dele, a Cecília. Ele ficou sócio do meu pai e montaram a firma que passou a se chamar Selmi e Carignani. Carignani é o sobrenome daquele cunhado do genro do meu avô. Não era para eu ir para o pastifício. Eu não tenho nada a ver com aquilo, nunca gostei. Comecei a estudar música aos seis anos de idade. O meu pai era um cantor de ópera frustrado, tinha umas coleções de discos de operetas, cancionetas. Uma coisa maravilhosa. Aqui em Campinas tem o aeroporto de Viracopos e naquela época em que eu era garoto, descia muito avião da Alitália e muitos outros. Aliás, é o que a administração do aeroporto quer fazer novamente por causa do problema de Congonhas; eles estão querendo que vôos internacionais desçam em Viracopos. Mas, voltando, o meu pai conhecia um piloto da Alitália que trazia aquelas operetas pra ele. Umas coisas fantásticas. Tenho tudo guardado. Umas coleções em bolachão. O meu pai queria um filho músico para que tocasse piano enquanto ele cantava. Esse era um sonho dele. Mas minha mãe era carola de igreja. Daquelas que beijavam a mão do padre, punham aquele véu e tudo. Ela queria que o meu irmão se formasse padre. Mas meu irmão não quis e saiu aos 19 anos. E o meu pai queria um filho músico. A profissão de músico, hoje, melhorou bastante, mas sempre tem uma má fama. Imagine naquela época? Era um horror. Imagine a minha mãe vendo um filho músico, quando queria um filho padre. Quando o meu irmão foi para o seminário, a nossa diferença de idade era de seis anos. Meu pai me pegou e disse pra minha mãe: “Não. Esse não vai ser padre não.” O meu pai era um cara a frente da sua época. Quando ele tinha 18 anos, começou a namorar a minha mãe. Ele tinha uma moto Harley-Davidson, porque o meu avô era rico. Ele ia namorar de Harley-Davidson. Imagina isso em 1933 O meu avô materno era daqueles ferroviários portugueses. Tinha seis filhas. A minha mãe era a segunda mais velha. Ela nunca andou na moto. E o meu pai ia namorar a minha mãe com um maço de flores, pilotando a moto. A minha mãe tinha vergonha e se escondia, porque era super recatada. É uma coisa fenomenal. Os opostos se atraem e eles se casaram. Mas a minha mãe podava muito o meu pai. O meu pai trazia calça comprida para minha mãe usar e ela nunca usou porque marcava e não sei o quê. O meu pai comprava perfumes e levava a minha mãe a São Paulo em peças de teatro. Isso quando eram jovens, com uns vinte e poucos anos. E minha mãe tinha vergonha. O meu pai comprava bebidas e queria que a minha mãe bebesse vinho do Porto, whisky. Queria que ela fumasse, mas minha mãe nunca quis, tinha horror. Ele quis que eu fosse o amigo dele, porque ele foi podado e sofreu muito. Ele fazia tudo o que queria, mas minha mãe não o acompanhava. E naquele tempo não existia separação. Até existia, mas era um ou outro. Se fosse hoje eu acho que o casamento de meus pais não duraria dois meses. Mas foi indo e como o meu irmão ficou muito tempo fora, o meu pai falou: “Esse não vai para o seminário.”
FORMAÇÃO
Meu pai me matriculou no Conservatório Carlos Gomes, que tem aqui em Campinas até hoje, com o maestro Oswaldo Urban, que está lá ainda. Levou-me lá e com seis anos comecei aprender piano e gostei. Eu estudava numa escola primária chamada Externato São João, que era perto do pastifício. Eu estudava de manhã e algumas vezes da semana o meu pai ia me buscar na hora do almoço. Almoçávamos e depois eu ficava no pastifício. Havia uma mesinha aonde eu fazia os deveres da escola. Às vezes, tinha macarrão para entregar num restaurante e eu ia. Comecei a trabalhar; aos sábados e domingos a venda era maior e eu ajudava. Nós sempre trabalhamos com massa fresca. Em Campinas éramos nós e o Prosperi, que era na Campos Sales. Só havia os dois pastifícios. Depois, mais ou menos nos anos 70, o Prosperi fechou e só ficou o do meu pai. Na época, não existia ravióli, capelletti, essas coisas. Só o meu pai fazia, então ele ganhou muito dinheiro. Foi uma época em que, se fala brincando, “amarrava cachorro com lingüiça”. Ele e seu irmão ganharam muito dinheiro.
MÚSICA
Continuei estudando música. Eu tinha um órgão com pedaleira. O baixo se fazia nos pedais e tinha dois teclados. Era uma geringonça muito pesada. O meu pai comprou uma perua Kombi e ia para cidades como Águas de Lindóia, Serra Negra, Socorro e Poços de Caldas vender o meu show nos hotéis. Ele colocava aquele órgão na perua e nós íamos. Eu tocava, por exemplo, à noite num jantar e depois na piscina para os hóspedes. Meu pai ficava numa mesinha do lado - lembro-me como se fosse hoje - tomando whisky ou vinho. Ele gostava muito de beber. Tomava uma garrafa de vinho no almoço e uma no jantar. O vinho para os italianos é como água. Depois à noite, ele punha as óperas ou eu tocava. Isso nos meus 18, 19 anos. Eu tinha um piano, tocava e ele ficava cantando as cancionetas na moda dele. Reunia os amigos em casa e era whisky, vinho, cortava aquele monte de queijo, aqueles antepastos. Era aquela folia com 20, 30 pessoas. Eu tocava, ele cantava as cancionetas e traduzia a ópera. Porque toda ópera é uma história e quando cantada em italiano, você não entende nada. Então, ele e seus amigos traduziam as óperas: “Mas o que está acontecendo?” “Ah, esse vai casar com aquela lá, vai trair, vai matar o outro...” Eu parava. Tinha paciência de fazer tudo isso para o meu pai porque eu entendia esse seu lado. Mas tive uma grande frustração, a primeira da minha vida: eu tinha 20 anos e o meu pai morreu. Foi um baque terrível pra mim. Estava me preparando pra fazer faculdade de música e ia ao pastifício para ajudá-lo. Eu ia sábado, domingo, e, às vezes, ele me dava dinheiro. Por exemplo, o dinheiro desses shows que nós fazíamos nas cidades não dava nem para o transporte. Ele falava: “O pessoal vai pagar um cachê ‘x’”. E ele tirava do bolso dele pra me dar, pra me incentivar. Eu era garotão, gostava daquilo. Quando eu fiz 19 para 20 anos, ele faleceu. A minha mãe já estava doente, tinha uma paralisia nas pernas e não conseguia andar. O meu pai tinha câncer, porque ele fumava quatro maços de cigarros por dia. Ele tinha câncer desde dezembro de 1977 e morreu em março de 1978, num domingo de Páscoa. Nesses três meses e meio, nós gastamos a metade da fortuna que ele tinha. Algumas casas de aluguel, telefones - naquela época telefone era uma coisa Ele tinha casas de aluguel, apartamento na praia, uma chácara, nós tínhamos umas coisas assim. Gastamos a metade em médicos. Eu estava me preparando pra fazer a faculdade de música. A Unicamp não tinha faculdade de música, mas tinha a USP, em São Paulo, e eu tinha 90% de possibilidade de entrar lá. O meu pai tinha um cunhado, irmão da minha mãe que morava em São Paulo, e eu ia morar na casa dele. Já estava tudo armado para eu tentar o vestibular. Mas ele morreu e falei: “O que eu vou fazer da minha vida agora? Vou estudar música? E o pastifício?” O meu irmão, seis anos mais velho do que eu, já tinha se formado e morava em Porto Alegre. Estava com a carreira dele em andamento e não queria saber do pastifício. E fui pra lá. Eu falei: “A única renda que nós tínhamos era essa.” Eu tinha que sustentar a minha mãe e acabei indo para o pastifício. Mas eu não gostava daquilo, tanto é que eu tocava, fiz muito baile. Eu viajava para fazer baile no interior inteiro: Araçatuba, Matão, em tudo quanto é lugar, Santos... Tocava em várias bandas. Às vezes, nós fazíamos um show, um baile numa cidade mais próxima.
TRADIÇÃO NO COMÉRCIO
Sábado e domingo até hoje são os grandes dias de nossa venda de balcão. É tradição, passada de pai para filho... Outro dia, foi um camarada lá e estava o avô, o filho e o neto. Os três quiseram tirar uma foto fazendo o macarrão que o avô comprava e o filho e o neto compram. Tem essas coisas que é a tradição. Eu chegava em Campinas às quatro, seis horas da manhã, depois dos bailes, e já ia trabalhar. Tinha que trabalhar. Era eu e o meu primo. Fui tocando aquilo porque eu não tinha o que fazer. Mas eu parei e fui fazer Administração de Empresas porque eu pensei: “É isso aqui que eu vou fazer? Vou tocar piano em cima do cilindro de macarrão?” Então eu fui fazer Administração de Empresas, me formei e falei: “Não aprendi nada; aprendi na prática.”
FACULDADE DE MÚSICA
Eu já namorava, casei, vieram os meus filhos e fui adiando esse processo todo e sonhando que um dia faria uma faculdade de música. A minha mulher sempre me deu a maior força: “Um dia você vai.” Parei com tudo, tocava em casa, às vezes, algum amigo tinha uma festinha e eu tocava. Com 40 anos, a minha mulher falou: “Por que você não volta a estudar?” Falei: “Não tenho mais paciência para isso.” E ela: “Volta.” Já havia a faculdade de música na Unicamp e eu falei: “Vou tentar.” Peguei um professor particular que estava, na época, com 80 anos. Foi o primeiro violinista da Orquestra Sinfônica de Campinas. Ele me preparou em dois, três meses. Eu entrei na Unicamp e me formei com 44 anos em faculdade de música. Continuei no pastifício e abri uma escola de música com uma amiga que se formou comigo. Não deu muito certo e fui fazendo coisas paralelas.
FAMÍLIA
Tenho três filhos, a mais velha, a Fernanda, com 29 anos, é bióloga. A Roberta, filha do meio, tem 27 anos e é pedagoga. E o Rodrigo, o mais novo, com 25 anos. O Rodrigo quando garoto ia para o pastifício. Reproduzi aquilo que o meu pai fez comigo, mas eu não queria levá-lo porque pensei: “Eu não queria vir pra cá e eu não quero que o meu filho também venha.” Eu o podava e a minha mulher falava: “Deixa o que tem que ser. Deixa ele ir.” E ele queria ir. Ele ia pequenininho e varria o pastifício. Tem uma foto dele com seis anos comendo macarrão à moda italiana. Ele sempre gostou daquilo e eu deixei. Quando ele terminou o ensino médio, na época, o colegial, ele falou: “Pai, eu quero fazer Engenharia de Alimentos.” Eu falei: “Você quer fazer Engenharia de Alimentos e depois o que você vai fazer?” E ele: “Porque eu quero trabalhar lá com você.” Eu falei: “Então vai estudar. Eu quero que você estude para depois você ir.” Ele se formou há dois anos, e inclusive, fez o estágio no pastifício. Eu me emociono porque acho que o dia mais bonito da minha vida foi quando fui à faculdade e ele fez a monografia. Uma coisa linda, porque ele fez o estágio no pastifício comigo ali. Ele se formou na USP, em setembro. Filmou tudo, todas as máquinas que são da época do meu pai. É uma história, um negócio impressionante. Fomos à faculdade de Engenharia de Alimentos em Pirassununga e lá estavam os professores, a banca. Ele gosta de computador, fez todos os filminhos e aquele negócio todo. Quando começou a falar: “Meu pai...” Isso é uma coisa que eu não consigo descrever; aquela cena foi uma coisa linda, maravilhosa.
ATIIDADES COM MÚSICA
Eu fazia alguns trabalhos na Prefeitura de Campinas. Há alguns anos atrás, precisamente em 1992, a prefeitura abriu um concurso porque queria montar fanfarras nas escolas municipais. Há muitos anos atrás havia fanfarras em todas as escolas estaduais. Os desfiles eram lindos, maravilhosos. A prefeitura quis fazer isso em 92, queria montar as fanfarras. Quando eu era garoto, tocava em fanfarra, gostava de tocar corneta, os instrumentos de percussão e já tinha formação. Pensei: “Eu vou me inscrever nesse negócio e quem sabe...” Ganhei em primeiro lugar e me contrataram pra desenvolver esse projeto. Trabalho desde 1992 na prefeitura desenvolvendo o trabalho de bandas e fanfarras nas escolas. É um trabalho que dá uma outra entrevista. Depois em 2002, o Estado também quis fazer isso aqui em Campinas, me candidatei e também fui trabalhar no Estado. Fora isso eu trabalho em três escolas particulares. Desde quando me formei, dou aula de música, iniciação musical para criança, faço coral para a molecadinha, além da fanfarra em duas escolas. Eu já estava trabalhando em escola particular quando veio a banda e fanfarra na prefeitura e no Estado. Então tem também toda essa história, mas nunca deixei o pastifício. Sempre me dividi nos horários. E tinha o meu primo, o Carignani, que faleceu em 2000. Entrou o filho dele. O pai dele foi sócio do meu avô. Entrou esse meu primo, o Marcelo, que gosta mais da parte de propaganda: “Precisamos botar uma placa lá fora, vamos vender para o restaurante...” Ele é mais dessa parte e eu mais da parte da massa mesmo. Porque como o meu pai fazia o macarrão e operava as máquinas, eu cresci com ele nisso. Aprendi tudo nesse negócio. E depois vieram os funcionários, os empregados que são um outro capítulo.
FUNCIONÁRIOS
Eu tive um empregado que trabalhou comigo quase 50 anos. Ele saiu do pastifício quando faltavam três meses para completar os 50 anos. Seis meses depois ele morreu. Mas tenho um outro que está comigo há 42 anos. Quer dizer, com o meu pai e depois comigo. Ele entrou bem antes do que eu. Aposentou-se e continua lá comigo. Depois tem um outro que está há 38 anos, e mais um com 20 anos. Por fim tem mais uma garotada com três, quatro anos de trabalho. Acho que aquilo tem uma raiz. A turma entra e não sai mais, porque trabalhamos como família. Essa é uma grande dificuldade que o meu filho está querendo transformar. Ele veio com uma mentalidade diferente. Quer administrar aquilo como uma empresa, quando eu sempre administrei como uma empresa familiar. É uma empresa, mas por exemplo, o funcionário não vem: “Ah, eu não venho porque tenho que levar a minha filha no médico.” Somos amigos. Eu faço o aniversário da minha filha e vão todos os funcionários. Vai haver um churrasco e eu vou na casa do funcionário e o funcionário vem na minha casa. Então é como se fosse uma família. O meu pai já trazia isso. Agora a política do meu filho é diferente. Ele respeita muito isso. Eu me dou muito bem com ele. O meu filho é o meu melhor amigo como eu era o melhor amigo do meu pai. Mas entendo que está numa hora de mudanças. Nós precisamos fazer a empresa ser uma empresa mais séria porque hoje não é como na época do meu pai, que só existia a empresa dele e ele fazia o que queria. Hoje tem concorrência. O meu filho entende isso e eu também. Só que eu não quero magoar as pessoas que já estão lá. É preciso muito tato e ter um pouco de paciência para dominar essa parte.
INFÂNCIA
Eu nasci num bairro tradicionalíssimo da cidade, a Vila Industrial. É um dos poucos bairros de tradições de trabalhadores. O próprio nome já diz isso. Quando o meu avô veio da Itália, morou nesse bairro. Ele comprou uma casa com quarteirão que era um tipo de uma fazenda e tinha aqueles casarões antigos. Conforme os filhos iam casando, o meu avô ia construindo casas geminadas uma do lado da outra. Dava um casa pra cada filho que casasse. Como ele tinha 12 filhos, a quadra tinha 12 casas e a casa dele. Depois eles iam vendendo e mudando a vida. Eu nasci numa dessas casinhas, na Rua Sales de Oliveira, 649. Em todas as casas vizinhas, moravam meus primos. Aquilo ali era uma festa. Jogávamos bola na rua, na época de São João fazíamos a Festa Junina, tudo na casa do meu avô. O meu avô já era falecido, mas morava uma tia. E faziam aquelas festas, era aquela italianada toda. Depois o pessoal foi saindo, os irmãos foram mudando, crescendo, mas o meu pai continuou lá. O meu pai só saiu de lá depois de um ano do falecimento da minha mãe. Ele comprou as duas casinhas dos irmãos dele. Depois nós acabamos vendendo. Tem uma casa ainda original que é um pouco abaixo da minha. No resto já tem prédio e mudou bastante.
JUVENTUDE
Comecei a namorar com 17 anos e a minha mulher tinha 15. Ela morava na rua abaixo da minha. Rua Prudente de Moraes, número 180, eu moro no 194. Ela era a única filha. O meu sogro perguntou “quem era esse?” Porque eu era cabeludo e era músico. Fui hippie e até tem uma história brava que eu pulei... Eu ia namorá-la e o meu sogro falava: “Quem é esse rapaz que a Rose está namorando?” E minha sogra falou: “Ele é filho do Bimbo”. O meu pai tinha um apelido de Bimbo porque bambino em italiano é o menor. Então abrasileirou a coisa e ficou Bimbo. “Ele é filho do Bimbo, do Selmi.” E ele: “Filho do Bimbo, do Selmi? Então é boa gente.” Ele não me conhecia, mas as pessoas se conheciam pela família. Isso é muito importante. Hoje você quer o CPF, o RG, quer tudo da pessoa pra saber se ela tem uma conta gorda no banco e se ela pode ser boa pessoa, mas naquele tempo era conhecido pelo seu sobrenome. “É filho do Bimbo? Então pode namorar.” Eu comecei a namorar aos 17 anos. Casei com 23 anos. Fizemos 30 anos de casado. Nós saíamos, passeávamos. Hoje, por exemplo, cada filho tem um carro, tem um celular e se é 11 horas, ligam: “Pai, estou aqui. Mãe estou chegando.” Naquela época eu saía para namorar e andávamos na rua. Tem esse túnel da Fepasa, que é a travessa da Vila Industrial com o centro da cidade. Nós saíamos à noite, atravessávamos esse túnel, descíamos a Rua Treze de Maio pelo lado direito olhando as vitrines e íamos até o Rosário. Gostávamos de comer pizza do Restaurante Rosário que é ali no Largo do Rosário. Esse restaurante ainda existe. Íamos até lá, comíamos a pizza e depois subíamos pela Rua Treze de Maio do lado direito olhando as vitrines. Atravessávamos o túnel às 10, 11 horas da noite. Não dá pra comparar. Hoje a cada 15 minutos queremos saber onde os nossos filhos estão. Naquele tempo, você nem sabia.
FAMÍLIA
Quando eu casei fui morar em um apartamento na cidade perto do pastifício. Depois vieram os meus filhos e eu mudei pra uma casa num outro bairro. Quando eu namorava, na frente da casa da minha mulher tinha uma muretinha. Havia umas muretas que você pulava. Tinha uns portõezinhos que eu acho que era para o cachorro não entrar. Hoje você não vê a cara de quem mora dentro. Nós ficávamos sentados namorando, conversando. Olhávamos uma casa do lado da casa do meu sogro. Eu falava: “Um dia poderíamos comprar essa casa, casar e morar aqui.” Estávamos com uns três, quatro anos de namoro. Eu me dava muito bem com o meu sogro e com a minha sogra. Eu falei: “Compramos essa casa, abrimos o muro, o portão e passa um pra casa do outro.” E foi o que aconteceu. Eu casei e quando nasceu o meu terceiro filho, em 1982, morávamos em uma casa que só tinha dois quartos e falei: “Precisamos fazer uma reforma, fazer mais um quarto... vamos comprar aquela casa ao lado da do seu pai, que isso é um sonho nosso.” “É mesmo. A gente derruba tudo.” E no fim, nós compramos aquela casa. Mudamos pra lá em 1983. Abrimos o portão. Está aberto até hoje. A minha sogra mora lá com o Fábio, que é um filho temporão, nasceu em 1970. Hoje ele tem 37 anos. A Rose tem 52, então são 15 anos de diferença. Veio o Fábio e ele mora lá na casa da minha sogra. Eu praticamente fui o pai dele porque o meu sogro morreu e eu quem dava escola e o orientava. E nós moramos lá até hoje. Não saio desse bairro por nada. Não sou um cara rico, mas tenho uma vida estável. Tenho condições de morar num bairro melhor, com umas casas mais bonitas, vamos dizer assim, mas eu moro naquela casa e a frente da casa é um barato. A frente dela continua como nós a conhecemos. Da parede pra dentro mudou tudo, mas a frente é igualzinha.
FORMAÇÃO
Fiz o ginásio no São Bernardo, bem tradicional. Naquela época, as escolas estaduais eram as melhores. Nas escolas particulares estudavam aqueles que chamávamos de filhinho de papai, o cara que podia pagar. O cara que não conseguia estudar numa escola do Estado porque ele repetia, ia pra essas escolas particulares porque pagava e passava. Não mudou muito isso hoje, no caso da escola particular, se o cara paga faz a matrícula... Eu estudava nessa escola e ia a pé porque eram umas cinco ou sete quadras da minha casa. Tinha um mato, nós atravessávamos e chegávamos na escola.Todo mundo ia e voltava conversando. Muitas vezes íamos no ponto final pra pegar o ônibus vazio e sentar atrás pra ficar bagunçando. Foi uma vida muito legal. Com esse negócio da música, foi muito legal para mim. Eu saía com o meu pai para tocar. Depois vieram as bandas e essa foi a minha juventude, mas sempre na Vila Industrial. Depois me casei em 1977. Fiquei apenas cinco anos fora da Vila Industrial. Voltei em 1982 e estou até hoje.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Na minha casa, o meu pai pegava o dinheiro e dava pra minha mãe porque ele era um péssimo administrador. Tanto é que quando eu fui para o pastifício, fiquei uns quatro, cinco anos pagando dívidas dele. Não dívidas pessoais, mas de INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] e ICM [Imposto Sobre Circulação de Mercadorias] atrasados que ele não pagava porque não confiava em contador. Isso acontece em muitas empresas antigas. O pessoal confiava muito nas pessoas e o contador dava um golpe e não instruía direito o caminho que tinha que seguir. Fiquei uns cinco, seis anos pagando dívida de INSS e Fundo de Garantia. Até conseguir zerar toda coisa; deu muito trabalho. Minha mãe fazia todas as compras e administrava a casa. Nós comprávamos na caderneta. Tinha o armazém da esquina e a quitanda. Supermercado, não existia. O primeiro supermercado em Campinas veio perto dos anos 70, o Supermercado Eldorado que, inclusive, pegou fogo. Não me lembro de ter saído pra fazer compras em outras cidades. Mesmo roupas, comprávamos e marcávamos no cartão; usava-se esse sistema. Lembro-me do bonde. Eu tinha uns nove, dez anos quando o bonde foi tirado. Eu atravessava a rua de casa e ia num armazém que tinha aqueles sacos de feijão, arroz... Um quilo de arroz, o cara pegava e punha no saquinho. Comprava as coisas que precisava e ele marcava. Tinha um caderno de brochura e ele marcava. No fim no mês, o meu pai dava o dinheiro. Como o meu pai sempre estava dando o dinheiro pra minha mãe, porque ele não tinha um salário, a minha mãe pagava por semana. “Ah, vou sair pra pagar o armazém, o açougue, a quitanda.” E fazia feira. É um negócio que não acaba, a feira. Já diminuiu bastante, mas tem umas feiras grandes. Íamos à feira comprar verduras. Vestuário comprava-se nessas lojas que marcavam no cartão. Nós não tínhamos o costume, por exemplo, de sair à noite. O meu pai já estava doente... As compras eram feitas aqui mesmo na própria cidade de Campinas.
CIDADES / SANTOS / SP
O meu pai tinha um apartamento em Santos. Em todas as férias escolares nós íamos para lá. O apartamento era no bairro da Ponta da Praia, no Edifício Inglaterra, oitavo andar, em frente ao Aquário Municipal. O prédio existe ainda, mas não temos mais esse apartamento. Sempre íamos pra lá. O meu irmão vinha do seminário, passava as férias de janeiro aqui e ficávamos um mês na praia. Às vezes, o meu pai nos deixava lá e vinha trabalhar, depois passava uns 15 dias conosco. Essas eram as férias.
JUVENTUDE
Acho que o meu pai cansou de convidar a minha mãe pra ir ao cinema e ao teatro. Mas eu ia bastante. Eu gostava muito de teatro e cinema. Tanto é que antigamente tinha a sessão de domingo à tarde. Éramos garotos e assistíamos à matinê, começava às duas horas da tarde. Tinha um seriado que todo domingo repetia e depois começava um filme. Saíamos correndo às quatro e meia, mais ou menos, para assistir a Jovem Guarda que passava na TV Record. Havia muitos bailinhos de garagem aos sábados à noite. Íamos aos bailinhos, que eram longe, e voltávamos a pé. Peguei um pouquinho daquela história de pão e leite nas casas. Não tinha muito, mas ainda existia. Depois quando eu era mais jovem, uns vinte e poucos anos de idade, já tinha carro e andávamos em turma. Invadíamos as casas e cortávamos rosas, fazíamos buquê e levávamos na casa da namorada, púnhamos na janela com um cartão. Mas tinha que roubar, não podia comprar. Tinha os clubes, a Hípica, o Concórdia, o Cultura onde havia bailes todos os sábados. Vinham bandas, orquestras... Éramos jovens, época da Jovem Guarda, dos Beatles, dos Rolling Stones. Curtíamos bastante. Também jogávamos futebol e basquete na escola. Eu era sócio do Tênis e gostava de jogar basquete. Praticava e disputava campeonato. Fui um bom jogador de basquete. Cheguei à seleção brasileira juvenil. Era no Sírio em São Paulo, onde jogou o Marcel. Teve também o Menon, enfim tinha um timaço. Convidaram-me para jogar. Eu tinha 17 para 18 anos. Estava estourando no juvenil para o adulto e eles me pagariam o apartamento e o estudo, mas meu pai não me deixou ir. Mas eu gostava de praticar esportes. Essa era a nossa vida de jovem.
TRABALHO
Antigamente, tinha mais produção. Eu vendia mais do que hoje, mas vendia bruto. Na época do meu pai, fazíamos umas quatro qualidades de massas que eram vendidas em grandes quantidades. Campinas era menor, mas não tinha concorrência. Quem queria comprar massa fresca fazia o macarrão tradicional: ravióli, capelletti e só. O que levantava a venda era a parte de mercearia. Como não existia supermercado, você encontrava tudo na mercearia. Era o nome que vendia, o meu pai vendia lá também. Isso tinha uma grande venda. Devia ter uns dez funcionários mais ou menos que tocavam o negócio. Havia muito funcionário extra que vinha aos sábados e domingos para ajudar no balcão, no atendimento ao público. As vendas eram maiores em quantidade e menores em termos de itens. As máquinas são as mesmas. A produção diminuiu e a variedade ampliou. Hoje, a dona de casa moderna em tese não vai comprar a massa do canelone para cozinhar para rechear e depois fazer. Ela quer comprar pronto. Então começamos, de uns anos para cá, a entrar nessa mudança de massas semi-prontas que é só levar ao forno, ao microondas. Também pegamos um outro filão de atendimento a restaurantes e fast food que estão se expandindo em shoppings. Atendemos o pessoal de fast food de massa, restaurantes de massa e o balcão que é tradicionalíssimo. Mas hoje nós temos oito funcionários e mais dois extras que vêm ajudar no balcão no sábado e domingo. Não mudou muito a quantidade de funcionários. Antigamente, o meu pai fazia um macarrão, por exemplo, uns cinqüenta quilos por dia de um tipo de um macarrão. Hoje fazemos dez desse mesmo macarrão. Mas agora, fazemos canelone, pastel, pizza e não sei mais o quê. Tem uma variedade de massas. Ele produzia mais numa variedade menor e nós produzimos menos com uma variedade maior. E agora a concorrência é muito grande. Hoje você vai ao supermercado e encontra massa da Sadia, da Perdigão. O que tem a Perdigão pra fazer massa? O que tem a Sadia? É carne. O negócio deles é carne, é embutido e eles fazem massa. Você encontra macarrão de tudo... E isso sem contar a massa seca. Só falamos da massa fresca. Você pega aquelas gôndolas de supermercado, varre aquilo e tem “n” marcas. Eu estou no mesmo lugar, no centro da cidade, desde 1951, quando o meu pai abriu, onde é difícil o estacionamento. Hoje todo mundo tem carro, então criamos alternativas. Eu pago estacionamento se a pessoa quiser ir lá e guardar o carro a 50 metros dali. Se precisar, nós entregamos. Há vários restaurantes de massa. Na época do meu pai existiam os restaurantes tradicionais como o Rosário, Éden Bar, restaurantes conhecidos até hoje que tinham as massas que nós vendíamos. Hoje todo mundo faz a massa. Tem cantinas, enfim, expandiu. A cidade cresceu, o negócio se expandiu. Nós continuamos os “heróis da resistência”, como eu costumo chamar, porque lutamos muito. Hoje o custo de um funcionário é muito grande, os impostos são cada vez maiores. Naquele tempo não. Era tudo mais barato. Você ganhava mais dinheiro. O meu pai trabalhou de 1951 até 75. São vinte e poucos anos. De 1975 em diante eu assumi. Praticamente, eu trabalhei mais tempo do que ele. E não consegui comprar a metade do que ele conseguiu. Está certo que eu gastei mais dinheiro do que ele. O meu pai, por exemplo, não tinha carro, embora fosse motociclista, nunca tirou carta de motorista. Ele não gostava de dirigir. Ele andava de táxi, tinha amigo dele que o levava aonde queria, mas não curtia carro. E agora você já tem o carro e compra um carro para o seu filho, tem celular, viaja, vai pra lá, pra cá. Você gasta muito mais dinheiro. Se ganha mais? Não sei. Valores, talvez. Mas acho que trabalhávamos menos e ganhávamos mais. Hoje eu acho que você trabalha mais e ganha menos. Talvez seja isso. Na época do meu pai, a frente da loja era totalmente diferente. Os maquinários permanecem no mesmo lugar de origem. Não mudou nada; ficavam mais para o fundo do estabelecimento. Havia a parte de prateleiras com latarias, embutidos, aquele negócio todo do lado e as máquinas sempre no fundo. Hoje não vendemos mais essa parte de lataria. Quem for comprar uma lata de óleo, um quilo de açúcar ou uma lata de doces, vai ao supermercado. Isso não é o meu percentual de ganho. Eu vendo macarrão, isso que me dá lucro. Nós temos muitos clientes antigos. Pessoas com 70, 80 anos que eram amigas do meu pai e hoje são minhas amigas. Eu falo que eu não sou velho, mas eu tenho amigos velhos. Convivi com o meu pai desde que ele me pegava na mão e conheci todo esse pessoal que continua comprando lá. Os mais antigos chegam pra mim e falam: “Na época do seu pai havia fila pra comprar, tinha gente na rua, na calçada.” Mas era por causa do espaço pequeno para o atendimento ao público. Eu peguei essa época de gente na calçada porque não dava pra entrar no estabelecimento. Entravam dez pessoas e lotava. E nós aprofundamos o espaço. Fizemos um espaço maior para o cliente. O meu maior movimento é aos sábados e domingos com venda de balcão. Tenho funcionário extra que vai trabalhar. Durante a semana eu também tenho trabalho de balcão, mas é bem pouco. E eu vendo para o pessoal de restaurante e fast food. Atacamos essa área que é legal porque você dá lá e toma cá. Uma coisa mais ágil. Agora os maquinários estão nos mesmos lugares que estavam desde a inauguração. São três máquinas. E comprei outras máquinas, mais modernas.
EMBALAGENS
Quanto à embalagem, embrulhávamos em papel e usávamos barbante. Não tinha sacola. Hoje em todo lugar que você vai tem sacolinha; antigamente não. Você carregava os pacotes. Supermercado, por exemplo, era pacote de papel. Nos Estados Unidos, você vê em muitos filmes as pessoas usando ainda aqueles sacos de papel. E agora essas embalagens de massas semi-prontas que é só para levar ao forno. Sofri muito com isso. Com o meu filho, demos uma boa alavancada. Ele, engenheiro, criou umas embalagens e tem as etiquetas explicativas com relação ao que vai no produto, a quantidade disso e daquilo. E comprou máquina para fechar. Houve uma transformação muito grande. Já é a terceira geração. Não vou contar nem quatro porque eu não vou contar a do meu avô. Mas se contar o meu pai, o meu filho essa é a terceira geração que já vem com outra idéia na cabeça. As embalagens mudaram do dia para a noite. É como se diz: antes o camarada pedia um quilo de macarrão e você embrulhava no papel, passava o barbante e dava para o cara. Às vezes, você fazia um nozinho em cima para que a pessoa pudesse carregar pendurado. Muitas vezes o cara chegava na porta e pacote quebrava, caía no chão e aquilo esparramava tudo. Tem histórias sobre isso. Hoje não. Hoje eu embrulho do mesmo jeito, como papel igualzinho como na época do meu pai. Isso não mudou isso. Mas tem agora umas manias difíceis de mudar: aquela sacolinha tradicional que o camarada leva.
CLIENTES
Temos um cliente que deve ter uns 80 anos. E eu faço um tipo de macarrão chamado espaguete, um macarrão diferente. O espaguete é um macarrão redondo e o talharim é um macarrão chato. Muita gente confunde isso. É tudo massa fresca e eu faço esse macarrão há 56 anos, sábado às nove horas da manhã. Isso o meu pai fazia e passou para os funcionários. Eu fiz muito tempo esse macarrão às nove horas. O meu cunhado trabalha comigo há 15 anos e é o chefe da produção. E ele faz esse macarrão às nove horas. Então vem um cliente que entra no estabelecimento e o primeiro corte é dele. Esse é um macarrão difícil de explicar, mas tem uma máquina que faz o macarrão sair que nem um chuveiro e aí você vai cortando o tamanho dele, só que isso tudo é mole, é massa fresca. E esse senhor vai lá todo sábado às nove horas e o primeiro corte tem que ser dele. Às vezes, ele atrasa e ficamos esperando ele chegar para fazer a massa. Então isso é um exemplo do atendimento. A maioria das pessoas nos conhece. Tanto é que eu vou ajudar o Rodrigo, que é o meu filho, aos domingos. Eu gosto de ir. Eu vou lá, mexo nas máquinas, faço massas. Embora a semana inteira eu não apareça lá, domingo eu vou e meu filho gosta. Ele fala o que está acontecendo e eu sou tipo de um consigliere, que dá os conselhos. Então eu vou lá dentro trabalhar nas máquinas, quando o movimento aperta, eu vou pra frente ajudar no balcão. Mas como conheço muita gente, acabo conversando e o atendimento pára. Pelo menos eu, só atendo aquela pessoa que fico conversando. Aí o meu filho: “Pai, fica lá dentro” – brincando, naturalmente - “fica lá dentro, não precisa mais vir no balcão, você só conversa e o cliente fica do lado esperando.” Eu não sei se esse pessoal novo aceita isso. Há clientes que fazem cara feia porque, às vezes, demoram a ser atendidos. Isso é outra coisa que o Rodrigo está mudando. Por exemplo, ele já contratou dois funcionários extras que vão no sábado e domingo para ajudar. Eles são novinhos e fazem um atendimento diferenciado da nossa época.
TRADIÇÕES
Existem passagens do meu pai comigo... Por exemplo, ele me levava pra cortar o cabelo num salão de barbeiro. Lembro-me bem, depois, eu muito inquieto, varria o salão e era aquele monte de cabelo. Depois eu levava o meu filho no mesmo barbeiro pra cortar o cabelo. O barbeiro ainda é vivo e tem o salão. Ele tem mais de 70 anos. Quer dizer, o meu pai levou-me pra cortar o cabelo e eu levei o meu filho lá pra cortar o cabelo. Hoje eu já não tenho mais cabelo e quase eu não vou lá. Mas são coisas que parecem que atraem, vão de geração pra geração. O meu pai fazia isso e eu faço isso com o meu filho também.
PRODUTOS
Isso é muito interessante. No meu pastifício, o que fazíamos há 50 anos estamos acostumados a fazer hoje. Por exemplo, os temperos. Uma parte dos temperos é a mesma. O tempero que vai no recheio do ravióli é feito há 42 anos pela mesma pessoa e vão as mesmas coisas. Lógico, guardando as devidas proporções, porque a verdura que tinha naquela época não é a mesma de hoje. Mas o sabor é muito parecido. A carne que eu compro tem um fornecedor e faz 25 anos que o mesmo açougue me vende. Os ovos são vendidos pelo mesmo fornecedor há 18 anos, pelo menos. Tem aquela coisa de raiz.
FORMAS DE PAGAMENTO
Até um tempo atrás, tínhamos lá no pastifício uma caixa de sapato em que o camarada ia comprar um determinado produto, como um quilo de macarrão, um quilo de ravióli e um pacote de queijo e nós marcávamos e jogávamos dentro dessa caixa de sapato. Passava duas semanas, um mês e ele pagava. Nós pegávamos a ficha e “estou rasgando as suas fichinhas aqui” e jogávamos fora. Algumas pessoas não pagavam, sumiam. Tinha lá, o fulano que era João da casa não sei das quantas, o Antonio do mercado... Eram conhecidos, às vezes, por apelido e que deram um balão, mas coisa pouca. Quanto ao uso de cheque, recebíamos alguns cheques sem fundo. Hoje acabou o cheque. Hoje é só cartão. Se eu recebo de venda de balcão uma meia dúzia de cheques por semana, é muito. Só cartão. Hoje 60, 70% da minha venda é cartão de crédito e débito. O dinheiro de plástico. E a questão de inadimplência, não tenho muitas passagens de pessoas que deixaram de pagar. Houve alguns casos de algum cliente que deu um cheque que voltou; falar disso nem compensa. Mas tem uma historinha que é muito engraçada e eu vou contar. Na época dos papeizinhos, há uns 20 anos atrás, eu tinha um cliente, que recebia o pagamento, passava lá e pagava. Não tinha “xabú”. Mas teve uma época que o pastifício tinha muitas dívidas, e eu falei: “Se eu ficar aqui esperando o cliente comprar, vou dançar, eu não vou conseguir recuperar.” Eu falei: “Eu vou fazer o quê? Eu vou atacar a indústria”. Porque naquela época todas as indústrias aqui de Campinas - IBM, Bosh, 3M, enfim - todas elas tinham um restaurante próprio que era um negócio fantástico. O cozinheiro do restaurante era funcionário da Bosh. De uns tempos para cá eles inventaram essa cozinha industrial e já vem tudo pronto. Quando não, dão aqueles vales pro pessoal comer no self service da vida. Então eu falei: “Vou atacar essas indústrias que é um dinheiro certo que vai entrar e com esse dinheiro, vou ralar todo aqui e ter um aumento do meu faturamento. Vou conseguir pagar as dívidas antigas e as atuais.” Eu descobri um filão legal. Eu vendia para a empresa e como o meu produto era bom os funcionários da empresa perguntavam onde o cara comprava o ravióli; eu fazia um preço barato, um preço que a concorrência não ganhava de mim. Eu pegava dez empresas, se pegasse dez funcionários em cada empresa seriam 100 pessoas. Foi assim que aumentei a minha venda e comecei a levantar o negócio. E nisso foi. Compra era marcada nesses papeizinhos. O meu tio escreveu num papelzinho quadradinho um valor e a data - você punha embaixo - o dinheiro da época, por exemplo, 40, e colocou um “3”, um “M” e pôs na caixinha. E tinha um funcionário da 3M que comprava lá e pendurava. Um dia, o rapaz foi acertar e falou: “Mas o que é isso, 3M? Eu não comprei isso. Nas minhas fichas está escrito Antonio. 3M não é comigo. O que é esse 3M?” Perguntou para o meu tio que falou: “É aquela senhora, a Dona Maria Mendes de Moura.” Ou seja, Maria, Mendes e Moura, meu tio colocou 3M. Então tem essas histórias e dessas penduras não tive problemas.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Eu acho que com a chegada dos shoppings, o comércio central teve uma queda muito grande, principalmente na área em que eu estou que é a duas quadras da Rua Treze de Maio. Mais duas quadras tem os informais que não pagam impostos, não fazem nada. E quantas vezes já fecharam lojas em protesto porque estavam querendo tirá-los de lá. E temos que conviver com esse pessoal. Isso afugenta clientes que podem gastar nas lojas, embora Campinas tenha muitas lojas que existem nos shoppings, como os grandes magazines, as grandes lojas que mantém também lojas no centro da cidade, como Lojas Americanas, Rener, Baby Calçados e outras. Não que eu tenha nada a ver com o nível de população classe C, classe D, por exemplo, são pessoas e eles podem freqüentar todos os lugares que nós freqüentamos também, mas são pessoas que, às vezes, assustam os outros que freqüentam. Existe roubo, assalto, pedinte. Uma pessoa que tem um automóvel e que queira comprar alguma coisa vai ao shopping ou ao supermercado. No meu caso, por exemplo, se quer comprar uma massa, ele fala: “A massa do Selmi é muito boa, mas ali é duro de estacionar.” Às vezes, até um ou outro cliente liga e fala: “Eu estou passando aí e dá isso, isso e isso.” Esperamos o cliente na porta, ele pára, você entrega o produto e ele vai embora porque não quer por o carro no estacionamento. Hoje, a pressa é muito grande, todos têm pressa, as pessoas têm que decidir as coisas na hora. Resolvem pelo celular, escrevem, pagam conta, dirigindo o carro. Inventaram até o microfone e as pessoas dirigem falando. Mas o comércio se transformou muito. Relembrando que eu passeava com a minha mulher vendo vitrine, isso se falar que foi há 30 anos, é muito tempo. Então mudou muito. E outra coisa, o trânsito de Campinas é muito difícil. Todos os ônibus passam pela rua principal da cidade, a Francisco Glicério. Isso é uma coisa já antiga, por exemplo, eu faço parte da Associação Comercial. Temos reuniões direto lá e comentamos isso. Entra e sai prefeito, um fala que vai fazer, mudar a rota dos ônibus, fazer terminais fora... Mas quem mexe com aquele camelódromo? Ninguém mexe com aquilo. Tem cara ali que tem duas, três lojas. Talvez fature mais do que muitos comerciantes. Ele não paga imposto, não paga nada. Às vezes, vai Polícia Federal lá e tira todos aqueles negócios de CD, aquelas coisas todas. Passam dois dias e está tudo lá de novo. Com isso transformou muito, decaiu muito o centro da cidade de Campinas. Estão tentando resgatar, fazendo várias coisas. Reformaram o calçadão da Treze de Maio. Existe uma tentativa, mas está muito morosa.
LIÇÕES DO COMÉRCIO
Eu acho que seria o respeito muito grande que tenho para com as pessoas; a educação que o meu pai me deu, como, por exemplo, chamar o cliente de senhor, de senhora, a responsabilidade, os horários a cumprir, honrar os seus compromissos... Tudo isso acho que o comércio me deu, além de ter a briga constante, ter que conseguir “matar um leão por dia” pra sustentar a família. Isso dá a você o poder de concentração de viver o dia-a-dia, de buscar novos horizontes pra ampliar. Uma coisa, por exemplo, acho que todo mundo tem problema com contador, quando você tem uma empresa pequena ou média, tem que pagar esse contador e, às vezes, ele não aparece, esquece de fazer as guias de recolhimento, não te dá atenção. Porque ele tem que ter dez clientes pra ganhar 250, 300 reais de cada um pra ter três mil reais, ter um salário no fim do mês. Ele não dá conta de dois, quanto mais de dez. Deixa muito a desejar. Como o meu filho gosta muito de estudar, eu falei: “Por que você não faz um curso de contabilidade?” Se fizesse um curso de contabilidade, tirasse o CRC [Conselho Regional de Contabilidade], podia assinar o balanço e podia administrar a empresa na parte contábil, mas aí acabaram com isso e tinha que fazer um curso universitário, Ciências Contábeis para poder assinar um balanço. Agora voltou, o Senac, que é uma boa referência, tem curso de Contabilidade. Um ano e meio depois e pode fazer o exame para tirar o CRC. O meu filho falou: “Eu vou fazer isso.” Ele trabalha das oito horas da manhã às seis da tarde; vai para o Senac, sai dez e meia da noite. Chega em casa por volta de 11 horas e eu estou esperando por ele. Nós sentamos pra conversar enquanto ele toma um lanche... Lembrei que eu fazia isso com o meu pai, quando eu estava cursando o colegial porque no meu tempo de faculdade ele já era falecido. Ele ficava esperando pra conversar. Eu faço a mesma coisa com o meu filho. Essa harmonia, essa aproximação dos meus filhos talvez seja uma resposta a todo esse aprendizado. Domingo passado, eu estava no estabelecimento e apareceram as minhas filhas com os namorados. Disseram: “Pai, vamos fazer um macarrão na casa de fulano porque os pais dele gostam também.” Fui lá e cortei o macarrão pra eles. Eles pegaram uns tomates no mercado... Isso é bacana. Essa reunião. Isso tudo foi o meu comércio do meu pai que me deu. É uma lição de vida, de família. Viver coisas do dia-a-dia no meu comércio, viver a minha vida inteira lá. A maior lição de vida é poder fazer tudo isso e ter harmonia familiar.
MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS
Gostei muito, eu acho muito bacana. Já deu para perceber que eu falo bastante e, com as mãos também. Muitas vezes, eu tampei a câmera. Mas eu achei muito bacana. E acho que essa iniciativa de vocês é uma coisa até curiosa. Vocês são de São Paulo Alguém está se importando em mostrar isso de Campinas. Eu estive vendo nos livros coisas de Araraquara, de São Carlos, é bacana fazer essa retrospectiva, esses depoimentos de Campinas. E acho que alguém daqui da cidade poderia fazer isso. Eu estava preenchendo o formulário e vendo você conversando com o outro pessoal, falando: “Olha, aqui é a Rua Irmã Serafina, continuação da Via Anchieta.” Você não sabe onde é, mas está se interessando em saber pra mostrar uma casa que foi antiga, ou um comércio em si. Muito maravilhoso. É lógico que você não está aqui de graça, mas aqui em Campinas tinha tanta gente que poderia fazer isso voluntariamente. Às vezes, até o poder público. Por exemplo, o sindicato fez uma coisa da loja, foi lá fotografou, pegou alguns depoimentos, mas não pra fazer um trabalho tão minucioso. Vocês perguntaram coisas da minha vida e essa última pergunta foi fantástica: “O que o meu comércio trouxe pra mim na minha vida? Lições?” É uma coisa que eu nunca parei pra pensar e é muito, muito importante. O comércio trouxe a minha vida.
Memórias do Comércio - Campinas (MCCAMP)
Música e pastifício
História de Fernando Selmi
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 06/08/2008 por Museu da Pessoa
P/1 - Senhor Fernando, por gentileza, o senhor poderia, por favor, dizer o seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Fernando Selmi, eu nasci em Campinas, 12 de junho de 1954.
P/1 - Quais os nomes dos seus pais?
R - O meu pai chamava, os dois já são falecidos. Marino Selmi e Cândida Ruas Selmi.
P/1 - Qual é a origem da sua família?
R - O meu pai nasceu na Itália em _________[grafia não localizada], estado de Lucca e a minha mãe nasceu em Portugal numa província chamada Trás-os-Montes. E aí eles vieram. O meu pai veio da Itália com 15 anos. Ele veio para o Brasil
P/1 - O senhor lembra mais ou menos o ano que ele veio?
R - Ele nasceu em 1915. Então 1930, né? Aí ele conheceu a minha mãe que o meu avô era ferroviário, inclusive tem até uma passagem que o meu avô foi o maquinista da máquina blindada na revolução de 32.
P/1 - Que interessante.
R - Ele era o maquinista que levou os soldados na revolução já tão comentada. E aí ele conheceu a minha mãe e começaram a namorar e aí eles casaram em 1942 e aí tudo na minha família acontecia de seis em seis anos, né, porque o meu irmão nasceu em 1948 e eu nasci seis anos depois em 54. somos só nós dois, né? E aí a gente constituiu a nossa família, né? Quer que eu continue aí do falando do pastifício e tudo?
P/1 - Claro, por exemplo, o senhor disse que senhor seu pai era, o senhor seu avô era maquinista?
R - É o pai da minha mãe.
P/1 - Isso, o seu avô pai da sua mãe.
R - O meu avô materno.
P/1 - O senhor lembra deles?
R - R - Sim. O meu avô ele morreu com 106 anos e ele morreu faz pouco tempo, uns dez, quinze anos atrás. Eu tive toda a convivência com o meu avô desde criança. Depois ele ficou viúvo logo cedo, né, novo e aí ele passou a freqüentar a minha casa e eu passeava com ele e ele me contava as histórias dos trens que ele era maquinista da antiga Mogiana, né? E até eu andei bastante de trem com ele porque o meu irmão o meu irmão ele quis ser padre.
P/1 - Que interessante.
R - Mas ele saiu depois, né? Mas ele ficou acho que ele entrou com 10 anos, ficou nove anos nesse negócio de padre. E aí naquela época os seminários de padre eram seminários de padre mesmo. Hoje, por exemplo, o seminarista ele freqüenta a casa paroquial ele estuda da PUC, faz Teologia, né?
P/1 - Certo.
R - E naquele tempo seminário era fechado, regime interno mesmo. A gente ia visitá-lo duas vezes por ano e era ele vinha numa sala, recebia a gente e ia eu, minha mãe, meu avô e o meu pai visitá-lo duas vezes por ano. E nós naquele tempo, isso eu estou falando de 64, 65, eu tinha 10, 11 anos, carro era muito difícil, né, e nós íamos de trem e o trem ele estudou em Itajubá o trem demorava 12 horas pra chegar lá. A gente fazia baldeação em Santa Rita do Sapucaí e pegava aquela Maria-Fumaça, o trem, né? E era essa máquina que o meu avô trabalhou quase a vida inteira nele. Então ele ia falando pra mim todas as cidades e eram aquelas estaçõeszinhas que iam parando, né? E ele falava “tal cidade é essa, tal cidade é aquela, agora vai parar em tal” e ia até chegar em Itajubá, sul de Minas, né? E só uma passagem, se eu sair fora você me chama de volta para o caminho, né?
P/1 - Fique sossegado, fique tranqüilo.
R - Até é uma passagem muito interessante que o meu avô já era aposentado, ele morreu com 106 anos e então ele teve quase até duas aposentadorias. Até ele brincava comigo ele falava: “Fernando, você que é do comércio e conhece muita gente e tal não tem como você me ver lá uma segunda aposentadoria? Que eu vou fazer 30 anos de aposentado”.
P/1 - (RISOS)
R - Ele brincava muito, era muito brincalhão. E mais numa dessas viagens a Maria-Fumaça fez uma curva lá e deu uma freada brusca e tinha aquele chefe de trem, todo aquele pessoal e os caras, e o pessoal, sabia que o meu avô estava nessa viagem. Eles vieram pedir desculpas porque o meu avô era um dos maquinistas mais antigos e depois ele foi chefe dos...
P/1 - Reconhecido.
R - Dos maquinistas e tal. E o cara veio pedir desculpas. Você veja o tempo que nós vivíamos, né? Então e aí a gente foi constituindo essa família, mas o meu avô por parte. Esse é o meu avô, né, por parte de mãe. O meu avô por parte de pai, o nome dele era Adolfo, Adolfo Selmi. O meu avô veio da Itália naqueles imigrantes que teve a novela aqueles navios. Ele veio naquela época em 1880.
P/1 - Final do XIX.
R - Exatamente. Já estamos no XXI, né? Então ele veio da Itália e ele casou duas vezes. No primeiro casamento ele teve duas filhas e aí depois ele ficou viúvo e casou pela segunda vez e aí ele teve mais dez filhos. E ele e é muito tem uma particularidade muito interessante: então ele tinha lá na Itália nessa região de Lucca, é perto de Asti; Asti é uma região rica em uvas que fabrica vinhos onde existe um vinho muito espumante chama Asti Riccadonna que é um famosíssimo. Então ele tinha umas terras lá onde ele plantava umas uvas com os irmãos dele. Aí ele veio para o Brasil de imigrante e veio com a segunda mulher. Quando ele veio para Brasil o primeiro comércio dele foi de vinho. Então ele trazia os barris, né, e naquele tempo o meu pai falava que chama cartola de vinho. Então ele trazia esses vinhos da Itália, engarrafava e vendia aqui em Campinas.
P/1 - O senhor poderia falar como que é essa cartola? Explicar um pouquinho.
R - Era um barril de vinho mesmo.
P/1 - Era um barril.
R - Era um barril.
P/1 - Tamanho normal?
R - Só que o pessoal chamava de cartola porque ele tinha uma tampa e essa tampa parecia é era um formato de uma cartola, né? Então pessoal chamava isso de cartola de vinho. Aí ele engarrafava os vinhos e aí esse foi o primeiro trabalho dele.Aí ele ia para a Itália uma vez por ano, a cada um ano e meio, ia pra Itália pra buscar mais vinho. A viagem demorava 35 dias de navio, né? Ah, e tem uma outra coisa: o meu pai chama Marino porque ele nasceu no mar.
P/1 - Que interessante.
R - Por isso que ele chama Marino.
P/1 - Que lindo!
R - Mas depois eu vou chegar lá. Então ele ia para a Itália e tinha um filho na Itália, certo? E depois ficava um tempo lá e voltava para o Brasil. Tinha mais um filho aqui. Então os dez é um italiano e um brasileiro, um italiano e um brasileiro, um italiano e um brasileiro.
P/1 - (RISOS)
R - E todos os homens só o meu pai que é italiano. Os outros homens são brasileiros e as mulheres todas italianas, que era alternado. O meu pai era o caçula, então foi o último a vir. Então quando o meu pai veio com 15 anos pra cá o meu avô não voltou mais, certo? E aí passou um tempo, né, aí o meu avô comprou o pastifício. Que já existia um pastifício aqui em Campinas. Era numa rua chamada Saldanha Marinho no centro da cidade. Então existia um pastifício lá e o meu avô comprou de sócio junto com o genro mais velho dele casado com a aquela filha chamada Cecília que era do primeiro casamento dele. Está dando pra entender a minha confusão?
P/1 - Dá.
R - Tá. Aí ele montou esse pastifício e comprou e aí então o meu pai tinha 15 anos ou até um pouco menos, talvez. Mas os irmãos dele já eram bem mais velhos porque ele era o caçula e tinha mais nove na frente dele, certo? E como todo bom italiano só os homens trabalham, né? As mulheres ficam em casa tomando conta da casa, né? E o meu avô aqueles italianos rígidos, todos os filhos trabalhavam. O meu pai conta que ele tinha, que ele veio da Itália, ele empurrava carrinho de macarrão aqui em Campinas pra fazer as entregas do macarrão e tal aqui que era produzido na empresa. E foi indo, foi indo e foi indo e o meu pai foi trabalhando e em 1948 o meu avô faleceu e aí eles, como bom italiano de novo, deu aquela briga, né? Pra quem ia ficar com o pastifício, né, um quis matar o outro, aquele negócio todo, né?
P/1 - Calmo.
R - Todo italiano tem isso, né? Se não tiver não tem graça, né? Então eles se separaram. Foi aí e aí o meu pai com o irmão logo depois dele, um pouquinho mais velho, né, abriram o pastifício hoje ali na Rua Conceição em 1951. Aí eles falaram assim: “olha nós dois somos caçula e não vai sobrar nada pra nós aqui, né?” Porque os irmãos mais velhos já tinham se apoderado do negócio que é o Comendador Aladino Selmi que é famoso na cidade e tal, que é o meu tio que era o irmão mais velho dele que ficou com o pastifício junto com mais dois irmãos, tá? E o meu pai com outro saíram e montaram o pastifício ali na Rua Conceição. Falou assim: “vamos fazer um pastifício de massa fresca porque se não nós vamos concorrer com o Pastifício industrializado do irmão”.
P/1 - Por favor, como que ficou chamando o pastifício dos seus tios e do seu, né? Interessante.
R - É. é verdade. Acontece que o meu pai deu um “pulo do gato” aí, né? Porque o pastifício não era o Pastifício Selmi, era o Pastifício Galo. Até hoje é conhecido na cidade como Pastifício Galo. Então aí eles criaram a marca Selmi, certo? Mas o meu pai registrou essa marca Selmi quando ele saiu de lá. Quando ele abriu o pastifício chamava Pastifício Selmi & Irmãos, que era ele e o irmão dele. E ele registrou o macarrão Selmi. Então não existe hoje Macarrão Selmi. Você tem, por exemplo, Macarrão Renata, tem o ___________, tem uma série de outros, o Tricolino que é fabricado pelo meu tio, né, que hoje já todos eles já morreram, não tem mais nenhum vivo. Tem já a segunda, a terceira geração, se bem que o Pastifício Galo hoje já não é totalmente da família, né? Tem um primo meu, quer dizer, um filho de um primo meu, que eu sou segunda geração, a terceira geração, né, que continua lá, mas 50 por cento já está na mão de outra pessoa, então já não é totalmente da família, mas é uma empresa muito grande, tem fábricas fora de Campinas e tal e é conhecidíssima, né? Tem aquela farinha Renata e tal, mas não tem macarrão Selmi. Não tem porque o meu pai registrou aquela marca. Então o meu pastifício se chama Pastifício Selmi porque eu tenho a marca e o outro é grupo Selmi, mas o macarrão tem Galo e outras coisas mais, entendeu? E a razão social deles é Pastifício Selmi S/A, né? E nós somos era Selmi & Irmãos aí aconteceu do irmão do meu pai vendeu a parte para um primo, isso em 1967, ele vendeu a parte para um primo que era filho da irmã mais velha dele. Aquela Cecília lá de cima que eu já apontei aqui. Aí eles montaram, aí ele ficou sócio do meu pai. Então aí a firma passou a se chamar Selmi e Carignani. Esse Carignani é o sobrenome daquele cunhado do genro do meu avô. Deu pra entender mais ou menos ou não?
P/1 - Deu. Ele era casado com a Cecília.
R - Isso. Exatamente. Eu falo nomes porque você guarda mais, né?
P/1 - Claro.
R - Aí foi em 67 que ficaram o meu pai com o meu primo. Eu não era pra ir para o pastifício. Eu não tenho nada a ver com aquilo, nunca gostei daquilo, entendeu? Eu comecei a estudar música com seis anos. Então aí tem uma coisa muito interessante que eu posso contar isso? Entendeu?
P/1 - Com certeza.
R - O meu pai era um cantor de ópera frustrado. Ele tinha umas coleções de discos operetas, cancionetas, uma coisa maravilhosa. Aqui em Campinas tem o aeroporto de Viracopos e naquela época eu era garoto e descia muito avião da L'Italia, todos os aviões, o que eles querem fazer agora de novo por causa desse negócio de Congonhas eles estão querendo vôos internacionais que desçam tudo em Viracopos e Congonhas só vai ficar vôos domésticos, eles estão querendo voltar nisso. Então o meu pai tinha muito conhecimento e tal e tinha um piloto da L'Italia que conhecia ele e o cara ia para a Itália e trazia aquelas operetas, mas uns negócios coisas fantásticas, né? Tenho tudo isso guardado, tudo guardado.
P/1 - Que maravilha!
R - Tudo guardadinho. Umas coleções tudo “discão”.
P/1 - Bolachão.
R - Bolachão, né? Aí o meu pai queria um filho músico pra tocar piano e ele cantar. Esse era um sonho dele, está certo? Porque a minha mãe é uma coisa muito interessante, né? A minha mãe era carola de igreja daquelas que beijavam a mão do padre, punha aquele véu e tudo. Por isso ela querer o meu irmão padre, certo? Só que meu irmão com 19 ele saio e não quis mais e o meu pai queria um filho músico. Então você imagina, né? Músico hoje já melhorou bastante, mas sempre tem uma má fama, né? Imagina naquela época mais ainda. Então aquilo lá era um horror. A minha mãe vendo um filho músico, né, ela queria um filho padre. Quando o meu irmão foi para o seminário e a diferença minha e dele são seis anos, né, como eu falei, o meu pai me catou e falou assim: “não. Esse você não vai fazer padre não. O outro você pode fazer”. Porque o meu pai ele era um cara, vamos dizer assim, ele não viveu a época dele. Ele era um cara acima da época dele. Pra você ter uma idéia o meu pai quando tinha 18 anos que ele começou a namorar a minha mãe, ele é de 1915, com 18 são 33, não é isso? Ele tinha uma Harley Davidson, que o meu avô era rico. Certo? O meu avô tinha dinheiro, era rico. E o meu pai tinha uma Harley Davidson e ele ia namorar de Harley Davidson. Você imagina em 1933 isso. O meu avô, aqueles ferroviários português, certo, tinha seis filhas, entendeu? A minha mãe nunca andou na moto. As irmãs que eram menores que a minha mãe era a segunda mais velha e ele andava de moto passeava na época e tal. O meu pai ia namorar a minha mãe com um maço de flor, a minha mãe contava isso, pilotando a moto, entendeu? A minha mãe tinha vergonha, se escondia porque a minha mãe era super recatada, sabe? Aquelas coisas, é uma coisa fenomenal. E os opostos se atrem, dizem, né, e eles casaram, certo? Só que a minha mãe podava muito o meu pai, entendeu? Porque o meu pai trazia calça cumprida pra minha mãe usar e a minha mãe nunca usou uma calça cumprida porque marcava e não sei o quê e tal e não sei o quê. O meu pai comprava perfumes, levava a minha mãe pra São Paulo em peças de teatro. Isso quando eles eram jovens, né, sei lá, 20 anos, vinte e poucos anos. E a minha mãe tinha tudo vergonha. O meu pai comprava bebidas e queria que a minha mãe bebesse vinho do Porto, whisky , fumasse e a minha mãe nunca quis, horror e tal e coisa. Então ele quis fazer de mim o amigo dele, entendeu? Porque ele foi podado, ele sofreu muito, entendeu? Porque ele fazia tudo o que ele queria fazer e a minha mãe não acompanhava ele, entendeu? E aquele tempo os casamentos não existia separação. Até existia, mas era um ou outro só, né? Se fosse hoje eu acho que não duraria acho que dois meses o casamento do meu pai com a minha mãe. Mas foi indo e tal. Então como o meu irmão ficou muito tempo fora o meu pai falou assim: “não. Você vai. Esse você não vai levar para o seminário”. E me matriculou num conservatório que existe até hoje, o conservatório Calos Gomes, tem aqui em Campinas até hoje com o maestro Urban que está lá ainda. Esse também tem uma reportagem que vocês podem fazer que é fantástico e me levou lá e com seis anos eu comecei aprender piano e eu gostei. E aí foi indo, foi indo e foi indo e com 15 anos o meu pai já me levava para o pastifício. Bom; eu ia para o meu pastifício com seis anos. Eu estudava numa escola, uma escola de primário que se chamava externato São João que era perto ali do pastifício. Então às vezes, não todo dia, mas algumas vezes da semana o meu pai, eu estudava de manhã, e o meu pai ia me buscar na hora do almoço e a gente já almoçava na cidade e depois eu ficava no pastifício. Tinha uma mesinha lá e eu fazia os meus deveres da escola e depois ficava lá no pastifício andando pra lá. Às vezes tinha macarrão para entregar num restaurante e eu ia, entendeu? Comecei a trabalhar e de domingo, sábado e domingo que a venda de balcão era a maior venda que a gente sempre trabalhou com massa fresca, né? Então tinha muita... E era o único pastifício de Campinas. Tinha um outro que chamava (Próspiri?) que era na Campos Sales, mas só tinha os dois. Depois um tempo nos anos 70 mais ou menos fechou aquele lá e só ficou o meu pai. Mas na época ravióli, capeletti, essas coisas não existiam. Só o meu pai que fazia, entendeu? Então ele ficou muito rico. Ele ganhou muito dinheiro nessa época. E é a época que a gente brinca, né, que amarrava cachorro com lingüiça, né? Então ele ganhou muito dinheiro ele e o irmão dele. Mas quando eu tinha 18 anos, olha só o que o meu pai fez. Eu continuei estudando. Então o meu pai comprou uma Perua Kombi aí eu tinha um a gente chamava hoje é teclado, naquele tempo era órgão, né, e era o órgão que ele tinha a pedaleira. O baixo você fazia nos pedais e você tinha dois teclados e o baixo você fazia num monte de pedal e era uma “geringonça” pesada pra chuchu. Então ele ia para essas cidades aqui da região de Águas, Águas de Lindóia, Serra Negra, Socorro, Poços de Caldas e tal nos hotéis pra vender o meu show. Então ele botava aquele órgão na perua e a gente ia e eu tocava, por exemplo, à noite num jantar, depois na piscina para os hóspedes, entendeu? Como tem até hoje e tal, só que hoje é mais moderno e tal. Quando eu levava aquele “monstrengo” lá e ele ficava à noite, principalmente à noite, ele tinha uma mesinha assim do lado, eu me lembro disso como se fosse hoje, e ele tomando whisky que ele gostava de beber, né, vinho. Ele tomava uma garrafa de vinho por dia. Uma no almoço e uma no jantar: duas nas refeições. O vinho para italiano é quem nem água, né? E depois à noite que ele punha as óperas ou eu tocava, isso mais pra frente, né, aos 18, 19 anos e tal e aí eu tocava, e aí já era piano, aí eu já tinha um piano, né, eu tocava o piano e ele ficava cantando as cancionetas. Na moda dele, né, mas ficava. Aí reunia os amigos em casa os amigos dele e tal e aí era whisky, vinho, cortava aquele monte de queijo aqueles antipastos, aquela folia tinha 20, 30 pessoas e eu tocava ele cantava as cancionetas e traduzia porque a ópera é uma história, toda ópera é uma história e quando cantada em italiano você não entende nada, né? Então ele pegava e os amigos dele “mas o que está acontecendo?” “Ah, esse vai casar com aquela lá, vai trair, vai matar o outro e tal” e aí eu parava e eu tinha paciência, entendeu? De fazer tudo isso para o meu pai que eu entendia esse lado dele. Só que eu tive uma grande frustração, a primeira frustração da minha vida que quando eu tinha 20 anos o meu pai morreu, né? Aí foi um baque terrível pra mim, né? E eu nessa época eu estava me preparando para fazer faculdade de música. Eu ia ao pastifício para ajudá-lo. Então ia sábado, domingo, ia lá e ele me dava, que nem, por exemplo, nesses shows que a gente fazia nas cidades aí às vezes o dinheiro não dava nem para o transporte, entendeu? E ele me dava, ele falava: “olha, o pessoal vai pagar um cachê de ‘x’”. entendeu? E ele tirava do bolso dele pra me dar, pra me incentivar, entendeu? E eu era garotão e gostava daquilo e ia embora, né? Aí quando eu fiz 19 pra 20 anos ele faleceu. Aí eu fiquei. A minha mãe já estava doente essa época, ela tinha uma paralisia nas pernas e tal e então ela não conseguia andar, tá certo? E o meu pai ele pegou um câncer porque ele fumava quatro maços de cigarros por dia. Ele pegou um câncer em dezembro de 77 e morreu em março num domingo de páscoa em 78. Então deu quatro meses? Três meses e meio, quatro meses. Nesses três meses e meio nós gastamos acho que a metade da fortuna que ele tinha. Fortuna nem tanto vamos dizer assim. tinha algumas casas de aluguel, naquele tempo ele tinha oito telefones que telefone era uma coisa...Nossa, alugava, dava dinheiro, né? Então ele tinha casa de aluguel, tinha apartamento na praia, uma chácara, nós tínhamos umas coisas assim, mas era bens, certo? Não eram assim coisas...Foi a metade em médicos, aí teve que fazer, bom; enfim, essa parte a gente pula, né? Mas foi tudo aí. E eu estava me preparando pra fazer a faculdade de Música e aqui a Unicamp já existia, mas não tinha faculdade de Música. Tinha a USP em São Paulo. Aí eu já estava me preparando e tal e tinha 90 por cento de possibilidade de entrar. Até o meu pai tinha um cunhado irmão da minha mãe que morava em São Paulo e eu ia morar na casa dele e tal. Já estava tudo armado pra eu tentar o vestibular lá. Foi aí que ele morreu e eu falei “o que eu vou fazer da minha vida agora? Vou estudar Música? E o pastifício?” O meu irmão que é seis anos mais velho do que eu já tinha se formado, ele morava nessa época já em Porto Alegre, já estava com a carreira dele em andamento e não queria saber de pastifício, né? E eu fui pra lá. Eu falei “a única renda que nós tínhamos era essa, né?” E eu tinha que sustentar a minha mãe e acabei indo para o pastifício. Mas eu não gostava daquilo, entendeu? Tanto é que eu tocava, eu fiz muito baile em banda de baile e eu viajava, né, pra fazer baile, sei lá, no interior inteiro. Araçatuba, Matão, em tudo quanto é lugar, Santos. Tocava em várias bandas, mudava e tal. E às vezes eu ia e a gente fazia um show um baile numa cidade mais próxima sábado que domingo que era até hoje é o grande dia de venda nossa de balcão que era tradição que o cara vai lá que já está passando de pai pra filho, de filho, entendeu? Que já está...Outro dia foi um camarada lá e estava o avô, o filho e o neto. Os três quiseram tirar uma foto fazendo o macarrão que o avô comprava e o filho compra e o neto compra. Tem essas coisas que é a tradição, né? Então eu saía e chegava lá em Campinas quatro, seis horas da manhã e já ia trabalhar porque tinha que trabalhar lá, né? Aí já era eu e o meu primo, tá? Peguei o meu tio também antes dele comprar, mas pouca coisa, a gente era muito garoto. Aí já entrei já com o meu primo e fui tocando aquilo porque eu não tinha o que fazer, né? Mas aí eu parei, aí eu fui fazer Administração de Empresas porque eu falei: “pô, isso aqui que eu vou fazer? Eu vou tocar piano em cima do cilindro de macarrão?” Tá certo? Então eu fui fazer Administração de Empresas, me formei, falei “bom, pelo menos eu não aprendi nada, mas...” O que eu aprendi eu aprendi na prática. E aí eu já namorava, casei, vieram os meus filhos e aí que você vai adiando esse processo todo e sonhando que um dia eu iria fazer uma faculdade de Música que seria pra mim era o meu sonho, né? E a minha mulher sempre me deu a maior força, “um dia você vai, um dia você vai, um dia você vai e tal”. E aí eu parei com tudo isso, tocava assim em casa, às vezes algum amigo tinha uma festinha e eu ia lá e tocava e tal e foi brincando com isso daí e tal, mas larguei tudo de lado. E quando com 40 anos a minha mulher falou assim “por que você não volta a estudar, né?” falei: “pô, eu não tenho mais paciência pra isso não”. “Não, volta”. Aí já tinha a Unicamp aqui, né? Aí eu falei “ah, vou tentar vai”. Aí peguei um professor meu particular que já estava na época com 80 anos. Ele foi o primeiro violinista da orquestra sinfônica de Campinas. Fui lá e ele me preparou em dois, três meses e eu entrei na Unicamp e me formei com 44 anos em faculdade de Música.
P/1 - Que maravilha!
R - E continuando no pastifício. Continuando no pastifício porque aí que eu fui começar a fazer. Aí eu abri uma escola de música com uma amiga minha que se formou comigo, mas também não deu muito certo e tal e fui fazendo as coisas assim paralelas e tal. Mas o pastifício lá que era o... E ___________ eu tenho uma filha, a minha filha mais velha a Fernanda que está com 29 anos ela é bióloga. Aí a Roberta que é a do meio tem 27 é pedagoga e o Rodrigo que é o mais novo que está com 25, né? E o Rodrigo quando ele era garoto ele ia para o pastifício. Reproduzi aquilo que o meu pai fez comigo. Mas eu não queria levar ele pra lá porque eu falei “eu não quis vir pra cá e eu não quero que o meu filho ele também venha”. E eu podava ele, entendeu? E a minha mulher fala “deixa, o que é tem que ser. Deixa ele ir”. E aí ele queria ir e eu falava “vai amanhã”, aí de domingo e tal “eu vou lá ajudar pai”. Ele varria o pastifício, ia pequenininho. Tem até vocês vão fotografar lá tem até uma foto dele que ele tinha seis anos comendo macarrão, tem um posterzinho lá que macarrão está aquela chupada que o italiano dá cheio de molho e tal e ele sempre gostou daquilo e eu deixei. Aí quando ele foi estudar, tal e tal, quando ele terminou hoje o ensino médio, né, na época o colegial ele falou “pai eu quero fazer Engenharia de Alimentos”. Eu falei: “ta, bom, você quer fazer Engenharia de Alimentos então...E depois o que você vai fazer?” “Porque eu quero trabalhar lá com você”. Eu falei “bom, então vai estudar. Eu quero que você estude pra depois você ir”. Aí ele fez, se formou faz dois anos, né, e inclusive o estágio dele ele fez lá na pastifício, entendeu?
P/1 - Uma maravilha!
R - Eu me emociono porque isso foi um dia acho que o dia mais bonito da minha vida isso. O dia que eu fui à faculdade e ele foi fazer a...
P/1 - O T.C.C (Trabalho de Conclusão de Curso). A Monografia dele.
R - A monografia. Isso. O dia que ele foi fazer a monografia. Uma coisa linda, né, porque ele fez o estágio no pastifício e comigo ali, né? Então ele se formou em setembro porque passou é semestral ele se formou na USP aí ele filmou tudo as máquinas e todas as máquinas são da época do meu pai, entendeu? Aquilo ali tem um... É uma história, é um negócio impressionante. E aí nós fomos lá em Pirassununga que é a Faculdade de Engenharia de Alimentos é em Pirassununga. A Zootecnia e Engenharia de Alimentos. É as duas juntas é o campus. E aí foi e estava os professores lá e a banca e tal e aí ele fez e ele gosta de computador ele tem cursos e tal e então ele fez tudo os filminhos e aquele negócio todo e tal e quando ele começou a falar “meu pai”, olha, bicho...Aquilo não dá, isso é uma coisa que eu não consigo até hoje...
P/1 - E com razão, né?
R - Aquela cena uma coisa linda, maravilhosa. E aí ele falou “olha, pai. Eu vou lá, quero trabalhar lá”. Eu falei “então vamos”. E aí eu achei, eu já fazia alguns trabalhos na prefeitura aqui de Campinas porque alguns anos atrás, mais precisamente em 92, abriu um concurso aqui da prefeitura que a prefeitura queria montar fanfarras nas escolas municipais. Porque há muitos anos atrás todas as escolas estaduais tinham fanfarras. Os desfiles eram lindos, maravilhosos. Umas coisas fantásticas, né? E a prefeitura quis fazer isso em 92 e queria montar as fanfarras, né? Aí eu falei “pô, e eu sempre gostei disso” porque eu sempre quando era garoto eu tocava em fanfarras e tal. Eu gostava de tocar corneta e mesmo os instrumentos de percussão e tal. E aí eu já tinha formação, né, e eu falei “pô, eu vou me escrever nesse negócio aí. Quem sabe”. Eu ganhei em primeiro lugar e me contrataram para desenvolver esse projeto.
P/1 - Ahã.
R - Então eu trabalho desde 92 na prefeitura desenvolvendo o trabalho de bandas de fanfarras nas escolas. É um trabalho que dá uma outra entrevista, né? E aí depois em 2002 o Estado também quis fazer isso aqui em Campinas e aí eu me candidatei e também fui trabalhar no Estado. Fora isso eu trabalho mais em três escolas particulares que aí já desde lá quando eu me formei que eu dou aula de música. Iniciação musical para criança, faço coral para a molecadinha, além da fanfarra em duas escolas que têm também e ensino instrumentos também para os alunos da escola, entendeu? Que isso aí eu já estava trabalhando nessa escola particular. Aí veio as bandas de fanfarra na prefeitura e do Estado. Então tem toda essa história por trás de mim. Mas nunca deixei o pastifício. Sempre me dividindo nos horários e indo pra lá e tal. Como eu tinha o meu primo, aí que o meu primo faleceu. Faleceu em 2000 o meu primo aquele Carignani. Aí entrou o filho dele. O filho dele entrou pra lá. E o pai dele já foi sócio com o meu avô. Você vê como vai afunilando isso, né, uma coisa impressionante, né? E aí entrou esse meu primo, o Marcelo, que gosta também. Não gosta muito e tal. Ele é mais da parte assim de fazer a propaganda, entendeu? “ah, a gente precisa botar uma placa lá fora. Olha, vamos vender para o restaurante, vamos vender pra isso, pra quilo e tal”. Ele é mais dessa parte. E eu era mais da parte da massa mesmo, né? Porque o meu pai que fazia o macarrão, operava as máquinas e tal e então eu cresci com ele nisso e foi aí que eu aprendi tudo esse negócio, né? E aí eu tinha, e aí lógico que já vieram os funcionários, os empregados e tal que é um outro capítulo, né? Eu tenho empregado de 50 anos trabalhando. Ele saiu do pastifício e parou quando faltavam três meses para dar os 50 anos que ele não quis mais. Seis meses depois ele morreu. Incrível, né?
P/1 - Incrível.
R - Mas eu tenho um outro que está comigo há 42 anos. Quer dizer, com o meu pai e comigo, né? Que está bem antes do que eu. E está lá ainda. Aposentou e continua comigo lá. Aí depois tem um outro que está há 38. mais um que tem 20 anos também quase. E aí tem mais uma garotada lá, mas tudo há três, quatro anos. Acho que aquilo tem uma raiz que a turma entra lá e não sai mais. Porque a gente trabalha como família, né? E o meu filho uma grande dificuldade dele que ele está querendo transformar é isso: porque ele veio com uma mentalidade diferente. Ele quer administrar aquilo como uma empresa, né? E eu não administrei como uma empresa e sim como uma empresa familiar, né? É uma empresa, mas cheia daqueles negócios que funcionário não vem “ah, hoje eu não veio porque eu tenho que levar a minha no médico”, sabe aquelas coisas e tal? Então muita, sabe? A gente é amigo. Aí eu faço o aniversário da minha filha e vão todos os funcionários lá. Vai fazer um churrasco em casa e aí eu vou na casa do funcionário e o funcionário vem na minha casa. Então é como se fosse uma família. O meu pai já trazia isso. Agora o meu filho a política dele é diferente. Ele respeita muito isso. Eu me dou muito bem com ele. O meu filho é o meu melhor amigo. Como o meu pai eu era o melhor amigo do meu pai, né? Então ele respeita e tal, mas a gente eu entendo que está numa hora de mudanças. Nós precisamos fazer a coisa a empresa ser uma empresa mais séria porque hoje não é como na época do meu pai que só existia ele e ele fazia o que ele queria. Hoje não. Hoje tem concorrência, tem a coisa a fila anda, né? Então ele entende isso e eu também. Só que eu não quero que magoe as pessoas que já estão lá. Então é uma coisa que ele está indo precisa muito tato e tal para ter um pouco de paciência pra ele dominar essa parte aí.
P/1 - Muito interessante como as transformações. Como é que assim o senhor vê essas transformações que...[interrupção]
PAUSA – TROCA DE FAIXA DO CD DE 02 PARA FAIXA 03
P/1 - Exatamente vai mais ou menos nessa direção. Nós gostaríamos que o senhor nos contasse como que era o bairro que o senhor morava, como que o senhor via Campinas naquela época da sua infância?
R – Então. Veja bem; eu nasci num bairro tradicionalíssimo da cidade que é a Vila Industrial, né? É um dos bairros acho que acho que um dos poucos bairros de tradições de trabalhadores. O próprio nome já diz isso, né? E é um bairro aqui próximo, né, acho que você deve até conhecer, né?
P/1 - Conheço.
R - E o meu pai quando o meu avô veio da Itália morou nesse bairro e ele comprou. Era um quarteirão onde ele...Era uma casa com quarteirão onde era tipo de uma fazenda na época e tinha aqueles casarões antigos e tal. E aí quando meu avô conforme os filhos dele iam casando ele ia construindo uma casa aquelas casas geminadas uma do lado da outra e dando para casa filho que casasse. Como ele tinha 12 a quadra tinha 12 casas e mais a casa dele e todos os filhos. Depois eles iam vendendo e mudando a vida e tal e tudo bem. E eu nasci numa dessas casinhas que era na Rua Sales de Oliveira, 649. E todas as casas vizinhas eram tudo os meus primos que moravam. Então aquilo ali era uma festa, né? Então a gente jogava bola na rua e tinha a época de São João, época de Festa Junina, né, era tudo na casa do meu avô. O meu avô já era falecido e tal, mas morava uma tia minha lá. Então faziam aquelas festas, aquela “italianada” toda e tal. Eu me lembro muito bem disso. E aí depois o pessoal foi saindo de lá, os irmãos foram mudando, crescendo e tal, mas o meu pai continuou lá. O meu pai só saiu de lá quando ele faleceu e a minha mãe ainda ficou mais um ano morando lá até o meu pai comprou as duas casinhas vizinhas, tem uma casa ainda lá original que é um pouco pra baixo da minha. O resto já tem prédio e tal, já mudou bastante. E eu conheci. Aí o meu pai comprou as duas casinhas dos irmãos dele vizinho e depois a minha mãe ficou sozinha e foi morar com uma irmã dela e aí nós acabamos vendendo. Aquilo ali tinha mil metros as três casas com mais um terreno e aí foi construído um prédio lá. Mas eu namorava a minha mulher hoje. Eu comecei a namorar eu tinha 17 anos e ela tinha 15. E ela morava na rua debaixo da minha. Rua Prudente de Moraes número 180, eu moro no 194, mas eu vou chegar lá. Eu virava a rua e no meio da quadra da esquina da minha casa ela morava. E eu comecei ela tinha15 anos e a única filha. Então o meu sogro perguntou “quem que era esse...” Que eu tinha um cabelo, eu era cabeludo, tinha um cabelo, até tenho até uma foto, eu vou trazer essa foto. Eu era cabeludo e tal porque eu era músico, fui hippie e até tem uma história brava aí por trás e eu pulei isso.
P/1 - Mas depois conta. (RISOS)
R - Eu ia namora-la e o meu sogro falava “quem que é esse rapaz que a Rose está namorando?” E aí a minha sogra que é viva, o meu sogro já falecido. A minha sogra falou “ele é filho do Bimbo”. O meu pai tinha um apelido de Bimbo porque é o bambino, o italiano bambino é o menor. Então o bimbinho, o bambino e ficou Bimbo, Bimbo, “abrasileirou” a coisa e então ficou Bimbo. “Ele é filho do Bimbo, do Selmi”. “Ah, ele é filho do Bimbo, do Selmi? Então é boa gente”. E não me conhecia. Pra você ver como que as pessoas se conheciam pela família, pelo nome dela. Isso é muito importante. Hoje você fala, quer dizer, você vai, você quer o CPF, o RG, quer tudo da pessoa pra saber se ela tem uma conta gorda no banco e aí ela pode ser boa pessoa, né? Naquele tempo você era conhecido pelo seu sobrenome. “Então é filho do Bimbo? Então pode namorar”. E eu comecei a namorar ela com 17 anos. Casei com 24. Fez 30 anos de casado, casei com 23, foi isso: 30 anos agora de casado. E a gente saía e passeava e ia hoje, por exemplo, o meu filho hoje cada filho tem um carro, cada filho tem um celular e se você é 11 horas ele liga “pai, estou aqui, mãe estou chegando e tal e pá, pá, pá”. Naquela época eu saía para namorar e a gente andava na rua. Esse túnel da Fepasa, vocês já devem ter conhecido, que é a travessa da Vila Industrial com o centro da cidade, né? A gente saía à noite eu e ela 17 anos, 18 anos, atravessa esse túnel e descia a Treze de Maio à noite descia pelo lado direito olhando as vitrines do lado direito e ia até no Rosário, a gente gostava de comer muita pizza do Rosário que é ali no Largo do Rosário. Existe ainda o restaurante. A gente ia até lá e comia a pizza e depois subia pela Treze de Maio do lado direito olhando as vitrines do lado direito. Atravessa o túnel 10, 11 horas da noite. Então quer dizer, não dá pra ter termos de comparação, né? Hoje os filhos da gente você a cada 15 minutos você quer saber onde é que ele está, né? E naquele tempo você nem sabia. “Foi e saio, daqui a pouco ele volta, né?” Mas aí quando eu casei eu fui morar num apartamento na cidade e tal perto do pastifício ali e depois aí vieram os meus filhos e eu mudei para uma casa num outro bairro e aí eu falei assim. Quando eu namorava na frente da casa da minha mulher, né, do pai dela, tinha uma muretinha. Porque naquele tempo tinha umas muretas que você pulava as muretas, né? Uns portãozinhos acho que era para o cachorro não entrar, né? Hoje você não vê a cara de quem mora dentro. Então a gente ficava sentado eu e ela assim namorando, conversando e tal e a gente olhava e tinha uma casa do lado da casa do meu sogro. Aí eu falava assim: “pô, um dia a gente podia comprar essa casa aqui quando a gente casar e morar aqui”. Isso eu já tinha uns três, quatro anos de namoro. Porque eu me dava muito bem com o meu sogro, com a minha sogra e tal. E por eles não ter filhos, né, então eles praticamente eu era o filho que eles não tiveram. E aí eu falei assim “ah, a gente compra essa casa a gente abre o muro, o portão, e passa um na casa do outro, né?” “Ah, quem sabe”. E foi o que aconteceu. Eu casei e tal e quando nasceu o meu terceiro filho em 82 aí eu falei assim e a gente morava numa casa e tal e só tinha dois quartos e falei “pô, precisa fazer uma reforma, fazer mais um quarto”. Que a molecada queria isso. E eu falei: “pô, vamos comprar aquela casa lá do seu pai que isso é um sonho nosso”. “É mesmo. A gente derruba tudo.” Aqueles museus antigos, aquelas casas velhas. “Ou a gente reforma e tal”. “Vamos ver?” E no fim não é que nós compramos aquela casa? E mudamos pra lá em 83 e abrimos o portão e o portão está aberto até hoje porque a minha sogra mora lá e depois a minha sogra teve um filho “temporão”, né? Porque quando eu comecei a namorar a Rose era a única filha. Depois ela teve um filho. O Fabio tem, o Fabio é de 70, a Rose é de 53. São quantos anos?
P/1 - Dezessete anos.
R - Dezessete anos.
P/1 - Não. Vinte.
R - Não.
P/1 - Dezessete, né?
R - Não. O Fabio é se 70. Então ele tem 37.
P/1 - É.
R - A Rose tem 52 e então são 15 anos. Quinze anos de diferença e veio o Fabio e ele mora lá na casa da minha sogra. E eu praticamente fui o pai dele porque o meu sogro morreu e eu fui praticamente quem dava escola pra ele e orientava e tal. É uma coisa impressionante. E a gente mora lá até hoje e eu não saio desse bairro por nada. Tenho; não sou um cara rico, mas tenho uma vida estável e tal. Tenho condições de morar num bairro melhor. Melhor; não sei que melhor é esse. Onde tem umas casas mais bonitas, vamos dizer assim, né? Tem uma casa com uma frente melhor, tal, enfim. Mas eu moro naquela casa e a frente da casa é um barato a minha casa. A frente dela é igualzinha como nós conhecemos. Aí da parede pra dentro aí muda tudo, mas a frente é igualzinho. Então esse aí era o meu... Aí depois eu estudava, fazia na época o ginásio, né, o colegial num bairro também tradicional que é o São Bernardo. Porque naquela época as escolas estaduais eram as melhores escolas, né? As escolas particulares eram as escolas que estudavam que a gente falava de “filhinho de papai”, o cara que podia pagar. O cara que não conseguia estudar numa escola do Estado que ele repetia aí ele ia para essas escolas particulares porque pagava e passava. Não mudou muito isso hoje, né, no caso da escola particular, né, se o cara paga aí vai ter que fazer a matrícula e tal, mas aí isso é uma outra coisa, né? E então eu estudava nessa escola e ia a pé porque eram umas cinco ou seis, sete quadras da minha casa e tinha um meio mato assim e você atravessava aquele mato e tal e chegava da escola e voltava e todo mundo conversando e tal. Tinha muitas vezes tinha ônibus e a gente ia pegar o ônibus no ponto final do ônibus pra vir pegar o ônibus vazio e sentar atrás e ficar bagunçando e as meninas e tal aquela coisa toda, enfim. Então foi uma vida muito legal e tal. Com esse negócio da música, né, que foi muito legal pra mim que eu saía com o meu pai pra tocar pra cá, pra tocar pra lá, né? E depois vieram as bandas e tal e essa foi a minha juventude, né? Mas sempre na Vila Industrial. Depois eu fiquei eu casei em 77 e em 82 fiquei cinco anos só fora da Vila Industrial e aí voltei pra lá e estou até hoje.
P/1 - E quando você era criança e adolescente como que você percebia assim a questão das compras na sua família, o abastecimento, vamos dizer assim, da sua família?
R - É. Isso é tradicional.
P/1 - Vocês iam a São Paulo fazer as compras? Existia uma possibilidade de fazer compra, existiam possibilidades de fazer compras aqui mesmo? Como eram os gêneros alimentícios, como que vocês compravam?
R - Isso é um capítulo interessante, né? Porque na minha casa o meu pai ele pegava o dinheiro e dava pra minha mãe. A minha mãe que... Porque o meu pai era um administrador péssimo, né? Ele não administrava nada, né? Tanto é que quando eu fui para o pastifício eu fiquei acho que uns quatro, cinco anos pagando dívidas dele, né? Não dívidas pessoais, mas assim, INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), atrasado, ICM (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias) que não pagava confiava em contador. Isso aí tem em muitas empresas antigas acontece muito isso mesmo. O pessoal confiava muito nas pessoas e já era uma época que já podia confia muito, entendeu? Então o contador dava golpe, não instruía direito o caminho que você tinha que seguir e tal. Então, nossa, eu fiquei uns cinco, seis anos pagando dívida de INSS fundo de garantia, enfim, até conseguir zerar toda coisa deu muito trabalho, mas o meu pai então ele pegava e dava o dinheiro pra minha mãe e a minha mãe que era a administradora. Ela que fazia todas as compras e administrava a casa. Ele só dava o dinheiro e ficava na dele. Aí a gente comprava na caderneta, né? Tinha o armazém da esquina, a quitanda. O supermercado não existia. O primeiro supermercado em Campinas acho que veio perto dos anos 70 que foi o Supermercado Eldorado que até pegou fogo e tal, a história. Então a minha mãe comprava na caderneta. Comprar em São Paulo não me lembro de nunca ter saído pra fazer compras em outras cidades. A gente se abastecia. Roupas mesmo comprava e você marcava, né? Tinha um cartão que você chegava lá como, por exemplo, o cara compra três camisas, cinco calças e tal e você passava uma semana e dava dez “menos dez”. Débito e crédito. Usava isso, né? E na caderneta você eu pegava eu lembro eu atravessava a rua que nessa rua de casa passava o bonde, né? Eu tinha uns nove, dez anos quando o bonde desapareceu, tiraram. Eu atravessava a rua de casa e ia num armazém onde tinham aqueles sacos de feijão, arroz, um quilo de arroz o cara pegava assim e punha no saquinho e tal. Uma sacola comprava as coisas que precisavam e ele marcava. Tinha uma caderneta, um caderno, né, de brochura e aí ele marcava e você chegava no fim no mês e o meu pai dava o dinheiro. Como o meu pai sempre estava dando o dinheiro para a minha mãe porque ele não tinha um salário, né, então aí a minha mãe pagava por semana. Ia lá e pagava: “ah, vou sair e vou pagar o armazém, pagar o açougue, pagar a quitanda”. Fazia muito feira, né? Não tem hoje feira? É um negócio que não acaba, né, feira. Interessante isso, né? Já diminuiu bastante, mas tem umas grandes, né? Ia na feira comprar aquelas verduras e tal aquele negócio todo. Vestuário comprava nessas lojas que eu já falei que marcavam. Mas a gente não tinha o costume, por exemplo, de sair à noite assim. O meu pai e aí ele já ficou doente e tal e então a gente...Mas as compras eram feitas aqui mesmo na própria cidade.
P/1 - Você disse que você freqüentava a casa dos seus primos.
R - Isso.
P/1 - E quais as outras formas de lazer que vocês tinham? Vocês viajavam?
R - A família?
P/1 - É.
R - Então. O meu pai tinha um apartamento em Santos. Então a gente ia todas as férias escolares a gente ia pra lá. O apartamento era ali na ponta da praia: edifício Inglaterra oitavo andar na frente do Aquário Municipal existe o prédio ainda. O meu pai não tem mais esse apartamento, mas a gente sempre ia pra lá. O meu irmão vinha do seminário, isso bem garoto, né? Ele ficava só passava as férias de janeiro aqui e aí a gente ia pra lá e ficava um mês lá na praia. Às vezes o meu pai deixava a gente lá e tal e depois vinha trabalhar e depois passava uns 15 dias com a gente e aí uma semana ele vinha e depois a gente voltava e tal. Essa era umas férias que a gente tinha. A gente ia muito para Poços de Caldas, o meu pai gostava muito de Poços de Caldas e a gente ia pra lá. Aonde mais? Pra fora. E em São Paulo que a minha mãe tinha dois irmãos. Um no Tatuapé, que ele morava no Tatuapé, e o outro era perto da Estação da Luz e a gente ia lá também assim, mas passava assim um fim de semana e tal. E qual é a outra coisa que você perguntou pra mim? Isso de viagens, né?
P/1 - De viagens. Outros lazeres que vocês iam. Vocês iam ao cinema?
R - O meu pai e a minha mãe não. O meu pai acho que cansou muito de convidar a minha mãe pra ir para no cinema e teatro e aí ele não convidava mais, né? Mas eu assim ia bastante. Eu gostava muito de teatro, cinema. Tanto é que antigamente tinha a sessão da tarde, né, domingo à tarde, né? Então a gente ia garoto ainda a gente assistia à matinê, né, começava duas horas da tarde tinha o seriado que todo domingo repetia, né, e depois tinha um filme a gente saía correndo quatro e meia, mais ou menos, para assistir a Jovem Guarda que passava na TV Record na televisão. E depois à noite tinha muitos bailinhos, né, de garagem, né, que era mais sábado à noite. Que a gente ia para os bailinhos longe e voltava tudo a pé. Peguei um pouquinho aquela história o resto já de você pegar pão e leite nas casas, mas já não tinha muito no meu tempo, mas ainda existia. Pouca coisa, mas existia. E daí depois quando eu já era mais jovem, por exemplo, já tinha uns vinte e poucos anos que eu já tinha carro aí a gente fazia um negócio muito legal. A gente andava uma turma e roubava rosas. Invadia as casas e cortava rosas e fazia bouquet e levava na casa da namorada, entendeu? Aí punha na janela dela e punha um cartão, mas tinha que roubar, não podia comprar, né? E aí os bailes, os clubes. Aqui tinha os clubes a Hípica, tinha o Concórdia, o Cultura que era todo sábado tinham bailes, vinham bandas, orquestras, tal. Que a gente era jovem, tal. É a época da jovem guarda, de Beatles, toda essa. Rolling Stones. Então a gente curtia bastante essa noite assim. A noite nossa era essa. E jogava futebol, praticava esporte, jogava basquete na escola. Eu era sócio do Tênis e então eu gostava de jogar basquete. Então praticava, disputava campeonato e tal. Eu fui bom jogador de basquete. Eu cheguei na seleção brasileira juvenil. E aí até o Círio em São Paulo que jogou o Marcel, mais antigamente tinha o (Menon?), o (Suer?) tinha um timaço me convidou pra jogar lá. Eu tinha 17 pra 18 anos. Estava estourando no juvenil para ir para o adulto e eles iam me pagar apartamento, iam me dar estudo, mas o meu pai não deixou. O meu pai falou: “não, não. Eu já perdi um filho e não vou perder o segundo” e ele não deixou eu ir. Mas eu gostava de praticar esporte. Então era essa a nossa vida de jovem.
P/1 - E no pastifício não sei se você poderia se lembrar, quais funcionários eram? Como é que ficou essa...
R - Essa transformação.
P/1 - Você falou muito sobre os trabalhadores sobre essa permanência dos trabalhadores. Quantos funcionários eram? Quantos são hoje?
R - Fácil.
P/1 - Fale um pouco sobre essas transformações.
R - Sem dúvida. Antigamente você tinhA, vamos dizer assim, eu tinha mais produção. Eu vendia mais antigamente do que eu vendo hoje, mas vendia bruto. A gente fazia na época do meu pai, vamos dizer ali, um, dois, três, umas quatro qualidades de massas. Só que essas massas eram vendidas em grandes quantidades, né? Campinas era menor? Era menor, mas não tinha concorrência. Então quem queria comprar massa fresca a gente fazia o macarrão, que é o tradicional, ravióli, capeletti e só. E o que levantava a venda era a parte de supermercado que era uma mercearia. Como não existia supermercado tudo que você encontrava num armazém, mercearia, que era o nome que vendia essas coisas o meu pai vendia lá também. Então isso tinha uma grande venda. Então na época devia ter ali, vamos dizer, uns dez funcionários mais ou menos que tocavam o negócio. É mais ou menos isso. Tinha muito extra que vinha de sábado e domingo pra ajudar no balcão no atendimento ao público. Então as vendas eram maiores em quantidade, mas eram menores os itens vamos dizer assim. Hoje as máquinas são as mesmas, está certo? A produção ela diminuiu, mas ela ampliou a variedade. Então hoje, por exemplo, a dona de casa moderna em tese ela não vai comprar um a massa do canelone, por exemplo, pra cozinhar essa massa pra rechear isso e depois fazer. Ela já quer comprar pronto. Então a gente começou de uns anos pra cá entrar nessa mudança de massas semiprontas, né, que você só leva ao forno, microondas e aí vai. E a gente pegou um outro filão que é atendimento a restaurantes e fast food que é que está expandindo isso em shopping e tal. Então a gente atende o pessoal de fast food e de massa, restaurantes de massa e o balcão que é tradicionalíssimo, né? Mas hoje nós temos lá o que? Temos oito funcionários e tem mais dois que vêm ajudar de sábado e domingo o balcão que são os extras, né? Então não mudou muito assim a quantidade de funcionários. Só que, por exemplo, vamos falar mais ou menos assim, quer ver? De quantidade de peso, vamos dizer assim: antigamente o meu pai fazia um macarrão, por exemplo, ele fazia vamos pr aí uma média vai. Cinqüenta quilos por dia de um tipo de um macarrão. Hoje nós fazemos dez desse mesmo macarrão, entendeu? Agora aumentou só que agora nós fazemos canelone, pastel e pizza e não sei o quê e pá, pá, pá e pá, pá, pá. Tem um monte de variedades de massa. E naquele tempo você tinha quatro. Então ele produzia mais as variedades menores, né? Hoje a gente produz menos, mas com variedade maior. Agora a concorrência é muito grande, né? Hoje você vai ao supermercado hoje você encontra massa da Sadia, da Perdigão. O que tem a Perdigão pra fazer massa? O que tem a Sadia? É carne. O negócio deles é carne, é embutido, não é? Eles fazem massa. Você encontra macarrão de tudo... Você pega uma prateleira, isso estou falando nem vou contar nem a massa seca. Só falamos da massa fresca. Você pega aquelas gôndolas de supermercado e você varre aquilo e tem “ene” marcar, né? Então eu, por exemplo, estou no mesmo lugar que o meu pai abriu desde 51 no centro da cidade, né? Então difícil estacionamento hoje todo mundo tem carro, né? Então você cria alternativa sim eu pago estacionamento se a pessoa quiser lá guarda o carro no estacionamento 50 metros dali, nem isso, eu pago o estacionamento pra ela e tudo. A gente tem entrega e se precisar entregar nós entregamos, tal. Mas mesmo assim tem vários hoje. Por exemplo, restaurantes de massa na época do meu pai que eu me lembre não existia. Existiam assim os restaurantes tradicionais como o Rosário, (Éden?) Bar, né, restaurantes conhecidos até hoje que tinham as massas que nós vendíamos pra eles a massa. Hoje já todo mundo faz a massa, né? Então hoje tem cantinas, enfim. Então expandiu, embora a cidade cresceu expandiu o negócio, né? Nós ainda continuamos “heróis da resistência”, né, como eu costumo chamar porque a gente luta muito, né? Porque hoje o custo de um funcionário é muito grande, os impostos são cada vez maiores e aquele tempo não. Era tudo mais barato. Então você ganhava mais dinheiro. Então vamos dizer assim: o meu pai trabalhou de 51 até, ele morreu em 77, até 75. Então de 51 até 75 são vinte e poucos anos, né? Vamos por eu de 75 que ele morreu e eu praticamente assumi. De 75 para 2007 praticamente eu trabalhei mais do que ele.
P/1 - Verdade.
R - Eu não consegui nem comprar a metade do que ele conseguiu ter. Está certo? Está certo que eu gastei mais dinheiro do que ele, né? Você; você gosta mais. O meu pai, por exemplo, não tinha carro, embora ele fosse um motociclista ele nunca tirou carta de motorista. Ele não gostava de dirigir. Ele andava de táxi, tinha amigo dele que levava ele aonde ele queria e tal, mas ele não curtia carro. Então aí você já tinha o carro e aí o seu filho você compra um carro para o seu filho, você tem celular, você viaja, você vai pra lá, vai cá. Você gasta muito mais dinheiro do que na época, né? Se ganha mais? Não sei. Valores, talvez. Não sei, mas a proporcionalidade da época do meu pai para a minha época eu acho que a gente trabalhava menos e ganhava mais. Hoje eu acho que você trabalha mais e ganha menos. Talvez seja isso.
P/1 - E assim no aspecto da loja, do estabelecimento mesmo, quais as transformações assim nos equipamentos, no mobiliário, nas embalagens? Como que você percebeu isso?
R - Por exemplo, na época do meu pai a frente da loja assim era totalmente diferente, né? Os maquinários eles não saíram do lugar, eles permanecem no mesmo lugar de origem. Não mudou nada. Só que eles eram mais para os fundos, né? Então como tinha a parte de prateleiras que tinham as partes de latarias, embutidos, aquele negócio todo, então era tudo do lado e as máquinas sempre foram para o fundo. Então com a transformação toda essa parte de lataria e essas coisas hoje a gente não vende mais. Quem vai comprar uma lata de óleo, vai comprar um quilo de açúcar ou uma lata de doces você vai no supermercado. Você não vai comprar lá. E outra: isso não é o meu percentual de ganho. Eu vendo macarrão e é isso que me dá lucro. Vender aquilo ali eu tenho que por um preço fechado e não vai me trazer benefício, né? Então era tudo do lado e a gente acabou com tudo isso e aumentou, como tinha muita gente, então tem até uma história que até hoje muita gente, às vezes, os antigos porque a gente tem muito cliente antigo. Muita gente, nossa! Tem gente de 70 anos, 80 anos que eram amigos do meu pai e hoje são meus amigos porque eu convivi com ele, entendeu? Então eu falo que eu sou um cara, eu não sou velho, mas eu tenho amigos velhos porque eu convivi com o meu pai desde que ele me pegava com a ____________, aquela história toda dos dez anos e tal e então eu fiquei conhecendo todo esse pessoal que continua comprando lá. Então, aí deixa eu ver onde é que eu parei, me deu um branco.
P/1 - Você estava falando das transformações da loja que você tirou.
R - Isso. Então aí o que a gente fez? Então tem uma história até um folclore que o pessoal até hoje fala os mais antigos. Então eles chegam pra mim e tal, agora eu já estou indo muito pouco lá, mas eles falam assim pra mim: “naquela época do seu pai tinha gente na rua, na calçada, pra comprar, fazia fila”. Mas não é aquilo. É porque era pequeno o espaço para o atendimento do público, entendeu? Então o que nós fizemos? E realmente eu peguei a época fazia gente na calçada porque não dava pra entrar lá dentro. Entrava dez pessoas e lotava, né? Então a gente (afundou?) aquilo, né? Então fez um espaço para o cliente maior, né, porque assim entra e sai e vai e vai e vai embora. Então o meu movimento maior é de sábado e domingo que venda de balcão que eu tenho extra que vai vender, né, que vai trabalhar lá e durante a semana eu também tenho balcão, mas é bem pouco. Aí eu vendo para o pessoal de restaurante e fast food. A gente ataca essa área que é legal porque você dá lá e toma cá, né? Uma coisa mais ágil. Agora os maquinários estão nos mesmos lugares que estavam desde a inauguração. São três máquinas. As outras a gente já eu comprei outras máquinas mais modernas, tal. Questão de embalagem que você me perguntou é muito interessante. A gente embrulhava em papel, usava barbante. Um negócio que sumiu isso, né? O barbante de embrulhar. E não tinha sacola. Hoje em tudo lugar que você vai o cara joga aquela sacolinha, né, e antigamente não. Você carregava os pacotes, né? Supermercado, por exemplo, era pacote de papel. Nos Estados Unidos são assim ainda, né, você vê muito em filme o cara chega com aquele saco de papel. Então agora essas embalagens de massas semiprontas que só para levar ao forno então isso aí eu “pastei” muito. Eu fazia de uma forma e mudava porque eu praticamente que criei isso, né, na época o meu pai não tinha. Então aí com o meu filho ele deu uma alavancada muito...Ele engenheiro um, né? Então ele criou umas embalagens tem as etiquetas explicativas com relação com relação ao que vai o produto a quantidade disso e daquilo, tal. Então já comprou máquina pra fechar. Então ele já deu uma transformação muito grande, né? Já é a terceira geração. Não vou contar nem quatro porque eu não vou contar do meu avô lá atrás que não foi a mesma empresa. Mas se contar o meu pai e o meu filho essa é a quarta geração, né? Então já vem com outra cabeça. Então as embalagens, nossa, mudaram do dia para a noite. É como você diz: antes o camarada pegava um pacote o cara pedia um quilo de macarrão e você embrulhava no papel e até hoje é assim. Aí você passava o barbante e dava para o cara. Às vezes você fazia um nozinho em cima assim que era para o cara carregar pendurado e o cara ia embora. Muitas vezes o cara chegava na porta e quebrava e bum, caía tudo no chão aquilo esparramava tudo. Tem histórias disso. Hoje não. Hoje você embrulha e eu embrulho do mesmo jeito: papel igualzinho como a época do meu pai. Não mudou isso. Tem umas manias lá que é difícil mudar, viu? Mas aí vai aquela sacolinha, né? A tradicional sacolinha que aí o camarada leva. De embalagem é mais ou menos isso.
P/1 - Você falou sobre o perfil da sua clientela e da fidelidade dessa clientela.
R - É verdade.
P/1 - Você percebe uma mudança, nas formas, nas estratégias, nas formas de abordagem ao cliente?
R - Tem muitas, né? Por exemplo, lá que a gente é uma empresa tradicional então tem muito disso. Um exemplo, por exemplo, tem um cliente, ele deve ter uns quase 80 anos. E eu faço um tipo de macarrão que é um macarrão diferente que se chama espaguete. O espaguete é um macarrão redondo e o talharim é um macarrão chato. Muita gente confunde isso, mas tudo bem. Então é tudo massa fresca e eu faço ele há 56 anos sábado às nove horas da manhã. Isso não tem jeito. Então já passou, por exemplo, o meu pai fazia, os funcionários faziam, o meu pai fazia e passou para funcionário. Eu fiz muito tempo esse macarrão às nove horas e o meu cunhado, o meu cunhado irmão da minha mulher, trabalha comigo lá, faz 15 anos que ele está lá já e ele que é o chefe da produção e ele faz esse macarrão às nove horas, entendeu? Então vem um cliente que entra lá dentro e o primeiro corte. Esse é um macarrão difícil explicar assim, mas uma máquina ela sai, ela desce o macarrão que nem um chuveiro assim, entendeu? E aí você vai cortando o tamanho dele, só que isso tudo é mole, é massa fresca. E esse cara, esse senhor, ele vai lá às nove horas e o primeiro corte tem que ser dele. Todo sábado, todo sábado.
P/1 - Fantástico.
R - Então às vezes ele atrasa nove, dez (ou 09:10?) e fica se esperando ele chegar pra fazer a massa dele.
P/1 - (RISOS)
R - Então as coisas do outro mundo, né?
P/1 - Fantástico!
R - Então isso é um exemplo do atendimento como é, né? Então a maioria das pessoas já conhecem a gente, né? Então o pessoal fala “o, fulano”, tal, não sei o quê. Tanto é que eu vou ajudar o Rodrigo, que é o meu filho, eu vou ajuda-lo lá de domingo. Eu gosto de ir, entendeu? Então eu vou lá, mexo nas máquinas, faço massas. Eu acho que eu não posso parar de fazer isso, né? Embora semana inteira eu não apareça lá, mas domingo eu vou e ele gosta que eu vá também, né? E a gente conversa muito em casa, está certo? Ele fala o que está acontecendo e eu sou tipo de um consigliere, né, que dá os conselhos, né? Então ele. Eu de vez em quando tenho uns acho que eu estou ficando velho e esqueço o que eu estou falando. A minha mulher que fala isso. Eu estava falando do...
P/1 - É que você está ocupado, não velho. Você estava falando das...
R - Então eu vou lá dentro trabalhar nas máquinas, está certo? Aí quando aperta o movimento e tal e tem um sininho lá que o Rodrigo bate e eu vou pra frente ajudar no balcão. Só que eu conheço muita gente então vai muito amigo, cara que... Pô, eu estou 38 anos que eu trabalho naquele balcão, né? Quer dizer, antigamente mais vezes. Então vem um “eh, Fernando” e tal. E eu tenho uma memória boa e lembro de muita coisa e então você fica conversando e o atendimento pára. Pelo menos eu só vou atender aquela pessoa que fico conversando. Aí o meu filho “o pai, fica lá dentro”, brincando naturalmente, né, ele falou “pai, fica lá dentro que você vem aqui e não precisa mais vir no balcão porque você vem aqui e você atrapalha. Você só conversa e aí o cliente fica do lado esperando”. Então tem um pessoal novo que vem, né? Então eu não sei se esse pessoal novo aceita isso. Tem uns caras que faz uma cara feia que às vezes demora muito pra atender. Então isso é uma coisa também que o Rodrigo já está mudando, né? Por exemplo, ele já contratou esses dois extras que vai lá de sábado e domingo ajudar, eles já são novinhos, rapaz novo, né, então ele já está fazendo esse atendimento já diferenciado da nossa época como o cara que entra lá dentro pra pegar o macarrão, entendeu? E você acha que eu vou falar eu vou podar ele pra entrar? Ele cai duro, tem um enfarte. Ele morre, né?
P/1 - Claro.
R - Então mais ou menos deu pra responder?
P/1 - Claro. Perfeitamente. Uma outra questão: em relação às formas de pagamento como é a inadimplência dos clientes e a questão do fio do bigode? Essas questões como estão?
R - Isso é muito interessante. Tem umas histórias boas pra contar disso aí.
P/1 - Vai trocar, vai trocar a fita.
PAUSA – TROCA DE CD
R - ... passagens do meu pai comigo, por exemplo, que ele me levava pra cortar o cabelo eu tinha.
P/1 - Espera aí, espera aí. Pode? Fala isso então. Existem passagens, pode ser?
R - O meu pai me levava para cortar o cabelo num salão de barbeiro aí eu me lembro bem disso sempre lá e aí depois eu pegava, eu sempre fui muito inquieto, eu varria o salão aquele monte de cabelo, aqueles tempos que aqueles barbeiros, barbeiro, né? ___________ e coisa o pai. E eu depois levava o meu filho no mesmo barbeiro para cortar o cabelo e o cara é vivo ainda e tem o salão. O cara tem mais de 70 anos. Quer dizer, o meu pai levou eu para cortar o cabelo e eu levei o meu filho lá pra cortar. Hoje eu já não tenho mais cabelo e quase eu não vou lá, mas de vez em quando. Mas você coisas que parecem que atrai. Você vai de geração, você vai...O meu pai fazia isso e eu faço isso com o meu filho também. Mas voltando àquilo que você estava.
P/1 - Na questão da fidelidade, as formas de pagamento.
R - De pagamento.
P/1 - Que a gente estava falando sobre inadimplência.
R - Isso é muito interessante. Como sempre foi o meu pastifício nós somos aquela coisa que fazia a 50 anos a gente costuma fazer hoje, né? Por exemplo, os temperos, né, uma parte aí,os temperos são os mesmos. O tempero que vai do recheio do ravióli é feito a 42 anos pela mesma pessoa, ta, o que é o ais interessante, e vão as mesmas coisas, é lógico guardando as devidas proporções, né, porque a verdura que tinha naquela época não é a mesma de hoje, né, mas a gente procura. O sabor é muito parecido, é muito parecido. A carne que o açougueiro eu compro, por exemplo, tem um fornecedor o açougue faz 25 anos que ele vende pra mim. Os ovos são vendidos há 18 anos, se não foi por aí, entendeu? Então tem aquela coisa de raiz também, né, sabe? Então, por exemplo, aí no caso de inadimplência hoje até um tempo atrás você tinha lá no Pastifício eu tenho uma caixa de sapato que o camarada ia comprar um determinado produto lá, um quilo de macarrão, um quilo de ravióli e pega um pacote de queijo e tal e “marca aí”. Você marcava e jogava assim dentro da caixa de sapato e aí o cara passava um mês, duas semanas e ia lá e pegava. Você pegava e “estou rasgando as suas fichinhas aqui”. Jogava fora. Há algumas pessoas davam, não pagavam mais; sumia, entendeu? Até tinha lá que o fulano era João da casa não sei das quantas, é o Antonio do mercado, entendeu? Era conhecido assim às vezes por apelido então que deram um “balão”, mas coisa pouca, né? Cheque você tinha alguns cheques sem fundo. Hoje acabou o cheque, né, o cheque hoje com o cartão cheque se eu recebo lá de venda de balcão lá vai por lá uma meia dúzia de cheques por semana é muito. Só cartão, só cartão. Hoje 60, 70 por cento da minha venda é cartão de crédito e débito todos, vários deles aí. Hoje é tudo cartão, o dinheiro de plástico, né? E a questão de inadimplência eu não tive muito. Não tenho muita passagem de pessoas que deixou de pagar. Alguns casos de alguma venda assim de algum cliente que deu um cheque e o cheque voltou. Se eu falar isso aqui nem compensa mas você receber e joga fora e tal. Mas tem uma historinha que é muito engraçada e eu vou contar. É muito interessante. Na época dos papeizinhos eu tinha um, né, isso aí não faz muitos anos não, por aí uns 20 anos atrás e tal, nem isso. Então tinha uma senhora, eu tenho um cliente aí que marca, eu tenho um cliente que marca ainda, só um que sobrou. Mas ele é religioso, ele vai lá ele recebe o pagamento dele, é um casal, eles recebem o pagamento ele passa lá e paga, esse é __________, não tem “xabú” com ele. Mas esse caso teve uma época foi a época que eu fui para o ¬¬Pastifício ____ que depois de 77 que o meu morreu e que eu encarei o negócio lá que o Pastifício tinha muitas dívidas, né, e eu falei “se eu ficar aqui esperando o cliente vim comprar eu vou dançar, eu não vou conseguir recuperar isso daí”. Então eu falei, “eu vou fazer o que? Eu vou atacar indústria”. Porque naquela época todas as indústrias aqui de Campinas, IBM, Bosh, 3M, enfim, todas elas tinham um restaurante próprio que era um negócio fantástico, né? O cozinheiro do restaurante era funcionário da Bosh, entendeu? Depois que em uns tempos pra cá eles inventaram essa cozinha industrial e vem tudo já pronto, eles montam lá, entendeu? Quando não dão aqueles Vale para o pessoal comer no self service da vida, né? Então ficou assim. então eu falei “eu vou atacar essas indústrias que é um dinheiro certo que vai entrar pra mim e com esse dinheiro, lógico, eu vou ralar todo aqui, mas eu vou ter um aumento do meu faturamento e vou conseguir pagar as dívidas antigas e as atuais”, né na época que vinham porque eu não ia deixar aquilo ali enrolar, né? Foi aí que eu descobri um filão legal também. Então tinha. E outra, eu vendia para a empresa e como o meu produto era bom os funcionários da empresa perguntavam onde, o cara comprava um ravióli lá e eu fazia um preço barato, mas fazia um preço que a concorrência ninguém ganhava de mim porque eu perdia dinheiro, eu perdia dinheiro, às vezes empatava. Aí o cara comprava e ia lá para o chefe da cozinha, o comprador, e “eu vi um ravióli gosto aí, onde você comprou? Eu comprei no Selmi” e o cara ia lá domingo comprar aí que eu ganhava lá, entendeu? Eu pego dez empresas, eu pego dez funcionários em cada empresa que vão comprar são 100 funcionários que eu aumento a minha venda. Foi aí que eu comecei a levantar o negócio. Mas só pra contar esse detalhe aí pra não alongar mais. Tinha, isso foi o meu pai, minto; o meu tio. O meu tio escreveu num papelzinho era quadradinho assim que tinha um valor e a data que você punha em baixo. Aí ele pôs lá, sei lá, um dinheiro da época, 40 reais, não era real, mas que seja 40. Aí pus 3M: um “3” e um “M” e pôs na caixinha. Aí tinha um funcionário da 3M que é uma empresa conhecida que comprava lá e pendurava, também tinha isso também, né, que o funcionário pendurava e depois acertava e tal. Aí o rapaz foi acertar e aí ele falou “Mário”, que era o meu tio, “mas isso aqui eu não comprei isso aqui. 3M. eu chamo Antonio, minhas fichas estão todas escrito Antonio. 3M não é comigo, mas o que que é esse 3M?” Aí perguntou para o meu tio e aí o meu tio falou assim “não. É aquela senhora que compra.” “pô, mas que senhora?” “A Dona Maria”. “Mas que Dona Maria?” “A Dona Maria Mendes de Moura”.
P/1 - (RISOS)
R - “3M”, entendeu? Pastifício __ “A Dona Maria”. “Ah, essa aí paga, deixa aí que depois ela vem e paga”. Então tem essas histórias aí que é muito. Mas esse negócio aí dessas penduras assim esses negócios não tive muitos problemas com isso não.
P/1 - Ótimo. Como o senhor percebe o comércio de Campinas? Pô senhor poderia nos dar uma visão, a sua visão no comércio de Campinas, de São Paulo, essas transformações do estado de São Paulo, de Campinas?
R - Eu acho que o comércio em geral eu vou me ater pelo centro da cidade, né, que é o já em Campinas já está sendo muito já falando que é o centro antigo, né, que é meu pedaço ali que eu convivo há muitos anos. Acho que com as chegadas dos shoppings, né, então o comércio central ele deu uma caída muito grande, né, porque o que é, por exemplo, principalmente em Campinas na área que eu estou ali que é a duas quadras da Rua Treze de Maio e mais duas quadras tem os informais que não pagam impostos, que não fazem nada, ta certo? E ainda quantas vezes já fecharam lojas em protesto porque eles estavam querendo tira-los de lá , né? Então você tem que conviver com esse pessoal, né? Então isso o que acontece? Afugenta clientes que podem gastar nas lojas, embora ainda Campinas mantenha ainda muitas lojas que existem nos shoppings, vamos dizer assim os grande magazines, as grandes lojas, mantém ainda lojas no centro da cidade, né, como Lojas Americanas, Rener, enfim, várias, Baby e outras. Então ainda mantém lojas, o shopping mantém no centro da cidade ainda, né? Mas, pô, centro, não que eu tenha nada a ver com o nível de população C, D, por exemplo. São gente e eles podem freqüentar todos os lugares que nós freqüentamos também, mas são uma gente que às vezes que assusta outros que freqüentam. Existe roubo, existe assalto, pedinte, né? Isso o cara a pessoa que tem um carro, um automóvel que queira comprar alguma coisa ele vai no shopping ou ele vai no supermercado. No meu caso, por exemplo, se ele quer comprar uma massa ele fala “a massa do Selmi é muito boa, mas ali é duro de estacionar”, né, às vezes até um ou outro cliente liga e fala “olha, eu estou passando aí e dá isso, isso e isso”. A gente espera na porta ali e aí ele pára e você dá e o cara vai embora porque não quer por no estacionamento e tal. Hoje a pressa é muito grande, hoje todo mundo tem pressa, né, nunca vi tanta pressa assim. o cara tem que decidir as coisas na hora e resolver o cara está aqui no celular, fala no celular, escreve, está pagando conta, dirigindo carro com o celular. Inventaram até o microfone e ele dirige falando eu falei “pára o carro, deixa pra falar depois pô”. Certo? Então isso é cada um. Mas o comércio transformou muito, né, então é relembrando aquilo que eu falei: eu passeava com a minha mulher vendo vitrine. Isso eu vou por aqui o que? Trinta e cinco anos? Trinta anos. Se falar a 30 anos é muito tempo; não é muito tempo. Não é muito tempo. Então mudou muito pela. E outra: carros em Campinas. O trânsito de Campinas é muito difícil, né? Todos os ônibus passam pela rua principal da cidade que é a Francisco Glicério. Isso é uma coisa já antiga que nós, por exemplo, eu faço parte da associação comercial. A gente tem reuniões direto lá e a gente comenta isso e tal e fala. Entra prefeito e sai prefeito um fala que vai fazer e outro lá a rota que vai mudar e vamos tirar os ônibus, vamos fazer terminais fora, entendeu? Quem que mexe com aquele camelódromo ali porque ali ninguém mexe com aquilo. Tem cara ali que tem duas, três lojas. Ele talvez fature mais do que muitos comerciantes ou faturam até mais do que eu porque não, né? Ele não paga imposto, não paga nada. Às vezes vai polícia federal lá e tira tudo aqueles negócios de CD, aquelas coisas todas, né, Pastifício passa dois dias e está tudo lá de novo, quer dizer, são pessoas que estão atrás bancando isso. Eu não tenho dúvida, né? Então isso transformou muito, caiu muito, o centro da cidade de capinas. Estão tentando resgatar, fazendo várias coisas. Reformaram o calçadão da Treze de Maio. Existe uma tentativa, mas está muito morosa.
P/1 - Como o senhor vê a atividade do comércio na sua vida como uma mensagem. Quais as mensagens assim a gente poderia dizer a lição de vida que o senhor tiraria do comércio da atividade.
R - Do me comércio?
P/1 - Da atividade no comércio é. dessa atividade?
R - Olha; não sei. Você me pegou meio desprevenido. Eu acho, por exemplo, eu tenho, acho que seria um respeito muito grande que eu tenho para com as pessoas, a educação que o meu pai me deu, né, porque você chamar o cliente de senhor, de senhora, né, a responsabilidade, horários que você tem. Questão de pagamento de você honrar os seus compromissos, né, tudo isso acho que o comércio me deu, além de você ter a briga constante de você ter que conseguir matar um leão por dia pra você sustentar a sua família que não é fácil, né, isso dá a você o poder de concentração de você viver o dia-a-dia, né, de buscar novos horizontes pra ampliar agora com o meu filho, por exemplo, quer dizer, é uma coisa muito legal, né, aqui uma coisa: por exemplo, o meu filho problema eu acho que todo mundo tem problema com contador, né? Todo mundo tem problema com contador. Se você tem um contador que você tem que pagar ele, né, agora quando é uma empresa maior que tem um contador fixo, né, na empresa aí já não. Mas quando você tem uma empresa pequena, média, você tem que pagar um contador esse contador não aparece, ele esquece de fazer as guias de recolhimento, entendeu? Ele não te dá atenção por que? Porque ele tem que ter dez clientes pra ele ganhar 250, 300 reais de cada um pra ter três mil reais um salário no fim do mês e então ele acaba não dando conta de dois, quanto mais dez. então deixa muito a desejar. Então o meu filho ele gosta muito de estudar, ele gosta de estudar. Ele se formou e falou “pai, eu queria fazer, eu queria estudar”. Eu falei: “por que você não vai fazer um curso de contabilidade?” e a contabilidade de um tempo pra cá você só podia assinar balanço, essas coisas todas, se você tivesse curso universitário porque estavam fazendo uns cursos bem ruins mesmo e você tirava o C.R.C., que é o registro de contador. Aí você podia assinar o balanço e você podia administrar uma empresa na parte contábil e aí acabaram com isso e ficou um bom tempo você tinha que ter um curso universitário, fazer Ciências Contábeis, pra você assinar um balanço. E agora voltou, o Senac que é uma boa referencia tem curso de Contabilidade um ano e meio e você depois você pode e faz o exame e pode tirar o C.R.C. aí eu falei para o meu filho e ele falou: “pô, pai, eu vou fazer isso aí”. “Pô, legal.” Ele trabalha das oito horas da manhã, às vezes ele chega mais tarde, mas enfim, das oito até às seis da tarde e sai de lá vai para oi Senac fazer e sai deis e meia. Aí ele chega em casa por volta de 11 horas e eu estou esperando ele. Aí a gente senta pra conversar, fica conversando e tal e aí ele vai tomar um lanche e tal e coisa. Aí eu lembrei que eu fazia isso com o meu pai também, né, porque o meu pai quando eu estudava à noite o meu pai eu chegava em casa, isso no tempo de colegial porque no tempo de faculdade o meu pai já era falecido. Aí eu chegava à noite e ele ficava me esperando pra conversar. E eu faço isso a mesma coisa com o meu filho. Então essa harmonia talvez seja uma resposta do que você me perguntou, né? Porque se eu acontecer essa aproximação dos meus filhos, às vezes é sábado, por exemplo, sábado não; domingo. Domingo mesmo agora eu estava lá e aí apareceu a minha filha, porque agora têm os agregados, né, os namorados, né? Então apareceu lá a minha filha com o namorado e a minha outra filha com o namorado; os quatro. “O pai, vamos fazer um lá um macarrão na casa de...” Porque s pais gostam também. “Leva aí e tal. O que você quer levar?” Fui lá e cortei o macarrão pra eles e tal e eles foram lá e pegaram uns tomates e não sei quê e pa, pa, pa e foram no mercado. Isso é bacana, às vezes você reúne tudo isso. Isso tudo foi o meu comércio que deu, foi o meu pai que de pra mim, né? Então isso é uma lição de vida de família, né? De coisas que você vive o dia-a-dia disso, né? De viver a minha vida inteira lá. Então isso eu acho que é a maior lição de vida é você poder tudo isso e cada vez e aquela companhia, aquela harmonia familiar, né? Acho que talvez seja isso.
P/1 - Como que o senhor vê a iniciativa do SESC Campinas e a sua participação nesse projeto?
R - Olha; eu adorei. Gostei muito, eu acho muito bacana isso. Já deu pra perceber que eu falo, né?
P/1 - Muito bom.
R - Falo bastante e com as mãos também, né? Às vezes, muitas vezes eu tampei a câmera aí, né? Mas eu achei muito bacana e eu acho que essa iniciativa de vocês; vocês por exemplo é uma coisa até curiosa, né, vocês são de São Paulo e alguém está se importando em mostrar isso de Campinas, né? E aí eu estive vendo nos livros lá coisas de Araraquara, de São Carlos, né, é bacana essa motivação de fazer essa retrospectiva, todos esses depoimentos de Campinas, né? E que alguém acho que poderia aqui na cidade fazer isso, né? Então eu até estava preenchendo o formulário lá com ela lá e estava vendo você conversando com o outro pessoal e você falando “olha, é aqui é a irmã Serafina ela é continuação da Anchieta”. Você não sabe onde é, né? E você está se interessando em saber onde que é para mostrar uma casa lá que foi antiga, ou um comércio em si. Mas muito maravilhoso, né? É lógico que você não está aqui de graça, lógico, mas pô, aqui em Campinas eu acho que poderia ter acontecido. Tinha tanta gente que poderia fazer isso voluntariamente, né? Às vezes até o poder público mostrar toda essa coisa. Porque como você falou, por exemplo, o sindicato fez uma coisa da loja, né, foi lá e fotografou a loja, está certo? Pegou algum depoimento assim das histórias, algumas linhas, né, mas não pra fazer um trabalho tão minucioso e o mais interessante que vocês perguntaram coisas da minha vida, né? E essa última pergunta foi fantástica, né? O que esse, o que o ___________, o meu comércio, trouxe pra mim, né? Então é uma coisa que eu nunca parei pra pensar e é uma coisa muito, muito importante. Ele trouxe a minha vida, né? E mais nada.
P/1 - Muito obrigado. Essa é a estratégia, né, do Museu da Pessoa, é a metodologia.
R - Sem dúvida nenhuma.
P/1 - É valorizar a história de vida das pessoas.
R - Das pessoas.
P/1 - Muito obrigado pela sua participação.
R - Valeu.