Infância e juventude em Taubaté. Descrição da família. Imigrantes. Descrição do pai. Negócios do pai e dos avós. Educação. Trabalho em São Paulo. Migração para Taubaté. Negócios da juventude e atuais. Casamento. Filhos.
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Dan Guinsburg. Nascido em Taubaté, 19 de janeiro de 1958.
FAMÍLIA
O nome do meu pai era Israel Guinsburg, mas era conhecido aqui na cidade como Juca. E a minha mãe chamava-se Ella Guinsburg. Meu pai, nascido em 16 de janeiro de 1928, nascido em Taubaté. Minha mãe era polonesa, nasceu em 14 de setembro de 1932. Os dois já estão falecidos. Eu conheci meus dois avós. O pai da minha mãe chamava-se Emanuel Gricksmann e a minha avó, eu não conheci. Ela morreu na Polônia, na Segunda Guerra Mundial. Foi na época lá do nazismo. Chamava-se Eva Gricksmann. E o meu avô [paterno] chamava-se José Guinsburg, que eu cheguei a conhecê-lo. E a minha avó chamava-se Berta Guinsburg, que morreu antes de eu nascer. Minha mãe tem uma história que dá um livro: os meus avós eram muito ricos e conseguiram comprar a liberdade, ficaram escondidos durante a guerra inteira em um porão de uma casa. A minha mãe passou-se por católica, por cristã. Ficaram mudando de locais, e tal. A minha avó não acreditou, foi pega, foi morta. Ela tentou fugir, foi fuzilada quando tentou fugir de um caminhão, quando estava sendo levada lá para um campo de concentração. E se salvaram meu avô e minha mãe. De lá, terminou a guerra eles vieram para a França. Ficaram em Paris um ano, vendo como é que iam... Tentaram ir para os Estados Unidos - todo mundo tentava ir para os Estados Unidos - , não conseguiram. Ele descobriu que ele tinha um parente aqui no Rio de Janeiro e veio para o Brasil. E aí, por coincidências da vida, ele resolveu abrir um curtume em Taubaté. Tinha algumas pessoas aqui da..., alguns russos, ou gente da Polônia na época, 1947, 48. Aí minha mãe veio para cá, conheceu o meu pai e casaram-se. O meu pai já nasceu aqui. Meu avô e minha avó vieram da... Meu avô era romeno e minha avó era russa. E vieram para cá depois da Primeira Guerra. Se encontraram aqui no Brasil e se casaram aqui. Mas eles não se conheciam. Meu avô desceu... Chegou em um navio no Rio de Janeiro. Depois acabou vindo para São Paulo, também - parece que tinha algum conhecido, sempre tinha algum parente, algum conhecido. Veio, acabou vindo para Taubaté, a minha avó já estava aqui. Aí se casaram, tiveram quatro filhos, e dentre eles o segundo foi o Juca. Nós estamos falando em 1900. O meu pai é de 28, eles [os avós] casaram em 26, chegaram aqui em 25, 24.
IMIGRAÇÃO
Tinha comunidade judaica em Taubaté. E era maior do que hoje. As pessoas vinham, acabavam ficando aqui na cidade. Era mais unido. O pessoal era unido porque não falavam a língua [portuguesa], falavam ou o iídiche ou o russo. No caso da minha mãe, o polonês. Eles iam para São Paulo, compravam roupa, tinham crédito lá na cidade. Vinham para cá, vendiam, é o que a minha avó fazia. Minha avó e meu avô. Meu avô era mais malandro. Quem gostava muito de trabalhar era a minha avó. A mãe do meu pai, a dona Berta. E meu pai ajudava. Meu pai, com dez anos ele punha uma mala nas costas e ia com ela trabalhar. Vender de porta em porta. Russo da prestação, famoso. Eles vendiam mais em Taubaté. Naquela época, o transporte era muito difícil, não era uma coisa muito simples: para ir para São Paulo só tinha o trem que demorava, sei lá, quatro horas para chegar a São Paulo. Então quando ia para São Paulo buscar mercadoria era uma coisa difícil. E como vendiam a prestação... Ele tinha uma bicicleta, que ele ia cobrar depois dos clientes, então acabavam vendendo mais em Taubaté. Eu não saberia dizer, mas acho que não vendiam fora da cidade.
CIDADES
Taubaté Existia um comércio regulamentado, mas era muito pequeno. Como hoje existe. Quer dizer, hoje o comércio mudou um pouquinho. O que a gente chama hoje de camelô - a pessoa que traz coisas lá do Paraguai, os importados e tal - na época isso aí era..., não existia. Ninguém sabia o que era isso. E existia esse comércio de roupa. Na verdade era basicamente roupa. Depois eles melhoraram, eles abriram uma espécie de loja dentro de casa. Foi um segundo passo.
MORADIA
Nessa época, eles conseguiram já comprar uma casa. Eles moravam de aluguel, mas conseguiram comprar uma casa aqui em Taubaté. Hoje é centro, bem centro da cidade. Chama rua Jacques Félix. Morei nessa casa. Nasci nessa casa, lá, quando as minhas tias foram embora. Porque as minhas tias moram... Uma morava em São Paulo e duas moravam no Rio de Janeiro. Elas casaram e se mudaram de Taubaté. A casa, quando meus avós faleceram, acabou ficando para o meu pai. Ele comprou a parte de todo mundo e a gente chegou a morar lá. É, era uma casa interessante. Porque não tinha garagem, aquela época não tinha carro, nada. Depois a gente acabou reformando para fazer a garagem, o local do carro. Tinha um bom quintal, tinha goiabeira, a gente tinha cachorro. Aquela coisa de cidade do interior. A loja dentro de casa era uma sala de visita. Foi construída uma loja. Não era da minha época, mas o pessoal comentava, e que era uma loja, uma loja de roupa. Vendia roupa, basicamente roupa feminina. Roupa pronta. Não tecidos, mais roupa pronta. E em seguida o negócio foi crescendo, a minha avó resolveu montar uma loja na cidade. Aí montou, chamava-se Modas Berta, tinha o nome dela. Pegaram a loja que era na casa e transformaram em uma loja. Isso ele tinha documento. Chegou, na época - como é que era? CGC [Cadastro Geral do Contribuinte], CNPJ [Cadastro Nacional da Pessoas Jurídica], não sei como é que era - , mas tinha contador, era uma empresa que funcionava direitinho. Era minha avó que cuidava. Meu pai já trabalhava, meu avô também trabalhava. Era uma coisa meio familiar, não tinha empregado, nada. Era uma loja pequena e os fregueses que estavam acostumados a receber a minha avó e meu pai em casa passaram a ir à loja comprar. Sempre a prestação, sempre pagando... o carnezinho, direitinho. Assim que funcionava.
FAMÍLIA
Meu pai estudava. Ele fez... Terminou o segundo grau, fez Escola do Comércio, na época. Seria hoje quase um contador, um técnico em contabilidade. E aí ele - já estamos falando em 1957, quando ele casa. Aí a minha avó faleceu, faleceu em 56, um ano depois ele casou. E nessa época ele resolve mudar de ramo. Ele achava que era muito pequena a loja. Na verdade teria que dar para uma nova família que ele estava constituindo e para meu avô, que ainda era vivo, e também era sócio. Resolveram abrir uma loja de móveis. Abriu uma loja de móveis, uma loja de móveis bastante grande para a época. Chamava-se GO móveis. Esses móveis vinham de todo o Brasil: tinha colchão Probel, Bergamo. E aí foi a época que eu nasci. Eu me lembro bastante bem da loja de móveis porque cheguei a trabalhar lá. Com onze anos... A minha mãe veio para Taubaté junto com meu avô, que resolveu montar um empreendimento aqui, um curtume. E aí eles se conheceram. Ela, na época tinha quinze para dezesseis anos, ele já estava com vinte anos. E começaram a namorar. Minha mãe era, dizem, que era muito bonita. O meu pai também era famoso aí na cidade. Namoraram, brigaram - essas coisas de sempre. O empreendimento do meu avô, o pai da minha mãe, não deu certo, e ele foi para São Paulo. Foi trabalhar lá em São Paulo como empregado em uma loja de roupa. Depois foi o braço direito do G.Aronson. Foi o gerentão lá do G.Aronson durante um bom tempo. Depois meu pai resolveu ir para lá, fizeram as pazes. E ele acabou trazendo ela de volta para Taubaté. Aí cassaram aqui. Aqui, no civil; casaram em São Paulo no religioso. E começou a família. Ele já tinha... Ele estava começando a loja de móveis dele. Essa loja chama GO móveis. Taubaté já era uma cidade grande, quer dizer, Taubaté na verdade foi a maior cidade do Vale. Nessa época era a maior cidade do Vale. Hoje perdeu esse nome para São José dos Campos, por N motivos que não vêm ao caso. Mas o comércio era bem pujante aqui na cidade. Tinham várias lojas de móveis, tinha vários amigos. Não tinha um diferencial, assim... Ninguém falava em marketing: vendia. As pessoas eram muito conhecidas. As pessoas, normalmente, sabiam quem era o pai, quem era a mãe, quem era o avô, quem era o bisavô. Então, de vez em quando, a gente sai na rua, vai a algum lugar, a pessoa chega e fala: “Ah, eu conheci sua mãe, conheci seu pai, sua avó, seu avô. Comprei roupa deles, comprei móveis”. Coisa que não existe mais, mas naquela época era uma coisa mais normal. As pessoas tinham essa preocupação, e a amizade acabava influenciando muito o comércio, a venda. Fui o primeiro que nasci, isso em 1958. Depois veio a minha irmã a Berta, em 1959 e o caçula, o caçulinha na época, já não é mais, o Ivan, em 64.
INFÂNCIA
Na minha infância, Taubaté era muito divertido. A cidade era pequena. A gente, na época... O meu pai sempre se preocupou muito com a educação. E ele tinha uma amiga - chamava Maude Rego Sá de Miranda, já falecida - , e ele queria que abrisse uma escola. Ela era uma pessoa muito capaz, uma pedagoga, fez N cursos, foi advogada. E na época que eu fiz sete anos, ela abriu uma escola. E eu fui o primeiro aluno da escola. Minha turma tinha seis alunos. Então eu fiz um primário com seis alunos. Na verdade com cinco, porque um acabou se mudando da cidade. Então eu praticamente tive um professor particular. E na época era um professor para cada matéria, era uma coisa completamente diferente para a época - estava acostumado a ter um professor que dava todas as matérias. Eu tinha um professor de português, uma professora de ciências, uma professora de matemática, e foi muito interessante. Depois a escola cresceu, depois a professora acabou falecendo e a escola acabou. Mas era legal, a gente jogava bola na rua, andava de bicicleta, ia para o clube, andava a pé - andava, não tinha essa preocupação com violência, não tinha absolutamente nada - , empinava pipa, tudo que tinha direito. Minha casa era uma casa normal, de classe média. A gente estudava, eu estudava, os outros estudavam. Era uma família unida, a gente batia muito papo e conversava bastante. Minha mãe trabalhava em casa. Ela era sócia do meu pai mas ia muito pouco na loja. O meu avô, o pai do meu pai, não gostava que ela fosse. Ele achava que lugar de mulher era em casa. Então basicamente ela cuidava dos filhos, cozinhava - era uma excelente cozinheira. Uma vez por semana ela ia ao mercado municipal. Então comprava galinha viva - não existia galinha morta. Quem matava era a empregada, porque ela também não gostava de matar galinha. Comprava frutas, verduras, carne. E tinha um armazém que ficava muito próximo da loja de meu pai, até na época chamava armazém Secos e Molhados, do Azuline, eu me lembro. Comprava arroz, feijão, não existia esse negócio de supermercado, essas coisas não existiam. Ia à padaria, também marcava na caderneta, pão, para pagar por mês, as coisas. Passava na porta de casa o cara vendendo galinhas e você comprava. Eu me lembro que eu gostava muito de leite de cabra. Sempre passava um cara com umas cabras, você tomava lá na hora o leitinho de cabra. O outro passava, vendia lingüiça, também na porta de casa. O leite era de garrafa. Todo dia deixavam lá os dois litros na porta de casa. Era umas coisas da década de 60, mesmo. Brinquedo era coisa de madeira, carrinho de madeira e bola. Basicamente bola, peteca. Depois foi surgindo alguma coisa como raquete, a gente brincava. Amarrava um fio na rua. Mas era muitas brincadeiras do tipo queimada, é brincar de boi, de pique. As brincadeiras eram mais desse nível, assim. Tinha uma loja de... Eu adorava uma loja de brinquedo chamada Plastilar. E você ia lá e se deliciava: tinha muito brinquedo, muita coisa de plástico. Coisas da Trol, o carrinho que hoje não faria a cabeça da criançada, mas na época era o que existia. Taubaté era uma cidade muito... Tinha bastante coisa. Tinha loja de carro, tinha bicicleta. A gente ia com alguma regularidade para São Paulo, pelo meu avô morar lá. E na época ele trabalhava em uma loja de roupa, eu ganhava muita roupa dele. E a gente ia constantemente lá, visitá-lo. Uma vez a cada dois meses, a gente estava em São Paulo. Acabava comprando coisas em São Paulo, bem no centrão ali, onde era o Mappin, naquele miolo do centro de São Paulo. A gente ia de carro. Ah, eu lembro que demorava. Porque a Dutra só tinha uma pista, era cansativo. Algumas vezes a gente ia para o Rio, porque tinha parente no Rio também. Era muito cansativo.
CIDADES
Litoral A gente basicamente ia para o litoral, Ubatuba. Um pouco para Campos do Jordão, mas era mais difícil porque não tinha essa estrada que hoje tem. A gente tinha um amigo, muito amigo nosso, que tinha uma fazenda aqui perto, que hoje é dez minutos para chegar lá, mas na época era uma aventura, levava mais de uma hora, porque quando chovia, então: não chegava. Então a gente ia muito para lá. Eu sempre gostei de fazenda, meu pai me deu um cavalo. Então eu sempre queria ir lá andar a cavalo. E íamos para o Rio de Janeiro, que tinha família lá no Rio de Janeiro, São Paulo. E fomos muitas vezes também para Bertioga, na colônia do SESC lá. Comi lá de bandejão. Peguei todas as fases da colônia do SESC.
FAMÍLIA
Por volta de 1970, eu acho, 68, meu pai começou a se ligar ao SESC. Eu estava com um uns dez anos, mais ou menos dez. Lembro porque eu sempre acompanhei muito ele. Ele gostava que eu fosse junto com ele, ele achava que a gente aprendia estando junto. Então fui em muita reunião. Às vezes não tinha ninguém, só estava eu lá, pequenininho, com dez, onze anos participando lá da reunião, ouvindo. Às vezes me chateava, mas sempre gostei e foi interessante porque acabou... Minha vida acabou desembocando nisso. Hoje, a gente participa dessas entidades de classe: SESC, Senac, Federação do Comércio, sindicato do Comércio. Gosto de política. Estou envolvido aí na política da cidade. E, com certeza, isso aí aconteceu por isso. Porque, na época, ele também se envolveu com prefeitura. Ele acabou... As primeiras indústrias que vieram para Taubaté, nessa segunda fase - Volkswagen, Dardo, Nortris... Ele fazia parte de um grupo que a prefeitura tinha, que não era remunerado mas que conversava com os empresários, via o que eles queriam. E acabou trazendo essas indústrias aqui para a cidade. Ele sempre foi muito... Ele gostava de participar. Ele, se não tivesse sido comerciante, ele teria sido, sei lá, jornalista. Qualquer coisa que ele tivesse feito, eu acho que ele teria feito bem. Ele sempre... Esse negócio do comércio, ele começou a mexer na época da semana inglesa, para fechar o comércio sábado ao meio-dia - porque na época trabalhava direto. E começou a mexer. Eu acho que não teve ninguém. Teve alguns amigos, eu me lembro, da época, que eram gente mais antiga do que ele. Mas na verdade eu acho que ele buscou o caminho dele meio sozinho. Eu basicamente, sempre estive na cola dele, acompanhando: como é que era, como é que funcionava... Eu acho que ele era muito bairrista. Ele gostava muito da cidade, gostava muito de Taubaté. Conhecia muito a cidade. Inclusive ele era um arquivo vivo: sabia quem era quem. Agora ficou mais difícil, porque a cidade cresceu um pouco, mas era engraçado assim, porque quando eu era pequeno eu chegava em casa: “Ô, pai, esse é meu amigo”, aí ele perguntava quem era pai, quem era a mãe; aí ele falava quem eram os avós, quem era os bisavós. Sabia tudo da família da pessoa, sabia quem era. E ele lutou muito para a cidade crescer, para o comércio crescer. Essa ida dele para a prefeitura, para tentar trazer essas indústrias, foi para tentar fazer com que a cidade crescesse, uma época que Taubaté andou andando meio para trás, aí, acabou ficando meio perdido, aí, ele correu atrás dessas indústrias. Ele achava que... Como a Volkswagen, por exemplo, que hoje é uma potência: tem 6 mil empregados em Taubaté, faz com que o comércio deslanche. E aí ele participou da Associação Comercial, foi um dos criadores do serviço de proteção ao crédito. Depois surgiu o sindicato do Comércio Varejista. Ele foi o terceiro presidente. E ficou um bom tempo lá como presidente. Acabou trazendo o SESC para Taubaté.
CIDADES
Taubaté Taubaté sempre foi uma cidade privilegiada: tinha o Senac e tinha o SESC. Mas, o SESC era muito pequenininho, era uma casinha pequena. Tinha uma quadra de futebol de salão e dois dentistas - se resumia a isso, o SESC. E na época ele reivindicou, junto ao conselho lá do SESC, a vinda. Conseguiu um terreno junto a alguns empresários que doaram a área para o SESC. É uma área grande. Eu não saberia dizer quantos metros são, mas é bastante grande. E reivindicou mesmo, correu atrás. Correu atrás, trouxe, na época, o Abrham para Taubaté. Levou o prefeito até lá. Ele perdeu uns, sei lá, uns dois anos assim para tentar que o SESC saísse. Até que saiu. Na época, o pessoal ficou meio assim porque era um bairro bastante afastado da cidade. Hoje não é mais. A cidade acabou indo atrás do SESC, o que é superinteressante. Mas, na época, era um bairro muito afastado. Era considerado longe da cidade. E até como uma justa homenagem, o SESC daqui tem o nome dele.
TRABALHO
Eu sempre xeretando. Com onze anos, eu me lembro, trabalhando na loja. Essa época de Natal eu gostava de vir à noite para a cidade. O comércio ficava aberto até mais tarde, dez, dez e meia. E normalmente era um comércio mais agitado. Tinha os vendedores, mas sempre chegava gente que não tinha condições de ser atendida, aí eu ia lá e perguntava o que é que a pessoa queria. Era até engraçado, um garotinho de onze anos. Algumas pessoas não falavam, outras falavam. E você vai se habituando, e eu comecei a tomar gosto do negócio. Era interessante lá. De repente o cara comprava, você tirava o pedido, o cara pagava. Tinha todo um ritual ali de... Do cara preencher as fichas, ou as notas promissórias - na época não existia esse negócio de cheque pré-datado - , ou vinha pagar mesmo. Então eu sempre ficava ali. E fui gostando. Nessa época eu passei a trabalhar, e toda hora que eu tinha um tempo vago, me dedicava um pouco a ir para a loja. Na época, por volta de uns dois anos depois, por volta de uns treze anos, meu pai abriu uma filial e me deu a chave da loja. Falou: “Olha, essa loja é para você tomar conta”. Com treze anos, ele deu para eu tomar conta. É lógico que eu tinha a chave mas eu não podia ir, porque eu estudava. Então, normalmente, eu ia à tarde lá, mas já tinha uma responsabilidade. Interessante isso, eu acho que é importante: meu filho está com quinze, eu estou tentando fazer com que ele trabalhe, mas está difícil. As coisas mudam. E aí eu comecei a me interessar. Então ia lá, já sabia fazer conta. Você tinha que dividir, cobrar os juros. E eu acho que foi uma época interessante, acho que a gente aprendeu, aprendi bastante. Eu fiquei um tempo, mas aí os estudos começaram a apertar. Eu resolvi ser engenheiro, então eu entrei no curso técnico. Aí, já com quinze anos. E me tomava mais tempo. Eu acabei deixando de lado um pouco a loja e fui estudar. Mas não foi durante muito tempo. Apareceu uma oportunidade e a gente comprou uma fábrica de sorvete. Eu tinha uns dezesseis para dezessete anos, mais ou menos, não lembro direito, mais ou menos. Mas era basicamente minha a fábrica, lá. Eu gostava, cuidava. Fiz a minha mãe trabalhar. Nessa época ela ia lá, recebia os carrinhos que vinham da rua, fazia as contas. Foi uma boa época. Ganhei dinheiro, não posso reclamar. Entrei na faculdade. Ele gostava disso, me emancipou. Eu com dezesseis anos já era emancipado. Tinha conta em banco, tinha... Dos irmãos, era só eu que gostava do comércio. Os outros eram mais preguiçosos. Meu irmão não gostava, não. Também foi uma outra época. Uma diferença de seis anos, um pouco diferente.
JUVENTUDE
Na juventude eu trabalhava, mas tinha tempo para diversão. A gente ia para o clube, nos bailinhos. Na época a gente montou - eu e mais dois amigos - uma espécie de um, não era um conjunto, mas cada um entrou com um tipo de equipamento. E a gente dava os bailinhos no final de semana. Ia para alguns bairros mais afastados e fazia o som, dava o som e tal. Foi muito interessante, era muito divertido. Tocava muito rock aqui em Taubaté, rock pesado. As coisas não mudam. Eu me lembro que nessa idade, à noite... Eu tinha um radinho, eu ficava ouvindo a Rádio Mundial, do Rio de Janeiro. Então eu ficava ouvindo aquelas músicas que estavam... Até por interesse. Contrabandeava uns discos, gravava uns discos, botava em fita cassete para poder tocar. Funcionava assim. A gente basicamente ficava em Taubaté. Mesmo porque não tinha carro. O carro, a gente só conseguiu lá com dezoito anos, e nessa época eu estava saindo de Taubaté. Mas o pessoal mais velho ia para as outras cidades do Vale. Mas tinha muita briga. O pessoal acabava tendo muita rixa. Ia para um baile em São José, brigava. Ia para Caçapava, brigava. Eu não peguei essa fase. Eu não era um cara de briga. Brigava, era rixa. Hoje o Taubaté subiu para a segunda... para a fase A2, no futebol. Qual é a grande... O que o taubateano quer ver? Quer ver ele jogar contra o São José. Por quê? Porque se ganhar do São José, está satisfeito. É igual o Corinthians ganhar do Palmeiras. É a mesma coisa.
VALE DO PARAÍBA
Na época não era com São José, essa rixa. São José era muito menor do que é hoje, então não era uma cidade que a gente se preocupava muito. Hoje é com São José a maior rixa, eu acho. As duas cidades maiores. Mas era com Pinda, era com Guará, era com até Tremembé, aqui do lado, uma cidadezinha pequena. As coisas aconteciam e tinha esse tipo de briga. Mas aí, mais velho, a gente ia para os bailes, ia para os bailes de Carnaval. Mas aí era mais complicado porque o pessoal da cidade não gostava. Chegava aquele monte de forasteiro querendo pegar as meninas da cidade, lá, isso dava muito problema.
EDUCAÇÃO
Já tinha faculdade aqui em Taubaté, mas eu botei na cabeça que eu queria morar no Rio de Janeiro. Aí eu... Minha mãe queria que estudasse em São José, no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica]. Aí eu não passei no ITA, não passei na Fuvest - não sei se era esse o nome - mas passei na Cesgranrio. Entrei na Federal do Rio. Queria estudar no Rio de Janeiro. E fui para lá: peguei minha malinha e fui fazer faculdade no Rio de Janeiro. Era diferente. Era diferente, era muito maior. Tem a praia. A própria faculdade. A gente pegou o finalzinho ali da repressão, não podia falar algumas coisas. Eu morava no Rio na época da bomba lá do Riocentro. Eu só não fui naquele show porque eu tive algum tipo de problema. Mas era para ter ido. Então era uma ebulição, as coisas estavam acontecendo. Entrei na faculdade em 77. Não participei dos movimentos. A gente olhava meio de longe assim, mas sabia que tinha problema. Porque, de vez em quando, apareciam umas pessoas diferentes na escola. Um olhava para o outro, sabia que o cara era..., tinha cara de policial. Tinha cara de quem não era da faculdade. Então a gente tinha um pouco de medo, tomava um pouco de cuidado. Mas era legal. Quer dizer, tinha muita gente que tocava música, aquelas músicas de protesto. Mas era uma coisa bem light, assim. Vinha final de semana. Alguns finais de semana eu ficava lá, outros vinha para cá.
JUVENTUDE
Namorava, saía com os amigos. Alguns amigos tinham saído fora. A gente se encontrava aqui, a turma. Teve gente que foi estudar em São Paulo, teve gente que foi estudar em Petrópolis, um pessoal que ficou aqui em Taubaté. Aí reunia, ia para as boates, ia bater papo, jogar conversa fora, ia para o clube.
TRABALHO
Me formei. Nessa época eu já... Quando eu entrei no terceiro ano, eu já comecei a trabalhar. Nunca gostei de ficar parado. Trabalhei em uma empresa no Rio de Janeiro que fazia computadores. Foi no início do... Quando surgiram os computadores no Brasil, essa empresa começou a fazer. O dono tinha uma empresa em Niterói, que cuidava de um cartório. E ele queria informatizar o cartório. Então a gente trabalhou um bom tempo lá informatizando o cartório dele. Ele queria fazer um piloto até para vender para os outros. Eu me formei, achei até que fosse continuar, porque a empresa estava bem, mas ele acabou brigando com a mulher, acabou se desentendendo e a empresa acabou. Eu voltei para Taubaté, mas queria muito trabalhar, quer dizer, na minha área. Mandei um monte de currículo, arrumei emprego em São Paulo, na Prológica. Também era uma empresa que estava começando na área de computador. Aí começou a carreira lá. Fui gerente de produto. De lá fui para uma outra empresa de eletrônica, trabalhei como engenheiro. Em seguida os amigos meus, que eu tinha deixado no Rio de Janeiro, tinham montado uma empresa que vendia computadores, um comércio de computadores. Estava indo muito bem a empresa, eles queriam abrir uma filial em São Paulo e eles me convidaram para ser o sócio de São Paulo, já que eu estava em São Paulo. Aí eu abri com eles uma empresa. Fiquei um tempo, depois eu saí, abri a minha empresa. E aí foi. Fiquei em São Paulo uns dez anos, mais ou menos. Aí nasceu o meu segundo filho - isso foi em 1993, mais ou menos. Eu não agüentava mais São Paulo, estava louco para voltar para Taubaté. Acabei voltando para Taubaté, montei aqui uma empresa de informática e fui... Voltei a trabalhar com meu pai.
FAMÍLIA
Meu pai, nessa época, tinha um depósito de gás, esse gás de cozinha. Eu fui dar uma mão. Na época ele já estava meio cansado, achava que não estava ligando muito para o negócio, e eu acabei indo lá, incorporando, ficando lá. Na época ele tinha loja de móveis e acabou aparecendo uma oportunidade de ele comprar uma loja, um depósito de gás - um amigo dele que estava querendo se desfazer - e ele acabou comprando. Isso foi por volta de 1970. O depósito de gás tem desde 1970. E ele gostou muito do negócio. Ele tinha uma habilidade manual muito grande. E ele gostava de ir nas indústrias e vender o gás para usar para corte, usar nos restaurantes, caldeira para água quente. Então ele fez uma freguesia muito grande, na época, porque não existia em Taubaté ninguém vendendo esse gás. Ele gostava. Quando dava problema, ele ia arrumar - era engraçado isso. E aí acabaram vindo alguns magazines para Taubaté, foi ficando difícil o negócio para uma empresa pequena de móveis, ele acabou se desfazendo. E ficou só com o gás. Tinha uma concorrência, mas era pequena, para o negócio do gás. A loja de móveis fechou em 75, talvez. Meu pai continuou no comércio, mas vendendo o gás. E tendo a atuação dele lá no sindicato do Comércio, que ele gostava muito.
MIGRAÇÃO
Voltar para Taubaté foi interessante. Por um lado, Taubaté é muito menor que São Paulo, menos oportunidade. Por outro lado, eu vim com uma bagagem interessante: trabalhara em várias empresas, tinha visto vários tipos de negócio, e vim para cá para tentar aplicar esse tipo de coisa. Eu sabia que... eu ia ter algum tipo de problema com meu pai, que sempre tem. Que você quer fazer uma coisa, ele quer fazer outra. Mas ele deu muita liberdade. Ele falava: “Olha, faz o que você achar melhor”. Mas eu sempre consultava, via o que ele achava. Algumas coisas ele achava que era arrojado demais, mas ele falava: “Vai lá”. Por exemplo, na época, eu queria comprar, sei lá, três caminhões para botar na rua para fazer entrega automática, que não tinha. “Mas três?”, “Não, é que dividi a cidade de tal maneira que eu preciso dos três caminhões”, “Está bom, vamos lá. Vamos ver o que acontece”. E aí ele segurava as pontas. Era um paizão.
COMÉRCIO
Ficamos trabalhando um tempo juntos, quer dizer, na verdade ficamos trabalhando até há uns cinco anos atrás. Ele teve um problema grave de saúde. Teve um AVC [Acidente Vascular Cerebral], quando ele deu uma piorada, mas ele melhorou. Ele tinha o carro dele, dirigia. Até que há uns dois anos atrás ele piorou, mas ele continuava tendo a vida dele. Ele ia lá no depósito de gás, não dava muito palpite, mas sentava lá, lia o jornal. Essa época ele já estava com motorista, ele já não estava dirigindo. Perguntava como é que estavam as coisas, se estava precisando de alguma coisa. Sempre participou, até o final da vida dele. Faz dois meses que ele morreu, extremamente recente. Ele continuava participando. Ele era uma pessoa muito determinada. Um mês antes de ele morrer, mais ou menos, ele perdeu muita massa muscular. Só para dar um exemplo: cheguei em casa, ele estava em uma cadeira de rodas. Eu falei: “Pô, pai, mas cadeira de rodas?”, “Não, eu estou com dificuldade para andar e tal”. Só que ele foi sozinho, junto com o motorista, alugou a cadeira de rodas, pagou - ele que tomava conta da conta bancária dele - , assinou o cheque. A conta era comigo. De vez em quando eu dava uma olhada para ver como é que estava, mas é engraçado, uma pessoa ir sozinha, ir lá e botar uma cadeira de rodas. É isso. Teve uma época, que ele foi juiz classista. Ele gostou muito dessa..., de atuar como juiz classista na Justiça do Trabalho. Foi juiz, acho, que durante uns dez anos. Fez boas amizades.
CIDADES
Taubaté Saí daqui com dezoito anos. Voltei em 92. Eu estava com trinta anos. A cidade cresceu, a gente perde um pouco de... Acaba não conhecendo muito as pessoas, as pessoas vão se mudando, e tal. Os bairros da cidade cresceram, os lugares que você..., que eram fazendas, hoje são loteamentos, as pessoas moram. Mas quando você é da cidade, acho que quando a sua raiz é dali, é sempre, você sabe onde está o sapateiro, você sabe onde está o supermercado, o bar que você freqüenta, os amigos onde é que vão. Não tem uma... Acho que você demora um pouquinho, mas acaba voltando, aquela rotina acaba sendo a mesma.
RELAÇÃO COM O COMÉRCIO
Não saio de Taubaté para fazer compras. A gente vai, às vezes, para São Paulo, para São José dos Campos para passear - que a criançada, às vezes, fica enjoada aqui da cidade. Você acaba indo para um shopping, acaba indo para São Paulo num shopping. Mas eu não tenho, eu não vejo necessidade. Então Taubaté me basta. E como tenho tudo o que eu preciso hoje... Vou ao shopping. Mas basicamente a gente compra as coisas nas lojas dos amigos. Taubaté é uma cidade que eu ando sem dinheiro. Então eu vou no bar, eu compro alguma coisa: “Anota aí”, vou na loja não sei do quê, às vezes você precisa de alguma coisa, ou o filho vai, anota. Depois a pessoa manda receber. Ainda funciona esse tipo de coisa com os amigos. Esses tempos meu filho queria ficar sócio de uma locadora. Eu falei: “Olha, vai lá e fala que você é meu filho”, “Não, mas precisa assinar, precisa o documento e tal”, “Vai lá e fala que você é filho do Dan”. Aí ele foi lá e voltou com a fita embaixo do braço. Eu falei: “Está vendo como...?”, “Ele sabe quem é você, pai”. Aí eu falei: “Sabe, lógico que sabe”. Então funciona assim ainda a cidade. Mas está crescendo. Começa a ficar mais difícil esse tipo de coisa.
CASAMENTO
Conheci minha esposa aqui em Taubaté. Foi engraçado. Essa época eu morava no Rio de Janeiro e vim passar férias em Taubaté. Eu estava na loja de uma amiga minha e ela estava lá. A gente se cruzou, assim. Eu achei ela interessante. Acabamos indo... Na época - tem uma festa grande no Tremembé, em agosto, a festa do padroeiro. Aí ia uma turma grande, ela acabou indo, a gente acabou conversando. Na época a gente trocou muita carta. Não tinha e-mail, o telefone era caro. A gente mandava cartinha, aí. Ainda tem as cartas guardadas. Ela tem, eu não tenho. E namoramos bastante tempo. Depois eu fui para São Paulo, ela foi para lá. E a gente casou.
FAMÍLIA
Meus filhos, um nasceu em São Paulo e o outro nasceu aqui. Acho que eles levam uma vida muito boa. Estudam em uma boa escola, freqüentam o clube, ficam bastante tempo no clube. Fazem inglês, fazem informática - um agora está mexendo com informática. O maior, que tem quinze anos, já está criando vida própria. O final de semana ele sai, liga três horas, duas, cinco horas para ir buscá-lo no clube ou na boate, que vai todo mundo dormir em casa. Ou então ele liga que está indo dormir na casa do amigo. Mas eu acho que eles têm uma vida boa. Comparada à minha vida de adolescente, é uma vida mais difícil. A gente se preocupa mais. Onde ele está, tem que ligar. Esse tempo atrás a gente deu um celular, mas achei que não foi uma boa idéia e tirei de volta. Vou acabar dando de novo. Porque você fica preocupado. Porque você não... Esses dias morreu um amigo dele aí em um acidente de carro. Então você começa a ficar preocupado. Na minha época tinha isso? Tinha. Mas tinha muito menos. Na minha época não se falava em drogas, era muito difícil. O máximo que você tomava era um pifão na vida. Eu tomei três. Não bebo mais. Mas não existia esse negócio de droga, não existia essa violência gratuita que tem hoje. O meu filho sai sozinho, ele anda sozinho, ele anda de bicicleta. A gente segura, explica como é que é, como é que funciona. Mas não dá para colocar ele preso em uma redoma. E o de dez anos está começando também a se soltar. De vez em quando pega a bicicleta, vai para a casa da avó. Mudou um pouco, mas ainda é uma cidade boa de se viver, Taubaté. Se morasse em São Paulo, com certeza, eles não teriam esse tipo de vida. São Paulo está muito complicado.
AVALIAÇÃO
Comércio As lições do comércio: primeiro, sempre manter uma reserva de dinheiro. Ter dinheiro no banco é muito melhor do que ficar precisando de dinheiro. Atualmente está complicado. O comércio não está passando por uma fase boa, mas é importante. E segundo, tentar criar um círculo de amizade, porque se você fizer esse círculo de amizade - lógico que o seu negócio tem que ser impessoal, tem que andar sem você - , mas se as pessoas tiverem a tranqüilidade ou souberem que aquele negócio é do fulano, e que se tiver algum problema a pessoa vai te ligar e você vai estar lá para resolver. Então os meus negócios, mais ou menos, funcionam sem a minha presença. Mas, às vezes, a pessoa liga e fala: “Olha, Dan, eu não tenho dinheiro hoje. Eu não posso dar um cheque para tal dia? Olha aconteceu um problema”. As pessoas têm essa..., precisam saber que tem alguém atrás do negócio. É uma coisa - a gente tenta até levar para o lado da impessoalidade, até em tentar ter mais de um negócio, não estar ali na frente do balcão. Mas elas sabem que tem - o meu pai também trabalhava desse jeito - mas elas sabem que tem alguém ali atrás, se precisar de alguém, está lá. Estava o Juca, agora está o Dan. É mais ou menos isso. É uma pena meu pai não estar participando aqui, porque realmente ele viveu, conheceu muito do comércio. Ele viveu toda essa mudança do comércio aqui, da prestação de casa em casa até os grandes magazines, até as grandes negociações que hoje acontecem. Ele passou... Ele sempre falou: “Eu sou um privilegiado. Eu vi nascer o chuveiro elétrico”, porque na casa dele não tinha chuveiro elétrico, esquentava a água no fogão a lenha, passava a serpentina. “Vi nascer a televisão, o rádio, o carro.” Então era uma enciclopédia mesmo. Ele era um bom contador de história. É uma pena ele não estar aqui para contar. E eu contei um pouquinho, e para contar história, ele era melhor do que eu.
Memórias do Comércio - Vale do Paraíba (MCVP)
Móveis e gás em Taubaté
História de Dan Guinsburg
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 11/03/2004 por Museu da Pessoa
P/1 – Dan, só para a gente registrar o início, teu nome, local e data de nascimento?
R – Dan Guinsburg. Nascido em Taubaté, 19/1/1958. 45 anos.
P/1 – E seus pais?
R – Meus pais, o nome do meu pai era Israel Guinsburg. Mas era conhecido aqui na cidade como Juca. E a minha mãe chamava-se Hela Guinsburg. Meu pai nascido em 16/1/1928, nascido em Taubaté. Minha mãe era polonesa, nasceu em 14/9/1932, Os dois já estão falecidos.
P/1 – E os seus avós?
R – Meus avós, eu conheci dois avós, né? O pai da minha mãe chamava-se Emanuel Gricksmann e a minha avó eu não conheci. Ela morreu na Polônia na Segunda Guerra Mundial. Foi na época lá do nazismo. Chamava-se Eva Gricksmann. E a minha, o meu avô chamava-se José Guinsburg, que eu cheguei a conhecê-lo. E a minha avó chamava-se Berta Guinsburg, que morreu antes de eu nascer.
P/1 – E a sua mãe? Como é que ela chegou no Brasil?
R – É, minha mãe tem uma história que dá uma história. dá um livro aqui, né? Os meus avós eram muito ricos e conseguiram comprar a liberdade. Ficaram escondidos durante a guerra inteira em um porão de uma casa. A minha mãe passou-se por católica, por cristã. Ficaram mudando de locais e tal. A minha avó não acreditou, foi pega. Foi morta. Ela tentou fugir foi fuzilada, né, quando tentou fugir de um caminhão quando estava sendo levada lá para um campo de concentração. E se salvaram meu avô e minha mãe. De lá, terminou a guerra eles vieram para a França. ficaram em Paris um ano, vendo como é que iam. Tentaram ir para os Estados Unidos. Todo mundo tentava ir para os Estados Unidos, não conseguiram. Ele descobriu que ele tinha um parente aqui no Rio de Janeiro e veio para o Brasil. E aí por coincidências da vida ele resolveu abrir um curtume em Taubaté. Tinha algumas pessoas aqui da, alguns russos, ou gente da Polônia na época. 1947, 48. Aí minha mãe veio para cá, conheceu o meu pai e casaram-se.
P/1 – E o seu pai? A história do seu pai, ele já nasceu aqui? Os pais dele...
R – O meu pai já nasceu aqui. Meu avô e minha avó vieram da, meu avô era romeno e minha avó era russa. E vieram para cá depois da Primeira Guerra. Se encontraram aqui no Brasil e se casaram aqui. Mas eles não se conheciam.
P/1 – E eles vieram para o Brasil para qual cidade?
R – Meu avô desceu, chegou em um navio no Rio de Janeiro. Depois acabou vindo para São Paulo, também parece que tinha algum conhecido. Sempre tinha, né? Algum parente, algum conhecido. Veio, acabou vindo para Taubaté, a minha avó já estava aqui. Aí se casaram, tiveram quatro filhos e dentre eles o segundo foi o Juca, aí.
P/1 – E eles chegaram em Taubaté mais ou menos em que ano? Só para eu me localizar.
R – Olha, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Nós estamos falando em 1900 e, o meu pai é de 28, eles casaram em 26, chegaram aqui em 25, 24.
P/1 – E você tem idéia se tinha alguma comunidade judaica aqui em Taubaté? Como é que era?
R – Tinha, era maior do que hoje. As pessoas vinham, acabavam ficando aqui na cidade. Era mais unido. O pessoal era unido porque não falavam a língua. falavam ou o iídiche ou o russo. No caso da minha mãe o polonês. Eles iam para São Paulo, compravam roupa, tinham crédito lá na cidade. Vinham para cá, vendiam, é o que a minha avó fazia. Minha avó e meu vô.
P/1 – Sua vó fazia isso?
R – É.
P/1 – Seu a vô também?
R – Meu avô era mais malandro. Ele, quem gostava muito de trabalhar era a minha avó. A mãe do meu pai, a dona Berta. E meu pai ajudava, meu pai com 10 anos ele punha uma, uma mala nas costas e ia com ela trabalhar. Vender de porta em porta. Russo da prestação, famoso.
P/1 – E ele vendia em toda região do Vale?
R – Não, eles vendiam mais em Taubaté. Naquela época o transporte era muito difícil, não era uma coisa muito simples. Para ir para São Paulo só tinha o trem que demorava, sei lá, 4 horas para chegar a São Paulo. Então quando ia para São Paulo buscar mercadoria era uma coisa difícil. E como vendiam a prestação então, e ele tinha uma bicicleta que ele ia cobrar depois dos clientes. então acabavam vendendo mais em Taubaté. Eu não saberia dizer mas acho que não vendiam fora da cidade.
P/1 – Mas você acha que, uma curiosidade minha, comparativamente se vendia nessa época em Taubaté – anos 30, né, a gente está falando – existia mais essa venda de porta em porta ou existia um comércio já regulamentado?
R – Ah, existia um comércio regulamentado mas era muito pequeno, né? Como hoje existe. Quer dizer, hoje o comércio mudou um pouquinho. O que a gente chama hoje de camelô, a pessoa que trás coisas lá do Paraguai, os importados e tal. Na época isso aí era, não existia. Ninguém sabia o que era isso. E existia esse comércio de roupa. Na verdade era basicamente roupa. Depois eles melhoraram, eles abriram uma espécie de loja dentro de casa. Foi um segundo passo.
P/1 – Aonde que era?
R – Então eu, nessa época eles conseguiram já comprar uma casa. Eles tinham, eles moravam de aluguel mas conseguiram comprar uma casa aqui em Taubaté. Hoje é centro, bem centro da cidade. Chama Rua Jacques Felix.
P/1 – Você chegou a conhecer essa casa?
R – Conheci. Morei nessa casa.
P/1 – Como é que era?
R – Nasci nessa casa lá. quando as minhas tias foram embora, né? Porque as minhas tias moram, uma morava em São Paulo e duas moravam no Rio de Janeiro. Elas casaram e se mudaram de Taubaté. A casa quando meus avós faleceram acabou ficando para o meu pai. Ele comprou a parte de todo mundo e a gente chegou a morar lá. É, era uma casa interessante. Porque não tinha garagem. Aquela época não tinha carro, nada. Depois a gente acabou reformando para fazer a garagem, o local do carro. Tinha um bom quintal, tinha goiabeira, a gente tinha cachorro. Aquela coisa de cidade do interior.
P/1 – E como é que era essa loja dentro da casa? O que é que vendia?
R – Então, dentro do, foi onde eu não peguei mais. mas era uma sala de visita. Foi construída uma loja. Não era da minha época mas o pessoal comentava. E que era uma loja, uma loja de roupa. Vendia roupa basicamente roupa feminina.
P/1 – Roupa pronta?
R – Roupa pronta.
P/1 – Não tecidos, roupa?
R – Não tecidos, mais roupa pronta. E em seguida o negócio foi crescendo a minha avó resolveu montar uma loja na cidade. Aí montou, chamava-se modas Berta. Tinha o nome dela. E também, pegara-se a loja que era na casa e transformaram em uma loja. Isso ele tinha documento. Chegou na época, como é que era? CGC, CNPJ, não sei como é que era. Mas tinha contador, era uma empresa que funcionava direitinho.
P/1 – E era sua avó que cuidava?
R – É, era minha a vó. Meu pai já trabalhava. Meu avô também trabalhava. Era uma coisa meio familiar. Não tinha empregado, nada. Era uma loja pequena e os fregueses que estavam acostumados a receber a minha avó e meu pai em casa passaram a ir na loja comprar. Sempre a prestação, sempre pagando...
P/1 – Cadernetinha.
R – É, o carnezinho direitinho. Assim que funcionava.
P/1 – Mas o seu pai já ajudava na loja mas também estudava?
R – É, meu pai estudava. Ele fez, terminou o segundo grau fez Escola do Comércio na época. Seria hoje quase um contador. Um técnico em contabilidade. E aí ele, já estamos falando em 1957 e tal, quando ele casa. aí a minha avó faleceu, faleceu em 56, um ano depois ele casou. E nessa época ele resolve mudar de ramo. Ele achava que era muito pequena a loja, tal. Na verdade teria que dar para uma nova família que ele estava constituindo e meu avô que ainda era vivo e também era sócio. Resolveram abrir uma loja de móveis. Abriu uma loja de móveis, uma loja de móveis bastante grande para a época. Chamava-se GO móveis.
P/1 – E esses móveis eram da onde?
R – Ah, vinham de todo o Brasil aí. Tinha colchão Probel, Bergamo. E aí foi a época que eu nasci. Eu me lembro bastante bem da loja de móveis porque cheguei a trabalhar lá. com 11 anos...
P/1 – Espera aí. Agora você tem que me contar antes como é que ele conheceu a sua mãe.
P/1 – Então, a minha mãe veio para Taubaté junto com meu vô que resolveu montar um empreendimento aqui, um curtume. E aí eles se conheceram. Ela na época tinha 15 para 16 anos. Ele já estava com 20 anos. E começaram a namorar e tal. Minha mãe era, dizem, que era muito bonita. O meu pai também era famoso aí na cidade. Namoraram, brigaram, essas coisas de sempre. O empreendimento do meu avô, né, o pai da minha mãe não deu certo ele foi para São Paulo. Foi trabalhar lá em São Paulo como empregado em uma loja de roupa depois foi o braço direito do G. Aronson. Foi o gerentão lá do G. Aronson durante um bom tempo. Depois meu pai resolveu ir para lá, fizeram as pazes. E ele acabou trazendo ela de volta para Taubaté.
P/1 – Aí casaram aqui?
R –Aí cassaram aqui, né? Aqui no civil, casaram em São Paulo no religioso e começou a família.
P/1 – Então ele começou a família em que pé? Como é que estava a situação assim?
R – Então, ele já tinha, ele estava começando a loja de móveis dele. Essa loja chama GO móveis.
P/1 – E nessa época você tem idéia de como estava o comércio de Taubaté? Já havia loja de móveis? Havia algum diferencial na loja dele, não?
R – É, Taubaté já era uma cidade grande, quer dizer, Taubaté na verdade foi a maior cidade do Vale. Nessa época era a maior cidade do Vale. Hoje perdeu esse nome para São José dos Campos que passou a cidade por n motivos, que não vem ao caso. Mas o comércio era bem pujante aqui na cidade. Tinham várias lojas de móveis, tinham vários amigos. Não tinha um diferencial assim, eu não, ninguém falava em marketing. Vendia, quer dizer, as pessoas eram muito conhecidas. As pessoas normalmente sabiam quem era o pai, quem era a mãe, quem era o avô, quem era o bisavô. Então de vez em quando a gente sai na rua, né, e vai em algum lugar a pessoa chega e fala: “Ah, eu conheci sua mãe, conheci seu pai, sua avó, sei Vô. Comprei roupa deles, comprei móveis, tal.” Coisa que não existe mais, mas naquela época era uma coisa mais normal. As pessoas tinham essa preocupação e a amizade assim acabava influenciando muito o comércio, a venda.
P/1 – Era quase que pessoal, né?
R – Era.
P/1 – E aí então ele montou a loja de móveis, casou, montou a loja de móveis e?
R – E foi vivendo, né? Fomos vivendo. Foi nascendo...
P/1 – E você foi o primeiro que nasceu?
R – Fui o primeiro que nasci, isso em 1958. Depois veio a minha irmã a Berta em 1959 e o caçula, o caçulinha na época, já não é mais, o Ivan em 64.
P/1 – Então você passou a infância na Taubaté dos anos 60?
R – Dos anos 60.
P/1 – Como é que era Taubaté nos anos 60? Você lembra como é que era ser criança em Taubaté nos anos 60?
R – Ah, era muito divertido. A cidade era pequena. A gente na época o meu pai sempre se preocupou muito com a educação. E ele tinha uma amiga, chamava Maude Rego Sá de Miranda, já falecida. E ele queria que abrisse uma escola. Ela era uma pessoa muito capaz, uma pedagoga. Fez n curso. Foi advogada tal e na época que eu fiz 7 anos ela abriu uma escola. E eu fui o primeiro aluno da escola. Minha turma para você ter uma idéia tinha seis alunos. Então eu fiz um primário com seis alunos. Na verdade com cinco porque um acabou se mudando da cidade. Então eu praticamente tive um professor particular. E na época era um professor para cada matéria. Era uma coisa completamente diferente para a época, estava acostumado a ter um professor que dava todas as matérias. Eu tinha um professor de português, uma professora de ciências, uma professora de matemática e foi muito interessante. Depois a escola cresceu, depois a professora acabou falecendo e a escola acabou. Mas era legal, a gente jogava bola na rua, andava de bicicleta, ia para o clube. Andava a pé, andava, não tinha essa preocupação com violência, não tinha absolutamente nada. Empinava pipa, tudo que tinha direito.
P/1 – E como que era na sua casa? Teu pai, tua mãe, vocês?
R – Ah, era uma família de classe média assim normal. não tinha...
P/1 – (riso) E como é uma família de classe média normal?
R – É, a gente estudava, eu estudava. Os outros estudavam. Era uma família unida, a gente batia muito papo e conversava bastante.
P/1 – Tua mãe trabalhava?
R – Minha mãe trabalhava em casa. Ela era sócia do meu pai mas ia muito pouco na loja. O meu avô, o pai do meu pai, não gostava que ela fosse. Ele achava que lugar de mulher era em casa. Então basicamente ela cuidava dos filhos. Cozinhava, era uma excelente cozinheira.
P/1 – E você lembra aonde ela fazia as compras para vocês? Para casa, e para vocês aqui em Taubaté? Em que lojas que ela ia, o que é que ela comprava?
R – É, uma vez por semana ela ia no mercado municipal. Então comprava galinha viva, não existia galinha morta. Quem matava era a empregada, porque ela também não gostava de matar galinha. Comprava frutas, verduras, carne. E tinha um armazém que ficava muito próximo da loja de meu pai, até na época chamava Armazém Secos e Molhados, do Azuline, eu me lembro. Comprava arroz, feijão, não existia esse negócio de supermercado. Essas coisas não existia. Ia na padaria, também marcava na caderneta, pão e tal para pagar por mês as coisas. Passava na porta de casa o cara vendendo galinhas e você comprava. Eu me lembro que eu gostava muito de leite de cabra. Sempre passava um cara com umas cabras, você tomava lá na hora o leitinho de cabra. O outro passava, vendia lingüiça. Também na porta de casa. O leite era de garrafa. Todo dia deixavam lá os dois litros na porta de casa. Era umas coisas da década de 60 mesmo.
P/1 – E brinquedo, as coisas da escola?
R – É brinquedo era coisa de madeira, carrinho de madeira e bola. Basicamente bola, peteca. Depois foi surgindo alguma coisa com raquete, a gente brincava. Amarrava um fio na rua. Mas era muitas brincadeiras do tipo queimada, é brincar de boi, de pique. As brincadeiras eram mais desse nível assim.
P/1 – Mas tinha onde comprar? Quer dizer, Taubaté era uma cidade nos anos 60 que você tinha tudo para comprar?
R – Tinha.
P/1 – Ou seu pai e sua mãe tinham que ir para São Paulo para comprar alguma determinada coisa?
R – Não, tinha. Tinha uma loja de, eu adorava uma loja de brinquedo chamava Plastilar. E você ia lá e se deliciava. Tinha muito brinquedo, muita coisa de plástico. Coisas da Trol, o carrinho que hoje não faria a cabeça da criançada , mas na época era o que existia. Taubaté era uma cidade muito, tinha bastante coisa. Tinha loja de carro, tinha bicicleta.
P/1 – E roupa?
R – Não, roupa a gente ia com alguma regularidade para São Paulo. Pelo meu avô morar lá e na época ele trabalhava em uma loja de roupa eu ganhava muita roupa dele. E a gente ia constantemente lá visitá-lo. Constantemente? Uma vez a cada dois meses a gente estava em São Paulo. Acabava-se comprando coisas em São Paulo, bem no centrão ali no, onde era o Mappin, né? Naquele miolo do centro de São Paulo.
P/1 – E como é que era a viagem para São Paulo? Vocês iam de carro? Como é que era?
R – É, eu me lembro eu indo de carro.
P/1 – Tinha alguma coisa nessa viagem que você lembra?
R – Ah, eu lembro que demorava. Que a Dutra só tinha uma pista, era cansativo. Alguns vezes a gente ia para o Rio, porque tinha parente no Rio também. Era muito cansativo.
(pausa)
P/1 – Nós estávamos falando?
R – De roupa, onde é que a gente comprava as nossas roupas, tal.
P/1 – Isso.
R – Que eu falei que a gente comprava em Taubaté, mas como a gente ia muito para São Paulo acabava comprando em São Paulo.
P/1 – Isso, e vocês viajavam aqui pelo Vale? Iam para o litoral?
R – A gente basicamente ia para o litoral, Ubatuba. Um pouco para Campos do Jordão, mas era mais difícil porque não tinha essa estrada que hoje tem. a gente tinha um amigo, muito amigo nosso que tinha uma fazenda aqui perto que hoje é 10 minutos para chegar lá, mas na época era uma aventura. Levava mais de uma hora porque quando chovia então não chegava. Então a gente ia muito para lá. Eu sempre gostei de fazenda, meu pai me deu um cavalo. Então eu sempre queria ir lá andar a cavalo. E íamos para o Rio de Janeiro que tinha família lá no Rio de Janeiro, São Paulo. E fomos muitas vezes também para Bertioga, na colônia do Sesc lá. comi lá de bandejão. Peguei todas as fases da colônia do Sesc.
P/1 – E desde quando que o teu pai estava vinculado ao Sesc?
R – Olha, por volta de 1970 eu acho, 68 ele começou.
P/1 – Mas então você já estava mais para a frente?
R – Estava com um uns 10 anos, mais ou menos 10.
P/1 – Você lembra disso?
R – Lembro. Eu sempre acompanhei muito ele assim. Ele gostava que fosse junto com ele e tal, ele achava que a gente aprendia estando junto. Então fui em muita reunião assim. Às vezes não tinha ninguém, só estava eu lá pequenininho com 10, 11 anos participando lá da reunião, ouvindo. Às vezes me chateava mas sempre gostei e foi interessante porque acabou, minha vida acabou desembocando nisso. Hoje, né? A gente participa aí da, dessas entidades de classe: Sesc, Senac, Federação do Comércio, Sindicato do Comércio. Gosto de política. Estou envolvido aí na política da cidade e tal. E com certeza isso aí aconteceu por isso. Porque na época ele também se envolveu com prefeitura. Ele acabou, as primeiras indústrias que vieram para Taubaté nessa segunda fase aqui Volkswagen, Dardo, Nortris. Ele fazia parte de um grupo que a prefeitura tinha que não era remunerado, mas que conversava com os empresários, via o que eles queriam. E acabou trazendo essas indústrias aqui para a cidade.
P/1 – E como é que ele entrou nisso? Teve alguém que chamou ele? Que tipo de iniciativa ele teve? Você lembra?
R – Olha, ele sempre foi muito então. Ele gostava assim de participar. Ele, se ele não tivesse sido comerciante ele teria sido, sei lá, jornalista. Qualquer coisa que ele tivesse feito eu acho que ele teria feito bem. Ele sempre, esse negócio do comércio, ele começou a mexer na época da semana inglesa, para fechar o comércio sábado ao meio-dia. Porque na época trabalhava direto. E começou a mexer. Eu acho que não teve ninguém. Teve alguns amigos, eu me lembro da época que eram gente mais antiga do que ele. Mas na verdade eu acho que ele buscou o caminho dele meio sozinho.
P/1 – E você sempre acompanhando?
R – É, eu basicamente sempre tive na cola dele acompanhando. Como é que era, como é que funcionava.
P/1 – E como é que ele era, quer dizer, nessa militância do comércio. De que tipo de reivindicação ele fazia, que tipo de pensamento ele tinha em relação ao comércio de Taubaté. Você tem isso?
R – Olha, eu acho que ele era muito bairrista. Ele gostava muito da cidade, gostava muito de Taubaté. Conhecia muito a cidade. Inclusive ele era um arquivo vivo. Sabia quem era quem. Agora ficou mais difícil porque a cidade cresceu um pouco. Mas era engraçado assim porque quando eu era pequeno eu chegava em casa: “Ô, pai, esse é meu amigo.” Aí ele perguntava quem era pai, quem era a mãe. Aí ele falava quem era os avós, quem era os bisavós. Sabia tudo da família da pessoa, assim que era, sabia quem era. E ele lutou muito para a cidade crescer, para o comércio crescer. Essa ida dele para a prefeitura para tentar trazer essas indústrias foi parara tentar fazer com que a cidade crescesse. Uma época que Taubaté andou andando meio para trás aí. Acabou ficando meio perdido aí, ele correu atrás dessas indústrias ele achava que, como a Volkswagen por exemplo, que hoje é uma potência. Tem seis mil empregados em Taubaté. Faz com que o comércio deslanche. E aí ele participou da Associação Comercial, foi um dos criadores do Serviço de Proteção ao Crédito. Depois surgiu o Sindicato do Comércio Varejista. Ele foi o terceiro presidente. E ficou um bom tempo lá como presidente. Acabou trazendo o Sesc para Taubaté.
P/1 – Isso que eu ia te perguntar: se você sabe um pouco a história dessa chegada do Sesc em Taubaté?
R – Então eles, o Sesc em Taubaté, Taubaté sempre foi uma cidade privilegiada. Tinha o Senac e tinha o Sesc. Mas o Sesc era muito pequenininho. Era uma casinha pequena. Tinha uma quadra de futebol de salão e dois dentistas. Se resumia a isso o Sesc. E na época ele reivindicou junto ao Conselho lá do Sesc a vinda. Conseguiu um terreno junto a alguns empresários que doaram a área para o Sesc. É uma área grande. Eu não saberia dizer quantos metros são, mas é bastante grande. E reivindicou mesmo. Correu atrás. Correu atrás, trouxe na época o Abrham em Taubaté. Levou o prefeito até lá. Ele perdeu uns, sei lá, uns 2 anos assim para tentar que o Sesc saísse. Até que saiu. Na época o pessoal ficou meio assim porque era um bairro bastante afastado da cidade. Hoje não é mais. A cidade acabou indo atrás do Sesc, o que é super interessante. Mas na época era um bairro muito afastado. Era considerado longe da cidade. E até como uma justa homenagem o Sesc aqui tem o nome dele.
P/1 – Em que ano que foi inaugurado?
R – Olha, o Sesc tem uns 12 anos. Estamos em 2002, 1990.
P/1 – Hum, hum. Agora vamos voltar um pouquinho para você.
R – Vamos voltar.
P/1 – Você começou trabalhando na loja de móveis.
R – É, eu sempre xeretando e tal. Com 11 anos eu me lembro trabalhando na loja. Essa época de Natal, eu gostava de vim a noite para a cidade. O comércio ficava aberto até mais tarde, né, 10, 10 e meia. E normalmente era um comércio mais agitado. Tinha os vendedores mas sempre chegava gente que não tinha condições de ser atendida. Aí eu ia lá e perguntava o que é que a pessoa queria. Era até engraçado um garotinho de 11 anos e tal. Algumas pessoas não falavam. Outras falavam. E você vai se habituando e eu comecei a tomar gosto do negócio. Era interessante lá. De repente o cara comprava, você tirava o pedido o cara pagava. Tinha todo um ritual ali de, do cara preencher as fichas, ou as notas promissórias. Ou, na época não existia esse negócio de cheque pré-datado. Ou vinha pagar mesmo. Então eu sempre ficava ali. E fui gostando. Nessa época eu passei a trabalhar e toda hora que eu tinha um tempo vago assim, me dedicava um pouco a ir para a loja. Na época, por volta de uns 2 anos depois, por volta de uns 13 anos meu pai abriu uma filial e me deu a chave da loja. Falou: “Olha, essa loja é para você tomar conta.”
P/1 – Com 13 anos?
R – Com 13 anos.
P/1 – Depois do barmithzva.
R – É. Com 13 anos ele deu para eu tomar conta. É lógico que eu tinha a chave mas eu não podia ir porque eu estudava. Então normalmente eu ia a tarde lá, já, mas já tinha uma responsabilidade, né? Interessante isso, eu acho que é importante. Meu filho está com 15, eu estou tentando fazer com que ele trabalhe mas está difícil.
P/1 – As coisas mudam.
R – As coisas mudam, né? E aí eu comecei a me interessar. Então ia lá, já sabia fazer conta. Você tinha que dividir, cobrar os juros. E eu acho que foi uma época interessante. Acho que a gente aprendeu, aprendi bastante.
P/1 – Daí você ficou com essa responsabilidade?
R – É, eu fiquei um tempo mas aí os estudos começaram a apertar. Eu resolvi ser engenheiro então eu entrei no curso técnico. Aí já com 15 anos. E me tomava mais tempo. eu acabei deixando de lado um pouco a loja e fui estudar um pouco. Mas não foi durante muito tempo. apareceu uma oportunidade e a gente comprou uma fábrica de sorvete. Eu tinha uns 16 para 17 anos mais ou menos. Não lembro direito. Mais ou menos. Mas era basicamente minha a fabrica lá. eu gostava, cuidava. Fiz a minha mãe trabalhar. Nessa época ela ia lá, recebia os carrinhos que vinham da rua, fazia as contas. Foi uma boa época. Ganhei dinheiro não posso reclamar. Entrei na faculdade.
P/1 – E o que é que teu pai achava de tudo isso? Quer dizer, você tem 16 anos e já...
R – Ele gostava. Me emancipou. Eu com 16 anos já era emancipado já. Tinha conta em banco, tinha...
P/1 – É mesmo?
R – É. Sempre, isso aí nunca teve problema.
P/1 – Mas isso com teus irmãos também?
R – Não, era só eu que gostava. Os outros eram mais preguiçosos. Meu irmão não gostava, não. Também foi uma outra época, né? Uma diferença de 6 anos, um pouco diferente e tal.
P/1 – Agora, como era a tua juventude aqui em Taubaté se você já trabalhava desde os 10 e tinha uma fábrica de sorvete? Dava tempo para ser...
R – ah, dava, né? Sempre dá tempo.
P/1 – E como é que era?
R – Ah, era super divertido. A gente ia para o clube, nos bailinhos. Na época a gente montou – eu e mais dois amigos – uma espécie de um, não era um conjunto, mas cada um entrou com um tipo de equipamento. E a gente dava os bailinhos no final de semana. Ia para alguns bairros mais afastados e fazia o som, dava o som e tal. Foi muito interessante, era muito divertido.
P/1 – E que é que tocava naquela época? O que é que o pessoal mais gostava?
R – Ah, já tocava muito rock, né?
P/1 – Aqui em Taubaté?
R – Aqui em Taubaté. Rock pesado. É, era, as coisas não mudam. Eu me lembro que nessa idade a noite, eu tinha um radinho, eu ficava ouvindo a rádio mundial no Rio de Janeiro. Então eu ficava ouvindo aquelas músicas que estavam, até por interesse. Contrabandeava uns discos, gravava uns discos. Botava em fita cassete para poder tocar. Funcionava assim.
P/1 – E o que é que dava para um jovem fazer aqui em Taubaté? Dava para circular por outras cidades do Vale?
R – É, não era uma coisa muito comum. A gente basicamente ficava mais em Taubaté mesmo. Mesmo porque não tinha carro. O carro a gente só conseguiu lá com 18 anos. E nessa época eu estava saindo de Taubaté. Mas o pessoal mais velho ia. Mas tinha muita briga. O pessoal acabava tendo muita rixa. Ia para um baile em São José brigava. Ia para Caçapava, brigava.
P/1 – Pois é, já me contaram isso. Que brigam entre as cidades.
R – É, era complicado isso. Mas não era a minha, eu não peguei essa fase. Eu não era um cara de briga. Brigava, era rixa. Quer dizer, hoje o Taubaté subiu para a segunda, para a fase A2 aí. Qual é a grande, o que é que o taubateano quer ver? Quer ver ele jogar contra o São José. Por que? Porque se ganhar do São José está satisfeito. É igual o Corinthians ganhar do Palmeiras. É a mesma coisa, entendeu?
P/1 – Mas a rixa é São José e Taubaté?
R – é, na época não era. São José era muito menor do que é hoje então não era uma cidade que a gente se preocupava muito. Hoje é com São José, né, a maior rixa eu acho. As duas cidades maiores. Mas era, era com Pinda, era com Guará, era com até Tremembé aqui que é do lado, uma cidadezinha pequena. As coisas aconteciam e tinha esse tipo de briga. Mas aí mais velho a gente ia para os bailes, ia para os bailes de Carnaval. Mas aí era mais complicado porque o pessoal da cidade não gostava. Chegava aquele monte de forasteiro querendo pegar as meninas da cidade lá, isso dava muito problema.
P/1 – (riso) O problema é sempre esse.
R – Sempre esse. São sempre as mulheres. (riso)
P/1 – Mas daí vocês iam e eram os forasteiros. Quer dizer, como é que percebia que o sujeito é de Taubaté? Quer dizer, pelo sotaque tem uma diferença pelo sotaque? Pela roupa?
R – Não, as coisas eram, as cidades eram muito pequenas, né? Então você chegava em uma determinada cidade você sabia quem era o sócio daquele clube, quem não era. A chapa do carro.
P/1 – Não dava para disfarçar.
R – Ah, não dava. Você chegava lá ninguém te conhecia, quer dizer, você estava em um grupo de três ou quatro amigos mas: quem é? quem é? Ninguém sabia, era de fora, né? E aí tinha problema. Mas eu não peguei. Eu realmente não me lembro de nenhuma briga. Ainda bem.
P/1 – Nessa época você falou que você foi estudar fora.
R – É.
P/1 – Não tinha faculdade aqui em Taubaté? Como é que era isso?
R – Já tinha faculdade aqui em Taubaté mas eu botei na cabeça que eu queria morar no Rio de Janeiro. Aí eu, minha mãe queria que estudasse em São José, no Ita. Aí eu não passei no Ita, não passei na Fuvest – não sei se era esse o nome – mas passei na Cesgranrio. Entrei na Federal do Rio. Queria estudar no Rio de Janeiro. E fui para lá. peguei minha malinha e fui fazer faculdade no Rio de Janeiro.
P/1 – E o Rio de Janeiro era muito diferente de Taubaté?
R – Era diferente. Era diferente. Era muito maior, né? Tem a praia. A própria faculdade. A gente pegou o finalzinho ali da repressão. Não podia falar algumas coisas. Eu morava no Rio na época da bomba lá do Rio Centro. Eu só não fui naquele show porque eu tive algum tipo de problema. Mas era para ter ido, né? Então era uma ebulição, as coisas estavam acontecendo.
P/1 – Que ano que foi isso?
R – Entrei na faculdade em 77.
P/1 – E você chegou a participar de algum movimento estudantil?
R – Não, basicamente a gente olhava meio de longe assim, mas sabia que tinha problema. Porque de vez em quando apareciam umas pessoas diferentes na escola. Um olhava para o outro sabia que o cara era, tinha cara de policial. Tinha cara de quem não era da faculdade. Então a gente tinha um pouco de medo. Tomava um pouco de cuidado. Mas era legal. Quer dizer, tinha muita gente que tocava música, aquelas músicas de protesto. Mas era uma coisa bem light assim.
P/1 – E daí final de semana você vinha para Taubaté, ou não?
R – Vinha final de semana alguns ficavam lá, outros vinham para cá.
P/1 – E o que é que você fazia aqui em Taubaté?
R – Ah, namorava. Saía com os amigos. Alguns amigos tinham saído fora. A gente se encontrava aqui a turma. Teve gente foi estudar em São Paulo. Teve gente que foi estudar em Petrópolis. Um pessoal que ficou aqui em Taubaté. Aí reunia, ia para as boates, ia bater papo, jogar conversa fora. Ia para o clube.
P/1 – E você chegou a se formar?
R – Me formei.
P/1 – E?
R – Me formei, nessa época eu já, quando eu entrei no terceiro ano eu já comecei a trabalhar. Nunca gostei de ficar parado. Trabalhei em uma empresa no Rio de Janeiro que fazia computadores. Foi no início do, quando surgiu os computadores no Brasil essa empresa começou a fazer. O dono tinha uma, uma empresa em Niterói que cuidava de, um cartório. E ele queria informatizar o cartório. Então a gente trabalhou um bom tempo lá informatizando o cartório dele. ele queria fazer um piloto até para vender para os outros. Eu me formei, achei até que fosse continuar, porque a empresa estava bem. Mas ele acabou brigando com a mulher, acabou se desentendendo a empresa acabou. Eu voltei para Taubaté mas queria muito trabalhar, quer dizer, na minha área. Mandei um monte de currículo, arrumei emprego em São Paulo, na Prológica. Também era uma empresa que estava começando na área de computador. Aí começou a carreira lá. fui gerente de produto. De lá fui para uma outra empresa de eletrônica. Trabalhei como engenheiro. Em seguida os amigos meus que eu tinha deixado no Rio de Janeiro tinham montado uma empresa, uma, que vendia computadores. Um comércio de computadores. Estava indo muito bem a empresa, eles queriam abrir uma filial em São Paulo e eles me convidaram para ser o sócio de São Paulo. Já que eu estava em São Paulo. Aí eu abri com eles uma empresa. Fiquei um tempo, depois eu saí, abri a minha empresa. E aí foi.
P/1 – E com o seu pai, você voltou a trabalhar?
R – Voltei a trabalhar. Aí fiquei em São Paulo uns 10 anos mais ou menos. Aí nasceu o meu segundo filho. Isso foi em 1993, mais ou menos. Eu não agüentava mais São Paulo, estava louco para voltar para Taubaté. Acabei voltando para Taubaté, montei aqui uma empresa de informática e fui, voltei a trabalhar com meu pai. Meu pai nessa época tinha um depósito de gás. Esse gás de cozinha. Eu fui dar uma mão. Na época ele já estava meio cansado. Achava que não estava ligando muito para o negócio e eu acabei indo lá, incorporando, ficando lá.
P/1 – Mas como é que ele passou da loja de móveis para...
R – Ah, tá. Na época ele tinha loja de móveis e acabou aparecendo uma oportunidade dele comprar uma loja, um depósito de gás. Um amigo dele que estava querendo se desfazer e ele acabou comprando.
P/1 – Quando que foi isso?
R – Isso foi por volta de 1970.
P/1 – Ah, é antigo então.
R – É, o depósito de gás tem desde 1970. E ele gostou muito do negócio. Ele tinha uma habilidade manual muito grande. E ele gostava de ir nas indústrias e vender o gás para usar para corte, usar nos restaurantes. Caldeira para água quente. Então ele fez uma freguesia muito grande na época, que não existia em Taubaté, vendendo esse gás. Ele gostava. Quando dava problema ele ia arrumar. Era engraçado isso. E aí acabaram vindo alguns magazines para Taubaté, foi ficando difícil o negócio para uma empresa pequena, né, de móveis, ele acabou se desfazendo e ficou só com o gás.
P/1 – Ficou só com...
R – Com o depósito de gás.
P/1 – E tinha concorrência, de gás aqui em Taubaté?
R – Tinha, sempre teve. Agora está uma loucura, mas na época eu diria que era menos predatório. Hoje a concorrência é muito grande.
P/1 – E a loja de móveis ele fechou quando?
R – Fechou em 75, talvez.
P/1 – Faz tempo também.
R – É faz tempo.
P/1 – Passou de uma para a outra.
R – É. Continuou no comércio mas vendendo o gás. E tendo a atuação dele lá no Sindicato do Comércio, que ele gostava muito.
P/1 – E como é que foi isso para você de voltar de São Paulo para Taubaté?
R – Olha, foi, foi...
P/1 – E voltar a trabalhar com o pai, né, depois de quantos anos?
R – É, foi interessante, né? Por um lado Taubaté é muito menor que São Paulo, menos oportunidade. Por outro lado eu vim com uma bagagem interessante. Trabalhava em várias empresas, visto vários tipos de negócio e vim para cá para tentar aplicar esse tipo de coisa. Eu sabia que o, eu ia ter algum tipo de problema com meu pai. Que sempre tem. Que você quer fazer uma coisa, ele quer fazer outra. Mas ele deu muita liberdade assim. Ele falava: “olha, faz o que você achar melhor.” Mas eu sempre consultava ele, o que ele achava. Algumas coisas ele achava que era arrojado demais mas ele falava: “Vai lá.”
P/1 – Por exemplo?
R – Na época eu queria comprar, sei lá, três caminhões para botar na rua para fazer entrega automática que não tinha. “Mas três?” “Não, é que dividi a cidade de tal maneira que eu preciso dos três caminhões.” “Está bom, vamos lá. vamos ver o que acontece.” E aí ele segurava as pontas. Era um paizão.
P/1 – Legal. E vocês ficaram trabalhando algum tempo juntos?
R – Ficamos trabalhando um tempo juntos, quer dizer, na verdade ficamos trabalhando até há uns 5 anos atrás ele teve um problema grave de saúde. Teve um AVC quando ele deu uma piorada, mas ele melhorou. Tinha o, tinha a vida dele. ele tinha o carro dele, dirigia. Até que uns 2 anos atrás ele piorou, aí, mas ele continuava tendo a vida dele. Ele ia lá no depósito de gás. Não dava muito palpite mas sentava lá, lia o jornal. Essa época ele já estava com motorista, ela já não estava dirigindo. Perguntava como é que estava as coisas. Se estava precisando de alguma coisa. Sempre participou, até o final da vida dele. 2 meses que ele morreu, extremamente recente. ele continuava participando. Ele era uma pessoa muito determinada. Uns, um mês antes dele morrer mais ou menos ele perdeu muita massa muscular, só para dar um exemplo, aí cheguei em casa ele estava em uma cadeira de rodas. Eu falei: “Pô, pai, mas cadeira de rodas?” “Não, eu estou com dificuldade para andar e tal.” Só que ele foi sozinho, junto com o motorista, alugou a cadeira de rodas. Pagou. Ele que tomava conta da conta bancária dele. assinou o cheque. A conta era comigo. de vez em quando eu dava uma olhada para ver como é que estava. Mas é engraçado uma pessoa ir sozinha ir lá e botar uma cadeira de rodas. É isso. teve uma época que ele foi juiz classista. Ele gostou muito dessa, de atuar aí como juiz classista na Justiça do Trabalho. Foi juiz acho que durante uns, acho que uns 10 anos. Fez boas amizades.
P/1 – Agora me fala uma coisa.
R – Diga.
P/1 – Você saiu daqui com 18 anos. E você voltou com quantos anos?
R – Eu voltei em 92 eu estava com? 40? Não, 30. 30, né?
P/1 – Não, você estava, você voltou 20 anos depois, 15 anos depois praticamente. Como é que, tem uma diferença da Taubaté que você deixou que você saiu aos 18 dessa Taubaté quando você chega? O que é que aconteceu com Taubaté nesse tempo que você ficou fora? Entendeu o que eu falei?
R – Não, a cidade cresceu, a gente perde um pouco de, acaba não conhecendo muito as pessoas. As pessoas vão se mudando e tal. Os bairros da cidade cresceram os lugares que você, que eram fazendas hoje são loteamentos. As pessoas moram. Mas quando você é da cidade, acho que quando a sua raiz é dali é sempre, você sabe onde está o sapateiro, você sabe onde está o supermercado. O bar que você freqüenta. Os amigos onde é que vão. Não tem uma, acho que você demora um pouquinho mas acaba voltando, aquela rotina acaba sendo a mesma.
P/1 – Você hoje por exemplo compra tudo o que você precisa em Taubaté? Você não sai de Taubaté para fazer compra?
R – Não saio de Taubaté. A gente vai às vezes aí para São Paulo, para São José dos Campos mas mais para passear. Que a criançada às vezes fica enjoada aqui da cidade. Você acaba indo para um shopping, acaba indo para São Paulo, um shopping. Mas eu não tenho, eu não vejo necessidade. Então Taubaté me basta. E como, tenho tudo o que eu preciso hoje.
P/1 – Você vai ao shopping?
R – Vou ao shopping.
P/1 – Faz suas compras?
R – Vou ao shopping. Mas basicamente a gente compra as coisas nas lojas mais dos amigos, né? Taubaté é uma cidade que eu ando sem dinheiro. Então eu vou no bar eu compro alguma coisa. “Anota aí.” Vou na loja não sei do que, às vezes você precisa de alguma coisa, ou o filho vai, anota. Depois a pessoa manda receber. Ainda funciona esse tipo de coisa com os amigos. Esses tempos meu filho queria ficar sócio de uma locadora. Eu falei: “Olha, vai lá e fala que você é meu filho.” “Não, mas precisa assinar, precisa o documento e tal.” “Vai lá e fala que você é filho do Dan.” Aí ele foi lá e voltou com a fita em baixo do braço. Eu falei: “Tá vendo como...” “Ele sabe quem é você pai.” Aí eu falei: “Sabe, lógico que sabe.” Então funciona assim ainda a cidade. Mas está crescendo. Começa a ficar mais difícil esse tipo de coisa.
P/1 – E você conheceu a sua esposa aqui em Taubaté também?
R – Conheci aqui em Taubaté.
P/1 – E como que foi? Tem que contar.
R – (riso) Não, foi engraçado. Essa época eu morava no Rio de Janeiro e vim passar férias em Taubaté. Eu estava na loja de uma amiga minha e ela estava lá. a gente se cruzou assim. Eu achei ela interessante. Acabamos indo na época, tem uma festa grande no Tremembé em agosto, a festa do padroeiro. Aí ia uma turma grande, ela acabou indo. A gente acabou conversando. Na época a gente trocou muita carta. Não tinha e-mail. O telefone era caro. A gente mandava cartinha aí. Ainda tem as cartas guardada. Ela tem, eu não tenho. E namoramos bastante tempo. depois eu fui para São Paulo. Ela foi para lá e a gente casou.
P/1 – E depois ela veio, os teus filhos nasceram aqui?
R – Um nasceu em São Paulo e o outro nasceu aqui.
P/1 – E que vida que eles levam aqui em Taubaté, teus filhos?
R – Olha, acho que eles levam uma vida muito boa, viu? Estudam em uma boa escola, freqüentam o clube, ficam bastante tempo no clube. Fazem inglês, fazem informática. Um agora está mexendo com informática. O maior que tem 15 anos já está criando vida própria. O final de semana ele sai. Liga 3 horas, 2, 5 horas para ir buscá-lo na, no clube ou na boate que vai todo mundo dormir em casa. Ou então ele liga que está indo dormir na casa do amigo. Mas eu acho que eles têm uma vida boa. Quer dizer, esse...
P/1 – Comparando com a vida que você teve quando você era criança aqui, por exemplo.
R – É, é uma vida mais difícil. A gente se preocupa mais. onde é que ele está, ele tem que ligar. Esse tempo atrás a gente deu um celular mas achei que não foi uma boa idéia tirei de volta. Vou acabar dando de novo. porque você fica preocupado, né? Porque você não, esses dias morreu um amigo dele aí em um acidente de carro. Então você começa a ficar preocupado. Na minha época tinha isso? Tinha. Mas tinha muito menos.
P/1 – É, isso que eu ia te perguntar. Quer dizer, como pai, o que é que você difere do teu pai e no que é que você é igual ao teu pai?
R – É, a conversa que a gente mantém e tal. mas na minha época não se falava em drogas, era muito difícil. O máximo que você tomava era um pifão na vida. Eu tomei três. Não bebo mais. Mas não existia esse negócio de droga, não existia essa violência gratuita que tem hoje. O meu filho sai sozinho, ele anda sozinho, ele anda de bicicleta. A gente segura, explica como é que é, como é que funciona. Mas não dá para colocar ele preso em uma redoma. E o de 10 anos está começando também a se soltar. De vez em quando pega a bicicleta, vai para a casa da avó. Mudou um pouco. Mas ainda é uma cidade boa de se viver, Taubaté. Se morasse em São Paulo com certeza eles não teriam esse tipo de vida. São Paulo está muito complicado.
P/1 – E Dan, o que é que você acha que o teu pai te ensinou para você trabalhar com o público? Quer dizer, o que é que você aprendeu com teu pai para você estar lá no teu negócio e poder tocar ele com tranqüilidade?
R – Bom, primeiro sempre manter uma reserva de dinheiro. Ter dinheiro no banco é muito melhor do que ficar precisando de dinheiro. Atualmente está complicado. O comércio não está passando por uma fase boa. Mas é importante. E segundo tentar criar um círculo de amizade, porque se você fizer esse círculo de amizade, lógico que o seu negócio tem que ser impessoal. Tem que andar sem você. Mas se as pessoas tiverem a tranqüilidade ou souberem que aquele negócio é do fulano e que se tiver algum problema a pessoa vai te ligar e você vai estar lá para resolver, né? Então os meus negócios mais ou menos funcionam sem a minha presença. Mas às vezes a pessoa liga e fala: “Olha, Dan, eu não tenho dinheiro hoje. Eu não posso dar um cheque para tal dia? Olha aconteceu um problema.” As pessoas tem essa, sabe que tem alguém atrás do negócio, entendeu? É uma coisa, a gente tenta até levar para o lado da impessoalidade, até em tentar ter mais de um negócio, na estar ali na frente do balcão. Mas elas sabem que tem. o meu pai também trabalhava desse jeito. Mas elas sabem que tem alguém ali atrás, se precisar de alguém está lá o, estava o Juca, agora está o Dan. É mais ou menos isso.
P/1 – E o que é que você acha do Sesc estar tentando contar essa história do comércio em Taubaté? Você acha isso importante?
R – Ah, eu acho superimportante. Eu gosto muito de história. Eu acho que o brasileiro esquece muito das coisas. Não lembra as coisas que aconteceram há uma semana atrás, imagina há 30 anos atrás. Eu acho super importante. E as coisas vão se perdendo. Na verdade eu perdi meu pai há dois meses. Então a casa que era dele a gente optou por vender. Então tem muita coisa que era dele. Mas às vezes não me diz respeito. Você acaba guardando mas muita coisa você acaba jogando fora. Algum tipo de fotografia. Algum tipo de livro, alguma dedicatória. Alguma foto que você não sabe nem quem é a foto e tem uma dedicatória. Mas você não tem a menor idéia quem é acaba indo para o lixo. Então se isso for sendo feito constantemente essas coisas não se perdem, e é importante para quem está vindo aí atrás aproveitar.
P/1 – Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar que você acha que ele gostaria de falar? Alguma coisa assim?
R – Olha, é uma pena ele não estar participando aqui porque realmente ele viveu, conheceu muito do comércio. Ele viveu toda essa mudança do comércio aqui da prestação de casa em casa até os grandes magazines, até as grandes negociações que hoje acontecem. Ele passou por, ele sempre falou: “Eu sou um privilegiado. Eu vi nascer o chuveiro elétrico” que na casa dele não tinha chuveiro elétrico. Era com, esquentava a água no fogão a lenha. Passava a serpentina. “Vi nascer a televisão, o rádio, o carro.” Então era uma enciclopédia mesmo. Quer dizer, era um museu, né? Com certeza vocês vão estar entrevistando gente que tem essa, mas ele era um bom contador de história. é uma pena ele não estar aqui para contar. E eu contei um pouquinho, né?
P/1 – Contou bastante. (riso)
R – É. Ele era bom para contar história, ele era melhor do que eu.
P/1 – Tem alguma história assim, especial, que você acha que ele gostaria de contar?
R – Olha, a maioria das histórias dele eu não poderia contar porque ele teria que contar daqui a 70 anos, 80 anos porque ele conhecia todas as gerações. Então é igual ao arquivo dos Estados Unidos só pode ser aberto daqui a 50 anos porque se não (riso) acaba prejudicando muita gente. Mas ele tinha muitas histórias. Ele é daquele tempo que ainda ia na praça, final de semana, dia de semana ia na praça. Que tem uma praça aqui na cidade do Epaminondas em que se reúnem os amigos. Vão lá saber quem é que morreu naquele dia, é interessante assim. Como é que as pessoas convivem com esse tipo de coisa. E sempre passo lá, olho no banco em que ele ficava sentado. Dá uma tristeza tal, mas bola para a frente. Não tem jeito.
P/1 – E o que é que você achou de ter contado essa história para a gente? Foi bom?
R – Legal. Espero que tenha ficado bom. Espero que vocês tenham gostado.
P/1 – Não, eu estou perguntando para você o que é que você achou?
R – É, eu acho legal, é interessante, né? Conversando a gente vai a noite inteira, né? Vai lembrando das coisas, vai buscando lá no fundo da memória. E depois que acaba a gente lembra: “Pôxa, mas eu me lembro mais uma história, mais uma outra história.” Mas é legal. É importante esse improviso. Eu acho que é ruim quando vem as coisas escritas, acaba não saindo natural. E desse jeito acaba sendo do jeito que a gente é, né?
P/1 – Exatamente. Então eu te agradeço. Obrigada.
R – Eu é que agradeço a oportunidade. Depois eu quero ver como ficou.
P/1 – Ah, ele vai deixar você ver um pouquinho. Pablo.