Memória trazida pelo afeto, não sai mais
Autor:
Publicado em 15/11/2021 por Danilo Eiji Lopes
Entrevista de Luiz Laércio Simões Machado
Entrevistada por Danilo/Daniela
21/04/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número FURNAS HV 010
Transcrito por Aponte
00:10
P/1 - Maravilha inicialmente, bom dia senhor Luiz, senhor Laércio eu gostaria de agradecê-lo por participar do projeto Furnas das pessoas essa parceria entre Furnas e o Museu da Pessoa muito obrigada pela presença e por reservar esse tempo conosco.
R - Eu que é agradeço, eu agradeço!
00:32
P/1 - Maravilha, antes de nós iniciarmos também essa conversa, para efeito do nosso registro, eu gostaria que o senhor falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento por favor?
R - Pois não, Luiz Laércio Simões Machado, nascimento 14 de setembro de 1941 e a cidade Brazópolis sul de Minas Gerais.
01:09
P/1 - Maravilha. Senhor Luiz, antes de também perguntar sobre a sua vida especificamente, eu queria saber se você conhece a história dos seus avós, da sua família, por parte de mãe, por parte de pai. O senhor conhece?
R - Eu conheço razoavelmente, aliás, é uma das coisas que eu me penitencio de não ter conversado mais com as minhas tias, com os meus avós a respeito disso, era muito jovem não tinha ainda interesse nessa ancestralidade, mas acabou que a vida me ensinou a importância e aliás é um tema que eu aprecio muito, das memórias, das biografias mas ainda assim, eu cato um pedacinho aqui, um pedacinho ali, de coisas muito antigas que eu sei pelos meus parentes ou por mim mesmo e tenho uma ideia da vida dos meus bisavós. É claro que como qualquer memorialista, o pedaço que está em branco, eu preencho com um pouco de ficção, mas uma coisa coerente da continuidade, não tumultua, não quebra o ritmo ou o roteiro, de modo que eu tenho sim algumas ideias.
02:58
P/1 - Com pesquisa!
R - Com pesquisa eu tive oportunidade de saldar os 100 anos de nascimento do meu pai, ele já tinha falecido há 12 anos atrás, e em nome da família no evento que promovemos lá em Itajubá, foi a cidade principal da vida da minha família e nessa saudação eu lembrei de muita coisa fiz algumas pequenas pesquisas mais foi mesmo a minha memória e pude fazer uma saudação que até eu mesmo gostei. Eu trouxe o meu pai num ângulo diferente, nem tratei tanto como pai, mas como a pessoa que ele foi, do que ele gostava, etc.. e isso me exercitou um pouco no rumo ao passado.
04:11
P/1 - Muito bom, então vamos começar pelo que eu entendi você sabe até anteriormente, os bisavós, conta um pouco da parte materna e depois da parte paterna, vamos lá.
R - Da parte materna eu não vou tão longe porque o meu avô materno era um imigrante português, eu não conheço a vida dele em Portugal antes que ele migrasse para o Brasil ainda no começo do século passado uns 1900 por aí, mas ele veio de Portugal, o avô materno, veio de Portugal eu não sei se é o mesmo tempo ou em tempos próximos praticamente a família toda veio, ganhar a vida aqui no Brasil, e ele ganhou a vida aqui com os braços, com a força. Não era uma pessoa escolarizada, mais forte, e muito trabalhador e foi assim até o fim da vida dele e ele veio com um filho nas mãos, ele trouxe um filhinho que ele tinha, que acabou depois sendo então o irmão por parte de pai da minha mãe, aliás um menino que se transformou numa pessoa extraordinária, me emociona lembrar esse tipo, e assim chegou meu avô ao Brasil, a mãe dele veio, eu conheci a mãe dele bem velhinha, eu muito menino conheci a mãe do meu avô, conheci alguns irmãos inclusive, uma das irmãs casada com o relojoeiro foi quem confeccionou a minha aliança de casamento, eu podia ter comprado essa aliança de casamento onde eu morava. Eu morava onde a minha esposa futura morava que é Itajubá, mas eu fui à Varginha me encontrar com uma tal tia Emília que era irmã do meu avô materno, com filhos inesquecíveis, inclusive um padre que era sobrinho do meu avô o padre José, um padre especialíssimo que morreu com cem anos, a pouco tempo, e eu fui à Varginha confeccionar a minha aliança de casamento, uma aliança grossa, larga, com muito ouro, eu falei, olha eu vou prestigiar minha tia que era a esposa do relojoeiro, fui a Varginha e fiz lá, então a família veio, do avô materno. Ele no princípio trabalhou em serviço duro, construção de estrada de ferro, abertura de túneis, isso era feito a picaretadas, um homem não era robusto, mas era forte, e nessas andanças ele conheceu a minha avó que morava numa estação férrea no entorno, nos arredores de uma estação de trem próxima de Santa Rita do Sapucaí que é a cidade da região onde eu nasci próximo de Brasópolis. A minha avó era praticamente uma mulher quase analfabeta, era o tempo dos analfabetismos era o começo do século 20 e se casaram e depois ele teve uma fase melhor, ele conhecendo melhor o Brasil, ele trabalhou com café, compra e venda de café, foi quando nesse período mais próspero da vida dele que houve o encontro do meu pai, do meu futuro pai com a minha mãe, se encontraram por ali e namoravam, ali no distrito de Brazópolis, a cidade natal da maior parte dos meus irmãos, minha etc, ele menino, meu pai menino ainda namorando a minha mãe eu me lembro das conversas do meu avô dizendo: - “Quem é esse menino que tá aí na beira da janela amassando o barro?” Eles namoravam assim conversando de longe, e ele ficava do lado da calçada que não tinha calçada era terra e mexendo para lá e pra cá amassando o barro ali como se fosse parecido com o que acontece nos currais com gado. Bom, mas esse o meu avô, e o filho é o tio Zezinho o José Simões nascido no exatamente na virada do século XVIII, XIX pra XX de 1900 e esse logo que tomou fez idade e foi para São Paulo e fez a vida em São Paulo fez uma família também muito boa, uma mulher muito positiva Tia Maria eu conheci também a mãe dela que rezava o dia inteiro e era talvez a única casa assim de parente que eu frequentava como se estivesse na minha, era São Paulo e São Paulo era São Paulo para quem morava numa cidade pequena como Brasópolis ou outras que eu vim a morar depois, mas sempre cidade muito pequena aquela província, São Paulo, fazer uma viagem a São Paulo era um evento internacional, então era uma das casas que eu ia esse tio Zezinho ele faleceu em 1957 eu levei a minha avó, nessa altura eu morava com a minha avó levei-a para visitar, para participar do funeral, ela era a madrasta dele mas também adorava o enteado, Fomos a São Paulo e a minha mãe ficou por ali, entre Piranguinho que é um distrito de Brasópolis e Itajubá, aí já começa um pouco do dos detalhes da minha formação que tanto esse meu avô materno quanto a minha avó materna eram semianalfabetos mas quiseram que a filha estudasse, filha única porque tinha o meu avô tinha o menino que ele trouxe de Portugal e a minha mãe se formou no curso de normalista que é o que havia naquela época para as mulheres, raramente uma mulher fazia um curso superior mas as que podiam estudavam o curso normal e se formavam normalistas e iam fazer aulas primárias e a alfabetização que o país tanto precisava, então esse é um perfil muito rápido desses dois avós e esse avô português também é uma das lembranças gratas que eu tenho, uma pessoa boa se eu quero às vezes definir o que é uma pessoa boa e tenho dificuldades em encontrar uma descrição por falta de maior conhecimento de português e etc, basta eu lembrar desse meu avô, quando eu lembro é como se eu tivesse diante por exemplo de um quadro, uma obra de arte quando você olha uma obra de arte ela traz tudo para dentro de você sem que você controle, defina, conceitue nada, aquilo vem sozinho, então eu penso nesse avô e sei o que é bondade, mesmo que eu não preciso sair falando por aí mas eu como não vou fazer prova do Enem sobre a bondade, basta eu lembrar dele, a bondade vem inteira. Eu perdi esse avô aos 14 anos, foi a primeira perda na minha vida, esse avô materno.
14:23
P/1 - Senhor se lembra de alguma passagem com ele, ou uma história que ele contava que você gostaria de registrar aqui?
R - Eu me lembro de muitas, esse avô materno e o casal, o avô e a avó, a avó era mais severa um pouco, mas ele é o que protegia os netos, e avó era mais severa chamava mais atenção, olha isso, olha aquilo, mas eu chegava de trem de ferro vindo das cidades onde o meu pai morava ou vindo de Brasópolis quando eu era mais novo, ou vindo de Muzambinho quando eu já era principiado na puberdade e adolescência e vinha de trem, uma viagem o dia inteiro eu geralmente com alguma irmã, dois menores viajando sozinho o dia todo e chegava na estação ele estava lá e ali pegava na mão de um e de outro e ia para casa tudo é perto cidade interior tudo é perto não precisa de nada, chegava na casa dele tinha lá um guaranazinho caçula pequenininho, a garrafinha pequenininha que era coisa difícil, essas coisas não existiam em profusão como existem hoje, com queijo que às vezes a gente passava numa leiteria e ele comprava um queijo na frente levava para casa e isso é inesquecível, isso realmente não tem preço. Agora a grande lembrança Infelizmente que eu tenho dele foi das condições do seu falecimento, ele trabalhava muito, ele tinha 77 anos e trabalhava como se fosse um pedreiro, ou um ajudante de pedreiro que tivesse 35 por aí, e ele próprio estava fazendo um trabalho no quintal da casa dele onde havia um barranco, um barranco enorme e alto, ele estava mexendo nesse barranco para proteger melhor a casa, e ele toda manhã ele ia com a minha avó a missa, eram católicos, iam a pé também a igreja é perto, tudo é perto, iam os dois para missa e a minha avó ficava e ele voltava mais cedo que ela, ela sempre estava atrasada com as suas orações, ele abreviava um pouco, atalhava um pouco e vinha, e nesse dia ele com ajudantes que tinha trabalhando na casa dele, nos fundos da casa, o barranco caiu em cima e de modo que é foi um dia muito dramático, muito triste, mas uma lembrança bonita porque ele faleceu com uma pá na mão trabalhando e aos 77 anos, poderia ser em um escritório com uma caneta, mas não, a caneta dele era uma pá, uma picareta uma coisa de serviço muscular pesado e ele faleceu, encontraram depois de escavar, acharam ele ali com a pá presa nas mãos e isso, essa imagem que eu não vi foi contada um dia, nós chegamos de fora, essa imagem é a imagem de uma vida inteira como ele foi. Hoje, vencido esse tempo todo isso aconteceu em 1955, vencido esse tempo todo é uma das lembrança mais importantes da minha vida, olha bastaria isso, se eu não soubesse mais nada desse Antônio Simões além de ter me dado esse Simões do meu nome que eu carreguei com muito orgulho, essa lembrança é suficiente, eu não precisaria de mais nada dele, daqueles pedaço de queijo que ele vinha me dar toda hora do guaranazinho caçula que eram raridades na época, na primeira metade da década de 50, então foi uma pessoa que tá aí, lembrada com coisas do coração, esse Antônio Simões, ele entrou para minha memória pelo caminho dos afetos, e eu vinha saber mais tarde, muito mais tarde que o que vem para memória trazida pelo afeto não sai mais, é o que a gente sabe, é o que a gente guarda, e a maior parte das coisas que eu vou contar, já tô contando vieram para minha memória pelo afeto do momento, porque eu gostava dele, eu vim a saber depois. Eu gosto muito de memórias, eu leio muita biografia, conheço a vida de muita gente, memória dos grandes memorialistas, sejam brasileiros ou estrangeiros ,eu já passei por seus livros e no momento em que eu tô ali conhecendo a vida de uma pessoa importante eu aprendo aquilo com afeto eu gosto daquilo, e aquilo então fica!
21:08
P/1 - Você vai indo junto com ele, vai vendo os acontecimentos juntos.
R - Tem gente que elogia a minha memória porque eu lembro de coisas que ninguém lembra mais, e você tem uma memória extraordinária, não, não é isso, é porque essas coisas eu gostava de saber essas coisas, então aquilo entrava com afeto. Esse meu avô foi um grande personagem da minha vida, eu tinha 14 anos quando ele faleceu e a mulher dele que a minha avó, que eu disse aí que é mais severa e foi, é a que ordenava melhor as coisas dentro de casa e tal, foi muito importante na minha vida, no tempo certo eu vou falar dela foi uma das...possivelmente eu tenho tido três mulheres além da esposa, a esposa companheira da vida toda, mas além da esposa eu tive três mulheres importantes na minha vida, minha avó materna é uma delas, a minha mãe naturalmente e a outra é a minha sogra é a terceira, eu convivi com a minha sogra vou falar dela também, até em tempos corridos mais do que com minha mãe, porque me acompanhou do casamento para frente a vida toda, de modo que do que do lado materno eu acho que foi isso. A minha mãe nasceu em 1915 e o meu pai nasceu em 1912, são datas em que eu também acho que são bonitas, são números, eu considero bonito 1912, por exemplo, quando eu estou lendo um livro e aparece lá uma data 1912 eu paro, eu sublinho aquilo e acho uma data, um número bonito, foi o ano que o meu pai nasceu e três anos depois a minha avó 1914 e um ano antes 1915 a minha sogra 1914, essas três pessoas nasceram em lugares próximos entre 1912 e 1915 e fizeram parte sem que eu viesse a saber da minha vida, são três grandes personagens inesquecíveis, a minha sogra faleceu em 2013 aos 99 anos é a mais longeva das minhas afinidades.
24:16
P/1 - E pelo que eu entendi a família sempre lá no sul de Minas. Sempre na região ali.
R - Sempre no sul de Minas. A minha presença aqui há 45 anos no Rio de Janeiro, eu ainda me sinto como se eu estivesse aqui de passagem, indo para algum lugar, porque as minhas origens e são o interior, e o interior de Minas Gerais eu tenho grande afinidade pelas cidades menores, mais afetivas...o sul de Minas Gerais não só onde eu nasci mas onde eu me criei, de onde eu vim, num certo momento já adulto já aos trinta e tantos anos pro Rio de Janeiro, mas eu penso que o Rio de Janeiro pra mim, não para minha família a minha esposa, os três filhos é o rio, é a cidade como se fosse Natal de todos não é, mas é como se fosse adotaram o Rio de Janeiro de uma forma enorme, agora eu vivo aqui e possivelmente vá ficar por aqui até morrer, mas ainda assim me achando de passagem, as minhas raízes, as raízes de um mineiro são muito fortes, é o sotaque não mudou, não consegui falar com um carioca, de modo que a minha vocação era o sul de Minas, ficar por lá entendeu, mas todo mineiro por outro lado só para fechar aqui, todo mineiro, é minha cidade, Minas Gerais de um modo geral é cercada de montanhas, e os mineiros mesmo em Belo Horizonte, os grandes mineiros, ou os mineiros comuns como eu, tinham como sonho um dia vir pro Rio de Janeiro, o Rio de Janeiro era corte, era capital da República, então os grandes mineiros e a história mostra isso, Tancredo Neves e Magalhães Pinto, Gabriel Passos, Milton Campos, Adauto Lúcio Cardoso, tantos e tantos, aqueles quatro mineiros da literatura, famosos como o Sabino, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino e que eram companheiros inseparáveis, todos vieram fazer a vida aqui no Rio de Janeiro porque era a cidade cosmopolita que abria todas as oportunidades em que se pensava naquela época e ele queria ultrapassar a montanha, chegar ao macho, como os mineiros de Juiz de Fora até hoje querem ir ver o macho, eu vim ver o meu e tô vendo a 45 anos.
27:36
P/1 Senhor Luiz, você falou que a sua avó materna foi muito importante, você queria falar um pouco sobre ela, sobre essa relação.
R- Danilo, eu quero, ela realmente fez parte, eu na década de 70, eu li o meu primeiro grande romance, aqui já no Rio de Janeiro. “O tempo e o Vento” do Érico Veríssimo, primeira grande ficção que eu li na vida, que eu me lembro, eu li outras mais de menor repercussão, e nessa trilogia “O tempo e o vento”, tinha lá um personagem no meio do romance que era o Rodrigo Cambará, que ele fez, ele muito de bem com a vida, isso o cenário dessa história em 1915, 1912 por aí, formado em medicina naquele tempo, lá no Rio Grande do Sul uma cidade pequena, ele se sentia de bem com todos os aspectos da vida e ele quis imortalizar isso numa pintura, uma pintura do seu próprio retrato, até a trilogia aí chama “O retrato”, então ele tinha um amigo artista, um anarquista espanhol personagem do livro, que ele é muito amigo dele, foi na casa dele, era um homem rico, morava num sobrado muito famoso, e ele posou para esse anarquista/artista espanhol e o cara fez o retrato dele, e ele falou eu estou no auge da minha vida, dizia o Rodrigo Cambará para si mesmo, pois o auge da minha vida se eu fosse fazer um retrato, a exemplo do que fez esse personagem do Érico Veríssimo, eu teria feito um retrato nesse tempo que eu morei com a minha avó aos 25 anos de idade, e foi quando eu senti que eu era um homem independente, porque eu já estava empregado em Furnas e depois também eu vim a saber, e é coisa recente, que aquele período pós guerra de 45 até 80, vamos dizer assim, foi o melhor período da história do Brasil, isso eu vivi nesse tempo, sou um beneficiário da melhor fase da vida social, política, econômica, financeira do país, e eu quando me formei em engenharia, eu me formei na morando na casa da minha, eu fui para...o meu pai morava em Muzambinho, também sul de Minas, mas mais distante, mais uma cidade onde eu passei a adolescência, e é uma cidade que eu amo, hoje eu quando lembro de Muzambinho me sinto bem também, e eu sai de Muzambinho aos 15 anos para vir para Itajubá, e a minha avó era viúva há um ano e pouco atrás, precisava de companhia. E Itajubá era uma cidade relativamente grande comparada com as outras, Itajubá tinha um curso médio preparatório para uma escola de engenharia muito famosa que tinha, que têm em Itajubá, uma universidade hoje, mas meu tempo era uma faculdade, um Instituto Eletrotécnico de Itajubá, eu vim com 15 anos de idade e penso hoje que foi o uma benção de Deus ter feito isso comigo, me trazido para Itajubá, morei com a minha avó, ela muito religiosa usava muito, eu me lembro eu tinha umas missões dentro de casa, uma delas era sintonizar num rádio de válvula que pegava muito mal, um dial, muito escorregadio, eu tinha que toda a tarde, 3 horas da tarde eu precisava estar em casa para sintonizar o rádio, ela não sabe fazer isso, na rádio Aparecida do Norte, para que ela ouvisse a as bênçãos da Nossa Senhora Aparecida pelo padre Vítor Coelho de Almeida, é uma voz também que eu tenho na memória, eu tenho até tapes dele. Esse padre às 3 horas da tarde de segunda a sexta abençoava Brasil pelas ondas da rádio Aparecida, e a minha missão era essa, era ir lá, era estar lá sintonizando para minha avó, não podia perder isso, ela me deu o teto, ela me deu o suporte, ela viabilizou, eu não era, meu pai não era um homem de posses, ela viabilizou que eu viesse para Itajubá, fizesse em Itajubá o científico e passasse no vestibular concorridíssimo na época para engenharia, e um curso de engenharia naquele tempo era um emprego garantido, o Brasil tinha pleno, não sei se tinha pleno emprego mas a situação social nesse segmento, era muito melhor do que hoje, um curso superior valia ouro, hoje não é tanto.
34:46
P/1 - Senhor Luiz, uma curiosidade, em relação a escola que você teve o científico, você se lembra das matérias, como era o cotidiano dessa escola?
R - Lembro, essa escola é uma das coisas impossíveis de serem repetidas, essa escola foi fundada em 1913, em 1913 nós não tínhamos ainda automóvel, só tínhamos o trem e ela foi fundada em Itajubá por um advogado, um advogado de família ou proeminente, esse advogado era cunhado do vice-presidente da República, que era de Itajubá e se tornou presidente no mandato seguinte que é o Wenceslau Braz, e também está entremeado nas minhas lembranças, esse Teodomiro Santiago, esse advogado, foi a Bélgica, trouxe de lá uns 10 belgas, engenheiros renomados, vieram para Itajubá e ali ele montou a escola na terra natal dele como um presente a cidade, e a escola recebia alunos do país inteiro, inclusive do Amazonas, um menino do Amazonas ia fazer engenharia em Itajubá, mudava pra lá e ficava lá durante 5 anos sem poder visitar pai, mãe, porque não tinha condição de viajar, as pessoas moravam lá pelas dificuldades de transporte, não havia, e me lembro perfeitamente já quando eu entrei na escola em 1960, eu já tinha uma formação, um gosto por matemática, aliás eu gosto de matemática até hoje, hoje eu brinco com matemática nesse meu ipad, tem muito youtube com problemas de matemática, equações, etc, eu me divirto com isso, tem exercício de raciocínio, dizem que isso e palavras cruzadas ajuda a velhice da gente, mas eu sempre gostei de matemática, há uns 10, 15 anos atrás, não minto, quando eu era presidente de Furnas, eu comprei todos os livros de matemática desde o primeiro ano ginasial até o terceiro ano científico, uns 08 volumes de matemática, e estudei aquilo tudo, a latere do exercício do meu mandato de presidente da empresa, eu sempre gostei de matemática e gostei porque nada acontece sem uma origem, eu quando estudava em Muzambinho e morava em Muzambinho, eu tinha um colega, um amigo no 3º ano ginasial que era o crack matemática, então eu me aproximei dele e fui aprendendo com ele e ele como modelo, embora menino como eu, eu fui gostando de matemática e foi ali no 3º ginasial que praticamente eu definia a engenharia, eu tinha médicos na família, diziam, você vai ser médico, tem as mãos compridas, os dedos longos é bom para cirurgia, então você tem jeito com a medicina, as tias me falavam, mas eu gostava dos números, e foi assim, foi lá em Muzambinho, e aí eu fui para Itajubá gostando de matemática, ali era só seguir o caminho sem me desviar para atalhos, para encruzilhadas, sempre eu estava no rumo certo estudando matemática, eu cheguei à engenharia fazendo matemática e tinha aquelas matérias superiores da matemática que era o cálculo, você até o 3º ano do curso médio você faz matemática, na engenharia você faz cálculos, não faz mais matemática, aí você vai aplicar o conhecimento, enfim, para calcular as coisas que o engenheiro faz, eu tinha cálculos, eu tinha dentro do cálculo às geometria todas, tinha uma matéria que eu nem vejo mais falar nela, a grafostática, a grafostática já não fala mais deve ter outro nome, era a composição de vetores, você tem um vetor para cá, um vetor para lá e você vai compondo um com o outro e acha um vetor resultante, isso extrapolado é um magnífico processo de decisão, você quando vai tomar uma decisão, você faz isso, você compõe vetores, um vem daqui, outra dali outro de lá, outro aqui, outro ali e você vai compondo um com o outro e vai tirando as suas conclusões e finalmente você decide alguma coisa, a decisão é um processo matemático, isso vem da grafostática, e o entendimento que é o quê, que falta muito na vida das pessoas, na vida política em que você tem os dois tem que ser iguais, você tem variáveis de um lado, variáveis do outro e vai elaborando matematicamente aquilo até que os dois lados se igualem, e aí é decisão, e o consenso, e o acordo e a paz está selada, é uma grande equação matemática a vida.
41:35
P/1 - Eu sou de humanas, é um jeito de ver mesmo. Interessante, eu gosto de ouvir.
R - Eu sempre digo o seguinte, as vezes a gente está diante de uma dificuldade, de um quadro cheio de incertezas, eu sempre digo para mim mesmo, ou se for o caso para quem se interessar por isso, a questão é equacionar o problema, equacionar o problema significa montar uma equação e em seguida resolver essa equação e aí a paz está selada.
42:26
P/1 - Vamos voltar um pouquinho, porque a gente já foi para engenharia, já foi, voltou, vamos falar um pouquinho da infância, você nasceu em Brasópolis e daí teve uma infância em Muzambinho é isso?
R - Não exatamente, a infância foi em Brasópolis.
42:57
P/1 - Conta um pouquinho de Brasópolis, da sua infância, você consegue.
R - Eu nasci em 1941, o meu pai formou-se em farmácia, coisa também rara na época, ele farmacêutico formado em Ouro Preto com muita dificuldade, é uma história também muito bonita essa luta do meu pai, o pai dele quebrou com a depressão de 30 porque era comprador de café quebrou, e o meu pai estudava farmácia numa escola que havia em Itajubá, morava perto ali, Brasópolis é muito próximo de Itajubá, aliás, pertenceu a Itajubá até se emancipar no começo do século 20, e de repente houve a quebra do café, o Brasil quebrou, foi a maior depressão que se conhece, a Orca de 2008, e o meu pai, o pai dele perdeu a condição de sustentar filhos pagando escola, etc...era uma escola particular. Essa escola era em frente à casa do Wenceslau Braz, eu vou lembrar um pouco aqui falei dele antes, ele foi governador do estado, ele foi em 1910 vice-presidente da república, e por conta dele ser vice-presidente da república a escola de Itajubá pode ser fundada em 1913 por que tinha o apoio do presidente da república, do vice-presidente, e foi presidente da república em 1914 a 1918 e uma coisa inédita na história. O Wenceslau Braz no Rio de Janeiro, no palácio do catete, ele deixou a presidência em 1918 e se recolheu em Itajubá onde ele tinha sua casa, um homem simples é o que eu estou dizendo, o mineiro se puder volta se não tiver obstáculos da mulher dos filhos ou coisa parecida ele volta para Minas e o Venceslau foi, voltou para Itajubá e a sua casa era em frente à escola de farmácia, diante dessa debacle, ele pegou de cheio o estudo do meu pai, ele era rapazinho novo, 18, 19 anos, o que ele fez. Ele atravessou a rua e foi ao Wenceslau Braz e pediu para o Wenceslau Presidente retirado lá em Itajubá, se não arrumava um emprego para ele em Ouro Preto para que ele pudesse mudar para lá e terminar o curso de farmácia e o Wenceslau Braz fez isso, então meu pai durante o curso de farmácia final dele em Ouro Preto era um meteorologista, ele ia colher dados, anotar dados meteorologia e formou em Ouro Preto, veio de volta graças ao Wenceslau Braz. O Wenceslau Braz tá muito ligado na minha vida porque Brasópolis é cidade dos Brás, quer dizer, ela foi fundada pelo Coronel Francisco Braz que era o pai do Wenceslau Braz, por isso chama-se Brasópolis, quando ela se emancipou de Itajubá, e o meu pai foi para lá recém formado em farmácia e aí eu não sei bem os detalhes, mas ele logo se instalou com farmácia própria e teve uma vida muito próspera de 1932 até 1950 em Brasópolis, e nesse período eu nasci, em 1941 ele foi, era muito jovem, um grande orador e uma pessoa muito inteligente, um grande orador, falava sobre, fazia discursos, e por conta disso na redemocratização do Brasil em 1945 ele foi um dos fundadores da União Democrática Nacional que era um partido de oposição ao Getúlio Vargas, e eles naquele movimento anti ditadura e pós-guerra, ele ganhou uma eleição para prefeito de Brasópolis, na eleição seguinte ele se candidatou a deputado estadual e perdeu. Perdeu para deputado estadual, porque aí em 1950 o país era outro, já não era mais o país pós ditadura recentemente caída não, o Getúlio Vargas voltou do exílio voluntário e arrasou eleitoralmente o país inteiro ele ganhou todas as eleições, naquela época podia, em 1946 o Getúlio Vargas deposto, mas não foi cassado, não foi preso, não tinha nada contra ele, caiu de maduro porque as ditaduras caíram no mundo inteiro com a vitória dos aliados. O Getúlio se candidatou ao senado por três estados porque podia, o código eleitoral permitia, ele se candidatou a senador por três estados, e a deputado federal por uns 04 e ganhou tudo, ele era Imbatível eu tenho a impressão, eu fui criança, em jovem, antes de turista, mas eu penso que foi a maior empatia já acontecia no Brasil entre um político e o povo diretamente sem partido, sem nada na frente, uma empatia excepcional que o Getúlio tinha com o povo, e ele veio e 1950 e onde o Getúlio competiu ele ganhou e fez, o Juscelino Kubitschek ganhou em Minas Gerais, e o meu pai era oposição disso tudo coitado, perdeu à prefeitura de Brasópolis acabou mandato e ele não conseguiu fazer...e por aí foi, e aí ele saiu de Brasópolis, mas eu nasci lá em 1941 e você pergunta da minha infância, hora com o benefício da idade que eu tenho, olho para trás um caminho enorme que foi percorrido, eu diria o seguinte, na minha infância foi o tempo em que eu mais próximo estive do paraíso, Isso define com força o que é geralmente a infância de muita gente, mas a minha certamente, eu morava ali naquela cidade, o meu pai tinha boa casa, um sobrado, tinha farmácia embaixo e a residência em cima, a gente brincava na rua, a rua era um pátio como um quintal, não havia automóveis, você havia passava 2, 3 por dia ali, a gente tinha a rua toda, aquela meninada dali, quando a igreja batia 8:00 horas da noite a minha mãe abria a janela, aquelas venezianas todas, aquelas janelas enormes, abria lá de cima e olhava para o lado para o outro, às vezes não via direito porque a luz era ruim e gritava o meu nome: - Luíz. Aí eu subia, era hora de dormir, isso era todo dia, você ia para dentro de casa, dormia e ficava ali, e por essa rua, essa rua eu me lembro o nome dela! Rua Capitão Gomes, esse Capitão Gomes era o pai do Francisco Braz e o avô do Wenceslau Braz, por isso o Wenceslau Braz tá muito na minha vida, e eu andava essa Rua Capitão Gomes, diariamente com uma bolsa, bolsinha de aluno de grupo escolar, e ia para o meu grupo que era uns 300, 400 metros abaixo na mesma rua, e o grupo era o grupo escolar Coronel Francisco Braz através da Rua Capitão Gomes que era o pai do nome do grupo. Isso foi a minha infância, a infância é um período que, do qual se fosse, se houvesse um milagre social, as pessoas não deveriam sair nunca, não por vontade própria, saem porque o tempo expulsa a gente de lá, mas é uma infância linda principalmente na lembrança, a gente tenha o dom de lembrar das coisas afetivas, então eu costumo dizer para mim mesmo, olha onde eu estive mais perto do paraíso, mesmo que eu agora já esteja velho e teoricamente tô próximo de uma passagem, mas não, eu já estive mais próximo na infância. Na infância você tem uma intimidade sem fazer força com essa espiritualidade toda que governa a vida da gente. Eu fui muito feliz lá!
53:26
P/1 - Até pensando na época, e pensando onde é, tinha muita coisa com a natureza Vocês iam explorar a floresta, a cachoeira. Tem alguma passagem aí dessa infância, as brincadeiras, alguma coisa que você poderia nos descrever, conta um pouquinho, ou as lendas que tinham também na época. Não sei se tinha, ou aquelas figuras da cidade...que a gente a fulano, que costumam ter nesses pequenos municípios também.
R - Essas coisas, mas algumas janelas do sobrado onde morava, você olhava para fora, a paisagem é inesquecível, tinha uma mata, uma floresta que deveria estar a 1/km em linha reta da janela da cozinha da minha casa, era uma mata frondosa, essa mata tinha como se fosse uma pintura, ela tinha bem na frente uma peroba, a árvore, uma peroba centenária que precisaria umas quatro pessoas de mãos dadas para abraçar essa peroba, e o meu irmão mais velho, 7 anos mais velho que eu, contava as suas lendas, lenda mesmo não tinha mas ele inventava e dizia que ele tinha macaco, um tal Chico que era o macaco dele que morava ali, que de tardezinha quando escurecia ele descia pelo quintal de casa, atravessava um brejo que tinha por ali e ia perto da mata, o Chico vinha e eles ficavam ali conversando, essa é uma paisagem fabulosa, está lá até hoje, hoje um pouco alterada por rodovias, etc...além disso mais pra direita você olhava e tinha ali um morro, e seria o morro e uma pedra enorme, que era o morro do can can que é parecido com o...tem um formato do Pão de Açúcar, não é tão deslumbrante quanto o Pão de Açúcar, mas é o morro do cancan em que aquilo é a paisagem do Brasópolis, quem fala de Brasópolis, um brazopolense, e se você falar e o morro do cancan, é maravilhoso, isso eu via de casa e a minha mãe dentro daquela sofreguidão Industrial dela dentro de casa, ela foi uma ajuda fantástica para as finanças da família, era tudo fabricado dentro de casa, café moído, as roupas ela fazia todas, não havia lojas de moda para você comprar, camisa nada, ela cingia as meias, tinha um ovo de pau, o ovo formato de ovo de pau que enfiava na meia e para poder costurar a meia, os buracos da meia, e ela ainda quando jovem ela ia para uma dessas janelas, não essa da cozinha, mais uma outra, e tinha uma tela e ela pintava essas paisagens, ela pintou uma paineira belíssima que ela enxergava dali, e isso era feia nos primeiros digamos 10 anos ou 15 de casamento, depois não teve mais tempo pra isso. Então Brasópolis tem essas coisas, você falou em coisas curiosas, tinha um cidadão, o apelido dele era Tantão, ele perambulava na cidade, não fazia mal a ninguém, mas era... deveria ser um pouco debilitado mentalmente, ter algum problema e ele andava pela cidade, comia, todo mundo dava comida para ele e à noite ou à tardezinha ele se recolhia para minha casa, a casa era muito grande e o terreno inclinava pros fundos, de modo que a casa tinha uns três ou quatro pavimentos na parte dos fundos, e tinha muito cômodo, ele dormia num deles, inclusive ele morreu num desse, anos depois que nós saímos de Brasópolis, o Tantão foi um dia encontrado morto, ele não apareceu na cidade, isso eu já não morava mais lá e as pessoas foram procurar ele estava morto num desses compartimentos, num desses porões grande da minha casa onde ele dormia, tinha lá o cobertor dele, o travesseiro, aquelas coisas todas e ele dormia ali, e entrava e atravessava o portão principal da casa como se fosse um morador, e isso também é uma coisa muito inesquecível, então essa foi...um pedacinho da infância. Eu fiz o grupo escolar em Brasópolis até a metade do 4º ano, o meu pai derrotado nas eleições de 50, resolveu dar uma guinada na vida dele e foi embora para Belo Horizonte, comprou lá um laboratório farmacêutico, pequeno, mas comprou, eu conheci muito bem. Esse laboratório ficava no bairro ali de Floresta, parecido com isso, rua Palmeiras, não rua Ubá o nome da rua onde ficava o laboratório e o laboratório chamava laboratório Palmeiras, e fabricavam o único remédio que era um fortificante, o Brasil não fabricava nada naquele tempo, não tinha essa indústria farmacêutica de hoje, os remédios eram todos manipulados. O meu pai como médico, como farmacêutico ele trabalhou como médico, eu até não entendo porque hoje, essa crise de saúde no Brasil as farmácias onde se exige a presença de um farmacêutico em todas elas, não atende a população. Por que 90% dos problemas que a população tem, são resolvidos por um farmacêutico competente, e o meu pai tinha isso na farmácia dele, tinha um ombro especial grande onde as pessoas vinham da roça ou da cidade mesmo, sentavam na frente dele e ele fazia rir, aquela consulta, aquela anamnese e ali mesmo ele receitava substâncias não remédios, a prateleira da farmácia tinha pouca coisa pré-fabricadas, tudo era fabricado, era manipulado na hora ali, ele receitava aquilo, já chamava um dos manipuladores dali da farmácia eram dois jovens, de 16 e 17 anos assim que já aprendeu o ofício, e esses meninos manipulavam esses remédios, seja em vidro, seja em envelopes de papel, fazia tudo ali a mão, balança, uma balancinha, um pesozinho de um grama de um lado e a substância do outro, ou de um grama e duzentos, equilibrava aquilo e fazia os remédios. Ele ajudou muita gente pobre e não cobrava, essas consultas não eram cobradas, ele fazia outras coisas, o meu pai era um homem intervencionista, invasivo, ele não se omitia de nada, se alguém chegasse lá com alguma queixa, ele ia fundo naquilo e salvou muita gente, principalmente criança que tinha doença naquele tempo, hoje não tem mais o crupe, o crupe afogava criança com catarro, ele ia na roça às vezes, tinha uma motocicleta pequena, ele ia naquela moto atender uma criança ou um adulto, quem fosse nas roças, nas fazendas e lá ele via uma criança, ele lavava, punha no fogo uma colher para desinfetar e enfiava uma colher daquela, entubava a criança com uma colher, e a criança vomitava aquela quantidade de catarro enorme roxo e salvava vida e vivia de novo, quando não tinha isso morria, por isso às mortalidade infantil era muito alta. Ele trabalhou muito com essa população, por isso ele foi prefeito e depois perdeu por outras razões, e eu não compreendo como não existe hoje uma lei, ou qualquer coisa que habilite as farmácias atender a população, porque em todas elas têm por lei um farmacêutico responsável. E dali ele foi embora para Belo Horizonte e eu fui junto, já era oito irmãos, éramos em oito, eu terminei o curso primário em Belo Horizonte onde ele morou 6 meses só, esse laboratório dele só resistiu durante 6 meses, e aí ele deu uma virada na vida por indicações políticas ele foi para Muzambinho ser gerente de um banco, gerente de banco era uma profissão de muito prestígio naquela época, e ele gerenciou lá o Banco Nacional de Minas Gerais que já não existe mais, havia sido fundado há uns três ou quatro anos através da indicação do dono do banco, ele era amigo do dono do banco, o Magalhães Pinto que foi governador de Minas, foi um dos artifícios da civis da revolução de 1964, aí fomos pra Muzambinho, e em Muzambinho eu cheguei lá com 12 anos por aí, com 11, fiz o curso de admissão. Uma professora também que eu não esqueço mais dela, Dona Alice Barroco, fiz o meu curso de admissão que havia naquele tempo, ingressei no ginásio e vive uma adolescência fabulosa, inesquecível, que eu hoje resgato muito dela através do facebook, muitos me reencontraram e eu reencontrei há muitos e é muito gostoso eu mandar ou receber uma mensagem de um menino, que ficou na minha memória como um menino, hoje é um velho, os contemporâneos de idade mesmo, mas na cabeça, na minha memória são meninos com quem a gente ia pra escola, jogava futebol, ia para o cinema, o cinema era uma grande diversão, eu conhecia artistas, diretores de cinema, conhecia de nome, a gente lia sobre isso e tinha uma avenida enorme nessa cidade, avenida Doutor Américo Luz, era uma avenida importante, é onde a sociedade muzambinhense se encontrava, dividida politicamente tinham dois partidos na cidade, dois clubes, mas a garotada não tinha nada disso, então a gente se encontrava nessa avenida Doutor Américo Luz e ali eu passei muito perto da minha casa, e ali eu passei uma adolescência também inesquecível, quer dizer, as coisas começaram, as responsabilidades e esses problemas que angustiam qualquer pessoa, isso começa com uns 14, 15 anos quando você tem necessidade de começar a desenhar o seu futuro aí você já não é mais infantil, nem adolescente, você tem que ter responsabilidade, enfim tem que construir isso, e eu tive muita sorte e deu certo porque eu tô aqui falando hoje, essa adolescência que eu atravessei em Muzambinho foi muito boa e nunca mais voltei a Muzambinho, a não ser em pensamento e eventualmente em telefone, essas coisas, foi uma adolescência muito boa, e de lá eu saí para ir morar com a minha avó, e na casa da minha avó eu desenhei esse futuro todo. O meu pai era uma pessoa que ele não era de dar conselhos, ele dava exemplos, então ele atravessava assim na nossa frente e deixava um rastro para ser seguido, ele não precisava falar nada, olha, faça isso, faça aquilo. Eu me lembro uma vez em Muzambinho quando eu era menino, ele deve ter percebido que eu gostava um pouco de livro me deu um livro, primeiro livro que eu ganhei e não era didático, era um livro de...não sei se de psicologia ou aí um rabisco de sociologia, “As forças Morais” de um filósofo Uruguaio de José Ingenieros, eram cem reflexões sobre aspectos morais e eu li aquilo e achei maravilhoso, cem páginas praticamente, cada página uma virtude moral ou qualquer coisa assim, ele me deu esse livro assim do nada e é que eu tenho até hoje ainda em alguns meus depósitos, e isso tudo vai construindo a personalidade da gente sabe, ele nunca foi de...às vezes eu não ia à aula por alguma razão e me encontrava com ele e ele nem sabia se eu devia tá na aula, se eu não devia tá na aula, não cobrava nada e eu conversava, e eu ia embora eu ia para o campo de futebol, para onde fosse e devia tá no colégio, estudar, a minha mãe cobrava mais, mas ele não, ele não sabia, ele não acompanhava a vida escolar de filho nenhum, mas ele tinha certeza de que todos estudavam e que não precisava dele interferir em nada. Eu fiz o meu vestibular, depois de três ou quatro dias é que eu falei, telefonei porque eu morava fora dizendo que eu tinha passado no vestibular, ó que bom e tal, mas era uma coisa decisiva na minha vida aquele vestibular, por isso eu queria fazer o retrato meu aos 25 anos e foi quando eu me senti no ápice da minha vida.
1:09:49
P/1 - Pelo que eu entendi ele era um pai, essa parte mais afetiva é um pouco mais distante assim, quem que ficava dia a dia, dos problemas é mais a mãe, é isso?
R - Você captou bem, essa parte mais afetiva, carinhosa e tal, isso nem o meu pai nem a minha mãe tiveram com os filhos, eles eram formais, então isso passou para mim, eu também não tenho essa facilidade afetiva para me abrir com as pessoas e tal, mas uma certa timidez social, vamos dizer assim, eu fico um pouco atrás, não chego junto, porque eu tenho muito respeito ao desapontamento, o desapontamento é uma situação que me constrange muito, me faz sofrer, então eu em função disso desenhei a minha personalidade, nunca de grandes teatralidades e tão pouco de grandes amizades, mas de milhares de conhecimentos. Eu nunca fui também uma pessoa dedicada a um ou a outro e que eu pudesse dizer (é esse foi meu grande amigo) não, eu tenho dezenas e centenas de pessoas assim. Eu hoje tenho um neto de 1 ano e 9 meses e que nasceu uma afinidade extraordinária entre ele e mim, uma coisa inexplicável tanto da minha parte quanto da parte do menino, o menino me chama toda hora, não mora aqui mas eu vejo, não vejo todo dia mas vez em quando eu passo umas temporadas em Búzios, ele está lá com o pai em home office agora, o pai é superintendente em FURNAS, vou falar dos meus filhos também, e com esse menino parece que eu tô aprendendo o que que é uma explicitação de afetividade na vida em tempo hábil, mas o meu pai era normal.
1:12:27
P/1 - E a criança tem esse poder, ela é muito amor.
R - Esse em especial é uma coisa extraordinária que surgiu do nada, a afinidade dele por mim, por conta disso a minha por ele, eu tive dificuldade de voltar de Búzios e deixar ele lá, não traz ele aqui não, esconde ele de mim, se não, não vou aguentar. De modo que foi assim, eu contei rapidamente.
1:13:00
P/1 - Mas sabe senhor Luiz, isso é um pouco da época mesmo dos seus pais serem mais formais, fico pensando nos meus. A história dos meus pais, os pais deles eram muito formais também. E no caso do meu pai, por exemplo, tinha até questão do álcool também que era uma coisa da época, o pessoal bebia muito e como isso vai ficando pelo menos na minha casa, vai ficando melhor. As gerações foram ficando cada vez mais afetivas, a próxima geração sabe.
R - Realmente. Naquele tempo, era o tempo do paternalismo, dum regime patriarcal, as mulheres dentro de casa não trabalhavam, trabalhavam em casa e muito e um regime desse patriarcal, era o tempo das formalidades. Mas isso...olha, o benefício da minha idade nada disso me atrapalhou entendeu, é claro que eu não cheguei psicologicamente limpo na minha idade, tenho as minhas ansiedades e etc, mas são coisas minhas, eu esse tempo atrás, mesmo agora recente, eu penso o seguinte eu devia fazer análise, eu nunca fiz, mas teria vontade fazer análise com um psicanalista lá de Bagé bem longe daqui no Rio de Janeiro, para eu poder botar a culpa das minhas ansiedade em outros entendeu e não em mim mesmo, mas vou acabar não fazendo isso.
1:14:50
P/1 - Experimenta, daí você vai ver, mas ó, bem orientado hein, porque gente ruim também fazendo análise também… senhor Luiz só uma curiosidade. Quando você vai para BH vocês ficaram pouco tempo, você falou. Você lembra como foi essa transformação pra você, como foi, onde vocês ficaram, porque BH nessa época também era outra cidade?
R - É, era outra cidade. Nós tínhamos, nós ficamos, o meu pai tinha um irmão, ele, segundo meu pai era o mais velho da família, e o segundo irmão dele, segunda família era o Hermínio, ele chamava Hermínio Machado, morava em BH, era um homem contrário da personalidade nossa, era um homem de rádio, que mais tarde foi até de televisão, uma pessoa muito elegante muito, falava bonito, pronunciava todas as sílabas com uma perfeição, por isso ele foi locutor, podia ser um locutor de FM como havia no passado e esse tio foi quem organizou a mudança nossa para lá, e nós fomos morar numa casa alugada que era próximo à casa dele, num bairro novo, Sagrada Família o nome do bairro, e o meu tio morava numa rua conhecida, rua: Pitangui, onde está localizado o estádio do independência ou esse campo de futebol que tem lá em Belo Horizonte onde o Atlético Mineiro joga, o Cruzeiro, não é o Independência, não é o Mineirão, estádio Independência que mudou de nome, é nessa rua Pitangui e o meu pai morava numa transversal Joaquim Felício, eu já fui saber quem era o Joaquim Felício, mineiro famoso de décadas anteriores 162, isso tá na memória, isso ninguém me falou, e eu tinha o que, eu era aluno do 4º ano ginasial, eu ia para o colégio, colégio meu famoso, o grupo escolar Barão de Macaúbas ficava numa avenida importantíssima Belo Horizonte que unia o bairro da floresta ao centro avenida Tocantins, hoje mudei de nome e o Barão de Macaúbas era lá, eu ia de ônibus pegava o dinheirinho trocadinho pro ônibus, para ir e para voltar, mas não era longe, não era tão longe assim do Sagrada Família, e às vezes quando eu ia voltar, acabava a aula eu não lembro mais se era de manhã ou à tarde, possivelmente de manhã, eu tinha o dinheiro da passagem do ônibus e esse dinheiro eu conseguia tomar um, chupar um picolé, aí algumas vezes eu não, hoje eu vou a pé e vou chupar um picolé, comprava um picolé e ia chupando, mais 200 metros a frente eu me arrependia, o picolé acabava eu tinha que ir a pé até na minha casa, é só uma coisa que eu lembro, eu não me esqueço disso, uma opção errada, o picolé acabava num instantinho e depois a distância continuava na frente. Depois mais tarde como profissional voltei muito a Belo Horizonte, como engenheiro de Furnas, fique seis meses lá em Belo Horizonte, indo e vindo e eu fiz esse roteiro de saudosismo todo, fui na rua, fui na casa do meu tio ele já não estava mais lá, fui na casa que meu pai morou, tá lá até hoje, eu fui no grupo, fui no colégio onde meus irmãos estudaram, o colégio Santa Maria rua Jacuí. Rua Jacuí foi onde o Marechal Castelo Branco namorou a dona Argentina que foi a esposa dele, era nessa rua Jacuí, ele era um capitão servia lá em Belo Horizonte, esses roteiros eu fiz depois, depois de profissional já jovem, 30 anos, vinte e poucos anos, de modo que tudo isso enriquece muito a minha… eu as vezes custo para dormir porque eu fico lembrando disso tudo sabe, e aí acho que é uma perda de tempo se eu fizer força para dormir agora, eu estou lembrando de coisas tão boas aqui, eu fico na cama pensando, lembrando…
1:20:07
P/1 - Senhor Luiz, outra coisa que você comentou só que eu queria uma descrição maior, que você falou quando ela mais novo você ia para São Paulo visitar uns tios, e é uma São Paulo também que era totalmente diferente. Então descreve um pouco para gente essa São Paulo, e a primeira vez que você viu, o que chamou atenção, ou um passeio que você fez ali?
R - A primeira vez que eu fui a São Paulo, foi na adolescência, eu morava em Muzambinho, eu fui com a minha irmã e foi numa data importantíssima que foi o Quarto Centenário de São Paulo. São Paulo estava comemorando 400 anos em 1954, estava inaugurando o famoso Parque do Ibirapuera e nessa época nós fomos para lá, eu e duas irmãs, foi quando eu pela primeira vez conheci um campo de futebol de cidade grande, eu gostava muito de futebol acompanhada muito, jogava e acompanhava, eu conheci, fui ao Pacaembu. Quando eu entrei no Pacaembu por aquela rua mais alta lá, que você entra lá no último degrau da arquibancada, uma emoção fabulosa que eu senti vendo um jogo do Palmeiras, foi uma coisa maravilhosa assistir o Palmeiras e a Portuguesa, ver aqueles jogadores que eram Ídolos distantes, a gente lá no interior, o Julinho, Djalma Santos, uma coisa fabulosa, mas tem uma ocasião, uma vez que um primo meu trabalhava na praça, não era taxista, era chofer de praça que a gente chamava, ele me pegou no carro, falou vem cá, vamos ao aeroporto, eu precisava ver avião também que eu nunca tinha visto um avião, entrei no carro dele e ele foi, morava no Alto de Pinheiros, um bairro de São Paulo.
Você é paulista de São Paulo?
1:22:38
P/1 - Eu sou, eu moro do lado do Alto de Pinheiros, meus pais moram ali.
R - Então vai ser melhor, vai ser mais fácil. O meu tio morava numa ruazinha pequena ali, rua Padre Garcia Velho, e depois mais tarde eu fui revisitar também, não existe mais a casa dele é um arranha-céu lá, mas ele fazia a praça ali, numa Praça Panamericana, qualquer coisa que tem por, e me pôs no carro e fui andando, imaginando o rio Pinheiros mas não na Marginal, ruas menos importantes, e ele me mostrando as coisas, eu acho isso sensacional quando eu lembro, ele apontou assim para o lado direito nós estávamos indo para o aeroporto, lá direito ele mostrou assim aqui vai ser o campo do São Paulo, Morumbi, vai ser o estádio, eu esqueci o nome agora, e era só mato, eu virei assim, eu olhava assim, só mato não tinha nada e hoje é o Morumbi Palácio, o estádio enfim, um dos grandes bairros de São Paulo, à esquerda ele mostrou assim também aqui é o Butantã, Instituto Butantã que hoje tá na moda, e assim foi me mostrando isso/aquilo, fomos ao aeroporto. Então é isso, também eu fiquei lá uma semana, fomos ao Ibirapuera.
1:24:22
P/1 - Vocês foram ver a inauguração do Parque do Ibirapuera?
R - Na inauguração do Parque do Ibirapuera, e depois mais tarde eu passei uma temporada aí em São Paulo, quando empregado de Furnas eu ia muito à São Paulo e rodava muito esses lugares e depois já aposentado eu trabalhei, fiquei lá um ano ou dois em São Paulo morava ali na Liberdade rua Galvão Bueno, morava num flat ali, e dali eu ia a pé para Paulista, andava por ali tudo, ia rever isso/aquilo nas folgas. Eu já estava, já era um aposento, e fui também lá depois, três anos depois quando o meu tio faleceu 1957, eu fui levando a minha avó, que como eu disse era a madrasta dele, eu fiquei mais três quatro dias São Paulo com a minha avó e depois que vimos embora, tem coisas assim...agora quando eu frequentei São Paulo enquanto profissional de Furnas, daí eu fui muitas vezes, gosto muito de São Paulo, é uma cidade que eu tenho também uma afetividade muito grande, tudo coisa de memória, andar ali, eu ficava no hotel Normandie, na avenida Ipiranga, ia a pé na Sé, por ali, atravessava o viaduto Santa Efigênia, ia no Mappin no viaduto do chá, e Furnas tinha um escritório na rua Líbero Badaró aquele edifício maravilhoso, era o mais alto de São Paulo, os dois, o Martinelli foi o primeiro e depois o outro banco Estado de São Paulo, passou o Martinelli.
1:26:20
P/1 - O Banespão ali é um lugar bonito.
R - O Martinelli foi o primeiro, eu conheci também, eu ia nesses lugares icônicos de São Paulo.
1:26:34
P/1 - Senhor Luiz, o senhor se lembra como foi a comemoração do Ibirapuera, que que era, lotado, tinha aquele show, o que foi, porque essa é uma data bem importante da história da cidade de São Paulo ?
R - Era lotado de gente, eu assisti o que podia e de longe, porque muita gente, aquelas estátuas ali na frente dos Bandeirantes, mas não me lembro mais de detalhes da festividade, mas me lembro do que é aquilo representou na história de São Paulo, me fez estudar um pouco, inclusive o nome São Paulo o aniversário de São Paulo que é dia 25 de janeiro e no dia 25 de janeiro, foi a data de conversão cristã do São Paulo o santo na estrada de Damasco. Quando eu ouvi Ulisses Guimarães foi um grande político paulista, o autor praticamente da constituição Brasileira vigente, Ulisses Guimarães falava muito na estrada de Damasco, ele esperando a ressurreição ou reconciliação de muita gente, e o São Paulo o Santo, ele foi para Damasco, saiu ali de Jerusalém por ali para Damasco e no meio do caminho ele foi convertido ao cristianismo, Cristo apareceu para ele, e Isso foi no dia 25 de janeiro, então é a data que São Paulo comemora o seu aniversário a data da conversão do principal apóstolo da religião cristã, que o São Paulo praticamente sem nenhum aspecto teológico, mas praticamente foi o fundador do cristianismo.
1:28:47
P/1 - Não, com certeza papel importante e associado aos Jesuítas ali, com aquela primeira célebre missa no dia de São Paulo é bonito. Eu fiquei curioso com essa questão do futebol também, você disse que acompanhava, acompanhava pelo rádio Palmeiras é isso. Você gostava de qual time?
R - Não, São Paulo eu não tinha. Lá em Brasópolis quando eu era menino, a influência ali era o futebol carioca, não tinha ligação com São Paulo, o mineiro ali do Sul de Minas é muito mais em Rio de Janeiro do São Paulo, já em Muzambinho era diferente que é sul de Minas também, Muzambinho era São Paulo. Bom, mas eu era fluminense no Rio de Janeiro, porque eu era fluminense! Voltou a farmácia do meu pai, ele fazia ali aquelas anamneses e tal e depois receitava um medicamento manipulado para o paciente, e mandava ali para trás para o laboratório da farmácia, onde tinha dois jovens, para mim hoje seriam dois meninos de 16 e 17 anos que manipulavam isso, dois irmãos Edmundo e Chiquito e os dois eram fluminense e o meu pai não era nada, meu pai não gostava de futebol, não sabia quem era a bola, e esses dois eu ficava ali, eu pequeno 5 anos, 6 anos, ficava ali na farmácia ao lado deles ali encostado na perna dele, eles eram maiores e fluminense e ouviam os jogos do fluminense no rádio que o meu pai mandou instalar ali ao lado da manipulação, porque eles quando o fluminense jogava ao sábado se eles trabalhavam sábado e eles revezadamente subiam lá em casa, entraram pela porta da cozinha, subiam no sobrado lá em cima tinha um rádio, também era coisa rara, não havia muito rádio naquele tempo, e aí eles deixavam o serviço, ele voltava escutava um pouquinho do jogo, voltava contava pro outro, passava um segundo o outro subia para ver, até que meu pai botou um rádio ali ao lado da manipulação onde eles trabalhavam, e aí assistiam por ali mesmo, eles eram fluminenses. Na minha família de oito irmãos, eram seis homens e três mulheres, e ninguém ainda não tem homogeneidade, ali tem muita gente que é flamengo os mais novos, mas flamengo sem muita convicção, pegou isso na rua como pega um resfriado, uma coisa qualquer, porque para torcer pro flamengo você não precisa ter alguém, é uma coisa avassaladora. Quando eu fui para Muzambinho, só se falava no futebol de São Paulo. Muzambinho é uma cidade fundada por imigrantes italianos, então a maioria esmagadora é Palmeiras, é palmeirense e na cidade de Muzambinho tinha duas pessoas, dois alfaiates que torciam pro fluminense do Rio, uma coisa acontece, o resto da população torcia para o Palmeiras ou eventualmente pro Corinthians, não tinha Santos ainda. O Santos começou um pouco antes do Pelé, mas virou um grande time Paulista depois do Pelé, já era grandinho, uns dois anos antes, Em Muzambinho, eu ia na alfaiataria Lamartine Macedo, que era um alfaiate, fazia roupa lá, vez e quando fazia um terninho a gente usava um terno, e assistir programas de rádio, e quando ele fechava a alfaiataria as 6 horas, tinha um programa muito famoso na rádio nacional chamado o mundo da bola, eu assistia lá com ele, ele bem mais velho que eu, ele um senhor casado com filhos, eu ainda um menino com 13 anos por aí, sentava, lia a gazeta esportiva que ele assinava e jogava bola, eu gostava de jogar mesmo, de ir pro campo. Lá em Muzambinho eu comecei a jogar bola nos infantis, tinha alguma coisa organizada, e saí de lá com 15 anos já jogando entre os adultos, e fui para Itajubá jogando futebol e aqui eu digo o seguinte, o futebol fez mais a minha vida social em Itajubá do que a escola de engenharia, eu tinha mais amigos no futebol jogando e os que torciam, do que amigos universitários e até hoje é assim, tá acabando, eu numa certa época me puseram um apelido, eu jogava bola meu apelido era Bill Wright, Bill Wright, era um centeralfe inglês, da seleção Inglesa que jogou com Brasil em 56 por aí e ficou conhecido, é um jogador, era capitão do time, era o loiro eu era loiro também, era muito claro, e cabelo loiro, e alguém me chama, começaram a me chamar de Bill Wright, depois era Bill, só Bill e até hoje eu tenho aí umas quatro ou cinco pessoas que me chamam de Bill, eu quando vou a Itajubá tem um lá que me chama Bill, grita assim Bill Wright, aí eu vou lá. Eu falei para, Brito as pessoas que me conhecem com esse apelido, eu gosto desse apelido sabe, esse apelido me agrada, e tão acabando, tão morrendo, então espalha esse pedido por aí para ver se vem gente jovem me chamando Bill Wright. O futebol para mim foi muito importante na minha vida social mais do que a universitária em Itajubá, nós nos reunimos todo ano, antes era presencialmente agora é via permanente aí do facebook, do whatsapp, essas coisas com os colegas que formaram comigo, a gente mantém relação até hoje, agora fora disso, na espontaneidade são as pessoas que eu conheci jogando bola, seja em Itajubá, ou seja em Lavras, onde eu já era engenheiro de Furnas, nós jogávamos bola também no time da cidade, fazíamos, excursões, ia jogar nas cidades vizinhas e acompanhava pelo rádio e depois mais tarde pela televisão, de modo que o futebol até hoje é uma parte muito relevante da minha vida.
1:36:28
P/1 - E pelo jeito jogava bem!
R - Eu tenho um irmão que foi um crack, eu não, eu era um jogador discreto, mas eficiente, eu corria bastante e fazia o necessário para jogar no primeiro time, e eu joguei nos primeiros times de Itajubá.
1:37:01
P/1 - Participou de campeonatos..
R - Tinha um campeonato muito forte local, disputei uns 5, 6 anos e fazia muita excursão, como se chamava naquela época, e ia jogar em cidades próximas, vizinhas, etc.. E quando eu fui para já como engenheiro formado em Lavras, tinha lá um coronel da polícia militar que me conheceu jogando bola em Muzambinho, não em Itajubá, e falou (O rapaz tá morando aqui?) Tô. Vou te levar no Fabril para jogar lá no Fabril, me levou no Fabril, tinha dois times na cidade e a Olímpica, e ele me levou no Fabril e eu joguei no Fabril já como engenheiro durante pelo menos um ano, eu ainda vinha no embalo do preparo físico do tempo de estudante, depois não tinha muito tempo para treinar aí foi perdendo um pouco da forma física e fui aos poucos me afastando, já jogando menos e até que eu parei com esse jogo assim em alto nível entre aspas, mas isso em Lavras, e dessa relação conheci muita gente até hoje no futebol em Lavras, eu quando for o primeiro lugar que eu fui em Minas também, primeira cidade que eu fui trabalhar por Furnas. Eu também tenho uma coisinha que eu queria contar nessa entrevista, como os tempos eram outros, como as coisas eram mais concentradas, afetivas, eu fui e largas como engenheiro, engenheiro era uma figura importante na época que havia poucos, e Furnas uma empresa já famosa isso 65, era muito famosa e tinha o seu escritório de obras, eu trabalhava em obras e tinha um escritório de obras lá numa rua, era um sobrado, e o escritório era embaixo, na parte de baixo era o escritório, em cima eram um quarto eu morava em cima, eu morei um ano no próprio escritório que eu trabalhava, eu chegava qualquer hora, eu abria a porta da sala que eu ficava junto com meu chefe e um outro engenheiro, eu abria a porta, atravessa o quintal, subia a escada externa da cozinha e ia lá no meu quarto, meu quarto era lá em cima. eu morei isso é uma coisa fantástica, eu até brinco às vezes com uma nora que eu tenho, ou algum amigo mais chegado, eu digo o seguinte, eu se eu fosse presidente da república eu ia morar no Palácio do Planalto, eu ia pegar duas ou três salas ali, eu transformar num loft e ia morar ali para viver o Brasil o dia inteiro, não ter outra coisa, não tem uma distração para nada, saía do meu quarto, um loft ali, nada de Palácio Alvorada e ia pro meu o gabinete, trabalhava, e ia ser assim, ter todos os meus atendimentos ali, ter uma pessoa para me servir o cafezinho, como servia lá em Lavras, tinha um empregado lá em Furnas, o seu Lu, seu Lu era um negro de alma, um negro fantástico, fabuloso, inesquecível, ele muito delicado, tímido, ele não olhava para a gente, ele para baixo assim, seu Lu, ele servia o cafezinho pra gente o dia inteiro, então eu morava no próprio escritório, já aprendi a dirigir ali, não sabia dirigir automóvel, Jeep, uma passagem que eu queria deixar marcada aqui, depois eu me casei, nesse tempo, e eu tive a minha casa própria lá em Lavras.
1:41:25
P/1 - Até senhor Luiz, até surgiram aqui, porque assim a gente já tá indo para 2 horas de entrevista, eu sugiro até a gente dividir essa nossa entrevista, essa parte anterior até chegar Furnas, e a gente marca um outro dia faz Furnas. O que o senhor acha, seria possível fazer isso? Porque a gente está chegando em duas horas de entrevista.
R - Eu quero concluir essa intervenção falando da minha família, eu quero aproveitar esse tempinho e falar e depois você dita aí tá. e depois nós vamos conversar sobre uma outra…
P/1 - É mais uma sugestão, porque a gente vai ficando...só para saber que a gente pode ter um encontro para falar.
R - Mas eu quero, eu sei disso que eu sou um pouco prolixo, que eu tenho lembrança demais, eu nunca consegui escrever um livro nada, as vezes as pessoas me falam que você devia escrever um livro. Não posso porque o rascunho meu é oral, eu sou bom na oralidade, não para escrever, mas eu em 1962 por aí, eu conheci a minha esposa, menina ainda, hoje seria até criminoso o meu namoro porque ela tinha 14 anos, eu tinha 19 não eu tinha 20, hoje não pode fazer mais isso, e ela é filha dessa minha sogra que eu falei, uma mulher extraordinária que era conhecida da minha família em Brasópolis, eu conheci, e depois mais tarde ela se casou, essa minha sogra e tinha quatro filhos e um deles era a minha esposa. Eu namorei uns três anos, ou dois, ou três, porque naquele tempo a gente casava muito cedo porque tinha a situação financeira resolvida, então eu quando formei na época daquele retrato que eu queria pintar para mim, o meu auge eu já tinha renda, já ganhava duas vezes mais do que o meu pai, tão logo a minha esposa, a minha namorada se formou também em curso normal, normalista e nós nos casamos em Itajubá em 1966. Logo em 1967 nasceu meu primeiro filho, o Luiz Humberto que hoje é médico, trabalha é concursado em Furnas, em 1971 nasceu meu 2º filho, nasceu já em Poços de Caldas no curso da minha carreira em Furnas, nasceu em Poços de Caldas, em 1978 o último filho meu, esse de Poços de Caldas é um procurador federal e trabalha aqui no Rio de Janeiro na advocacia-geral da união, e o 3º é engenheiro como eu, tem o mesmo nome meu, e é uma figura importante de Furnas hoje, também concursado, é superintendente em Furnas, é top de linha, chegou a superintendência mais cedo do que eu cheguei no meu tempo.
1:44:48
P/1 - Ele vai ser entrevistado. Seu filho vai ser entrevistado no projeto também.
R - Ele é uma figura de renome, ele tem uma função muito importante pois ele entrou ali ainda no começo, eu arrumei para ele, eu já tinha saído, arrumei para ele um estágio uma coisa assim, depois ele fez concurso porque hoje só entra em Furnas por concurso. Esses três filhos estão aqui no Rio de Janeiro, um deles faz home office aqui na minha casa, ele sai da casa dele, esse que é procurador federal, ele faz o home aqui na minha casa, não todo dia, e são filhos de sucesso e eu tenho quatro netos, já tenho uma neta que faz direito, e tenho...os outros são meninos ainda, 7 anos, 5 anos e esse amigão que eu fiz que é esse caçula dos netos, Luiz Felipe, Davi, Maria Luiza e Gabriela são as minhas, e Luiz Antônio, Luiz Laércio e Luiz Humberto são os meus filhos. Eu falei antes da minha sogra, minha sogra é uma mulher extraordinária, arrimo de família, perdeu o pai cedo, ela já era normalista, foi colega de turma da minha mãe, então tudo isso fez o ambiente para eu me acertar nessa família. Somos muito amigos, a casa da minha sogra era a casa que eu mandava mais do que na minha, eu frequentei desde 1966 até praticamente 2013 quando ela faleceu, hoje a gente vai pouco em Itajubá, mas a casa está lá, pertence à família ainda. Eu tenho uma admiração muito grande por ela, pelo que foi a vida dela, pelos exemplos dela, e esse tempo todinho a minha família morava em Itajubá também a partir de 65, mas eu ia lá e ia para casa, hospedava na casa da minha sogra, toda a minha vida adulta foi na casa dela e finalmente ela viveu muito, era uma mulher intelectual, escrevia, declamava poesias, era membro de Academia de Letras lá de Itajubá, e finalmente ela morreu em 2013, e no velório dela eu presenciei, acho até que fui privilegiado, uma cena maravilhosa dentre as homenagens que ela recebeu, eu estava ali ajudando a colocar a urna dentro do carro funerário, pra ir no final do velório, aí chegou um engenheiro que eu conheço também formado lá em Itajubá, que é de Brasópolis, eu conheço ele é mais velho que eu, mas ele não me conhecia, eu conhecia ele, ele chegou me atropelou ali, falou “não deixa eu pegar aqui essa alça deixa, eu preciso ajudar essa mulher a ir pro céu” esse engenheiro já com 80 anos, eu tinha 72 na época, ele falou “deixa eu ajudar essa mulher a ir pro céu, ela é uma santa, ela me alfabetizou”, eu achei isso emocionante, ter presenciado isso, não é texto de Eça de Queiroz, de ninguém eu vi, e foi comigo que ele fez isso, eu tinha uma admiração enorme por ela, só eu ouvi isso, ela é uma pessoa que eu também deixo lavrado aqui a minha admiração, a minha saudade, foi a terceira das grandes mulheres ascendentes a mim, e a esposa que nós estamos já com 50 e tantos anos de casamento, nunca tivemos nenhuma dificuldade, e que me ajudou com muita discrição essa vida toda que eu fiz em Furnas, viajei, mudei muitas vezes, trabalhei em Lavras, em Poços de Caldas, em Campinas e finalmente no Rio de Janeiro, ela sempre me acompanhando, e os dois filhos mais velhos meus, nasceram nessa era de ouro que eu falei no começo da entrevista, nasceram no INPS, nasceram na Santas Casa de Misericórdia, um na Santa Casa de Misericórdia de Itajubá e o outro na Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas, só o terceiro, esse que será entrevistado é que nasceu no hospital particular, então o apoio à saúde que o estado dava era excepcional, eu quis dar um litro de whisky para o médico que fez o parto e acompanhou a gravidez do meu filho advogado ele não aceitou, falou não o INPS já me pagou, eu ia dar um litro de whisky importado que era uma coisa rara naquele tempo, difícil de arrumar, eu queria dar de alegria minha, ele não aceitou, uma ética exageradíssimo, não o INPS que era como se chamava já me pagou, de modo que eu passei rápido pelos nomes da minha família, passei pela família do meu pai, do meu pai eu poderia ter ido até o meu bisavô, os pais do meu avô paterno, o eu tinha que dizer aqui é que no dia 10 de janeiro de 1965 eu peguei um ônibus em Itajubá rumo a Poços de Caldas que era a cidade razoavelmente próxima, levei 10 horas de viagem porque o ônibus atolou na serra, atolou no barro, muita chuva, mas depois de 10 horas eu cheguei a Poços de Caldas na noite deste domingo,10 de janeiro de 65, e no dia 11 eu estava sentadinho na frente de um administrativo em Furnas fazendo a minha admissão, eu conheço esse rapaz que fez a minha demissão é meu amigo até hoje tá chegando aos 90 anos, e ali começou a minha vida profissional e a minha independência financeira tudo, eu já estava...imaginava que o futuro era agora só da consequência aos dias que viriam, ali comecei a vida profissional em Furnas, dali era só um ponto de passagem, e depois eu fui designado para Lavras, a cidade Minas também, sul de Minas, maravilhosa, morei no próprio escritório e depois casei o tempo que estava lá, comprei uma casinha própria, morei lá até 68, depois fui para Poços de Caldas, trabalhar em Poços de Caldas. Esses dias ainda recebi uma mensagem no Facebook de um amigo desse tempo, lembrando desse tempo, mora em Portugal hoje aí fiquei em Poços de Caldas, depois fui para Campinas, trabalhar em Campinas fiquei lá uns três, quatro anos, e depois vim para o Rio de Janeiro, estou a 45 anos em Furnas no Rio de Janeiro, fiquei, e agora a minha biografia, minha história, minha memória está muito associada a Furnas, eu fui uma pessoa não que tenha vestido a camisa mais do que outros, mas ela fez parte realmente da minha vida, inclusive eu morei no escritório de um deles, morei também lá na usina de Furnas numa ocasião, morava no hotel de Furnas, então Furnas está ligada a mim, nunca tive outro emprego, vim ter depois de aposentar, então durante até os meus 60 anos, dos 24 aos 60 é Furnas é muito relevante, mas nós fizemos aquela entrevista anterior sem muita didática mas eu falei com muito carinho e emoção.
1:54:10
P/1 - De fato temos essa parte profissional, então eu tenho algumas curiosidades, só para gente ir fechando. Primeiro o dia do casamento. Você se lembra como foi, se você poderia descrever para gente como foi, se foi com pompas, sem pompas, foi mais tranquilo, conta pra gente?
R - Sem pompas, primeiro que eu a exemplo do que dizia o meu pai, ele não gostava, o meu pai, apesar de ter sido um homem importante, ele não gostava muito de pompas e cerimônias, ele até criticava um pouco as teatralidades, então não foi com pompas não, mas foi um casamento normal como se fazia na época, o detalhe importante desse casamento é o seguinte, foi em Itajubá, eu trouxe de Brasópolis um padre, um padre que é candidato a santo, ele tem um processo de canonização em curso, quem conheceu pensa que esse padre deveria ser um santo. Esse padre fez a minha primeira comunhão em Brasópolis em 1948, nome dele padre Joaquim de Oliveira Noronha, padre Quinzinho, a igreja católica era muito importante na vida da gente principalmente na cidade pequena do interior, ele fez a minha primeira comunhão, ele era amigo de todo mundo da família do meu pai, ele fez a minha primeira comunhão em 1948 e 1965 ele fez o casamento da minha sogra de onde veio a minha esposa futura, a minha sogra era brazopolense também, tinha paixão por esse padre Quinzinho, e quando eu me casei eu trouxe ele também, esse padre Quinzinho, ele morreu cinco anos depois do meu casamento, morreu aí com seus 70 anos também, então é o grande point do meu casamento foi o padre que celebrou, e já numa época pós concílio ecumênico vaticano 2 em que a igreja começou a liberalizar os rituais, as cerimônias, as liturgias, as coisas caminhavam mais para o lado da informalidade, os padres vestidos de terno e gravata, calça comprida, e esse padre Quinzinho na velha batina preta de sempre, um padre das antigas, eu tenho esse dado inesquecível, e nos casamos ali, depois do casamento e de uma recepção na casa da minha noiva/esposa, eu peguei com ela táxi, um carro de praça, eu não tinha carro e fui para São Lourenço, em lua de mel, foi São Lourenço, Cambuquira que era cidade próximo, depois Belo Horizonte, lugares que eu conhecia, fizemos essa lua de mel muito simples, e dali fomos pra Lavras, na minha casa, a casa que eu comprei, reformei, fiz tudo com dois anos de formado, comprei, reformei, mobiliei, arrumei empregada, a minha esposa chegou entrou na casa, a casa já estava não sei se ao gosto dela, ela era muito menina tinha 18 anos, entrando numa casa que já era própria, mobiliada e tinha lá uma Lurdinha que era nossa empregada doméstica, e vivemos lá um ano e meio, dois anos por aí, hoje não teria condição de fazer isso, mobiliar uma casa sem consultar o gosto da esposa, mas eu estava preparando isso tudo como surpresa, a casa ela conheceu, a mãe levou ela um dia lá quando era noiva, ela conheceu, era uma casa pequena mas novinha que eu tinha reformado, pintado, era uma surpresa que eu queria fazer, levar a noiva/esposa com uma casa pronta e mobiliada até operacional que tinha uma domestica que nos ajudava, isso tudo em 66, e Furnas sempre misturada com a minha vida pessoal, não tem como tirar isso, não tem!
1:59:28
P/1 - Foram quantos anos de Furnas senhor Luiz?
R - Foram 30, mais 30 efetivamente trabalhando, e depois uma ligação muito frequente com Furnas, enquanto Furnas tinha a sua sede ali na Real Grandeza e eu acompanhei isso tudo. Eu lembro da empresa, eu entrei no começo né quase, conheço por conhecer a história de Furnas como se tivesse vivido aquele tempo, mas eu sabia das coisas de Furnas muito antes de...isso está dito no outro depoimento, mas enfim, ela fez um complexo formidável ali em Botafogo no Rio de Janeiro onde era a sede, hoje não é mais que ela saiu dali, eu até tenho uma curiosidade. Para onde vai esse Museu! Porque Furnas tinha o espaço social fabuloso ali na Real Grandeza, e tinha uma área cultural, fazia teatro e corais, etc, tinha espaço para isso nos pátios da empresa, Isso acabou, os tempos modernos, a gestão moderna, vai atrás de outros valores, não aqueles antigos nossos que tinha bem-estar social essas coisas. Hoje o mundo vai atrás de resultados e na esteira disso acontece às precarizações, você vai precarizando as relações profissionais, agora com esse home office vai crescer muito mais ainda essa precarização das sinergias, e isso tudo vem acontecendo de 1980 para cá, não é culpa de Furnas, nem do governo, o mundo está andando por esse caminho da eficiência, da meritocracia, do resultado, do lucro, e como consequência disso uma desigualdade que me incomoda. Eu já estou bem no fim da vida, mas ando num tempo de muita insatisfação com o rumo do mundo, para atenuar pra dizer que não é só com o Brasil, mas essa exacerbação pelos resultados, pra se chegar a essa explosão tecnológica, de resultados, essa financeirização, isso tudo precáriza os relacionamentos de todo tipo, inclusive adoece as pessoas, nunca houve tanta doença psíquica como agora, os psicanalistas têm aí um espaço enorme para tentar diminuir as ansiedades, porque o homem tá muito sozinho, tá muito por conta de si próprio, ele não tem mais ajuda do estado, e tudo isso é cafona, é fora do tom e custo, o emprego virou um custo, então isso tem me incomodado demais e quanto mais eu leio, estou vendo muita coisa nessa pandemia, nessa direção, até vou parar um pouco.
2:03:30
P/1 - Você conversa com seu filho que continua lá em Furnas, como é a empresa ou não?
R - Não,não eu converso, eu faço, eu converso atravessado, eu atravesso no lugar que eu estiver a minha opinião, que muitas vezes não bate com a opinião de um jovem como ele é, tem 42 anos, que nasceu nesse sistema econômico e social, e não tenha a vivência que eu tenho por razões óbvias, eu atravesso as minhas opiniões mas não há muita discussão, divergência por conta das formalidades. Um pouco da minha casa, o meu pai atravessava as coisas, primeiro ele atravessava fisicamente deixando, modificando o espaço, ele não atravessava lugar nenhum como se fosse invisível não, onde ele atravessava ele modificava o espaço, ele fazia isso e falava as coisas dele inquestionavelmente, e eu repito um pouco isso, eu sou um pouco minoria hoje na minha família, as condições minha estão muito voltadas para o bem-estar sabe. Esses dias eu ouvi alguém falar. No dia que colocarem o pobre o orçamento, a situação muda, e não é, tudo que eu leio em jornal, revista, a não ser nos livros específicos que eu consulto, que eu leio é gente discutindo economia e reformas do bem-estar, de transformar o empregado como um ativo humano, a pandemia levou essas reflexões, a pandemia vai trazer resultados, vai ditar rumos, eu não sei quais. Mas ela vai ditar, a sociedade seja brasileira, seja mundial não vai sair ilesa dessa pandemia, então é preciso que as pessoas retornem, se transformem em pessoas com que são e em ativos de humanos, captar o humano e não custo como hoje e como aconteceu em Furnas demissões em massa de gente, por estímulo aposentadoria, o que fosse, então perdeu-se isso entendeu, esse é um ponto que aconteceu de 1980 para cá e que está nessa doutrina econômica que nos governa que é o neoliberalismo, então é preciso humanizar um pouco isso.
2:06:54
P/1 - Na época que o senhor ocupou a presidência, senhor Luiz, foi de qual ano até qual ano?
R - Foi no governo do Fernando Henrique Cardoso de 95 a 1999.
2:07:09
P/1 - Você pegou então esse processo da privatização?
R - Peguei, nesse período foi um período importante desse modelo que eu condeno hoje, o modelo econômico social, o neoliberalismo ganhou força na aqui no Brasil pós constituição de 88, mas não pela constituição, pelos governantes que fizeram as reformas para orientar a economia e a vida social e o que fosse, na direção do individualismo sem solidariedade. Então meu amigo isso tem me ocupado, as vezes tenho vontade de ir para algum lugar para trabalhar nessa direção, mas ao mesmo tempo já não tenho mais entusiasmo pra isso, mas mentalmente me incomoda, eu tô vendo que é para não deixar finalmente pessimista, que o mundo tá reconhecendo isso e vai mudar, e a primeira demonstração material dessa mudança é a posse desse Joe Biden na presidência dos Estados Unidos. Eu já li rapidamente uns três dias atrás uma biografia rápida dele, é uma coisa admirável, porque ele é uma pessoa sem nenhuma exuberância política, um homem comum, pobre, de família de gente pobre, de gente leal, mas pobre, e ele não tem exuberância intelectual, de muitas gafes, é um homem comum e eu gosto disso. Olha, numa ocasião eu assisti um show em Madri de danças, as mulheres eram todas...não eram bonitas, eram mulheres vamos dizer assim, não estou citando o nome de ninguém, mais mulheres feias, e eu achei aquilo admirável, a espaço num palco importante como este lugar aqui pras mulheres que não são exuberantes, que não são misses, mulheres comuns com pouco mais de peso, não muito alta, então tem o seu espaço, e esse Joe Biden é uma pessoa...quer dizer obsessiva politicamente, ele pôs na cabeça que queria ser presidente da república foi lá atrás em 1980, 80 e poucos, e acabou sendo agora o presidente Estados Unidos, então pelo que ele representa do extrato de onde ele veio social, e sendo um homem comum, não tem exuberância intelectual nenhuma, e já entrou batendo pênalti, parece os jogadores que tinha no meu tempo, que saía da reserva e já ia, deixa que eu bato, ia lá e batia pênalti sem esquentar, sem nada.
2:10:33
P/1 - É uma boa metáfora, entra já pra bater o pênalti.
R - Ele entrou em cem dias, ele fez a vacinação maciça que nós estamos vendo nos Estados Unidos, por imposição autoritária dele aos laboratórios, e fez as verbas, destinou como nunca na história do mundo pelo menos 5 trilhões de dólares na metade para ajudar os que precisam, e a outra metade para fazer infraestrutura, e a infraestrutura faz o emprego, e o emprego faz a poupança, e daqui algum tempo tá tudo kits, não tem essa fobia atrás de equilíbrio fiscal como tem o Brasil, como tem todos os governantes a partir da década de 80, eu disse olha, eu tive a sorte de fazer minha vida no período de ouro no Brasil que foi no pós-guerra até o final de 70, aí eu fiz tudo que tinha que fazer, de 80 para cá vivo num país estagnado, país que não cresce, é claro que tecnologicamente avança por que a ciência e a tecnologia são irresistíveis, mas em matéria de consideração de bem-estar das pessoas de um modo geral nem tanto, os top como os médios, e os que estão mais abaixo. Nós perdemos muito, essa mensagem eu queria deixar. Eu não vou avançar, a não ser corrigir, preencher um ou outro buraquinho, eu queria deixar essa minha mensagem aqui de indignação mas de esperança, porque acho que nós vamos sair desse modelo econômico social através da liderança desse presidente americano, que é um homem comum, simples, eu até irresponsavelmente em certos momentos, eu estava me comparando com ele, comigo também foi assim, comigo também, primeiro a idade, os acidentes que ele teve, e as dificuldades que ele passou, eu por exemplo quando saí de Furnas, o consultor jurídico de Furnas na ata que formalizou, eu saí pedindo, renunciando, eu não fui demitido, eu renunciei por divergência com o governo, ele escreveu lá no sentido de me homenagear uma coisa inesquecível, esse presidente que tá saindo agora chegou à presidência sem nenhum histórico de exuberância técnica, é o meu caso, a minha vida profissional não tem exuberâncias técnicas nada, eu fiz carreira em Furnas em lugares, em cargos não menos relevantes, mas eu já dialoguei, alguém viu que eu não tinha, não precisava da exuberância técnica para fazer a minha vida, a minha (exuberância) foi a conversa, o diálogo, a compreensão, a busca de consenso, o respeito de todos, lidei com sindicato, no auge da força política do sindicato e saí amigo de todos, e quando eu fui presidente nunca tive uma greve, os sindicalistas vinham antes conversar comigo, não faziam greve, depois que eu sai, as greves ficaram comuns, isso em dois momentos, quando eu fui presidente, e quando eu fui o superintendente que discutia assuntos sindicais, e era gente que não era do meu viés político, eu era outra coisa, mas nós precisamos aprender a conviver com gente que é diferente, e fazer uma certa empatia parcial, não precisa ser total, mas a democracia precisa de que as pessoas sejam diferentes, e cada um lute pela sua crença, mas respeitando o outro, não como tá hoje, uma coisa muito violenta.
2:15:30
P/1 - O senhor tem razão sobre isso!
Vamos finalizar, porque de fato a parte profissional aquela parte em Furnas a gente tem aquela outra entrevista, claro, que se você quiser fazer uma outra, essa segunda parte a gente pode fazer, como eu lhe disse, mas acho que por hoje a gente chegou, a gente começou ali, e lá atrás um pouco das suas origens, veio até a sua família, um pouco dessa infância, adolescência, o começo, o casamento, a gente teve coisas bem relevantes dessa trajetória, obviamente é só um recorte da história da sua vida, de alguns trechos, mas acho que por hoje a gente consegue...enfim deixamos registrado a família, a gente consegue fechar hoje.
R - O Danilo, pra consolo nosso, eu diria que o Jorge Luis Borges, um grande autor, ele dizia o seguinte, ele gosta das releituras, o Borges e eu também, eu gosto das releituras, que na releitura o autor é outro, e o leitor é outro, então se nós formos repetir, continuar essa minha história, as pessoas vão pensar que eu sou outro, e as coisas que aconteceram também são outras, porque certamente não vai repetir o que eu falei hoje aqui, e um desavisado que assista pensa que é uma outra pessoa que tá falando, não é aquele da entrevista anterior, e virão outros enfoques, outras abordagens, outros personagens, outros momentos. Eu tenho um excesso disso na memória, para mim é uma honra tá aqui falando da minha vida, eu não me considero relevante, a ponto de merecer uma entrevista desse gabarito, feita por você e pela sua equipe, inclusive gente que tá lá dentro de Furnas como a menina que apareceu no começo, então isso é um prestígio formidável, e que bom que isso foi agora, os outros personagens de Furnas que presidiram a empresa não tiveram esse privilégio, e teve presidentes que me antecederam de muito mais gabarito do que eu. Eu fui presidente que representava empregado, uma coisa menor, os outros vinham indicados de fora com prestígio. Eu nasci ali na empresa desde novinho, e fui um presidente...aí é que eu estou dizendo, fazendo uma comparação com o Joe Biden, que andou a latere dos grandes vultos do partido democrata, convivendo com gente do partido republicano, gente de projeção mundial e ele andando ali com simplicidade, e chegou agora à presidência e é nele que eu deposito a fé de que o mundo vai melhorar, então muito obrigado