Infância em Guaratinguetá. Descrição do comércio. Comércio centenário do avô. Comércio com a cidade de Piquete. Casamento. Comércio Religioso. Transporte. Comércio atual. Descrição da loja.
IDENTIFICAÇÃO
Guilhermina Maria Rocco Vilela Leite. Mas se alguém me chamar de Guilhermina, ninguém sabe quem é na minha cidade. É Mariazinha Rocco. Se alguém falar que é Guilhermina Leite ninguém sabe quem é. É um apelido que me deram desde que eu nasci. Então fiquei conhecida na loja, por causa do comércio, por causa da escola, eu fiquei conhecida como Mariazinha. Então adotei o nome. Nasci em Guaratinguetá, em 19 de junho de 1930.
FAMÍLIA
Meus pais eram José Rocco e Georgina D’Alessandro Rocco. Meus avós eram Maria Loia Rocco, Tomás Rocco, que foi o fundador da loja. E os avós maternos: Ângelo Rafael D’Alessandro e Guilhermina Constanza D’Alessandro. Meu pai era do comércio e meu avô também. O meu avô materno também era comerciante. Está no sangue. Minha mãe era mais dona de casa e a avó também. A origem da família é italiana da parte dos dois lados, só a minha avó materna que era brasileira. Mas meu avô era italiano, o meu pai era italiano. Meu pai nasceu na Itália. Ele veio para cá com dezoito anos. Nasceu em 1888. O meu avô - eles vieram de uma aldeia muito pequenininha lá na Itália - , ele tinha dois filhos: tinha o meu pai e a minha tia. E ele veio tentar a vida na Argentina, no Novo Mundo, na América. Fazer a vida, fazer a América, que eles chamavam antigamente. Então ele veio, mas não gostou da Argentina, não se adaptou em Buenos Aires. E como tinha um padre em Guaratinguetá, aqui no Brasil, que era da terra dele, ele veio para cá. Veio para cá, e como diz até hoje: bebeu água do Paraíba e ficou. Ficou, adotou. Aí ele abriu a loja, em 1892. Quando foi em 1897, ele voltou para a Itália para pegar meu pai para fazer companhia, para ele ajudar na loja. E trouxe. O meu pai fez o curso de relojoeiro em Nápoles e vieram para cá. Deixou uma loja pequenininha, deixou mercadoria guardada, reabriu a loja, e mais tarde mandava buscar a minha avó. E aí já tinha um outro filho, que nasceu enquanto ele estava lá. E aí veio a família toda aqui para Guaratinguetá. Infelizmente não tenho irmãos. Sou filha única. A minha infância foi, como toda filha única, foi uma infância muito feliz. Meus pais eram muito unidos e tive uma infância muito feliz. Com amigos, companheiros. Minha mãe, como eu não tinha irmãos, ela tinha muito medo que eu ficasse egoísta, muito tímida. Então ela trazia todas as amigas para a minha casa e fazia sempre um jantar, um almoço, uma festinha para estudar junto. Eu tive uma infância muito feliz. Tinha muitos primos, porque minha mãe tinha doze irmãos. Mas ela era mais ligada a uma irmã que morava em Guará. Tinha dois filhos, e esses filhos foram criados praticamente pela minha mãe como irmãos meus. O restante da família morava em cidades do Vale; no Rio; São Paulo. Ainda tenho tia, tenho uma tia aqui em São José dos Campos com noventa anos. Mamãe não era a mais velha. Mas quando morreram os pais, os pais morreram no mesmo dia. Interessante. Eu tinha cinco meses, tinha acabado de jantar e a minha avó estava brincando comigo e ela tinha problema cardíaco. Brincando comigo, assim, em cima da mesa, caiu e morreu. E o meu avô, quando viu que ela morreu, morreu também. Ele ainda entrou em estado de coma. Saiu um enterro em um dia, o outro no outro. E a minha mãe ficou como centro da família. Criou as duas filhas, as duas irmãs menores. Tanto que ela se considera, essa de noventa anos, se considera minha irmã, porque mamãe que acabou de criar as duas. Uma mora em Caçapava a outra mora aqui em São José. Mas a mamãe acabou de criar. Mamãe era..., nós nos dávamos muito. Família muito unida.
TRANSPORTE
Quando a família se visitava nas outras cidades, a gente ia de carro e ia muito de trem. A gente usava muito o trem, o Expressinho. Era a Central do Brasil. E tinha o Rápido também. O Rápido era o trem, era um trem mais..., o Expressinho era um trem mais simples. E o rápido era um trem melhorzinho. O povo deu esses nomes. O Expressinho era um trem muito simples. Depois, mais tarde, apareceu um outro que se chamava Vitorina. Era um vagão só, assim grande. E esse era mais rápido ainda, a Vitorina. Depois não sei por que não foi para frente. Visitava de trem. Mas tinha um tio que tinha um “fordinho”. Então ele andava, a gente andava, ia para Minas visitar a tia de Minas. Todo mundo, não sei como é que cabia tanta gente dentro de um “fordinho”. As malas eram amarradas do lado. Amarrava assim, na porta. E ia todo mundo; subia essa serra para Passa Quatro, lá em Minas. Subia essa serra. Como eu não sei, subia. Eu ia. O trem pegava lá em Guará mesmo, às cinco horas da manhã. Chegava uma hora da tarde em São Paulo. Isso no Expressinho. O Rápido era um pouco mais rápido. Era ao meio-dia e chegava às sete horas da noite, mais ou menos. Ia todo mundo de trem. Essa viagem era ótima: levava lanche e, às vezes, quando estava muito cheio, a gente sentava nas malas. Eu me lembro que o meu pai mandou reforçar a mala, passar uma..., ele tinha a mala, a mala tinha uma barra de ferro em volta. Mandava reforçar para a gente poder sentar quando não tinha lugar. Então vinha sentado na mala. O trem entrava, ia entrando gente - não interessa que coubesse ou não. De carro, para São Paulo, começamos a ir muito depois. Começamos a ir quando... [Em] 50 começou já uma parte da Dutra. A gente ia de carro, levava muitas horas, porque era estrada de terra. Depois aí, em 50, já começou a uma parte da Dutra ser usada. Da Dutra, eu me lembro porque na minha lua-de-mel, em 1950, nós resolvemos... Tinha uma parte assim bonita, aberta, aí nós: “Ah, vamos aproveitar, de certo já está aberta essa parte”. Quando nós vimos, andamos um pouco, era um buraco. Já na Dutra. Tivemos que voltar. Guará sentido São Paulo. O trem parava em todas as estações. Guará, depois Aparecida, Pinda, Taubaté, São José. São José dos Campos era interessante porque... eles vendiam as coisas para a gente na estrada. Quando parava o trem em São José a gente não podia comprar nada. Porque era terra de tuberculosos. Então a gente não podia comprar. Era estação climática, todo mundo que era tuberculoso vinha para cá. Ou para cá ou para Campos do Jordão. Então a gente não podia comprar nada na estrada. “Não, não pode, tem tuberculose.” Eles vendiam pastel, vendiam sanduíche, vendiam doce, biscoito. E ninguém comprava. Em São José não podia, São José não podia comprar. Porque tinha tuberculose, era perigoso.
MORADIA
Morei sempre na mesma rua. Mas morei em três casas. Um bairro bem no centro. Eu nunca saí do centro. Na mesma rua. Na rua da loja, lá. Na rua Moraes Filho. Morei primeiro num sobradão - morava na parte de cima, esse era muito pequeno. Depois morei em três casas. Era uma casa assim pequena, mas bem confortável. Depois eu passei para um sobrado que ainda tem hoje - eu morava em cima. Aí eu morei muitos e muitos anos lá. Depois nós fizemos a nossa casa na continuação da rua.
INFÂNCIA
Acordava, brincava. Brincava na rua. Naquele tempo podia brincar na rua. Brincava mais de escolinha, de casinha. Brincava de casinha, de comidinha, fazia fogãozinho. E tinha já brinquedo para isso. Minha mãe comprava meus brinquedos em Guará. Eu ganhava muito das minhas tias, porque como mamãe ficou como mãe delas, eu fui a sobrinha preferida. Então eu ganhava, as minhas primas tinham ciúme. Ih, era um ciúme. E as minhas tias me cobriam de presentes. Eu tive uma vida muito boa. Muito boa mesmo. Tenho ótimas lembranças da minha vida.
FAMÍLIA
Deus me deu uma tocada. Casei muito bem. Com quem eu queria, com quem eu queria muito bem. Mas uns anos depois, Deus falou: “Essa daí está ganhando muito, chega”. Aí me levou um filho de quinze anos. De repente. Mas a gente luta. Se a gente acredita em Deus, a gente vai, segura na mão dele e vai embora. É verdade: a gente levanta a cabeça. E depois eu ainda tinha mais dois filhos, meu marido muito bom, tinha... Então a gente vai levantando a cabeça. E principalmente, sabe o que é que eu tinha que me levantou muito? Serviço. O trabalho. O trabalho levanta muito a gente. Levanta, porque se a gente ficasse em casa, não agüentava. Não sou de ficar fazendo crochê, tricô, vendo televisão ou jogando buraco, não dá. Então, trabalho. Tanto que eu recomendo para todo mundo. Trabalhe.
TRABALHO
Comecei a trabalhar muito nova. Participava do dia-a-dia da loja. Ah, eu ficava lá, olhava, pegava as coisas. Pegava, olhava, ajudava. Ajudava, às vezes, em uma limpeza. Ajudava a levar... - uma coisa que minha mãe sempre fez - , eu vim entregar embrulho. E eu fiz com os meus filhos também, para não ter vergonha de entregar embrulho. Então eles me obrigavam a entregar: “Mas eu não quero ir”. “Vai, vai entregar porque isso não é vergonha nenhuma. Você está trabalhando. Você está fazendo um serviço. Está sendo útil à comunidade.” Então fazia, era assim. Mas eu mais estudava.
EDUCAÇÃO
Eu gostava muito de estudar. Estudei no Instituto de Educação. Antigamente era escola normal. De Guará. Mas era a melhor escola e eu entrei. Naquele tempo, não tinha faculdade por aqui. De jeito nenhum. E não tinha vestibular, não tinha nada. Aí eu me formei e fui para São Paulo para fazer faculdade de história. E tinha um colégio lá em São Paulo, chamava Sion. Aí já era só para moças. Então a gente se matriculava e morava lá. Então eu fui, fiz a matrícula e tudo. Comecei a arrumar as coisas. Aí uma amiga me chamou e disse: “Olha, você vai embora, Mariazinha?”. Eu disse: “Eu vou”. “Olha, a Dóris está esperando você ir porque ela vai dar em cima do Luís”. Que era o meu namorado. “Ela vai. Ela está esperando você ir embora” - porque ele tinha sido namorado dela - “para voltar com ele, que você vai ver: ela vai tomar ele de você”. Você acha que eu fui? De jeito nenhum. E não me arrependo até hoje. Já estava matriculada. Já tinha pago a matrícula. Aí não fui. E o Luís soube dessa história. Meu pai e minha mãe adoraram. Adoraram, porque eu era filha única, ia embora para São Paulo. Isso tudo em 48. Ir para São Paulo era uma coisa. E meus pais adoraram.
NAMORO
Comecei a namorar o Luís em 45. O primeiro namorado. Eu tinha quinze anos, comecei a namorar. Fiquei casada 48 [anos], namorei cinco anos. Me casei em 50. Foram 48 anos de felicidade. Ele estudava também, era comércio. Ele fez curso de comércio. Então ele trabalhava em firmas. Ele fez lá em Guará mesmo; tinha um curso muito bom, nos anos 40. Chamava Escola Nogueira da Gama, que hoje foi transformada em faculdade. O rapazes iam para essa escola.
CIDADES
Guaratinguetá Na minha infância, o comércio de Guará era bom. E a gente também não tinha esse consumismo que tem hoje, nós não tínhamos esse consumismo. Era, roupa era aquela, o sapato era aquele, ninguém se exibia. Tinha uma roupa melhor para ir à missa e, ou então quando tinha uma festa, um casamento, uma coisa assim. Mas no normal não é como essas meninas hoje, que eu tenho neto, eu estou sabendo, é marca. A maior parte da roupa era feita. A maior parte. Mamãe inclusive costurava também, mas tinha as costureiras. Já tinha as costureiras que faziam. Tinha a dona Candê, tinha a Aninha. Candê foi quem fez meu vestido de noiva. Ela era a melhor costureira de lá.
JUVENTUDE
Ah, os bailes eram completamente diferentes dos de hoje. Mas a gente não ia desacompanhada, não. Meu pai ia, ficava sentado lá em baixo - tinha dois andares o clube, papai ficava sentado na biblioteca, sentado, dormindo coitado. Não, não ia sozinha. Imagine se ia sozinha no baile, mas nunca Mas a gente não fazia nada. Ele podia acordar. Os bailes eram lindos. Os vestidos de baile eram maravilhosos, orquestras muito boas. Vinham sempre orquestras de fora. Tinha um baile muito famoso em Lorena, que era o baile de 15 de agosto. Então Guará inteira ia para o baile de Lorena. A gente fazia aquele vestido longo, todo arrumado, e ia para o baile de Lorena. Aí papai alugava um carro e eu ia com as minhas amigas. Ia pela estrada velha. Eram muito bonitos os bailes. Completamente diferente de hoje. As moças ficavam de um lado e os rapazes do outro, então ele vinha e tirava, praticamente não falavam nada: “Vamos dançar?”. Primeiro flertavam, vamos dizer assim, existia o flerte. Aí você ficava olhando, ficava olhando. Um olhava para o outro, assim. Eu não tinha muita oportunidade de ficar dançando com muita gente porque eu comecei, eu comecei..., já apaixonei de uma vez. De modo que ele ficava junto.
NAMORO
Eu conheci o Luís porque ele era namorado de uma amiga minha. Da Teresinha. Ih, ele teve várias namoradas. E essa menina morava com a irmã, e a irmã era muito brava. A irmã era muito brava e não deixava. E ela fugia para ir ao baile. E falava que ia dormir lá em casa. Então, no dia seguinte, a irmã telefonava para mim ou ia lá em casa saber se a Teresa tinha dormido. Eu falava que tinha, que ela tinha ido dormir em casa, que tinha ficado em casa. E ela fugia. A irmã não deixava ela ir para o baile, então ela falava que ia dormir e ia para o baile. Bom, aí ela foi embora para Belo Horizonte e daí começou. E em um Carnaval, Carnaval de 45, nós estávamos dançando. Era bonitinho, o Carnaval não era como isso hoje: fazia aqueles cordões e eu comecei a ir. Entrei no cordão, dei a mão, começou. Assim, começamos a conversar... A minha cunhada que fala que eu traí a minha amiga, mas não traí. Ela já tinha ido embora. Não traí. O Carnaval era em clube. E esta foi a única mulher que eu tive ciúme na minha vida, porque eu achava que ele gostava dela, porque eu ajudei muito o namoro deles. Mas eu tinha um ciúme. E ele brincava comigo: “Ói, Teresinha Martins está por aí”. Passei 35 anos com ciúmes dela.
CIDADES
Guaratinguetá Ah, Guará sempre foi uma cidade muito boa para se viver. Com todo conforto, com todo... Sempre foi uma cidade boa. Não tem o desenvolvimento que tem São José, que tem Taubaté. Mas ainda continua. É uma cidade cultural, tinha muita cultura. Valia a pena morar. Permanece um pouco. Tem bastante cultura lá. A parte cultural de Guará é bem desenvolvida. É uma cidade ainda tipo dormitório, ainda. A topografia não permite muita fábrica, tem muito morro. Então não permite esse desenvolvimento como tem aqui: São José, Caçapava, Taubaté. Então a rapaziada sai para trabalhar nas indústrias. Sai muito para trabalhar. O pessoal sai muito para trabalhar. Escolas, nós tínhamos escola normal, que era famosa no sul de Minas, aqui no Vale do Paraíba, era muito famosa. Hoje é instituto. Mas nós não tínhamos faculdade, agora que estamos tendo faculdade, está melhorando essa parte.
EDUCAÇÃO
Essa escola recebia alunos. Eu mesmo, quando me formei, tinha alunos de Bananal, de Caçapava, de São José, de Taubaté. Eu tive colegas de... Tinha pensão de moças. Tinha muita pensão para moças. Casas de senhoras que recebiam moças para morar. O horário era rígido. Ah, nossa, era vigiado mesmo. Eu tive uma amiga muito querida, era de Queluz, Filhinha. É que foi, essa também estudou comigo, tinha amigas de outros lugares. Muitas casaram em Guará e ficaram na cidade.
LAZER
Tinha um clube chamava Clube de Regatas. Não tinha piscina. Era um caixão que eles fizeram, era uma espécie de um caixote - chamavam caixão, mesmo. Era uma..., era assim de madeira, grande, que eles puseram na beirada do Paraíba, perto de onde é a câmara municipal. Era o Clube de Regatas. Então o pessoal nadava lá, andava de barco no Paraíba - porque o Paraíba era limpo naquela época - , e andava de barco, o pessoal nadava lá. Tinha o Clube de Tênis, bola-ao-cesto, era muito, tinha no Clube Literário. Tinha, era bem o, assim, o pessoal gostava muito de bola-ao-cesto. Tanto que o time foi até campeão do estado de São Paulo. Tinha bola-ao-cesto, tinha, era mais ou menos. Depois aí eles fizeram no Clube dos 500 a piscina. Aí o pessoal começou a freqüentar o Clube dos 500. E ia lá para nadar. É bem antigo. É antigo. Agora eles reformam, está bonito. Mas é bem antigo. A primeira piscina de Guará mesmo foi lá. Depois, agora tem piscinas nas casas, nos clubes, em tudo quanto é lugar. Eu não praticava esportes. Não gostava. E minha mãe não deixava: “Não, não, porque a água afoga, a água mata”. Tanto que eu não sei nadar até hoje. Morro de medo.
TRANSPORTE
Guará tinha um bondinho - bonde elétrico - que levava de Guará a Aparecida. Agora, por dentro, já não tinha. Urbano, transporte urbano começou depois, com um pouco de ônibus. Aqueles ônibus velhos que iam mais para Lorena, para Cunha. Mas o transporte mais importante em Guará era para Aparecida, o bonde elétrico. Andava tudo a pé, bicicleta. Depois começou o ônibus urbano. Aqueles ônibus antigos.
COMÉRCIO
Ah, essa coisa de tropeiro, ficavam nos anos 50 mesmo. Tinha, mas não entravam muito na cidade. Tinha na estrada de Cunha, na saída de Guará para Cunha tinha um lugar onde eles traziam a mercadoria de Cunha para ser comercializada. Não era bem mercado, era um ponto de troca de mercadorias. Na saída, lá, mas dentro da cidade quase não tinha, não. Tinha muito marmelo, quando tinha. Mas acabou o marmelo de Cunha, não sei por quê. Nós temos fazenda no alto da serra. Tem um marmeleiro que não dá. E no entanto era um..., chegava marmelo de Cunha, pronto. Era uma beleza, aqueles marmelos. Eu me lembro, mamãe fazia muito doce disso. E traziam frango, muito frango. Nos anos 50 esses tropeiros eram o próprio vendedor. Antes tinha.
CASAMENTO
Meu casamento foi uma beleza. Ficamos, antes, ficamos noivos. Fiquei noiva dia 19 de março, um ano antes de casar. Fiquei noiva um ano. Dia de São José. Eu escolhi por causa de papai. Mas a gente não ficava em casa: eu fui para a casa de uma amiga. Meu sogro e minha sogra foram lá em casa, mamãe recebeu. Aí eles fizeram o pedido, telefonaram para a casa da minha amiga, eu e o Luís viemos. Viemos para cumprimentar meu sogro e minha sogra. Já estava combinado. Um ano depois foi o casamento. Mamãe, no meu casamento, Nossa Senhora Mamãe - não usava fazer em clube - , então mamãe tirou todos os móveis da parte de baixo da minha casa e armou a mesa de casamento. Até hoje tem gente que fala no meu casamento. Meu vestido foi bonito. Era um cetim adamascado, era bonito. Depois virou roupa de padre: mamãe deu para a igreja, porque tinha uma cauda muito grande, então virou capa de padre. Mamãe costurava na igreja e fizeram. Virou roupa de padre. O casamento foi de tarde, seis horas da tarde. Tanto que durante 48 anos, todos os 20 de maio, nós íamos na igreja às seis horas da tarde, onde estivesse, em qualquer lugar que a gente ia - porque a gente sempre viajava nesse dia para comemorar. E agora estou indo sozinha, mas eu vou. Faz cinco anos que eu vou sozinha. Não faz mal, ele está comigo. Teve uma festa, teve doce... Foi toda a cidade. Mamãe fazia muito doce, mas tinha muita doceira, encomendava muito. E a mamãe também, usava muito fazer em casamento os bem casados. Os doces, mamãe fazia muito bem doce. E tinha, até hoje, outro dia uma pessoa falou: “Eu me lembro do seu casamento”. Fomos para São Lourenço. Nós não tínhamos carro, aí nosso padrinho de casamento emprestou um carro para nós, e foi um chofer nos levar, porque era de noite. Nós fomos para atravessar a serra, em maio, então o Luís ficou com medo. Aí o chofer voltou, nós ficamos com o carro lá, para andar. Ficamos no Hotel Brasil. Depois, 25 anos depois, eu guardei o número do quarto que, eu guardei a nota fiscal do casamento. Do quarto que eu fiquei no Hotel Brasil. Aí eu telefonei pedindo, reservando. Nós não quisemos fazer festa de 25 anos, fomos à missa com as crianças, aqui. E mandei fazer uma missa às seis horas, lá em São Lourenço. Bom, teve vacinação de meningite, ninguém teve reação. Eu tive quarenta graus de febre. Eu cheguei em São Lourenço, nos preparamos. Eu guardei a camisola do casamento, mandei abrir um pouquinho... E eu passei três dias no hotel, com febre. No mesmo quarto. Deu uma reação da vacina de meningite, que eu tomei uns dois dias antes. Uma reação terrível. Tanto que agora, esse negócio dessas vacinas de gripe, de velho tomar, eu não tomo essas vacinas, de jeito nenhum.
EDUCAÇÃO
Eu gostava de história. E depois, anos depois, eu fui lecionar matemática, que eu não gostava. Até hoje, eu gosto de história.
FAMÍLIA
O Luís trabalhava, funcionário público. Ele era diretor dessa escola artesanal que eu lecionava, que era lá na praça. Uma escola ótima, acabou. Ela era só para..., ela ensinava torneiro mecânico, marcenaria. O pessoal já saía de lá pronto para trabalhar. Mas depois terminaram com essa escola. O meu pai já estava velho, meu tio, o meu pai era vinte anos mais velho que mamãe, e já estava sentindo, aí pediu para o Luís ir. E o Luís era um bom comerciante. Ele assumiu a loja. Aí eu fui junto com ele. Isso em 50. Quando nós casamos, papai pediu que ele fosse. Mas eu continuei lecionando até 59. E lecionava. Lecionava pouquinho, era pouco. Era contrato, muito pouco. O Luís começou a construir o prédio. Desmanchamos, passamos para a praça. Levamos sete anos construindo, foi aos pouquinhos, foi muito pouco, mas foi uma luta.
COMÉRCIO
A Casa Rocco começou com relógio. Começou com relojoaria, artigos de presente e jóias. No tempo do meu avô, que meu avô era ourives e relojoeiro, papai era relojoeiro. Então eles consertavam relógio, e depois vendia um pouco de presente, vendia artigos para dentista. Artigos dentários e óculos. E tinha muita procura de artigos dentários, porque não tinha essas casas especializadas em Guará. Depois começaram a haver casas especializadas e o Luís acabou. Na década de 60, mais ou menos. E a gente vendia para Cruzeiro, Cachoeira, o pessoal vinha comprar. Iam lá, buscar artigo. Os dentes, por exemplo: não tinha esses dentes hoje que tem de..., então vinha tudo em papelzinho, assim, a carreira de dente. Então o dentista ia lá, escolhia a cor da carreira para fazer as dentaduras, escolhia a cor, o tipo de dente. Tinha aquele..., nós temos até hoje os armários, cheios de gavetinha, que era onde eram guardados os... Os fornecedores eram de São Paulo. O papai ia em São Paulo, o [tio] Genarino, mas vinha vendedor também. Usava muito. Usava muito vendedor. Jóia principalmente, eles vinham. Imagina se hoje poderia fazer isso? Por exemplo: tinha uma casa de jóia, chamava La Royale, em São Paulo, que nós comprávamos muitas jóias deles. Ele vinha assim, o senhor Petrônio, a gente fazia amizade com os vendedores. Ele trazia de trem aqueles baús enormes de ferro assim - vinha por trem - , cheio de jóia. Aí tinha os empregados lá da Central, traziam, levavam e a gente abria os baús e via as jóias. Imagine hoje? Despachava o baú; vinha, escolhia e voltava; daí despachava outra vez. Os artigos para presentes, a gente também tinha vendedores. Era mais com vendedor - não usava muito a gente ir muito para São Paulo - trazia uma fotografia. Até hoje, fazia o mesmo processo: uma pasta com as fotos ou com os desenhos. Eu ia a São Paulo com o Luís, também. Eu e o Luís íamos muito em São Paulo para descobrir fábricas. A vida inteira nós dois fomos. Pagava os fornecedores por duplicata. Certas coisas a vista. Certas coisas, por exemplo, em São Paulo, você ia e comprava para trazer, dava nota fiscal para a gente, mas você já pagava a vista. E a loja tinha funcionários. Nunca tive muitos funcionários. Eu tive um funcionário lá, ficou 42 anos conosco. Eu tive vários funcionários. No tempo do meu pai, tinha dois relojoeiros. Dois relojoeiros que trabalhavam lá, o Guedes e o Atílio Careli. Eu me lembro bem deles. Um deles gravava à mão, uma verdadeira maravilha. Eu me lembro... O Guedes. Era um velho assim, desarrumado feito não sei o quê. Era um verdadeiro artista. Funcionários de balcão também tinha. Tinha meu tio, tinha meu pai e então... Meus filhos também ficaram. Criaram lá dentro. O Guilherme e a Marina é que estão donos. Eu saí da loja. Bom, eu saí: eu saí no papel. Mas quem sustenta, agora sou eu. Pagava as duplicatas no banco. Tinha o banco Comercial, o mais importante com que nós lidávamos. Era bem em frente à loja. Banco Comercial do Estado de São Paulo. Conhecia o gerente, nós éramos muito amigos. Tanto que quando teve a guerra, eles seqüestraram o dinheiro dos italianos..., bloquearam o dinheiro dos italianos - não é seqüestraram, é bloquearam - . Na véspera, o gerente do banco ficou sabendo, foi lá e avisou: “Tira o seu dinheiro já, que vão bloquear, tira o que você tem”. Aí papai foi lá.
FAMÍLIA
O meu tio sofreu perseguição na guerra. Sofreu porque ele teve que... Durante muitos e muitos anos ele foi da diretoria do Clube Literário. Ele era solteirão e a vida dele era o Clube Literário. O tio Genarino - ele adorava aquele clube - foi obrigado a sair. Não podia mais, eu me lembro, ele chorava. Era a lei, mas nós não sofremos nada. Tinha um japonês lá, coitado, que era..., tinha uma lavanderia, atacaram a lavanderia dele. Mas nós não: não sofremos nada. Nada, nada. A única coisa foi isso.
COMÉRCIO
Então pagava a duplicata no banco. E vendia com caderneta. A famosa caderneta que paga quando... “Toma nota para mim.” E até hoje tem essa, tenho clientes assim: “Toma nota para mim”. E depois pagam. Eu não tenho muita inadimplência. Não tenho, é raro. E geralmente, com rico que tenho. Às vezes, pagava por mês, às vezes demorava, às vezes pagava antes. Desde essa época, não me queixo de inadimplência. Às vezes alguém passa um ou dois meses sem pagar, mas depois vem. Ontem, por exemplo, tinha uma senhora que comprou uma jóia lá e tinha que pagar em quatro vezes. E estava demorando para trazer o segundo pagamento. Aí o Guilherme disse: “Mãe, eu acho que eu vou ter que telefonar”. Eu disse: “Pelo amor de Deus, ela vai ficar brava. Como é que faz?”. Ele disse: “Mas eu tenho, estou precisando do dinheiro, eu quero, ela está demorando”. Daí a quinze minutos entra a mulher lá na loja; eu dei graças a Deus. “Ah, eu estava com medo de você me cobrar.” Eu disse a ela: “Imagine se eu ia cobrar”.
VALE DO PARAÍBA
Eu tive muitos clientes do Exército de Piquete, muito mesmo. Foi a melhor fase para o comércio, porque o pessoal tinha dinheiro. O pessoal que servia em Piquete... Vinha um ônibus com as senhoras, duas vezes por semana. Trazia as senhoras de Piquete para fazer compra em Guará. E nós tínhamos uma freguesia enorme, freguesia da Aeronáutica. As festas da Aeronáutica... Acabou tudo. Porque eles seguraram agora, o militar não tem mais dinheiro. O militar não tem mais dinheiro, eles seguraram. Nossa, eu tinha muito cliente. Anos 50, anos 60. Para mim, eu acho que os anos 60 foram os melhores. Piquete, Aeronáutica. Tinha bastante. Essas senhoras compravam de tudo: compravam presente, compravam. Eu mandava, eles transferiam para Brasília e alguns telefonavam para eu mandar pelo correio as coisas para eles.
FAMÍLIA
O meu marido detestava festa, tinha pavor de festa. Tinha que fazer uma roupa, uma coisa... Nas festas, nós íamos em todas. Casamento em Piquete? A gente ia no casamento. Piquete era uma cidade muito pequenininha, mas tem a parte que é a fábrica de pólvora. E eles tinham as casas lá. Tinha uma espécie de uma vila para esses funcionários. E não tinha nada, comércio nenhum lá. Hoje já tem um pouco, também, mais simples, mas não tinha nada. Lorena, tivemos muito freguês de Lorena.
VALE DO PARAÍBA
Lorena não teve um comércio forte. Agora está bom o comércio. Agora sim, mas no passado não. Então o pessoal ia de Lorena comprar lá. Eu tinha cliente do Vale todo.
COMÉRCIO
Entregava em casa. Até hoje entrega. Não cobro nenhuma taxa. Nós demoramos um pouquinho para receber o cartão de crédito. Deixamos o negócio, a poeira assentar, mesmo. Meu marido era meio desconfiado das coisas, então ficou. Mas hoje nós recebemos todo e qualquer cartão de crédito. Porque se você não vender cartão de crédito, você não vende mais. Apesar de que ele desconta de você no seu dia, e para mim ele paga só um mês depois, com 5% a menos. Mas se eu não vender no cartão de crédito... O cheque pré também é muito bom. Nós não fazíamos isso, ultimamente andamos fazendo. Porque é vantagem para a gente. Não é ruim para o comerciante. É muito bom. O juro não é alto. Ah, eu passei por tudo quanto é plano. Eu comecei no mil réis, no tostão. Teve que mudar. Você tem que adaptar, você está no comércio, você tem que adaptar. Eu, até hoje, eu ainda falo, a Marina briga comigo, eu falo cruzeiro: “Vinte cruzeiros”. Eu fiquei no cruzeiro. Olha, eu estou meio antiga. Sinceramente, eu estou, porque as minhas vitrines são todas fechadas, que são as vitrines antigas. Depois, uma parte meu marido mandou fazer, mas mandou fazer igual. Tanto que tem no retrato aí de 1900 e bolinha, e tem lá: são fechadas. E hoje o povo gosta de pegar na mercadoria, gosta de ver. Então muita gente não entra na minha loja porque acha: “Fechada, é caro, é isso, é aquilo”. Esteve um moço do Sebrae lá - nós mandamos chamar para pedir opinião - ele mandou tirar as portas das vitrines. Nós tiramos de um lado, ficou tão feio... ficou... Tiramos de um lado, para não dizer que nós não estamos, e depois empoeira muito a mercadoria. Mas o meu tipo está muito antigo. E eu estou precisando... Elas são fechadas, mas descreve: elas são uns armários de madeira trabalhados. A parte de cima tem um desenho de flores, tudo em vidro, são altos, tudo de vidro, tudo com vidro. E você fecha, fecha, prateleiras, desde baixo até em cima. Tem umas que são de vidro e umas que são... E tem uma vitrine grande no meio... São de madeira escura. Toda de madeira escura, assim, trabalhado, com ranhuras, tudo fechado, em vidro. Em cima tem uns desenhos. A vitrine grande, que era do meio, a vitrine da loja que era a vitrine da frente, tem em cima um, assim, trabalhado um CR - Casa Rocco - grande. E tem as vitrines modernas, que são as da frente, que são em vidro. Estamos pensando em mudar, mas precisa de um capital muito grande para eu fazer uma modificação, modificação completa na loja. E nós não temos muita coragem, não. Porque a gente tem aquele amor naquelas coisas. Mas eu acho que nós vamos precisar fazer. O tipo de mercadoria nós já mudamos. Mudei muito. Ao longo desses anos fomos mudando. Mudamos porque nós tínhamos muita prataria, cristal, muita dessas porcelanas importadas. Tinha. Hoje não: hoje você tem que pôr coisas acessíveis ao bolso do brasileiro. Hoje nós diminuímos, não digo a qualidade - porque a qualidade nós fazemos questão - , mas quanto ao preço, quanto ao tipo de mercadoria, nós já mudamos. Tanto que agora nós estamos... Minha filha trouxe de Fortaleza uma mercadoria de toalhas, de caminhos de mesa. Toalhas, trouxe uma grande, estão na vitrine. É o que está vendendo hoje. Pusemos na vitrine, é o que está vendendo. Quer dizer, então nós, tem gente que fala assim: “Nossa, mas a Casa Rocco vendendo isso?”. Eu disse: “A Casa Rocco precisa comer. A Casa Rocco tem conta para pagar”. Então a Casa Rocco tem que se adaptar aos novos tempos. Porque o público mudou. Porque hoje não tem mais aquele freguês tradicional, não. Freguês fiel. Tudo o que precisava ia lá, tudo o que precisava. Hoje não, hoje ele vê preço. Não estão ligando muito para qualidade, não. Nós fazemos questão porque nós temos tradição. O ouro só dezoito [quilates]. A gente tem que ver essa, por exemplo, porcelana: a porcelana tem A, B e C. Eu, toda a vida vendi só a A, porque o outro, o C, prato já é meio torto, você empilha o prato assim, você vê a diferença. Mas nós tivemos que mudar muito, muito mesmo. Jóias, mudou, há muito tempo, do estojo de veludo para o de plástico. Tem ainda, mas é muito caro. Então tem que ser uma jóia muito cara. E mesmo as jóias caras, hoje está raro vender, porque o pessoal não está empatando muito, não, em jóia. Pelas bijuterias que tem hoje. Aliás as bijuterias têm o preço de jóia: são caríssimas. Bijuteria boa é muito caro. Temos, temos clientes que só compram lá. Tem um casamento, tem um aniversário, tem uma coisa, procuram a gente primeiro. O meu marido fazia muito consórcio de relógio. Relógio Omêga, relógio Tissot. Então meu marido fazia consórcio. Consórcio de relógio, assim. De meses iam pagando, sorteava no fim do mês. Juntava o pessoal para sortear, para ver quem ia tirar o relógio. Então essa semana mesmo um falou: “Aqui, olha, o relógio do consórcio”. O relógio está lá. Eu faço um pouco de promoção. Não faço muito porque para você fazer promoção você precisa de um grande capital. Porque você para fazer uma promoção, você tem que ter a quantidade de mercadoria, quantidade. O ano passado nós fizemos uma de copo. Umas caixas de copos e, umas caixas, pusemos, empilhamos na vitrine. Vendeu bastante, vendeu bastante. Nós fizemos. Vendo alguma coisa relacionada ao frei Galvão. Medalha de ouro do frei Galvão, a imagem do frei Galvão. Isso começou desde quando ele foi beatificado. O pessoal começou a pedir, mas tem bastante casa de artigo religioso em Guará. Nós temos uma fábrica de artigo religioso em Guará. Duas aliás, duas grandes. Tem umas pequenas, de artigo, uma até de um cunhado meu. E aí eu vou, trago. Agora, por exemplo, eu estou trazendo o Menino Jesus, já peguei essa semana lá. A gente faz os cestinhos, o cestinho com palhinha, enfeitado com bolas e coisa. O Menino Jesus. Agora essa semana, eu vou pegar presépio. A gente monta os presépios. Antigamente eu chamava decorador para arrumar a vitrine de Natal. Era de Guará. Aí depois ele mudou, foi embora. Ficou uma outra moça, que aliás morreu. Agora, nós mesmos estamos arrumando. Uma vez eu fiz, eu ganhei um concurso, ganhei uma televisão. Nós fizemos em azul e branco. Azul, branco e prata. Nós ganhamos um concurso de vitrine que teve em Guará e ganhamos a televisão. Nós mesmos fizemos: era a árvore branca, só com laços e bolas azuis. O pano assim, pusemos assim dos lados, de prateado. Bastante prateado, bastante coisa. Ficou bonita a vitrine, ficou muito bonita a vitrine. E pior que não tiramos retrato. Teve um júri, teve um júri, um júri que visitou todas as vitrines. Agora, esse ano, nós vamos fazer em amarelo. Já comprei as flores porque eu vou fazer em flor, em rosas amarelas, a árvore. Todo em amarelo, amarelo e dourado. Vamos ver o que é que vai dar.
VALE DO PARAÍBA
Os romeiros ficam muito em Aparecida. Eles vão a Guará em um lado lá, depois do Paraíba, a ponte Pedregulho. Lá tem um orfanato, que até esse monsenhor Filipo, que era amigo do meu avô, o Tomás Rocco, ele fundou esse orfanato. E esse orfanato tem uma gruta, e uma gruta de Nossa Senhora na frente, um pátio na frente. E os romeiros que vão à Aparecida, vêm os ônibus todos para lá, para Pedregulho, para pegar a água da Nossa Senhora. Para visitar. É grande essa romaria, bem grande. Eles atravessam, vão direto para Pedregulho. Nós não temos muita freguesia de romeiro, não. Essa coisa de romeiro para Aparecida, faz muitos anos. Muito anos. Atualmente facilitou muito por causa das estradas. Antigamente era muito difícil, porque era estrada de terra. Era estrada de terra e era difícil, até para o romeiro. Hoje não, com essas estradas que nós temos, é a Carvalho Pinto, é a Trabalhadores, a Dutra, então facilitou muito a vinda de romeiros. No dia da Padroeira, o comércio não sofre alteração; hotéis, restaurantes, sim. Mas no comércio não, porque o pessoal quer comprar em Aparecida, para levar lembrança de lá.
COMÉRCIO
Tenho mais clientes mulheres. Homem é ótimo vender, uma beleza. Ele chega aqui e diz: “Eu quero isso. Eu quero isso e ponto”. É ótimo atender homem. Homem é muito mais fácil atender. O homem é mais seguro. Já houve um problema sério uma vez... Um homem foi lá e comprou uma pulseira de ouro. E nós nos dávamos muito com essa - era de Piquete, até, era oficial de Piquete. Ele foi e comprou a jóia. Comprou e nada de mandar o dinheiro. Foi daquele “toma nota”. Aí, nada de mandar o dinheiro. O Luís escreveu uma carta muito delicada, muito bonita, lembrando etc. e tal, e mandou para a casa dele. Ah, ah, ah, pra quê? Não era para a mulher, não era para a mulher... E a mulher viu a carta. Mas aprontou um escândalo, foi lá na loja: que nós não podíamos ter vendido. Eu disse: “Mas como é que nós vamos adivinhar?”. Aí nós adotamos um sistema: conta para homem e conta para a mulher. Aí tinha homem que às vezes ia na loja: “Minha mulher está devendo alguma coisa?”. “Não, não está devendo nada.” “Meu marido comprou alguma coisa?” “Não, não, faz tempo que ele não aparece aqui.” Ah, aí ele pagou. Ele pagou, nossa Mas foi um escândalo. Ela foi lá sozinha. Nossa, mas aprontou um barulho com a gente. Como é que nós vendemos isso? “Eu pensei que fosse para você.” E não foi o único caso, não. Às vezes acontece. Então é segredo profissional. Atualmente é segredo profissional. A relação com os clientes é muito de amizade. Os meus clientes são amigos. Entram, vão tomar uma aguinha, usam o toalete - temos o toalete mais limpinho ali - , vai usar o toalete, vem dar uma prosa. Nós temos ainda mais de amizade. Meu marido era muito bom para comércio. Ela entrava para comprar um copo, saía com aparelho de jantar. Meu marido era um comerciante excepcional. Guará não tem shopping. Não, graças a Deus. Porque o shopping vai me prejudicar. Mas os comerciantes não querem, ninguém fala. Fica todo mundo quieto. Porque é um atraso para a cidade. O shopping está lá construído, está enorme, está construído. E acabando. Tem lojas compradas. As Lojas Americanas comprou, mas só abriria se tivesse um certo número de outras lojas. Faz muito tempo. Faz anos. Um prédio enorme.
RELAÇÃO COM O COMÉRCIO
Adoro fazer compras. Não preciso comprar para mim, não. Eu adoro comprar para a loja, para os outros que me pedem, adoro comprar. Sou consumista. Não gosto de comprar coisa muito cara, não. Mas eu adoro uma feira. Saio. Nós vamos para São Paulo... Eu viajo muito porque minha filha trabalha com turismo, então eu viajo muito com ela. Nós viajamos muito. Então eu compro por aí. Em Guará, eu compro também. Eu faço questão de comprar, mas não é, eu compro muito para fora. Tudo o que eu preciso, eu encontro em Guará. O comércio de Guará é muito bom.
AVALIAÇÃO
Comércio As lições que tirei do comércio foram honestidade, sinceridade, paciência e um pouco de bom gosto, para fazer compras. Estamos na quarta geração. Meu avô, pai, eu, e agora meus filhos. Eles têm muita vontade de continuar. Está difícil, mas têm. Hoje, o comércio em si está muito difícil, as próprias fábricas. Nós temos recebido telefonema de fábricas grandes: “Guilherme, faça pedido. Nós estamos sem pedido. Faça pedido”. Fábricas grandes, as próprias fábricas. Fábricas pequenas então, o que já fechou, não, o que já fechou dá até tristeza. Você telefona: fechou. Telefona: fechou. Fábricas boas. Mas vai melhorar tudo. Vai melhorar.
FAMÍLIA
Eu tenho dois netos: uma de 21 anos, que estuda direito - está no quarto ano de direito da PUC, em Campinas, mora em Campinas - e tem o rapazinho de dezoito anos que ainda está em Guará - agora logo vai fazer o vestibular. O tempo passa, a sorte é que a gente não sente. A gente enchendo a vida da gente, a gente não vai sentindo, não se acha velho. O meu, eu me lembro, a minha avó morreu com setenta anos. Era uma velhinha, eu tenho o retrato dela velhinha, de coquinho, cabelo, vestido preto até aqui assim, meia preta, e coisa. Eu disse: “Gente eu tenho 73, eu não me sinto velha”. Não, mas o corpo vai cansando. A gente já sente que ficou velho, já, bastante. Para andar, para levantar. Eles contam para a gente, a gente não quer acreditar: mas a idade conta - cutuca, a gente fala...
AVALIAÇÃO
Entrevista Vocês são fantásticos, são maravilhosos. Eu falei tudo o que não precisava também. Não faltou nada, não. Maravilhosas. Vocês vão fazer, com esse amor que vocês estão dedicando ao trabalho, o livro vai ser um sucesso.
Memórias do Comércio - Vale do Paraíba (MCVP)
Mariazinha da Casa Rocco
História de Guilhermina Maria Rocco Vilela Leite
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 11/03/2004 por Museu da Pessoa
P/1 – Bom dia dona Guilhermina.
R – Bom dia.
P/1 – Eu gostaria que a senhora começasse falando o seu nome, o seu local e a data de nascimento.
R – Guilhermina Maria Rocco Vilela Leite. Mas se alguém me chamar de Guilhermina ninguém sabe quem é na minha cidade. É Mariazinha Rocco. (risos)
P/1 – Mariazinha Rocco?
R – É. Se alguém falar que é Guilhermina Leite ninguém sabe quem é.
P/1 – É mesmo?
R – É.
P/1 – E por que do Mariazinha?
R – É um apelido que me deram desde que eu nasci. Então ficou, fiquei conhecida na loja, por causa do comércio, por causa da escola, eu fiquei conhecida como Mariazinha. Então adotei o nome. (risos)
P/1 – O local e a data.
R – O local eu nasci em Guaratinguetá, em 19/6/1930.
P/1 – Dona Guilhermina o nome dos pais.
R – José Rocco e Georgina D’Alessandro Rocco.
P/1 – O nome dos avós.
R – O nome dos avós? É Maria Loia Rocco, Tomás Rocco que foi o fundador da loja. E os avós maternos Ângelo Rafael D’Alessandro e Guilhermina Constanza D’Alessandro.
P/1 – Atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai é comércio e meu avô também, o meu avô materno também era comerciante. Está no sangue, né?
P/1 – A sua mãe?
R – Georgina Rocco.
P/1 – A atividade profissional dela.
R – Ela era mais dona de casa.
P/1 –E a avó também?
R – A avó também.
P/1 – E a origem da família é italiana?
R – A origem é italiana da parte dos dois lados. Só a minha avó materna que era brasileira. Mas meu avô era italiano, o meu pai era italiano.
P/1 – O seu pai também nasceu na Itália?
R – Nasceu na Itália.
P/1 – Chegou aqui você lembra em que ano?
R – Ele veio para cá com 18 anos. Nasceu em 88.
P/1 – Certo. Você sabe por que é que ele veio?
R – Sei. O meu avô, eles vieram de uma aldeia muito pequenininha lá na Itália e ele tinha dois filhos. Tinha o meu pai e a minha tia. E ele veio tentara vida na Argentina, no Novo Mundo. Na América. Fazer a vida, fazer a América que eles chamavam antigamente, né? Então ele veio mas não gostou da Argentina, não se adaptou em Buenos Aires. E como tinha um padre em Guaratinguetá, aqui no Brasil, que era da terra dele ele veio para cá. veio para cá e como diz até hoje, bebeu água do Paraíba e ficou. (riso) Ficou, adotou. Aí ele abriu a loja, em 1892. Aí quando foi em 1897 ele voltou para a Itália para pegar meu pai para fazer companhia para ele para ajudar. Para ajudar na loja. E trouxe. O meu pai fez o curso de relojoeiro em Nápoles e vieram para cá. E os dois então, deixou uma loja pequenininha, deixou mercadoria guardada, reabriu a loja e mais tarde mandava buscar a minha avó. E aí já tinha um outro filho que nasceu enquanto ele estava lá. E aí veio a família toda aqui para Guaratinguetá.
P/1 – Você lembra o nome desse padre, Guilhermina?
R – Desse padre, padre _________, um santo de Guaratinguetá. Padre monsenhor João Filipo.
P/1 – Conhecido, considerado...
R – É um santo que teve em Guaratinguetá.
P/1 – E você tem irmãos, Guilhermina?
R – Infelizmente não. Sou filha única.
P/1 – Ah, tá.
P/2 - A sua infância, dona Guilhermina. Aonde a senhora morava, como era?
R – A minha infância foi, como toda filha única (riso) ela foi uma infância muito feliz. Meus pais eram muito unidos e tive uma infância muito feliz. Com amigos, companheiros. Minha mãe como eu não tinha irmãos ela tinha muito medo que eu ficasse assim muito egoísta, muito tímida. Então ela trazia todos os, amigas para a minha casa. e fazia sempre um jantar, um almoço, uma festinha para estudar junto. Eu tive uma infância muito feliz.
P/2 - A senhora tinha primos?
R – Tinha. Tinha muitos primos. Que a minha mãe tinha 12 irmãos. Mas ela era mais ligada a uma irmã que morava em Guará. Tinha dois filhos, e esses filhos foram criados praticamente pela minha mãe como irmãos meus.
P/2 - O restante da família morava em cidades do Vale?
R – Cidades do Vale, no Rio, São Paulo. Ainda tenho tia, tenho uma tia aqui em São José dos Campos com 90 anos.
P/2 - E vocês se visitavam?
R – Muito, muito. mamãe não era a mais velha. Mas quando morreram os pais, os pais morreram no mesmo dia. O interessante, eu tinha 5 meses, tinha acabado de jantar a minha avó estava brincando comigo e ela tinha problema cardíaco. Brincando comigo assim em cima da mesa caiu e morreu. E o meu avô quando viu que ela morreu, morreu também.
P/2 - Que coisa.
R – Ele ainda entrou em estado de coma. Saiu um enterro em um dia o outro no outro. E a minha mãe ficou como centro da família. Criou as duas filhas, as duas irmãs menores. Tanto que ela se considera, essa de 90 anos se considera minha irmã. Porque mamãe que acabou de criar as duas. Uma mora em Caçapava a outra mora aqui em São José. Mas a mamãe acabou de criar. Mamãe era o, nós nos dávamos muito. Família muito unida.
P/2 – E quando a família se visitava vocês vinham para as outras cidades como? De carro?
R – De carro, tinha um tio. Ia muito de trem, né? A gente usava muito o trem, o expressinho. A gente usava muito o trem.
P/1 – O expressinho era a Central do Brasil?
R – É, era a Central do Brasil.
P/1 – Tá.
R – E tinha o rápido também.
P/1 – Espera só um pouquinho: o que é que é o rápido?
R – O rápido era o trem, era um trem mais, o expressinho era um trem mais simples.
P/1 – Ah, tá.
R – E o rápido era um trem melhorzinho. (riso)
P/1 – Tá. Você sabe por que é que chama expressinho Guilhermina? Por que?
R – Não (riso) sei, até hoje.
P/1 – O povo deu esse nome?
R – O povo deu esse nome.
P/1 – Tá.
R – Era um trem muito simples. Depois mais tarde apareceu um outro que chamava-se vitorina. Era um vagão só. Assim grande. E esse que era mais rápido ainda, a vitorina. Depois não sei por que não foi para a frente.
P/1 – Então você estava falando que vocês se visitavam de trem então? Vocês iam de trem.
R – Visitava de trem. Mas tinha um tio que tinha um Fordinho. Então ele andava, a gente andava ia para Minas visitar a tia de Minas. Todo mundo, não sei como é que cabia tanta gente dentro de um Fordinho. As malas eram amarradas do lado. Amarrava assim na porta, entendeu? (riso) E olha ia todo mundo subia essa serra para Passa Quatro, lá em Minas. Subia essa serra. Como eu não sei. (riso) Subia. Eu ia.
P/1 – E o trem vocês pegavam lá em Guará mesmo?
R – Pegava em Guará.
P/1 – Pegava em Guará e aí...
R – 5 horas da manhã.
P/1 – 5 horas da manhã.
R – Chegava uma hora da tarde em São Paulo.
P/1 – Em São Paulo, das 5, nossa. O expressinho?
R – É.
P/1 – O rápido era mais rápido?
R – O rápido era um pouco mais rápido. Era ao meio-dia e chegava as 7 horas da noite, mais ou menos.
P/1 – E aí quando ia, ia todo mundo de trem?
R – Ia todo mundo de trem.
P/1 – E como é que era essa viagem de trem?
R – Essa viagem era ótima. Levava lanche e às vezes quando estava muito cheio sentava nas malas. Eu me lembro que o meu pai mandou reforçar a mala, passar uma, ele tinha a mala, a mala tinha uma barra de ferro em volta. Mandava reforçar.
P/1 – Para poder sentar.
R – É para a gente poder sentar quando não tinha lugar. Então vinha sentado na mala.
P/1 – Por que o trem entrava, ia entrando as pessoas? Parava...
R – É, o trem entrava, ia entrando. Não interessa que coubesse ou não.
P/2 - E acontecia muito isso de ter que...
R – Não, era só quando tinha grandes ocasiões assim.
P/2 - Para São Paulo vocês não iam de carro?
R – Não. Muito depois começamos a ir enquanto. 50 começou a já uma parte da Dutra já ser, a gente ia, quando ia de carro levava muitas horas, né? Porque era estrada de terra. Depois aí em 50 já começou a uma parte da Dutra ser usada.
P/2 - E a senhora lembra que trecho foi esse?
R – Ah, não me lembro. Não me lembro bem.
P/2 - Já chegava em Guará, já?
R – Eu me lembro porque na minha lua-de-mel em 1950, na minha lua-de-mel nós resolvemos, tinha uma parte assim bonita, aberta, aí nós: “Ah, vamos aproveitar de certo já está aberta essa parte.” Quando nós vimos andamos um pouco era um buraco. (risos)
P/2 - (risos)
P/1 – Isso já na Dutra?
R – Já na Dutra. Tivemos que voltar.
P/1 – Guará sentido São Paulo ou não?
R – São Paulo.
P/1 – Sentido São Paulo. Nossa.
R – Sentido São Paulo. Era um buraco, tivemos que voltar. (risos)
P/1 – E você estava falando do trem. Você lembra as estações que parava o trem?
R – Parava em todas as estações.
P/1 – Todas. Então Guará, depois Aparecida...
R – Guará, Aparecida, Pinda, Taubaté, São José, São José dos Campos era interessante porque eles vendiam as coisas para a gente na, na, vendiam as coisas para a gente na estrada. Quando parava o trem em São José a gente não podia comprar nada. Porque era terra de tuberculosos. Então a gente não podia comprar. Era estação climática, todo mundo que era tuberculoso vinha para cá. Ou para cá ou para Campos do Jordão. Então a gente não podia comprar nada na estrada. “Não, não pode, tem tuberculose.”
P/1 – Mas o que é que eles vendiam? Que produtos?
R – Eles vendiam pastel, vendiam sanduíche, vendiam doce, biscoito.
P/1 – E ninguém comprava.
R – Em São José não podia, São José não podia comprar. Porque tinha tuberculose, era perigoso.
P/2 - A sua casa da infância, a senhora tem lembranças da sua casa? A senhora morou sempre no mesmo lugar?
R – Não, eu morei sempre na mesma rua. Mas morei em três casas.
P/2 - E aonde é em Guaratinguetá, em que bairro?
R – Um bairro bem no Centro. Eu nunca saí do Centro. Na mesma rua. Na rua da loja lá.
P/2 – Que rua é?
R – Na Rua Moraes Filho.
P/1 – E como é que era a casa? Descreve a sua casa para a gente. Você lembra?
R – É, eu morei primeiro, esse eu não me lembro bem. Era um sobradão. Morava na parte de cima, esse era muito pequeno. Depois eu passei, eu morei em quanto? Em três casas. Era uma casa assim pequena mas bem confortável. Depois eu passei para um sobrado que ainda tem hoje aí pegado. Não sei se vocês viram lá uma pastelaria, Onda? (riso)
P/1 – Vimos.
R – Viram? Eu morava em cima. Aí eu morei muitos e muitos anos lá. Depois nós fizemos a nossa casa na continuação da rua.
P/1 – E como é que era o cotidiano? Você já contou então que a sua mãe levava as suas amigas para brincar, para estudar. Você acordava e brincava na rua ou não, só no quinta?
R – Acordava, brincava. Brincava na rua. Naquele tempo podia brincar na rua.
P/1 – Do que é que você brincava?
R – Ah, brincava mais de escolinha, de casinha. Brincava de casinha, de comidinha, fazia fogãozinho.
P/1 – E tinha já brinquedo para isso?
R – Tinha.
P/1 – Sua mãe comprava?
R – Comprava.
P/1 – E onde ela comprava isso? Já em Guará ou tinha que...
R – Em Guará, eu ganhava muito das minhas tias. Porque como mamãe ficou como mãe delas eu fui a sobrinha preferida. Então eu ganhava. As minhas primas tinham ciúme.
P/1 – É?
R – Ih, era um ciúme. E as minhas tias me cobriam de presentes. Eu tive uma vida muito boa. Muito boa mesmo de, tenho ótimas lembranças da minha vida.
P/1 – Da senhora.
R – Até um certo ponto.
P/1 – Sim.
R – Porque aí Deus me deu uma tocada. (riso) Casei muito bem. Com quem eu queria, com quem eu queria muito bem. Mas uns anos depois Deus falou: “Essa daí está ganhando muito, chega.” Aí me levou um filho de 15 anos.
P/1 – Nossa.
R – De repente. (riso) Então eu só tenho que rir. Mas a gente luta. Se a gente acredita em Deus a gente vai, segura na mão dele e vai embora. Mas...
P/1 – E depois... fala.
R – É verdade, a gente levanta a cabeça. E depois eu ainda tinha mais dois filhos, meu marido muito bom, tinha... Então a gente vai levantando a cabeça. E principalmente sabe o que é que eu tinha que me levantou muito? Serviço. O trabalho.
P/1 – Seu trabalho no comércio.
R – O trabalho levanta muito a gente. Levanta, porque se a gente ficasse em casa na agüentava. Não sou de ficar fazendo crochê, tricô, vendo televisão ou jogando buraco. (riso) Não dá. Então, trabalho. Tanto que eu recomendo para todo mundo. Trabalhe.
P/2 - A senhora começou a trabalhar muito nova.
R – Comecei a trabalhar muito nova.
P/2 - A senhora participava do dia-a-dia da loja?
R – Participava do dia-a-dia da loja.
P/2 - E enquanto a senhora não trabalhava formalmente, enquanto a senhora era uma criança, o que é que a senhora fazia na loja?
R – Ah, eu ficava lá, olhava. Pegava as coisas. (riso) Pegava, olhava, ajudava. Ajudava às vezes em uma limpeza. Ajudava a levar, uma coisa que minha mãe sempre fez, eu vim entregar embrulho. E eu fiz com os meus filhos também. para não ter vergonha de entregar embrulho. Então eles me obrigavam a entregar. “Mas eu não quero ir.” “Vai, vai entregar porque isso não é vergonha nenhuma. Você está trabalhando. Você está fazendo um serviço. Está sendo útil à comunidade.” Então fazia, era assim. Mas eu mais estudava.
P/2 - E a senhora estudou aonde?
R – Eu gostava muito de estudar. Estudei no Instituto. Era o Instituto de Educação. Antigamente era escola normal. Era...
P/2 - De Guará mesmo?
R – De Guará. Mas era a melhor escola e eu entrei (riso) naquele tempo, naquele tempo não tinha faculdade por aqui. de jeito nenhum. E não tinha vestibular, não tinha nada. Aí eu me formei e fui para São Paulo para fazer faculdade de História. e tinha um colégio lá em São Paulo, chamava Sion. Aí já era só para moças. Então a gente se matriculava e morava lá e coisa. Então eu fui fiz a matrícula e tudo. Comecei a arrumar as coisas. Aí uma amiga me chamou e disse: “Olha, você vai embora, Mariazinha?” Eu disse: “Eu vou.” “Olha, a Dóris está esperando você ir porque ela vai dar em cima do Luis.” Que era o meu namorado.
P/1 – (risos)
R – “Ela vai. Ela está esperando você ir embora – porque ele tinha sido namorado dela – para voltar com ele que você vai ver. Ela vai tomar ele de você.” Você acha que eu fui? (risos)
P/1 – (risos)
R – Você acha que eu fui? (risos)
P/1 – De jeito nenhum. (risos)
R – De jeito nenhum. E não me arrependo até hoje. (risos)
P/1 – Você já estava matriculada no Sion?
R – Já estava matriculada. Já tinha pago a matrícula. Aí não fui.
P/1 – E o Luis soube dessa história?
R – Soube. (risos) Soube.
P/2 - E o seu pai e a sua mãe?
R – Adoraram.
P/2 - (riso)
R – Adoraram. Porque eu era filha única, ia embora para São Paulo.
P/1 – Então, você que resolveu ir?
R – Foi eu resolvi ir.
P/1 – Você terminou o normal e falou: “vou estudar em São Paulo”?
R – Terminei o normal e foi isso, eles concordaram, entendeu?
P/1 – Isso em que ano mais ou menos?
R – Olha, esse ano foi em 48.
P/1 – Nossa. 48 uma moça de Guará ir para São Paulo era uma coisa.
R – 48. Ir para São Paulo era uma coisa. E meus pais adoraram.
P/1 – Olha só. E quer dizer, você já namorava?
R – Já.
P/1 – Quando que você começou a namorar o Luis?
R – Comecei a namorar em 45. O primeiro namorado. Eu tinha 15 anos comecei a namorar. Fiquei casada 48, namorei 5 anos. Me casei em 50. Fiquei 48 anos de felicidade.
P/1 – Que bom. E ele quando você falou que ia estudar fora? Ficou bravo, não?
R – Não. Não. Mas não, não se...
P/1 – Que é que ele fazia?
R – Ele estudava também, era comércio. Ele fez curso de Comércio. Então ele trabalhava em firmas.
P/2 - Ele fez lá em Guará mesmo?
R – Em Guará mesmo.
P/1 – Então tinha curso do Comércio em Guará?
R – Tinha, muito bom.
P/1 – Nos anos 40?
R – É, nos anos 40.
P/1 – Como é que era? Tinha algum nome?
R – É chamava Escola Nogueira da Gama. Que hoje foi transformada em faculdade.
P/1 – E aí os rapazes em geral iam para essa escola?
R – Iam para essa escola.
P/1 – Hum, hum. E você estava falando do seu período de infância. Eu queria saber assim, a sua mãe fazia as compras para você, por exemplo roupa, material escolar...
R – Fazia.
P/1 - ...tudo em Guará?
R – Tudo em Guará.
P/1 – Não saía de Guará para comprar?
R – Não, só quando ia a São Paulo.
P/1 – Tá. O comércio então de Guará na sua infância era...
R – Na infância era bom. E a gente também não tinha hoje esse consumismo que tem hoje. Nós não tínhamos esse consumismo. Era, roupa era aquela, o sapato era aquele, entendeu? Não, ninguém se exibia. Tinha uma roupa melhor para ir à missa e ou então quando tinha uma festa, um casamento uma coisa assim. Mas no normal não é como essas meninas hoje. Que eu tenho neto, eu estou sabendo. É marca.
P/2 - A roupa era comprada pronta?
R – Não, a maior parte feita. A maior parte. Mamãe inclusive costurava também, mas tinha as costureiras. Já tinha as costureiras que faziam.
P/1 – Você lembra de alguma assim de Guará, não?
R – Tinha a dona Candê, tinha a Aninha. Candê foi quem fez meu vestido de noiva. Ela era a melhor costureira de lá.
P/1 – E você começou a namorar muito cedo. Mas você chegou a freqüentar bailes ______?
R – Ah, eu ia tudo.
P/1 – Conta um pouco desses bailes.
R – Ah, era, os bailes era completamente diferentes dos de hoje, né? Mas a gente não ia desacompanhada não. Meu pai ia ficava sentado. Lá em baixo tinha dois andares o clube. Papai ficava sentado na biblioteca sentado, dormindo coitado. Não, não ia sozinho. Imagine se ia sozinho no baile. Mas nunca.
P/2 - Mas se ele ficava dormindo, né?
R – (risos) É ficava dormindo. Mas a gente não fazia nada.
P/2 - Não. (riso)
R – Não fazia nada.
P/2 - Ele podia acordar.
R – Ele podia acordar, né? (riso) Não. Mas a gente...
P/1 – E então como é que era assim?
R – Os bailes eram lindos. Os vestidos de baile eram maravilhosos, orquestras muito boas. Vinha sempre orquestras de fora. Tinha, nós tínhamos baile muito... E tinha um baile muito famoso em Lorena. Em Lorena que era o baile de 15 de agosto. Então Guará inteira ia para o baile de Lorena. A gente fazia aquele vestido longo todo arrumado e ia para o baile de Lorena. Aí papai alugava um carro e eu ia com as minhas amigas.
P/1 – Aí ia pela estrada velha?
R – Ia pela estrada velha. Levava. Eram muito bonitos os bailes. Completamente diferente de hoje.
P/1 – Como é que era assim a música? Como é que fazia um rapaz para tirar uma moça para dançar?
R – A música, o rapaz a gente, as moças ficavam de um lado e os rapazes do outro, então ele vinha e tirava. Agora, quando ele...
P/1 – O que é que ele falava, Guilhermina? Mariazinha....
R – Mariazinha.
P/1 – Então vamos usar o Mariazinha na entrevista. O que é que eles falavam assim?
R – Não, praticamente não falavam nada. (risos) “Vamos dançar?”
P/1 – Mas tinha uma coisa mais formal, né?
R – Não, mas primeiro flertavam, vamos dizer assim, existia o flerte. Aí você ficava olhando, ficava olhando. Um olhava para o outro assim. Eu não tinha muita oportunidade de ficar dançando com muita gente porque eu comecei, eu comecei...
P/1 – E já se apaixonou logo.
R - ...e já apaixonei de uma vez, entendeu? De modo aí ele ficava junto.
P/2 - Como que a senhora conheceu o seu marido?
R – Eu conheci, eu vou contar para vocês (sussurra), eu conheci porque ele era namorado de uma amiga minha. (riso) E essa amiga...
P/1 – Da Dóris.
R – Não.
P/1 – Não.
R – Terezinha. Ih, ele teve várias namoradas. Mas o, e essa menina morava com a irmã, e a irmã era muito brava. A irmã era muito brava não deixava. E ela fugia para ir para baile. E falava que ia dormir lá em casa. então no dia seguinte a irmã telefonava para mim ou ia lá em casa saber se a Teresa tinha dormido. Eu falava que tinha. Que ela tinha ido dormir em casa, que tinha ficado em casa. E ela fugia. A irmã não deixava ela ir para baile, então ela falava que ia dormir e ia para o baile. Bom, aí ela foi embora para Belo Horizonte e daí começou. E em um Carnaval, Carnaval de 45 nós estávamos dançando. Era bonitinho, o Carnaval não era como isso hoje. Aí, não, fazia o cordão, era, fazia aqueles cordões e ela, e eu comecei a ir. Entrei no cordão, dei a mão, começou.
P/2 - Assim?
R – Assim. Começamos a conversar...
P/2 - A senhora já tinha dado uma olhadinha para ele antes?
R – Não, não tinha.
P/2 - Não? Nem ele tinha dado uma olhadinha para você?
R – A minha cunhada que fala que eu traí a minha amiga, mas não traí. Ela já tinha ido embora. Não traí.
P/2 - Não, se ela já tinha ido embora.
R – Tinha ido embora para Belo Horizonte.
P/1 – O Carnaval era em um clube?
R – Era em um clube. Mas esta é a única mulher que eu tive ciúme na minha vida.
P/2 - É mesmo?
R – Essa mulher, porque eu achava que ele gostava dela, porque eu ajudei muito o namoro deles e então, tá. Mas eu tinha um ciúme. E ele brincava comigo: “Ói, Terezinha Martins está por aí.” Aí sabe, mas eu vou. Passei 35 anos com ciúmes dela.
P/2 - É mesmo?
R – 35. Mas eu vou ver essa Terezinha Martins como é que está. E ela se comunicava muito com a minha cunhada. Aí um dia nós fomos, eu disse: ‘Bom, agora eu vou a Belo Horizonte porque eu vou ver a Terezinha Martins.”
P/2 - Você foi?
R – Fui, (risos) nós estávamos _________, ah fui, precisava ver como é que ela estava. Aí nós estávamos fazendo uma viagem grande, que nós sempre fazíamos uma viagem com um casal. No aniversário de casamento nós saíamos sempre com um casal. E cada vez nós íamos em um lugar. Nessa época nós estávamos fazendo uma viagem pelas cidades históricas. E paramos em Belo Horizonte. Eu disse: “Bom, agora eu vou telefonar para a Terezinha Martins.” Telefonei. Telefonei para ela, (riso) não, mas teve um antes, um tempo antes ela telefonou para casa. Porque ela conversou com a minha cunhada, perguntou de mim, minha cunhada deu meu telefone. A Marina atendeu. Ela disse: “Olha, eu sou uma amiga da sua mãe que mora em Belo Horizonte, que há muitos anos eu não vejo.” A Marina disse assim: “Eu sei, a Terezinha Martins. (risos) Que eu ouço falar nessa Terezinha Martins a vida inteira.” (risos) Aí nós convidamos para jantar. Ficamos lá no hotel e convidamos para jantar. E para ir? Eu cheguei a gente de cabelo desarrumado, e coisa. Eu fui procurar um, 5 horas da tarde eu procurando no centro de Belo Horizonte um salão de cabeleireira para arrumar porque eu ia ver a Terezinha Martins. Achei um unissex, um lugar horroroso. (risos) Um lugar horroroso, mas ela penteou meu cabelo e eu fui. Quando chego no hotel, todas as camisas do Luis em cima da cama. Ele estava experimentando qual é que estava melhor.
P/2 - Mas que danado.
R – Eu já: “É, você também está nervoso?” (risos)
P/2 - (risos)
R – Bom, aí aparece. A pessoa completamente diferente. Eu nunca vi uma pessoas transformar. Estava bonita, uma senhora bem arrumada e coisa. Mas era, eu me lembrava dela uma menina de 15 anos. Assim, magrinha. Aí eu fiquei feliz da vida (risos) que não foi só eu que me transformei. O Luis: “Ah, meu Deus, eu perdi meu álibi. Perdi meu álibi.”
P/2 - ________________
R – Perdi meu álibi.
P/2 - 35 anos depois?
R – Ah, fui ver.
P/2 - Sim.
R – Ah, fui. Eu tinha que ver.
P/2 - Mas ele ela? Casou?
R – Casou muito bem, tinha filhos. Levou o marido para jantar com a gente. Nós convidamos o marido.
P/2 - Mas o Luis era mais bonitão que o marido?
R – Ah, nem tem comparação. Ele era bonito...
P/2 - Então.
R – Ele era bonito. Aí o engraçado é que ele estava conversando com ela, com o marido, e ela perguntando: “E fulano?” “Morreu.” “E fulano?” “Morreu.” “E fulano?” Vira o marido dela e diz: “Escuta, essa cidade existe por acaso? Porque eu só estou ouvindo morreu. Tudo o que ela está perguntando...” (risos)
P/1 – E, Mariazinha, Guará, como é que era Guará antigamente?
R – Ah, Guará sempre foi uma cidade muito boa para se viver. Com todo conforto, com todo, sempre foi uma cidade boa. Não tem o desenvolvimento que tem São José, que tem Taubaté. Mas ainda continua. É uma cidade cultural. Tinha muita cultura. Valia a pena morar.
P/1 – Isso de certa forma permanece, né, Mariazinha? Essa coisa mais...
R – Permanece um pouco. Tem bastante cultura lá. A parte cultural de Guará é bem desenvolvida.
P/1 – Porque ela cresceu mas ela ainda parece ser tranqüila.
R – Não, é uma cidade ainda tipo dormitório ainda. Não tem o mesmo, a nossa, como é que chama? Topografia não permite muita fábrica, entendeu? A topografia de Guará é muito morro, muito morro. Então não, a topografia não permite esse desenvolvimento como tem aqui. São José, Caçapava, Taubaté.
P/1 – Então a rapaziada sai para trabalhar nas indústrias?
R – Sai. Sai muito para trabalhar. O pessoal sai muito para trabalhar. Escolas, nós tínhamos escola Normal que era famosa no sul de Minas, aqui no Vale do Paraíba. Era muito famosa. Hoje é Instituto. Mas nós não tínhamos faculdade. Agora que estamos tendo faculdade, está melhorando essa parte.
P/1 – E essa escola recebia alunos...
R – De todos os, eu mesmo quando me formei eu tinha alunos de Bananal, de Caçapava, de São José, de Taubaté. Eu tive colegas de...
P/1 – O pessoal ficava lá para estudar, ou, porque não dava para __________ todo dia.
R – Não dava. Não dava. Ficava. Tinha pensão de moças. Tinha muita pensão para moças. Casa de senhoras que recebiam mocas para morar.
P/1 – E tinha aquela coisa de horário rígido, não é?
R – Ah, nossa, era vigiado mesmo.
P/1 – Você tinha amigas de outros lugares?
R – Tinha. Eu tive uma amiga muito querida, era de Queluz, Filhinha. É que foi, essa também estudou comigo. Tinha amigas de outros lugares.
P/2 - E as moças que vinham de fora, os rapazes também gostavam das moças de fora ou não?
R – Gostavam, namoravam, muitas casaram.
P/2 - Em Guará.
R – Muitas casaram em Guará.
P/2 - Muitas ficaram na cidade.
R – Muitas ficaram na cidade.
P/2 - E os jovens, tinham outros, além dos bailes, tinha outras coisas para os jovens?
R – Não, tinha muito pouca coisa, tinha um clube chamava Clube de Regatas. Não tinha piscina. Era um caixão que eles fizeram, era uma espécie de um caixote, chamavam caixão mesmo. Era uma, era assim de madeira, grande que eles puseram na beirada do Paraíba perto de onde é a Câmara Municipal. Era o Clube de Regatas. Então o pessoal nadava lá, andava de barco no Paraíba. Porque o Paraíba era limpo naquela época. E andava de barco, o pessoal nadava lá. Tinha o Clube de Tênis, bola ao cesto, era muito, tinha no Clube Literário. Tinha, era bem o assim, o pessoal gostava muito de bola ao cesto. Tanto que o time foi até campeão do Estado de São Paulo. Tinha bola ao cesto, tinha era mais ou menos. Depois aí eles fizeram no Clube dos 500 a piscina. Aí o pessoal começou a freqüentar o Clube dos 500. E ia lá para nadar.
P/2 - É bem antigo esse Clube dos 500, né?
R – É bem antigo. É antigo. Agora, eles reformam, está bonito. Mas é bem antigo. A primeira piscina de Guará mesmo foi lá. Depois agora tem piscinas nas casas, nos clubes, em tudo quanto é lugar.
P/2 - E você praticava algum esporte?
R – Não, nada. Não gostava. E minha mãe não deixava. Não, não deixava porque a água afoga, a água mata. Tanto que eu não sei nadar até hoje. Morro de medo.
P/1 – Mas quer dizer que a diversão então era nadar no Paraíba?
R – Era no Paraíba, no Caixão do Paraíba.
P/1 – No Caixão.
R – (riso) Mas era um caixão enorme, entendeu? Enterrado na beirada. E o pessoal ia nadar.
P/1 – E quando por exemplo, Guará tinha um transporte interno ou como é que as pessoas...
R – Tinha um bondinho.
P/1 – Um bondinho?
R – Um bondinho.
P/1 – Como é que era?
R – Bonde elétrico. Que levava de Guará a Aparecida, entendeu?
P/2 - Tá.
R – Agora, por dentro já não tinha. Urbano, transporte urbano começou depois com um pouco de ônibus. Aqueles ônibus velhos que ia mais para Lorena, para Cunha, entendeu? Mas o transporte mais importante em Guará era para Aparecida, o bonde elétrico.
P/1 – Mas as pessoas pegavam esse bondinho para descer em Guará mesmo? Vamos dizer alguém estava em uma ponta...
R – Não.
P/1 – Não. Andava tudo a pé?
R – Quase não. andava tudo a pé, bicicleta. Depois começou o ônibus urbano. Aqueles ônibus antigos.
P/1 – E, Mariazinha, deixa eu te perguntar uma coisa que antes que eu me esqueça de perguntar, nós vimos uma foto um dia que nos anos 50 ainda tinha tropeiro andando em Guaratinguetá. Aquilo é verdade ou é só uma...
R – Ah, não tinha muito não. eles ficavam nos anos 50 mesmo, tinha mas não entravam muito na cidade. Tinha na estrada de Cunha, na saída de Guará para Cunha tinha um lugar onde eles traziam a mercadoria de Cunha para ser comerciada, para ser comercializada.
P/1 – Tinha um mercado em Cunha?
R – Não era bem mercado, era um ponto de, era um ponto de troca de mercadorias e coisa. Na saída lá. Mas dentro da cidade quase não tinha não. Não isso eu não me lembro.
P/1 – E que tipo de produto que era de Cunha?
R – Tinha muito marmelo, quando tinha. Mas acabou o marmelo de Cunha não sei por quê. Nós temos fazenda no alto da serra tem um marmeleiro que não dá. E no entanto era um, chegava marmelo de cunha, pronto. Era uma beleza. Aqueles marmelo. Eu me lembro, mamãe fazia muito doce disso. E traziam a frango, muito frango.
P/1 – Quer dizer, na verdade ainda nos anos 50 esses tropeiros eram apenas, não tinha tropa, né?
R – Não, não tinha. Era o próprio vendedor.
P/1 – Mas teve antes, né?
R – Ah, antes tinha.
P/1 – Mas nos anos 50 já não...
R – Não, nos anos 50 já não tinha mais.
P/2 - Mariazinha, o seu casamento, a senhora namorou 5 anos...
R – Foi.
P/2 - E o dia do casamento como é que foi?
R – Ah, foi uma beleza. (risos) Foi uma beleza.
P/2 - Ficaram noivos antes ou não?
R – Ficaram. Bonito o noivado. É. fiquei noiva dia 19/3, um ano antes de casar. Fiquei noiva um ano. Dia de São José. Isso, eu escolhi por causa de papai. Mas a gente não ficava em casa. Eu fui para a casa de uma amiga. Meu sogro e minha sogra foram lá em casa, mamãe recebeu. Aí eles fizeram o pedido, telefonaram para a casa da minha amiga, eu e o Luis viemos. Viemos para cumprimentar meu sogro e minha sogra.
P/2 - Mas estava combinado isso?
R – Já estava combinado.
P/2 - Ah, sim.
R – É, é combinado.
P/2 - É uma hora formal.
R – É, é bonito. Tinha noivado.
P/1 – E como é que foi esse período de noivado, aí já podia pegar na mão? Ou ainda não?
R – Ah, mas pegava antes. (risos)
P/1 – Bom, é que antes não tem _________ (risos)
P/2 - _______________
R – O negócio agora é mais aberto.
P/1 – Mas era tudo igual então?
R – Era. E ninguém vai dar de santinho também não. Não chegava a extremos de jeito nenhum.
P/1 – Certo.
R – De jeito nenhum.
P/1 – Mas já dava um abracinho...
R – Um beijinho.
P/1 - ...um beijinho.
R – Ah, dava. Dava. (risos) Isso dava.
P/1 – (risos) E um ano depois foi o casamento.
R – Um ano depois foi o casamento. Mamãe no meu casamento, nossa senhora, mamãe, não usava fazer em clube, né? Fazia, então mamãe tirou todos os moveis da parte de baixo da minha casa e armou a mesa de casamento. E armou a mesa, eu, até hoje a gente fala no meu casamento. Meu vestido foi bonito. De, era um cetim assim adamascado. Era bonito. depois virou roupa de padre. (risos) Virou roupa de padre. Mamãe deu para a igreja, fizeram. Porque tinha uma cauda muito grande. Então virou capa de padre. Mamãe costurava na igreja e fizeram lá. fizeram, virou roupa de padre.
P/2 - E foi de manhã, de tarde como é que foi?
R – Foi de tarde. 6 horas da tarde. tanto que durante 48 anos todos os 20 de maio nós íamos na igreja as 6 horas da tarde. aonde estivesse. Em qualquer lugar que a gente ia, porque a gente sempre viajava nesse dia para comemorar. E agora estou indo sozinha mas eu vou. Faz 5 anos que eu vou sozinha. (riso) Não faz mal ele está comigo.
P/1 – E aí teve uma festa?
R – Teve uma festa, teve doce...
P/1 – Foi toda a cidade?
R – Foi.
P/1 – Que docinho foi feito?
R – Era doce, mamãe fazia muito, mas tinha muita doceira. Encomendava muito. E a mamãe também, usava muito fazer em casam, né?
P/2 - Os bem-casados por exemplo...
R – É, os bem casados. Os doces, mamãe fazia muito bem doce. E tinha, até hoje, outro dia uma pessoa falou: “Eu me lembro do seu casamento.” (riso)
P/2 - E vocês foram viajar depois?
R – Fomos para São Lourenço. Nós não tínhamos carro. Aí nosso padrinho de casamento emprestou um carro para nós. E foi um chofer nos levar porque era de noite. Nós fomos para atravessar a serra em maio, então o Luis ficou com medo. Aí o chofer voltou nós ficamos com o carro lá, para andar. Ficamos no Hotel Brasil. Depois, 25 anos depois, eu guardei o número do quarto que, eu guardei a nota fiscal do casamento. Do quarto que eu fiquei no Hotel Brasil. Aí eu telefonei pedindo reservando. Reservando que nós fomos. Nós não quisemos fazer festa de 25 anos, fomos à missa com as crianças aqui. E mandei fazer uma missa as 6 horas lá em São Lourenço. Bom teve vacinação de meningite, ninguém teve reação. Eu tive 40 graus de febre. (risos) Eu cheguei em São Lourenço. Nos preparamos. Eu guardei a camisola do casamento. Mandei abrir um pouquinho. (risos)
P/1/2 – (risos)
R – Mandei abrir um pouquinho. (riso) Mas a camisola, o Luis: “eu vou trocar por duas de 18, porque não pe possível. 25 anos.” Eu passei três dias no hotel com febre.
P/1 – Mas no mesmo quarto.
R – No mesmo quarto. Deu uma reação de vacina de meningite, que eu tomei uns 2 dias antes. Uma reação terrível. Tanto que agora que esse negócio dessas vacinas de gripe, de velho tomar eu não tomo essas vacinas de jeito nenhum.
P/1 – Ah que pena,____________. E, voltando, por que é que você queria ir estudar História?
R – Porque eu gostava.
P/1 – De História. _________
R – De História.
P/1 – Você falou que você gostava muito de estudar. Você lia bastante?
R – É. Eu gostava de História. E depois, anos depois, eu fui lecionar Matemática, eu não gostava. (risos)
P/1 – Porque você guarda bastante coisa, né? Você gosta, até hoje você gosta de história?
R – Gosto, eu gosto de História.
P/1 – Que bom. Agora, falando da loja então do seu pai, quando você era já adolescente. Depois que você casou você foi trabalhar na loja ou não? O Luis tinha um comércio? Como é que é?
R – Não, o Luis trabalhava, funcionário público. Ele era diretor dessa escola artesanal que eu lecionava.
P/1 – Tá.
R – Que era lá na praça. Que uma escola ótima, acabou. Ela era só para, ela ensinava torneiro mecânico, marcenaria. O pessoal já saía de lá pronto para trabalhar. Mas depois terminaram com essa escola. O meu pai já estava velho, meu tio, o meu pai era 20 anos mais velho que mamãe. E já estava sentindo, aí pediu para o Luis ir. E o Luis era um bom comerciante. Ele assumiu a loja.
P/1 – Aí você foi junto com ele?
R – Aí eu fui junto com ele.
P/1 – Que ano isso? Você lembra mais ou menos?
R – 50.
P/1 – Ah, já quando vocês casaram já assumiram...
R – 50. Quando nós casamos papai pediu que ele fosse. Mas eu continuei lecionando até 59.
P/2 - A senhora trabalhava na loja e lecionava?
R – E lecionava. Lecionava pouquinho. Era pouco. Era contrato, muito pouco.
P/1 – E aí como é que, vocês fizeram alguma mudança quando vocês assumiram a loja?
R – Ah, foi. O Luis começou a construir o prédio.
P/1 – Onde vocês estão hoje.
R – É, a mansão. Desmanchamos, passamos para a praça. Levamos 7 anos construindo. Foi aos pouquinhos. Foi muito pouco mas foi uma luta.
P/1 – E porque a casa Rocco começou com relógio.
R – Começou com relojoaria, artigos de presente e jóias. No tempo do meu avô. Que meu avô era ourives e relojoeiro. Papai era relojoeiro. Então eles consertavam relógio e depois...
P/1 – Mas já vendia um pouco de presente?
R – Vendia. Vendia pouco, tanto...
P/2 - A senhora comentou também que vendia artigos para dentista.
R – Ah, para dentista. Artigos dentários e óculos.
P/1 – E tinha muita procura de artigos dentários?
R – Muita procura, porque não tinha essas casas especializadas em Guará. Depois começaram a haver casas especializadas aí o Luis acabou.
P/2 - E isso foi quando mais ou menos, a senhora lembra?
R – Na década de 60, mais ou menos.
P/1 – Sinal que a população de Guará se preocupava com os dentes, né?
R – É.
P/1 – Tinha bastante dentista lá?
R – Tinha bastante.
P/1 – Que bom isso.
R – E a gente vendia para Cruzeiro, Cachoeira, o pessoal vinha comprar.
P/1 – E como é que vocês vendiam? As pessoas iam lá buscar ou vocês tinham um caixeiro viajante?
R – Iam lá buscar artigo. Os dentes, por exemplo. Não tinha esses dentes hoje que tem de, então vinha tudo em papelzinho assim a carreira de dente. Então o dentista ia lá escolhia a cor da carreira para fazer as dentaduras. Escolhia a cor, o tipo de dente. Tinha aquele, nós temos até hoje os armários, cheios de gavetinha. Que onde eram guardados os...
P/1 – Os dentes.
R - ....esses papeizinhos.
P/1 – Sei. E vocês compravam, quem fornecia para vocês?
R – Em São Paulo.
P/1 – Mas vocês iam comprar ou vinha algum vendedor?
R – O Papai ia em São Paulo, o Genarino, mas vinha vendedor também. Usava muito. Usava muito vendedor.
P/1 – Então, como era isso?
R – Jóia principalmente eles vinham. Imagina se hoje poderia fazer isso? Por exemplo, tinha uma casa de jóia chamava La Royale, em São Paulo, que nós comprava muitas jóias deles. Ele vinha assim, o senhor Petrônio, a gente fazia amizade com os vendedores. Ele trazia de trem aqueles baús enormes de ferro assim, vinha por trem.
P/1 – Cheio de jóia?
R – Cheio de jóia. Aí tinha os empregados lá da central, traziam, levava e a gente abria os baús e via as jóias. Imagine hoje?
P/1 – Não, quer dizer, ele despachava o baú, ele não vinha?
R – Despachava o baú.
P/1 – Ah, que coisa. Quer dizer, ele passava, você meio que escolhia...
R – Escolhia e voltava. daí despachava outra vez.
P/1 – Nossa, mãe do céu.
R – Vinha de trem.
P/2 - E os artigos para presentes?
R – Artigo para presente a gente também tinha vendedores.
P/2 - Era mais com vendedor mesmo?
R – Era mais com vendedor.
P/2 - Mas como é que era?
R – Não usava muito a gente ir muito para São Paulo.
P/1 – Mas como é que era Mariazinha, ele te descrevia? Ele trazia uma fotografia, um desenho?
R – trazia uma fotografia. Até hoje.
P/1 – Até hoje?
R – Até hoje.
P/1 – Fazia o mesmo processo. Uma pasta...
R – Até hoje é uma pasta com...
P/1 – Com as fotos ou com os desenhos.
R – Com as fotos e a gente escolhe, mas nós vamos muito a São Paulo.
P/1 – Agora já vai.
R – Eu ia com o Luis também. eu e o Luis vínhamos muito em São Paulo. Para descobrir fábricas, nós íamos muito. a vida inteira nós dois fomos.
P/1 – E como é que você pagava os seus fornecedores?
R – Por duplicata.
P/1 – aí você pagava aqui em Guará...
R – Certas coisas a vista.
P/1 – Sei.
R – Certas coisas, por exemplo em São Paulo, você ia e comprava para trazer, dava nota fiscal para a gente mas você já pagava a vista.
P/2 - E a loja tinha funcionários?
R – Tinha. Nunca tive muitos funcionários. Eu tive um funcionário lá ficou 42 anos conosco. Graças a Deus agora saiu.
P/1 – (risos)
R – (risos) Porque não agüentava mais ele. Ah, o homem era surdo. Pedia uma coisa ele dava outra. E ele entrou lá antes da Marina nascer. Então ele se achava dono da Marina. Brigavam feito não sei o que os dois, entendeu? Mas depois eu tive mais, eu tive vários funcionários. Eu tive no tempo do meu pai, tinha dois relojoeiros. Dois relojoeiros que trabalhavam lá. a gente pegava relógio.
P/2 - A senhora lembra o nome deles?
R – Lembro, Guedes e Atílio Careli. Eu me lembro bem deles. Um deles gravava à mão, uma verdadeira maravilha. Eu me lembro...
P/2 - Qual deles?
R – O Guedes. Era um velho assim desarrumado feito não sei o quê. (risos) Eu me lembro dele, era uma coisa horrível, era um verdadeiro artista.
P/2 - E funcionários de balcão, tinha também ?
R – de balcão também tinha.
P/1 – Aí você disse que você nunca teve muitos funcionários, porque você sempre trabalhou, né?
R – Não, nós estávamos lá. tinha meu tio, tinha meu pai e então....
P/1 – Você, e seus filhos trabalham também depois com você, né?
R – Meus filhos também ficaram. Criaram lá dentro.
P/1 – O Guilherme e a Marina estão __________ na loja..
R – O Guilherme e a Marina é que estão donos. Eu saí da loja. Bom, eu saí, eu saí no papel. (risos) Mas quem sustenta agora sou eu.
P/1 – Certo. Eu queria voltar um pouquinho como é que você pagava. Quer dizer, era uma duplicata...
R – Duplicata.
P/1 - Aí você em um banco, aí tinha banco em Guará?
R – No banco. Tinha banco. Tinha o Banco Comercial. O mais importante com que nós lidávamos muito. era bem em frente a loja. Banco Comercial do Estado de São Paulo.
P/1 – Mas e esse relacionamento da loja com o banco não é o mesmo que hoje, né, Mariazinha?
R – (risos) Não.
P/1 – Conhecia o gerente.
R – Nós éramos muito amigos. Tanto que quando teve a guerra eles seqüestraram o dinheiro dos italianos, entendeu? Bloquearam o dinheiro dos italianos. Não é seqüestraram, é bloquearam. Na véspera o gerente do banco ficou sabendo foi lá e avisou: “Tira o seu dinheiro já, que vão bloquear.”
P/1 – Pôxa.
R – “Tira o que você tem.” Aí papai foi lá.
P/1 – foi bom você tocar nesse assunto: vocês sofreram alguma perseguição durante o ____, os moradores não eram...
R – Não. O meu tio sofreu. Sofreu porque ele teve que, ele era, ele foi durante muitos e muitos anos da diretoria do Clube Literário. Ele era solteirão e a vida dele era o Clube Literário.
P/2 - O seu tio Genarino?
R – Genarino. Ele adorava aquele clube. Foi obrigado a sair. Não podia mais, eu me lembro ele chorava.
P/2 - Mas todo mundo da cidade conhecia vocês, né?
R – Pois é, mas não podia ser era a lei.
P/1 – Que coisa, né?
R – Era a lei, mas nós não sofremos nada. Não. sofreram, tinha um japonês lá coitado, que era, como é que? Lavanderia. Atacaram a lavanderia dele. mas nós não. não sofremos nada. Nada, nada. A única coisa foi isso.
P/1 – Não teve queda de movimento na loja, nada disso?
R – Não.
P/1 – Então você pagava no banco a duplicata.
R – Pagava no banco.
P/1 – E nessa época você vendia no sistema de caderneta, de carnê? Como é que você vendia?
R – Era caderneta.
P/1 – Caderneta.
R – (riso) É.
P/1 – Por que assim caderneta?
R – A famosa caderneta que paga quando... “toma nota para mim.” E até hoje tem essa.
P/1 – Tem ainda?
R – Tem.
P/1 – Você tem clientes assim?
R – Tem. “Toma nota para mim.”
P/1 – Mas pagam?
R – Pagam. Eu não tenho muita inadimplência. Não tenho, é raro. E geralmente com rico que tenho.
P/2 - E nessa época costumavam pagar de quanto em quanto tempo?
R – Ah, às vezes pagava por mês, às vezes demorava, às vezes pagava antes. E era, desde essa época eu não tenho, não me queixo de inadimplência. Às vezes alguém passa um ou dois meses sem pagar mas vem. Ontem por exemplo tinha uma senhora que comprou uma jóia lá e tinha que pagar em quatro vezes. E estava demorando para trazer o segundo pagamento. Aí o Guilherme disse: “Mãe, eu acho que eu vou ter que telefonar.” Eu disse: “Pelo amor de Deus, ela vai ficar brava. Como é que faz?” Ele disse: “Mas eu tenho, estou precisando do dinheiro eu quero, ela está demorando.” Daí a 15 minutos entra a mulher lá na loja (riso) eu dei graças a Deus.
P/2 - Olha, que bom.
R – “Ah, eu estava com medo de você me cobrar.” Eu disse a ela: “Imagine se eu ia cobrar.” (risos)
P/1 – Você tinha clientes da Zona Rural na casa Rocco ou não?
R – Não. eu tive muitos clientes do Exército de Piquete. Muito mesmo.
P/1 – É mesmo? Você pegou aquela fase então da?
R – Peguei.
P/1 – Nossa, conta para a gente.
R – Foi a melhor fase do Brasil foi a fase da, ah, eu vou contar para você. Foi mesmo. Para o comércio foi.
P/1 – Por que?
R – porque o pessoal tinha dinheiro.
P/1 – Dinheiro.
R – Eu não sei como.
P/1 – O pessoal que servia em Piquete.
R – Vinha um ônibus, com as senhoras duas vezes por semana. Trazia as senhoras de Piquete para fazer compra em Guará. E nós tínhamos uma freguesia enorme. Freguesia da Aeronáutica. As festas da Aeronáutica de, acabou tudo. Porque eles seguraram agora, o militar não tem mais dinheiro. O militar não tem mais dinheiro, eles seguraram.
P/1 – Mas naquela época então tinha...
R – Nossa, eu tinha muito cliente.
P/1 – Anos 50 ainda?
R – Ah, mais. Bem mais. Anos 60.
P/1 – Durou bastante tempo?
R – Para mim eu acho que os anos 60 foi o melhor.
P/1 – É. Porque tinha bastante gente então em Piquete...
R – Piquete, Aeronáutica. Tinha bastante.
P/1 – Aeronáutica que você diz aqui do, de São José mesmo?
R – Não, a minha lá.
P/1 – Ah de Guará?
R – É, enorme.
P/1 – Ah, tá.
R – Lá é enorme, tinha bastante cliente. Hoje diminuiu porque os, eles não tem mais dinheiro.
P/1 – E essas senhoras compravam de tudo então?
R – Comprava de tudo. Comprava presente, comprava. Eu mandava, eles transferiam para Brasília eles telefonavam para eu mandar pelo Correio as coisas para eles.
P/1 – E você mandava?
R – Mandava, claro.
P/1 – Lógico.
(risos)
P/1 – Então de certa forma você fez amizade com esse pessoal?
R – Fiz. Não. E o meu marido detestava festa. Tinha pavor de festa. E...
P/1 – Ia nas festas...
R - ...tinha que fazer uma roupa, uma coisa. Nas festas nós íamos em todas. Casamento em Piquete a gente ia no casamento.
P/1 – E como é que era Piquete, Mariazinha?
R – Piquete era uma cidade muito pequenininha mas tem a parte que é a fábrica, né, de...
P/1 – Certo, de pólvora.
R - ...de pólvora. E eles tinham as casas lá.
P/1 – Tinha uma espécie de uma vila para esses funcionários?
R – É.
P/1 – Aí não tinha nada, comércio nenhum lá?
R – Não, não tinha nada. Hoje já tem um pouco, mas eu não, continua também mais simples. Mas não tinha nada. Lorena, tivemos muito freguês de Lorena.
P/1 – Lorena não teve um comércio forte assim, né?
R – Não tinha. Agora está bom o comércio.
P/1 – Agora sim, mas no passado não.
R – Não, não.
P/1 – Então o pessoal ia de Lorena comprar.
R – De Lorena para comprar.
P/1 – Então você tinha cliente do Vale todo.
R – Tinha.
P/1 – E você entregava em casa. Você estava falando que quando menina entregava s embrulhos. Mas você manteve essa...
R – Até hoje entrega.
P/1 – Entrega em casa?
R – Entrega em casa.
P/1 – Não tem nenhuma taxa, você não cobra nada?
R – Não, não.
P/1 – Puxa, bacana isso. Então você, voltando, você vendia de caderneta. Tinha muita venda a vista também antigamente?
R – Tinha.
P/1 – Ou era mais essa coisa de...
R – Era meio a meio.
P/1 – Meio a meio. E quando entrou cartão de crédito, cheque, você _________
R – Nós demoramos um pouquinho para receber o cartão de crédito. Deixamos o negócio, a poeira assentar mesmo.
P/1 – Vocês, foi uma opção sua?
R – É, uma opção nossa.
P/1 – Tá.
R – Aí nós começamos...
P/1 – Por que? Você tinha medo do cartão, desconfiava?
R – Não, não sei. Meu marido era meio desconfiado das coisas, então ficou. Mas hoje nós recebemos todo e qualquer cartão de crédito. Porque se você não vender cartão de crédito você não vende mais. Apesar de que ele desconta de você no seu dia, e para mim ele paga só um mês depois com cinco por cento a menos.
P/1 – Pois é.
R – Mas se eu não vender no cartão de crédito, o cheque-pré também é muito bom.
P/1 – Cheque-pré vocês aceitam? Você faz aquele sistema de factoring, que o pessoal fala? Você troca o cheque no banco para receber antes? Esse até que é um sistema interessante, né?
R – Nós não fazíamos isso. ultimamente andamos fazendo. Porque é vantagem para a gente.
P/1 – Pois é, isso que eu ia te perguntar...
R – É vantagem.
P/1 – Não é ruim para o comerciante, não é?
R – É muito bom. O juro não é alto.
P/1 – Quer dizer que, e você também passou por um monte de plano e um montão de moedas, né?
R – Ah, eu passei por tudo quanto é plano. Eu comecei no mil réis. (risos)
P/1 – (risos) No mil réis.
R – No tostão.
P/1 – Tostão? Comprava a tostão.
R – Eu comecei no tostão.
P/1 – Vocês lidaram bem com isso? Você, o Luis, o seu pai, vocês lidaram bem com essas mudanças todas? Não teve problema?
R – Teve que mudar. Você tem que adaptar. Você está no comércio você tem que adaptar. Eu até hoje, eu ainda falo, a Marina briga comigo, eu não me, eu acho real assim, entendeu? Eu falo cruzeiro. (riso) 20 cruzeiro. Eu fiquei no cruzeiro. (riso)
P/1 - Tem alguma imagem assim bem marcante, sua, da infância ou juventude em relação ao comércio? Que seja uma coisa que marcou você, de algum momento que você viveu não loja ou até entregando algum embrulho?
R – Não sei.
P/1 – Não.
R – Não, é tudo tão assim, foi tudo tão firme, assim, tão rotineiro, tão igual. Que eu não me lembro.
P/2 - Dona Guilhermina, é, Mariazinha...
R – Mariazinha.
P/2 - A arrumação da loja naquela época é muito diferente dos dias de hoje?
R – Olha, eu estou meio antiga. Sinceramente eu estou. Porque as minhas vitrines vocês viram, lá que são todas fechadas. Que são as vitrines antigas, né? Depois uma parte meu marido mandou fazer mas mandou fazer igual. Tanto que tem no retrato aí de 1900 e bolinha e tem lá. São fechadas. E hoje o povo gosta de pegar na mercadoria, gosta de ver. então muita gente não entra na minha loja porque acha fechada é caro, é isso, é aquilo. Esteve um moço do Sebrae lá, nós mandamos chamar para pedir opinião ele mandou tirar as portas das vitrines. Nós tiramos de um lado, ficou tão feio... (risos) Ficou, tiramos de um lado para não dizer que nós não estamos. E depois empoeira muito a mercadoria. Mas o meu tipo está muito antigo. E eu estou precisando...
P/2 - Descreve para a gente como é que é assim para a gente registrar?
R – O quê?
P/2 - Elas são fechadas mas descreve: elas são uns armários...
R – São armários de madeira trabalhados. A parte de cima tem um desenho de flores. Tudo em vidro. São altos tudo de vidro, tudo com vidro. E você fecha, fecha, prateleiras desde baixo até em cima.
P/1 - São de vidro não são?
R – Não, tem umas que são de vidro e umas que são. E tem uma vitrine grande no meio...
(Pausa)
P/1 - Então Mariazinha, você estava descrevendo as suas vitrines, os seus balcões, a sua loja. Eles são compridos de madeira....
R – De madeira escura. Toda de madeira escura, assim trabalhado com ranhuras tudo fechado em vidro. Em cima tem uns desenhos. A vitrine grande que era do meio, a vitrine da loja que era a vitrine da frente, tem em cima um assim trabalhado um CR, Casa Rocco. Grande. E tem as vitrines modernas que são as da frente, que são em vidro.
P/2 - A senhora acha que com o tempo vai acabar tendo que mudar?
R – Vai.
P/2 - Vai.
P/2 - Realmente vai.
P/2 - E vai ser logo isso.
P/2 - Estamos pensando. Precisa de um capital muito grande, né? Para eu fazer uma modificação. Modificação completa na loja. E nós não temos muita coragem não, sabe? Porque a gente tem aquele amor (riso) naquelas coisas, entendeu? Mas eu acho que nós vamos precisar fazer. Mesmo...
P/2 - O cliente exigiu isso?
R – O tipo de mercadoria nós já mudamos.
P/1 – Ah, isso que eu ia te perguntar, você mudou?
R – Mudei muito.
P/1 – Ao longo desses anos você mudou?
R – Ao longo desses anos fomos mudando. Mudamos porque nós tínhamos muita prataria, cristal, muita dessas porcelanas importadas. Tinha. Hoje não. hoje você tem que por coisas accessíveis ao bolso do brasileiro. Hoje nós diminuímos o, não digo a qualidade.
P/1 – Sei.
R – Porque a qualidade nós fazemos questão. Mas quanto ao preço, quanto ao tipo de mercadoria nós já mudamos. Tanto que agora nós estamos, minha filha trouxe de Fortaleza uma mercadoria de toalhas, de caminhos de mesa. Toalhas, trouxe uma grande. Estão na vitrine. É o que está vendendo hoje. Pusemos na vitrine é o que está vendendo. Quer dizer, então nós, tem gente que fala assim: “Nossa, mas a Casa Rocco vendendo isso.” Eu disse: “A Casa Rocco precisa comer. A Casa Rocco tem conta para pagar.”
P/1 – Claro.
R – Então a Casa Rocco tem que se adaptar aos novos tempos.
P/2 - A Casa Rocco mudou porque o público mudou, necessidade.
R – Porque o público mudou. Porque hoje não tem mais aquele freguês tradicional, não. freguês fiel.
P/1 – Então como é que era esse freguês fiel? Tudo que ele precisava ele ia lá?
R – Tudo o que precisava ia lá. Tudo o que precisava. Hoje não.
P/1 – O que é que ele vê hoje: preço?
R – Preço.
P/1 – Não vê qualidade.
R – Tipo.
P/1 – Você acha que ele não vê o,...
R – Olha, eles não estão ligando muito para qualidade não, sabe. Nós fazemos questão porque nós temos tradição, né? O ouro só 18, entendeu? A gente tem que ver essa, por exemplo, porcelana. A porcelana tem A, B e C. Eu toda a vida vendi só a A. Porque o outro, o C, prato já é meio torto, já é, entendeu, você empilha o prato assim você vê a diferença. Mas nós tivemos que mudar muito, muito mesmo.
P/1 – E você vendia cristais, vendia jóias. Como é que eram as embalagens? Porque elas deviam ser reforçadas, tinha alguma...
R – Caixa.
P/1 – Caixa.
R – Caixa. Jóia, estojo. Aqueles estojos de veludo, de...
P/1 – Então, isso...
R – Hoje já passou para o plástico.
P/1 – Ah.
R – Hoje já passou para o estojo de plástico.
P/1 – Mudou há muito tempo do estojo de veludo para o de plástico?
R – Não, ainda tem mas é muito caro. Então tem que ser uma jóia muito cara. E mesmo as jóias caras hoje está raro vender porque o pessoal não está empatando muito não em jóia. Pelas bijuterias que têm hoje, né? Aliás as bijuterias têm o preço de jóia. São caríssimas. Bijuteria boa é muito caro.
P/2 – A senhora falou que não tem clientes fiéis mais, mas tem clientes antigos?
R – Não. Temos, temos clientes, não temos pessoas que só compram lá. Tem um casamento, tem um aniversário, tem uma coisa que procuram a gente primeiro.
P/2 - E quem entra lá hoje tem o mesmo visual da loja de algum tempo atrás, de 20 anos atrás ou mudou muita coisa?
R – Não, mudou a mercadoria, né?
P/2 – Mas o visual da loja?
R – Não, o visual da loja é o mesmo. Mudou a mercadoria.
P/2 - E você fazia promoções, Mariazinha?
R – Faço, às vezes faço promoções.
P/2 - Mas antigamente você fazia?
R – Não fazia muito não. O meu marido fazia muito consórcio de relógio. Relógio Omêga, relógio Tissot, que hoje ninguém mais quer. Porque o preço aqui não funciona e joga fora, me? (riso) É verdade. Então meu marido fazia consórcio. Consórcio de relógio assim. De meses iam pagando, sorteava no fim do mês. Juntava o pessoal para sortear para ver quem ia tirar o relógio. Então essa semana mesmo um falou: “Aqui, olha o relógio do consórcio.” O relógio está lá.
P/1 – Hoje você faz mais promoções do que antigamente?
R – É, eu faço um pouco. Não faço muito porque para você fazer promoção você precisa de um grande capital. Porque você para fazer uma promoção você tem que ter a quantidade de mercadoria. Quantidade. O ano passado nós fizemos uma de copo. Umas caixas de copos e umas caixas, pusemos, empilhamos na vitrine. Vendeu bastante, vendeu bastante. Nós fizemos.
P/1 – Você vende muita coisa do Frei Galvão, relacionada ao Frei Galvão, né? Que é...
R – É, então a medalha de ouro do Frei Galvão, a imagem do Frei Galvão.
P/1 – Isso é de quanto tempo para cá mais ou menos que passou a Guará ter esse comércio mais ligado ao Frei Galvão?
R – Ao Frei Galvão foi desde que ele foi beatificado.
P/1 – Tá.
R – Faz quantos, uns três anos?
P/2 - Em 98.
R – Eu acho que foi, né?
P/1 – Aí imediatamente você sentiu essa necessidade, o público começou a exigir?
R – Começou a pedir, mas tem bastante casa de artigo religioso em Guará.
P/1 – É que o seu é um artigo diferenciado, né, pelo que nós observamos?
R – É. E eu, mas tem muita casa de artigo religioso. Nós temos uma fábrica de artigo religioso em Guará. Duas aliás. Duas grandes, tem umas pequenas, de artigo. Uma até de um cunhado meu. E aí eu vou trago. Agora por exemplo eu estou trazendo o menino Jesus. Já peguei essa semana lá. A gente faz os cestinhos, o cestinho com palhinha enfeitado com bolas e coisa. O menino Jesus. Agora essa semana eu vou pegar presépio. A gente monta os presépios.
P/2 - Nós estamos próximos ao Natal, né?
R – É. Eu costumo decorar. Antigamente eu chamava decorador para arrumar a vitrine de Natal.
P/2 - E era de Guará mesmo?
R – Era de Guará. Aí depois ele mudou, foi embora. Ficou uma outra moça que aliás morreu. Agora nós mesmo estamos arrumando. (riso)
P/1 – Você lembra de alguma vitrine que foi mais marcante?
R – Tem, uma vez eu fiz, eu ganhei um concurso uma televisão. Nós fizemos em azul e branco. Azul, branco e prata. Nós ganhamos um concurso de vitrine que teve em Guará nós ganhamos a televisão.
P/1 – E fez com esse decorador?
R – Não, nós mesmo.
P/1 – Ah, é? Como é que era?
R – Nós mesmo fizemos. Era a árvore branca só com laços e bolas azuis. O pano assim, pusemos assim dos lados de prateado. Bastante prateado, bastante coisa. Ficou bonita a vitrine. Ficou muito bonita a vitrine. E pior que não tiramos retrato.
P/1 – Ah, que pena.
P/2 - E era a população que escolhia a vitrine mais bonita?
R – É, teve um júri, teve um júri. Um júri que visitou todas as vitrines. Agora esse ano nós vamos fazer em amarelo.
P/1 – Já pensaram então?
R – Já, já comprei as flores eu vou fazer em flor. Em rosas amarelas a árvore. Todo em amarelo. Amarelo e dourado. Vamos ver o que é que vai dar.
P/1 – É.
R – Agora, nós mesmo estamos arrumando.(riso)
P/1 – Esse comércio, eu queria falar um pouquinho mais da questão do comércio religioso. Porque Guará é muito pertinho de Aparecida, né?
R – É.
P/1 – Você pegou essa fase assim quando começou a ter mais gente em Aparecida por causa da imagem?
R – Não, nós não temos muito cliente de romeiro de Aparecida não.
P/1 – Então, mas você pegou essa fase inicial dos romeiros.
R – É, mas os romeiros ficam muito em Aparecida. Vai a Guará, eles vão a Guará em um lado lá, não sei se vocês conheceram depois do Paraíba a ponte Pedregulho.
P/1 – Sei.
R – Vocês foram lá. Lá tem um orfanato, que até esse monsenhor Filipo que era amigo do meu avô, o Tomas Rocco, ele fundou esse orfanato. E esse orfanato tem uma gruta e uma gruta de Nossa Senhora na frente, um pátio na frente. E os romeiros que vão à Aparecida vem os ônibus todos para lá para p Pedregulho para pegar a água da Nossa Senhora. Para visitar. É grande essa romaria, bem grande.
P/1 – E sempre foi assim? Quer dizer, os romeiros nunca pararam em Guará?
R – Não. Eles atravessam vão direto para Pedregulho. Nós não temos muita freguesia de romeiro não.
P/1 – Não teve. Não mudou nada no comércio?
R – Não mudou. Porque o comércio de Aparecida é muito grande, né? O comércio.
P/1 – Porque isso foi mais forte quando, Mariazinha, que começou a ter essa coisa de romeiro para Aparecida, você lembra?
R – Ah, faz muitos anos. Muito anos. Atualmente facilitou muito por causa das estradas. Antigamente era muito difícil. Porque era estrada de terra. Era estrada de terra e era difícil.
P/1 – Até para o romeiro.
R – É, para o romeiro vir. Hoje não, com essas estradas que nós temos é a Carvalho Pinto, é a Trabalhadores, a Dutra. Então facilitou muito a vinda de romeiros. Nós temos uma fantástico, está muito bonita. Você precisam visitar agora, foi inaugurado um novo altar. E o piso da basílica. Está muito bonito. Em mármore.
P/1 – É, quando nós estivemos lá estava uma...
R – Estava arrumando. Agora já foi inaugurado. Muito, muito bonito, tem muito romeiro. Mas quanto a questão comercial Aparecida supre.
P/2 - No dia da padroeira, né, em outubro...
R – É, 12/10.
P/2 - ...a cidade de Guará sofre modificação assim, no comércio? Hotéis, algumas coisa assim?
R – Não, hotéis tem. Hotéis, restaurantes. Mas no comércio não. Porque o pessoal quer comprar em Aparecida, para levar lembrança de lá.
P/1 – Porque não é um comércio assim, os produtos são muito....
R – Não, mas tem.
P/1 – É só para dizer que é de Aparecida?
R – Só para dizer que é de Aparecida eles querem levar.
P/1 – Assim como o Frei Galvão então compra em Guará?
R – Frei Galvão compra em Guará.
P/1 – Não compra em Aparecida, isso?
R – Isso. Eles querem levar lembrança de Aparecida. Para um amigo, para um filho, compram muito lá. O comércio é fantástico o de Aparecida. Nossa Senhora.
P/1 – Bom.
R – É uma, bom, mas o que eles querem é isso. (riso)
P/1 – É isso, claro.
R – Ah, o nível de dinheiro, a gente que está no comércio a gente nota. Como é que está hoje. Está todo mundo sem dinheiro. Isso vem vindo quanto? De uns dois ou três anos para cá. Está diminuindo. Ninguém mais, todo mundo está se segurando. Compra comida. Supermercado é assim. Compra comida. Mas mesmo o comércio de roupa, ou comércio de, o comércio principalmente o meu, o meu que é inteiramente supérfluo. Mas ainda graças a Deus ainda usa bem dar presente. (risos)
P/1 – Ainda bem. Tem bastante casamento, então está bom, né?
R – É, ainda graças a Deus ainda tem. (riso)
P/2 - Na sua loja os clientes é mais homens, mais mulher...
R – Mais mulher.
P/2 - Mais mulher.
R – Homem é ótimo vender.
P/1 – É? Por que?
P/2 - Melhor?
R – Uma beleza. Ele chega aqui e diz: “Eu quero isso. Eu quero isso e ponto.” É ótimo atender homem.
P/1 – E sempre foi assim? Homens e mulheres sempre foi assim?
R – Sempre. Homem é muito mais fácil atender. O homem é mais seguro.
P/1 – E tem algum que vai lá comprar uma jóia de presente para uma namorada para uma noiva?
R – Tem. Ou para outra coisa também.
P/1 – Outra coisa também, tá.
R – É. Já houve um problema sério uma vez...
P/1 – É mesmo? Conta para nós.
R – (riso) ...um homem foi la e comprou uma pulseira de ouro. E nós nos dávamos muito com essa, era de Piquete, até. Era oficial de Piquete. Ele foi e comprou a jóia. Comprou e nada de mandar o dinheiro. Foi daquele: “Toma nota.” Aí nada de mandar o dinheiro. O Luis escreveu uma carta muito delicada, muito bonita, lembrando etc e tal. E mandou para a casa dele. Há, há, há, para quê. Não era para a mulher. Não era para a mulher.
P/1 – E a mulher viu a carta?
R – E a mulher viu a carta. Mas aprontou um escândalo. Foi lá na loja, que nós não podíamos ter vendido. Eu disse: “mas como é que nós vamos adivinhar?” Aí nós adotamos um sistema: conta para homem e conta para a mulher. Aí tinha homem que às vezes ia na loja: “minha mulher está devendo alguma coisa?” “Não, não está devendo nada.” “Meu marido comprou alguma coisa?” “Não, não, faz tempo que ele não aparece aqui.”
(risos)
P/2 - E receberam a pulseira?
R – Ah, aí ele pagou. Ele pagou, nossa mas foi um escândalo.
P/1 – Ela foi lá junto com ele Mariazinha?
R – Não, foi sozinha. Nossa, mas aprontou um barulho com a gente. Como é que nós vendemos isso? “Eu pensei que fosse para você.” (risos)
P/1 – (risos) E para você ter adotado o sistema então é porque não foi o único caso, né?
R – Não. (risos) Às vezes acontece. Então é segredo profissional.
P/1 – Está certo.
R – Atualmente é segredo profissional.
P/1 – Ainda tem isso: conta de homem e de mulher, tem?
R – Tem. (risos)
P/1 – Tá bom, tá certo.
P/2 - Dona Mariazinha, a relação com os clientes então ainda é muito pessoal?
R – Muito, muito de amizade. Os meus clientes são amigos. Entram vão tomar uma aguinha, vai usar o toalete, entendeu? Temos o toalete mais limpinho ali. Vai usar o toalete. Vem dar uma prosa. Nós temos ainda mais de amizade.
P/1 – Você chegou a ter vendedor treinado ou não?
R – Não, aprendeu no balcão mesmo.
P/1 – Aprendeu direto.
R – Meu marido era muito bom para comércio. Ela entrava para comprar um copo, saía com aparelho de jantar.
P/1 – Bom comerciante.
R – Ah, era. Meu marido era um comerciante excepcional.
P/1 – Mariazinha, Guará não tem shopping, né?
R – Não. Graças a Deus.
P/1 – Graças a Deus, por que?
R – Ah, por que? Porque o shopping vai me prejudicar. (risos)
P/1 – Mas esse é o pensamento dos comerciantes de lá? Vocês não querem?
R – Não.
P/1 – Isso é comentado? Chega a ser falado em reuniões? Só entre vocês.
R – Não, não. Cada um, ninguém fala. (riso) Fica todo mundo quieto. Porque é um atraso para a cidade.
P/1 – O shopping?
R – O shopping está lá construído.
P/1 – Está construindo? ________. Não me diga.
R – Está enorme. Está construído.
P/1 – Construído.
R – E acabando.
P/1 – Ninguém quis ir para lá?
R – Não.
P/2 - Mas tem lojas compradas?
R – Tem, tem lojas compradas. Tem o que, por exemplo, a Lojas Americanas comprou mas só abriria se tivesse um certo número de outras lojas.
P/2 - Ah, entendi. Então vocês já seguraram essa história.
R – Entendeu? Certo número de outras lojas.
P/2 - E faz muito tempo que está parado?
R – Faz muito tempo. Faz anos. Um prédio enorme.
P/2 - E se depender de vocês vai continuar....
R – Não.
(risos)
P/1 – Mas, e você como consumidora, você gosta de fazer compra?
R – Eu? Adoro.
P/1 – É mesmo?
R – Não preciso comprar para mim não.
P/1 – Sei.
R – Eu adoro comprar para a loja, para os outros que me pedem, adoro comprar. Sou consumista. Não gosto de comprar coisa muito cara não. Mas eu adoro uma feira. (riso)
P/2 - A senhora sai de Guará para fazer compra ou não?
R – Saio.
P/2 - Saio.
R – Nós vamos para São Paulo.
P/1 – Aí mas para a loja, né?
R – Para a loja.
P/2 - Mas compras para a senhora, a senhora compra em Guará tudo?
R – Para mim? Não. Não, eu viajo muito porque minha filha trabalha com turismo. Então eu viajo muito com ela. Nós viajamos muito. então eu compro por aí. Em Guará eu compro também. Eu faço questão de comprar, mas não é, eu compro muito para fora.
P/2 - Mas para a sua casa, tudo o que a senhora precisa a senhora encontra em Guará?
R – Encontro. Tudo o que eu preciso eu encontro. O comércio de Guará é muito bom.
P/1 – E você ainda de certa forma você está em atividade na loja, né? Mas você tem alguns momentos só para você de lazer? Ou o tempo todo _______?
R – Não gosto.
P/1 – Não gosta?
R – Não, eu tenho o meu cursilho. E vou que trabalho,...
P/1 – Conta para a gente disso aí?
R –...que eu trabalho no meu cursilho, é a única, como é?
P/1 – Sua distração.
R – É a minha distração, é a minha vida. Que quando eu perdi o meu filho e me levaram para, primeiro me levaram para um retiro que não falava. Passava 4 dias sem falar. Quase fiquei louca.
P/1 – É um terror, né?
R – No Opus Dei, muito bonito...
(pausa)
P/1 – Então você estava falando do cursilho.
R – Do cursilho. Então me levaram para isso. Eu quase fiquei louca. Aí me levaram para o cursilho. Aí eu vi vida. Aí eu estou há 33 anos no cursilho trabalhando. Já trabalhei em quase 50 cursilhos. E é a minha vida.
P/1 – Que bom. E lições do comércio, Mariazinha, quais as lições que você tirou?
R – Honestidade, sinceridade, paciência e um pouco de bom gosto. (risos) Para fazer compras.
P/1 – É. Vocês estão na quarta geração? No comércio?
R – Quarta.
P/1 – Seu bisavô, avô, pai, vocês e agora seus filhos.
R – Meu avô, pai e agora meus filhos.
P/1 – E eles tem vontade de continuar?
R – Tem. está difícil mas tem. hoje o comércio em si está muito difícil. As próprias fábricas. Nós temos recebido telefonema de fábricas grandes. “Guilherme, faça pedido. Nós estamos sem pedido. Faça pedido.” Fábricas grandes, as próprias fábricas. Fábricas pequenas então, o que já fechou não, o que já fechou dá até tristeza. Você telefona, fechou. Telefona, fechou, fábricas boas. Mas vai melhorar tudo. Vai melhorar.
P/1 – Isso mesmo. Bom, Mariazinha, quer falar dos filhos, dos netos?
R – Ah, são lindos. (riso) São ótimos.
P/2 - São quantos netos?
R – Eu tenho dois. tenho dois netos. Uma de 21 anos que estuda na, estuda Direito. Está no quarto ano de Direito da Puc em Campinas. Mora em Campinas. E tem o rapazinho de 18 anos que ainda está em Guará. Agora logo vai fazer o vestibular e o tempo passa. A sorte é que a gente não sente. A gente enchendo a vida da gente a gente não vai sentindo. Não se acha velho. O meu, eu me lembro, a minha avó morreu com 70 anos. Era uma velhinha, eu tenho o retrato dela velhinha, de coquinho, cabelo, vestido preto até aqui assim. Meia preta e coisa. Eu disse: “Gente eu tenho 73, eu não me sinto velha.” (risos) Não, mas o corpo vai cansando. A gente já sente que ficou velho, já, bastante. Para andar, para levantar. É, eles contam para a gente, a gente não quer acreditar mas a idade conta. Cutuca, a gente fala.
P/1 – Então tá. O que você achou de ter dado essa entrevista para a gente?
R – Vocês são fantásticos. São maravilhosos. Eu falei tudo o que não precisava também.
P/1 – Não, eu até ia te perguntar se faltou eu te perguntar alguma coisa?
R – Não, não faltou nada não. Maravilhosas. Vocês vão fazer, com esse amor que vocês estão dedicando ao trabalho, o livro vai ser um sucesso.
P/1 – Se Deus quiser. Porque nós temos personagens como você.
R – Esse livro vai ser um sucesso.
P/2 – Obrigada pela entrevista.
R – Eu é que agradeço.
P/1 – Muito obrigada pela entrevista.
R – Quem tem que dizer muito obrigada sou eu.
P/1 – Obrigada Mariazinha.