Linhas, tecidos, costuras e glamour
História de Madonn Maldonado
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 10/07/2021 por Ana Eliza Barreiro
Memórias do Comércio de São José do Rio Preto 2020-2021
Entrevista de Madonn Maldonado
Entrevistado por Ana Eliza e Claudia Leonor Oliveira
São José do Rio Preto, 27 de março de 2021
Entrevista MC_HV080
Transcrita por Selma Paiva
Conferida por Ana Eliza Barreiro
P1 - Pra começar, você pode falar seu nome completo, a sua data e seu local de nascimento.
R1 – Madonn Maldonado é o nome profissional, que eu peguei o meu sobrenome Maldonado e abreviei, então fui trabalhando, até chegar Madonn Maldonado. Meu nome mesmo é Hamilton Maldonado da Silva, 31 de julho de 1974, nasci em Fernandópolis, interior do estado de São Paulo.
P1 – Certo. Qual o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – Minha mãe... meu pai Orlando Borges da Silva e minha mãe Jerônima Aparecida Maldonado da Silva.
P1 – Você tem irmãos?
R1 – Tenho.
P1 - Como eles chamam?
R1 – [sem áudio]
P1 – E o nome dos seus avós?
R1 – Olha, os meus avós maternos: Arão Vicente Maldonado e Jerônima da Silva Maldonado. Dos meus avós paternos: Antônio José da Silva e Jerônima Borges da Silva. São três Jerônimas na família.
P1 – (risos) É nome tradicional, né?
R1 – É. (risos)
P1 – E Maldonado, é um sobrenome italiano? Qual que é a origem?
R1 – Sobrenome espanhol. Meus bisavós maternos vieram da Espanha, então é um sobrenome espanhol.
P1 – Nossa! Legal. Então, vou começar perguntado aí das suas origens. Você sabe mais ou menos em que ép
oca que eles vieram? Pra onde eles foram aí, se era na região?
R1 – Olha, eram três irmãos, que eu saiba, que vieram pro Brasil. E aí um ficou localizado no estado de São Paulo, um na região de Marília e um na região de São Paulo, mesmo, esses três irmãos. Aí eles perderam, um pouco, o contato, até minha mãe conta uma história que todo sobrenome Maldonado, se a gente for buscando essas raízes, você acaba chegando nessa família, que era, até então, segundo minha mãe e meus avós, a única família com sobrenome Maldonado no Brasil, a nossa. Então, todos os Maldonados que você pegasse, ou iria chegar no patriarca daqui da região de Marília; ou no patriarca daqui da região do interior de São Paulo, que é, no caso, meu avô; e o de São Paulo. Então, era mais ou menos essa história que eu conheço da família Maldonado. Eles vieram da Espanha à procura, acho que de melhora, não sei, assim, ao certo, essa história.
P1 – Nossa, mas legal, porque vocês ainda conseguem resgatar isso. Maldonado, realmente, é um sobrenome diferente, né, que não é tão comum. E os outros seus avós, você sabe um pouco da história deles?
R1 – Olha, os meus avós maternos são esses. E minha vó. Os meus avós paternos eu não tenho muito, assim... eu sei que eles eram de família bem simples, bem humildes, sempre foram do interior, lavradores. Minha vó era uma mistura de... ela era bem mineira, também paulista, mas a minha família paterna ali eles eram bem mineiros, mesmo. E minha avó materna também era extremamente, totalmente puxado pro mineiro, mesmo. Então, o que eu sei dessa história, mais ou menos, é isso. Os meus avós paternos não têm um histórico, assim. O sobrenome é Silva, super comum, mas não sei de onde saiu esse Silva, enfim, mas é o que eu sei, assim.
P1 – Hum hum. Silva, acho que na minha família tem. Vai saber se a gente também não tem um parente em comum, hein? (risos)
R1 – O que eu sei, a família do meu pai é da região ali de Riolândia, Américo de Campos...
P1 – Ah, conheço.
R1 – Eles sempre foram daquela região ali, no interior aqui do estado de São Paulo.
P1 – E, assim, seu pai e sua mãe, onde, como eles se conheceram? No que eles trabalhavam?
R1 – Os dois eram lavradores, trabalhavam na roça, já lá na região do interior do estado de São Paulo, de Indiaporã. Toda família já morava ali. Tanto a família do meu pai, quanto da minha mãe. E eles se conheceram ali, numa regiãozinha de Indiaporã, no distrito que a gente morava, que chama Tupinambá. É uma vilinha, um distrito. E, como todos moravam ali, eles se conheceram ali e aí casaram. Até quando foram casar deu um problema, por causa dessa questão das duas avós chamarem Jerônima e as duas avós tinham o sobrenome Silva, que a minha vó, mãe da minha mãe, era Jerônima da Silva Maldonado e a mãe do meu pai era Jerônima Borges da Silva. Então, aí, na época, o juiz, o padre meio que: “Não, mas vocês são parentes, não tem como”. E aí teve que ter todo um trâmite pra provar que não, não tinha parentesco nenhum. Mas é a história que eu sei, mas sempre foram lavradores, da roça, mesmo.
P1 – Sim. Essa coisa de sobrenome, né? E depois, na sua infância, você lembra alguma coisa de onde você cresceu, do bairro que você nasceu? Falou que era uma vilinha muito pequena. Você tem alguma lembrança desse lugar, de como era?
R1 – Sim. Tenho bastante. Eu fiquei nessa vilinha até os meus 14 anos. Aí, dos meus sete anos, até os meus 14 anos eu trabalhei na roça também. Então, eu ia com a minha mãe pra roça, a gente catava, na época, algodão; capinar; arrancar feijão. Todo esse trabalho de roça eu fiz a partir dos meus sete anos. Ia eu e minhas irmãs e a gente sempre viveu ali. Aí, com meus 14 anos, eu já comecei essa questão de fazer alguns rabiscos. Tudo foi quando eu comecei, mas até então eu nem sabia o que era ser estilista, o que era isso. Eu desenhava, porque eu ficava desenhando na areia lá das estradas de terra, enfim. Não tinha ainda essa dimensão do que era isso. Mas até hoje ainda tem chácara lá, eu vou pra lá sempre.
P2 – O que você desenhava na areia? Você usava pauzinho? O que você gostava de desenhar?
R1 – Isso, eram gravetinhos que a gente pegava. Tinha eu e uma prima, que chamava Valnice. E a gente desenhava... o que eu mais gostava era desenhar noiva, por incrível que pareça. E na areia é muito prático, porque você desenha, não gostou, você só passa a mão e apagava e refazia. Então, assim, eu adorava desenhar noiva e aí a gente ficava disputando quem desenhava mais bonito. E até hoje eu tenho lembrança bem, assim, depois do meu desenho atual, hoje, eu mudei bastante, meu desenho é mais estilizado, mais comprido, enfim, mas lá, na época, era um desenho mais achatadinho e a minha... vamos dizer, a minha mulher era bem quadrilzidinha, assim. Então, fazia aquele quadrilzinho, assim, aquela ampulheta. Então, essa é uma lembrança que eu tenho, bastante, desses desenhos dessa época, de criança mesmo, que já era meus nove anos, dez anos, por aí. Era a idade que eu tinha, na época.
P1 – E de onde vinham essas referências, assim? De assistir casamento, de assistir televisão, o que era?
R1 – Não, eu acho que, na época, a gente nem tinha TV. Era mais de ver alguns álbuns de casamento das minhas tias, que eu via e alguma revista, alguma coisa assim. Então, tinha aquela referência da noiva. Aí, depois, a partir disso, que eu comecei a estudar e com esses rabiscos, aí as minhas amigas de classe falavam: “Nossa, desenha um vestidinho pra mim assim, assim”. Aí eu fui mudando os riscos, pra esses riscos mais assim e aí, na época, o que mais me incentivou, que eu lembro, tinha o Xou da Xuxa e eu via aquelas roupas, aquelas ombreiras, aqueles detalhes diferentes, que saíam daquela percepção da noiva e aí eu comecei a mudar isso e aí tinha, na época, uma novela também, que chamava acho que A Viagem e tinha umas roupas mais longilíneas, tipo uns gilets, que a Christiane Torloni usava, peças longas, alongados. Então, aí eu passei a transferir isso pro papel, essas mudanças de traços. E aí foi onde eu comecei a fazer esses desenhos e comecei a arquivar em uma pasta e aí eu comecei a trabalhar na Guarda Mirim da cidade, lá. E trabalhava numa creche. Ia de manhã, de Tupinambá, no ônibus, de madrugada, pra Indiaporã, que é o município, Tupinambá é o distrito, pra ir na Guarda Mirim, trabalhar na creche e voltava ao meio-dia. E aí eu sempre carregava essa pastinha, que era preta. E aí, um dia, passando pela prefeitura, a tesoureira da prefeitura, que era a Neuzinha, que sempre que eu passava, ela conversava comigo, era uma pessoa legal, falou: “O que é isso?” Aí eu falei: “São uns rabiscos que eu tenho”. Aí ela pediu pra ver. Aí ela falou: “Nossa, menino, mas isso é um dom. O que é isso? Como você faz isso?” Eu falei: “Faço brincando”. Ela falou: “Não, mas isso é um dom, você desenha roupa”. Eu falei: “Mas como assim?” Ela falou: “Isso é uma profissão”. Eu falei: “Não, mas eu não sei”. Aí ela falou: “Mas você nunca pensou em fazer uma faculdade, tal?” Eu falei: “Não, eu nem sei”. E ela falou: “Não, eu vou te ajudar”. Aí ela foi pesquisar, pra ver se tinha faculdade aqui na região toda e não tinha. Na época, era só São Paulo. E ela falou: “Não, mas eu preciso te ajudar de alguma forma”. Aí ela ficou sabendo que, em Fernandópolis, tinha um estilista que desenhava numa loja que vendia tecidos, pra cliente. Aí ela foi até lá, conversou com ele e falou: “Olha, tem um menino que desenha, mas o traço dele é bem primário, ele nunca teve oportunidade, enfim. Você não daria umas tintas pra eles, ele ficaria aqui na loja com você e eu converso com o prefeito, eu pago pra você fazer isso”. Aí ele falou: “Não, eu vejo com o dono da loja e, se ele autorizar, sim”. Aí o dono da loja autorizou tudo e ela passou a fazer isso. Foi o primeiro anjo na minha vida, nessa trajetória. E aí o motorista da cidadezinha me levava à Fernandópolis, acho que duas ou três vezes por semana, me deixava na loja, esperava um período, acho que era o período da tarde, eu ficava todo esse período lá com o estilista, ele dando as orientações, eu vendo como ele atendia e tal e depois voltava. Aí, depois de um tempo, eu falei: “Não, eu quero isso”. Eu trabalhando na roça, estava na colheita de tomate e eu odiava, porque você chegava de madrugada, a irrigação tinha molhado muito, estava muito molhado e você tinha que começar a catar os tomates, era rasteiro e aí, de vez em quando, você batia num tomate podre, eu odiava. Aí eu falei: “Eu não quero isso pra minha vida, de forma alguma. Eu vou embora pra Fernandópolis” - a minha vó paterna morava em Fernandópolis – “e vou ficar mais lá com o Lelo, pra ele me orientar mais e eu quero isso como profissão”. E aí eu fiz, fui pra Fernandópolis, fiquei lá mais tempo com ele, dali ele já me arrumou um emprego e aí foi, começou essa trajetória, desse princípio.
P1 – Foi, realmente, dom. Você já pegava em casa e ia fazendo. E, assim, tinha alguém da sua família que costurava? Alguma referência dessas?
R1 – Não. A minha vó materna costurava, mas muito simples, mas, assim, eu achava engraçado ela costurar, porque ela fazia as anáguas dela, os vestidos, mas ela não tinha, tipo, a teoria. Ela colocava lá em cima, cortava, costurava, tinha coisas que ela fazia à mão e eu achava aquilo interessante. E, desde aquela época, eu adorava ver as roupas dela, tanto que, escondido do meu pai, de tudo, eu colocava os vestidos dela e tudo. Então, assim, era uma coisa que eu já gostava. Teve uma época que meu pai comprou uma geladeira, a primeira geladeira que a gente teve e ela veio com uma caixa e um plástico envolvido, aí eu peguei aquele plástico e peguei uma prima minha e amarrei na minha prima, fiz tudo: o vestido, o véu de plástico e fizemos uma festinha com o casamento e, na época, eu até fui o padre do casamento. Então, minha primeira moulage, assim, foi essa. Eu nunca me esqueço disso. E foi muito interessante, foi legal. Acho que, a partir daí, você já começou aí, eu já comecei no processo já com o Lelo, ele me orientando mais e aí eu fui buscando conhecimento, mas sempre muito simples e sem condições de estar buscando isso. Então, eu ia na cara e coragem.
P1 – E, assim, você falou que você morava num distrito muito pequeno. Essa coisa de você ir pra escola, até ir pra escola era em outra cidade, né? Na cidade sede. Quanto tempo, mais ou menos, que era esse trajeto? Como você ia?
R1 – O meu primário eu consegui estudar ali no distrito. Mas a gente morava numa fazenda que era uns quatro quilômetros e a gente ia a pé. Então, ia eu e mais três coleguinhas que eram da fazenda. A gente ia a pé e voltava. Depois, até a minha oitava série, eu consegui ter nesse distrito, aí depois fecharam a escola, um prédio, inclusive, muito bom e tudo, aí a gente tinha que se deslocar de Tupinambá pra Indiaporã. Então, a prefeitura... a gente pegava o ônibus às cinco horas da tarde, seis e meia - porque passava por todas as fazendas, tudo – a gente chegava em Indiaporã, pra estudar, aí saía às onze horas e chegava em casa por volta de meia-noite e meia, mais ou menos, todos os dias, né? Era esse trajeto de ônibus da prefeitura.
P1 – Sim. Aí, no outro dia, você já tinha que começar a trabalhar na roça, mais ou menos que horas?
R1 – Cinco horas da manhã. Por volta de vinte pras cinco minha mãe já acordava a gente e eu odiava isso, era insuportável essa situação. Nunca gostei, mas, enfim, eu acho que valeu a pena esse aprendizado. Eu acho que, se hoje as crianças tivessem esse exemplo, talvez nós teríamos uma sociedade um pouco diferente. Porque hoje tem toda essa história de que criança não pode trabalhar, enfim. Eu trabalhei desde os meus sete anos, não me arrependo e isso só me agregou valor, me trouxe princípios. Enfim, eu agradeço hoje o que eu sou e o que eu conquistei acho que a esses princípios que os meus pais me deram lá no comecinho.
P1 – E, assim, pegando essa coisa muito pessoal, você lembra da casa onde você morava na infância? Você lembra da vizinhança? Como era aquele bairro, a fazenda, assim, a estrutura?
R1 – Olha, a fazenda era bem complicada, porque nós morávamos numa fazenda que o povo falava que era mal-assombrada, enfim. Até, inclusive, essa fazenda era do Doutor Norberto Buzzini, que é dono do Diário da Região e de toda essa estrutura daqui de São José do Rio Preto. Então, meu pai trabalhava pra ele, para o Doutor Norberto e a Dona Neuza. E eles iam sempre lá na fazenda. E o pessoal falava que era uma fazenda mal-assombrada, que na sede o povo escutava um monte de coisa, selando cavalo à noite, tinha um cemiteriozinho, que era o primeiro cemitério lá da região, que era um matinho, que dava pra ver, do alpendre que tinha na sede. E nós morávamos numa outra casa do lado. E tinha uma represa descendo. Então, assim, tem muitas lembranças gostosas daquela época, daquela fazenda, da infância, aquele cheiro de infância, de estar com os pais, do lugar. Assim, eu vou sempre pra lá, mas nunca mais eu tive a oportunidade de voltar nessa fazenda, mas foi um lugar... moramos em vários lugares, em várias fazendas, mas essa fazenda em si me marcou muito, porque eu gostei bastante. Inclusive o Doutor Norberto ajudou muito a gente, que eu tinha um problema de visão, que eu tenho glaucoma congênito e não enxergo do olho esquerdo. E ele, assim, me ajudou muito, que foi uma pessoa que me deu o tratamento aqui em Rio Preto, então ele pagava todo meu tratamento e meu pai me trouxe pra cá, então foi a primeira vez que eu consegui fazer um tratamento pro glaucoma, descobrir, ver, estabilizar, enfim. Então, tem essa história. Depois, mudando pra vários lugares, meus pais mudaram pra outro lugar longe, que não tinha como eu estudar, eu fiquei na casa da minha vó, que era ali em Tupinambá. Depois meus pais mudaram pra lá, construíram uma casinha. Nós nem tínhamos casa, moramos numa casinha que era tipo o paiol da minha vó, colocamos nossos móveis e colocou os outros móveis debaixo de um encerado, embaixo dos pés de laranja, pro meu pai construir uma casinha pra gente no terreno lá da minha vó. Aí construiu uma casinha em uma semana, de três cômodos. Só levantou as paredes. E nós ficamos ali com a minha vó, depois mudamos pra essa casa e ali é a casa que a gente tem até hoje. Então, assim, eu sou bem saudosista e bem família, que eu até me emociono com essa situação, porque eu vou sempre pra lá, a gente ainda tem essa chácara lá, no lugar do matinho de onde era a casa da minha vó. Depois acabou que minha vó faleceu, minha tia faleceu, acabou virando uma bela ruína. Isso eu sentia muito, todas as vezes que eu ia e que eu via aquela casa se degradando, era muito difícil pra eu entender esse processo. Hoje tem só algumas árvores, enfim, mas eu tenho muitas lembranças boas dali, da região, dos vizinhos, dos amigos, porque é distrito, então os vizinhos eram tudo amigos. Um matava porco, levava pro outro, aí a gente matava porco, colocava num pratinho, levava pro outro, o outro dava um alho ou uma cebola, pra você trazer no pratinho, de recompensa. Então, isso era muito bom. Então, foi uma infância, assim, muito boa.
P1 – E, assim, você falou da sua vó, que você morou um tempo com ela. Como era sua vó? Como era essa relação dela com vocês?
R1 – É muito complicado. Se eu for falar dessa relação, eu vou me emocionar mais ainda. Essa minha vó materna e uma tia que era solteira e que morava com ela, pra mim elas eram minhas segundas mães, em todos os sentidos. Então, assim, era uma ligação muito, muito grande que eu tinha. Depois eu morei com a minha vó materna, depois de já grande e tudo e não tive essa ligação, esse vínculo, como eu tinha com a minha vó materna. Então, eu trago muita referência, muito conhecimento, muita determinação, porque ela era uma pessoa extremamente determinada. Minha vó não tinha tempo ruim. Ela tinha setenta anos, carregava, plantava milho, mandioca. Então, o quintal dela... ela nunca não tinha mistura, vamos dizer assim, porque o quintal dela sempre tinha coisas, franguinho e minha tia trabalhava na escola, era merendeira da escola. Então, eu convivi um bom tempo ali com elas, mas mesmo depois que meu pai voltou e a gente construiu a casinha ali pertinho, minha ligação era muito forte com elas. Então, eu vivi ali. Então, eu cresci ali. Aí, eu perdi minha vó e foi uma perda muito grande. Eu não sei muito lidar com essa questão de perda. Eu não sei. É uma questão que me deixa muito mal, principalmente nessa situação de pandemia, essas perdas, essa situação, eu não consigo muito assimilar. Depois, agora, há uns vinte anos eu perdi minha tia e então eu ainda tenho essa saudade, eu sinto aquele cheiro da comida, eu ainda consigo visualizar, tanto que até eu fiz um dia um rascunho, à noite, que eu fico imaginando, eu lembro certinho da casa da minha vó, onde era o pote de água, um cilindro que ela tinha, que tinha um moinho de moer café, um fogão dentro da cozinha, a mesa, a sala, o salão, os quartos. Então, eu lembro, eu tenho a lembrança de cada móvel que tinha. Então, é uma lembrança muito ativa daquela região.
P1 – É muito poético!
R1 – E até uma amiga minha, que é profissional, que trabalha comigo, costureira e modelista, fala que eu sou muito apegado ao antigo, porque eu gosto muito de móveis antigos, decoração, dessa mistura de estilo. Eu acho que um pouco é dali, daquela referência.
P1 – Sim. É muito bonita essa relação toda e te perguntando, também, tinha bastante criança lá naquela região? Você lembra, assim, quem eram seus amigos, o que vocês brincavam na rua, com as suas irmãs, suas primas, que você comentou?
R1 – Era incrível. Bola queimada, pular corda, pique-esconde. Principalmente de esconde-esconde, a gente brincava muito. E a gente tinha - na casa da minha vó, à noite, geralmente, era referência: meus primos iam, todo mundo ia - uns blocões de madeira, assim e a gente sentava, tudo e tinha uma prima mais velha e mais um tio que gostava muito de contar causos. Então, tinha uns causos assustadores, tinha outros que não e aí a gente sentava, todo mundo, pra ouvir. E era muito gostoso. Fora isso a gente brincava muito de pular corda, quando ia à noite pra vilinha, pro distrito, porque a nossa chácara era um pouquinho afastada do distrinho ali da vila, aí a gente ia brincar de bola queimada, pular corda, de barata, de duro ou mole, passa anel. Eram essas brincadeiras, assim. Acho que durante a minha infância toda foram as minhas maiores brincadeiras. Na escola tinha aula de Educação Física, porém eu não gostava, eu odiava e dava sempre um jeito de sair fora. Até mesmo questão de, vamos dizer, bullying. Eu era muito magrinho, raquítico, não sabia e então os meninos nunca queriam me escolher pra jogar com eles, então era uma questão meio que, assim... aí eu acabava ficando meio que de canto, então eu não gostava das brincadeiras da Educação Física, eu vivia correndo da Educação Física.
P1 – É difícil isso. As crianças (risos) são terríveis.
R1 –Era/ é* essas brincadeiras todas, ai, muito apelidos. Eu tinha aqui um topetinho, que até hoje eu tenho um redemoinho, se corta fica assim, então era Cebolinha e, enfim, como eu tenho um olho maior do que o outro, pela questão do glaucoma, era Zóiudo e assim, isso não me deixou sequelas, não me trouxe traumas. É incrível que não. Eu me dei bem com essa situação, acho que ficou lá, é uma coisa de momento, de tempo, de impasse, mas eu não trouxe isso pra minha vida, como hoje as pessoas fazem disso uma bandeira e ficam questionando situações.
P1 – E, assim, você lembra, na escola, quais as matérias que você mais gostava, as professoras?
R1 – Por incrível que pareça, eu amava História, eu amo História. Tanto que o meu sonho era conhecer um pouco da história do Brasil. Eu tive a oportunidade de viajar pra Europa, eu fui pra Portugal e eu fiz questão de ir ao Castelo de Pena, onde nasceu Dom Pedro I, pra registrar aquele momento. Então, eu adorava História. Depois de História eu gostava muito de Geografia, adorava Geografia. Português eu gostava também. Eu odiava Matemática. E depois eu gostava, quando a gente passou pro colegial, amava Educação Artística, pelos desenhos, mas eu vivia desenhando avião. Então, meu sonho era viajar de avião, era conhecer o avião. Então, assim, eu via passar e falava: “Meu Deus, será que um dia eu vou conseguir ir de avião pra algum lugar?” e aí eu tive, depois, no decorrer da carreira, várias oportunidades. Então, assim, eu acho que você traça alguns objetivos, algumas coisas lá atrás e depois você vai trilhando caminhos, pra fazer com que aquilo aconteça. Eu tive o privilégio de, dentro da minha carreira, poder me proporcionar alguns momentos, assim, tipo esse, de conhecer o Castelo de Pena, Portugal, ali. Eu gosto muito dessa questão de castelo, de palácio. Tanto que eu adoro séries e filmes que sempre abordam esses temas. E também o próprio figurino, né? Isso me chama muito a atenção, esses figurinos de época. Isso sempre me traz, assim, uma atenção maior, entendeu? Um filme, vamos dizer, mais contemporâneo, eu não tenho tanta atenção, mas eu adoro séries de rainhas, de reis, porque eu gosto de prestar atenção no figurino, no material que foi feito, que eu adoro essa mistura de textura de materiais. As construções. Até teve uma época que eu tinha loucura de fazer Arquitetura, depois passou, mas eu gostava muito de História, Geografia, Ciências eu gostava, mas eu odiava Matemática, Inglês e, mesmo depois, pra viajar, eu nunca consegui fazer um curso de inglês e eu nunca consegui falar. Eu tenho uma dificuldade tremenda e eu não consigo, mesmo. É uma coisa, assim, que eu preciso trabalhar muito nisso, mas, de verdade, eu não tenho nem muita vontade, não.
P1 – Você fala que você gosta dessa coisa de época. Tem alguma década, algum tempo, alguma referência que você usa mais, assim? Sei lá: década de sessenta, setenta, não sei, que você usa nos seus trabalhos? O que você gosta?
R1 – Olha, eu adoro a década de trinta, que é uma década bem mais lá atrás, eu acho que é uma década que me marcou muito. Até eu tive o privilégio: aqui em São José do Rio Preto tinha um evento no Sesi que chamava Noiva Fashion. E eu tive o privilégio de participar desse evento por vários anos. E uma das épocas eu fiz uma noiva da década de dez. Então, foi, assim, uma pesquisa maravilhosa, que me trouxe muito conhecimento e eu fui buscar inspiração. Então, essa década de dez, vinte, trinta, me marca por ser um traje um pouco bem mais romano, grego e tal. Depois, a década de cinquenta, sessenta e setenta, porque depois da guerra, da revolução, então já foram uns trajes um pouco mais, vamos dizer, diferenciados. Aí foi a mistura, pegando um pouco do guarda-roupa masculino, trazendo pro feminino, tendo mais essa liberdade de movimentação. Então, aí, uma das épocas que eu destacaria mais nem seria a década de setenta, mas a década de sessenta, talvez. E, assim, uma das grandes paixões que eu tenho são duas grifes, dois conceitos muito bons de moda. Eu sou apaixonado pelo Dior, pela marcação, que eu acho que a marcação dele de cintura, de projeção, tem toda uma coisa diferenciada e ele traz uma passagem de tempo muito boa. E claro que não teria como, de forma alguma, não ser apaixonado - porque eu gosto de roupa clássica e mais mulher – pela Chanel. Então, assim, são as minhas duas fontes de inspiração: é Dior, Chanel. Chanel é mais pelo fato da alta costura, essa textura do tweed, dos tailleurs, mais essa questão. E Dior aquela coisa de marcar mais a cintura, do godé, daquelas formas amplas, das brincadeiras das golas. Então, ele trabalha umas estruturas muito gostosas, que acaba sendo contemporâneo, entendeu? Porque, se você pega o Dior lá década de cinquenta, que foi a grande revolução; de sessenta, que foi a marcação daquela saia extremamente godé, hoje ela está extremamente em evidência. Então, é uma fase que você consegue transitar no universo da moda tranquilamente. Então, acho que isso são referências que eu tenho.
P1 – Sim. Você falando, assim, o seu estilo de desenho, então, remete muito a isso também?
R1 – Assim: eu sempre gostei mais de trabalhar nessa questão. Eu trabalhei na Real há um bom tempo atrás, depois eu saí, fui trabalhar com confecção. Então, foi um outro marco na minha vida, porém eu trabalhava num balcão, atendendo a cliente que vai comprar o tecido, você vende o tecido, desenha a roupa, vamos dizer, de peça, a maioria, grande parte. Porém, eu queria um outro lado, um outro meio, conhecer uma nova história. Aí eu fui trabalhar com confecção. Tive, sempre, muitos privilégios de conhecer pessoas que sempre foram anjos na minha vida, então tive patroas maravilhosas no meio da moda e aí eu entrei no meio dessa moda que é pronta pra... esse fast fashion, mesmo, do momento. Então, eu fui trabalhar com confecção e aqui em São José do Rio Preto é um polo confeccionista, de confecção mesmo, que abastece ali o mega polo, o Bom Retiro, o Brás, Maringá. Então, aqui em Rio Preto é um polo regional de confecção. E aí eu trabalhei, tive o privilégio de trabalhar com várias confecções. Eu trabalhava um dia uma, um dia outra, como freelancer e viajava muito pra São Paulo, com essas confecções, pra ir com a dona, pra apresentar a coleção, pra vender, enfim. Então aí eu mudei totalmente de cenário e parti pra área de confecção. Na área de confecção eu tive a oportunidade de conhecer tudo: a malharia, o plano, a modinha, o extremamente modismo, o mais tradicional, o casual. Então, ali, você tem um universo muito maior de trabalhar, né, porque cada confecção tem um direcionamento, um perfil. E aí eu trabalhei muito no meio dessas confecções, desenvolvendo coleções pra São Paulo, ali e dali eu realmente tive a certeza de que eu gosto mesmo de trabalhar com tecido plano, com a roupa de festa. Hoje a minha roupa, eu tenho hoje a minha marca, Madoon Maldonado, que é sob medida e a minha roupa é casual, pra mulher que trabalha, mas ela já sai do trabalho e está pronta pra um happy hour, pra uma balada. Então, essa é a minha roupa hoje. Faço festa também, eu amo madrinha, mas, assim, o que eu gosto de fazer é a roupa que a mulher vai estar trabalhando, mas uma roupa que ela vai se sentir livre, confortável, que ela vai se sair bem pra ir pra um evento, uma situação, com um pequeno acessório, uma mudança. Então, assim, eu gosto de trabalhar essa roupa. Então, essa é a minha roupa hoje e a minha cliente. Então, dentro da minha marca, que hoje eu tenho, hoje eu trabalho paralelo na Real, não como estilista, eu fui trabalhar como assistente de vendas e o Kadu que era o estilista oficial da loja, porém ele acabou tendo uma oportunidade e se desligou da loja, bem na época que começou a pandemia. Aí, entre aspas, eu estou ‘acumulando’ a função de estilista no momento, também. Mas não sou contratado como estilista oficial da loja. Não é algo que eu quero também. Então, eu quero desenvolver a minha roupa, pra minha cliente, sob medida. Essa é a roupa que eu gosto. Então, foi dessa experiência de trabalhar com confecção, que eu trouxe essa essência. Que aí, dentro da confecção, eu tive o privilégio de trabalhar com... eu conheci uma agência de modelos, fui trabalhar com agência de modelos também, tive um outro lado, que foi ver a parte de editoriais. Fui convidado pra fazer editorial de uma revista, fiz um trabalho editorial muito bom, tirei uma equipe, eu fazia catálogos de competição, produzia os catálogos em parceria com essa agência de modelo. Então, foi um outro trabalho que eu tive, também e foi, assim, na cara: vamos, vamos fazer e deu certo. E eu gosto muito dessa parte de produção, é algo que me deixa muito satisfeito, de fazer uma produção. A produção editorial pra revista é diferente de você fazer um editorial de confecção, claro. A revista você trabalha, você tem o lúdico, liberdade. No catálogo de confecção você tem que mostrar a roupa em si, mas foi dali que eu trouxe essa minha roupa hoje, que é a que eu gosto de trabalhar, que é essa casual, pra qualquer momento do dia.
P1 – Gente, você passou por várias áreas da moda, né? Tem uma vasta experiência. E isso começou lá em.... assim, essa vontade de você começar e trabalhar na primeira loja que você comentou, que foi com o estilista Lelo. Então, fala um pouco de como foi esse começo. Você falou que teve um anjo na sua vida e começou. Me fala um pouco como começou isso, que realmente você começou a se profissionalizar.
R1 – Você diz a questão da mulher que me ajudou lá na prefeitura, lá do comecinho? Então, foi uma trajetória muito difícil, Ana. Inclusive, eu fiz uma live com essa minha amiga de Portugal, não consegui puxar pro meu Insta, mas tem no Insta dela, ela perguntando da minha trajetória. E foi exatamente isso. Ela deu esse empurrão, esse meu amigo me ajudou, eu comecei a trabalhar, aí ele me arrumou um trabalho de uma confecção em Fernandópolis, mas aí não deu muito certo, porque a confecção já estava com problema financeiro, enfim. Aí, essa loja que ele trabalhava, eles tinham duas lojas em Fernandópolis, que ele era o estilista, então um dia ele trabalhava em uma e no outro dia, na outra. Eles tinham uma outra loja em Votuporanga, que tinha outro estilista; tinha uma outra loja em Jales, que tinha outro estilista e eles abriram uma loja em Santa Fé do Sul. Quando eles abriram a loja em Santa Fé do Sul, aí eu já tinha passado em Fernandópolis, numa loja que o Lelo me indicou, que era uma loja que vendia roupa e tecido, muito boa. Eu trabalhei nessa loja. Já tinha passado por uma outra loja também em Fernandópolis e aí eu estava numa fase meio que desempregado. Foi quando eles abriram essa loja em Santa Fé do Sul e aí a dona da loja falou pro Lelo: “Eu vou chamar o Madoon pra trabalhar lá como estilista, porque ele é bom, aprendeu muito bem com você e então eu vou convidá-lo”. E ele foi, ela me chamou pra ir pra Santa Fé e eu acatei na hora e fui. Aí eu ficava em Fernandópolis, na casa da minha vó materna e eles pagavam ônibus pra eu ir todos os dias e voltar pra Santa Fé. Mas é uma distância meio longa e bem complicada. E aí eu fiquei fazendo isso acho que uns 15 dias. Aí eles pegaram e falaram: “Olha, é inviável, não tem como, Madoon, você vai ter que ficar em Santa Fé”. Em cima da loja tinha uma casinha, assim, meio que em ruínas. Aí eles falaram, eu fiquei lá nessa casa, tinha só um colchonetezinho, mais nada e eu fiquei lá nessa casa, porque aí não tinha como eu voltar mais. Levei minhas roupas e fiquei. Aí foi um perrengue meio complicado, porque eu não tinha como comer, porque até então eles pagavam o almoço num restaurante e eu jantava na minha vó. Eu não tinha como comer, mas também não ia falar na loja, porque era medo de perder o emprego. Muito novo, tal, e eu fiquei meio que uma semana assim... uns três dias, não uma semana, sem comer, praticamente. Aí eu liguei pra minha mãe, na época era orelhão, tal, falei: “Mãe, será que tem como meu pai trazer um colchão pra mim, alguma coisa pra mim?” E aí minha mãe foi, eles foram no mesmo dia, à noite, meu pai levou o colchão, uma televisãozinha, umas coisas e aí minha mãe me levou um dinheiro que ela tinha e me deu. E aí, com esse dinheiro que ela me deu, eu peguei e falei: “Eu não tenho como comprar comida, porque eu não tenho fogão, não tem como fazer. O que eu vou fazer? Se eu for pagar almoço todos os dias, o dinheiro era pouquinho, aí falei: “Eu vou comprar leite e bolacha”. Então, aí eu estava passando a leite e bolacha. E aí tipo: eu saía pra hora do almoço, subia lá pra casinha e descia rapidinho. A gerente começou a prestar atenção. E aí ela falou assim: “Tem alguma coisa errada. O Madoon não está legal”. E aí, um dia eu desci e ela subiu e foi lá, olhou tudo, desceu e falou assim: “Madoon, eu vou te perguntar uma coisa: você não está comendo?” Aí eu falei: “Estou”. Ela falou: “Não, não está, porque lá na sua casa não tem nada pra você comer. Só tem leite e bolacha”. Eu falei: “É”. Ela falou assim: “Não acredito numa coisa dessas! Não tem lógica. Como você não me fala isso?” E ela também tinha ido de Fernandópolis pra essa loja, então ela também estava ainda meio que perdida lá. Mas ela já tinha alugado casa e estava tudo lá. Aí ela falou: “Não. A partir de agora, de jeito nenhum”. Aí ela me levava marmita todo dia no almoço e pra janta. Então, assim, foi um perrengue bem feio e eu tive que ter muita determinação, pra aguentar firme, mas aguentei. Aí me falaram que tinha uma senhorinha que alugava umas quitinetezinhas lá. Aí eu liguei pra ela e ela me alugou, assim, na hora, foi outro anjo, parece que foi com a minha cara, me alugou uma quitinetezinha que era uma gracinha: era um banheirinho, um quartinho e uma cozinha pequenininha, com uma piazinha. Aí, a Rosa me deu uma geladeira velha que tinha na loja, levei, já levei meu colchão que meu pai havia dado, a TV e a senhora me deu um fogão que ela tinha e tal e pronto. Aí já fui me virando. E aí essa senhora era meio que um anjo. Todo dia ela levava mistura lá pra mim: “Ai, filhinho, sobrou da minha janta? Você não quer?” Aí foi essa fase em Santa Fé. Infelizmente a loja estava passando por problemas financeiros já quando eles abriram e tal e aí acabou que eles tiveram que fechar a loja e tiveram que me dispensar. Aí, me dispensaram, eu falei: “Meu Deus, e agora, o que eu faço? Voltar pra casa não posso, não vou voltar pra roça”. Aí fiquei. Aí esse Lelo, que era amigo meu, que estava em Fernandópolis, falou pra mim: “Madoon, liga pra Lu” – que ele tinha uma amiga que trabalhava aqui em São José do Rio Preto, na loja de tecidos do shopping, a Lu – “quem sabe ela não sabe de alguma coisa em Rio Preto?” Aí eu liguei pra ela. Ela nem me conhecia, mas ela era sobrinha de uma mulher que eu havia trabalhado numa loja em Fernandópolis, que eu trabalhava no caixa. E aí eu liguei e falei: “Lu, é o Madoon, trabalhei com a Cidinha, sua tia”, ela falou: “Tá”. Eu falei: “Então, eu estou trabalhando aqui no Ribeiro, mas está fechando, aí o Lelo falou pra eu ligar pra você”. Ela falou: “Olha, aqui onde eu estou tem dois estilistas, não está precisando, mas eu tenho um amigo que abriu uma loja agora e que está precisando, eu vou ver com ele”. Ela falou com ele e me ligou: “Ele falou que é pra você vir amanhã”. Eu falei: “Meu Deus, mas como assim? Sem me conhecer?” “Não, você já pode vir de mala e tudo”. Eu falei: “Meu Deus! Vou me embora”. Aí vim com a mala e tinha uma prima que morava em Mirassol e eu ia ficar na casa dela, ela me esperou na rodovia, aí eu desci e no outro dia vim pra loja, conversei com o cara e comecei a trabalhar. Era uma loja maravilhosa, na Brigadeiro Faria Lima, ali perto do shopping, tudo, uma loja lindíssima. Porém, era um problema: o dono e a esposa não se entendiam e talvez você estava atendendo o cliente e era um cliente de poder aquisitivo bem melhor, cliente em potencial e era brigando, aquela coisa estranha. Eu falei: “Meu Deus, isso aqui não vai dar certo”. Aí, já no primeiro mês, não tinha dinheiro pra pagar e virou aquele rolo. Eu falei: “Santo Deus”. Aí eu estava morando numa pensão já aqui em Rio Preto, tinha uma senhora que era evangélica e ela me alugou um quarto e aí eu pagava o quarto e trabalhava. E aí ela vendia salgado no shopping, dentro do shopping, pro pessoal. Aí ela conhecia muita gente. Aí ela pegou e falou: “Madoon, tem uma loja de tecidos lá no shopping que eles estão, acho, precisando de estilista”. Aí ela conversou com o dono, ele falou: “Não, fala pra ele vir falar comigo”. Aí eu fui, ele falou: “Não, pode vir. Se você quiser começar amanhã”. Aí eu cheguei lá na loja, na Brigadeiro Faria Lima e falei: “Eu arrumei outro emprego, vou trabalhar lá no shopping, tal, tal, tal”. Aí deu o maior pau, o cara virou um tendel, a mulher dele fez um auê, aí eu não tive acerto, não me pagaram nada e aí eu fui pra essa loja. Trabalhei lá, uma loja maravilhosa, o dono era uma bênção de pessoa, a esposa dele maravilhosa. Aí eles tinham uma loja também em Campo Grande, eles eram de Campo Grande, só que a esposa dele não se adaptava aqui, não gostava daqui de forma alguma, gostava de Campo Grande. Aí fiquei lá acho que mais ou menos por uns oito meses e aí ele falou: “Não vou ficar com a loja aqui, vou voltar pra Campo Grande, porque a Fátima não se acostumou aqui, falei: “Meu Deus, de novo!” Fazer o quê? Aí ele queria que eu fosse pra Campo Grande, pra loja, eu falei: “Jassa, eu não consigo ficar longe da minha família”. Eu era muito família, então tipo uma vez por mês eu ia pra casa dos meus pais. Um dia eu estava na loja, à noite, que eu trabalhava das duas às dez e aí apareceu lá na loja um rapaz, conversando com o vendedor, ele falou: “Eu trabalho na loja lá no calçadão, tal, você não sabe de algum estilista, porque o estilista da loja saiu e a gente está precisando de estilista”. Aí o vendedor falou: “Olha, aqui a gente tem estilista e a loja vai mudar, vai voltar pra Campo Grande e ele não quer ir pra lá. De repente...”. Aí ele falou pra mim, meu patrão deu o maior apoio e falou: “Se você não quer ir pra Campo Grande, então vai lá, que é uma oportunidade”. Aí eu fui, era a Casa Real, conversei com o gerente, ‘seu’ Artur, tudo e ‘seu’ Artur falou: “Não, você pode começar semana que vem”. Só que daí eu falei: “Ah, mas eu tenho que ver com meu patrão até quando ele vai precisar de mim” e ele falou: “Não, tudo bem”. Aí eu fui, conversei com o Jassa e o Jassa falou: “Não, fica mais essa semana, que a semana que vem você pode ir, não tem problema, eu faço o acerto, tudo”. Era uma pessoa super do bem. Aí, eu fui pra Real e fiquei, assim, uns oito anos, mais ou menos. Foi quando eu saí e vim trabalhar com confecção. Então, foi assim: uma trajetória bem picadinha, bem complicada e que precisou de muita determinação porque, em alguns momentos, claro que eu tinha vontade de deixar tudo e voltar, mas a minha força de vontade de atingir o meu objetivo maior que era ser estilista, realmente e crescer nessa profissão, acabou falando mais alto, então... por isso que eu não desisti, em vários momentos.
P1 – Gente, já passou muito perrengue! (risos) Como chamava essa loja, a primeira que você trabalhou? Só pra eu anotar.
R1 – Olha, a primeira loja que eu trabalhei foi a confecção que o Lelo me arrumou, chamava Sonia Darc Criações. Era uma confecção, mas era um rolo, pensa num rolo total. Então, a primeira foi a Sonia Darc Criações. Aí a segunda loja, já foi uma loja de tecidos, aí em Fernandópolis, foi a Midi Modas, que era uma loja boutique, linda a loja, linda. Aí, depois da Midi Modas, eu tive uma proposta mirabolante, de um cara, assim... sabe aquela proposta que todo estilista quer, que chega aquela hora que você vai pra tal lugar, na época que você está totalmente, assim, deslumbrado com a profissão? Aí esse cara me fez uma proposta pra trabalhar com ele, que ele era isso, era aquilo, era aquilo, era aquilo. Um rolo. Chamava NP Tecidos Finos. Isso era a sala da casa dele e ele ia muito pra loja não sei onde, não sei onde, não sei onde e olha, eu pedi as contas da Midi e vim trabalhar com esse cara. Meu Deus! Foi um BO. Na realidade, ele era representante e vivia viajando e ficava só a esposa, com as crianças. E esse Tecidos era na frente da sala, mas não tinha cliente, não tinha nada. Acabou que eu fiquei sendo babá do filho dele. Era um rolo! Aí, num fim de ano, foi bem no fim do ano, ele fechou, me deu férias e falou: “Depois, em janeiro você volta e a gente...”. Quando eu voltei ele tinha mudado, fechou, sumiu, não tive mais notícia.
P1 – Meu Deus!
R1 – Foi quando eu fiquei desempregado. Aí foi nesse tempo que abriu essa loja em Santa Fé do Sul, a Ribeiro Center. Aí eu fui trabalhar pra Ribeiro Center, lá em Santa Fé do Sul. Aí, de lá eu já vim pra São José do Rio Preto, trabalhei na Maison Josephine, que foi essa lojinha da Brigadeiro Faria Lima. Aí, da Maison Josephine eu trabalhei pra New Tex Tecidos, no shopping, com o Jassa e aí, da New Tex Tecidos, eu fui pra Casa Real. Nesse meio tempo, eu não sei qual, foi entre a Sonia Darc Criações, que foi a primeira empresa e a Midi, eu trabalhei aqui em Catanduva, numa loja também, que chamava Novidade Center. Uma loja grande, bonita também. Só que era uma loja gigantesca, tinha duas lojas, tudo e eu vim, eu nem conhecia São José do Rio Preto, eu não sabia o que era, aí eu vim trabalhar, morava com uma tia aqui em Rio Preto, pegava um ônibus cinco da manhã, ia pra Catanduva, trabalhava, saía de lá, pegava um ônibus que trazia o pessoal pra fazer faculdade de advocacia, ia com eles, descia na Andaló e ia pra minha tia. Trabalhei uns oito meses nessa loja, porque eles também estavam, já, com problema financeiro, mas nem foi isso, foi a questão de eu não me adaptar mesmo, porque eu tive que me deslocar muito e ficava meio que inviável o financeiro também. Então, não deu. Então, trabalhei nessa loja também, nesse meio tempo aí que eu tinha me esquecido, mas que foi um perrengue total. E aí, depois da Casa Real, eu passei pro meio de confecção, trabalhei com vários, trabalhei com confecções aqui que trabalhavam pra São Paulo, pra Maringá, pra Londrina, pra Cianorte, pra Belo Horizonte. Então, aí eu ia pra todos esses lugares com as confecções, foi quando eu comecei ativo, assim, abrir o leque mesmo, de conhecer mais as coisas, quando eu conheci São Paulo; Maringá, que é polo também; Cianorte, na parte de jeans e aí eu já comecei também a ter mais conhecimento com o pessoal da agência de moda e me interessar mais por algumas outras questões, viajar, conhecer lugares. Então, foi a partir daí, mesmo, dessa época. E aí eu comecei, foi o trampolim pra eu crescer como profissional, mesmo, de conhecer várias áreas, porque a moda não te limita a um caminho. Tipo: você ser estilista e só desenhar. A moda te dá um direcionamento de fotografia, de beleza, de cabelo. Tudo envolve a moda. Hoje, tudo, tanto vestuário, mobiliário, decoração, tudo está ligado a moda. Então, ela te dá uma vertente muito grande e eu quis conhecer praticamente todas essas vertentes aí. O que eu pude, eu fui: na beleza, na parte de editorial, conheci o pessoal da moda. Aí teve uma confecção que eu trabalhei, que me chamou pra trabalhar, que tinha só masculino - em Auriflama - e queria desenvolver o feminino e aí eu fui, mas o cara era uma potência, é uma potência no masculino. Ele vende pro Brasil inteiro, tem várias grifes masculinas. E aí ele pediu pra eu ir criar o feminino e eu fui, mas ele estava anos-luz no masculino, muito bem financeiramente e ele não teve paciência de esperar o feminino passar pelas etapas que ele já tinha passado pelo masculino. Até, inclusive, nessa época, eu já estava em grande parceria com agências de modelos e tal e foi a época que a gente tinha acabado de descobrir a Camila Queiroz na agência. Ela tinha passado pelo concurso Pernambucanas e aí tinha o catálogo pra fotografar, dessa competição. Aí eu acabei fotografando o catálogo da confecção. Olha se ele tivesse ido à frente! A primeira pessoa que fez catálogo pra ele. Eu fotografei com a Camila Queiroz o catálogo, só que aí ele não teve, realmente, paciência e falou pra mim: “Madoon, o feminino, pra mim, não dá, é muito detalhe, é muito diferente do masculino, meu masculino já está no segmento”. Só que ele criou um desafio, falou assim: “Só que eu quero que você...”, porque quando eu produzi o catálogo, ele ficou encantado, falou: “Nossa!” Quem fazia os trabalhos, quem fotografa o dele era Kayky Brito, era uma empresa de São Paulo, então era toda essa estrutura que fazia os catálogos pra ele. Ele falou: “Eu quero que você faça um catálogo de uma grife minha masculina”. Eu falei: “Mas eu não sei trabalhar com o masculino”. Ele falou: “Não, eu vou te dar uma das marcas pra você fazer o catálogo e vamos ver como você vai se sair”. Aí eu falei: “Meu Deus, mais um desafio!” Aí corri e montei, que aí eu já tinha uma equipe montada, dos editoriais da revista, então eu tinha fotógrafo, cabeleireiro, maquiador, tinha facilidades com locações. Aí corri atrás de tudo isso, fui atrás da equipe, arrumei os modelos e fotografei o primeiro catálogo aqui num posto de gasolina indo pra Barretos, que chama O Rei do Suco, que foi da grife dele, da Kickoff. E eu fotografei com um modelo que chama José Vitor Fazio, que hoje está em São Paulo, super bem, foi pra Milão, trabalhou na Europa toda. Aí eu fiz esse catálogo com ele lá. Cara, tanto que a capa do catálogo eu peguei um ônibus que vinha vindo na rodovia e lá onde estava escrito Barretos, a gente colocou Kickoff e colocamos o modelo como se estivesse... ficou muito show. Aí, quando saiu o catálogo, que os representantes foram apresentar os catálogos, o representante falou pra ele assim: “Cara, o catálogo estourou, a coleção estourou de venda”. É uma outra mudança. Aí ele foi me dando todos os catálogos, pra eu ir fazendo. E aí eu parti pra essa parte de produção de catálogo, por um bom tempo. Aí eu já estava, como eu gosto de dizer, num pedestal profissional que hoje eu falo que você tem que ter humildade sempre, mas eu estava numa fase que o glamour havia subido muito, enfim, tal e os filhos dele faziam faculdade em São Paulo e não tomavam muito à frente, era mais ele. E ele que ditava as regras. Eu cheguei impondo as minhas regras. Mas com ele eu tinha facilidade, ele entendia. Aí o filho dele veio uma vez pra fazer o último catálogo que eu fiz e o filho dele meio que: “Não, eu quero fazer assim”. Eu falei: “Não vai funcionar” “Não, eu quero fazer assim”. Eu falei: “Olha, eu posso fazer, só que a responsabilidade toda é sua, não é minha e a minha equipe vai dar conta pra fazer o catálogo pra você. Se não rolar...”, porque ele queria trazer uns modelos de São Paulo, não sei de onde, que eu não conhecia, eu falei: “Olha, trabalhando pela agência que eu trabalho, pelos meios que eu tenho, com os modelos que eu conheço, que eu trago de São Paulo também, mas que eu tenho uma renderização pela agência daqui, eu sei que eles não vão furar comigo, porque eu sei como funciona modelo, entendeu? Ele tendo uma oportunidade de um outro cachê, ele larga você na mão e vai com o outro, entendeu?” E aí ele meio que quis, aí eu peguei e falei: “Eu não me responsabilizo. Se os modelos não chegarem, eu não vou interferir, só que a minha equipe vai ser toda paga, porque o dia está reservado pra isso”. Aí até teve uma história que aí o pai dele me ligou mal, pedindo pra mim: “Madoon, pelo amor de Deus, intervém no meio, vê lá com os modelos”. Eu falei: “Paulo, por você eu vou fazer isso, mas eu vou fazer esse catálogo, se tiver algum problema, a responsabilidade é de vocês”. Aí eu fiz o catálogo, os modelos vieram, eu peguei, levei pro hotel, tudo, deu certo tudo, só que aí o filho dele não me deu mais os catálogos. Aí eles arrumaram outra empresa e fizeram. Então, assim, não me arrependo também, porque tem horas que você, na profissão, tem que também se posicionar, entendeu? E o que ele estava querendo fazer no momento não era viável. Pela estrutura financeira que a gente tinha pra produzir o catálogo, o que ele estava querendo era muito além. Uma coisa é você ter um valor X pra fazer um catálogo e ter uma locação; outra coisa é você ter um valor X e querer deslocar uma equipe pra Ilhabela, pra Fortaleza, entendeu? Não funciona, porque o modelo eu tenho que pagar o cachê dele, se a gente vai pra Maceió hoje, pra fotografar no sábado, eu tenho que começar a pagar a diária dele a partir de hoje. Então, assim, nessa questão que começou a pesar e ele queria umas coisas assim e eu, sabendo como eu trabalhava com agência de modelo, eu sabia como funcionava esse mecanismo e então meio que não rolou. Aí a gente parou. Mas eu tive fases maravilhosas com o pessoal da agência, trabalhei com eles num evento que a Pernambucanas fazia, que chamava... Show Pernambucanas? É. Que tinha tido as feiras agropecuárias e a gente ia com as equipes de modelos. Então ia pra Uberaba, Santa Fé do Sul, Assis, pra tudo quanto é lugar que tinha Pernambucanas, então tinha o show do Luan Santana, aí no meio do show a gente ia com a equipe e pegava as roupas da Pernambucanas e desfilava, mas era uma loucura. Pensa tipo assim: você chega na cidade às três horas da tarde, pra separar todas as suas roupas, montar os looks, editar, fazer teste de passarela com os modelos que, geralmente, o lugar que a gente provava, eu me lembro, em Assis, nós ficamos em cima de um palco, num cubículo que não tinha três metros quadrados, pra você ter quarenta modelos pra se trocar e enquanto um estava voltando da passarela, você tinha que estar trocando o outro, então tinha várias camareiras, mas o espaço era muito pequeno, aí você tinha que pôr roupa, tirar roupa, pôr colar, brinco, anel, cílio. Era uma loucura! Mas era maravilhoso! Olha, foi uma época espetacular! Fomos pra um evento que o show era do Fernando & Sorocaba, em Votuporanga e ficamos num hotel que era abandonado, porque era posse da Pernambucanas pra gente trocar (01:03:05), mas a impressão que a gente tinha era que o hotel ia cair a qualquer momento, porque o prédio estava velho, os elevadores não funcionavam. Olha, pensa num perrengue! E aí o camarim foi dentro de uma carreta, atrás do palco, aí tinha uma ponte de madeira que ligava ao palco, pra gente subir pro palco, pra passar e dentro daquela carreta a gente trocava os modelos. Menina, era uma loucura! Mas foi uma outra experiência, assim, maravilhosa. A experiência do São Paulo Fashion Week, sabe? Então, são experiências e todo mundo vê o São Paulo Fashion Week lá, aquele desfile é maravilhoso, tudo perfeito, só que ninguém sabe que lá atrás não tem nada perfeito. Roupa não está pronta, está sendo alinhavada no corpo, não tem botão, não tem zíper, está preso. Talvez aquela roupa que era pra ser a segunda não deu certo, então acontece N problemas. Então, assim: aí você vê o que é o mundo da moda. Talvez a pessoa vê: “Ah, estilista, nossa!”, tal, mas é um mundo que te traz muita coisa boa, muito perrengue, não tem jeito, tem perrengue a todo momento. Mas é um mundo gostoso. Eu amo essa área, eu acho que hoje eu não conseguiria viver sem isso. Essa parte de produção de desfile é uma das partes que eu mais gosto na moda, de editorial, enfim, de tudo. Então, isso me trouxe muita coisa boa e muito aprendizado também. E me fez conhecer, assim, muitas pessoas maravilhosas. Tenho amigos, assim, que eu trago eternamente no meu coração e que estão, assim, em extremidades no mundo. Tenho amigos lá na China, em Paris, em Portugal, Milão, Barcelona e você está sempre em contato. Então, isso é muito prazeroso, sabe? E isso é uma sintonia que você sente assim... é muito prazeroso. Aí você vê aquele modelo que você descobriu, assim, estourando nas passarelas, sendo capa de várias revistas, de outdoor, de TV, está nas mídias e comerciais, isso também é gratificante. Então, é uma outra parte da minha profissão que me traz muita gratificação, essa parceria da agência daqui, dos meninos, que são conceituadíssimos, sempre responsáveis, sempre priorizando, assim, realmente, o bem-estar dos modelos, o melhor, o mais profissional. Então, isso me fez crescer na profissão, porque talvez você pega modelos de uma agência que não tem uma estabilidade, know how, põe pra posicionar, a modelo nem consegue, não se posiciona, porque ela não tem direcionamento. É diferente de você trabalhar com pessoas que têm posicionamento. Então, assim, eu sou extremamente grato pela minha profissão, por tudo que eu conquistei. O meu maior sonho era conhecer a Europa e eu pude realizar esse sonho há quatro anos e esse ano era novamente meu projeto de voltar e conhecer mais da Europa. Infelizmente, por toda essa situação, acabou tendo que ficar engavetado, mas acredito que, não ano que vem, talvez, mas no próximo ano eu realizo, hoje com muitos amigos lá, então eu vou poder rodar muito mais fácil, que eu não vou precisar, vamos dizer, de ter tanto hotel, né? Então, assim, vai facilitar mais, mas eu amei, assim: essa experiência de você sair fora do país, de você conhecer outra cultura, é fundamental no nosso crescimento como profissional, que você vê lá fora também que nada é perfeito, que existe imperfeição também, entendeu? Que existe dificuldade também e que existem periferias também, que existe pobreza também, que existe tudo que existe aqui. Tem gente que fala: “No Brasil, tal”, mas não é muito verdade quando você sai daqui. Uma coisa é você, claro, conhecer os Estados Unidos mas daí, tal; outra coisa é você conhecer outras partes, mas mesmo nos Estados Unidos tem o negativo também. Então, isso em toda cultura tem. Então, você tem que estar preparado pra isso, pra saber que as culturas são diferentes e que você tem que se posicionar de acordo com o lugar que você está. Isso serve pra culturas de países fora, como de trabalho. Então, em determinada empresa você tem uma postura; em determinada empresa, você tem outra, porque o segmento é outro. Então, isso eu vim trazendo comigo e eu sempre fui de ter muitos parceiros. Eu adoro essa palavra, parceria. Eu acho que isso é o que nos leva, o que nos move porque, quando você tem parceiros, você tem equilíbrio e você sozinho não é nada. Eu, como estilista, sem a minha costureira, a minha modelista, a minha roupa, eu não tenho condições de sentar, costurar, modelar, atender. Não tenho esse tempo. E também, verdade, eu não gosto de costurar. Eu costuro uma roupa minha, mas assim, quando eu a quero muito diferente, tal, mas eu gosto de direcionar. Mas eu não tenho paciência pra sentar e costurar. Eu sei fazer, eu sei mandar, eu sei direcionar, porque eu desenho e passo pra modelagem: “Não vai dar certo”. Vai. Faça que vai. Aí, acaba que dá certo. Então, assim, a minha modelista e a minha costureira brigam, falam assim: “Olha, trabalhar com você é a pior coisa da vida”, mas sai: “Trabalhar com você foi a melhor coisa, que você fez eu chegar onde eu estou. Se não fosse você falar pra mim: ‘Faça, que vai dar certo’, eu não teria feito”. Então, esses parceiros eu trago comigo pra sempre. Eu acho que isso me fez chegar onde eu cheguei. Não conquistei muita coisa? Não, mas poderia ter conquistado. Eu acho que não soube aproveitar as oportunidades, principalmente financeiras, gastei muito, então não construí bens, mas eu, ao mesmo tempo, conheci muita coisa, eu vivi muita coisa. Então, acho que esse é um dos maiores aprendizados. Eu não tenho bens, não sou rico, não tenho nada, mas eu tenho conforto. Graças a Deus moro confortavelmente bem, dentro daquilo que, pra mim, é confortável. Então, assim, pude trazer minha família depois, pra morar comigo em São José do Rio Preto, já há vinte anos que eles moram comigo e praticamente, a partir daí, eu que sempre fui o suporte da minha casa e isso, pra mim, é muito prazeroso. Tipo: eu poder dar pra minha família um pouco do melhor. Quando você perguntou lá no começo se eu lembrava da minha casinha. Eu lembro dos móveis que a gente tinha, que a gente não tinha um sofá. Então, quando eu pude dar um sofá pra minha família, isso foi muito gratificante pra mim. Quando eu pude dar uma TV pra minha família. Quando a gente pôde ter esses bens, que são conforto, me fez me sentir muito bem, porque lá a gente não tinha essas condições. Tipo: meu pai trabalhava muito, muito, dia e noite, dia e noite trabalhava, porém lavrador é difícil, com três filhos, é complicado. A gente nunca, nunca, dentro da minha casa, eu nunca passei necessidade de comer. Nunca. Meu pai sempre... isso a gente teve. Passei necessidade, sim, depois que eu quis sair e trabalhar fora, mas ali dentro, não. Então, essa base que eu trago comigo, de família. Isso eu falo pra qualquer pessoa, em todo lugar. Essa base que eu trago comigo, família e religião, é o meu suporte pra tudo. Não entro em atrito com religião com ninguém, eu acho que todo mundo tem a sua opção, em todos os sentidos. Eu tenho a minha base, essa minha base me mantém, me dá suporte pra que eu, cada dia, possa levantar e agradecer e falar: “Senhor, obrigado por esse dia! Vou pra luta mais um dia”, agradecer por tudo que Deus me deu, que sair de onde eu saí, conquistar o que eu conquistei, pra mim é muito. Quando eu volto lá na minha cidadezinha, que eu ainda vejo alguns amigos meus que ficaram lá, eu penso: “Meu Deus, se eu estivesse aqui, talvez, o que seria de mim e da minha família?”. Então, assim, eu sou mais ou menos isso: sou extremamente emotivo, família totalmente e, assim, um grande aventureiro. Eu amo desafio, aventura. Eu nunca falei não pra alguém, assim: “Você faz isso?” Não. Mesmo que eu não sabia, eu pegava o desafio e corria atrás. Igual: eu poderia não ter feito o catálogo masculino. No entanto, pra mim, foi uma experiência maravilhosa. Eu poderia não ter ficado em Santa Fé, porque eu passei fome, mas pra mim valeu a pena. Então, tudo, pra mim, valeu a pena. Eu acho que o ser humano é dotado de uma inteligência que você tem que saber tirar das experiências ruins, o bom. Hoje nós estamos tendo uma fase bem complicada. O mundo teve que parar, infelizmente, pro ser humano se interiorizar, tivemos que ficar presos, talvez pra gente parar um pouquinho e pensar. Isso aqui que eu estou fazendo com você está sendo uma das experiências mais difíceis pra mim. Eu já fiz muitas entrevistas com TVs, reportagens com TVs, que é diferente, que tem uma câmera ali me filmando, a jornalista me passa um briefing antes do que eu vou fazer, tal, mas hoje o maior desafio são as mídias sociais. Eu não consigo ter essa facilidade que muita gente tem. Igual, por exemplo: meu Insta eu tenho o pessoal e o meu profissional, que é @madoonmoda, que é onde eu faço minha roupa, minhas experiências profissionais. No começo da pandemia eu tinha um projeto, tal e, por falta de habilidade de mídias e também eu não consigo ficar fuçando igual você falou: “No Zoom”, mas eu: “Ai, meu Deus, tal”. Me preocupei tanto como vai ser, como é isso e tal. Eu não sei, mas também eu não tenho a curiosidade pra ficar fuçando pra ir aprendendo, entendeu? Igual: eu tenho celular e eu não sei quais as capacidades que esse celular pode me oferecer. Te juro. Isso, pra mim, é muito ruim. Então, a minha mídia social, a minha página lá que eu gostaria que tivesse muito mais seguidores, não tem, mas eu não tenho essa coisa de ficar postando na hora certa que tem que postar, fazendo não sei o que, um monte de story e uma que eu não sei e aí eu não tenho muito essa coisa, porque quando eu estou aqui em casa, eu não paro, eu não fico mexendo com isso. Eu quero mais cuidar das minhas orquídeas, que eu tenho orquidário, as minhas cachorras, podar as minhas plantas, olhar minha grama. Então, eu ocupo mais meu tempo com isso, do que isso. Então, assim: o dia que eu fiz essa live com a minha amiga lá de Portugal, meu Deus! Uma coisa eu fazia as minhas lives na minha página; outra coisa é você estar falando com uma pessoa do outro lado, te perguntando. Foi assim, mas foi supertranquilo. E hoje aqui com você. Então, está sendo uma outra experiência. E que, com certeza, isso vai me trazer grandes frutos como aprendizado. Então, eu tento absorver tudo o que vem pra mim, tirar a essência e aproveitar.
P2 – Deixa eu te fazer uma pergunta, então: pelo que você contou pra gente desde lá o começo da sua carreira, você aprendeu muito por conta própria, junto com os outros, né? Então, assim, você é autodidata, depois você fez curso? Como é que você foi moldando o seu conhecimento? Porque você fala que você era um menino que colhia tomate, mas você tem um bom gosto tão grande, você é tão refinado, como você foi moldando essas coisas, Madoon?
R1 - Olha, eu sempre fui autodidata mesmo. Quando chegou essa fase dos editoriais, eu já tinha um conhecimento aqui em São José do Rio Preto, bem grande, assim e foi numa época que chegou aqui um curso no Senac, um curso técnico de dois anos e eu já tinha parceria com a agência de modelos e talvez eu chegava em algumas empresas em São Paulo e perguntava assim: “Mas você tem curso?” “Não, sou autodidata”. E o olhar sempre era meio que assim, né?
P2 – Verdade.
R1 – Aqui eu tive uma oportunidade, que foi no dia do meu aniversário, dia 31 de julho, uma amiga minha que era coordenadora do Senac daqui de São José do Rio Preto me falou assim: “Madoon, vai ter um curso de Moda no Senac, técnico, de dois anos, que é uma formação gradual e te dá um curso técnico superior”. Eu falei: “Nossa!” E ela falou assim: “E eu vou te dar uma bolsa 100%”. Eu falei: “Nossa!” E ela me deu essa bolsa. E começamos o curso, com 36 pessoas, aí foi perdendo, perdendo. Enfim, quando eu terminei o curso, eu fiz, eu lembro certinho: você tinha que apresentar uma coleção, aqui em São José do Rio Preto teve um evento que ia ser Rio Preto Fashion Week, teve só uma edição, que acabou. Aqui em Rio Preto são muitas pessoas muito limitadas, eles não têm visão de moda e eu acho que eles não se dão a mão, não se unem. É um polo industrial têxtil muito grande, mas eles não se unem. Então, infelizmente, é cada um por si. E aí tinha que ter um tema e eu sempre... aí eu peguei meu nome e fiquei lá: “Como eu vou fazer meu nome profissional? Eu quero um nome forte. Aí peguei meu Maldonado e fiquei, fiquei, fiquei. Aí, eu era apaixonado pela Madonna. Aí fui, fui, fui, abreviei Madoon. Eram dois os e um n. Aí não gostei. Aí, eu vendo a Madonna, tinha dois ns. Falei: “Não, eu vou colocar Madonn, um o e dois ns”. Então, foi tirado do meu sobrenome e pela Madonna, que eu sempre podia estar num baixo astral tremendo, eu ouvia a Madonna, pronto, mudava.
P2 - E é uma grande referência de moda, a Madonna, né?
R1 – É e ela traz isso muito firme, entendeu? Ela é posicionada, muito firme. Então, e outra: é uma pessoa de personalidade firme. Eu acho que eu sempre me espelho, me aproximo muito das pessoas assim de personalidade forte, porque eu sou bem difícil de lidar. As pessoas que trabalham comigo sempre falam que é muito complicado trabalhar comigo. Eu sou muito perfeccionista, sou muito ágil no que eu faço, mas isso é de natureza. Eu, pra fazer um desenho pra cliente, levo menos que um minuto. Muito menos. São segundos. Então, assim, eu não consigo ficar enrolando. Aí eu fiz, foi aquela coisa: eu tive que ter um tema, referência, pra fazer o desfile, que ia ser apresentado nesse espaço. Aí eu falei: “Meu Deus, vou fazer a Madonna da década de oitenta”. Peguei a Madonna da década de oitenta, com as polainas, tudo, mas eu não queria aquela coisa daquele busto de Paul Gaultier. Eu queria uma Madonna com as polainas, mas uma Madonna mais livre. Até tenho o cartaz que eu fiz, que era de inspiração. Espetacular ficou o cartaz, até tenho guardado. Até ontem eu estava vendo. Até tem um tema bem forte lá no cartaz, que eu não me lembro agora: “Ninguém é totalmente...”, eu não me lembro agora. Teria que ver. E aí eu peguei essa Madonna que está naquela foto e trabalhei todos os meus looks. Olha, nem eu acreditava quando isso ficou pronto. Aí eu já tinha acesso a agência de modelos, então eu requisitei as melhores modelos pra mim, as que tinham o meu perfil. Criei uma maquiagem única e aí eu fiz uma Madonna no desfile. Olha, ficou espetacular! É uma coisa que me acrescentou muito. E aí eu fiz muitos acessórios artesanais. Eu que montei todos os brincos, os colares, as polainas, aqui eu criei umas pescoceiras de pelúcia. Teve uma referência muito legal. A maquiagem eu fiz, os cabelos todos, eu peguei meninas todas de cabelo comprido e fiz um rabo de cavalo moicano. Então, assim, meu professor, na época, meu docente, ficou encantado e aí ele me deu super apoio. E aí eu apresentei esse desfile que, também, assim, dentro do ramo das confecções, me levou muito também, porque as pessoas falaram: “Poxa, esse cara é louco. Ele fez isso aí de malha, desse jeito, com essa forma, feito na alfaiataria, na malharia e essas polainas e essas coisas. Então, aí eu fiz esse curso técnico do Senac meio que pra mostrar pras pessoas, quando pediam: “Você tem curso superior?” “Tenho, aqui”. Mas esse curso superior te trouxe o quê? Verdadeiramente? É um ótimo curso do Sebrae, é uma excelente entidade, porém, por ser um curso primário, não tinha muito uma grade muito interessante. Então, a gente ficava meio perdido no curso, porque não tinha uma grade que dava pra seguir uma sequência, uma apostila completa. Os docentes eram, geralmente, um ou dois. Então, acabou que o curso terminou com seis alunos, enfim, mas foi muito bom e foi outra experiência maravilhosa. Eu entrei dentro de uma ‘instituidade’ de peso daqui de São José do Rio Preto, que é o Sebrae, tinha saído dessa parceria que eu sempre fiz com o Sesi, aqui, nos desfiles que eu apresentava. Uma época eu fiz um desfile que foi O Fantasma da Ópera. E fiz uma coisa de vestido jeans, bordado com cristais Swarovski. Então, assim, foi uma loucura, euforia na época e ficou muito legal. Então, assim, eu passei por esses mecanismos, mas eu sempre fui muito didático, mesmo, de descobrir as coisas meio que sozinho. Tingimento, tinha as técnicas... hoje você tem o Google, tal, mas eu fazia tingimentos na época pras confecções, os tie dyes, imagina, não tinha técnica nenhuma! A confecção perguntava se eu fazia, eu falava: “Sim” e fazia. E deu certo. Eu não sei se foi uma questão de Deus, de fazer dar certo, mas deu tudo certo. Mas aí, depois, eu senti essa necessidade de ter esse curso, fiz esse curso no Sebrae, que me ajudou muito também e pude apresentar essa coleção que eu trago pra mim, guardado como algo muito importante.
P2 – Ô, Madoon, me fala uma coisa: você falou muito das duas casas que você se inspira, a Dior e a Chanel, né? Agora, assim, dessas personalidades do cinema, da televisão, do jet set, você falou que gosta muito dos castelos, da família real, quem você tem como fonte de inspiração, assim? Dessas minisséries que você falou que gosta de assistir.
R1 – Olha, uma das fontes de inspiração, uma série que eu mais gosto é Elizabeth. Então, assim, assisti Reign também, que depois tem a Elizabeth lá, mas bem no começo ali da França, com a briga com a Inglaterra. Então, foi uma série que eu amei. E depois Elizabeth. Então, são essas séries. Uma personalidade, hoje, mundial, eu não tenho. Verdadeiramente não tenho. Se fosse pra eu buscar alguma fonte, eu ainda buscaria na Madonna que, por ela ser, vamos dizer assim: quebrar tabus em várias situações. Então, eu ainda me inspiraria nela. Eu, por incrível que pareça, como eu estava falando pra Ana, não sou muito ligado às mídias, eu amo ouvir música, porém eu ouço as minhas músicas lá de trás. Eu não sei, hoje, qual é a cantora que está em evidência, essas coisas. Eu não sou muito ligado nessa mídia mediatista. Então, assim, eu admiro, uma das personalidades que eu mais admiro, que eu trago, que tem uma essência muito grande, é a princesa Diana. Então, assim, que ela acaba também trazendo toda essa referência de personalidade forte e tem a ligação com os castelos, com tudo isso. Então, eu acho que, assim, a Kate hoje, então seria, vamos dizer, a Kate. Eu a admiro muito. Como postura, com tudo. A rainha é linda, mesmo com a idade que ela tem, é uma figura que eu tenho inspiração, porque ela está aberta sempre ao novo. Jamais alguém na idade dela usaria as cores que ela usa! Por que não? Ela usa, ela carrega super bem. Então, é aquilo que eu falo: você, na moda, não tem que seguir o que a tendência te dita. Você tem que ter o estilo seu.
P2 – Até de máscara ela é elegante, né?
R1 – De qualquer forma. Então, assim, você vê que a pessoa tem uma postura que te passa segurança. É o que eu sempre falo pra todo mundo que eu trabalho: quando você está com alguém, você nunca pode deixar que aquela pessoa perceba que você está inseguro. Você tem que mostrar segurança do que você está falando. Eu sempre falo pros estilistas que eu tenho contato, que são iniciantes, assim... sempre falava muito pro Kadu: “Kadu, você nunca pode passar insegurança pra cliente. Por mais que você não conheça, não sabe, pra cliente você passa segurança, porque ela só vai confiar a partir do momento que você passar a segurança. Se você falar pra ela: ‘Eu acho, talvez’, pronto, você já deu a chance dela achar que não vai dar certo. Porém, você, como profissional, tem que passar pra ela: ‘Sim, vai ficar bom, vai dar certo, vai ficar ótimo’. Claro que dentro do contexto que você conheça que, pro biotipo dela, vai dar certo, né? Então, você tem que ter esse conhecimento, que é a prática e a teoria”. Mas eu acho que hoje a gente vive numa fase que está tudo muito rápido e muito complicado. E ainda as pessoas ficam muito presas no que a tendência dita. Hoje a tendência não dita mais regras. A tendência é sua, é você que escolhe o seu estilo, você é livre pra escolher. Todas as grifes, hoje, estão trazendo essa liberdade. Eu gosto muito de ver a Glória Kalil, porque ela é espetacular. Ela passou, aí, por todas essas fases e tudo e hoje ela fala de uma forma totalmente usada hoje. Então, é muito interessante ouvi-la falar. A Constanza Pascolato é outra fonte de inspiração pra gente seguir. Você vê ali aquela mulher que tem lá as raízes numa empresa têxtil, passou por todos esses segmentos, hoje ela está ali, lado a lado, com as grandes blogueiras do mundo e nem por isso ela perdeu o seu lugar. Ela, Glória Kalil, então são personalidades que eu admiro que, assim, ao passar dos anos e essa febre que a gente tem hoje, das digital influencers, das blogueiras, que é muito mediatista, ao meu ver, assim, eu admiro algumas poucas, como a Thássia, é uma das que eu admiro. Então, algumas, assim. Mas que elas conseguem manter aquela essência, ainda. Então, eu admiro muito as duas, a Cláudia Maranhão eu acho que fala muito bem, faz muito bem, que traz ali uma grande realidade pra gente, do que está acontecendo ali atrás das grandes grifes, daqueles grandes acontecimentos, mas que você pode absorver aquele estilo dentro da sua personalidade. E não... é muito mais complicado você pegar algo que você não se identifica e usar. Você não vai estar livre, não vai se sentir bem no lugar. Você vai chegar no lugar e você não vai saber se posicionar, aquilo vai te incomodar, te engessar, te prender. Então, é muito mais fácil você estar com algo que você se sinta confortável e que aquilo te traz liberdade, do que você usar algo que alguém falou pra você que você teria que usar, entendeu? Não faz sentido. Igual hoje: a liberdade das plus e das curvys que agora tem. Antes a gente só tinha as plus, agora tem as curvys, que são referências de tamanhos aí no mercado e estão fazendo um grande sucesso, se vestem super bem, têm liberdade, usam o que gostam. Então, assim, acho que isso é você estar bem com a moda. A moda não está, hoje, mais, pra te ditar regras. Ela está ali pra te dar referências do que você vai se sentir bem, dentro de tudo isso. Eu, mais ou menos, sempre falo isso, pra todas as minhas clientes: “Eu vou comprar uma roupa”, aí ela: “O que você acha?” Eu falo: “Você gostou? O que você achou? Você está se sentindo bem? Você quer que ajuste mais? Você quer que solte mais? O que você prefere?” “Não, mas se eu ajustar mais, não vai ficar...” “Você vai ficar o que você prefere ficar. Qual é o seu estilo? Você gosta mais solto, mais justo? É isso que te vai fazer bem. Não é eu ajustar, porque eu acho que tem que ajustar”. Então, eu sempre deixo a minha cliente livre pra escolher o que ela vai usar. Claro que tudo tem uma lógica e você tem que ter uma regra. Não adianta você também pegar algo que não tem nada a ver com o biotipo da pessoa e também nem com a personalidade, porque você, como profissional da moda, tem que entender de biotipo, estilo e personalidade. Isso vai fazer você ser um bom profissional. Se a personalidade da pessoa e o estilo dela não vai ficar bem com aquilo, não tem por que você colocar. Não dá certo. Ela vai usar e simplesmente ela nunca mais vai te procurar, porque ela não se sentiu bem, à vontade. Então, acho que você tem que trabalhar os pontos de referência da moda, o que a moda te dá de teoria e o que você tem de prática e colocar pra cliente ali: “Você pode transitar dentro desse universo assim, assim”. Eu tenho cliente que compra roupa aqui, casual e ainda me manda uma mensagem assim... põe lá o sapatinho, a calça e a blusa e tal: “Eu posso usar esse sapato dessa cor com essa calça e essa blusa?” Aí eu falo: “Claro que pode!” “Você já falou pra mim que pode, mas eu fico tão insegura!” Eu falo: “Você pode usar tranquilamente, não tem problema nenhum, desde que você esteja se sentindo bem e te faz se sentir confortável, pode usar”. Porque ela usava sempre assim: a calça bege com a blusa beginha, o sapato marronzinho ou pretinho e a bolsa tinha que ser da cor do sapato, pretinho. Aí eu comecei a desmistificar e falei: “Não, você pode brincar. Usa cinto de outra cor, bolsa de outra cor. Brinca com as cores da blusa”. Ela não usava estampa, jamais. Hoje - eu amo estampa - ela usa as minhas blusas, assim, super estampadas e ela fala que se sente super bem. Então, eu acho que isso é o fundamental: é você fazer a pessoa se sentir à vontade com o que ela está usando. Eu jamais gostaria que alguém ditasse pra mim o que eu tenho que usar ou não.
P1 – Madoon, nossa, que fantástica a sua trajetória, sabe? E, assim, quando é que começou a sua empresa e quais estão sendo os desafios da pandemia com a sua empresa, sua marca, né?
R1 – Olha, eu comecei minha marca em paralelo com uma confecção que eu trabalhava, que eu me identifiquei muito, que é a Via Vest e ela tinha uma roupa totalmente no meu segmento. Aí ela acabou - tanto que eu passei de estilista a ser gerente, coordenador, tudo. Eu que fazia compra, pagava funcionário, fazia tudo dentro da empresa – que encerrou a parte de confecção, ficou mantendo só uma loja, que era no Redentor, no bairro Redentor, aqui em Rio Preto. Aí ficou complicado, eu produzia algumas peças pra ela. Aí ela pegou e me chamou: “Madoon, vamos fazer o seguinte: você vem pra dentro da loja” – que era uma casa enorme – “e você confecciona aqui, a gente vende na loja e te paga e você só me paga o aluguel da sala, que é valor irrisório e aqui você tem o seu espaço pra atender cliente”, porque como eu moro em chácara, então eu não tenho espaço físico em São José do Rio Preto, ficou complicado. E aí eu fui, fiquei um bom tempo lá com ela, nesse segmento e aí eu sempre fui da história de manter parceria. Aí eu fiz vínculos (01:36:14) com grandes repórteres apresentadoras de TV daqui de Rio Preto, tal. Eu as vestia no jornal, elas me davam crédito e, enfim, fiz isso com várias jornalistas daqui. E aí ela ficou lá até uns cinco anos atrás, mais ou menos. Aí ela resolveu, realmente, não continuar mais, mas aí eu já tinha a minha marca, fazia pra algumas clientes, mas muito pouco. E, assim, hoje, com a pandemia, a minha situação piorou muito mais, porque aí eu tinha lá o espaço dela e, como ela encerrou, eu fiquei sem espaço. Aí minha irmã morava numa casa maior e me cedeu a sala da frente dela, pra que eu atendesse minhas clientes. E eu não faço roupa em escala P, M e G. Eu faço peças únicas. Então, assim, eu não trabalho com grade. Aí eu fiquei na sala da minha irmã por um tempo, atendendo as minhas clientes, só que as minhas clientes são poucas, mesmo, eu não tenho uma cartela grande de cliente ainda, porque a minha roupa não veste modinha, mesmo. Então, ela tem que ser uma cliente específica, pra usar. E aí eu fiquei lá na casa da minha irmã até... aí o financeiro ficou muito difícil, eu não conseguia me reequilibrar só com a venda das minhas roupas, foi quando apareceu essa oportunidade pra voltar pra Real. Eu voltei pra Real com salário fixo e aí continuei, só que aí, nesse intervalo da pandemia, a minha irmã, a chácara que eu moro é dela, ela que construiu e aí ela construiu uma outra casa no fundo agora e mudou pra cá também. Então, eu fiquei também sem esse espaço da sala lá, que eu provava as roupas, tinha um espaço pra minha cliente provar. E aí ficou mais complicado. Aí, aqui, onde eu moro, é distante, estrada de terra, não tem como, é inviável a cliente... então aí eu tinha todo um projeto de alugar um espaçozinho pequenininho, montar um ateliê simplesinho e tal, pra começar também tentar trabalhar mais o meu nome, a minha marca, tentar divulgar mais as minhas redes sociais, que eu não consigo, talvez tentar... e é difícil também vender na minha rede social, porque minha roupa é específica, não tem grade, não tem tamanho. Não tem como eu pôr a blusa lá P, M e G. É uma peça única. Então, é difícil. Então, ficou muito complicado. Então, assim, hoje eu não consigo sobreviver só das minhas vendas e está muito difícil também, porque o salário da loja é muito complicado, entendeu? Então, assim, com a pandemia ficou mais difícil, porque eu não tenho como atender as minhas clientes também, porque eu tenho um trabalho, uma sacola personalizada, então eu faço as roupas tipo pra aquela cliente, imaginar: “A Simone gosta dessa peça, essa e essa. Eu levo a sacola e deixo pra ela”. Mas a maioria das minhas clientes gostam de provar a roupa na minha frente. Então, aí era onde eu conseguia efetuar mais venda, porque: “Fiz essa blusa pra você, essa calça e tal”, aí ela provava e gostava. Se eu coloco na sacola e levo e deixo, ela não confia em provar e olhar no espelho, porque as minhas clientes confiam no que eu falo pra elas: “Não, ficou bom, pode ou não, vamos ajustar um pouquinho”. Então, assim, é muito complicado, porque as minhas poucas clientes são muito... assim, confiam no que eu acho que está legal. Então, com a questão da pandemia, realmente está bem difícil. Aí eu estou fazendo alguma coisa. Eu montei minha sala de jantar aqui, pus a minha mesa de corte, improvisei um espaço pra montar minhas modelagens e meus tecidos, eu montei um armário aqui e outro ali, pra pôr os tecidos dentro e estou me virando aqui e, assim, acaba que, ainda, graças a Deus, a casa é bem grande, então eu tenho espaço. Mas não pra provar, entendeu? Aí eu corto e levo tudo pra, no caso, as clientes provarem. Mas está complicado. Com a situação da pandemia, pra mim, na minha questão, com a minha roupa e com a minha marca, ficou bem mais complicado. Então, não estou sabendo, ainda, lidar com essa situação, porque eu não consigo ter mecanismo de trabalhar com as minhas aqui, nas mídias, entendeu? Ainda não consegui ter essa vertente.
P1 – Vamos seguindo aí na luta, né? (risos) Mas só te perguntar - a entrevista está muito completa, a gente está gostando muito – que, no final, a gente gosta de estar perguntando é: qual é sua expectativa do futuro, qual é um sonho que você ainda quer realizar? Você já realizou vários: andou de avião, conseguiu se tornar estilista, como você tanto sonhava. E quais são as suas expectativas daqui pra frente?
R1 – Olha, eu prefiro pensar positivo. Eu acho que essa situação que a gente está passando está muito difícil, não é uma situação isolada, é uma situação global. Então, o mundo teve que passar por essa situação difícil. Eu acredito que, assim, nada é muito imediatista. Não adianta achar que existe um milagre, que esse fim de ano vamos dizer que todos nós estamos vacinados aqui no Brasil, que eu acho impossível, mas pode ser que sim, não sei. Tá, mas que a partir daí, o ano que vem tudo volta ao normal. Não. Hoje em dia eu acredito que existe um novo normal. Então, as pessoas vão ter que se readaptar com esse novo normal que, sinceramente, eu ainda não sei como vai ser. Eu prefiro pensar que as coisas vão começar a caminhar novamente. Meu sonho é, assim, meu primeiro sonho, é ter um espaçozinho pra eu atender minhas clientes, começar a trabalhar mais com a minha marca, com a minha roupa. Realmente dar ênfase a esse meu trabalho individual, não ter vínculo com empresa, trabalhar e viver do meu trabalho, da minha roupa, da minha cliente, das minhas vendas. Então, esse é o meu primeiro sonho. E, assim, quero viajar mais, eu amo viajar. E eu acho que a gente só tem a ganhar a partir de agora porque, se o ser humano não aprender com tudo isso, infelizmente, quem não aprender, depois que tudo isso passar, vai ser mais complicado pras pessoas que não aprenderam alguma coisa com tudo isso, porque não é por acaso que tudo isso aconteceu dessa forma. Então, assim, a gente tem que tentar, por mais difícil que seja, aprender alguma coisa com isso e dar sequência na vida após isso. Muita gente perdeu muita gente. Isso é uma das piores coisas que aconteceu nesse momento. Graças a Deus, até agora Deus tem me honrado e eu não tive nenhuma perda na família, nem complicações. Tive perdas de amigos, mas, assim, é muito complicado. Então, eu acho que, a partir de agora, nesse recomeço, todo mundo tem que tentar se dar as mãos. Eu acho que o mais importante que as pessoas teriam que fazer, é o essencial, era todos os profissionais tentarem se dar as mãos, ser parceiros em todas as situações, pra tentar o mais rápido possível sair dessa situação, porque junto é mais fácil. Isolado é mais difícil. Então, eu acho que, assim, esse é o meu pensamento pro futuro. Meu projeto inicial pós-pandemia é adquirir esse espaço dentro das minhas limitações e dar sequência na minha vida, assim. E sempre ter mais parceiros, conhecimento de pessoas, sempre conhecer mais pessoas, eu acho que isso faz parte.
P1 – Madoon, obrigada, valeu muito! Eu acho, assim, fantástico, muito bom poder conversar com você, as suas expectativas. A gente também tem uma outra última pergunta, que a Cláudia estava me relembrando, é: o que você achou dessa experiência – a gente gosta muito de perguntar isso pra todo mundo – de estar sendo entrevistado pelo Museu da Pessoa? O que você achou de estar participando do Memórias do Comércio?
R1 – Olha, eu achei ótimo, uma experiência fantástica e eu acho que esse projeto - como você havia dito lá na época que você foi até a loja - é muito bom: é você mostrar as origens, o caminhar de tudo isso. Então, eu acho isso fundamental e, assim, isso só tem a agregar. Eu gostei muito, foi um prazer, eu me senti extremamente honrado em fazer parte desse projeto, em estar falando aqui com vocês. Só tenho a agradecer. Sinceramente, gratidão, gratidão mesmo e, assim, eu gostaria muito que esse projeto crescesse, expandisse, abrangesse muito mais profissionais também, porque eu acho que atrás de cada profissional existe uma história e essa história é fundamental pra todo um projeto, pra toda uma transcendência de história. Então, assim, é aquela grande história: “Atrás de um profissional existe uma pessoa e essa pessoa tem uma história”. Eu achei interessantíssimo a forma da entrevista de vocês. Eu estava tenso de como seria e eu achei muito interessante essa projeção de vocês buscarem a história, me trouxe lembranças. Eu achei isso muito interessante e diferente. Então, eu gostei bastante, valeu super a pena e, com certeza, estarei sempre à disposição pra o que for preciso.
P2 – Maravilha!
P1 – Nossa! A gente agradece demais, foi muito bom. Assim, agora, o que vai acontecer? Eu vou entrar em contato de novo, vai um pesquisador nosso, do Museu, pegar algumas fotos suas, alguns elementos que você considere importantes estar acrescentando no acervo. Pode ser foto, documento, o cartaz que você falou, que eu não vi, mas eu queria ver. (risos) Um desenho, uma foto, enfim. Aí, ele vai fazer uma seleção disso, pra tirar, mas te devolve depois, pra gente estar acrescentando ao nosso acervo. Por enquanto a gente vai estar acrescentando no site, que é o Museu da Pessoa digital, você pode até acessar, conhecer um pouco e depois, posteriormente, a gente quer criar um livro que, se der tudo certo com a pandemia, a gente vai conseguir fazer até o ano que vem. Tá bom? Agradeço demais, demais mesmo, aprendi muito com você e eu acho que o principal desse trabalho é isso, tá? Tem mais alguma coisa pra perguntar, Cláudia?
P2 – Não, pra perguntar, não. Quero agradecer ao Madoon, maravilhoso, foi encantador, uma tarde deliciosa te ouvir. Eu vou só pedir pro Caio desligar, pra gente fazer esses combinados finais. Obrigada, Caio!