Dona Leomira, sétima de nove irmãos, nasceu - e mora até hoje - no interior de São Paulo, na cidade de Itapetininga. Por toda a vida, procurou seguir a luz divina e viver na fé. Enfrentou obstáculos para chegar a se formar professora - em seu tempo, a mulher estudante não era bem aceita. Mas sempre procurou ir adiante, iluminada, apoiada, guiada por uma força superior; sua vida foi um misto de fé e gratidão. Passou esse legado de acreditar e agradecer para os filhos. Tem filha com os enfermos, tem filho na Liturgia, tem filho na Eucaristia. Mas, enfim, sempre foi de ir em frente, emendava uma faculdade com a outra, um curso com outro. Tem histórias na Educação que se confundem com solidariedade e assistência social. Mas a história mais bonita foi o casamento, feliz e duradouro. Agora, tem um sonho: beijar a mão e abraçar o Papa.
Leomira: uma história de realizações e de fé
História de Leomira de Camargo Nunes
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 22/05/2019 por Carolina Margiotte Grohmann
Projeto Conte Sua História
Depoimento de Leomira de Camargo Nunes
Entrevistada por Carolina Margiotte e Monalisa dos Santos
São Paulo, 28/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH _ HV 734 _ Leomira de Camargo Nunes
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Dona Leomira, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Muito obrigada por ter vindo aqui. É um prazer recebê-la.
R – Eu que agradeço o convite e é um prazer estar aqui conversando com vocês.
P/1 – E para começar, eu queria que a senhora dissesse o seu nome completo.
R – Leomira de Camargo Nunes, nascida em Guareí, morando em Itapetininga, nasci em 7 de novembro de 1942.
P/1 – E dona Leomira, a senhora sabe por que os seus pais lhe deram esse nome?
R – Olha, a minha mãe disse que eles encontraram na Bíblia, ou no Novo Testamento. Mas eu procurei lá e não achei. E procurei meu nome também na internet e não encontrei. Tem um amigo que está me ajudando a procurar e tal… Mas lá em Itapetininga só eu é que me chamo Leomira, não tem nenhuma outra mais. Aconteceu isso, aconteceu aquilo, sou eu mesmo (risos). Não tem mais, só eu mesmo.
P/1 – E os seus pais contavam histórias do dia do nascimento da senhora? Como foi?
R – O nascimento? Ah, sim, tem uma curiosidade do meu nascimento: que eu nasci num domingo, às sete e meia da manhã, no dia 7 de novembro de 1942. Nesse mesmo momento em que eu estava nascendo - eu descobri porque leio bastante - enfim, eu descobri, no livro de Anne Frank, que a Anne Frank estava lá no portão, com os pais e a irmã dela - Bárbara - e ela estava escrevendo o diário dela. Na mesma hora em que eu estava nascendo, a Anne Frank estava escrevendo o diário dela - 07 de novembro de 1942. Está lá o livro, aberto nesta página. E a história dela é muito assim... Comovente. Porque os pais não gostavam muito dela e era mais a Bárbara, irmã dela. Então, tudo que era da Anne Frank primeiro tinha que passar para a Bárbara. E ela foi uma jovem que sofreu muito, devido eles estarem lá escondidos no porão, e tal. Essa é a curiosidade do meu nascimento. Eu sou uma pessoa muito independente; minha mãe falava que quando eu nasci, foi só cortar o umbigo e eu saí correndo. E até agora eu sou independente. Eu não gosto assim, que mandem em mim. Eu sou muito assim de seguir a luz divina, de seguir o propósito de Deus. Tudo o que eu estou fazendo nessa hora aqui é por acaso. Esta hora aqui está sendo uma hora abençoada, estou tendo a oportunidade de contar a minha história e não é por acaso, é uma Providência conhecer vocês, pessoas excelentes, que lidam com cultura, educação, são pessoas assim maravilhosas. Eu conheço.
P/1 – A gente agradece muito pela senhora estar aqui hoje. E para seguir nossas perguntas, dona Leomira, eu queria saber quais os nomes dos seus pais.
R – O meu pai, Hermelino Pinto da Silveira; a minha mãe é Domingas Quintino de Camargo.
P/1 – E a senhora sabe a história deles?
R – A história deles, assim... Do meu pai, os meus avós paternos eram rurais, todos da roça. A minha mãe era analfabeta, nunca foi para a escola e ela já era mais assim da cidade, já era mais urbana. Aí, eu sou a sétima filha de nove irmãos. São três homens e seis mulheres. Eu sou a sétima filha. E, por coincidência, o meu nome tem sete letras, eu nasci no dia sete. Só faltou sete de julho, não é? Porque é sete, sete… É uma coincidência que eu também admiro muito, não é? Já fiz as contas. Eu sou muito agraciada por Deus, porque quando você nasce, a sua mãe lhe dá à luz, não é? Eu nasci de parteira, na cama, não tinha nada do que tem hoje - parteira - e é assim quando você nasce: “Fulano deu à luz a ciclano”. Então, a gente recebe a luz da mãe da gente, sabe? Fulano deu a luz à quem? À Leomira. O que você faz com essa luz que a sua mãe lhe deu? Aí fica uma questão, uma pergunta. Eu aproveitei maravilhosamente bem, porque me considero assim, uma pessoa iluminada. Olha, com quatorze anos eu saí da minha casa, fiz o primário na cidade e no sítio, porque a gente tinha casa na cidade, lá em Guareí, e no sítio, lá na Capela Velha. Então, um pouco eu estudei no sítio, um pouco na cidade. Até o quinto ano, que era formação para entrar na quinta série. Aí, entrei na quinta série, viajei de Guareí até Itapetininga para entrar na quinta série, fiz exame de admissão para entrar na quinta série, entrei na quinta série, porque havia duas colegas minhas que vinham também estudar em Itapetininga, e dai o pai delas tinha caminhão. Essas duas… Muito inteligentes essas duas colegas minhas, mas o pai delas tinha mais posses do que eu, então trazia as duas meninas de caminhão. E como na cabine não cabiam as três - eu, as duas filhas e o motorista - então eu vim na carroceria do caminhão, de costas assim, olhando atrás, para prestar exame de Admissão. Quando foi para fazer a matrícula, as meninas vieram de carro, mas daí a minha… Que foi minha professora do segundo ano, a dona Amélia - ela tinha uma irmã que tinha pensão - ela alugou para eu ficar na pensão da irmã dela. Aí eu fiquei para fazer a matrícula para a quinta série na Escola Estadual Peixoto Gomide, lá em Itapetininga mesmo. E, por coincidência, nessa pensão em que eu fiquei quando era criança, era adolescente, doze anos assim, treze anos, nessa mesma pensão que eu fiquei para fazer esse exame e para estudar na Escola Peixoto Gomide, lá de Itapetininga - eu moro lá há cinquenta anos, nessa mesma rua. Aí, eu estudei nessa escola e dei aula nessa mesma escola em que eu comecei, por vinte anos. Uma coincidência assim, incrível! Tudo eu fui seguindo, eu não pedia nada: “Ah, não sei o quê… Ai, meu Deus…”. Não! Eu fui seguindo o que foi aparecendo, e agradecendo, não é? Porque a gratidão, hoje em dia... Deus abençoa muito a gente, eu estou muito grata por estar aqui hoje, Nossa, gratidão imensa a Deus e a vocês. E daí eu comecei a estudar, tinha ônibus de estudante de Guareí até Itapetininga. Eu estava já com treze anos, aí viajava todo dia, são trinta e sete quilômetros, meia-hora só de viagem, pertinho. Aí, viajava de Guareí a Itapetininga, no ônibus dos estudantes. Mas, duas vezes por semana - ou três dias por semana - tinha aula de Educação Física na quadra da escola, que começava às oito. Então, a gente tinha que sair cedo lá de Guareí para vir para a aula de Educação Física. Terminava a aula dez, onze horas, o ginásio começava à uma hora. Então, tinha dia em que eu ia almoçar na casa da minha amiga, tinha dia em que um me levava para almoçar em casa e tinha dia que não, eu trazia lanche e esperava lá no banco da praça, comendo o meu lanchinho até a hora de chegar a hora do ginásio. E assim foi. Aí, eu me formei na oitava série. Já comecei a namorar o meu marido, não é? Que faleceu já. Ele trabalhava no Banespa e daí eu passei a estudar à noite, quando estava no primeiro ano do magistério. Casei-me e então eu estudava grávida, e o meu marido trabalhava. Às vezes, ele chegava antes e fazia o almoço para mim. Quando eu chegava da escola, já estava pronto o almoço. Daí, arrumamos uma pessoa para cozinhar para a gente e fomos lutando assim. Aí, nesse tempo, já que estávamos na sétima série, no segundo semestre, eu parei. Eu parei de estudar, os meus pais precisavam muito de mim, aí eu fiquei lá na minha casa. E daí os meus pais não queriam muito que eu viesse mais para Itapetininga estudar, aquelas coisas antigas, sabe? O meu irmão dando contra e, dos nove, só eu que estava… Então, era uma luta, porque estudante naquela época não tinha bom nome, naquela época lá que já faz sessenta anos. Havia uma comadre da minha mãe, que ela morava na praça de Guareí, morava em frente à praça. E o ônibus de passageiros, que trazia o pessoal para Itapetininga, parava bem em frente à casa dela. E eu contei para ela: “Dona Cica, meus pais não querem mais que eu vá…”. Ela falou assim: “Vai sim. Você vai sim. Fale p ara a sua mãe que amanhã – era a matricula para o ano seguinte – eu quero que você fique amanhã comigo, de companhia”. Porque o filho dela estava estudando para Odontologia. “Fale lá para a comadre Domingas que você vem aqui para ficar comigo, de companheira, porque o Zezinho vai vir amanhã”. Aí, eu falei para a minha mãe e para o meu pai, não é? E para a comadre tudo podia, não é? Aí ela pegou... Lembro-me até hoje... Fez um sanduíche para mim, desse pão francês, abriu assim, fez um sanduíche, deu o dinheiro e embrulhou o sanduíche, tudo, eu peguei o ônibus e fui para Itapetininga fazer a matrícula. E a minha mãe pensando que eu estivesse lá na casa dela, de companhia com ela. Aí eu vim e fiz a matrícula
para o ano seguinte. Aí, no ano seguinte, foi fácil: “Vou voltar a estudar”. E o meu irmão: “Não, não vai, porque mulher estudando não é bom, não é aceita”. Aquelas coisas que você sabe. E eu com a luz divina… Então, não sei, tem uma coisa assim, que me puxava, sabe, para aquele caminho na vida… Porque as minhas colegas, três colegas… Isso mesmo, três colegas estavam vindo estudar, eu falei: “Quero ir, quero ir”. Bom, daí eu vim e fiquei na casa de… Ah, no ônibus de estudante, que foi essa história que eu contei para vocês, que vinha de manhã para Educação Física e tinha que esperar até à uma hora para começar o ginásio. E daí, tinha uma prima que morava lá em Itapetininga, ela me convidou para ficar na casa dela para ser babá, para atender as crianças, porque ela dava aula. Falei: “Fico”. Então, comecei a estudar à noite. Mas aí, sabe… Não sei, achei muita falta da casa dos pais e tal, e como tinha um ônibus, o ônibus de passageiro que ia lá para Guareí, eu escrevi uma carta para o meu pai, que estava assim, assim, assado, se ele não podia ajudar a pagar um lugar para ficar e tal, que não estava dando certo, porque não estava dando certo lá, não queria mais ficar lá na casa da prima, e tal. Mandei um senhor entregar para o meu pai, para ver se ele me ajudava, não é? Mas eu não culpo os meus pais, sabe? De jeito nenhum. Tudo isso, como eu converso muito com o meu filho, tudo isso é falta de cultura. Faltou cultura, não entende nada. Mas o meu pai era muito sábio nos assuntos relativos a eles, sabe? Fazia conta de cabeça, Nossa, era um… E aí eu mandei esse bilhete para o meu pai, pelo “seu” Jonas, e aí ele entregou para ele. No dia seguinte, o meu pai veio na casa da minha prima, entregou o bilhete para a minha prima, no qual eu havia reclamado. Entregou o bilhete para ela: “Nossa, porque não sei o quê…”. Quase esfregou o bilhete na minha cara. No dia seguinte, foi embora. Aí eu fui e conversei com a diretora do Peixoto Gomide: “Não, porque você não vai parar de estudar”. Dona Cica, que já faleceu, uma solteira. E dona Cica Borga: “Não vai parar de estudar, você vai ficar na casa…”. E eu tinha feito amizade, que agora é comadre minha, ela falou: “Não, você vai ficar na minha casa”. E fiquei na casa dela, estudando até à oitava série. Aí o meu marido fazia o curso de Inglês, na Casa Kennedy, que é abaixo da escola, terminava o curso de Inglês da Casa Kennedy, ele subia à noite para me esperar na frente da escola para me levar embora. Ai, que saudades (risos)! Então, comprava pipoca, sabe, a gente ficava lá no intervalo - porque tinha intervalo - aí gente ficava lá comendo pipoca, dava o sinal para entrar e ele ia lá. Porque o meu marido era assim, ele não era de Itapetininga, nós nos encontramos lá. Ele era da cidade de São Miguel Arcanjo, num sítio chamado Santa Cruz - mas não é Santa Cruz de La Sierra (risos), como eu brincava com ele. Eu falava assim para ele: “Nossa, você é chique, você é de Santa Cruz de La Sierra, eu sou lá de Guareí”(risos). Ele dava risada, porque a gente era muito engraçado. E aí, ele vinha me buscar para me levar embora. Quando foi em… Terminei a oitava série, que agora é o nono ano. Mudou tudo! A oitava série agora é o nono ano. Aí, no primeiro colégio… No primeiro Magistério, que se formava professora, no mês de julho, nós casamos. Três anos de namoro. Ele trabalhava no Banespa, passamos picapau, mas sobrevivemos, graças a Deus. Fizemos a vida juntos. Faltou um mês para completarmos cinquenta anos de casados. Daí ele faleceu, não é? Faleceu aqui em São Paulo, no Nove de Julho. Mas…
P/1 – Antes da gente chegar no casamento, dona Leomira, eu posso voltar um pouquinho?
R – Pode.
P/1 – Eu queria voltar lá para a infância da senhora ainda, que a senhora falou que eram nove filhos, não é?
R – Nove filhos.
P/1 – A senhora sabe de cabeça, pela ordem, o nome de todo mundo?
R – Sei.
P/1 – Fale para a gente.
R – Benedito Pinto da Silveira, José Pinto da Silveira, Maria Joana Pinto de Camargo, Natanaelia Pinto da Silveira, Leomas Pinto da Silveira, Leomira Pinto da Silveira, Leonice Pinto da Silveira, Leonilda Pinto da Silveira, faltou um? Francisco Pinto da Silveira. Nove, três homens e seis mulheres. Desses nove… Eu me casei, fiquei grávida, veio a primeira filha, que é a Gislaine, e a levava na escola. Nossa, era uma festa. Aí, nem fiquei assim esperando vencer o tempo para voltar na escola. Minha irmã caçula veio para atender minha filha para mim, porque eu tinha a mulher que me ajudava a cozinhar, tudo, não é? Aí, no primeiro colégio, nós alugamos uma casa pertinho da escola, Nossa, baratinha. Ai, que saudades do aluguel do passado (risos), baratinha. Então, venceu o aluguel, fomos morar mais no centro de Itapetininga. E na rua acima de onde a gente veio morar... A gente veio morar na Benjamin Constant, acima é a Bernardino de Campos. E essa casa… Estava lá o dono da casa limpando, eu entrei com a Gislaine, tinha três aninhos: “Nossa, essa casa está para alugar?” “Está para alugar, mas eu quero vender”. Aí eu falei assim: “Eu vou morar nesta casa”. “A senhora, onde mora?” “Eu moro na rua de baixo, mas eu vou morar nesta casa, eu gostei desta casa”. “Seu” João, o nome dele, o dono da casa. Aí: “‘Seu’ João, não aluga para ninguém que a gente vem morar nesta casa”. Pagava quanto de aluguel? Eu nem lembro quanto que eu pagava de aluguel. Bom, aí eu voltei, meu marido estava escutando o jogo, contei para ele e tal, eu estava assim, aleatoriamente, passeando com a minha filha, sábado à tarde, ou domingo à tarde, sem nada, falei: “Vamos passear”. “Vamos”. Na calçada assim... Não sei o que me levou a essa casa que o homem estava limpando lá. Aí, voltei, contei para o meu marido: “Nós vamos morar naquela casa”. “Como morar nessa casa?” Meu marido era muito negativo: “Como morar nessa casa? Imagina, não podemos pagar o aluguel”. “Claro que pode, imagina”. Aí eu já estava dando aula lá, já tinha me formado e já estava dando aula lá. Aí eu comecei: “‘Seu’ João, então é nossa casa”. Acertamos tudo lá e ficamos morando. Moramos um ano nessa casa e ele queria vender a casa. Aí chamamos: “‘Seu’ João, nós vamos comprar esta casa”. Com o meu dinheiro, que eu estava dando aula no sítio, 1967, estava dando aula no sítio, andando de charrete, e estávamos guardando dinheiro para comprar a casa. Aí, fomos lá e fizemos negócio. Na época, eram dez… Eu não sei se era cruzeiro, cruzados, agora não me lembro, acho que era cruzeiro mesmo. Acho que eram dez mil cruzeiros. Bom, acertamos tudo, era no sábado, falamos: “Segunda-feira o senhor traz então a promissória para a gente assinar”. Mas a gente pretendia assim, o mês que desse, pagar duas, três, queríamos pagar rápido. Quando foi no domingo, meu marido foi à feira. Porque a feira da minha casa são dois quarteirões, na Avenida Peixoto Gomide, enorme a feira lá. Encontrou com o primo dele lá e o primo dele falou: “Zé, você não vai mais comprar a casa do “seu” João?” “Como? A casa já está comprada, já vai levar a Promissória lá para assinar”. “Não, ele vendeu a casa”. Olha a decepção! O Zé chegou em casa, coitado, muito nervoso, muito nervoso, falei: “Não, imagine que vendeu a casa, já é nossa, já estamos morando aqui, ele tem que dar preferência para quem está morando aqui”. Aí eu falei: “Já sei, vou falar com o “seu” João. Eu vou à missa hoje, vou pegá-lo depois da missa”. “Mas você vai lá falar com ele?” “Vamos, você vai junto” - falei para o meu marido. Ele era irmão do Santíssimo, entrou lá com o padre, com a velinha assim, sabe irmão do Santíssimo, que veste a roupa vermelha? Então, aquela roupa. Aí, terminou a missa assim, tudo em paz, esperei ele sair pela lateral da igreja, porque tem a sacristia, eles saíam pela lateral. Eu e o meu marido encostados assim na igreja, ele saiu pela lateral, carregando a túnica dele, assim. Falei: “‘Seu’ João, vem cá um pouco que a gente quer falar um pouquinho com o senhor”. Falei tudo para ele. “Não, “seu” João, não é certo, “seu” João, pelo amor de Deus, eu dando aula no sítio, andando de charrete, cavalo, arriscando minha vida, o Zé guardando dinheiro lá, metade das férias, pegou dinheiro para não tirar as férias todas, recebeu dinheiro para a gente comprar a casa, a casa já está vendida para nós, o senhor vai vender para outro, “seu” João? O senhor não garante o fio de barba que o senhor tem aí, “seu” João”? falei para ele. Dai: “Pois é, o Domingos me apertou, me apertou, ele deu mil a mais do que vocês”. “‘Seu’ João, mil a mais? Nós damos mil a mais, mas a casa é nossa, “seu” João. E depois, “seu” João, eu tenho amizade com o delegado, eu tenho amizade com o juiz, eu tenho amizade com todas as autoridades aqui de Itapetininga, o senhor não está fazendo as coisas certas, porque o senhor tem que dar preferência para o inquilino da casa e o inquilino comprou a casa do senhor. Agora, se o senhor voltar atrás e vender para o Domingos, eu vou ter que juntar todos esses meus amigos - o Juiz, doutor Vicente, e o delegado seccional, fulano… “seu” João, não vai dar certo. Eu vou ficar triste de fazer isso com o senhor”. “Então vocês dão mais?” “Damos”. “O que o Domingos pediu?” “Mil a mais”. “Damos sim”. Isso foi no domingo à noite. “Então está bom, amanhã então a gente acerta”. Na segunda-feira ele estava lá com as Promissórias - naquele tempo era Promissória, uma folha amarela assim, que a gente tinha que assinar. Assinamos, pagamos mil a mais do que ele queria e nós ficamos com a casa. Faz cinquenta e cinco anos que eu moro lá, nessa mesma casa. Reformamos a casa, tudo. Só tinha uma filha, só tinha a Gislaine, ela… A Gislaine é Assistente Social no Fórum. E conseguimos estudar - eu e o meu marido - ela fez a PUC, em Campinas, é Assistente Social no Fórum, casada com o Marcos Marcondes, que é um empresário também, ele tem uma… Como que a gente fala? Corretora de Seguros. Com Faculdade, porque ele fez, tudo. E tem três filhas. A Gislaine, minha primeira filha, tem três filhas: tem a Júlia Nunes Machado, que agora é delegada; tem a Luísa Nunes Machado, que fez o curso na área de Comunicação Social e faz três anos que ela mora nos Estados Unidos - ela mora em Denver, no Colorado. Ela trabalha lá de babá e estuda, faz Enfermagem lá. E tem a Alice, que é a caçula, está com vinte e um anos. E a Alice é autista, ela não fala, mas age, está na APAE, está na fono, na Psicóloga e faz equoterapia. E a dedicação que essa família tem para com essa menina, gente! Sem comentários. Não dá nem para comentar. A Júlia, que é a mais velha, que é a delegada agora, a Júlia tem vinte e oito anos, é delegada agora, é muito amiga da Carol porque estudaram juntas... Do Marcos. É a segunda mãe da Alice. Inclusive, até sábado estão na praia, lá em Santos, para levar a Alice lá no mar, foi tomar banho de mar. Então, conseguimos estudar. A Gislaine está aposentando também como Assistente Social lá do Fórum, e graças a Deus, o Judiciário paga muito bem. Bom, essa é a história da Gislaine, a primeira filha. O segundo filho é o José Nunes Júnior, que esse filho, quando o meu marido era namorado ainda, ia me esperar lá em frente à escola, ele pagava o meu caderno e a gente já fazia assim: “Como será o nome do filho?” Aí a gente escrevia… Nem casada eu estava, eu estava namorando: se for homem é José Nunes Júnior. Aí veio a Gislaine, graças a Deus, o segundo foi o Júnior, que é José Nunes Júnior. O Júnior é professor de Educação Física, fez na FKB mesmo, em Itapetininga, mas a especialidade dele é vôlei, ele fez pós-graduação aqui na FMU, aqui em São Paulo, viajando todo sábado. Cinco horas da manhã pegava o Cometa e vinha fazer um ano de pós-graduação. Ele é efetivo na Prefeitura, dá aula de vôlei para as meninas de setenta anos, lá. Eu falo: “As meninas”. “Júnior, como estão as meninas lá? Não tem ninguém com dor na perna?” (risos). Como é o nome? Vôlei… Tem um nome especial, eu já lembro. Então, ele viaja bastante. Nossa, vai para Sorocaba, Itapeva, tudo quanto é lugar eles vão para jogar, mas em cinco vezes que vão, acho que uma vez só que ganha. Mas eu falo: “E dai, Júnior? Ganharam?” “Não, não ganhamos”. A Prefeitura que dá a condução, dá lanche, dá tudo para levar, não é? Aí, o Junior é casado com a Solange Maria de Faria Nunes, mas o apelido dela é Tuca, acho que porque os pais colocaram nome de Tuca. Porque é caçula também e não cresceu muito… Ai, meu Deus do céu… Aí, o Júnior tem duas meninas - a Maria Carolina, que a gente chama de Carol e a Maria Luísa, que a gente chama de Malu. A Malu é uma belezinha… Todos os meus netos são maravilhosos. A Malu tem dezenove anos, está no terceiro ano de Nutrição, em Sorocaba. A Carol terminou o nono ano e entrou na Faculdade, graças a Deus, lá em Itapetininga. Porque tem o Objetivo, e no Objetivo tem Faculdade também - ela está fazendo Engenharia, no Objetivo. Mas o Júnior, meu filho, é uma pessoa assim, também muito religioso, eles eram lá da igreja, era ministro da Eucaristia, muito religioso e ele anda com o terço assim, no bolso. Tudo... Para ele tudo dá certo; para mim, também, tudo dá certo. Aí, eu acho que eu passei um pouquinho da minha fé assim, para… Todos têm essa posição, mas o Júnior é quem demonstra mais, sabe? A Gislaine, Nossa, a Gislaine lê a Bíblia para as pessoas doentes, faz oração para as pessoas doentes, Nossa, fora de série também. O Junior é efetivo na Prefeitura, é efetivo… Que dá aula para a terceira idade, é efetivo da Inspetoria de Esportes aqui de São Paulo, efetivo também, dá aula na FKB, de Educação Física. Que é a Faculdade [Fundação] Karnig Bazarian, lá em Itapetininga. E agora, como lá tem o Vôlei UM, que é daquele produto... Eu não sei se vocês conhecem. O UM, que é o único, você comprou aquele não precisa comprar mais nada. Olha eu fazendo propaganda para os outros, mas é ótimo. Eu vou cobrar, esse eu vou cobrar, eu vou mostrar e vou cobrar. Não, porque não pode fazer propaganda, não é?
P/1 – Pode falar o que a senhora quiser.
R – Esse produto UM é ‘um’ mesmo. Assim... Comprou ele, não compra mais nada. Só pode comprar Cândida para desinfetar, ele dá brilho, ele tira as coisas, papapa, papapa… e o Júnior, como é do Vôlei, ele é do Departamento Social do Vôlei. A Tuca, esposa dele, como o Júnior dá aula na Faculdade FKB, ela fez Educação Física também lá, mas ela não dá aula, sabe? Ela é da entidade, lá da Catedral, aconselhamento, e é formada em Moda, em Design de Moda. Então, já falei da Carol, da Malu, do Júnior, da Tuca. Agora, o meu caçula, o Eduardo. Esse que me trouxe. O meu caçulinha tem um metro e oitenta e cinco, bem grande, ele é biomédico e dá aula lá na Faculdade, em Itapetininga mesmo. Ele namorava uma menina também lá, mas os dois não deram certo. Sabe um fio descoberto assim? Sai faisquinha? Os dois. Quando o Vítor tinha dois anos, aí não deu certo. E a pessoa, a Cintia, casou. Uma pessoa boa também, trabalha na Caixa Federal, sabe? Cuida muito bem do Vitor, o Vitor é um menino… Dá... O Eduardo dá pensão, a gente paga a escola, paga plano de saúde, Unimed para ele, ele não sai de casa, é um neto… Os seis netos são queridos, mas como são cinco mulheres e um menino, que é o Vitor, só, o reizinho… Também o Vitor está quase do tamanho do pai dele, tem dezessete anos, mesmo mês da Carol. Carol nasceu dia sete de maio, o Vitor nasceu dia dezenove de maio. Aí, o Júnior com a Tuca batizaram o Vitor e a Gislaine com o Marcos batizaram a Carol, do Junior. Tudo assim... Ah, estava uma maravilha, mas as coisas mudam, não é? Então, é uma felicidade, sabe, sempre a gente está assim… Ah, tenho que falar do Eduardo. Então, aí o Eduardo teve o Vitor com a Cíntia, mas o Eduardo não casou, continua solteiro até agora, não… Namora cada menina maravilhosa, aí eu fico com amizade, meu Deus, elas vão em casa, até agora me correspondo no zap com uma lá, sabe? Precisa ver que belezinha! Elas mandam mensagem para mim, sabe? Uma belezinha, mas quando não dá certo, filha, quando Deus não une, não dá certo. Quando não é união de Deus, ele… acho que não tem o dom assim, para dividir guarda-roupa, não é? Ele tem plano de saúde, tem tudo, um menino religioso. As festanças lá do Santuário Nossa Senhora Aparecida, ele que comanda tudo lá, que faz, é muito devoto. Agora ele está na Liturgia tão bem, sabe? É um menino muito amoroso, mas também responde muito a gente. Ah, responde! Os três filhos meus me respondem muito, sabe? Mas também, a gente fica numa fase... Gente, aí que delícia a fase. Como disse a minha colega: “Leomira, para você chegar nessa fase em que você está é muito demorado, porque o pensamento de um jovem é completamente diferente de uma pessoa que já viveu toda uma época, toda uma etapa, foi pulando etapas, não é?” Como diz o padre Marcelo… Porque a vida da gente é feita por etapas, você venceu aquela etapa, passe para frente, aquela etapa foi… Aí, você está começando uma etapa nova. Se você não liquidar aquela etapa pela qual você está passando, você não dá chance para a etapa nova, para uma nova etapa na sua vida. Eu estou passando por uma nova etapa na minha vida, imagine, com essa idade, gente! Eu estou cuidando da minha irmã, que ela teve câncer, tirou uma mama e tudo, então está sendo uma nova etapa na minha vida, sabe? Hoje, antes de vir aqui, fui lá na… Mas Deus é maravilhoso. Aí, como é que eu vou explicar? Deus paga tudo para a gente desde que você tenha fé, persistência, resistência, não reclame de nada. A minha casa é aqui, bem na frente da minha casa, então, eu atravesso a rua, vou lá na casa dela, tem marido e tudo. Conseguiu trabalho no sítio. Aí, ela conseguiu ir para lá. Então, eu estou dando uma força para ela. Ela já fez tudo que era preciso, agora ela está no acompanhamento, lá em Botucatu. Ela vai lá todo mês só para ver como que está, tudo, mas ela tirou uma mama. Aí, como… Depois de mim que ela é, sou eu e depois ela. Aí, estou dando uma força para ela, sabe? E o milagre aconteceu, como eu falei para ela: “Nice do céu, olha…”. É inacreditável., porque o cunhado dela é muito, muito rico, é dono da metade das casas lá em Itapetininga - ele era da Receita Federal, o cunhado dela, irmão do Ary, que é o marido dela. Ela ia alugar essa casa, aí fizemos tudo como pedia a imobiliária, levei até… Como é que a gente fala? O inventário lá da minha casa para… Porque eu ia ser a fia… Como que fala?
P/1 – Fiadora.
R – Fiadora. Eu ia ser a fiadora dela. Arrumamos tudo, tudo. Aí, eu esqueci de levar... Porque eu imprimi. Porque era setecentos e cinquenta a casa, o cunhado dela deixou por seiscentos. Daí, a moça responsável pela locação, lá da imobiliária, mandou por e-mail para mim, eu imprimi, sabe? Falei: “Esse aqui é o comprovante de que ele deixou mais barato”. Bom, fizemos tudo de acordo com o que a imobiliária pediu, tudo, tudo. Ela assinou e eu assinei como fiadora e aí esqueci de levar… Olha gente, esqueci de levar o e-mail da confirmação que o moço tinha deixado mais barato. Olha, para vocês verem, gente! Tudo Providência Divina. Parece até chatice eu estar falando nisso, mas são testemunhos, não é? Que sirva para vocês também, porque a fé remove montanhas, não é? Está escrito. Aí, esqueci de pôr na pasta, para levar, o e-mail que eu imprimi, da autorização para deixar mais barato. Bom, cheguei lá, cadê? A moça, a responsável pela locação, a Luciana, um amor de pessoa, Nossa, todas as pessoas que eu conheço são maravilhosas na minha vida. “Preciso ligar para o dono da casa. Eu não trouxe, tal, você confirma que deixou por seiscentos?” “A Leomira está aí?” “Está”. “Deixa eu falar com ela”, falou comigo. Ele falou assim: “Olha, eu não consigo alugar a casa…”. A consciência dele, ele tem metade das casas de Itapetininga, lá, tem sítio, tem tudo lá, Nossa! “Eu não consigo alugar a casa para o meu irmão, porque imagine, eu vou ficar com a consciência pesada. Vamos fazer o seguinte: você aluga a casa no seu nome e deixa de ser fiadora e fica por isso mesmo”. “De jeito nenhum”. Tem horas em que você precisa ser persistente naquilo que você fala, para conseguir as coisas. Aí, tem que mostrar firmeza. Eu falei: “Não, imagine que eu vou alugar a casa, eu comprei minha casa para não precisar alugar, agora eu vou alugar essa sua? De jeito nenhum, imagine! A Nice já assinou o papel, eu já assinei o papel aqui tudo, está tudo certo, nós vamos agora subir lá na Auditoria para confirmarem os papéis e a gente já está indo embora, Toninho. Não vou alugar a casa, não vou alugar a casa no meu nome, não”. Daí ele pegou: “Dá o telefone para a moça aí, então, que está fazendo para vocês o papel”. A moça da locação, a Luciana. Falou com ele. Sabe o que ele falou? “Luciana, tire todos esses papéis daí, eu não vou cobrar o aluguel dela”.
PAUSA
R – Daí ele falou com a moça da locação que não precisava cobrar o aluguel, que
devolvesse todos os papéis para nós e que não precisava pagar nada do aluguel. Nossa, nós três nos abraçamos. Eu, minha irmã e a moça da locação. Nos abraçamos. E foi uma bênção, não é? Foi uma graça, porque a minha irmã estava precisando, ela é professora também, aposentada. Isso que eu ia falar para vocês. Dos nove filhos, eu me formei primeiro e aí, essa minha irmã, que eu estou ajudando, ela veio também para Itapetininga porque ela ia ser freira, lá na Casa da Criança. Daí ela resolveu sair e começou a estudar. Então, dos nove filhos, só nós duas somos formadas. Eu formei… Consegui formá-la, não é? Ela ficou na minha casa para estudar, porque não tinha como morar em Itapetininga. Aí ela ficou na minha casa para estudar, para se formar, e se formou. Graças ao bom Deus, porque o marido dela não ganha muito bem. Ela ganha mais do que o marido dela, mas está dando para viver - ainda ela cuida de uma neta, e tal. Mas o esforço dela, sabe…? Se esforçou muito. Por sinal, ela era duas irmãs depois de mim. Aí, a outra que estava junto com ela começou a namorar, largou os estudos, casou, mas vive muito bem. O marido dela é empresário, de taco de chão, os filhos muito bem também, sabe? Então, não fez assim muita falta. Mas o meu marido, quando ele trabalhava no Banespa, ele foi da primeira turma da Faculdade [Fundação] Karnig Bazarian, da FKB, a Faculdades Integradas da FKB, lá em Itapetininga. Então, ele quis fazer advocacia, e primeiro ano na formatura ganharia a beca. E eu estava fazendo o curso de História. Primeiro, eu fiz Pedagogia; daí, eu resolvi fazer curso de História, porque um curso ia ganhando um ano, não é? Então, sempre entrava no segundo ano, dois anos voam. E era o mesmo caminho, ele me deixava lá na Faculdade, na Vila Barth e ia lá na Rodovia Raposo Tavares, onde fica a Karnig Bazarian, a FKB. E nessa altura, o Júnior tinha… Quando eu estava estudando… Porque foi assim: eu me formei professora na Escola Peixoto Gomide, fiz o curso de aperfeiçoamento. Do aperfeiçoamento, fiz o curso de Administração, porque com esse curso de Administração eu entraria no segundo ano de Pedagogia. Consegui. Segundo ano de Pedagogia, aí fiz dois anos de Pedagogia, fiz História e o meu marido fez Advocacia. Ele me levava, me deixava na escola, saía da Faculdade dele, me pegava, a gente ia embora. Chegava lá, o meu filho estava chorando, chorando com dor de barriga, a gente ia dormir assim, meia-noite, uma hora, duas horas. No dia seguinte, às sete e meia, estava no banco. Mas era tudo jovem, gente! Então foi assim. Eu fiz História, História eu fiz Educação Moral e Cívica, fiz o curso de Supervisão Escolar e fiz o PIP. O PIP era Programa de Informação Profissional. Gente, eu ganhei dinheiro com todas as Faculdades que eu fiz. Só que o Programa de Informação Profissional eu fiz em Tatuí, porque lá em Itapetininga não tinha e a Faculdade era em Tatuí. Então, eu viajava todo sábado. Sexta-feira chegava de noite, tarde, da escola. Sábado de manhã, às vezes o meu marido me levava de carro, às vezes não dava para levar, tinha que ficar com as crianças. Olha, eu tenho aluna hoje que é juíza, tenho aluno hoje que é advogado, dentista, tudo quanto é profissão. Uma maravilha, sabe? E a gente se encontra, abraça. As alunas do curso do Magistério, todo mês, uma vez por mês, elas se encontram. A única professora que vai sou eu. Agora está marcado: dia doze de março que a gente vai se encontrar. Uma delícia, sabe? E eu tenho aluno que foi… Tenho professora que foi minha aluna no Magistério, que está aposentada. Quando eu penso nisso, gente do céu! Eu começo a olhar as meninas, porque agora a gente é colega, não é? Colega aposentada, gente do céu... Ai, que maravilha; ai, Deus, obrigado Senhor! Só agradeço, agradeço, agradeço. Então, é uma delícia a gente se encontrar, porque aposentada, e as professoras também aposentadas, e é uma maravilha! E, sabe, é uma continuidade, assim. Então… Quando eu estava dando aula para o Magistério, eu estava dando aula como substituta, porque na parte da Educação eu dava aula de Didática e Psicologia. Como era na parte de Educação, nunca tinha concurso para nada que envolvesse Educação. Tinha para Geografia, Ciências, Matemática, essas coisas, mas eu não queria prestar, queria prestar para Educação. Aí, eu não queria me aposentar como substituta, como estagiária. Fazia vinte anos já que eu estava dando aula na Escola Estadual Peixoto Gomide, que é pertinho da minha casa. Aí eu falei: “Não quero me aposentar como substituta, eu vou fazer um concurso para professora do ciclo básico”. Que é o P1 que eles falam. E eu estava como P3. Porque, no ginásio, magistério, era P3, e para os pequenininhos era P1. Agora mudou tudo. Aí eu fiz o concurso, em 1980 exatamente. Eu fiz o concurso para me efetivar como professora do ciclo básico. Passei no concurso, só que fui escolher um sítio muito longe… Foi aqui em São Paulo. É para passar no concurso? Eu vim aqui em são Paulo, comprei a apostila para mim e para as colegas que pediram para eu comprar também, vim com o meu marido, meu marido era o meu companheiro de vir aqui para comprar as coisas. Aí levei para elas também, estudei a apostila e em 1980 eu me efetivei. Aí, escolhi Buri, uma escola de sítio. Mas, gente, viajava de ônibus para chegar na cidade de Buri, viajar até o sítio, não. Aí, a minha diretora… Eu estava dando aula como P3 no curso de Magistério. A minha diretora falou: “Não, Leomira, vamos dar um jeito. Você fica aqui mesmo, sua classe lá passa para outra professora…”. Porque eu podia competir com tudo que eu tinha direito no Magistério para fazer mudança de escola, sabe? Continuava no Peixoto Gomide, que é um quarteirão da minha casa. Aí ela falou: “Não, vamos ver a lei aqui e tal, e você nem vai lá, nada”. Olha, gente, continuei na Peixoto Gomide dando aula. Dessa escola de Buri, eu me removi para a Febem lá de Itapetininga, que antes era Febem, agora é a Casa. Eu me removi para a Febem, porque tinha escola primária lá na Febem. Não fui dar aula, fiquei afastada dando aula para o Magistério na Escola Peixoto Gomide. Passou o ano, chegou a época da remoção. Me inscrevi para remoção. Da Febem, eu fui parar numa escola - Darcy Vieira - na Vila Barth, lá em Itapetininga, fui chegando. Aí, mais um ano. Quando foi… Mais uma inscrição para remoção, aí quando foi em 1983 eu estava dando aula para o Magistério na Peixoto Gomide. Bom, aí, não tinha outro jeito. Eu tinha que assumir, porque eu queria me aposentar. Dessa Escola Darcy Vieira eu me removi para a Escola Major Fonseca, atrás da Catedral. Pertinho - da minha casa dá uns dez minutos, cinco, dez minutos. Fiquei lá até 1992, me aposentei na escola como efetiva, última letra, com duas classes, na Escola Major Fonseca. Como Deus planejou para mim e foi me encaminhando. Foi seguindo. Daí eu deixei de dar aula na Escola Peixoto Gomide, lá perto da minha casa, dois, três quarteirões da minha casa. Aí, gente do céu, eu não venci. O diretor de lá, Sidnei, queria me pôr em tudo quanto é coisa lá, sabe? Eu aceitei ser presidente da APM, que é Associação de Pais e Mestres, sabe? “”Seu” Sidnei do céu, eu já tenho duas classes, eu não posso ser mais, “seu” Sidnei”. Mas a escola era assim meio largadinha. Eu consegui, através da APM, uniformizei a escola inteirinha. Uma belezinha, as criancinhas todas com camisetinha branca, com o logo da escola. Aí, o “seu” Sidnei se aposentou e ficou a vice-diretora no lugar do diretor e a outra vice no lugar da vice, não sei o quê lá, e eu fui para o lugar da vice. Aí me tiraram da sala de aula, meu Deus do céu, eu não queria. Agora é um dos arrependimentos que eu tenho na minha vida, porque eu amava as crianças para dar aula. Aí, me deixou lá: “Leomira, fique você, que só com você que combina…”. A mulher que ficou no lugar da segunda vice, lá: “Só com você que a gente se dá bem, porque essa turma aí, não sei, não vou muito…”. Ai, Jesus amado, foi gente... Quando eu assumi a escola, que tinha gente interessada no cargo, vocês sabem como é que é, não preciso contar mais nada. Era uma que era readaptada, queria o lugar de vice também, mas já tinha eu… Eu entrava assim: “Jesus, me cubra com o seu sangue, amém”. Entrava rezando na escola. Mas deixei a escola tinindo. Até vaso de flor eu pus lá. Planta! Não tinha planta na escola! Vaso de planta na entrada, no corredor, sabe? Fiquei nove meses junto com essa que estava no lugar de diretora, fiquei assistente dela. Aí, voltei para a sala de aula. Eu gosto muito de inovação, sabe, eu não gosto de mesmice, eu gosto de inovar. Aqui em São Paulo, como eu tinha o ciclo básico, estava ali no SESC Pompéia uma exposição que eu achei formidável. Era assim uma exposição com material de papelão. Aí, num domingo, eu e o meu marido: “Vamos lá no SESC Pompéia ver essa exposição?”. Tinha mais exposições, mas a que chamou atenção foi essa, uma coisa maravilhosa. Viemos domingo de manhã e até tomamos lanche no SESC Pompéia. Era assim, tudo feito com papelão, era uma mesa de jantar quilométrica, acho que tinha vinte cadeiras assim, vinte pessoas na mesa, dez de cada lado. Quando a gente entrou - ali na Pompéia mesmo, não é? - quando a gente entrou no SESC Pompéia, ouvimos barulho de prato, sabe? Prato, talher, copos, falei: “Nossa, está tendo almoço, vão dar almoço para nós?” Aí, aquele barulho de talher assim, como de hotel assim de restaurante. Gente, que coisa maravilhosa! Todos os personagens sentados à mesa feita de papelão. Os pratos ali, o som dos pratos, dos talheres, gravados. Que coisa maravilhosa. Tinha senhora com cabelo, gente que parecia que frequentava golfe, gente que frequentava aqui dos cavalos, o…
P/2 – Jóquei Clube.
R – Jóquei. Sabe, todos os tipos. Professora. Todos os tipos sentados na mesa feita de papelão, as mulheres com brincos, aí que coisa maravilhosa. Chapéu... Gente do céu! Os homens, de colarinho com gravata borboleta, gente do céu, de papelão. Aí eu falei: “Obrigado, Senhor”. Essa ideia eu levei para a sala de aula. Não como uma mesa de refeição, porque nem tinha lugar, a não ser no pátio lá, mas aí tinha o recreio, os alunos iam usar tudo. Na sala de aula mesmo eu fiz. Gente, que maravilha! Teve criança que fez avião, o aviador lá, tudo de papelão. As ideias das crianças. Até o foninho do piloto eles fizeram. Aí eu dei a ideia… As crianças levaram material, papelão. Papelão que cobria a geladeira, e grande, não é? Então eu ensinei, pus aquilo no chão, a criança deitava, eu riscava com giz a criança deitadinha, eram todos pequenos, ciclo básico e depois recortava, ficava a criança, ficava o aluninho ali. Quem não quis fazer, não fez. Tinha olho, sabe? Como era uma criança ali. Ai, que coisa maravilhosa. E, Nossa, a família. Fizeram a família de papelão, o pai, a mãe. Tinha gente que tinha nove irmãos, tinha que fazer os nove, porque senão um fica sentido. Tinha irmão que tinha dez irmãos, tinha que pôr os dez ali, senão eles iam lá ver a exposição e iam ficar sentidos.
P/1 – E aonde ficou a exposição, no fim?
R – Lá na escola, mesmo, na minha escola mesmo. Eu pus no corredor, usando assim para ver de longe, tinha o mural, o que dava para pendurar, não é? O avião, por exemplo, que dava para pendurar, pendurava no mural. As de papelão, tudo em pé assim, a família, um bando de criança, sabe? Gente, tinha... Na escola do sítio, no bairro Pinheiro Alto... Sabe quantas crianças o casal tinha? Dezenove. Gente do céu! Mas acontece que o último lá já era meio bobinho. Isso foi no sítio, no bairro Pinheiro Alto, perto de Itapetininga, mas na estrada que vai para Capão Bonito, lá. Dezenove filhos, gente do céu. Nossa! Só os pequenininhos que deram certo de serem meus alunos. Também conheci nessa escola, gente... Você não sabe... Vida de professor é uma missão mesmo. Quem quer levar a sério… Antigamente, porque hoje em dia, sem comentários. Tinha uma família - o pai, a mãe e três filhos, eram cinco. Os cinco usavam a mesma escova para escovar os dentes. Aí, qual é o trabalho da professora? É orientar, não é? Aí, levei pasta e escova, um para cada um. Isso no começo da aula, assim, quando a gente entra, começa a conversar com o aluno, começa a conhecer a vida de cada um dos alunos para ver o que você pode tirar daquele aluno, para ele aprender, não é? Mas aí, a gente fica sabendo dessas coisas, tem que se dar um jeito, não é? Quando eu lecionei na Escola da Rocinha... Foi a primeira escola que eu peguei no sítio, 1967... Havia uma aluna chamada Catarina... Eram pouquinhos alunos, eram onze só... Quando foi numa quarta-feira, a Catarina não foi à escola. Eram a primeira, a segunda e a terceira séries. A Catarina não foi à escola, eu falei: “Nossa, a Catarina nunca falta, por que ela não veio hoje?” E era véspera da Semana Santa, que na quinta-feira era quinta-feira santa, era quarta-feira: “O que será que aconteceu?” Aí, como a charrete ia me buscar lá na escola para eu vir até a estrada para pegar o ônibus para chegar em casa, eu falei assim: “Eu preciso chegar na casa da Catarina”. Aí, o charreteiro falou: “Vamos sim, dona Leomira, vamos lá”. Fui lá, gente, bem que eu adivinhei: preciso ver Catarina, a Catarina, uma aluna linda e maravilhosa, ela tinha onze anos, casa de barro, deitada num catre… Sabe o que é catre?
P/2 – Não.
R – Catre é assim, quatro paus fincados no chão - um aqui, outro aqui, um lá e outro para cá. Nesse catre é colocado vara, assim... Bambu aqui e aqui. Aí, nessa vara, é colocado madeiro ou é colocado bambu para a pessoa deitar, porque não tem cama. E tem um catre também… Esse é um dos modelos, e tem o catre também, que tem guarda. É uma cama, o pezinho bem baixinho assim e também a guarda, e é trançado. Mas aí a guarda é de madeira, já é bem mais produzido. E a Catarina estava deitada nessa cama de madeira, com uma febre... A menina estava assim com uma febre... Cheguei lá, ela estava coberta com estopa, sabe, com cobertor, desses cobertores corta febre, que a gente fala. Não sei se vocês conhecem, cobertor corta febre é aquele grosso, bem pesado. E a mãe lá… Acho que tinha três, quatro irmãos. Aí eu falei: “Você está com vontade de alguma coisa?” “Eu estou com vontade de tomar tubaína”. “Catarina, por que você não falou para mim esses dias?” Segunda-feira ela foi na escola, na quarta é que ela não foi. “Por que você não falou para mim, Catarina? Eu já trazia para você”. E, na quinta-feira, eu não ia para a escola. Aí, pensei: na quinta-feira, em Itapetininga, perto da minha casa, é dia de feira e tem um feirante que mora lá perto da escola. “Catarina, amanhã cedo, o “seu” Luís vai trazer Tubaína para você, está bom? Segunda-feira eu estarei aqui e quero ver você lá na escola”. O que eu fiz? Antes que terminasse a feira, na quinta-feira santa, fui lá, comprei as tubaínas e levei lá na banca. O “seu” Luiz, que era o dono, que fazia feira lá, ele vendia mantimento da Rocinha - ervilha, feijão, milho, arroz. Falei: “‘Seu’ Luiz, isso aqui é lá para a Catarina”. “Nossa, dona Leomira, não me diga, está assim?” “Nossa, “seu” Luiz, fui ver a Catarina e ela está assim, com vontade de tomar Tubaína, “seu” Luiz”. “Não, pode deixar. Hoje mesmo ela vai tomar tubaína”, olha que sorte! Dai, segunda-feira a Catarina estava lá na escola, aprendendo, e uma belezinha e tudo. Essa é uma das passagens de lá de onde eu lecionei, lá do bairro perto de Itapetininga. Aí, um dia, um moço não podia me buscar de charrete e eu precisei ir a cavalo. E eu tinha ganho ovos - ovo caipira - ai, que delícia, bem amarelinho. Aí, gente, os benditos não embrulharam o ovo, deram no saquinho assim para mim. E eu trazendo o ovo assim, a cavalo, segurando o ovo aqui. Daqui a pouco, quando chegou no portão, o cavalo deu meia-volta, o meu ovo foi todo no chão, ficou lá um omelete - ai, que dó. Ai, gente do céu. Eu olhei para aquele ovo lá: “Ai, eu vou passar vontade de comer vocês”. Eu fazia igual àquele pintinho lá na internet. O pintinho chegou lá no prato, estava um ovo frito lá, o pintinho chegou lá perto: “O que fizeram com você, meu amigo?” É, pois é, o que fizeram com você, meia-dúzia de ovos caipira, que eu ia fazer um omelete agora à tarde, um bolo bem amarelinho. Cheguei lá em casa, quando eu contei, a turma morreu de dar risada: “Mãe, não vai ter ovo hoje?”
P/2 – A senhora lembra do primeiro dia em que a senhora deu aula?
R – O primeiro dia, lembro. Eu era substituta, era estagiária ainda. Então, no primeiro dia a gente fica sempre com cara de desenxavida, com cara de…
P/1 – Com cara do quê?
R – Desenxavida. Isso aí são nomes assim... Desenxavida é cara assim, que está com vergonha, sabe? De vergonha. E aí, no primeiro dia... Porque eu era substituta numa escola chamada Aderbal de Paula Ferreira, o primeiro ano que eu lecionei. Gente, que diferença! Sabe? A diretora… Quando eu me formei, a diretora de lá do… Eu fui e fiz a minha inscrição numa folha de papel almaço, não sei se vocês conhecem papel almaço. “Eu, Leomira de Camargo Nunes, desejo trabalhar nesta escola…”. E entreguei para o diretor: “Leomira, está contratada”. Eu mesma escrevi no papel almaço, sentei na cadeira e escrevi lá: “Pode começar amanhã”. Tudo já estava lá, o pagamento, já estava o meu nome lá, tudo assim. Bom, um ano eu fiquei nessa escola. Quando a professora faltava, a gente a substituía, porque estava como substituta. Bom, aí não foi difícil, sabe? Porque foi difícil quando eu fazia o Magistério, que foi a professora de Didática. Onde eu fiz o Magistério, ela era professora de Matemática e ela pegou Didática para dar, porque não tinha professor - aí eu passei mal com ela. Ela entendia de Matemática, mas de Didática ela não entendia patavinas. Aí, ela não gostou da aula que eu dei. Disse que era para preparar melhor. Falei: “Deixa, o tempo explica para a gente”. Hoje ela está com Alzheimer. Não que eu desejasse, gente, mas hoje ela é minha vizinha, está com Alzheimer, não conhece nem filhos e nem netos. Às vezes: “Acho que eu vou lá na Terezinha hoje fazer uma visita para ela, vou falar tudo o que ela falou mal da minha aula lá no Magistério, para ver se ela lembra o que ela falou para mim”. Mas eu não sou de vingança - ai, Deus meu. Coitada da Terezinha, deixa ela… Está lá, o marido dela é dentista, eu pergunto sempre dela para o “seu” Amílcar. E ele que cuida dela, sabe? Um marido excelente, ele é dentista aposentado. Mas tem certas passagens que você tem vontade de fazer, mas eu não sou vingativa. Se bem que vingança é um prato que se come frio, não é? Mas, Deus me livre. E não é de Deus também; a vingança não é de Deus. E o que não é de Deus, não é bom fazer. Então, não, imagina! Deus me livre! Mas estou vendo isso, não é? Então eu dei aula, mas no primeiro dia em que eu dei aula, ela falou que eu não preparei a aula, não sabia que o professor não ia, tranquilamente. Só que quando eu pegava licença… Porque era assim, eu não estava ensinando por ensinar ou por ver o meu holerite no final do mês, eu não pensava isso, porque eu sei que vinha o meu holerite no final do mês e que estava ganhando para estar lá. Mas eu dava aula para saber o resultado daquilo que eu estava fazendo, que vinham resultados maravilhosos. Teve aluno que eu mergulhava com ele no fundo do poço e a gente subia junto. Ele estava lá no fundo do poço, descia junto, e de tanto lutar, lutar e lutar com aquele aluno para aprender, a gente subia junto do poço e, no fim, escrevia até livrinho assim, sabe? Mas não achei difícil dar a primeira aula. Aí, dei aula também… Antigamente, existia o Mobral - Movimento Brasileiro de Alfabetização. Dei aula no Mobral também, à noite, adorei dar aula no Mobral porque eram pessoas assim, já de idade que aprendiam, facinho de lidar, tinha um pouco de dificuldade, mas também aprendiam. E foi uma licença de uma professora que estava e ela precisou viajar, não podia dar aula e eu fui. Peguei uma semana dando aula para o Mobral, mas você sabe que… Era o primeiro ano que eu estava dando aula, e você sabe que, às vezes, tem diretor e professor que estão mais velhos na casa, sempre tem as entrelinhas, e tal… Essa semana de aula, eu acabei não recebendo, a Secretaria não me colocou na folha de pagamento. Mas não está fazendo falta. Faz quantos anos? Então, não vinha, não vinha, aí no fim, deixei de lidar, deixei de perguntar, porque se tornou cansativo. Mês que vem vem, mês que vem vem… Até hoje… Me aposentei e não veio. Então, já falei do Eduardo com o Vitor, o Eduardo continua solteiro, o Vitor com a mãe dele, e tal. Que mais?
P/3 – Eu queria fazer uma pergunta. Depois que a senhora se aposentou, é que a senhora começou com essa questão de trazer o pessoal para o…
R – Não.
P/3 – Já era antes?
R – Não. Eu me aposentei em 1992. Em 1987, eu e o meu marido fomos festeiros da Igreja Nossa Senhora das Estrelas, lá em Itapetininga, junto com outros festeiros. E aí, a Dercy Gonçalves estava com um musical aqui em São Paulo, no Teatro das Nações. Aí, surgiu entre os festeiros: “Vamos ver o show da Dercy Gonçalves, quem sabe a gente não traz ela para Itapetininga para arrecadar dinheiro para a festa”. É festa beneficente, festa da igreja. Aí, não deu outra, eu comecei… Eu e mais outra festeira começamos a agitar. Dia 24 de julho de 1987. O musical da Dercy se chamava “Dercy 80 anos, adeus amigos”. Porque nessa data ela estava completando 80 anos. Viemos aplaudir a Dercy, lotamos o ônibus, quarenta e seis pessoas que cabem no ônibus, lotamos, e viemos assistir. Mas era aquele show dela, não tinha tanta pornografia como ela falava nas entrevistas, mas foi um show bacana até, musical, uma disposição... Gente, teve uma cena, que eu lembro até hoje, quem estava contracenando com ela... Teve uma hora em que ela pulou na cintura dele e agarrou assim, no pescoço - a Dercy. Ela estava fazendo 80 anos. Teve gente que não gostou do musical. Aí, a gente veio para falar com a Dercy e saímos de lá da plateia - eu e mais algumas colegas - entramos no camarim, quando vimos, a Dercy mortinha, deitada no sofá, de que jeito? Aí, não tiramos nem foto com ela, nada. Aí, o Luiz Carlos, que era assessor dela, que combinava os shows, eu falei: “Luiz Carlos…”. Ele falou: “A Dercy não vai para o interior, não tem condição, esse musical mesmo é em prol que ela está completando 80 anos, adeus amigos”. Mas ela ficou mais doze anos, gente, de 1980 ela ficou até 1992, ela ficou com noventa e dois anos fazendo o show. Mulher de ferro, não é? Dai, falei: “Nossa, Dercy até agora fazendo show?” Ela morreu com noventa e dois anos. Aí, nessa primeira viagem para ver a Dercy, o pessoal: “Leomira, quando é a próxima?” ‘Vamos ver”. Aí, estava passando a peça “Meno Male” - Juca de Oliveira, Fúlvio Stefanini, mais a Sandra... Esqueci o sobrenome, no Teatro Cultura Artística, que pegou fogo. Ali na rua Nestor Pestana, pegou fogo. Falei: “Vamos fazer do ‘Meno Male’ então para ver o Juca de Oliveira e o Fúlvio Stefanini”. Que era uma peça italiana e tal, não é? Aí, fiz para o “Meno Male”. Quando eu vi lá atrás, uma lista das pessoas - passaram para mim - que queriam vir na próxima, faz trinta anos isso. Aí, próxima, próxima e próxima… Nós viemos ao Teatro Procópio Ferreira, ihhh… viemos ao teatro da Rui Barbosa, conheço todos os teatros de São Paulo. Gente, eu não parei mais, porque o povo não deixa eu parar. O povo não deixa. Eu venho agora, dia 23 de março, vocês não querem ir? Eu levo vocês, a gente se encontra lá. Vamos? Eu vou escrever para o produtor, lá para o Edinho, vocês dão o nome então. Aí, eu venho dia 23 de março, já estou com o ônibus mais da metade lotado. Agora mesmo, eu estava vindo para cá, meu whatsapp, fui ver: “Pode confirmar, pode confirmar”. Quase lotado o ônibus, quarenta e seis pessoas, Graças a Deus. Sabe, gente, é uma bênção, porque não é o meu ganha-pão, mas tem gente também que eu trago de graça. Professora aposentada… Que eu sei que não dá, professora que tem filho estudante, como agora mesmo... Ela é pensionista: ‘”Leomira, não vai dar para este mês, eu vou no mês que vem, eu vou em abril”. “Não senhora, não precisa pagar então”. Eu trago de graça. Por quê? Eu faço excursão, o meu saldo lá no Santander está vermelho a mesma coisa. Sinalzinho vermelho na frente não dá para você… Porque cultura, gente, não é todo mundo que dá valor, sabe? Difícil lidar com cultura, não é todo mundo que valoriza a cultura. Então, o que eu puder fazer para a pessoa que gosta de teatro, ela curte, ela tira foto com os atores, ela conversa com o ator sobre a peça, porque depois tem a tietagem. Depois vocês vão ver lá, que depois da peça a gente fica esperando lá para cumprimentar o ator, dar os parabéns, e tal. Eu tenho um grupo aqui em São Paulo... Deixa eu ver... A Laura, Maria Silvia, o Zé Wilson, o Lubi, o doutor Freitas e a mulher dele, são esses seis. Ah não, e a Celita e o Altair, que são os meus primos - são oito pessoas aqui de São Paulo, que eu compro ingresso para eles. E eu encontro com eles no teatro. Então, o doutor Freitas vem, a Celita não vai poder vir porque ela vai operar o joelho, mas o doutor Freitas vem. Doutor Freitas é o meu médico ginecologista. Até essa revista que eu trouxe aí para você ver, eu dei uma para ele, tudo. Mas agora... Eu arrumo encrenca para mim mesmo, por quê? Eu gosto assim de… O meu médico, dos três filhos, que foram cesáreas, doutor Cid... Já tinha os três filhos quando o doutor Cid faleceu, doutor Cid de ____01:25:16____. Então, os três filhos, ele foi o meu ginecologista e era assim também muito conhecido, frequentava a viagem, tudo. Os médicos de antigamente, como é que a gente sobrevivia? Gente, quando eu fui ganhar o segundo filho, o doutor Cid não pediu um exame de sangue, não pediu para tirar pressão, não pediu nada! E eu estou aqui viva. E agora, tanta gente que falece quando vai ganhar neném, fico triste, sabe? Eu fico sabendo lá. Lá em Itapetininga mesmo, jovem que foi ganhar neném faleceu. Doutor Cid era bem antigo. E agora, doutor Freitas. Porque eu faço tudo aqui em São Paulo - exames, tudo. Já que o meu convênio… Eu e o meu marido, nós lutamos muito, sabe, gente? Foi pica-pau, viu? A gente comprava na quitanda, a gente comprava e marcava na caderneta, sabe? Comprava leite, carne, tudo na caderneta. Final do mês recebia, já ia pagar, passamos a pica-pau. Mas vencemos, graças a Deus. O Banespa tem a Cabesp, que é um bom convênio, que é o meu convênio, até o Eduardo paga o dele, que é da Cabesp também. Esse convênio nosso, os meus exames… Ele dá direito a todos os hospitais aqui de São Paulo, os maiores hospitais - Sírio-Libanês, Nove de Julho, tudo... Albert Einstein. O meu marido foi operado no Sírio. Aí então, eu apronto as coisas para mim mesmo. Porque sou muito assim, reservada, sabe? Tenho preguiça. Mas é a idade. A idade… É como a gente foi criado, os pais, os meus pais eram muito… Sabe? Aí, minhas irmãs padeceram com eles, eu saí da minha casa com quatorze anos, como eu falei para vocês. Porque eu comecei a estudar. Mas as minhas irmãs, as mais velhas, elas estavam em casa. Meu pai foi muito exigente, queria… Tinha que seguir os princípios deles, muito reservado, sabe? Então, a gente cresceu naquela linha reservada. O médico lá de Itapetininga, quando o doutor Cid morreu, aí eu fiquei… Ia sempre mudando, a última foi a doutora Luciana, mas não deu muito certo. Aí liguei na Cabesp, eles me indicaram vários médicos e eu escolhi o doutor Freitas para ser o meu médico ginecologista, mas agora ele se tornou meu amigo. Ele e a mulher dele se tornaram meus amigos. Ele vai ao teatro comigo, a mulher vai comigo, conheci o filho dele - agora eu estou com vergonha dele. Vou mudar de ginecologista. Vou mudar de ginecologista, doutor Freitas, se você estiver escutando isso, nós ficamos só com a amizade, está bem? Ele vai em casa tomar café, comer viradinho de queijo, tudo. Agora mesmo está ele, passei um whatsapp para ele, se ele pode ir dia 23 de março. “Oi, dona Leomira querida, podemos ir sim, pode contar com a gente”. Já passei a sinopse da peça, até agora está confirmado que ele vai com a Araci, mulher dele. Agora tenho vergonha.
P/1 – Dona Leomira, voltando um pouco - um pouco não, bastante - para a infância da senhora, eu queria saber da casa onde vocês moravam em Guareí. Porque eram nove filhos, mais o pai e a mãe. Como era essa casa para acolher todo mundo da família?
R – Então... A gente tinha casa na cidade e casa no sítio. Então, os que estudavam na cidade ficavam na casa da cidade. Os que trabalhavam no sítio ficavam na casa do sítio. Às vezes trocava… Aí foram casando, cada um foi ganhando a sua casa, foi tendo a sua casa, formando a sua família e os filhos foram diminuindo. Quando chegou na época em que não tinha mais nada que fazer no sítio, coube todo mundo, porque os mais velhos já estavam casados, cada um na sua casa, com bastante filho, não é? Deixa eu ver… Eu tenho um irmão, gente, que ele já é falecido... Três faleceram. Então, agora somos só seis. Eu tenho um irmão que teve onze filhos. O caçula, ele é Down…
P/1 – Síndrome de Down.
R – Síndrome de Down. Ele tem… Desses onze filhos, o caçula tem Síndrome de Down. Todos belezinha, todos trabalham, todos casados, só esse que tem Síndrome de Down que não é.
P/1 – Mas dona Leomira, a casa onde a senhora passou a sua infância, qual foi? A da cidade ou a do sítio?
R – As duas. Eu fiquei na casa da cidade e na casa do sítio também, porque eu gostava, sabe, de ficar no sítio. Então eu tive um pouco de… Porque, de acordo com a minha emoção, com os meus sentimentos, a despedida para mim é morte. Ah, eu não quero falar essa palavra “morte”. A despedida para mim é muito sofredora. Porque eu queria ficar com a minha mãe na casa da cidade, mas eu queria ir para o sítio com o meu irmão. Então, ficava aquele impasse, não é? Aí, a minha mãe falava… Mas, nesse tempo, eu não estava na escola ainda, era criança. Então, a minha mãe falava assim: “Pode ir, pode ir, fica lá com as irmãs mais velhas no sítio”. E o meu irmão ia a cavalo, era perto o sítio, sabe? Acho que de Guareí dava uns nove quilômetros. Pertinho. Aí, quando estava chovendo, era a coisa mais engraçada: ia a cavalo e ele punha o fôrro assim na garupa do cavalo. Tinha o arreio, na garupa ele forrava bem, com tapete, colocava a capa dele de chuva e ia coberto pela capa. E daí ia ao sítio. Mas eu tinha saudades da minha mãe, a vontade de voltar e eles não podiam, eles precisavam trabalhar, não é? Porque eles trabalhavam na lavoura e feijão, arroz, milho, melancia, sempre foi… Eu vivia assim, no meio de fartura de alimentos. Tanto é que eu trouxe isso comigo, eu sou meio exagerada ao comprar mantimentos. Sabe, eu compro assim até demais, porque sempre a gente viveu na fartura de sacos, assim e tal. Então, por isso que deu a casa. Era dividido, um pouco no sitio e um pouco… O sítio chamava Capela Velha e eu frequentava a escola do Itatibe, que era vizinha. E frequentava a escola de Guareí, também.
P/1 – E ainda na infância, quais eram as brincadeiras da senhora?
R – Muitas. Vinham minhas colegas… Então... Na casa em que eu morei, em Guareí, tinha um quintal enorme, tinha jabuticabeira, goiabeira, e tal. As minhas amigas iam lá e a gente brincava de casinha, sabe? Sabe as latinhas de massa de tomate? A gente não tinha dinheiro para comprar brinquedo, não é? Esses brinquedos que existem de plástico agora. Eram latinhas de massa de tomate, era assim... Que a gente achava espalhado. Era osso de animal que a gente achava espalhado assim no quintal. A gente pegava ossinho. A gente fazia fogãozinho, era uma delícia. Prateleirinha de papelão. Assim... Punha as pedrinhas, que eram as xícaras, sabe? Era uma delícia. Teve uma… Eu estava no quarto ano - porque naquela época era quarto ano - houve um concurso de desenho na escola e era pertinho de casa também a escola em que eu estudei lá em Guareí - Coronel Castanho de Almeida. Aí, teve um concurso de desenho, fiz o desenho e tudo. Qual foi o meu desenho? Aqueles desenhinhos esquematizados assim, uma pescaria. Um rio, pescando, outro lá embaixo da água, e tudo desenhado… E eu ganhei esse concurso de desenho. Só que o diretor, o professor, não avisou quando que iria ser homenageada, não é? Bem no dia da homenagem, que fizeram uma festa lá para as outras classes também que ganharam o concurso de outros desenhos e tal, eu não fui, porque era dia de lavar roupa… Ah, eu tinha nove anos. Era dia de lavar roupa e a minha mãe mandou eu lavar a roupa e eu não fui à escola. Sabe qual foi o prêmio? Eram quinze reais agora… Eram quinze cruzeiros, acho. O prêmio era de quinze cruzeiros. Aí, a diretora colocou num envelope e eu não estava lá para ser homenageada. No dia seguinte eu fui para a escola, a diretora... Estavam lá os meus quinze cruzeiros, dentro do envelope. Gente, era um dinheirão. Ai, que delícia. Gastei tudo em doce (risos). Aí estavam lá os quinze cruzeiros dentro do envelope, porque eu ganhei o concurso de desenho. Uma belezinha o meu desenhinho.
PAUSA
P/1 – E, dona Leomira, eu queria saber ainda na infância da senhora… Se quiser continuar a história que gastou tudo em doce…
R – Não. O prêmio que eu ganhei no concurso do desenhinho eu gastei tudo lá no armazém. Ainda existe hoje, gente, vocês não devem conhecer... Existem os doces de antigamente. Aquele suspirão assim, que dói no dente, copinho de Maria Mole, tudo aquilo. Comprei doce de batata doce, conhece esses docinhos? Então, esses doces aí, copinho. Ah, tinha aqueles pirulitos, que era assim... Era uma tábua, esta tábua era toda furadinha, com negócio para pendurar aqui no pescoço. E aí o menino saía na rua vendendo os pirulitos que as mães faziam, de açúcar. Era um açúcar apurado como calda, não deixava como calda, deixava duro. Daí, enrolava em papel de seda, punha o palitinho no meio, colocava assim na tábua e os meninos saíam pendurados. Aí, por que eu não tenho foto, não é? Os meninos pendurados assim, saíam para vender os pirulitos na rua, olha que delícia meus pirulitinhos. Aí, tinha também quebra queixo, que eram só doces feitos desse mesmo material, mas era assim que nem bala, aquela bala dura, mas era quebra queixo. Que, para comer aquilo a criança ia consumindo, chupando, não é? Porque era quebra queixo mesmo, porque se tentasse, quebrava o queixo.
P/1 – E, dona Leomira, ainda na casa da senhora, tinha divisão de tarefas?
R – Tinha. E se não fizesse, apanhava. Tinha divisão de tarefas. Por exemplo, a minha irmã, as minhas duas irmãs são mais velhas do que eu. A missa começava às dez horas lá em Guareí e, naquele tempo, o arroz que vinha do sítio onde o meu pai plantava, era com casca. Então, antes das minhas irmãs irem à missa, elas tinham que socar aquele arroz no pilão. Às vezes, as colegas delas chegavam em casa para ir à missa junto com elas, a colega também entrava no pilão para socar o arroz, para deixar o arroz limpinho. Ai, que delícia, aquele arroz limpinho. Deixava o arroz limpinho para ir à missa, para minha mãe fazer o almoço. Aí, quando chegava da missa, o arroz estava todo limpinho, já estava pronto o almoço. Chegava da missa era só almoçar. Então, essa era a tarefa. Mas não assim, sagradamente, sabe? Por exemplo, uma via que o pote não estava cheio - água de poço - não estava cheio de água, ela ia lá, pegava água do poço, enchia o pote. “Hoje, é você quem vai lavar roupa…”. Porque era assim: à medida que elas iam casando, ia diminuindo… Eu, com nove anos, já cozinhava. Lembro de que eu estava na escola e a minha irmã estava na escola, os mais velhos estavam no sítio. E o meu irmão também ficou com a gente lá, porque a minha mãe também estava no sítio. Então, ficávamos só nós três na cidade lá de Guareí. Meu irmão era técnico, ele pegava lata de massa de tomate, de cerveja, colocava um cabinho e vendia, sabe? Nossa, não vencia! Litro assim, de óleo, sabe, que gastava, ele amassava a beiradinha, porque corta o dedo da gente se não amassar. Ele amassava a beiradinha assim e punha cabo, gente. Precisa ver, não vencia. Ele fazia um dinheiro daquela coisa. A minha irmã, que é mais velha do que eu, ia na escola de manhã e eu ia à tarde. E, nesse dia, ela comprou linguiça, ela queria comer arroz com linguiça. Aí, o meu irmão lá na oficina dele, fazendo as coisas dele, Nossa, não vencia. Sabe essas latinhas de Coca-Cola? Ai, que belezinha, ele colocava o cabinho em tudo. E aí, a minha irmã me deixou incumbida de fazer o tal arroz com linguiça, porque eu tinha que almoçar antes, para ir para a escola - ela chegava e eu já ia para a escola. E eu esqueci de fritar a linguiça para pôr no arroz. Quando eu vi, arroz na panela de ferro, gente, fogão à lenha, ai, que delícia, olha como era saudável! Aí eu esqueci de fritar a linguiça, porque a gente frita bem a linguiça, deixa ela bem queimadinha para o arroz ficar amarelo, antes de colocar até o alho e a cebola porque senão queima o alho e também a cebola. Esqueci. Quando vi, o arroz borbulhando de ferver. Ai, meu Deus, agora eu vou apanhar. Tinha nove anos. Agora vou apanhar, meu Deus. O que eu faço? Cortei a linguiça e fiz tudo no meio do arroz (risos). Aí, eu peguei os pedaços de linguiça, bem vermelhos lá, pus tudo no meio do arroz, que já estava fervendo assim, não é? Minha irmã chegou lá, não falou nada e aí comeu a linguiça, com feijão e tudo. Meu irmão também não falou nada. Passou. Daí eu fui para a escola. Na escola, eu fui muito… Desde que eu nasci, eu estou na berlinda, gente! Tem mais alguma pergunta para fazer?
P/1 – Tem um monte.
R – Então, faça.
P/1 – Pode continuar?
R – Pode.
P/1 – Eu queria saber como é que era quando a casa estava cheia? Como é que era na hora de dormir? Como é que vocês se dividiam na casa?
R – Nunca dava certo de dormir todo mundo. Tinha três quartos, geralmente as mulheres dormiam num quarto só e os homens, que nunca estavam juntos porque estavam no sítio, sabe? Quando uma parte estava no sítio, a outra estava na cidade. Como agora que eu falei para você. Aí, no final de semana, vinha a minha mãe com a minha irmã, ficava… E o meu pai, não é? Vinham os três do sítio. Aí, ficavam os seis só, na casa. Então, tinha três quartos, tinha catre - a gente dormiu em catre também, não daquele que eu expliquei para vocês, na história com a Catarina, mas aquele catre de guarda, sabe? Era assim, assim, e tinha uma travessa aqui e uma travessa lá mais baixinha. Nunca dava certo de estar todo mundo junto, nunca dava certo.
P/1 – E tinha algum momento no ano que reunia a família toda? Algum momento especial?
R – Que reunia a família toda? Mas aí era no sitio, sabe? Era no sítio, criava porco, criava galinha, plantava ervilha, feijão, milho, cenoura, repolho, aí todas aquelas coisas maravilhosas. E a minha mãe ia lá no terreiro, pegava o frango, matava e fazia ervilha com frango no caldeirão desse tamanho, assim. Frango à caipira. A gente se reunia assim, nessa época, tudo… Eu nunca tive, assim, muito Papai Noel, sabe? Quando a gente estava na cidade, que eu ainda nem estava na escola, eu ia com a minha irmã. Inclusive, essa minha irmã que agora eu estou cuidando dela, a gente ia num terreno em frente de casa, no dia 24, na véspera de Natal, a gente ia nesse terreno e catava capim, gravetos… “Vamos arrumar hoje o fogãozinho, Papai Noel vem hoje e aí se ele não achar nada para fazer aqui o café dele, nada, ele vai ficar chateado”. Aí, eu ia lá no quarto, colocava… Fazia o fogãozinho, punha lenha, deixava o capim para o cavalinho dele, acho que a gente já estava grande, já nessa época, que eu lembro. No outro dia, amanheceu num pires um pedaço de marmelada e queijo que o Papai Noel deixou lá para nós. Aí, parecia que era um doce diferente, sabe? Para mim e para a minha irmã, mas o capim todo espalhado, que o cavalinho comeu, a lenha toda espalhada, falei: “Olha que Papai Noel bagunceiro” - eu falava para a minha irmã (risos) - bagunçou tudo e foi embora. E deixou um pedaço de marmelada com queijo e foi embora. Ai, que delícia.
P/1 – E, dona Leomira, quando vocês iam para o sítio, a senhora e as suas irmãs ajudavam em alguma atividade lá?
R – Tudo. Minha irmã ajudou até na roça. Cozinhar, não é? Cozinhava, porque tinha muito camarada. Camarada você sabe o que é? O camarada, antigamente, a gente chamava de camarada, vamos dizer que seria hoje um auxiliar na lavoura, para colher milho. É duro colher milho, não é? Vocês já viram colher milho, lógico, não é?
P/1 – Mas conta para a gente.
R – Na época... Porque era o milho verde, pamonha, sopa de milho, virado de milho, milho, milho… Ai, que delícia! Aí o milho secava... Porque era para venda... O milho secava, ficava a folha seca, dessa cor aqui assim, apanhava o milho… Aí, ia para debulhar o milho. Quando era assim vendido lá mesmo no sítio, que muitos, às vezes, não plantavam, era vendido lá mesmo no sítio, debulhava lá mesmo, na mão. Pegava o sabugo, debulhava na mão. Mas quando era na cidade, ia lá na máquina para debulhar, enchia vários sacos de milho assim para levar para a cidade para comprar… Meu irmão... Esse que punha cabo nas canequinhas, ele gostava de plantar legumes, sabe? Então ele plantava de tudo para gastar e para vender também, porque ele colocava legumes, beterraba, cenoura, legumes numa mala assim, vamos supor aqui, uma mala aqui. Esse lado, fechada a mala; esse lado… Porque aqui ficava no cavalo, então ele enchia aqui de legumes: batata doce, cenoura, beterraba, ervilha, tudo que você imaginava ele vinha vender na cidade. Ele gostava dessa parte no sítio, ele ia lá também, fazia a plantação dele e tudo para vender na cidade, e ficava mais com a gente na cidade. Eu tenho uma passagem muito legal, que quando colhe o arroz é assim... Fica cheio de palha o arroz. Porque seca e para ficar só o grão de arroz, daí era feito… Hoje é chamado de… Ai, como é que a gente fala? Sumiu. Eu subia lá em Brasília para ver o… Que a gente sobe lá em cima para ver?
P/1 – Tipo um mirante?
R – Mirante. Eu subi lá em Brasília, eu subi num mirante para ver Brasília, não é? Aí, eles faziam o Mirante. Assim... Era uma espécie de um… Como que a gente fala…? Mas bem alto? Lá em cima, mesmo. Para fazer prédios, assim, sabe?
P/1 – Andaime?
R – É uma espécie de um andaime. Mas de madeira, pegava a madeira lá no mato, bem alto, eucalipto, tudo, e fazia o andaime. Nesse andaime, tinha uma escada para subir. Aí, trazia o saco de arroz, que estava sujo e pagava para… Ou a gente mesmo fazia, pagava para os camaradas virem, ajudantes lá, para virem, daí eles subiam… Olha, gente, com o saco de arroz aqui, subiam lá no Mirante, que era feito de madeira, com uma pá, aí ia tirando arroz sujo daquele saco e de lá de cima eles jogavam o arroz aqui em baixo. A sujeira ia desse lado e o arroz, limpinho, ficava aqui. Gente do céu, eu nunca fiz porque eu era criança, eles tinham o cuidado de subir lá e tal, mas eu subia. Às vezes, domingo, a gente estava lá. E do lado assim, da casa, tinha um pé de laranja. O que eu fazia? No domingo, ninguém estava trabalhando lá, todo mundo estava folgando para começar a segunda. Aí, eu pegava várias laranjas e colocava aqui assim, umas laranjas com uma faca e subia, mas minha mãe não via, ninguém estava vendo, acho que estava só a minha irmã lá no sitio comigo, e eu subia nesse Mirante, lá em cima, gente, eu via toda a floresta lá do sítio. Assim... Teve um dia em que eu até dormi lá em cima. Agora eu lembro, agora dá frio no estômago. Gente do céu. Eu subi com as laranjas, chupei as laranjas, olha que perigo de cair com a faca? Chupei as laranjas e ficava lá, pertinho do céu, os passarinhos cantando, porque era largo, sabe, para a pessoa que estava lá em cima não conseguir… Era bem protegido, e tal. Mas olha, gente, eu não deveria ter uma corda amarrada nessa pessoa para subir a escada? Não tinha nada de proteção. Nada, nada para subir a escada, feita de madeira, do mato que cortava, o eucalipto, feito de madeira para subir e eu fazia isso, eu ficava… Olha como que é, não sei no que contribuiu essa minha atividade lá, mas deve ter contribuído para alguma coisa, que eu já vi as coisas bem do alto.
P/1 – E seus pais não ficavam lhe procurando?
R – Não. Não, estava acho que com a minha irmã, meu irmão, ficavam todos dormindo lá na casa. Daí, vencia o meu prazo, já via tudo, chupava as laranjas, descia a escada de ré. Você sabe, para descer uma escada de ré é mais fácil, muito mais fácil do que você descer assim, pisando. E dessa passagem eu tenho saudades. Até que tem um terreno lá, eu estava conversando com o Eduardo: “Ai, que vontade de fazer um Mirante”. Porque o terreno lá tem uma floresta no fundo, tem um rio que passa por lá, mas é rio poluído. Eu falei: “Eduardo, que vontade de fazer um Mirante”. Como eu tenho essa passagem na minha vida… “Está com febre?” Mas aí eu ia fazer escada com corrimão, eu ia contratar um feitor para fazer a escada, eu ia contratar para fazer o Mirante para ver Itapetinga lá do terreno que eu tenho, lá da chácara que eu tenho lá. Eu estou com febre? Vamos medir: 42? Porque eu acho que eu estou com febre de falar isso. Eu tenho saudades. Ai, que saudades que eu tenho dela. Eu tinha a minha irmã assim, porque aí uma irmã já estava casada - duas irmãs já estavam casadas - então, sobraram quatro irmãs, porque éramos seis. Passou na TV Tupi uma história de Itapetininga “Éramos Seis”, não sei se vocês ouviram falar? Quem trabalhou mesmo? Parece que foi a Irene Ravache. Não. A Nivea Maria. Essa história passou lá, então ficou o ‘éramos seis’ lá em casa. Aí, a minha irmã mais velha, que eu considero assim a segunda mãe minha, porque ela que cuidou de mim... E a minha irmã, que era antes de mim, cuidava dessa que eu estou cuidando agora. Então, cada uma pegou uma irmã para cuidar, não é? Ela que mandava fazer vestido para mim, ela que paparicava, que carregava, que levava na igreja, mas ela é dez anos mais velha do que eu, então ela era… É minha segunda mãe até agora. Dia das mães, ela é a minha segunda mãe. Quando eu estudava no sítio, a professora ia de Itapetininga, aí eu era auxiliar da professora, eram três classes - primeira, segunda e terceira. Não, quarto ano. Era primeiro, segundo, terceiro e quarto anos. Essa professora que ia de Itapetininga, às vezes... Nossa, a professora aproveitou muito de mim. Só porque eu terminava as minhas coisas antes, ela me punha para ensinar os outros, assim, percorrer a classe, ajudava. Não tinha nada. E, às vezes, dia de sete de setembro, quinze de novembro, essas datas comemorativas, era obrigado a professora ir para comemorar com os alunos, e ela não ia. Mas ela mandava eu abrir a escola e dar atividade para os alunos, para ficar a data no caderno. E aí, eu dava.
PAUSA
R – Então, ela me mandava abrir a escola, eu dava liçãozinha para o aluno, porque se o supervisor fosse à escola, tinha data registrada, sabe? Essa professora foi a minha primeira professora. Ela ainda vive, ela mora aqui perto da Praça da República, a Clélia, e eu era o xodó dela. Eu vim visitá-la duas vezes, eu me comunico com ela por telefone, tenho foto, até está no meu celular, foto dela, mas, olha, gente, como prêmio por eu fazer essas coisas, ela tinha mania de trazer um aluno, como prêmio, em Itapetininga, sabe? Para conhecer a cidade, para passear com ela, ela trazia no sábado e a gente voltava na segunda-feira. Para conhecer Itapetininga; às vezes ia ao cinema e tal, tal. Até eu lembro do dia em que ela me trouxe, o meu pai... Compramos flanela, sabe? Bonita, mas era uma flanela… Você conhece flanela? Conhece, não é?
P/1 – Mas pode explicar para a gente o que é.
R – A flanela é um agasalho que a gente faz para o frio, bem fofinho assim. E a minha mãe mandou fazer um casaquinho para mim, para eu trazer, não é? Porque ela não queria que trouxesse velho, aí minha mãe mandou fazer para trazer, por causa do frio, para não passar frio, aquele cuidado de mãe lá. Mas eu não usei, a Clélia, minha professora, deu uma jaqueta da irmã dela, uma jaqueta bonita para eu usar. Aí eu só vim com o casaquinho de flanela, que a minha mãe mandou fazer e aqui eu usei um casaquinho da irmã dela, cor de vinho. Então, ela trazia como prêmio. Ela só trouxe dois alunos: eu e a Shirley. Eu vim. Acho que por isso também que deu um impulso para eu seguir a carreira de professora, para conhecer outras coisas. E esse propósito da minha professora, eu fiz com os meus alunos lá da… Porque o primeiro ano que eu peguei escola para o ano inteiro, com os meus alunos da Rocinha, que é a história da Catarina que eu falei para vocês, e trouxe também de uma outra escola lá. Eu trazia os meus alunos para ficarem comigo no dia de sábado… A gente dava aula sábado? Dava! Aí, dava aula sábado e ficava sábado, domingo; segunda-feira eles voltavam comigo para a escola. Também fiz isso que a minha professora fez comigo. Achei muito legal. E quando estava no Major Fonseca, não tinha televisão ainda. Ai, que aflição, quando eu comecei a dar aula lá, toda sexta-feira eu levava uma televisãozinha minha do Paraguai, desse tamanhinho assim a tela dela. Eu levava para a sala de aula para passar desenhinho para os alunos. Saíam meio-dia, vamos supor; às onze e meia eu ligava, já estava tudo encerrado, todo o material guardado, tudo, eu ligava a televisãozinha desse tamanhinho assim para os alunos ficarem assistindo desenhinho. Essa é a minha professora Clélia, mas eu vim visitar a Clélia e fiquei um pouco triste, porque assim... Eu era… Não tinha as condições que ela tinha, sabe, de progresso assim, eu não tinha as condições que ela tinha, sempre me considerava assim abaixo, porque o pai dela tinha loja de tecidos, ela era professora, era muito mais abastada do que eu. Mas agora eu vi o que eu progredi na minha vida e ela não. Gente, ela não acende um forno elétrico, a TV dela é aquela TV sempre de tubão, sabe, coitada! Ela não tem celular, sabe? Ela não tem tudo que eu tenho. Assim... Porque eu preciso sentir necessidade de ter e ela não acha necessidade de ter. Nossa, como eu progredi em relação a Clélia, não é? Em relação à minha primeira professora. E a minha segunda professora já era, também, aqui de Itapetininga. E cada vez que eu ia para o sítio, a dona Amélia reclamava, porque eu era boa aluna, então não poderia ir para o sítio. Cada vez que eu vinha na escola da cidade... Porque eu frequentei o primeiro ano no sítio, segundo ano na cidade, mas teve… Na metade do ano, do segundo ano, eu precisei ir para o sítio. Era assim. E eles reclamavam muito, iam reclamar para o diretor, porque naquela época a professora também ganhava pelo número de alunos que passavam de ano, olha que interessante, não é? E ela não gostava - dona Amélia, nem a Clélia não gostavam dos melhores alunos serem retirados da sala de aula. Então, era meio chato nessa época.
P/1 – Dona Leomira, eu queria perguntar agora, falando um pouco desse fim da infância, a sua mãe e as suas irmãs conversavam com a senhora sobre como era ser adolescente? Como que foi para a senhora entrar para a juventude?
R – Não! Tanto é que eu fiquei grávida na lua de mel. Não tinha essa conversa, não tinha. Sabe, era tudo reservado. Na lua de mel eu fiquei grávida. Daí nasceu a Gislaine. Quando eu me casei e tal, eu estava na minha casa, uma vizinha, que até agora ela vive ainda - a Cida Santos, uma vizinha minha - falava assim: “Olha, Leomira, converse com o seu ginecologista – que era o doutor Cid, ela já era mais avançada do que eu – ele dá comprimido para evitar, para não ficar grávida”. Nossa, correndo eu fui lá: “Doutor Cid, eu quero um comprimido agora para evitar”. Porque eu estudava, meu marido trabalhando, filho, não é? Era pesado. Aí ele deu. A Gislaine, com o Júnior, são seis anos de diferença. O Júnior com o Eduardo, seis anos de diferença. Aproveitei bem.
P/1 – E antes da questão da gravidez, se a senhora puder contar para a gente como foi ficar mocinha, como foi esse dia.
R – Ah, é para a gente mesmo, é tudo luz divina, não é? Não tinha assim... A gente sabia assim por colegas, sabe? Por primas com as quais a gente saía junto, colegas, a gente falava, a gente não falava se veio a menstruação, ai, como é que a gente falava? “Fiquei mocinha”. Aí, tinha ciúmes de quem ficava primeiro. Eu lembro, eu contei para a minha colega, para a minha prima: “Aí, você já ficou mocinha?” Porque elas também já tinham treze anos e não vinha nada ainda, elas ficavam com ciúmes da gente ficar mocinha antes. Era mocinha, mas tinha outro nome… Tinha um outro nome que a gente dava, menstruada…
P/1 – Era vir as regras, não era?
R – Regras. “Veio regras para mim”. Uma coisa assim, era muito diferente. Não tinha médico na minha época, a gente ficava com febre, era o farmacêutico da farmácia lá, mas era como médico. Até quando estava… Casei, tinha as crianças em Itapetininga, o farmacêutico, doutor Quitu, que atendia a gente, Nossa, e aí, quando a gente via… aí, que lindo que era, mas não tem fotos, deve ter foto antiga. O “seu” Virgílio, ele tinha um sobretudo, sabe? O sobretudo, que vestia por cima do paletó quando estava frio, ai, que lindo que era. Chapéu, bota de cano até aqui e aquela calça que estava enfiada assim na bota. O “seu” Virgílio. Quando o “seu” Virgílio, a pé, passava na rua, a gente ficava sondando em que casa ele ia, porque era gente doente que tinha, olha que legal?
P/1 – E naquela época, dona Leomira, quando vocês ficavam menstruadas, tinha alguma coisa que vocês não podiam fazer?
R – Lavar o cabelo. Gente, olha, não podia lavar o cabelo porque virava a cabeça, porque isso, porque aquilo… Mas, gente, eu conheço uma pessoa em Itapetininga que quando está menstruada não lava o cabelo, ai meu Deus do céu. Aí, comentam até agora. Fica aquele cabelo assim, oleoso. Se a menstruação durar dez dias, ela não lava a cabeça, o cabelo. A gente fala cabeça, porque envolve tudo, não é? Então ela não lava o cabelo. Depois que passou a menstruação, que não vem mais nada, aí ela lava. Mas antigamente, também, a gente não lavava porque conversa de comadre, tudo tinha os mesmos princípios. Nossa, imagine, depois que eu me casei, não, antes de casar já… Essa regra eu não segui muito. E outra coisa também, quando as crianças ficavam com sarampo ou catapora, não podia… Tinha que ser quarenta dias de dieta, não podia comer isso, comer aquilo, não podia ficar descalço, eu lembro até agora quando eu cumpri os quarenta dias porque estava com sarampo. Eu e as minhas irmãs, a gente ficou com sarampo e aí passaram-se os quarenta dias, a dieta do sarampo para não voltar. Quando cumpriu estava chovendo, ai, que delícia, saímos todas descalças no barro. E tomar chuva, ai, que delícia.
P/1 – Dona Leomira, então a pergunta é se a senhora se lembra da primeira vez em que viu o seu José.
R – Lembro! Foi no banco, no Banespa, que agora é Santander, não é? Uma agência… Santander é espanhol, não é? Agência espanhola, agora são os espanhóis que mandam lá no Santander. A gente tinha se conhecido no banco e no interior tem a praça. Na praça... Existe até agora essa praça - Largo dos Amores que a gente fala, é a praça dos bancos, porque tem banco em tudo quanto é lado. Então os homens ficavam nos postinhos, em grupinhos assim de homens e a gente ficava girando. Então a gente ficava entre três, quatro colegas, assim, girando a praça, e aí a gente flertava. E lá no poste da praça é que eles ficavam. Ficavam três, quatro de olho também na gente, dava uma raiva, porque a gente queria flertar com fulano, mas aí os outros ficavam flertando com a gente também, sabe? Aí, foi assim. Até que, um dia, o meu marido me convidou para sair da praça. Ele saiu do grupinho lá e eu saí das colegas também, porque a gente... Éramos três, também, colegas: a Zacarias, a Sônia... Tinha mais colegas. A gente saía, começava a conversar, se apresentar, tal e tal. E foi assim que a gente começou a namorar.
P/2 – Quantos anos?
R – Três anos namorei antes de casar.
P/2 – Mas a senhora tinha quantos anos quando o conheceu?
R – Tinha quatorze. Não, espera aí. Casei com vinte e um anos - dezessete, dezoito anos, estava estudando ainda.
P/1 – E, dona Leomira, como foram os preparativos para o casamento?
R – Aí, os preparativos foram assim: até então todos já tinham casado, não é? Faltavam duas semanas para o casamento é que eu fui ver o meu vestido de noiva. Não tinha aquela aprontação: “Vou em loja…”. Aí eu falei assim para o meu pai: “Pai, eu vou lá naquela loja e vou comprar o tecido para fazer o vestido, porque está chegando o casamento”. “Pode ir lá e compre lá”. Aí comprei, foi um vestido de renda. Minha tia morava do lado, eu fui e conversei com ela: “A senhora me ajuda a fazer?” Eu e ela fizemos o meu vestido de casamento. Saiu bonitinho até, com armação, inteirinho de renda, mas aquela renda assim, que não se destacava bem a coisa. Ela disse: “Vamos fazer uma coisa? Manguinha curta…”. Não, deixa eu ver: sem manga, parece que sem manga ou manguinha curta. Ela falou assim: “Sobrou tecido de renda”. Ela fez uma luva que enfiava só o dedão aqui para segurar e vinha até o cotovelo assim, e ela fez a flor para o buquê. Gente do céu, ela fez a flor branca para formar o buquê, porque a minha tia era florista. Ela fazia umas rosinhas bem pequeninhas, eu a ajudava também lá; à noite; não tinha o que fazer lá quando era jovem, ia lá ajudá-la a deixar crespinhas essas florzinhas, coisa mais linda do mundo. Aí, nós fizemos para pôr no cabelo, também, uma tiara de flor. Para pôr no cabelo. No dia... Porque eu me arrumei em casa mesmo... Minha prima, que mora agora aqui em São Paulo - ela é advogada aqui em São Paulo - ela foi lá para ajudar. E o Zé ficou aqui, ele estava aqui, foi no dia também. Foi o padrinho dele, que foi nosso padrinho de casamento, que o levou de carro para Guareí para… Que levou ele em casa, em Guareí. O bolo foi o meu irmão quem deu, aquele bolo de andar assim, mas eu que fiz. Vestido e o bolo de andar assim - primeiro, segundo, terceiro, quarto andares. E em cima tinha um casal de noivinhos. Foram os colegas dele de banco, eu tenho até agora os cartões de casamento, sabe, dos colegas de banco dele que mandaram, não é? Foi o bolo de andar, mas fui eu que fiz. O meu irmão deu o bolo, mas eu que fiz. O meu irmão tinha um bar lanchonete, aí eu fiz tudo lá, a ceia, tudo lá no bar dele.
P/1 – E como foi a lua de mel?
R – A lua de mel, a gente saiu de Guareí no carro que o padrinho dele levou, já viemos bem tarde da noite, porque teve bolo… Antes, a gente já alugava uma casa em Itapetininga, sabe? A gente veio direto para casa. No dia seguinte, a gente pegou o Cometa - já tinha reservado hotel, tudo - a gente pegou o Cometa e viemos aqui para São Paulo, de Cometa. Eu lembro do nome do hotel, na Avenida São João. Até quando o Zé fez o curso aqui de supervisor, ele ficou nesse hotel. Aí eu lembro o nome do hotel, na Avenida São João, tem uma praça na frente que eu lembro, ai, que delícia, tem uma praça; à noite, a gente saiu do hotel, veio passear na praça, sabe? Agora não dá mais para fazer isso, agora…
P/1 – E, dona Leomira, como foi descobrir essa intimidade do casal?
R – Na lua de mel... Porque era assim, antigamente, como eu falei para você, os princípios é que comandavam a gente, então, eu mesma era uma que não queria deixar os meus pais tristes e tal, a gente suportou até o casamento. Eu estudava, o Zé trabalhava e tal, mas ele não foi morar na casa que a gente alugou. A gente alugou a casa uma semana antes do casamento, mas o Zé ia lá, eu ia lá, porque ele morava no Hotel São Paulo, em Itapetininga. Ele morava no hotel, porque ele não era de Itapetininga, não tinha família lá, ele veio de São Miguel Arcanjo, como eu falei no princípio. Ele era lá do bairro Santa Cruz, que pertencia a São Miguel Arcanjo - até o meu irmão também mora em São Miguel Arcanjo. Ele comia no hotel e dormia na casa de uma tia dele, que agora esse sobrado que ele morava… Dormia, porque ele comia no hotel e dormia na casa da tia dele para lavar roupa dele, as coisas dele, pagava para lavar. Daí, coincidência, fomos morar na mesma rua em que a tia dele morou, que ele dormia na casa da tia. Umas coincidências assim, sabe, que a gente volta, coisa mais engraçada. E foi assim, com lutas e mais lutas, sabe assim? Dando conta do recado.
P/1 – E descobrir a primeira gravidez? Quais foram as primeiras sensações?
R – Ai, gente, não fiquei nada contente. Ai, Deus que me perdoe. Minha filha é maravilhosa, mas eu fui lá no doutor Cid, o doutor Cid deu para fazer o teste lá, sabe? Fez lá o teste no laboratório, porque agora tem teste da farmácia, tudo fácil. E deu para fazer o teste, deu positivo. Não tinha problema, lógico, mas foi muito difícil porque...Início de casamento, não tinha dinheiro, o enxoval da minha filha, praticamente eu fiz tudo na mão. As roupinhas para levar para o hospital, casaquinho, tudo na mão. Até o lençolzinho dela, para cobrir, eu bordei à mão. Tudo. O Júnior já teve mais sorte, segundo filho já… O Eduardo teve… Tanto é que as fotos, as da Gislaine e as do Junior, são preto e branco; do Eduardo já é mais colorido. Olha que gozado, não é? Porque seis anos depois.
P/1 – Alguém tem alguma pergunta específica? A princípio, eu já iria para o fim da nossa conversa, dona Leomira, mas não sei se a senhora quer falar mais alguma coisa, você tem alguma outra história que a senhora não contou?
R – Ah sim, tem essa passagem que também é superinteressante. Então, como a minha professora morava…
P/1 – Ah, e tem a história do seu esposo também, que a gente tem que saber, não é?
R – Isso. Então... A minha professora morava em Itapetininga e ia dar aula lá no sítio. Aí, eu estava na cidade, estava lá em Guareí, ela ia de charrete para dar aula - ela ia de Itapetininga a Guareí, pegava a charrete com o “seu” João Uza e ia de charrete para dar aula. Esse dia ela deu carona para mim. Aí, o “seu” João Uza ia dirigindo o cavalo lá, a professora do lado e eu em pezinho atrás, segurando no encosto da charrete. E aí, quando o cavalo deu um soco, escapou minha mão, caí com tudo para trás, ai meu Deus do céu (risos). E eles caminharam com a charrete, não é? Teve uma hora que ela olhou para trás: “Cadê a Leomira?” Caí de costas, aí levantei e fiquei parada e eles caminhando, não consegui gritar, nada. Ele voltou com a charrete e subi de novo na charrete. Aí ela me pôs sentada do lado para ir para a escola. Agora eu penso cá comigo: gente, por que eu tinha necessidade de ir na escola do sítio? Não podia ficar só na escola da cidade? Essa é a pergunta que eu faço até hoje, porque sabe... Os pais antigamente… O que eu acho, eles tinham amor, mas era um amor assim diferente, era um amor de posse, sabe? Ele era proprietário daquele filho, aquele filho não podia manchar o nome dos pais e então, era assim, de controle, que não podia manchar o nome dos pais. Eu lembro de uma passagem, lá em Guareí, uma moça que ficou grávida, solteira, e antigamente tinha procissão, aquelas coisas. Os nove meses que essa moça ficou grávida, ela não saiu de casa, o pai não deixou, para não verem a barriga dela. A procissão passava, ela estava na janela, assim, olhando a procissão passar e todo mundo vendo ela lá, e sabia. Os pais não deixavam porque era vergonha a filha ficar grávida, era vergonha a filha namorar, era vergonha tudo, tudo. Então, era um amor assim, um amor de coronel, um amor assim, que não sei se era amor, era um negócio assim, que pensavam mais neles do que na felicidade dos próprios filhos. A minha irmã foi pedida em casamento, com dezesseis anos, um moço bom, amava minha irmã. Dezesseis anos, ela estava namorando, meu pai não deixou casar, que eles se afastassem, que quando ela tivesse idade, daí eles começariam a namorar de novo - porque era muito cedo para ela casar. Ela foi pedida em casamento e ele não deixou, com dezesseis anos. No fim não deu certo com esse que ela gostava, casou com outro, que ela não gostava, e o meu cunhado nem gostava dela, aí… Sofre até hoje, minha irmã. O meu casamento foi um casamento assim, tudo do gosto. Eu e a minha irmã que cuidava de mim, que era minha segunda mãe, que foram os casamentos do gosto dos meus pais. Esses dois casamentos foram do gosto dos meus pais e, graças a Deus, vivemos maravilhosamente bem. O meu marido, quando foi me pedir em casamento... Porque era tudo daquele jeito, tinha que seguir aqueles princípios lá. “Que dia vocês pretendem casar?” O meu pai perguntou. O Zé falou que era tal dia e o meu pai concordou, ele tinha começado no Banespa, olha que coisa! Meu marido fez vinte e um concursos, até para ser instrutor de escola de datilografia. Ele fez vinte! O único que ele passou foi para o Banespa. Ele fez para tudo, gente, até para escrivão de polícia, até para investigador ele fez, para ser instrutor de datilografia. Vocês sabem que, antigamente, era datilografia que existia. Até para isso ele fez. O único em que ele foi classificado, que veio o resultado da aprovação dele, foi para o Banespa. E ali, ele era estimado pelo Banespa, ele tinha cliente lá do Banespa que só ele que podia atender. Era um prédio lá em Itapetininga, a porta ficava na esquina, assim. Um prédio bonito, sabe, lindo, maravilhoso! E dentro, era balcão, assim, ia até lá, vinha, dava volta, era balcão de madeira. O Banespa, quando ele começou a trabalhar. Tenho fotos até agora dos encontros nossos, de Natal, lá no clube, Nossa. Maravilhoso que era. E era... Para somar... O Caixa... Era aquela maquininha que virava assim, sabe? Errava lá, era fita que ia enrolando, que virava assim, para ir somando o que aconteceu no dia, olha que sacrifício! Agora tudo computadorizado. Melhorou bem nessa parte, eu acho que teve progresso, melhorou tudo, mas tinha mais glamour antigamente, sabe? Tinha mais glamour, o banco atendia no sábado, era aberto aos sábados e era mais bonito, não é? Depois derrubaram o prédio, formaram lá o Santander…
P/1 – E, dona Leomira, falando no esposo da senhora, se a senhora puder compartilhar para a gente como é que foi o falecimento dele.
R – Então... Foi o seguinte: ele teve diabetes. Esse diabetes, ele teve depois que a gente casou. Não! Primeiro teve a inauguração do clube dos bancários, lá em Itapetininga. E ele foi, eu não fui porque eu tinha outro compromisso. Aí, a gente morava ainda na Benjamin Constant, 596. Falei: “Nossa, você não vai levar nem um agasalho?” “Não, estou com calor”. E foi de frescurinha, foi de manguinha curta, assim, camisa… Foi de frescurinha. Aí, ele foi na inauguração, na abertura da pedra - não foi nem inauguração - a pedra fundamental para fazer o clube dos bancários, aí ele foi. A torneira era numa grama assim, no jardim. Quando ele voltou de lá, fez frio e quando ele voltou, febre, febre, tossindo, mas mesmo assim continuou trabalhando. O que virou? Bronquite. Dessa bronquite, a gente frequentou muito tempo aqui em São Paulo o doutor Uzeda, não sei se… Acho que não existe mais. Então, ele receitou remédio fortíssimo para bronquite, sabe? Para curar a bronquite dele, asma, pegou tudo por causa desse bendito dia, não tinha nada. Aí, o remédio muito forte, apareceu diabetes. Acho que começou a trabalhar no banco, também, nervo, lidar com pessoal não é fácil, ele ficou com diabetes. E aí ficamos cuidando. A diabetes dele, eu vinha de ônibus e, às vezes, também… Porque eu sou assim, de aproveitar a situação, de fazer duas coisas. Já que vinha... Eu vinha na consulta, aí descobri um médico endócrino, doutor Lineu Silveira, aqui em São Paulo, lá na rua Brigadeiro, lá perto do Ibirapuera. Não era por conta do convênio, sufoco para pagar, mas era necessário, um médico ótimo. A gente veio um dia… Porque o Zé ficou tão mal, que começou a vomitar. Eu cheguei lá, aí ele precisou dar remédio para ele, por causa do diabetes. Mas era o melhor médico e que acertou para ele também, não é? Dezesseis anos fiquei viajando com ele no endócrino - dezesseis anos - e ele parou de vir no doutor Lineu, porque este ficou com câncer e faleceu. Aí, gente, ficamos assim, órfãos. E eu sempre na frente, não é? Estava marcada a consulta do Zé no dia 21 de maio. No dia 16 de maio ele faleceu. A secretária ligou: “Leomira, sabe o que aconteceu?” A gente sabia que ele estava doente, mas nunca conversamos sobre a doença do doutor Lineu. Ele ficou amarelo assim, sabe? Aí eu falei: “Não acredito, Selma” - secretária dele. “Ele vai ser sepultado amanhã, em Sorocaba”. Peguei uma colega minha, pagamos um motorista e fomos ao velório do doutor Lineu, em Sorocaba. Ele era um médico grandão, enorme. Na hora de colocá-lo na cova, não coube o médico porque a cova era menor do que o caixão. Ele era enorme, um caixãozão assim, um quilômetro de caixão. Aí, foi colocar lá, não coube o doutor Lineu. Teve que tirar fora o caixão e os coveiros abriram a cova assim, para caber o caixão do doutor Lineu. Que ele era bem alto, Nossa! O doutor Lineu acho que tinha uns dois metros - tenho foto dele lá em casa, ele todo saudável. Nossa, eu levei flor para ele e tudo. Aí coube, arrumaram lá, punham o caixão, ainda não servia, cavoucavam mais um pouco, cavoucaram bastante assim, para sobrar mesmo. Aí, puseram o caixão; daí, coube. Enterraram o doutor Lineu lá na… Ai, como que é o nome do lugar lá? Esqueci o nome do lugar, um abrigo que ele ficou lá para ser velado. O doutor Lineu tinha um irmão - doutor Augusto - que também é de Sorocaba e endócrino, irmão do doutor Lineu. Augusto Silveira, também. Aí, o Zé não gostou do doutor Augusto, não era igual ao doutor Lineu. Achamos outro médico, por indicação da Cabesp - doutor Odilon - aí deu certinho.Bom, aí ele ficou tratando com o doutor Odilon e, por causa da diabetes... Como que a gente fala... Que ele fica fazendo… Que para o rim? Ele ficou se cuidando com o doutor Jaelson, em Sorocaba. Era do rim. E chegou a um ponto em que ele tinha que fazer hemodiálise. Aí, ficou fazendo hemodiálise por seis anos em Sorocaba. A gente pegava o ônibus, vinha para Sorocaba, fazia hemodiálise. Mas, quando eu vinha de carro, eu disfarçava - “vamos passar lá no Shopping para tomar café”. Passeava bastante lá no Shopping, porque não focava a doença para não estressar, tomava café, ficava esperando sentado no banco. Aí, eu gostava muito de camarão, para levar para casa... Esqueci o nome também... Lá no Shopping Sorocaba. Aí, levava marmitex, punha no isopor para ir bem arrumadinho, passeava bastante, ia embora para não focar só na doença. Porque se você focar na doença, você estressa e não dá conta. Então, para espairecer a cabeça, vamos espairecer lá no Shopping. E ele estava bom, andando, Nossa, fez hemodiálise lá em Sorocaba, aí passou para Itapetininga, porque o convênio liberou para fazer lá em Itapetininga, era tudo pelo convênio. Aí, passou a fazer lá em Itapetininga. Mas, deu pneumonia, ficou internado aqui em São Paulo um mês para curar a pneumonia - de sete de março até sete de abril. Aí, fomos embora. No domingo, dia oito de abril, que era Páscoa, era primeira comunhão da minha neta, da Carol, ainda fui. E aí, precisava do home care, tudo pelo convênio, aí a minha filha ficou com ele aqui em São Paulo, eu fui para Itapetininga, contratar um pintor, aí eu desocupei a salinha de TV porque tinha que ter um quarto só para ele, tudo, as paredes tinha que pintar com tinta antibacteriana, mas não sei, eu fazia assim: normalmente, sabe, tem que fazer, vamos fazer, projeto de Deus, mesmo. Aí, ficou prontinho o quarto dele, veio o fiscal do convênio, lá do home care de Campinas: “Está tudo em ordem, dona Leomira”. Para o médico daqui dar alta para ele para ir embora. Senão, se o supervisor do home care não desse o aval, ele não podia vir. Aí, deu, tudo, o levamos até de carro embora, o Eduardo que levou. Aí chegou lá, ele ficou no home care. Bom, precisou ficar com sonda no estômago, sonda bariátrica, o convênio deu tudo, alimento para ele, mas eu não obedecia muito, sabe, fazia o que o meu coração mandava, e com compaixão. Aí, tive que contratar enfermeira, uma cedo, outra à noite, para fazer o procedimento dele lá, para pôr o alimento dele na sonda. Teve um dia que eu tinha que fazer o café para dar para a enfermeira tomar para ir embora. Ele sentiu o cheiro de café e falou: “Será que eu não poderia tomar um pouco de café?” “Pode, pode sim”. Fui lá e coloquei uma xicara de café para ele: “Toma, eu sou a responsável”. Aí, pus o café para ele, ai, que delicia, como ele sentiu satisfação de tomar aquele cafezinho com sonda no estômago. “Será que não pode mais um pouquinho?” “Pode”. Como a gordinha lá do regime: “Este pode”. Aí, o Zé deu risada. Eu falei: “Pode, por minha conta”. E aí, fui lá e pus mais uma xicarazinha de café. Aí, eu falei: “Agora, só à noite que você vai tomar café”. E tomou. Eu não deixei ele passar vontade de nada. Nada vezes nada. Aí, ele tinha fonoaudióloga, ele tinha fisioterapeuta no pulmão, a enfermeira, ele tinha o que controla o peso, nutricionista, e tinha o médico que vinha uma vez por mês de Campinas para fazer avaliação e enfermeira-chefe, também para fazer avaliação. Ele tinha tudo isso. Aí eu falei para a fono: “Vamos fazer um teste no Zé, ele está tão bem”. “Vamos fazer um teste, dona Leomira, vamos fazer um teste no seu Zé.. Amanhã, você faz uma sopinha para ele – e a sopa que ele mais gostava era a sopa que tinha mandioquinha salsa – uma massa não muito seca e também não muito líquida”. Fiz a sopa, coloquei na cumbuquinha a sopa que ele gostava. A fono chegou, pegou a colher e deu para ele engolir e fez o teste aqui, com aquele aparelho que ela tem, fez o teste aqui. “Dona Leomira, engoliu direitinho”. Tomou inteirinha a sopinha de mandioquinha salsa que eu fiz para ele. Ela falou assim: “Nossa, seu Zé tá tão bem, está passando tudo na garganta dele”. Examinava assim o pulmão, se não tinha ido lá para não dar pneumonia, não é? “‘Seu’ Zé está liberado”. “Ai, não acredito”. Aí, liguei para o médico dele, para o gastro, contei a história. “Dona Leomira…”. Era mês de maio, uma terça-feira. “Dona Leomira, quinta-feira a senhora esteja com o ‘seu’ Zé na rua Itapeva”. Soutor Marcelo, toda quinta ele vinha de Ribeirão Preto para atender o pessoal aqui em São Paulo, o Zé era paciente dele. “Eu quero examinar o ‘seu’ Zé”. Gente, eu trouxe a enfermeira junto, paguei o motorista, porque tudo ocupado, trabalhando, não é? E viemos, até com alimento que estava pendurado lá no suporte que vai o soro, até com o alimento, enfermeira junto. Doutor Marcelo recolheu na salinha para fazer consulta, deitou ele na maca, viu que aqui estava… Tirou aquilo: “Mas por que o ‘seu’ Zé está com isso? Não tem necessidade”. “Para não ir comida para o pulmão…”. Falei para ele. Viu lá, tudo em ordem, ele falou assim: “Eu vou ligar lá no Hospital Nove de Julho e vou falar com o Parada”. Auxiliar dele, trabalhavam juntos, era gastro também. Vocês estão indo lá”. Fomos, chegou no Nove de Julho, já estava tudo pronto, gente, nome do Zé, só faltava assinar a ficha lá do convênio, chegamos e ficamos num bloco assim, esperando o doutor Parada sair de lá. Logo chamaram para ir para a sala de cirurgia para fazer endoscopia para ver como é que estava. Eu fiquei lá, com a enfermeira, no bloco lá, esperando ele vir. Daqui a pouco, sai doutor Parada lá, eu falei: “E daí, doutor?” “O ‘seu’ José está na sala de observação, está descansando lá, correu tudo bem”. “Mas não vai tirar a sonda dele?” “A senhora vai ver daqui a pouco o jeito que ele está”. Quando eu vejo, meu marido saindo na cadeira de rodas, sem nada. Vinte dias ele ficou com a sonda. Quando a médica colocou, ele falou assim - o Eduardo assim, a médica no meio: “Olha, agora vocês têm que mudar de vida, porque isso aí é até a morte”. Eu pensei assim comigo: “Para Deus nada é impossível”. Aqui na minha mente. Não falei nada. Na minha mente. Porque, às vezes, a médica dá o contra, não é? E aí, não valia. Vinte dias ele ficou com a… No estômago. Aí, quando ele saiu de lá, falei: “Não acredito”. Eu estava com um pote de ‘mousse’ de limão, orientei a copeira do Nove de Julho: “Não traga bolacha para ele, que acabou de tirar a sonda” Ela só trouxe o chá para ele. Estava com o ‘mousse’ de limão: ‘Você não quer esse ‘mousse’ de limão?” Bateu a mousse de limão… Desci na lanchonete, ele tomou uma xícara de café com leite, pão de queijo, chegamos em casa meia-noite, ele comeu um creme lá de maizena que eu fiz, um caqui, tomou…Voltou normal, liguei lá no convênio, em Campinas, limparam lá, tiraram todo o home care, levaram tudo embora e voltou ao normal. Ainda sobrou a dieta dele lá, devolvi tudo lá para eles, não tinha interesse de ficar. Limpei, coloquei móveis novos lá, aquela cama que a enfermeira dormia do lado, doei para quem precisava. Deixei zero. Voltei para a salinha de TV, ele ficou lá usando, assistindo jogo, e tal. Milagre. Esse foi o milagre que nós recebemos, porque o doutor Galo, que é daqui da AC Camargo, falou que foi um milagre que nós recebemos, que isso nunca acontece. Quando a pessoa coloca, ou no nariz ou no estômago, é até a morte mesmo. Que isso foi, realmente, um milagre que aconteceu. Dai ficou normal e tal, mas ele ficou fazendo a hemodiálise. Hemodiálise judia muito da pessoa. Ele estava com catarro, até o médico me ensinou a fazer o batimento aqui no pulmão para tirar o catarro. Aí, deu pneumonia, tomou o remédio, melhorou, quando foi no sábado, ele estava comendo canelone, se afogou com canelone, não estava passando bem. Foi numa quinta-feira, o Eduardo dormiu em casa, até, para ver como ele passava e aí ele não passou bem a noite, na sexta não passou bem a noite, no sábado começou vomitar. O Eduardo: “Mãe, eu vou lá na chácara, vou tomar banho, qualquer coisa me liga”. Ah, que liguei nada. Até ligar, até a pessoa se ajeitar, estava tomando banho, tem que esperar, o Júnior estava trabalhando, a Gislaine só estava com a Alice, lá, que é autista, não podia vir. Liguei para o motorista que sempre alugava carro dele para vir para o teatro. “Dona Leomira, já mando já para a senhora o carro aí”. Mandou uma van. Aí, minha vizinha: “Você vai sozinha?” “Eu vou, vou lá para o hospital, tem muita gente para ajudar”. E o motorista que veio dirigindo a van, até o apelidei de São Benedito, porque era negrinho, apelidei de São Benedito: “Vou junto com “Seu” Benedito, ele vai me ajudando”. Aí, eu vim com ele, só eu e ele, sozinha. Não dava tempo, até esperar os outros se aprontarem, não dava tempo, era urgente. Vim no Hospital Nove de Julho, os enfermeiros o colocaram na cadeira de rodas, entramos lá, levaram para o pronto-socorro, era a orientação que eu tinha. Isso é que é bom - é ter pessoas na vida da gente que sintam o que a gente está passando. O doutor Reinaldo, médico, falou: “Se o “seu” José precisar vir aqui, entra com ele pelo pronto-socorro que é mais fácil ser atendido”. Foi que eu fiz, gente, quanto médico para cada órgão que o meu marido tinha. Veio um médico... Veio médico do pulmão, médico do coração, médico ortopedista, cada um entrava…Até que todo mundo o viu, ele foi para a UTI no sábado. A minha neta, a Júlia, minha neta mais velha chegou lá no hospital dando bronca em mim: “Bonito, sai lá com o vô sozinha…”. Fiz assim para ela: “Não fale alto, aqui é hospital”. Porque o Eduardo fez o que tinha que fazer: foi na minha casa, não achou nem eu e nem o meu marido (risos), aí ligaram na Unimed, não estava, ligaram no hospital regional, que agora é Hospital Doutor Léo Orsi Bernardes, não estava, não estava em lugar nenhum, procurando eu e o meu marido, ligaram no Sírio Libanês, não estava, porque a gente é freguesa no Sírio Libanês, também, ligaram no Nossa Senhora de Lourdes, nada, aí ligaram no Nove de Julho, eu estava fazendo a ficha dele. Aí ligaram para a Júlia, que a Julia estudava aqui - essa que é delegada agora - a Júlia foi correndo lá no Nove de Julho, dando bronca em mim. “Silêncio, aqui é hospital, não pode falar alto. Por que dar bronca? O vô está sendo atendido, vai para a UTI agora, fique bem quietinha. Você veio ajudar?” “Vim, vó, vim ajudar a senhora”. “Graças a Deus”. Dai ela ficou comigo, subimos para a UTI. Foi sábado, eu fiquei na casa… Porque tem uma amiga aqui que a família é de Itapetininga, é viúva também, é sozinha, eu sempre fico na casa dela. E aí fui lá, saímos do hospital, a Júlia me levou lá na casa da Lala, nove horas da noite, no sábado. Domingo, às nove horas que podia entrar na UTI. Ainda dei o café da manhã para o Zé, dei o almoço, dei o lanche da tarde e dei o jantar, ele não estava bem, eu via lá pelo… Não estava bem. Aí, estava passando um jogo do Japão e ele era obcecado por jogo - mas ele é corintiano - obcecado por jogo, se o Corinthians ganhasse hoje, repetisse amanhã, amanhã estaria assistindo de novo. Estava passando o jogo lá do Japão, eu falei: “Não vai assistir o jogo?” Ele abriu o olho assim, olhou um pouquinho lá, na UTI do Nove de Julho. Fechou o olho de novo. E enquanto eu estava com ele lá, comprava jornal para ele ler, tudo, e ficava lá lendo jornal, mas eu sempre em pé na cabeceira dele. Aí, ele tomou o lanche da tarde no domingo, eu dei o lanche da tarde para ele no domingo e a Júlia chegou e ele fechou o olho assim. Aí a enfermeira falou assim… A enfermeira não sai de perto, quando está na UTI, ela não sai de perto. Aí, a enfermeira falou: “Dona Leomira, ele dormiu agora um pouco”. “Então ele está descansando”. Já eram nove horas da noite, a Júlia já estava me esperando na recepção. Aí eu falei: “Júlia, dormiu, agora vamos então me levar que eu quero descansar também, não é?” Quando foi às onze horas da noite, ligação do médico do Nove de Julho: “Dona Leomira, o médico quer conversar com a senhora”. Pronto, você já desconfia, não é? Eu falei: “É a história do meu marido?” “É, para a senhora vir aqui”. A gente nunca pensa que morreu, a gente pensa que está mal, que está agonizando, e tal. Dai, quando eu cheguei, o médico já deu a notícia: “Fizemos de tudo, de tudo foi feito aqui, massagem, mas o “seu” Zé não resistiu, ele estava muito fraquinho”. Por causa da pneumonia, não é? “A senhora pode trazer a roupa dele?” “Trago, eu vou lá buscar”. Estava lá na casa da minha amiga, lá na Sarutaiá, ali na Brigadeiro, pertinho. Eu fui lá, a Júlia me levou lá, peguei a roupa dele e trouxe. Aí fomos cuidar da papelada, a Júlia que correu, chamou a tia dela que morava aqui também, a irmã do pai dela. Aí fizeram toda a papelada, eu fiquei lá no Nove de Julho e aí me avisaram: “Ele já está lá no necrotério” “Posso ir lá ficar com ele?” “Pode, a senhora quer ir lá?” “Quero” Aí, o segurança que estava na porta do hospital falou: “Nessa rua mesmo, mas é lá na frente o necrotério do Nove de Julho”. Eu fui lá, estava só ele na sala, não tinha mais ninguém, só ele, sozinho deitado, não arrumaram direito a mão dele, assim, deixaram meio torta, pus a mão dele assim, bem direitinho, como era para ser mesmo, porque depois que passa muito tempo não dá para mexer. Ele dormia com o travesseiro alto, ele não gostava de dormir com a cabeça esticada assim. Aí, eu vi um pacote de algodão em cima de uma mesa lá, peguei aquele pacote de algodão, eu ergui a cabeça dele assim e coloquei embaixo. Fiquei conversando com ele (choro). Esse foi o momento mais horrível da minha vida. Fiquei conversando com ele, só eu e ele. Daí, tudo que a gente passou…
P/1 – O que a senhora falou para ele?
R – Pedi perdão por alguma coisa, porque eles saem do corpo… Eu li sobre isso. Na hora em que a pessoa falece, ele sai do corpo, mas a alma fica ali. Não vai direto assim para onde tem que ir, eles ficam escutando. E aí eu conversei sobre a nossa vida e tudo o que a gente tinha conseguido, tudo o que a gente tinha feito, agradeci porque assim... Eu e ele éramos pólos opostos, mas a gente se dava muito bem, sabe? Nunca brigamos, nunca. Sempre, em primeiro lugar, houve respeito. Um respeitava o outro e é através do respeito que vem o amor. E ele não largava… A gente não viajava assim, um sem o outro, onde a gente ia, o outro ia, sabe? Por isso que agora eu só faço excursão para o teatro, porque nós viajamos muito, Nossa, fomos para Buenos Aires, aquela parte lá de Minas a gente conhece, viajamos muito. Então, agora, faço excursão para o teatro como um hobby assim, para não ficar sem fazer nada, porque dá muito trabalho, não é? Dá muito trabalho, as coisas que eu faço tem que fazer diferença, senão, não vale. Então, a gente conversou, mas antes de tudo isso ele já tinha sido internado lá em Itapetininga mesmo, porque ele ficou muito mal. Uma vez que eu chamei o SAMU. A glicemia dele estava vinte e quatro, vinte, gelado! Eu já sabia, fazia aquele melado de açúcar, dava para ele, quando o SAMU chegava, já tinha recuperado. E eu tinha uma coisa também que eu não comentava nada, nada com os meus filhos, nada. Eles nem sabiam que eu chamava o SAMU três horas da madrugada, cinco horas da madrugada. Ele sempre entrava na clínica às sete horas, a clínica de hemodiálise. Entrava na clínica às sete horas e tinha... Assim... Revezavam o Júnior e a Gislaine revezavam, às vezes o Eduardo, uma semana um levava, outra semana outro levava, assim, revezando para não pesar só para um. Mas quando ele estava bom, saía de lá, pegava táxi na esquina e ia embora normal. Mas, depois, já não dava mais, não é? Aí, era o revezamento. Mas aí, chegou a hora… Aí o segurança foi lá falar… Ah, daí a Júlia comunicou-se com Itapetininga, com a mãe dela, com o meu genro, com o Marcos, daí eles providenciaram tudo lá, não é? Uma coisa que eu agradeço a Deus, neste momento, não teve velório à noite. Gente, você não imagina como é terrível o velório à noite. Graças a Deus, porque ele morreu eram onze horas da noite, no Nove de Julho. Aí, conseguimos chegar lá em Itapetininga eram quase uma hora da tarde. E às cinco e meia foi o enterro, olha que céu! Tudo isso Deus providenciou para mim, sabe? Deus providenciou para mim tudo isso de não ter velório à noite, é horrível velório à noite. Nossa mãe do céu! Eu sei que agora, lá em Itapetininga, está esse costume, conforme a pessoa também. Tem pessoas do sítio que não querem, mas eles fecham o velório e vão dormir, deixam só o defunto lá. Mas eu não ia fazer isso, Deus o livre, tem que amanhecer, mas graças a Deus, até isso Deus providenciou, sabe, para não ter velório, para os meus filhos não precisarem ficar lá, tudo. Foi gente aqui de São Paulo, que tem amizade, as colegas da Gislaine, da minha filha, foram daqui também. Deu tudo certo.
P/1 – E como foram os próximos dias?
R – Que eu passei?
P/1 – Como foram, sem ele?
R – Menina, uma paz, uma paz! Eu não sei onde que eu encontrei, mas eu não tinha nada por exemplo que me incomodasse que eu não fiz para amenizar a doença dele. Sempre eu estava na frente, eu que tomava todas as rédeas, que ligava aqui, ligava ali, até o cardiologista dele, lá de Itapetininga, doutor Castanho, que é o meu também, que é do convênio, ele falou assim: “Nossa, Leomira, você cuidou muito do Zé Nunes, cuidou muito dele, nem precisava”. “Não, doutor Castanho, imagine, eu fazia o que o meu coração sentia, o que o meu coração mandava”. Tanto é que eu fiquei numa paz, gente, numa paz! Quando você faz as coisas não reclamando, não sufocando, não estressada e tal, as coisas caminham, e quando você faz de coração, a paz que você fica, não tem comentários. Você fica assim: “Puxa, eu fiz tudo direitinho, meu marido foi em paz, ele venceu os dias dele aqui na Terra com louvor, porque a vida dele também não foi fácil”. Tenho saudades, muitas saudades, porque eu moro sozinha e ele era meu companheiro no café da manhã. E quando vai uma visita só em casa, minha sobrinha vai, minha irmã, quando tem… Aí tenho companhia para o café da manhã. Mas a maior parte eu durmo muito bem, o café da manhã nas orações e a paz… uma paz! É assim... As coisas que acontecem, ruins, não levo a sério; não sei, passou. Eu só curto as coisas boas, como agora que eu estou aqui, junto com vocês, esse momento aqui é inesquecível. Esse momento aqui não tem como não sentir emoção, não ficar emocionada, porque eu não pedi, eu não planejei tudo isso aqui. Veio? Veio. Quando você fica com o coração aberto, com o coração tranquilo, você aquieta o seu coração, as coisas fluem e as coisas vêm para a gente. Como agora eu estou aqui no Museu da Pessoa, com vocês, gente maravilhosa que eu conheci. Adorei, quero vir outras vezes aqui…
P/1 – Só se trouxer o biscoito de Itapetininga.
R – Para trazer biscoito. Eu quero vir aqui para trazer biscoito, a gente tomar um cafezinho junto com biscoito. Está bom? Agradeço de coração o convite. Adorei, amei participar e foi o momento… Eu não contei essa história, é a primeira vez que eu estou contando a minha história. Primeira vez. Não contei para ninguém, porque eu sou uma pessoa assim muito reservada, não sou muito de contar… E outra coisa, eu conto que fiz, eu aprendi isso com o Padre Marcelo, eu conto que fiz, não conto que vou fazer para não dar ‘zica’. Lá em Itapetininga ninguém sabe, só a Vitória, o Fabio, marido da Vitória e o Marcos, que estão sabendo que eu vim. Eu não contei nem para a minha irmã.
P/1 – Só vão saber quando virem o Jornal Nacional então.
R – Exatamente. Quando que é o Jornal Nacional? Hoje?
P/1 – Vou procurar para a senhora e depois eu conto, mas acho que não vai ser hoje, não. Acho que vai demorar um pouquinho para passar. Mas eu aviso a senhora quando sair.
R – Você me avisa, mesmo?
P/1 – Com certeza! Eu ligo para a senhora avisando.
R – Está bom, Carol, então é isso aí.
P/1 – Eu tenho agora duas perguntas e um pedido. Eu faço primeiro o pedido ou primeiro as perguntas?
R – Pode ser as perguntas.
P/1 – Então, tá. Pode?
R – Pode.
P/1 – A senhora já falou um pouquinho mas não custa perguntar sendo direta na pergunta. Como foi para a senhora contar a sua história hoje para a gente? Como a senhora se sentiu?
R – Gente, eu me senti tão à vontade, mas tão à vontade, não sei explicar. Porque parece que eu já conheço vocês há muito tempo. Sabe? Eu me senti em casa. Gente, é fundamental isso aí, não é? Me senti muito, muito… Muito acolhida, eu me senti acolhida, essa é a verdadeira palavra: acolhida. É isso.
P/1 – Próxima pergunta, e última antes do pedido. Quais são os seus sonhos hoje?
R – O sonho? Conhecer o Papa. Meu sonho é conhecer o Papa Francisco e beijar a mão dele. É isso. E dar um abraço no Papa, porque eu sou… Nossa, eu admiro muito esse Papa. Admiro muito, muito, muito. A simplicidade dele, sabe? Ele se enaltece pela simplicidade. Esse é o meu sonho. Porque Gianechini eu já conheço, não é? Todos os atores famosos da Globo me querem bem. Então, vou conhecer o Papa, vou chegar lá no Vaticano, aquelas pombinhas vão voar assim quando eu estiver lá (risos).
P/1 – Posso ir para o meu pedido, agora?
R – Pode.
P/1 – Eu sei que a senhora já presenteou bastante a gente com esse pedido que eu vou fazer agora, mas eu quero um momento exclusivo para isso. Dá essa risada que só a senhora sabe dar para a gente?
R – (risos)
P/1 – Ai, que delícia!
R – Ai, gente, às vezes eu me sinto até assim… Porque… Não tem a palavra assim: “Conosco não tem enrosco”? Comigo não tem enrosco. Gente, é assim. Porque eu acho assim, tudo vai dar certo. Não, já deu tudo certo. Sabe por quê? Porque o CD do Padre Marcelo, são seis músicas só. A segunda música dele, que eu não tiro do meu aparelho - “Já deu tudo certo”. Tem gente que fala assim: “Se Deus quiser, vai dar certo”. Não. Já deu tudo certo. Tenho aqui no meu celular. Já deu tudo certo. Eu aprendi muito com a doença do meu marido, sabe? Eu aprendi muito com a doença dele, porque tem gente que se desgasta: “Ai, porque eu não aguento mais, ai, porque não sei o quê…”. E fica com olheira, e fica… Gente, eu estava vendo uma foto... Porque quando ele estava lá, a enfermeira ficou com ele, eu fui a um casamento. Nossa! Eu não fiz maquiagem, não fiz nada, sem olheira. Falei: “Nossa…”. Ele estava no home care, ainda. Sem olheira. Sabe por quê? Você tem que levar as coisas que acontecem, assim, normal. Não uma tragédia. Tragédia não é normal. Mas as coisas que vêm para você assim... Com uma normalidade. Eu falo para você, você sai de um médico lá, o paciente estando bom, vai passear no Shopping, vão curtir um Shopping, para quê ficar ligado na doença? Doença não é para a gente ficar ligada. Então, isso que me leva. Para eu chegar nesse ponto, demorou muito. Se vocês tiverem vontade, vocês chegam. Como minha amiga falou, para chegar nesse ponto em que eu cheguei, demora um pouco, você tem que ter paciência, você tem que ter persistência também, sabe? As coisas ruins, não levar a sério. Aprendo muito com palestra também, sabe? Tem tanta palestra boa no YouTube, não é? Nossa, tanta palestra boa, aprendo muito com palestras também, do padre Fábio, do padre Marcelo. Aí tem um padre lá da Canção Nova também. Esqueci o nome dele... padre Rogério. As coisas ruins acontecem assim, sem você pedir. Agora, as coisas boas demoram para acontecer, não é? Então, não focar as coisas ruins, gente do céu! Não focar. Tanta tragédia, tanta coisa... Como eu falo para os meninos: o mundo é a gente que faz, o mundo da gente. Se o mundo está ruim lá fora, o seu mundo ali, na sua convivência, por exemplo, aqui é o mundo de vocês. Você chega na sua casa, é o mundo lá na sua casa. Então, você tem que fazer o seu mundo o melhor possível, porque o mundo fora da nossa convivência está muito ruim, sabe? Está um caos, esse mundo é tragédia em cima de tragédia e vocês podem perceber. Agora, fogo no helicóptero lá, pegou fogo. Terra, Brumadinho. Água, enchentes aqui em são Paulo, antes de ontem, parece que seiscentas árvores caíram aqui. E qual outro? Terra, fogo, água, e ar. Helicóptero, quantos aviões não estão caindo? Helicóptero lá do Boechat cair, não é? Então, os quatro sistemas do mundo foram atingidos, no prazo de quanto? De um mês. Então, se você se apegar a isso, a gente não aguenta. Então, a gente tem que fazer o mundo da gente ser bom, sabe? Amizade, paciência, tudo. É isso aí.
P/1 – Dona Leomira, eu quero agradecer, em nome do Museu da Pessoa, enormemente. Muito obrigada por você ter vindo aqui hoje. Foi uma delícia ouvir a senhora. Muito obrigada mesmo.
FINAL DA ENTREVISTA