Maria Luiza de Salles Coelho Gama conta da história da família e como foi a infância no Rio de Janeiro e nas férias entre Petrópolis (RJ) e Ponte Alta (MG), onde, desde pequena, fazia aulas de inglês no IBEU [Instituto Brasil Estados Unidos], onde soube do intercâmbio. Maria Luiza foi da segunda turma do AFS Brasil e ela conta como foi a viagem de navio até os Estados Unidos, com os casos de febre asiática. Ela conta como foi sua adaptação e a vivência na escola e numa sociedade bastante diferente. Na sua volta, ela recebeu o convite do próprio Galatti para montar um escritório no Brasil cuja primeira sede foi na casa de seus pais. Maria Luiza conta como foi esse período de trabalho e de expansão do AFS o Brasil e também conta como foram as viagens internacionais para a reunião de presidentes do AFS de todo o mundo. Além da experiência de intercâmbio, Maria Luiza conta como foi a vida de casada em Brasília e suas atividades profissionais.
AFS Intercultura Brasil - 60 Anos Construindo Cultura e Conhecimento (AFS)
Intercâmbio: eram 13 dias de navio
História de Maria Luiza de Salles Coelho Gama
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 23/03/2016 por Isla Nakano
P/1 – Bom, Dona Maria Luiza, primeiro eu queria agradecer a senhora por estar recebendo a gente aqui na sua casa, contar e dividir a tua história com a gente do projeto. E pra começar eu queria, pra gente deixar gravado, que a senhora falasse o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade em que a Senhora nasceu.
R – Meu nome completo é Maria Luiza de Salles Coelho Gama. Minha data de nascimento é 4 de agosto de 1939 (risos), data antiga. E eu nasci no Rio de Janeiro, mas a família mineira.
P/1 – Qual que é o nome dos pais da senhora?
R – Diones Salles Coelho e Maria Silvia Vieira Gomes de Salles Coelho.
P/1 – Dos avós a senhora sabe?
R – Dos avós, eram Antonio Rodrigues Coelho Junior e Rita de Salles Coelho, por parte de pai e, por parte de mãe, era José. Eu não cheguei a conhecer, eles morreram antes de eu nascer mas, enfim, era José Gomes – se tinha noutro nome no meio não me lembro – e a avó era Maria Silvia Vieira Martins Gomes.
P/1 – E conta um pouquinho pra gente a história da sua família.
R – Olha, minha família toda é de Ponte Nova, Minas Gerais. Meu pai era de Guanhães (MG), meu avô era Juiz Federal em Minas. Meu pai nasceu no Serro, que naquela época tinha o nome de Serro Frio. E Diamantina era distrito do Serro. Agora é o contrário, porque o Juscelino botou uma universidade lá em Diamantina e Diamantina floresceu muito e o Serro que vivia de ouro de aluvião, acabou o ouro, o ciclo do ouro, ele só encolheu mas ainda é uma cidade histórica, tombada, uma das poucas cidades de Minas tombada. E meu avô, quando meu pai tinha dois anos, ele foi nomeado Juiz Federal em Minas, então, ele foi pra Belo Horizonte e tem uma história muito interessante ai: minha avó, Rita Augusta de Salles Coelho, por parte de pai, ela já era viúva [órfã] de pai quando meu avô ficou noivo dela. Um mês antes de casar, ela perdeu a mãe, a mãe morreu e ela era a mais velha, com 15 anos, de nove irmãos menores. E o meu avô casou com ela e levou os nove irmãos pra criar e teve nove filhos. Então, a minha família é muito grande porque esses nove tios foram criados como irmãos. Então, os Salles são muito ligados aos Salles Coelho.
P/1 – Conta um pouquinho da sua infância pra gente.
R – A minha infância... Minha avó morreu de parto e meu avô por parte de mãe casou de novo e teve mais três filhos. E quem eu conheci como avó, foi a madrasta da mamãe que eu chamava de vovó Quinha e ela morava numa fazenda de café, lá em Ponte Nova. E minha tia casou-se com um primo da mamãe e morava numa usina de açúcar de Atiboca, lá em Ponte Nova. Então nós tínhamos uma casa em Petrópolis, a gente passava janeiro em Petrópolis e ia passar o carnaval em Ponte Nova, que era muito divertido. Cidade pequena era ótima, tinha o famoso footing: as mulheres andavam no meio da rua e os homens ficam do lado olhando e paquerando, olha só! Eu gostava muito, passeava muito e comia jabuticaba no pé, andava à cavalo, enfim, tinha toda uma infraestrutura de fazenda. E em Petrópolis era de cidade, eu adora patinar, tinha um ringue de patinação no meio da cidade e todo mundo ia lá, eu encontrava com as minhas colegas todas. Eu estudei no Sion, minhas colegas do Sion. Minha irmã estudou no Sacré Coeur Jesuit e amigas dela, de lá. Então, era um point, a gente se encontrava lá. Então, tinha festa de carnaval que não acabava, antes do carnaval cada família dava uma festa e convidava todo mundo. Era muito divertido. Eu tive uma infância e uma adolescência muito divertida.
P/1 – Quais foram as brincadeiras que mais marcaram a sua infância?
R – Olha, era aquela brincadeira de queimado, que eu adorava. Eu não era muito ligada em esporte. No colégio, tinha turma de vôlei, mas eu não era muito alta pra jogar vôlei, eu não jogava vôlei. Como eu morava no Cosme Velho, mamãe me botou pra aprender a nadar no Fluminense. Então aprendi a nadar só no Fluminense. Eu e uma colega minha de turma, muito amiga, resolvemos já na quarta série ginasial, aprender tênis. Nós só fazíamos isolar bola no Palácio Guanabara e desistimos de jogar tênis (risos). Tinha uma domingueira no Fluminense, era um chá dançante, às cinco horas da tarde, que ia quase todo mundo do bairro, a gente conhecia mas a mamãe tinha que estar junto! Mamãe ia, mamãe adorava, porque mamãe gosta de música, de movimento. Meu pai não. A mamãe gostava muito, mamãe ia e era divertido. E a gente também ia muito ao Bob's que foi o primeiro que abriu, também era um point que a gente encontrava todo mundo que a gente conhecia. Eu frequentava muito a casa de dona Anita Berard, que tinha uma casa enorme lá no Cosme Velho, com piscina e a mãe dela tinha uma casa em frente e davam "piscinada" às quatro horas da tarde. E as filhas dela foram estudar nos Estados Unidos, mas em colégio particular, no Marymounth School. Daí eu conheci, quando apareceu a oportunidade. Eu estudava no IBEU [Instituto Brasil Estados Unidos] porque eu sempre gostei Inglês, porque eu gostava da professora. É sempre por aí, né? E eu sempre fui muito festeira, gostava de festa, essas coisas todas. Ai, foi quando eu soube da oportunidade no IBEU do American Field. A primeira seleção do primeiro ano e do segundo ano foi feita pelo IBEU. Então, eu me candidatei e passamos. Nós éramos só dez daqui do Brasil. E lá da Europa eram mil e quinhentos [jovens intercambistas], fretaram um navio pra vir da Europa e foi um problema, porque foi na época da febre asiática, o navio inteiro pegou febre Asiática. Eu cheguei nos Estados Unidos e nós ficamos umas três semanas, cada um na casa de uma pessoa que se ofereceu pra ir em New Jersey. E eu fiquei amicíssima da moça de New Jersey, eu considero ela minha irmã até hoje. Nós nos escrevemos pelo Facebook todo dia e somos irmãs. Quando eu larguei a casa dela num domingo, cheguei em Nova York, vazia, fileiras de ambulâncias – teve um grego que morreu – fileiras de ambulâncias pra pegar os mais doentes. Eu tive a impressão de guerra. Eu não queria ir adiante de jeito nenhum, por mim eu tinha desistido ali, (risos) mas falei: "Não, vamos ver o que que vai dar". Disseram que eu podia continuar a viagem e eu entrei num ônibus cheio de gente espirrando e tossindo de febre asiática, é obvio que eu peguei mas eu tive uma sorte danada, porque eu peguei a febre asiática em Mineápolis no médico da Clínica Mayo. Mas eu estava achando esquisitíssimo porque ele me deu um remédio vermelho e um verde, e ele falou: "Quando tossir toma o verde, quando sentir que é febre, toma o vermelho". E ele tinha dois filhos: um de três e outro de quatro anos, eu sempre gostei muito de criança, ele me deixava brincar com os meninos! Até que um dia ele me convidou pra ver a clínica Mayo, eu fiquei com tanto medo dele me largar na Clinica Mayo, que eu não vi a clínica, eu só não queria perder ele de vista. Ai, cheguei em casa, já tava melhor, mas eu encarei uma viagem sozinha de ônibus para Billings, 24 horas! Naquela época, as moedas americanas eram um Dólar de prata, pesava, você botava cinco dólares de prata na tua carteira, um troco de cinco dólares era prata, prata mesmo. E tinha que botar um dólar num índio de ferro, que os pés tremiam, que era justamente pra fazer massagem nas pernas, era um barzinho que tinha lá, que tinha Coca-cola e tinha num sei o quê e tinha esse índio e a gente segurava nas mãos do índio. Não esqueço esse índio por nada, botei um dólar lá e foi a minha salvação, porque as minhas pernas não aguentavam mais ficar paradas e dobradas. Ai eu cheguei em Billings, conheci minha família, tomei de amores por eles assim que os vi e tive um ano maravilhoso, um dos mais felizes da minha vida!
P/1 – Dona Maria Luiza, eu vou fazer mais várias perguntinhas sobre o seu intercambio, mas eu queria voltar, antes, a senhora falou que surgiu a oportunidade de fazer o intercâmbio, mas a antes a senhora contou pra gente que era muito festeira, que passeava bastante. Conta: como que deu essa vontade de viajar?
R – Essas duas amigas minhas, que eu falei a Norma Berard e a Carmem Berard, que já faleceu, era mais velha, tinham ido estudar no Marymounth School e gostavam muito. Elas fizeram o equivalente ao clássico lá, elas vinham só pra férias. Elas gostavam muito de estudar lá e falar inglês, que eu gostava, eu gostava da Miss Mary, que era a minha professora de inglês, era uma americana. Também, o tio delas, que era praticamente da nossa geração, o Alvim Bezerra de Melo, ele fez o curso dele inteiro em Harvard, e ele adorava. Então, aquilo tudo passou pra mim, entendeu? Quando apareceu a oportunidade de intercâmbio eu falei com meus pais, eu disse: “Olha, eu vou fazer o teste, mas se eu passar eu quero que vocês deixem eu ir". Meus pais acharam que era uma boa coisa pra eu aprender mais inglês, pra eu estudar mais e largaram pra lá. Então, quando veio a bolsa foi uma bomba na família, porque eu fui a primeira que fui da família inteira. Minhas tias tiveram um ataque, falaram com o meu pai que não devia deixar eu ir, de jeito nenhum, porque naquela época era dividido, não sei como é agora mas era dividido o preço: pagava a viagem e pagava, não, a viagem acho que era paga pela American Field e pagava uma mesada de 300 dólares e pagava um tanto pra American Field, que não me lembro mais quanto. Eu dei sorte de ficar numa casa que eu considero tão minha quanto a minha do Brasil. E eu me dou com eles até hoje, cê vê? Já fui lá várias vezes depois, já levei meu marido pra conhecer, infelizmente papai americano já morreu também. Ele tocava piano divinamente, a mãe cantava e eu sempre fui criada no meio de música, porque meu pai gostava muito de música e minha mãe também, então, o rádio lá em casa era ligado o dia inteiro e fim de semana tinha ópera porque meu pai não trabalhava e ele gostava de ouvir. E quando tinha qualquer coisa no Teatro Municipal, qualquer evento que ele gostasse, ele nos levava também. A mim que era mais velha, porque minha irmã é cinco anos mais nova, quando eu tinha 15 anos ela tinha dez. Então, eu tive uma festa de 15 anos muito bonita que a mamãe fez, mas a minha vontade de ir para o Estados Unidos foi que eu vi pessoas que foram e gostaram muito.
P/1 – Na escola da senhora, fala só um pouquinho da sua trajetória escolar e como que foi pra escola receber, fazer a adaptação da senhora ir pro intercâmbio e voltar...
R – Não, eu não voltei pro Sion, eu fiz equivalência, eu não sei como é que agora, mas naquela época você, se fizesse um ano Estados Unidos, depois passou para um ano e meio, você fazia prova de equivalência no [colégio] Pedro II e ganhava diploma de clássico ou científico. E com isso, eu cheguei aqui na metade de 1958 e esperei meio ano, fazendo cursinho, essas coisas, que eu nunca parei de estudar. Eu não gostava quando era no Ginásio. No Ginásio, eu gostava de festa, não queria saber de estudar, mais depois eu aprendi a gostar, aí, fiz prova pra PUC [Pontifícia Universidade Católica], passei pra Anglo-Germânicas, porque eu tive uma governanta alemã, quando eu era pequenininha. Até os cinco anos de idade, eu falei alemão com ela, então, achei que ia ser fácil pra mim recordar. Foi nada, foi dificílimo porque eu já tinha esquecido tudo mas tive que largar porque eu fiquei noiva, casei e o emprego do meu marido, naquela ocasião, meu primeiro marido, que já morreu, era em Brasília. Ele era Advogado do Moinho Santista junto ao Supremo. Antes de eu ir pra lá, eu fui na Embaixada Americana saber se eu podia trabalhar na embaixada, lá. Aí, me disseram: "Está precisando de uma secretária pra USAID [sigla em inglês para Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional]", eu falei: "É comigo mesmo!'". Eu ganhava muito bem. Pra vocês terem ideia, de abobrinhas, digamos assim, meu marido ganhava 60 mil por mês pra ser Advogado do Moinho Santista junto ao Supremo e eu pra trabalhar na USAID, como secretária, eu ganhava 60 mil. Quer dizer, era um salário excelente. Lá não tinha nada o que gastar, nada o que fazer e eu trabalhava meio expediente. No outro expediente, eu tinha umas amigas: a Déia, Daura. A Daura foi minha amiga aqui no Sion. Eu tive um ano interna em Petrópolis, e aí, eu falei com a colega da Elvira Maria, que tava lá também com o marido. E a gente saía todo dia de tarde, pegava o carro, ia pra aquelas sítios de japoneses comprar legumes, verduras e fazíamos bijuteria pra fora e lá em Brasília vendia tudo, porque não tinha ninguém que fizesse. Eu e Elvira demos até um curso de artesanato na igreja, entrou todo mundo porque não tinha nada pra fazer. O cinema trocava de filme de 15 em 15 dias e era só. Agora, nós íamos a muitas festas, porque eu tinha um tio que era deputado e elas também, eles ganhavam convite pras festas, chegava o ministro, por exemplo: a Faradiba chegou lá, com o Char do Irã. Teve uma recepção, nós fomos convidados, foi uma beleza, a festa lá no Planalto. E fomos antes visitar a Granja do Torto, que foi toda decorada por eles. A gente se distraía com essas coisas.
P/1 – Deixa eu fazer uma pergunta pra senhora, eu fiquei curiosa e é até legal, porque a senhora foi fazer intercâmbio numa época diferente dessa nova leva. Como que era fazer a mala pra ir morar esse tanto tempo fora?
R – A minha mala quando eu voltei tinha quinhentos quilos! Cinquenta quilos, perdão (risos). Eu digo o quinhentos de exagero, 50 quilos, porque eu trouxe um presente pra cada um dos meus priminhos. Eu me lembro que eu tinha uma priminha que eu gostava muito e tinha quatro ou cinco anos, eu vi um sapato, lá, de plástico com saltinho, uma sandália, eu trouxe pra ela, ela adorou, não tirava a sandália do pé, aqui não tinha sapato com saltinho pra criança. E eu, levei dinheiro pra comprar roupa de frio lá, me pai me deu dinheiro pra comprar roupa de frio lá, que ele falou: "Olha minha filha, aqui pro frio de Montana, esquece!" Ele estudou, não tinha internet mas ele se informou e os meus pais americanos também escreveram dizendo que valia a pena comprar roupa de frio lá. A bagagem daqui não foi grande coisa, mas a de volta, até bala veio!
P/1 – E como que foi esse primeiro contato com o AFS? Você contou do IBEU, mas como se dava a preparação, esse primeiro contato com a família hospedeira? Conta pra gente um pouquinho desse processo de se preparar pra viajar?
R – Olha, não tinha contato com as famílias. Tinha uma carta que eles escreveram, que veio através do IBEU. E eu escrevi uma carta pra eles e foi só. Não tinha retrato, não tinha nada. Tanto que quando cheguei na rodoviária de lá, eu vi uma mulher deste tamanho e falei: "Se for pra casa dessa mulher, eu não fico" (risos). Aí, quando eu vi minha família, minha mãe americana é um amor, muito bonitinha, alegre, cantava muito bem. Meu pai americano tocava piano muito bem e ela cantava mais isso tudo eu só vi lá, eu fui de olhos fechados. E o High School me recebeu muito bem, me prestigiavam muito, a minha irmã americana, eu me dei muito bem com ela. Se bem que eu tinha uma saudade danada da primeira, lá de New Jersey. A gente nunca deixou de se comunicar, tanto que, hoje em dia, ela diz que sou irmã mais velha dela, porque ela é filha única. Voltei várias vezes à New Jersey, pra visitar os pais dela e agora ela está morando num sítio em Vermont, lá eu não fui. Não tinha muito contato não, era meio no escuro, por isso que tinha muito caso de gente que trocava de família, porque não se adaptava.
P/1 – Junto com a senhora, teve uma turma que foi. Conta pra gente um pouquinho...
R– Nós éramos dez. Tinha a Márcia, a Sônia Paula, que eu me comunico com ela pelo Facebook, tinha o Ronaldo Meirano, o Mário Brafmann. Do Mário Brafmann até tem um caso dele, ele vai se lembrar disso. Mas, quando nós acabamos o curso, nós fizemos uma viagem pelos Estados Unidos, que acabou em Whashington, o [Dwight] Eisenhower [presidente] nos recebeu no jardim da Casa Branca! Você vê o prestígio que os estudantes e que o intercâmbio tinha naquela época. E o Eisenhower veio andando, o Mário estava do meu lado, ele esticou a mão e cumprimentou o Mário. Nós fizemos uma viagem muito boa, pelos Estados Unidos inteiro. Eu fiquei sabendo a bordo do ônibus que nos levou, que o Brasil tinha perdido o futebol pra Suécia, foi uma sueca que me contou: "Nós ganhamos de vocês!" (risos), foi muito bom. A viagem toda foi muito boa. Quem eu fiquei com mais contato foi Ronaldo, que ficou meu amigo da vida inteira. O Mário Brafmann eu vi uma vez, mas gosto muito dele. A Sônia, eu tô em contato pelo Facebook sempre, já almoçamos juntas. Tinha a Marcia Kauffman, ela é sobrinha da Clarice Lispector, ela escreve livros também, mas só sobre culinária. Ela edita os livros, e tal. Fizemos um almocinho juntas, foi ótimo. Agora, quando eu cheguei aqui no Brasil, o Mister [Stephen] Galatti veio aqui pra fundar o American Field, que chamava-se American Field Service Internationals Scholarship Brazilian Branch. Aí, fizeram uma enquete de quem queria ser secretária, de que não queria, e eu fui escolhida e eu ofereci minha casa. O escritório do meu pai se transformou no escritório do American Field. Foi o primeiro escritório do American Field, mesmo. E me ajudava, Ana Maria Santana, que tinha ido no primeiro turno, em que ela trabalhava de voluntária, ela via a parte dos americanos, captava casas que quisessem receber americanos. E eu fiquei com a parte dos brasileiros, mas a Ana Maria tinha muito pouco tempo, porque ela tava fazendo Sociologia, e naquela época, requeria de oito às cinco, de aula, na PUC. Eu já estava namorando firme, eu sabia que ia casar, então eu não tava levando muito a sério o meu curso, e também com facilidade, que eu já tinha inglês, alemão era difícil mas dava pro gasto e português não tinha muito problema. Então, eu podia largar e ir pros Estados Unidos pras reuniões, acabou que ela se formou e foi embora trabalhar no Banco Mundial. Até a década de 80 eu recebia cartões de Natal dela, depois ela foi pro México a mando do Banco Mundial, aí eu perdi contato. Quando eu assumi o American Field, eu abri logo vários lugares, que eram ligados à Língua Inglesa, por exemplo: Ponte Nova. Tinha um curso lá de uma prima da mamãe, de inglês, que era ligada ao IBEU, ela vinha todo ano fazer uma reciclagem aqui no IBEU, então eu botei ela pra selecionar um grupinho lá de Ponte Nova, que já tivesse falando Inglês e peguei Ceará, também tinha uma e o Roberto Parsival foi até por lá, que o pai dele era governador na época e uma amiga minha do IBEU, era uma menina chamada Vera Lucia, que eu esqueci o sobrenome dela, que morava no Rio Grande do Sul. Foi morar no Rio Grande do Sul com os pais, mas ela namorava com um americano e veio, depois, aqui pro Rio de Janeiro, mas deixou arrumado lá. E eu também criei o teste psicológico, e pra isso tive assessoria do Doutor Danilo Perestrello, que era um psiquiatra, psicanalista muito famoso, foi fundador da Sociedade Brasileira de Psicanálise, e ele ficou tão encantado com o programa, que falou: "Não só eu vou te ajudar, eu não posso, mas vou te ajudar, vou indicar uma pessoa que faça os testes e vou inscrever meu filho!" Aí, o Sig se inscreveu, passou e foi. Também foi muito sucesso, ele adora família dele. Aí, ele indicou, digamos assim, eu não sei o nome técnico de psicanálise, o que ele fazia, se era uma formação analítica, o Guilherme de Castro, já morreu. Ele fez teste num 100, 100 e tantos. Pra ele, foi estudo maravilhoso da juventude Brasileira, tanto que ele fez de graça. Fez o teste, e os que passaram, além do teste de Inglês, que era uma tradução, e da entrevista conosco ia. Quem não passasse no teste psicológico estava liquidado. Aí, eu me casei [19]61, naquela época, você falava no telefone uma vez por mês, que era caríssimo o interurbano, falava com meus pais, quando vinha aqui era correndo, demorava 24 horas de carro, que os carros eram mais devagar, andavam a 60 [km/h], passava por Belo Horizonte e vinha pro Rio [de Janeiro]. Em 1961, foi assim seguindo lá em casa. No ano seguinte, abriu o primeiro Shopping Center, que era na Siqueira Campos, 33. Hoje é um prédio horrível mas, na época, muitos médicos tiveram consultório lá e o American Field alugou um escritório lá, eu sai porque estava muito grande no escritório do meu pai.
P/1 – Deixa eu fazer só uma pergunta pra senhora, só pra gente ir conhecendo um pouquinho dessas partezinhas. E esse escritório, na casa do pai da senhora, como é que era a rotina de vocês?
R– Olha, era um entra e sai, o dia inteiro. Mas mamãe sempre teve a casa dela muito movimentada, porque as primas todas de Belo Horizonte, que viam tomar banho de mar, ficavam hospedadas lá em casa. Mamãe não se incomodava de entre e sai e meu pai trabalhava o dia inteiro, então, não tinha problema. Mas era mais entre sai, na época de seleção, depois não, depois eram as cartas que vinham batida à máquina, naquela máquina antiga de escrever, eu tive sorte, porque mamãe sempre teve mania de botar nas férias em Belo Horizonte, a gente pra fazer curso. O meu curso de Datilografia, data de 1951, eu tinha 11 anos e ela me botou pra aprender com os dez dedos. Então, isso pra mim foi mais fácil, tanto pra poder escrever à máquina lá pra fora e lá nos Estados Unidos eu peguei um curso de Datilografia, porque eu achei que eu já sabia e foi excelente pra mim, porque quando fiz o concurso pro Tribunal tinha Datilografia. Lá nos Estados Unidos eu aprendi Datilografia com música, você ia acelerando o compasso da música e ia acelerando os dedos. Eu treinei uns 10 dias com música, numa máquina que tinha, e fiz o concurso e passei em segundo lugar, eram mil e quinhentos candidatos em Datilografia, passei nas outras matérias, Português. Eu vou ser sincera, eu nem estudei porque eu já trabalhava como contratada no Tribunal e eu trabalhava na seção de pessoal, então, eu já sabia muito sobre as leis, sobre as coisas e fiz o concurso, passei fácil graças a Deus, fui efetivada e segui em frente, até me aposentar. Que mais que você tinha perguntado?
P/1 – Esse dia a dia na casa da senhora, quem que trabalhava...
R – Não, eu trabalhava sozinha.
P/1 – E a senhora fazia todos os processos então? Tanto de envio quanto de recebimento?
R – De documentação, eu fazia tudo.
P/1 – O processo de expansão, então, ele se deu a partir daqui do Rio de Janeiro, a senhora começou a expandir.
R – Eu comecei a expandir pra esses lugares, no escritorinho na Santa Clara, 33, os alunos que chegavam ajudavam na limpeza, um que ajudava aqui e outro que ajudava ali, sempre tinha alguém pra fazer alguma coisa. Agora, em 1961 eu casei, foi morar em Brasília, aí, eu me afastei completamente do American Field. Eu deixei no meu lugar, essa Vera Lúcia, que tinha vindo morar no Rio, porque estava namorando um americano mas eu soube que ela ficou só seis meses, porque ela casou com americano e foi embora pros Estados Unidos. Eu esqueci o sobrenome dela porque ela nunca mais deu notícias, nunca mais eu soube dela! Eu me afastei totalmente porque quando eu vinha aqui era por tão pouco tempo, eu tinha a minha família pra ver, até que teve uma reunião num Hotel, eu não me lembro aonde mas era nas montanhas, pra eleger o presidente e vice-presidente do American Field do Brasil. O Roberto Barroso foi eleito presidente, o Sig Perestello, primeiro vice-presidente e eu, a segunda vice-presidente. Eu fui eleita mas não assumi, porque eu tive uma doença braba. Eu me separei nessa época, foi uma separação litigiosa, muito complicada e eu tive uma depressão muito profunda, que eu fiquei um ano e meio doente, e aí, eu não tomei notícia de nada. Depois, graças a Deus, eu me recuperei, mas aí já era a Maria Helena Vilela, que era secretária-executiva de lá. Eu me dava com ela, ela era muito amiga de uma amiga minha mas nunca me chamou pra nada nunca, então, ficou assim, eu fiquei afastada.
P/2– Então, só pra deixar registrado, esse escritório funcionou no Cosme Velho?
R – Na minha casa. Rua Pires Almeida 8, 501. Eu perdi a carta quando nós passamos, mamãe perdeu a carta. O Mister Galatti escreveu uma carta a meus pais agradecendo, a casa que ele ofereceu pra ser o escritório do American Field. Mamãe tinha essa carta, mas colo ela mudou, ela está num home e a carta sumiu.
P/1– E aí, o segundo escritório é na Santa Clara, 33?
R – Santa Clara, 33. Eu não me lembro que sala que era mais.
P/1– E a história do Galatti nomear a senhora como secretária? Conta um pouquinho como que era esse contato. O que o Galatti representava?
R – Olha, o Galatti representava muita coisa, porque ele inclusive foi candidato ao Prêmio Nobel da Paz, pelo trabalho que ele fazia de intercâmbio. O Galatti tinha as ambulâncias durante a guerra, quando acabou a guerra, ele queria fazer uma coisa pela paz mundial e ele achava que só haveria paz, se os povos se entendessem, respeitassem, se compreendessem. Então, ele fundou o American Field Service, chama-se field porque começou com as ambulâncias, e ele começou a fazer com a Europa, intercâmbio. Tanto que o navio tinha mil e quinhentos estudantes da Europa, só tinha estudante, foi fretado o navio que foi na época que nós fomos. Ele era uma pessoa muito respeitada nos meios políticos, era um homem muito rico que não casou, não tinha filhos e doou o dinheiro que ele tinha para o American Field. Se não me engano, o escritório do American Field, era na 55 West, não me lembro número, se era 133. Eu não me lembro mais o número. Mas, tinha lá, inclusive, um dormitório pra estudante que fossem passar por lá e quisessem dormir, pra depois seguir viagem, podiam dormir lá. Eu sempre fiquei em casa de americanos, que se prontificavam pra ir. Tinha reunião todo ano, hoje parece que se chama Overseas Representative, na minha época era President of Brazilian Branch. E então, nós íamos uma vez por ano e conhecíamos todo mundo, conhecíamos o processo que todo mundo fazia, o tipo de trabalho, incrementávamos aqui e ali, aproveitava uma ou outra coisa, adaptada naturalmente para o Brasil. Eram muito boas essas reuniões.
P/1– E conta pra gente uma dessas viagens.
R– Ah, foi ótima. Eram organizadas pela Sasha Mitsuki, não sei se estou falando o nome dela certo, mas era o braço direito do Mister Galatti. Ela organizava e chamada meu marido (risos), que está ali. Depois ele desce, eu chamo você depois. Ela organizava e iam todos os Overseas Representative, os Presidents of the Branches. Mas eu não fiquei amiga de nenhum, era uma coisa muito formal, a gente só se encontrava nas reuniões, cada um falando do problema do seu lugar: da Suécia, era só problema da Suécia e não me interessava a mínima, porque, enfim, não era a nossa realidade. Não saíamos nem pra almoçar juntos, cada um saía por si...Porque o Europeu é muito fechado, na época era muito mais, ainda mais com um latino. Tinha preconceito, tinha. Então, naquela época, eu não fiquei amiga de ninguém, fiquei amiga de uma americana, que depois eu perdi contato também, que os pais dela tinham um hotel, eu tava na casa dela, hospedada e ela me convidou, que o irmão dela tinha feito estágio nas férias, como cozinheiro de um hotel, pra ir aprendendo cada passo do hotel, pra depois assumir o lugar do pai. Olha já a mentalidade, como era bem diferente daqui. Aí, ele ia fazer o jantar, eu fui convidada para esse jantar, foi um fim de semana agradabilíssimo que eu passei. Era em New Jersey, não me lembro o lugar mais e perdi o contato com ela também. Depois, o Mister Galatti morreu, a Sasha morreu também e aí depois a Maria Helena nunca me chamou pra reunião nenhuma mais. Nunca me chamou mais pra nada, eu tentei várias vezes marcar de ir lá, ao American Field – eu ainda estava no Citibank – pra conversar com ela, meia hora antes ela desmarcava, eu já tinha tudo pronto, organizado, foram umas três ou quatro vezes, aí eu desisti. Nunca mais procurei também.
P/1– Agora vou só voltar um pouquinho. Desse seu intercâmbio, desse contato com a família, dessa experiência que na época era uma coisa desbravadora, era uma coisa que exigia muita coragem. O que que mudou na vida da senhora, como que a senhora voltou diferente?
R – Olha, realmente abriu muito os meus horizontes, porque eu conheci uma vida muito melhor do que a que eu levava num colégio tradicional de freiras, muito fechado. Pra ter uma noção, eu casada no civil, eu tive que jantar fora com o meu marido, com a governanta do lado. Lá não, eu tinha um namorado, saía com namorado, a gente ia ao cinema, meu pai botava hora pra chegar: era 11 horas da noite. Aliás, era a hora da cidade, olha diferença. O jovem com menos de 18 anos não podia ficar na rua depois de 11 horas da noite, a polícia não deixava. Então, meu pai: "Você pode ir", porque a gente jantava seis horas, sete horas da tarde. Aí, esse meu namorado vinha me buscar, tipo, sete e meia, oito horas, e a gente pegava uma sessão das dez. Depois ia para um Burger King qualquer, porque coitado, ele tava no primeiro ano da Universidade, vinha todo fim de semana pra namorar e os pais moravam em Billings. E quando eu fiz cinquenta anos de formada, a mãe dele ainda foi ao almoço que a minha mãe ofereceu pra mim e pra todo mundo que me conheceu. Então, eu conheci um outro lado da vida, muito diferente. Eu tinha ótimas amigas, com quem eu me dou até hoje, escrevo pra elas, Uma está morando em Washington e a tá aposentada em não sei aonde e eu mando e-mail quando eu quero mandar e-mail pra americanas, eu já clico, específicas e clico, pra não ter texto em Português, porque vai dar trabalho, Mas eu tenho essa minha irmã de New Jersey , a filha dela é tão esperta que quando eu mando coisas em Português que ela quer traduzir, ela vai no Google e traduz tudo. E aí, responde a Adele me responde.
P/1 – E como que foi o group do High School, receber uma brasileira?
R – Olha, foi um sucesso. Eu era vista assim como um extraterrestre, vinda de tão longe, fala Inglês, e não sei mais o quê. Eu era chamada pra tudo. Eu fui a noiva numa festa que teve lá, de Billings, casando com a Vitória, de Billings. No campeonato de futebol, teve uma festa e a noiva era eu. Qualquer coisa que tinha assim, eles me chamavam e eu estava sempre em evidência e eu gostava daquilo, gostava também das minhas amigas, do meu professor de Civics, eu adorava a aula de Civics. E esse meu professor de Civics, por acaso, ele estava mesmo home da minha mãe americana. Então minha mãe convidou ele pra jantar no primeiro dia que eu jantei lá com ela. Mister Frankel, esqueci o sobrenome dele agora. Ele ficou muito satisfeito e me ver, já tava velhinho. Ah, eu também trabalhei de baby siter, numa casa que tinha dois meninos: um menino e uma menina. E também, eu me lembrei disso porque quem me contratou, os pais dessas crianças, estavam lá nesse mesmo home. Eu os vi, falei com eles. A minha irmã uma vez que eu fui lá, parece que o garotinho que eu tomar conta, que já era um de rapagão, ele tinha uma loja de colchões, esse tipo de coisa. Ela me levou lá pra vê-lo, conhecê-lo já adulto, né? A menina eu nunca mais vi e eu tava ali. Mas o primeiro dólar que ele botou na minha mão: nossa, eu me senti tão mal! (risos). Depois eu adorei, achava ótimo! Por isso que quando eu cheguei aqui no Brasil eu quis trabalhar, porque minhas amigas não trabalhavam.
P/1 – Como que se deu a ideia da senhora: "Quero continuar a fazer parte do American Field Service, eu quero me envolver"?
R – Olha, foi oportunidade que surgiu, porque que eu queria trabalhar. Mister Galatti veio para uma reunião e estava procurando uma secretária, cada uma das moças aqui ou já estavam engajadas para casar, ou estavam em faculdade, como a Ana Maria Santana que era de oito às cinco da tarde, e não queriam abrir mão das profissões. A Ana Maria fez muito bem, porque depois ela foi contratada pro Banco Mundial e foi alta funcionária, tanto que ela foi até ser chefe do Banco Mundial, no México, ficou três ou cinco anos lá no México. Eu não me incomodava de abrir mão da carreira de professora, porque eu não queria ser professora. Foi o que se apresentou na ocasião, pra eu fazer. Eu fiquei disponível e comecei a trabalhar e eu achava ótimo trabalhar, eu mandando, fazendo, acontecendo, do meu jeito, que eu sempre fui muito mandona. Era do meu jeito, lá em casa, que era muito confortável, porque acordava, ia pro escritório, via as cartas que chegavam com o carteiro, despachava tudo mas podia sair. Mesmo quando era o escritório eu tinha que me locomover de Laranjeiras pra Copacabana, mas eu tinha liberdade de horários, se eu queria ir num banco. Porque naquela época, até conta de luz, de gás, você pagava em banco. Eu não morava sozinha, nesse ponto, meu pai é que fazia as coisas mas não tinha cartão de crédito, era uma vida diferente. E também não tinha tanto assalto, né? A vida era mais tranquila.
P/1 – E nesse nesse tempo que a sede ficou sendo na casa da senhora, teve algum caso de algum estudante, alguma história que tenha chamado mais a atenção senhora, que tenha marcado mais esse momento?
R – Olha, o que marcou mais, foi a turma do Sig Perestrello e do Roberto Barroso, que foi a primeira turma selecionada por teste psicológico, vamos dizer, radical e definitivo como marco: ou passar no teste ou não vai. Foi a melhor turma que eu mandei.
P/2 – Porque que a senhora cria esse teste? Achou importante que tivesse esse teste?
R – O teste psicológico. Aconteceu o seguinte: já quando eu fui, havia um questionário que perguntava se eu tinha asma, se eu não tinha. E eu fiquei curiosa de saber porquê asma. Então, me disseram lá, que asma era um sintoma de nervoso, que eles não queriam. Eu quase entrei pra faculdade de Psicologia. Não entrei porque na época não era reconhecido, em [19]58. Tinha acabado de abrir. Então, eu acho que um teste psicológico pra ver como a pessoa está e quais são os problemas. Tinha muita gente também com pais separados, que queria fugir daqui, fugir da briga. Isso tudo era visto no teste psicológico, então eu quis o teste. E mamãe foi colega de turma da Maria Alzira Perestrello, que era mulher do Danilo Perestrello, aí, eu pedi a mamãe: "Olha mamãe, ninguém melhor do que ele pra me dar uma assessoria nisso” e ele então indicou Gilberto de Castro pra fazer os testes.
P/1 – E essa expansão pelo Brasil, ela foi só crescendo. Como que a senhora foi selecionando..
R – Não, não. Eu deixei nesse ponto, pra quem eu deixei quando eu fui embora, expandiu depois.
P/1 – E antes da senhora era só Rio de Janeiro, só gente do Rio de Janeiro?
R – Tinha uma de Niterói que não ficou lá, ela foi conosco, chegou lá em Nova York ela quis voltar, uma moça bonita até, eu esqueci o nome dela. Nós fomos de navio, 13 dias no SS Brasil. Eu nunca mais andei de navio depois disso. Achei uma chatice, porque no quarto dia você já conhecia as piadas de todo mundo, conversas de todo mundo, era muito chato.
P/1 – Agora, eu só vou perguntar um pouquinho da vida pessoal da senhora. Só pra gente encerrar, eu queria que falasse um pouquinho da sua família, seus filhos.
R – Mamãe sempre quis que nós estudássemos Inglês e Francês, por isso botou num colégio francês e eu estudei no IBEU, e minha irmã costuma dizer que é porque a filha da minha irmã casou-se com um Holandês e mora em Londres. Meu filho, foi fazer MBA no Estados Unidos, tem 23 anos, nunca mais voltou. É americano, meus netos são americanos. Então, minha irmã diz que o castigo da mamãe era que ela queria tanto que a gente falasse Inglês, que não tem nenhum neto que fale Português direito. Aconteceu que eu casei, fui morar em Brasília e me separei em 1966, me separei com um filho de 4 anos e um filho de dois. Foi uma barra e não havia divórcio. Eu só conheci o meu segundo marido em 69, mas só podemos vir casar uns 10 anos depois. porque não havia divórcio e eu morava com meus pais e ele morava sozinho, na casa dele. E ai, quando houve o divórcio, as coisas ficaram mais fáceis, e tal, nós casamos no Civil e fomos morar juntos. Meus primeiro marido morreu de câncer, há uns 10 anos atrás. Eu queria me casar de novo, quer dizer, casar no religioso, se bem que quando uma prima casou lá em Ponte Nova, tinha um padre muito adiantado. Eu falei pra ele: "Olha, eu quero comungar, eu sou católica e eu estou casada pela segunda vez, eu gostaria de uma benção pelo menos". E ele me deu essa benção, minha irmã chegou na janela e falou: "Vem cá, ela tá casando" (risos), na janela da fazenda, eu tava na varanda e o padre me deu a benção, mas eu não tenho sacramento do casamento, eu tenho a benção do casamento religioso, no casamento Civil a gente casou. Até aconteceu uma coisa muito engraçada no casamento Civil, porque nós casamos no Cartório e na nossa frente, tinha um casal que ele era Francês, falando Português mal. E ele leu "Circunscrição" e ele olhou horrorizado pro meu marido e perguntou em Inglês: "Vou ter que fazer circuncisão?" (risos). Meu marido explicou a ele: "Não, isso é o nome do Cartório, do lugar, não é a outra palavra, a outra é circuncisão!" (risos) O homem respirou aliviado, coitado (risos), porque a burocracia era tanta pra casar que ele achou que até isso tinha que fazer.
P/1 – Dona Maria Luiza, só pra gente encerrar um pouquinho, vou só te fazer umas perguntinhas. Quais que são os maiores aprendizados dessa trajetória, desse intercâmbio, de tudo isso que a senhora viveu, que a senhora traz junto, pro resto da vida?
R- Olha, viagens maravilhosas que eu fiz com o meu marido. Todo ano eu deixava o meu filho na casa de uma prima, que um sítio, aqui em Vassouras. Não é Vassouras que tem uma faculdade? Perto de Vassouras. E ela intercâmbio do American Field também, foi uma das que fez. Mas, já mais adiante, Goga Delamar e o Guto ficava lá, que era muito amigo do Rodrigo, filho dela, eram colegas. A filha dela é casada com americano, mora na Califórnia, foi colega de turma do meu filho, então, tava tudo em casa e nós viajávamos para Europa. Fizemos viagens maravilhosas enquanto dinheiro deu, depois o negócio ficou muito difícil, agora com dólar a quatro, tá impraticável. Se bem que meu filho morando em Miami, eu não gosto de Miami, mas meu filho morando lá e meus netos indo pra lá, tem outro atrativo, né? Eu os vejo uma vez por ano, praticamente. Falo muito pelo telefone, acompanho. Meu filho é separado também da primeira mulher. Ela, médica, casou com médico e foram morar em Minneapolis, que o marido é diretor de um hospital lá, e ela é Pediatra. E aí a parte triste: ela teve um filho que é autista, desse segundo marido. Então, os psicólogos aconselharam a só falar Inglês em casa, pra não confundir a cabeça do menino. Então, meus filhos falam muito, meus netos falam muito mal Português, principalmente a menina, que é mais nova, tem 13 anos. O menino não, ele teve aqui seis meses, agora a menina é esforçada. A gente fala para ela em Inglês ela responde: "tá tudo bom". O português dela é assim, a concordância dela é essa mas quebra um galho e ela gosta e vir aqui mas vem muito pouco, porque eles são médicos, têm poucas férias e quando tem, querem ir pra outros lugares. Meu neto quis vir pra cá mas eu falei: "Olha, sinto muito eu não poso bancar você na Copa, que você com cara de gringo, carregando uma sacola cheia de equipamentos eletrônicos de computador, de não sei o quê, você vai ser assaltado na primeira esquina, você só pode andar de táxi." Ele tinha um amigo que morava na Barra, um que morava no Jardim Botânico e outro amigo que morava na Tijuca. Eu tenho verba pra táxi, pra esses cantos todos e ele volta duas, três horas de tanto jogar. Como é que pegar ônibus de desse jeito? Pra Barra nem tem. Então ele não veio, ficou meio decepcionado. Olimpíadas ele já está na universidade, na Universidade de Minnesota, fazendo Ciência da Computação e ganhou 50% de bolsa por mérito, que ele era do National Army Society e ele vai trabalhar nas férias que o padrasto acha que tem que trabalhar, não é feito brasileiro que vai fazer intercâmbio nas férias, volta. Eu queria que ele fizesse, porque eu acho que isso agrega, porque o americano é muito voltado pra eles mesmo. Talvez meu próprio filho e minha nora, não deram muita pelota pra desgraça de Mariana não. Desgraça é lá na França, terrorismo, que é o medo que eles têm.
P/1 – Dona Maria Luiza, agora pra gente encerrar, conta pra gente como foi rever a tua história, contar um pouquinho de todas essas essas experiências que a senhora viveu?
R – Em primeiro lugar, foi ótimo encontrar duas AFSers simpaticíssimas, que me deixaram totalmente à vontade. Eu gostei de fazer um balanço do meu passado, porque eu nunca tinha pensado nisso antes, assim de fazer...
P/1 – E o quê que a senhora acha da gente fazer o projeto, retratando as histórias que contam esses 60 anos do AFS…
R – Eu acho fantástico. Eu acho isso uma ideia ótima, que é uma coisa que vai ficar. Eu não acompanhei, então, não estou julgando, estou comentado. O American Field já mudou tanto de nome, tanto de lugar, que deve ter perdido muita história nesse caminho. E isso vai ser uma coisa muito boa porque vai unir esses laços todos, que ficaram espalhados aí, com os vários nomes...
P/1 – Muito obrigada!
R – Eu que agradeço.