Educação, respeito, que é em primeiro lugar: uma criança tem que fazer, nem só criança, os adultos também, mas a criança tem de respeitar a criança pra criança respeitar a gente. Como eu nunca achei uma criança pra me xingar, me dizer nada, porque a criança eles gostam de carinho, seja ele quem for. As vezes pode ter gente que fala, acha ruim comigo, eu falo vamos supor que tem um irmão na prisão, né? Eu só tô dando – acho que eu posso falar isso aqui, né? Mas aquele irmão já foi uma criança um dia, mas ninguém sabe o motivo por onde que ele tá ali, né, naquele lugar. Por isso que quando disse que era para mim trabalhar com as crianças aí, para mim foi a coisa melhor da vida porque antes de eu ensinar a eles as musiquinhas do Drama, do Rezado, que eu fiquei no lugar da cultura, né, então eu ensinei essas coisas. Então nós somos em quatro do Griô, e eu fiquei na Cultura, enquanto eu vou explicar isso pra eles: o cantar, pra eles escrever, primeiro eu chamo, converso com eles com educação, explicando a eles, falo pra eles respeitarem as professoras, assim como eles respeitam o pai e a mãe, também tem que respeitar porque elas é quatro horas que elas ficam com eles, né? Tem de respeitar, que se quanto mais, eu falo pra eles: “Como vocês respeitam as professoras mais elas têm amor por vocês!” Eu sempre falo isso pra eles.
Grata por estar junta com todo mundo
Autor:
Publicado em 17/01/2016 por Lucas Torigoe
P/1 – Dona Odete, primeiro, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria agradecer a sua participação, e te pedir, para nós identificarmos a fita, para você falar o seu nome completo.
R – É Nadir Dreila da Silva.
P/1 – Qual foi a data do seu nascimento e o local?
R – Cinco de agosto de 1939, no Capão.
P/1 – No próprio Capão.
R – Nasci, fui criada e casei. Tive três filhos lá e os outros nasceram quando eu fui pra São Paulo. Mas voltei para minha terra. Meus pais são de lá, assim como meus avós, nós somos nativos mesmo. Mas é como se diz: a gente é nativo, mas vêm pessoas tão boas que não são, que tornam-se nativos conosco. A gente ama muito o lugar da gente, claro que nós não iremos deixar de amar. E você queria saber como assim?
P/1 – Eu quero saber agora, você falou do seu pai e da sua avó, você os conheceu?
R – Meus avós eu não conheci.
P/1 – Não conheceu.
R – Não. Conheci a minha mãe. Quando eu a perdi tinha 15 anos e meu pai aos 12. Esse pouco tempo em que os meus pais me criaram, é essa parte boa da vida que eu passo hoje para as crianças, para meus filhos. Eu passei a educação. Apesar que foi pouco tempo, foi uma educação que a gente aprendeu para o resto da vida. Porque quando queremos aprender as coisas boas, não precisa viver com os pais 100, 200 anos. Aprende o pouquinho que a gente convive com eles. Principalmente se fazem coisas boas.
P/1 – E você falou agora um pouquinho do que os seus pais te ensinaram, que você ensina para as crianças. Qual foi esse conhecimento dos seus pais?
R – Educação, respeito, que vem em primeiro lugar; crianças e adultos devem ter. É preciso respeitar a criança para ela respeitar a gente. Como eu, nunca achei uma criança para me xingar, me dizer nada. Porque eles gostam de carinho, seja ele de quem for. Às vezes pode ter gente que fala, que acha ruim comigo, eu falo: “Vamos supor que tem um irmão na prisão – acho que eu posso falar isso aqui – aquele irmão já foi uma criança um dia, mas ninguém sabe o motivo por quê ele está naquele lugar. Por isso que quando disseram que era para eu trabalhar com as crianças foi a melhor coisa da vida. Porque antes de ensinar a eles as musiquinhas do Drama, do Rezado – eu fiquei no lugar da cultura – eu ensinei essas coisas. Nós somos em quatro do Griô, e eu fiquei na Cultura. Enquanto eu vou explicar para eles o cantar e o escrever, primeiro eu chamo, converso com educação, explicando para eles respeitarem as professoras, assim como eles respeitam o pai e a mãe. Tem que respeitar porque são quatro horas que elas ficam com eles. Eu falo para eles: “Quanto mais vocês respeitam as professoras, mais elas têm amor por vocês!” Eu sempre falo isso.
P/1 – E você falou agora de ensinar para as crianças, como que começou isso?
R – Isso foi de longas datas. Os meus irmãos... Tinha uma professora que era de Feira de Santana, ela foi pro Capão. Os pais ensinaram a professora, e essa fazia muita festa de escola, mas todas coisas boas. Fazia o Drama, o Sete de Setembro, fazia a festa. Meus irmãos eram adolescentes – eu sou a mais nova, a caçula e estou com 70 anos; meus irmãos têm 92 – todos participaram. Então não quiseram mais representar. A professora foi embora e as professoras seguintes não quiseram mais representar. Me confundia, mas resolvi representar com a minha sobrinha e uma turminha. Assim, nós desabrochamos e representamos aquilo de uma hora para outra, no coreto. O povo pediu para retornar num dia de Carnaval. Com isso, eu lembrei de todas as músicas do Drama.
P/1 – Essas músicas você tinha aprendido e ouvido antes?
R – Foi uma poesia que eu falei. Agora, tem as músicas que a gente passa para as crianças e para as pessoas que vão assistir. Fazemos os grupos. Vamos supor que eu vou representar vestida de homem, a minha sobrinha também; tem uma que é esse outro, eu sou o pai, outra é o namorado ou a moça. Com isso a gente representa aquela parte. Depois, vêm outras moças dançando. Pessoas de qualquer idade, porque eu participo, a mulher que vende comida no Capão também, assim como minha sobrinha. É tudo muito família, mas é uma coisa muito bacana. Iremos representar o Drama em Seabra, em Iraquara.
P/1 – No começo da sua história, estava contando que foi pra São Paulo. Por que você foi pra São Paulo?
R – Nós fomos para São Paulo porque o Capão ficou muito ruim para arrumar emprego para meu marido. Eu precisava procurar um lugar para educar meus filhos. Quando cheguei em São Paulo, fui trabalhar com ele. As crianças foram crescendo e foram para escola, porque no Capão não tinha escola. Hoje em dia tem tudo, mas primeiro só tinha uma escola paga. Outrora teve dessa professora que foi embora, mas para a geração de meus filhos já não havia mais, somente as professoras leigas como o povo chama, que não são formadas. Então eu falei: “Eu vou para São Paulo, porque eu não posso pensar só em roça, no Capão. Eu tenho que cuidar dos meus filhos.” Chegando lá, eles se formaram, hoje são todos casados – eu tenho filho até de 50 anos – têm as suas famílias, estudo, seus meios de vida, empregos. Resolvi voltar para o Capão e já fazem 30 anos que eu voltei.
P/1 – Como está o Capão dessa vez?
R – Está ótimo agora com o progresso. Antes era muito pacato, mas era a nossa vivência. E mesmo hoje, nunca teve violência, mesmo com tanta gente o povo respeita todos. Seja quem for que chegue lá é bem querido.
P/1 – Descreve um pouco a cidade para quem não conhece.
R – Como assim?
P/1 – Como é a cidade, se você tivesse que falar sobre as casas e as ruas. Como ela é?
R – Olha, agora fizeram calçamento e arrumaram tudo. Tem o circo, que é do Meire, que me trouxe aqui. Tem, o coreto, o salão para fazer quermesse, o mercado, o posto de saúde, tem tudo. Antigamente também tinha e a gente amava do mesmo jeito. Porque é a nossa terra e não tem jeito, amamos da maneira que for.
P/1 – Eu estou indo para o final, gostaria de perguntar para a senhora: qual foi a sensação, o que mudou na sua vida poder ensinar as crianças?
R – Meu filho, foi uma sensação tão grande porque uma pessoa que é analfabeta que nem eu, ser escolhida para ensinar músicas para as crianças. E ficamos assim. Drama é um teatro, as coisas que a gente fala e canta, por isso que eu digo que é uma coisa muito bacana. É uma benção de Deus, ter achado essas pessoas para me escolherem.
P/1 – Para finalizar, queria perguntar se a senhora tem um sonho. Qual o sonho da senhora hoje?
R – O meu sonho é tudo, porque eu agradeço a Deus por estar aqui junto com todo mundo. Já passei por problemas de saúde, mas a gente só vai na hora que Deus quer, essa hora é escolhida, não adianta. Mas eu agradeço muito a Deus por estar aqui, ser escolhida para representar as crianças. Por ainda ter meu marido e filhos comigo. É uma benção de Deus, porque 50 anos de casado não são 50 dias, não é mesmo meu filho?
P/1 – Está ótimo, dona Odete!
R – Por isso eu agradeço a vocês. Mas desculpa.
P/1 – Não, que isso, a gente agradece. Nós também estamos atrasados.