Fátima Belmiro Burin é a mais velha de seis irmãos e conta que em sua trajetória morou em diversas cidades: nasceu em Governador Valadares (MG), morou num sítio próximo a Guaíra (PR), quando adolescente foi com a família para Ji-Paraná, fez faculdade em Manaus (AM), trabalhou em Brasília (DF) e, depois de casada, passou a residir em Dourados (MS). Ao longo de sua narrativa conta que realizou o sonho de infância que foi dar a primeira casa aos pais. Há mais de 11 anos, quando suas duas filhas tinham entre 15 e 16 anos, procurou uma empresa que fizesse intercambio e foi assim que Fátima conheceu o AFS e sua filha mais nova fez o intercambio. Desde o primeiro dia de contato, exerce apaixonadamente diversas atividades, foi mãe hospedeira, conselheira e braço direito da presidenta de seu comitê, chegando ao posto de Diretora Administrativa. Atualmente, Fátima integra o Conselho Diretor.
AFS Intercultura Brasil - 60 Anos Construindo Cultura e Conhecimento (AFS)
Felicidade, o prazer de trabalhar
História de Maria de Fátima Belmiro Burin
Autor:
Publicado em 22/03/2016 por Isla Nakano
P/1 – Bom, Fátima, pra começar eu queria agradecer por tirar esse tempinho, pra contar tua história pra gente, para o Projeto. Pra começar e deixar registrado, eu queria que você falasse o teu nome completo, o local onde você nasceu e a data em que você nasceu.
R – Meu nome é Maria de Fátima Belmiro Burin. Nasci em Governador Valadares, Minas Gerais. Dia 15 de fevereiro de 1957.
P/1 – Qual o nome de seus pais?
R – José Belmiro Neto e Nair Maria Belmiro.
P/1 – Dos avós você sabe?
R – Meus avós paternos são Joaquim Belmiro e Ana Morozeski Belmiro e maternos José Evangelista e Isabel Maria de Jesus.
P/1 – E agora conta um pouco pra gente da história da sua família.
R – Essa família... É o seguinte: eu nasci lá em Governador Valadares, eu sou a primeira filha de seis. Sete né, porque uma faleceu quando bebê, nasceu e faleceu. Nós fomos pro Paraná, eu era criancinha ainda, já tinha minha segunda irmã porque minha mãe teve todos os filhos muito perto. Nós éramos três filhos quando nós fomos pro Paraná. Depois que meu avô faleceu em Minas [Gerais], meu pai voltou pra fazer o inventário, essas coisas todas, e nós voltamos pra lá e lá nasceu minha quarta irmã. Aí resolveu tudo, voltamos pro Paraná e lá nasceram os outros dois, os outros três, né, que um nasceu e faleceu em seguida. Nasceram os outros dois que estão vivos. Nós somos seis, mas uma faleceu em um acidente também, então, nós somos cinco vivos. E minha família é assim, eu costumo sempre dizer que a minha família tem uma origem muito humilde, mas uma coisa que tem, assim de sobra, é amor. Eu tenho muito orgulho da minha família, de ter o pai, a mãe e os irmãos que eu tenho. Os meus avós, os quatro, já estão falecidos, mas também eram pessoas maravilhosas.
P/1 – E você sabe como os seus avós se estabeleceram em Minas? Você sabe um pouquinho dessa história?
R – Olha, eles nasceram todos lá em Minas, cada um de uma origem. O lado da minha mãe é mais de origem portuguesa e índios, eles são mais morenos. E o do meu pai é mais de origem italiana que é o Belmiro e o Morozeski da minha avó é polonês. Eles nasceram todos lá em Minas e criaram as famílias todas lá e nós saímos, o meu pai era o filho mais velho, por isso que quando nós fomos pro Paraná, depois tivemos que voltar pra fazer o inventário quando meu avô faleceu. O meu avô paterno tinha uma fazenda de gado, sabe? E meu avô materno, eu não lembro, apesar de eu ter convivido mais com ele, acho que ele trabalhava na lavoura, eu não tenho certeza.
P/1 – E a atividade dos teus pais?
R – Os meus pais trabalhavam com lavoura também e gado. A gente morava lá no Paraná, depois nós fomos pra Rondônia. Já tem 30, quase 40 anos, que eles moram lá. Lá, meu pai tem uma chácara, tem gado. Eles já estão bastante idosos, né, meu pai já tem 83 e minha mãe 75, não é tanto, mas... Eles têm uma chácara lá, trabalham nesse ramo de gado.
P/1 – Conta um pouco dessa infância cheia de idas e vindas.
R – Então, minha infância... Às vezes, a gente não lembra muito bem, mas eu meu lembro que tem bem gravado na minha memória, era que eu via e sentia a dificuldade que meus pais tinham com o trabalho que eles faziam, porque era um trabalho pesado, né, principalmente no Paraná que era muito frio. Eu via meu pai e minha mãe levantando cedo, fogão à lenha, acedendo fogo pra aquecer. Meu pai fazia um aquecedor para nós, eu achava aquilo ali o máximo. Ele pegava uma lata, fazia um barro no fundo, furava a lata e fazia um aquecedor pra colocar no meio da casa pra gente se aquecer, nós éramos seis irmãos e mais um irmão emprestado que morava com uma família lá e não deu certo e meu pai pegou pra trabalhar com ele e ajudar. Ele acabou saindo da nossa família quando casou. Então, eu via muito meu pai e minha mãe sofrendo com aquele frio, levantar cedo, a gente não tinha muito recursos, tinha aquele aquecedor que meu pai fazia e a gente ficava ali até tarde da noite. E eu sempre pensava assim, na minha cabeça de criança, que eu ia crescer, estudar e comprar uma casa e isso me emociona quando eu falo sobre isso ou penso sobre isso e meus pais também. E eu ia crescer, estudar, trabalhar e ganhar dinheiro pra comprar uma casa bem quentinha pra eles, pra minha família. Eu queria dar conforto pra eles, pelo amor que eles davam pra gente, por tudo que faziam pela gente. E sabe que realmente aconteceu isso? Eu cresci, estudei, trabalhei como filha mais velha. A primeira casa que nós tivemos fui eu que construí, graças a Deus. Eles são muito orgulhosos por isso. Depois de mim, todos os meus irmãos também ajudaram, hoje ajudam muito ao meu pai e minha mãe também, mas eu tive esse orgulho de realizar esse meu sonho de criança, da primeira casa. Fiquei muito feliz com isso e eles também. Eu fiquei três anos no colégio de freiras em Londrina. Tinha a intenção de ser freira, mas vi que não tinha vocação. Saí, voltei pra casa e fui estudar. Continuei estudando e fiz faculdade. Quando fui fazer faculdade tive que sair de casa, nós já estávamos morando em Rondônia. Eu fiz faculdade em Manaus (AM) e de Manaus eu fui pra Brasília (DF), porque eu tinha um projeto que eu estava fazendo inglês e meu professor começou a dizer que eu tinha muita facilidade pra idiomas e etc e que eu podia ir pra um país, estudar na fonte. Ele falou assim: “Seis anos que você estuda aqui é o que você aprende em seis meses lá”. Aí eu fui morar em Brasília pra acelerar isso. Mas lá em Brasília eu comecei a trabalhar, estudar e acabei encontrando meu marido. A gente acabou se casando e eu não fui pros Estados Unidos, fui morar no Mato Grosso do Sul.
P/1 – Fátima, eu vou passar um pouquinho por essas etapas da sua história, mas eu queria te perguntar, lá atrás, o que você e seus irmãos mais gostavam de brincar?
R – Ah, naquela época, a gente não tinha as tecnologias que tem hoje, os brinquedos que tem hoje. A gente brincava de boneca e nossa boneca era espiga de milho, boneca de pano, a gente fazia até um pauzinho, que parecesse um boneco, a gente enrolava e tal. A gente jogava bola, a gente brincava de amarelinha, a gente apostava corrida, andava de bicicleta, sabe? Essas brincadeiras de pega-pega, pique-stop, nem lembro mais como que fala, mas essas brincadeiras que as crianças tinham que eu acho muito mais saudáveis do que hoje, porque a gente não precisava ficar sentada na frente da televisão. Nossas brincadeiras eram muito saudáveis. A gente não via a hora que chegasse o final de semana, domingo, pra gente brincar de todas as brincadeiras que a gente gostava.
P/1 – A primeira casa que você tem essas recordações mais fortes é a de Curitiba?
R – A que eu construí?
P/1 – Não, não. Primeira casa que você se lembra da sua infância.
R –Essa primeira casa da minha infância é num sítio, perto de Guaíra no Paraná, Guaíra, Terra Roxa, por ali. Onde meu pai e minha mãe trabalhavam com café e tinha gado também. Foi ali que a gente passou praticamente a nossa infância. Então, né, essa primeira casa onde eu me lembro, assim, mais coisas da minha infância, foi nesse sítio, lá perto de Guaíra, Terra Roxa, por ali no Paraná. Depois, meu pai construiu uma outra casa, no mesmo sítio, um pouco abaixo. Mas, a minha infância foi passada, a minha e dos meus irmãos, praticamente ali naquele sítio no Paraná, perto de Guaíra. Foi tudo ali.
P/1 – E como era a questão de ir à escola? Quais são suas primeiras lembranças escolares?
R – A escola marcou bastante, porque a gente ia a um grupo escolar. Lembro até hoje Grupo Escolar Padre Antônio Vieira, foi meu primeiro grupo escolar. E era bastante difícil também, porque a gente tinha que ir a pé de casa, eu ia com minhas irmãs e mais uns colegas da vizinhança. A gente estudava e teve uma época que estudamos de manhã, naquele frio, né, na época do frio, e a gente ia de chinelo de dedo, Havaianas, que não era nem Havainas, era genérico, né (risos). Então, a gente passava bastante frio e eu lembro que uma coisa que a gente gostava muito de quando o meu pai dava dinheiro trocado pra gente, a gente ia comer aqueles docinhos que vendem nos botecos, nas vendinhas: suspiro, maria-mole, paçoquinha, essas coisas todas. A gente sempre que tinha dinheiro comprava essas coisas, e pingue-pongue né, que era o chiclete da época. Eu me lembro que um dia, nós chegamos em casa, eu e uma das minhas irmãs, na maior felicidade do mundo, porque nós estávamos voltando da escola e achamos uma caixa de doces. Não me lembro qual doce, mas era um desses, que caiu de um caminhão e nós chegamos na maior felicidade em casa por causa disso. Foi uma festa encontrar essa caixa de doce e distribuir, foi uma festa pra nós ali. E uma coisa que marcava bastante também era no Natal. Assim, o Natal era nossa festa, né? A gente morava no sítio então a gente comia o que era produzido ali, dificilmente comprava as coisas para comer. E a gente não via a hora de chegar o Natal, eu e minhas irmãs, porque meu pai comprava aqueles guaranás pequeninhos que tinha de garrafinha e furava com um prego e a gente ficava o dia inteiro com aquele guaranazinho na boca. Aquilo era a maior alegria pra nós, sabe, era a maior felicidade. Hoje, assim, parece que a gente tem tudo e não tem aquele mesmo sentido, aquela mesma grandiosidade, aquela essência que tinha nesses Natais. Parece que não volta mais.
P/1 – E Fátima, quando você era pequena tinha algo que queria ser quando crescer? Tipo: quero ser isso, quero ser aquilo.
R – Eu queria ser... Eu tinha muita dúvida. Eu queria muito ser professora pra ensinar as pessoas, porque como eu tinha o desejo de estudar, trabalhar e ganhar dinheiro pra construir a casa pros meus pais, pra dar o conforto pros meus pais, pra minha família, na minha cabecinha de criança, como professora, porque naquela época professor era valorizado mais que hoje, né, e eu achava que eu tinha que estudar e ser professora. E depois comecei a pensar que eu gostaria de ser médica pra ajudar as pessoas pobres, doentes e que não tinham dinheiro pra pagar. Mas, enfim, eu descobri, depois na adolescência que essa coisa de médico não rolava muito, então, eu fui ser professora mesmo. Trabalhei como professora um tempo e depois, antes de fazer faculdade, eu trabalhei em outros órgãos. Eu trabalhei numa empresa de colonização lá em Rondônia, eu estava lá, morando lá já. Depois, trabalhei alguns anos no INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que todo mundo conhece e, de lá, eu fui pra Brasília pra tentar acelerar esse estudo que eu tinha que terminar o básico, que eu queria terminar o básico pra ir pros Estados Unidos pra estudar mais inglês. E aí lá, eu comecei a trabalhar no Ministério de Minas e Energia e no Ministério da Educação, Minas e Energia de manhã e Educação à tarde, eram dois trabalhos. E esse trabalho do Ministério de Minas e Energia ficou muito marcado pra mim, porque, na verdade, era um trabalho provisório, um contrato de um ano, que eu tinha que escrever um trabalho dentro da minha área que era Biblioteconomia. Eu tinha que fazer um trabalho, eu e um grupo, né, nós éramos um grupo, um trabalho que se ficasse bem feito ia ser publicado, ia se tornar um livro, pra ficar nas principais bibliotecas do Brasil sobre o assunto que era mineração, para os pesquisadores. Era um trabalho bibliográfico que a gente tinha que fazer, na verdade. Aquele ano ficou marcado pra mim, foi 2004, porque da turma que foi contratada pra fazer esse trabalho, foi publicado o trabalho de todo mundo, mas o meu foi assim, eu fui a profissional que mais se destacou no Brasil por qualidade, quantidade e menos tempo, porque era pra um ano e eu terminei com dez meses, trabalhava até de madrugada pra terminar e por qualidade, porque o trabalho ficou bem feito e a quantidade, porque assim, eu diminui o tempo, então eu fiz muito trabalho num tempo pequeno. E, por isso, eu fui convidada a ter um contrato definitivo, mas eu não aceitei, porque eu já estava noiva, já estava com casamento marcado e iria morar no Mato Grosso do Sul, mas esse ano foi muito interessante pra mim por causa disso, né? A gente se sente bem de saber que aquilo que a gente fez foi bom e vai colaborar pra que as pessoas possam desenvolver seus próprios trabalhos.
P/1 – E Fátima, eu vou te perguntar aqui, eu fiquei curiosa, como foi essa história de querer ser freira?
R – Ah, então, eu sou de origem de família muito católica, né. Hoje, eu digo que sou ecumênica, porque assim, eu acredito em Deus e eu acredito que todas as religiões levam à mesma direção, só os meios que são diferentes, né. Todas as religiões têm as coisas boas e as coisas ruins, então, eu prefiro acreditar em Deus e focar nisso. Mas eu nasci numa família tradicionalmente católica e, naquela época, era muito interessante pra uma família ter um filho padre ou uma filha freira e, como eu frequentava igreja, fui coroinha, fui filha de Maria, fiz teatrinho na igreja, muita coisa na igreja, aquilo foi me envolvendo e quando apareceu uma oportunidade, fui pra Londrina, fiquei três anos e pouco lá no colégio de freira, no Colégio Mãe de Deus. Mas depois eu percebi que não era aquilo que eu queria realmente, porque se eu me tornasse freira, eu não ia poder fazer aquilo que eu tinha me comprometido comigo mesma enquanto criança, que era trabalhar e ganhar dinheiro e dar conforto pros meus pais e pra minha família, mas mais pros meus pais, porque meus irmãos eu sabia que iam crescer e cada um ia seguir sua vida e etc. e tal, mas mais pros meus pais. E aí eu percebi que realmente eu não tinha vocação, sabe? (risos) Que aquilo só foi um momento de vontade no momento, na oportunidade que surgiu o convite, né, eu fiquei empolgada, tudo, mas eu descobrir com três anos e pouco que eu estava lá que não era essa minha vocação, aí eu saí.
P/1 – E como que se deu tua formação como professora? Chegou a cursar o normal?
R – Não, eu dei aula, mas assim, quando eu voltei pra casa do Colégio, eu nem tinha o segundo grau, sabe, mas eu estava cursando o segundo grau. Na verdade, eu fiz técnico agrícola, nada a ver com ser professora. Mas eu sempre tive assim muito carinho por aprender e por ensinar, e aí o pessoal da escola me chamou e dei aula lá algum tempo. Depois, nós fomos pra Rondônia, eu tinha 16 anos e lá em Ji-Paraná, onde nós moramos, tinha muita carência de professor e eu precisava trabalhar pra ajudar os meus pais, ajudar minha família. Então eu fui dar aula, eu dava aula no primário pra crianças pequenininhas e dava aula também no curso de supletivo, até fui professora da minha mãe. Minha mãe foi minha aluna e tem um irmão também que foi meu aluno na quarta série, o único irmão que eu tenho. E foi muito legal, assim, ter minha mãe ali na sala, sabe. Minha mãe tinha o maior orgulho, quando entrava alguém novo, ela falava “Minha professora é minha filha”, sabe? Era muito legal aquilo, sabe, o ego bom sei lá se existe ego bom, mas dá uma felicidade a gente saber que a mãe tem orgulho da gente, o pai tem orgulho da gente, né, daquilo que a gente está fazendo pra ajudar, foi muito bom.
P/1 – E como que foi essa mudança pra Rondônia, o período de adaptação?
R – Então, essa mudança pra Rondônia, pra mim, eu já estava com 16 anos, tinha um namorado, né, e naquela época a gente namorava pra casar e etc. e tal, mas aí começou a dar problema com esse namorado e tal, e eles queriam... Estavam combinando pra gente se casar e eu ficaria lá, né, mas graças a Deus não aconteceu isso. O meu pai conversou muito comigo, meu pai e minha mãe, e eu descobri que o meu amor pelo meu pai, minha mãe, pela minha família era muito maior que aquele sentimento que eu tinha pelo namorado e então eu desisti. E nós fomos em busca de melhoras. Porque no Paraná, tudo muito caro, as terras pra comprar, a gente não tinha como crescer. Meu pai tinha um sítio de café, tinha algumas cabeças de gado, tudo, mas era assim muito pouco. Rondônia estava na moda, naquela época, assim, de todo mundo que ia pra lá, conseguia terra mais fácil pra plantar e tudo, né? Como meu pai trabalhava mais com lavoura, ele achou que lá ia ser melhor. Conversou com a família e a gente foi. Agora foi muito difícil, a gente foi de caminhão de mudança, sabe, do Paraná pra Rondônia, gastamos acho que uns 11 ou 12 dias, eu não me lembro direito. E quando chegou lá também foi bem complicado, porque nós ficamos na cidade e meu pai foi trabalhar no sítio. Não era muito longe, mas eram aquelas trilhas, assim, você passava e o macaco quase pulava em cima de você, no meio do mato pulando. As trilhas assim, todas com paus pra não afundar, não afundar naquele brejo e meu pai fazia todos os dias, trabalhado, trabalhando. Teve um momento em que ele estava muito cansado e foi trabalhar de gari e aquilo pra mim era terrível... Não que o trabalho de gari não seja louvável, pra mim, todo trabalho que seja, na minha consciência, honesto, ele é louvável. Eu via que ele sofria humilhação por aquilo das pessoas que estavam trabalhando ali, sabe. Isso acontece em todas as profissões né, mas eu queria que ele saísse logo de lá e tal. E mais, eu queria trabalhar, aí eu arrumei um trabalho numa empresa, que foi essa empresa de colonização, bem do lado da casa que a gente estava morando e meu pai continuou lá trabalhando. Só que meu pai foi, assim, desanimando, porque era muito mato, mato, mato, mata cerrada mesmo, tinha muito trabalho pesado pra fazer e meu pai foi desanimando e queria voltar pro Paraná. E eu tenho muito orgulho da minha mãe, porque eu falo assim, que a minha mãe é o soldado, é uma guerreira e é por ela que hoje eles continuam lá ainda. Estão, assim, financeiramente estáveis, né. Conseguiram dar estudo aos filhos pela minha mãe, porque se fosse pelo meu pai teríamos voltado. Ele também queria voltar pensando no bem da família, ele achava que lá a gente ia ficar melhor, etc. e tal, lá, voltando, né. Mas minha mãe, acho que ela via mais longe, né, ela falou: “Não, a gente tem que ficar aqui, porque o que nós temos está aqui, então nós temos que trabalhar aqui, investir aqui.” E minha mãe, oh, arregaçou as mangas, trabalhando junto com meu pai. Hoje, assim, tem quase 40 anos que eles estão lá e eles estão bem. Não estão ricos não, mas estão bem financeiramente, não passam necessidade como a gente passou quando era criança. Eu tenho muito orgulho deles, sabe? Foi muito difícil, mas eles venceram, nós vencemos juntos. Minha família é muito unida, graças a Deus.
P/1 – E Fátima, essa coisa de trabalhar bastante, o que você faria nas horas de lazer? Como era a juventude em Rondônia nessa época?
R – Então, a juventude não era... Porque meus pais eram bem tradicionais. Nós éramos em cinco filhas mulheres e um homem, né. Então, as filhas mulheres tinham que... Esse negócio de ir pra festa... Era assim, olha: trabalho, igreja, casa, família e, às vezes, ia num sítio, chácara de alguém, passear, almoçar, nadar, etc. Mas, não foi fácil não, foi bem complicado porque a gente não tinha muito lazer. Mas, ao mesmo tempo, foi bom sabe, porque, de repente se tivesse soltado muito, poderia ter acontecido um problema e, graças a Deus, toda a nossa irmandade é mais ou menos centrada na vida. Eu acredito que é devido a essa formação que meu pai e minha mãe nos deu. Eu me envolvia muito com a igreja, eu aprendi a tocar violão, tocava no grupo da igreja, sabe, e eu era meio padra na igreja também, rezava, tinha quatro missas, eu participava das quatro e só faltava rezar a missa. Fazia parte do grupo de jovens, quando tinha que treinar as músicas a gente juntava os jovens e ficava o dia inteiro tirando as músicas novas e assim ia o nosso lazer, sabe. Aí as minhas irmãs iam, ficavam jogando bola, campinho, né, brincando, jogando peteca, pulando corta, e eu lá, treinando com o pessoal, depois a gente brincava um pouquinho também e era assim. Mas foi bom, foi divertido. Foi difícil, mas foi divertido.
P/1 – Você contou pra gente que fez faculdade. Como foi a escolha do seu curso, o que você cursou?
R – Então, a escolha do meu curso foi bem interessante. Assim, eu morava em Ji-Paraná, em Rondônia e aí eu fui pra Manaus pra estudar, porque Manaus era mais perto da minha cidade e eu queria fazer faculdade, então, eu fui pra lá. Mas a minha intenção, primeira, era fazer Psicologia ou Economia, são áreas diferentes né, mas eu queria fazer isso. Quando eu cheguei lá, eu fui fazer uns seis meses de cursinho, porque quando eu cheguei em Manaus, naquele mês, não tinha vestibular, só daí a seis meses. Então, durante esses seis meses, eu fiz cursinho e não sei porque durante o cursinho eu fui descobrindo os cursos que tinham e eu achei Biblioteconomia e eu falei: “Vou fazer isso aqui primeiro”, depois eu vejo se eu faço outra coisa. E fiz, passei, fui muito bem classificada. Inclusive, a minha redação ficou entre as primeiras, foi escolhida pela banca, naquela época, tinha banca de correção das redações. A minha redação ficou entre as melhores, eu fiquei muito feliz com isso e eu comecei a fazer o curso e me apaixonei pelo curso, sabe, gostei muito mesmo e continuei. Mas aí eu queria fazer Economia também. Então, quando eu terminei Biblioteconomia, eu comecei a ver trabalho e etc. e eu fiz aproveitamento, porque é na mesma área, Economia e Biblioteconomia, na mesma área, né, de Ciências Administrativas, acho que era Ciências Sociais, alguma coisa assim, então eu aproveitei várias matérias que eu fiz no meu curso que eu já tinha me formado e aí eu pude adiantar, acho que uns dois anos. Só que aí eu não consegui concluir Economia, porque eu fui pra Brasília pra tentar terminar logo o curso de inglês básico pra eu ir fazer a especialização nos Estados Unidos e eu não consegui concluir. Aí acabou que lá encontrei meu marido, a gente acabou casando, né, e eu fui pro Mato Grosso do Sul e foi assim.
P/1 – E deixa eu te perguntar: essa ideia de ir pros Estados Unidos de alguma forma estava relacionada ao AFS Intercultura?
R – Não, não. Eu conheço o AFS faz 11 anos só. Essa época eu queria... Eu fazia inglês e o meu professor dizia que eu tinha muita facilidade com idiomas, né. Então ele falou: “Se tiver como você ir pros Estados Unidos, você vai aprender muito rápido. O que você fizer estudar em anos aqui, você vai aprender em meses ou dias lá.” Isso fez minha cabeça e eu fui pra Brasília porque lá eu tinha como terminar mais rápido o curso básico que eu queria terminar, do que em Manaus. E lá, é logico, precisava trabalhar pra ganhar meu dinheiro, porque meu pai não tinha condições ainda de me sustentar assim, né. Então, eu comecei a trabalhar, como eu falei antes no Ministério das Minas e Energia e eu trabalhava de manhã e a tarde no Ministério de Educação. E aí estava correndo atrás de uma bolsa pra ir pros Estados Unidos. Mas é porque eu queria mesmo me especializar em inglês, sabe, mas eu não fui, mas eu continuei estudando no Brasil.
P/1 – E como você conheceu seu marido lá em Brasília?
R – O meu marido eu conheci, ish, é uma longa história, mas eu não posso... Não dá pra contar porque senão vai... Quando eu morava em Manaus, eu morava numa casa paroquial, na casa dos padres né, sempre fui envolvida com isso. Porque eu tinha um primo que morava em Manaus e eu fui uma vez visitá-lo e, como minha mãe queria saber notícias de um padre que era da nossa igreja do Paraná, quando a gente morava lá, e ela soube que esse padre estava lá em Manaus, então ela me deu o endereço e pediu pra eu ir lá procura-lo. Eu fui, quando eu viajei de férias pra lá, pra meu primo que morava lá, eu estava na casa dele e nós fomos. Ele me levou lá. E realmente, ele esteve lá, mas ele já tinha sido transferido e, nessa visita, eu comecei a conversar com o pároco lá e tal e tal e ele falou: “Por que que você não vem pra Manaus pra estudar, já que você quer fazer faculdade e tal e tal?”. Aí eu fui, sabe. Resolvi ir, fui, fiz faculdade lá, estudei lá e lá que eu saí pra Brasília pra tentar fazer o curso de inglês, mas acabei não indo né. Fiz o inglês mesmo aqui no Brasil. Agora, eu acabei fazendo um intercâmbio, mas não foi pelo AFS, foi por outra organização, porque assim, pela minha idade, né, o AFS não tinha nenhum programa que me incluísse que me coubesse, então, eu fiz intercâmbio por outra organização. Inclusive, faz um mês e meio que eu cheguei da Irlanda. Morei lá.
P/1 – E o teu esposo em Brasília?
R – Ah, o meu esposo! Desculpa, não respondi. (risos)
P/1 – Não tem problema não.
R – Então, quando eu estava lá, morando novamente numa casa de religiosos, que era um pensionato de freiras, lá em Manaus, eu conheci uma moça que tinha ido pelo Projeto Rondon, e estava trabalhando lá, era divisa de Venezuela com o Brasil, que ela trabalhava, esqueci o nome, São Gabriel de Não Sei o Que lá. E ela, quando ia pra Manaus, ficava hospedada nessa casa onde eu estava morando e a gente ficou muito amiga, né. E essa menina sumiu depois e, como eu fui pra Brasília, eu cheguei, fiquei nesse pensionato e eu estava assim, muito nostálgica. Naquela semana era o casamento da minha irmã em Rondônia e eu estava muito triste porque eu não ia poder ir e eu estava ali atrás de trabalho. Então, sabe assim, eu estava muito triste e eu comecei a pensar: “Eu preciso ir numa igreja.” E eu saí, lá Brasília, a primeira igreja que eu achei, eu entrei. Aí eu sentei lá no banco da frente, abaixei a cabeça assim e fiquei rezando, e tal, e aí meu deu um pânico, assim, meu deu um choro tão grande, e o padre viu e foi lá conversar comigo. Aí ele perguntou... Aí eu contei de onde que eu tinha vindo etc, porque e tal e ele falou assim: “Nossa, você veio de Manaus, eu vou fazer o casamento amanhã de duas pessoas que vieram de Manaus.” Eu falei: “Não acredito que é fulano e fulana.” E ele “Você conhece?” Era justamente aquela moça que tinha sido minha amiga, que tinha se tornado minha amiga lá em Manaus, que ela era freira, deixou de ser freira, e ia casar com um senhor que era irmão marista, que deixou de ser irmão marista também, eles tinham ido pra Brasília e iam se casar lá e justamente na igreja onde eu entrei, né. Aí o padre meu deu o endereço dela, o telefone e tal, liguei pra ela, entrei em contato, conversamos e tal. Ela me chamou pra ir no casamento, só que eu não podia ir, porque eu já tinha combinado com uma amiga, que era amiga de quarto no pensionato, que mora em Formosa, lá em Goiás, e ela ia me esperar e eu ia passar o final de semana com ela. Ela ia me esperar na rodoviária e eu não tinha nenhum contato dela, só tínhamos combinado de eu tomar o ônibus em Brasília e ela me esperaria. Então, não tinha como comunicá-la que eu não iria mais, para ir no casamento dessa minha amiga, né. Expliquei pra ela e ela falou: “Não, vou casar, eu volto e aí eu entro em contato com você e a gente se encontra pra gente conversar.” E eu falei: “Está bom.” E assim foi feito. Ela voltou e a gente ficou tendo contato e tal. E aí um dia ela me apareceu lá com o irmão dela que tinha saído de Mato Grosso do Sul pra levar uma sobrinha num médico lá em Goiânia e foi passar uns dias lá. E esse irmão, hoje é meu marido. A gente se conheceu ali e tal, né, porque ela foi na casa do pensionato das freiras... Na verdade, o meu marido, época que eu não conhecia, ele estava na casa dela, porque ele tinha ido levar uma sobrinha pro médico e aí o marido da minha cunhada, ele estava fazendo um projeto numa faculdade em Roraima e ele ia chegar e o meu marido foi com ela de motorista, pegá-lo no aeroporto. Aí passou todo mundo no pensionato pra me ver, né. Ela, o marido, o meu marido hoje e a sobrinha, minha sobrinha hoje também. E aí naquela conversa, a gente se entrosou e os Estados Unidos ficaram pra trás.
P/1 – E como que foi então esse casamento e essa nova mudança, agora pra um outro estado?
R – Então, aí eu continuei trabalhando no Ministério das Minas e Energia, terminei meu trabalho que era pra terminar em janeiro e eu terminei em novembro. Terminei o trabalho também, que era um contrato de um ano também, no Ministério da Educação. E com seis meses, a gente estava casado já. Nós ficamos noivos e tal... Uns meses depois, eu fui lá pra visitar, conhecer a família, ali em Dourados (MS). E a gente ficou noivo e eu voltei pra Brasília, terminei esse trabalho e a gente casou no dia 29 de dezembro. E como meu trabalho eu terminei antes, né, então eu pude ir. E aí fui pra Dourados, casei e, dia 29 de dezembro agora, faz 31 anos. E estou lá até hoje, foi o lugar que eu mais fiquei na minha vida, porque deu pra perceber que eu sou meio cigana assim, né. Morei em um monte de lugares, mas estou lá até hoje e tive minha família, minhas duas filhas que também estão lá. Uma está casada já, a outra vai casar também agora. E a gente continua lá. Lá eu comecei a trabalhar, eu fiz um concurso federal em Brasília, eu passei, né, nesse concurso na minha área, só que eu tive que desistir desse concurso. Eu fui chamada três vezes e eles tentaram ir me passando, cada vez que me chamavam, me passavam pro final da lista da minha classificação e pediam autorização e passavam. A primeira vez que eles me chamaram eu estava grávida da minha primeira filha, já nos dias de nascer. Com dois meses que ela nasceu, eu engravidei da outra, né. Aí eles chamaram a segunda vez, eu estava amamentando a primeira e grávida da outra. Quando chamaram a terceira vez, ela tinha nascido e eu estava com dois bebês (risos), porque ela nasceu a outra tinha onze meses, né, engatinhando tudo, dois bebês. Aí eu falei “Gente, infelizmente, eu não vou poder assumir agora não.” Eu não podia mais pedir e eles falaram: “Olha, Fátima, a gente não pode mais, se você não assumir agora, você vai perder.” Como eu não tinha condição, foi muito difícil assim, eu tive que fazer uma opção, foi muito, muito, muito, foi uma das decisões mais difíceis da minha vida. Porque um concurso federal é um concurso federal, né, não é assim. Mas eu fiquei trabalhando. Trabalhei numas empresas, na parte administrativa e depois eu fiquei trabalhando com meu marido mesmo. Porque ele trabalha com agricultura, com soja, milho, essas coisas, e tem a parte administrativa que eu assumi e eu acho que trabalhei muito mais do que se eu estivesse trabalhando no meu trabalho que eu tinha passado, ou numa outra empresa qualquer. Tudo foi bom, tudo valeu a pena.
P/1 – E agora conta como foi o seu primeiro contato com o AFS, como o AFS surgiu na sua vida.
R – O AFS... Eu conheci, eu fiquei sabendo do AFS a primeira vez em 2005, começo de 2005, quando minhas filhas estavam com 15, 16 anos e elas queriam, e eu também, que elas fossem fazer intercâmbio, estudar fora. Eu comecei a pesquisar e fui em todas as organizações que tinham lá, mas nenhuma encaixava. Então eu fiquei muito triste, porque não tinha conseguido achar uma que encaixasse assim, que a gente falasse: “É essa!”. E minha amiga falou: “Oh, tem o AFS, só que não tem escritório.” Porque os outros tinham escritório e tal. “A pessoa que faz os envios, faz tudo na casa dela.” Aí me deu o telefone, eu liguei pra ela, nós marcamos. A filha dela que me atendeu e tal, a filha dela que marcou porque ela não estava em casa. E eu fui lá conversar com ela, tanto que hoje nós somos... Ela é uma das minhas melhores amigas e a gente se considera como irmã. Naquela primeira conversa, a gente descobriu que o meu marido e o marido dela foram colegas de escola quando eram crianças no Sul e aí fomos nos entrosando. Naquela primeira conversa, também, ela já me convidou pra trabalhar, fazendo trabalho voluntário no AFS, eu já aceitei, já comecei ali mesmo, sabe. E estou até hoje. Acabou que a minha filha mais velha não foi, porque começou a namorar e não quis deixar o namorado e entrou na faculdade e só foi a mais nova. Mas foi muito bom, ela foi pros Estados Unidos, o intercâmbio dela foi muito bom, foi uma experiência muito boa pra ela, sabe. E aí eu me apaixonei de uma forma tal pelo AFS que hoje assim eu não consigo me ver sem o AFS na minha vida, sabe. Parece que eu tenho necessidade, como eu tenho necessidade do café-da-manhã, do almoço, do jantar, eu tenho necessidade do AFS na minha vida. E esses 11 anos que eu estou trabalhando no AFS, assim, eu até já comentei numa Convenção Regional, que eu vou escrever um livro porque eu tenho muitas memórias escritas, muitas coisas que eu escrevo que acontecem com os estudantes, sabe, coisas bem diferentes, coisas que não podem acontecer, mas que acontecem. Estudantes que a gente precisa mandar embora porque não cumpriu as regras, né, que tem as regrinhas de ouro, regrinhas básicas, que se eles não cumprirem eles vão embora mesmo. E eu sou uma pessoa, assim, muito coração entendeu, então eu me envolvo muito com o ser humano. E assim, passei uns mal bocados pra direcionar uns estudantes pra ir embora, mas depois eu achei que eu tinha que trabalhar assim, né. Inclusive teve o caso de um estudante que eu não posso nem falar exatamente, assim, tudo, mas nós descobrimos que ele estava envolvido com coisas muito pesadas e eu era conselheira dele e ele me chamava de mãe, sabe? Ele tinha um carinho por mim, assim muito, muito, muito grande, e como eu tive que comunicar pra SE [Secretaria Executiva], o caso dele, que era muito grave, eu comuniquei e ele foi embora assim, no mesmo dia. E ele ficou, assim, sem falar comigo. Aí eu mandei um e-mail pra ele, explicando pra ele porque eu tinha agido daquele jeito. Porque, na verdade, ele foi conversar comigo e contar o que estava acontecendo com ele, que era gravíssimo, e a intenção dele era que eu ia ouvi-lo como mãe, como amiga, só que naquele momento eu não podia fazer isso, né. Eu tinha que agir como uma pessoa que estava trabalhando pela organização e foi o que eu fiz, e aí ele ficou muito chateado comigo, não estava mais falando comigo e eu mandei o e-mail pra ele, sabe, explicando o porquê eu tinha agido dessa forma e eu falei pra ele assim: “Um dia, talvez demore, talvez não, você vai entender isso, porque que eu agi assim e eu peço perdão se eu te frustrei, mas um dia você vai entender o porquê disso.” E aí, no ano seguinte que ele foi embora, não lembro direito quando ele foi, mas no ano seguinte, no dia das mães eu me deparo com uma mensagem dele no meu Facebook: “Eu gostaria de estar no Brasil agora, pra dar um abraço na minha segunda mãe, na pessoa que eu amo.” Mais ou menos assim, sabe. Eu chorei muito, valeu a pena, porque ele cresceu, ele percebeu que a forma como eu agi, embora tivesse sido muito dura pra ele, era aquilo que eu tinha que fazer. E tem muitas experiências que realmente, dá um livro. Quem sabe um dia eu crio coragem e escrevo um livro, né. Já tenho esse que é uma bibliografia e aí eu estou escrevendo um outro também, mas aí não sei se eu vou emendar tudo junto ali, ou se vou fazer outra coisa. Não decidi ainda. Essa coisas a gente tem que começar num momento e decidir: “É isso que vou fazer.” E vamos lá.
P/1 – Eu vou te fazer umas perguntinhas sobre essa tua carreira com voluntária. Mas primeiro eu queria te perguntar como foi a experiência de mãe e enviar uma filha pra intercâmbio?
R – Ah, foi bem complicado, porque essa minha filha mais nova, era tipo unha comigo, era colada em mim e com o pai também. Todo mundo falava: “Ela não vai se acostumar, ela vai voltar, ela não vai se acostumar.” Sabe, eu rezava todo dia pra dar certo, porque pra ela era importante e pra mim também, né, pra nós, para a família também. E ela foi naquela época a gente conversava pelo MSN [plataforma de conversas virtuais], né, então, tinha aquele negócio de internet ficar ruim, nossa, era um sufoco pra gente se falar. Ás vezes, a gente se falava, às vezes, não. E assim, como eu sabia que ela era muito dependente da gente, né, não dependente, assim, doentio, mas ela queria ficar sempre junto, estar sempre perto, estar acompanhando, saber o que estava acontecendo ali com pai e mãe, etc e tal. E a gente conversava sempre: ‘’Ai, tá tudo bem, tá tudo bem.” Mas, quando ela voltou, ela me disse exatamente assim: “Mãe, durante três meses, eu não conversava com ninguém.” Tanto que na escola, ela era a única estrangeira que tinha lá e: “Eles me chamavam de muda, a estrangeira que não fala”, alguma coisa assim. Porque ela disse que sofreu tanto nos primeiros três meses assim, não porque que ela era maltratada, ela era bem tratada lá, mas a falta que ela sentia da família e principalmente de mim, ela falou assim: “Mãe, eu não voltei porque eu sei que foi muito trabalhoso, muito difícil, pra vocês pagarem o meu intercâmbio, por isso que eu não voltei. Mas, muitas vezes, eu quis falar pra você pra comprar minha passagem de volta, porque eu queria voltar, porque eu queria vir embora.” E aí depois ela deslanchou, começou a jogar em um time da escola, começou a jogar futebol, que ela gostava de jogar futebol e a mãe americana dela sempre me mandava cartões, mandava e-mails também, falando como ela estava lá. Apaixonados por ela. E ela foi muito bem classificada na escola dela, que ela não gosta que fale, mas lá são quatro pontos pra ficar no grau máximo, mais ou menos isso, e ela ficou com 3.9, só que a que tirou 4.0 era americana, então os professores, o diretor, falaram que ela foi a melhor, né, porque ela era estrangeira. O inglês dela ficou assim maravilhoso, ficou perfeito, quando ela voltou foi outra história. Voltou como todos os estudantes voltam, querendo mudar o mundo, porque Natal lá nos Estados Unidos é diferente do daqui, “Chegar no Brasil e fazer o Natal como aqui, e tal e tal.” Que nada, quando chega, já começa a trabalhar, estudar, já entrou na faculdade e foi. Mas foi bem difícil, assim, me separar da minha filha. Não foi fácil, não. Foram muitas noites assim, dormindo tarde, chorando, sabe, mas valeu a pena. Tudo vale a pena, tudo. Foi muito bom.
P/1 – E enquanto ela estava lá você continuou trabalhando como voluntária?
R – Continue, nunca parei. Sempre, desde o primeiro encontro que eu tive com a minha amiga Vânia, que era presidente do comitê lá naquela época, desde a primeira conversa que nós tivemos, a fazer os papeis pra minha filha ir fazer o intercâmbio, eu já comecei. Ali já comecei e nunca mais eu parei. Nem agora, nesse tempo que eu fiquei na Irlanda, eu parei. Eu acompanhava tudo, pela internet, né, hoje a gente tem esse recurso. Como eu sou membro do Conselho Diretor aqui, a gente fazia reunião por Skype, acompanhava pelos e-mails, tudo, não parei, nem lá eu parei eu não parei. Eu não parei nunca, nunca tirei férias. E amo esse trabalho, como eu já disse é uma coisa que faz falta na minha vida, assim sabe, o AFS é parte da minha felicidade, sabe, do meu prazer de trabalhar. É uma coisa que eu faço por prazer mesmo.
P/1 – E conta pra gente como foi o desenrolar da sua carreira de voluntária. Quais as primeiras funções que você começou a se envolver, como que as responsabilidades foram aumentando?
R – Eu fui família hospedeira, né, fui mãe de estudante, porque eu mandei minha filha, fui conselheira e a gente tinha uma carência, até hoje, às vezes, de voluntários. Cheguei a ser conselheira de cinco estudantes ao mesmo tempo. A gente se envolve muito, porque quando a gente é conselheiro de um estudante, a gente dá assistência ao estudante em relação a escola, em relação a família que estudante está morando e em relação ao próprio estudante. A gente que é conselheiro tem que estar sempre em contato com ele e eu tinha cinco, então era assim, bem trabalhoso, né. Mas, como eu estava trabalhando com o meu marido, eu tinha escritório em casa, facilitava muito. Porque ali, no próprio escritório mesmo eu atendia os meninos, eles falavam por telefone e etc e tal. Davam, assim, uns rolinhos bem animados, sabe. Mas era muito bom, muito bom mesmo. E eu fui mãe hospedeira, mas chegou um momento que eu decidi... No início, a minha intenção, conversei com meu marido e minhas filhas, e a intenção era hospedar todo ano, né, estudantes de países diferentes, pra gente ir aprendendo, trocando, porque na verdade é uma troca de aprendizado, né. Então, a minha intenção, eu pensava em hospedar todos os anos, porque nós temos intercambistas que vem pra um ano, pra seis meses, né, dos menores de idade e agora já tem outros programas, tem mais programas agora do que quando eu comecei. Então a minha intenção, a nossa intenção, como eu disse, era todo ano hospedar. Mas o que aconteceu? Eu comecei a perceber, eu comecei a ser uma voluntária muito ativa, tanto que a Vânia, que era a presidente, falava que eu era o braço direito, o braço esquerdo, a cabeça dela, né, que qualquer coisa ela chamava e eu ia ajudar a resolver. E aí, o que começou a acontecer? O estudante dava problema na família, então a minha casa e a casa dela, funcionava meio como um pronto socorro e ia pra lá. Aí eu parei e pensei: “Eu não posso estar com um estudante aqui em casa, né, hospedando um estudante e trazer um ou dois depois, com problemas que a gente vai precisar resolver. Aí minha casa ficou mais ou menos assim, pegando aqueles que davam problemas, aí ia pra lá. Uns terminavam lá, outros iam embora, enfim dependia do problema de cada um. Cada um é uma história. Mas que eu hospedei durante esse tempo mesmo, que eu fui família hospedeira mesmo, foram três, os outros foram tudo “pronto socorro” mesmo.
P/1 – E esses que você hospedou, como que foi a experiência de ter uma pessoa bastante tempo em casa, essa troca?
R – Ah, foi maravilhosa. Todas elas, foram três meninas, como eu tenho duas filhas, né, elas preferiram meninas e eu também. Foi assim, muito, muito, muito bom mesmo a italiana. A gente já foi lá, eu fiquei nove dias, ela mora em perto de Torino, né, perto dos Alpes. A gente foi lá... Eu fiquei nove dias lá com eles. A família dela veio aqui também visitar a gente, a gente tem contato até hoje. Ela e a húngara, a húngara foi mais recente, foi embora o ano passado. Essa húngara foi assim... Eu estava passando um momento bem complicado, meio complicado, assim, com problema de família, meio complicado, e essa menina, sabe, foi um anjo que Deus colocou na minha vida, porque ela saiu de uma família, que ela não foi pra minha, ela foi lá pra minha cidade, pra ficar com uma família e não deu certo com a família, não deu certo mesmo que a mãe pegou as coisas dela e levou lá pra casa e falou: “Olha, acabou, não tem como.” E aí eu peguei essa menina, mas certa de que uns dias e ela ia embora, né. E a menina ganhou minha família toda, e se eu disser que essa garota deu algum trabalhinho lá em casa, eu vou estar mentindo, porque ela só deu alegria, sabe. Nossa, a carta que ele escreveu quando ela foi embora, assim, de chorar. Muito linda, sabe, muito linda mesmo. As meninas... Hoje em dia, ela fala que tem duas famílias, duas famílias maravilhosas, sabe. Ela é muito carinhosa, muito alegre e ajudou a gente sabe, ela ajudava todo mundo. Sabe, ela gostava de ajudar as pessoas e foi assim, muito, muito, muito marcante. Não foi muito tempo, acho que ela ficou cinco meses, mas foi fantástico. Nunca vou esquecer, nem eu e nem minha família, porque foi pra todo mundo e pros amigos também. Porque nos últimos dias, que ela foi embora, os três, quatro dias antes da partida dela pra Hungria, a minha casa, eu dizia assim: “Parece a casa da Mãe Joana.” Porque parava dois, três carros, assim na frente, sabe, de amigos que ela tinha feito. Ela participou de grupo de dança, sabe, que ela dança, ela interagia assim com todo mundo, todo mundo era amigo, e ela muito inteligente, fala vários idiomas. Então, ela ensinava, ela muito legal com todo mundo, então todo mundo se apaixonava por ela. E nesses dias, nossa, eu chorava. Um dia, eu me deparei com a sala inteira dela na minha cozinha, uma noite, e ela cozinhando pra eles. Fazendo fatias húngaras, uma massa que é tradicional lá deles, muito gostosa, e ela fazendo pra todo mundo. A sala inteira na minha cozinha. Minha cozinha assim e a sala dela toda lá, os meninos, as meninas, sabe, e minha casa cheia, cheia, cheia, o tempo inteiro. Nunca vi uma coisa daquela, em lugar nenhum, com nenhum estudante. Ela realmente é muito especial. E essa menina que a outra família botou pra fora. Mas eu acho que era pra ir pra lá, né, era pra ir pra lá. Mas a minha experiência com os estudantes foi assim fantástica. Eu não gostaria de ter usado a minha casa, a Vânia também, como “pronto socorro”, no sentido de que eu não gostaria... Eu gostaria de que todos os estudantes ficassem bem e não tivessem problemas, mas, como eles tinham, nós como voluntários tínhamos que resolver. E assim, me empenhava nisso, assim, de levar eles pra festa, de buscar, de noite, madrugada. Enfim, sair à noite pra resolver problema de estudante e com maior amor, com maior carinho. Muito bom.
P/1 – E Fátima, quais são as questões recorrentes que o conselheiro precisa lidar sempre? Se puder contar pra gente algumas historinhas...
R – Ai, olha, nós temos uma regrinhas que eles devem ouvir no treinamento, porque eles tem um treinamento quando saem do país, que os nossos quando vão também, e quando chega tem outro. Não é treinamento, é orientação. Então tem as regrinhas que são não se envolver com drogas, não beber, não engravidar, as meninas não engravidarem e os meninos não engravidarem as meninas, né, não pegar carona, carona de estrada, carona com familiares, com amigos, desde que os familiares estejam sabendo, não tem problema, né, não faltar na escola, tem uma que eu não lembro agora. Mas enfim, se eles não cumprirem uma dessas regras, eles vão embora mesmo, sabe, tem o ER, né, que a SE dá e eles vão embora mesmo. Mas o que mais acontece, a regrinha que mais acontece deles não cumprirem, é em relação a bebida, mas isso, assim, eu culpo muito os próprios brasileiros, as próprias pessoas que estão com eles, que acabam envolvendo, que vai, vai e acabam bebendo. Esse tipo de coisa, eu acho que mais é com bebida, mesmo. Ou também, uma coisa que acontece bastante, é de o estudante não se adaptar com a família ou a família com o estudante, mas o conselheiro tá ali pra ver isso, porque o conselheiro registra um contato mensal no Global né, todo dia não, todo mês, esse contato é enviado pra SE, mas esse contato ele pode ser feito todos os dias, se acontece um problema hoje, não importa se hoje é o fim do mês, eu posso ir lá e registrar no final do mês eu só mando. O conselheiro tem que estar sempre em contato com a escola, porque é um dos itens que eles precisam cumprir, com a a família e com o estudante. Então, o conselheiro tem essa função de ouvir as três partes e colocar essas informações num relatório e o conselheiro, ele analisa, ameniza essa situação. Muitas vezes tem que mudar, tem que mudar de família e o conselheiro vai lá ou leva uma outra pessoa mais experiente também, uma mãe que já hospedou, uma mãe que tem filho fazendo intercâmbio fora e conversa e acaba ficando, entendeu, que às vezes foi um mal entendido. Fala que quer sair, mas é só um mal entendido, que só tendo uma conversa legal assim, já resolve. Os mais recorrentes, eu acho assim, durante a minha experiência, é essa coisa com bebida e às vezes falta de adaptação. Outras também acontecem, mas o mais recorrente acho que é isso. Mas a gente sempre trabalha legal com isso.
P/1 – A gente teve muito contato e escutou bastante falar de algumas regiões, mais do que outras, durante o processo de pesquisa, por exemplo, a região Sul muito forte. Queria que você falasse um pouquinho dos desafios da sua região.
R – Então, a minha região, até semana passada eu estive participando da Convenção Regional do Nordeste em Natal e a menina que foi daqui, representando a SE, ela estava falando, porque eu estava fazendo a minha fala, o meu momento, e eu citava casos que aconteceram na minha região, casos de ER, por bebida, etc. etc. Então ela falou assim pra mim: “Você não fala da PAN, porque eu amo a PAN.” E eu falei assim: “Eu também amo a PAN.” A PAN é minha região né. “Eu também amo a PAN, mas eu estou citando casos que aconteceram lá porque eu não quero citar de outras regiões, eu prefiro citar daquela que eu participo, né.” Mas a nossa região, é uma região, assim não tem todos os voluntários que a gente queria, que a gente gostaria de ter, mas tem os voluntários que realmente arregaçam as mangas e trabalham muito, se dedica mesmo, pra valer. E nós ganhamos prêmio, acho que foi de envio, recebimento, não me lembro direito, agora deu um branco. E a PAN é uma região das regiões que mais recebia, mas porque a gente tinha uma presidente, que ela é professora em Campo Grande, que ela tinha muita facilidade, muito contato com escolas, com famílias, entendeu, então ela mesmo me disse isso: “Fátima, eu nunca precisei ir atrás de uma família, ir atrás de uma escola.” Porque eles procuravam ela, se cadastravam, mandavam e-mail, então ,ela só ia lá fazer a entrevista. Então, ela, assim, hospedava muito e por conta desse comitê que hospedava muito a nossa região ganhou prêmio. E o meu comitê, também, é o segundo que mais hospeda, de Dourados, né. A gente hospeda bastante estudantes também. E é uma região bastante unida que tem problema como todo mundo, como todas as regiões tem, mas, é uma região que eu amo de paixão, que eu adoro, que o pessoal trabalha realmente, que tem voluntários que se a gente disser assim: “Vamos fazer isso?”, “Vamos.” Não importa a hora, não importa o dia. Sabe, a gente está lá sempre todo mundo junto, todo mundo trabalhando. Acho isso muito legal. Sempre tem aquele grupinho que salva todo mundo, né, toda região tem isso.
P/1 – E Fátima, como que você começou a fazer parte do Conselho Diretor? Conta essa história pra gente.
R – O Conselho Diretor é assim, tem uns critérios né pra ser do Conselho Diretor, por exemplo: ter sido família hospedeira, conhecer as normas da organização, enfim, é um todo assim. E aí eu fui convidada, eu era Diretora Administrativa da nossa região, e é um trabalho que eu também estava assim apaixonada, que cuidava das finanças dos estudantes. Quer dizer, a finança é a SE que controla, mas o Diretor Administrativo recebe o dinheiro pros materiais escolares, transporte, né, essas coisas assim, para os eventos que têm e a gente faz prestação de contas e eu estava já quatro anos como Diretora Administrativa e, em 2014, foi ano passado em setembro, que teve a Convenção Nacional. Todo ano é feito em um Estado, né, é quase sempre nas capitais. Em 2014, foi no meu estado, em Campo Grande, né, capital do Mato Grosso do Sul. E toda convenção tem eleição, pra um ou dois membros do CD [Conselho Diretor]. Aí eu fui convidada pra me candidatar. Titubeei um pouco assim, né, mas acabaram me convencendo do tipo de trabalho e eu já comecei a gostar do trabalho. Aí me candidatei, ganhei, e aí eu estou no Conselho Diretor, no meu segundo ano, do Conselho Diretor.
P/1 – Fala um pouquinho agora do seu trabalho no Conselho.
R – Então, o Conselho Diretor é um grupo de apoio pro AFS, como existem outros grupos de apoio. Mas o Conselho Diretor tem um trabalho mais assim... Porque tudo que passa pelos outros grupos de suporte, né, os outros grupos de suporte, os outros grupos que ajudam, eles passam pro CD, pro CD aprovar, e aí enfim. Agora, por exemplo, nós estamos fazendo um trabalho bem grande na reforma do Estatuto do AFS, das políticas, né. Então, esse é um trabalho que tem acompanhamento jurídico, advogados, tudo. É um trabalho bem árduo. E dentro do CD cada um... Essa nossa formação agora, esse nosso grupo, porque eu entrei nesse grupo tinha três membros e aí nós entramos mais dois, três novos né, dois novos, porque a sexta pessoa é representante dos Diretores Nacionais, dos Diretores Regionais. A Diretora Nacional é a Andrezza. Os Diretores Regionais que é pra representar os diretores dentro do CD. Então, os membros do CD mesmo são cinco. Nós temos o trabalho dividido, tem os comitês de desenvolvimento e mercado, tem comitê eleitoral e governança, né. E aí a gente divide os trabalhos e quando a gente se encontra, como esse final de semana agora, é nossa última reunião desse ano, a gente está trabalhando em cima desses trabalhos que a gente vai fazendo pela internet, via Skype, via e-mail, vamos trabalhando durante o tempo de uma reunião a outra, a gente se encontra e a gente trabalha ali. É um trabalho, eu confesso que eu não achei que fosse bastante coisa assim pra gente trabalhar, mas a gente tem que está focado ali, bastante sério, bastante árduo o trabalho, mas eu estou gostando. Eu gosto de desafios. Estou amando.
P/1 – Fátima, agora eu vou encerrar. Vou fazer mais umas perguntinhas, um pouquinho mais avaliativas do seu tempo no AFS, da sua trajetória de vida. Depois, vou te fazer umas perguntas pra gente encerrar. Queria que você falasse quais foram os maiores aprendizados do seu tempo no AFS.
R – Olha... Tanta coisa que eu aprendi sabe, tendo esse contato direto com os estudantes, com os familiares. A gente vê que, às vezes, nós estamos assim tão encolhidos no nosso euzinho, na nossa casquinha né, que a gente acha que não existe nada no mundo mais difícil que aquilo que eu estou passando, não existe nada mais complicado que a minha vida, vida da minha família, da minha irmã, etc etc. Mas a gente tendo esse contato, assim, com esse pessoal, com todo pessoal, essa troca de cultura, isso faz a gente analisar muito a vida da gente sabe, o que a gente tem, o que a gente ganhou, o que a gente conquistou. Família, trabalho, aprendizado, enfim, faz a gente vê a vida de uma forma diferente. Pra mim, foi exatamente isso e eu acredito que pros meus colegas também não seja diferente, né, principalmente os que são voluntários. É muito gratificante, muito gratificante. O aprendizado é muito grande, sabe, muito, muito, muito grande. A gente aprende a valorizar a vida, a ouvir, aprende a ouvir mais. A gente aprende a compreender mais sabe, a julgar menos sabe. É muito importante, muito gratificante, muito grandioso. Pra mim, assim, é uma religião já, é maravilhoso. Não tenho palavras, não acho palavras pra descrever o aprendizado, essa caminhada com o AFS, o que significa. Só sei te dizer que é grandioso, maravilhoso, muito gratificante.
P/1 – E quais são seus sonhos e aspirações para o futuro?
R – Menina, olha, minha carinha toda plissada, você acha que eu ainda tenho muitos sonhos? (risos) Não tenho muitos sonhos assim, mas o meu sonho é assim: enquanto eu viver, enquanto vida eu tiver, estiver bem, eu vou me dedicar ao trabalho pelas pessoas. Vou fazer o que eu puder e, às vezes, o que eu não puder, porque, às vezes, a gente tem que encostar nos nossos limites, às vezes, tem até que por um pezinho pra lá desse limite, né, pra resolver situações. Mas o meu desejo é continuar me dedicando a esse trabalho pela humanidade. Porque agora minhas filhas já estão praticamente casadas né, as duas, uma tá casando a outra já casou e aí tem mais tempo também e eu também já estou meio que aposentando né. Minha intenção é continuar esse trabalho que eu amo de paixão.
P/1 – E depois de tanto tempo, de todo aquele sonho lá atrás de ir pros Estados Unidos, você conseguiu ir pra Irlanda. Como foi essa viagem?
R – Então, a Irlanda... Eu acho assim que é diferente dos Estados Unidos né? Eu inclusive escrevi um artigo pra um blog da organização que eu fui, que eu acho que a sede é em Curitiba (PR), se eu não me engano, e saiu, tá lá no blog, não sei se pode falar o nome (risos), mas eu escrevi com o intuito de ajudar. Quando eu fui, quando eu decidi ir, eu achei que o desafio ia ser muito difícil, porque primeiro pela minha idade, mais são os jovens que fazem intercâmbio, porque a Irlanda é um país... A Irlanda eu posso dizer que sobrevive de intercambistas né, do intercâmbio, tem muita gente lá fazendo intercâmbio, do mundo inteiro, mas os brasileiros estão em primeiro lugar. E eu fui, morei em Dublin, eu escrevi esse artigo que organização pediu pra eu escrever quando eu voltei e lá eu achei que eu tinha mesmo que escrever aquilo que eu percebi, que eu analisei, porque eu sou uma pessoa muito observadora nos lugares que eu não conheço ou mesmo nos que eu conheço. Então, o que eu percebi é que as pessoas querem ir, mas querem ir pra ficar na capital e assim, eu viajei muito afinal, porque como é uma ilha, é pequeno né, dá pra explorar bastante o país. Então a gente viajava, eu tinha uma colega, minha flatmate, que a gente viajava quase praticamente todo final de semana e a gente e explorou muito o interior da Irlanda. Então, o que eu que descobri? Eu descobri que quem vai pra lá com o objetivo de estudar realmente, de aprender realmente inglês, o ideal é que se vá para cidades do interior, não vá pra Dublin, porque Dublin está muito cheio de brasileiro, segundo a empresa de turismo lá, disse que tem mais de 12 mil brasileiros em Dublin, né. Então, o que acontece? Você tá no curso estudando inglês, falando inglês, interagindo em inglês e quando você sai na rua, tem português na frente, do lado direito, esquerdo, atrás. Todo lugar que você vai, brasileiro. Eu morava num prédio, que eram três prédios do mesmo dono e era praticamente tudo brasileiro. Analisando, eu acho que é mais difícil pra se aprender inglês ficando ali na cidade. Eu aconselho quem for pra lá, ir para o interior, porque vai com certeza aprender melhor. Mas a minha experiência foi maravilhosa, foi muito boa. Você viver com pessoas diferentes, com clima diferente, porque o clima da Irlanda é bem atípico né, bem diferente do nosso, alimentação diferente né, tudo é diferente. Foi assim, uma experiência muito boa. Não vou dizer que foi feliz não, assim teve os momentos... Foi muito bom, mas teve os momentos bem assim que a gente tem vontade de pegar a mala e oh, vir de volta pro país da gente. Mas foi gratificante, eu faria de novo essa experiência, só que aí eu já não iria pra Dublin, eu iria pra uma cidade do interior, porque com certeza seria melhor.
P/1 – E Fátima, agora pra gente encerrar, o que você acha dessa ideia da gente gravar as histórias de vida de vocês que fazem parte dessa trajetória de 60 anos do AFS?
R – Nossa, eu achei uma iniciativa assim maravilhosa, porque isso com certeza vai ficar gravado, documentando, né, pra pessoas que lerem... Eu não sei quem foi que me informou que vai ser gravado em vídeo... Vai ser feito um livro, né, etc. e tal. Então, isso vai ser registrado de alguma forma e que as pessoas que tiverem acesso a isso, conheçam essa história de vida, se interesse também por um trabalho voluntário. Porque assim, eu vejo que a gente precisa trabalhar pra ganhar o dinheiro, pro sustento e tudo, mas eu acredito, sabe, do fundo do coração, que se cada pessoa se dedicasse, se decidisse a fazer algum tipo de trabalho voluntário, nossa cidade, qualquer lugar, qualquer tipo de trabalho voluntário que ela não precisasse receber absolutamente nada pra desenvolver, que esse trabalho fosse realmente voluntário em prol de ajudar alguém, de fazer a felicidade de alguém, com certeza, nós seriamos seres humanos bem melhores. A humanidade seria bem melhor. Eu incentivo muito. Eu achei maravilhoso assim, a ideia de vocês e, acredito, tenho certeza que vai mostrar pras pessoas esse trabalho e um maior número de pessoas vai se engajar nesse trabalho.
P/1 – E como que foi pra você voltar lá atrás e contar a tua história pra gente?
R – Ai. É sempre emocionante a gente voltar, lembrar, porque parece que a gente vai revivendo, parece não, a gente vai revivendo né. Foi gostoso. Foi bom, adorei. Amei, de verdade.
P/1 – Muito obrigada pela tua participação e parabéns pela história
R – Muito obrigada vocês, por essa oportunidade e tudo de bom pra vocês. Continuem fazendo esse trabalho maravilhoso.