Debora passou sua infância numa época onde as crianças brincavam na rua e ajudavam os pais. Quando Jovem deixou os estudos para trabalhar casando-se precocemente e morando com os pais. Numa situação difícil no casamento onde era oprimida pelo esposo consegue escondida de todos passar num concurso público e obter sua liberdade recomeçando uma nova vida. Com os filhos, uma situação de descobertas e a superação de preconceitos pela escolha sexual deles, firmando-se na luta contra a violência e o preconceito em sua vida.
Todo Lugar tem uma história para contar: Santa Cruz do Rio Pardo
Fé e superação
História de Débora Regina de Souza
Autor: Lia Cristina Lotito Paraventi
Publicado em 25/11/2018 por Lia Cristina Lotito Paraventi
Santa Cruz do Rio Pardo
Todo Lugar tem uma história para contar
Depoente: Débora Regina de Souza
Entrevistadora: Rosângela Uchida
07/10/2018
Santa Cruz do Rio Pardo HV 007
P/1 - Boa tarde, Débora.
R - Boa tarde.
P/1 - Por favor, qual é o seu nome?
R - Débora Regina de Souza.
P/1 - O local de nascimento?
R - Santa Cruz do Rio Pardo.
P/1 - A data de nascimento?
R - 26/04/1970.
P/1 - O nome dos seus pais?
R - Francisco Grilo de Souza e Conceição Martiniano de Souza.
P/1 - O que os seus pais faziam?
R - Minha mãe trabalhava na roça e meu pai era pedreiro.
P/1 - Como você você poderia descrever seu pai e sua mãe?
R - O meu pai, no começo, quando casou com a minha mãe, ele não gostava muito de trabalhar e minha mãe sempre foi da roça, trabalhava para sustentar os meus quatro irmãos. Com o passar do tempo eles vieram morar na cidade, foi onde meu pai começou a trabalhar, onde minha mãe engravidou e me teve. Daí ele foi trabalhar de pedreiro e minha mãe continuou na roça trabalhando, compraram um terreno onde construíram uma casa de tábua e fomos morar. Lá moramos até ele construir uma casa de tijolo. Minha mãe trabalhou na roça, na colheita de algodão, café, e ele de pedreiro até construir a casa e depois nós nos mudamos para a casa de tijolo.
P/1 - Tudo aqui em Santa Cruz?
R - Tudo aqui em Santa Cruz.
P/1 - Quais eram os principais costumes da sua família.
R - Domingo a minha mãe gostava muito de ir para a casa da minha tia no sítio, a gente ia todo domingo para o sítio passear, e na casa da minha avó. Era tradição passar o natal e o ano novo na casa da minha tia e da minha avó e era uma coisa que eu gostava muito de fazer. E reunir a família, que era muito bom, quando a gente é criança a gente aproveita muito essas coisas.
P/1 - Como era? O que vocês faziam quando vocês viajavam para as casas da sua avó e da sua tia?
R - A gente, chegando lá, ia colher milho para fazer pamonha, brincava no riacho; coisas gostosas de se fazer em sítio, que na cidade não poderia fazer.
P/1 - Da infância que você teve, quais são as melhores lembranças e as piores que você tem?
A pior lembrança é de quando o meu pai bebia e brigava com a minha mãe, porque ele bebia, ficava agressivo e eu não gostava. Mas as melhores eram quando eu ia para a casa da minha avó junto com a minha mãe, que a gente passava bastante tempo com a minha avó.
P/1 - E as brincadeiras favoritas que vocês tinham, o modo de brincar?
R - Eu era muito de brincar com os meus sobrinhos, porque os meus sobrinhos eram quase todos da minha idade; com amigos, vizinhos, eu quase não brincava, eu mais ficava em casa. Era mais com os meus sobrinhos, a gente brincava de bicicleta, pique-esconde, pular corda, era muito bom.
P/1 - E os sonhos que você tinha?
R - Eram muitos sonhos, que foram poucos que foram realizados.
P/1 - Quais eram? Conta para a gente.
R - Eu sonhava em ter uma família; tive a família. Ter filhos; tive filhos. Tive meu primeiro marido, que se eu pudesse hoje eu não teria tido ele, mas filhos, são as minhas pedras preciosas, porque ele era uma pessoa muito agressiva, muito má de coração, uma pessoa que não servia para ser pai, porque o meu primeiro erro foi arrumar ele; ele foi o causador de todas as minhas perdas até hoje.
P/1 - Conta um pouco da história.
R - Eu vivi oito anos com ele, eu não podia trabalhar, eu não podia sair da minha casa, eu não podia ter uma vida e com isso a minha mãe e meu pai, que já tinha parado de beber, já tinha superado tudo aquilo, já era outra pessoa, já não brigava mais com a minha mãe, tinha que suportar tudo aquilo por eu ter posto ele dentro de casa, então ele fez a vida da gente virar uma coisa e minha mãe foi ficando nervosa, adoecendo. Ele só trouxe o caos para a minha vida.
P/1 - Vocês moravam todos juntos?
R - Morávamos todos juntos na casa da minha mãe, porque eu não podia ter a minha casa, ele não tinha sonhos, ele não fazia planejamento de ter nada.
P/1 - E como era a convivência com os filhos no meio de tudo isso? Avô, avó, pai, mãe.
R - Os meus pais amavam os meus filhos, ele detestava criança. Os filhos dele, ele não chegava perto. Eu superei isso, fui aguentando por oito anos essa vida, até que um dia eu falei: “gente, estou vivendo para quê? Estou sofrendo para quê? Eu tenho os meus filhos, tenho o meu pai, tenho a minha mãe; isso não é vida”. Prestei concurso na prefeitura, passei, fui trabalhar na prefeitura, fui trabalhar no sítio, um mês escondida indo viajar para o sítio, acordar de madrugada e ir para o sítio. Ele era motorista de caminhão, só vinha final de semana. Aí me transferiram para a cidade, fiquei mais três meses na cidade, até que fui trabalhar na prefeitura. Da prefeitura eu fui para a OAB, arrumei uma advogada para tirar ele de casa.
P/1 - Desculpa, para onde você foi?
R - Trabalhar na prefeitura. Decidi: vou na OAB arrumar uma advogada para tirar ele de casa, porque eu morava na minha casa, não era dele. A advogada simplesmente tirou ele de casa.
P/1 - Vocês conseguiram?
R - Consegui, tirei ele de casa.
P/1 - Qual foi o teu sentimento nesse momento?
R - Liberdade. Não tanto a minha liberdade, mas a dos meus filhos.
P/1 - Teus filhos tinham consciência de tudo o que acontecia, desse fato do pai não gostar deles?
R - Tinham consciência. O meu filho mais velho, que na época tinha seis anos, ele usava fralda, ele fazia xixi na cama por medo do pai. A partir do momento em que ele descobriu que o pai não voltaria mais para casa, ele parou de fazer xixi na cama. A partir do momento que ele descobriu que o pai não viria nem visitar ele, ele parou, ele mudou, o menino. As crianças se transformaram em outras pessoas.
P/1 - Ele era violento com as crianças também?
P/1 - Ele usava de força física também?
R - Não, porque eu não deixava, porque eu sempre fui uma mãe de enfrentar, porque se ele colocasse a mão nos meus filhos, eu acabava como ele.
P/1 - Quantos anos os seus filhos tinham na época em que ele saiu de casa?
R - Seis, cinco e três anos.
P/1 - Então esse foi o seu primeiro namorado, o seu primeiro desgosto e a sua primeira vitória? É assim que você encara ou você encara de uma forma diferente?
R - Não, é assim que eu encaro, a minha vitória, a minha liberdade.
P/1 - Quando ele foi embora, que vocês se sentiram livres, como vocês aí começaram a viver?
R - Muito bem. Eu pude pegar os meus filhos, viajar com eles, mostrar para eles o que eles estavam perdendo, levar eles para passear, levar eles para conhecer lugares em que eles não conheciam até então. A gente começou a sair, passear, se divertir, coisas em família, que até então eles não conheciam.
P/1 - Quando você estava com ele, que ele era agressivo, você disse: “a gente não tinha essa liberdade, não passeava”. Você tentou alguma vez passear? Conta a gente essa história para a gente entender.
R - No dia da formatura do meu filho, de prezinho, que eu fui, meu pai, minha mãe e os meus outros filhos, na hora que nós chegamos da formatura, ele veio me agredir, porque eu tinha ido na formatura do prezinho do meu filho. Ele veio me agredir. No que ele veio me agredir, eu fui em cima dele também, porque eu não ia aceitar. Toda vez que a gente saía para alguma coisa, ele aprontava para não sair, então eu não queria nem sair mais de casa. Se eu saísse com os meus pais era motivo de encrenca, então eu já não queria mais nem sair de casa, eu só ficava em casa.
P/1 - E como era o seu relacionamento com os seus pais na época diante de todo esse conflito?
R - Meus pais sofriam muito. Minha mãe teve dois infartos por causa disso tudo, então eles sofriam muito.
P/1 - Quando você começou a criar os seus filhos sozinha, quando você encarou essa responsabilidade sozinha, como você se sentiu?
R - Não é fácil encarar três crianças, mas eu sabia que eu não estava sozinha, porque eu tinha o meu pai e a minha mãe junto.
P/1 - De que forma?
R - Eles me apoiavam, eles levavam as crianças na creche e iam buscar, eles procuravam me ajudar o máximo que eles podiam para eu poder trabalhar, para eu poder voltar a estudar, para não ficar parada no tempo.
P/1 - E como ficaram os seus sonhos?
R - Comecei a estudar, tudo de novo, minha mãe teve outro infarto, tive que parar de estudar para cuidar dela.
P/1 - Você tinha parado de estudar em que época da vida na primeira vez?
R - A primeira vez que eu parei de estudar foi em 83.
P/1 - Por quê?
R - Para começar a trabalhar. Eu tinha 13 anos, parei para começar a trabalhar.
P/1 - Por qual razão?
R - Porque eu queria ter minhas coisas, eu queria poder comprar as minhas coisas, para não ficar dependendo de pai e mãe.
P/1 - Você parou em que série? Já estava no ginásio?
R - Estava no ginásio. Eu acho que na sexta ou sétima série.
P/1 - Você lembra o que você fez com o teu primeiro dinheiro que você ganhou?
R - Lembro.
P/1 - Então conta tudo em detalhes, onde foi, o que você fez.
R - Eu fui na loja, comprei um par de sapatos para mim, um conjunto de roupas e comprei um presente para a minha mãe.
P/1 - E quando você chegou para dar o presente para ela?
R - Ela morreu de felicidade. Eu adorava, todo pagamento meu eu tinha que comprar um presente para ela, porque eu adorava comprar presente para ela.
P/1 - Qualidade foi o seu primeiro emprego?
R - Numa padaria. Padaria Três (Oliveiro) [00:18:09], eu trabalhava no balcão, de atendente.
P/1 - Isso te realizava?
R - Muito, eu gostava, sempre gostei de mexer com o público.
P/1 - A partir daí que você foi arrumar o primeiro namorado?
R - Foi. A partir daí eu fui arrumar o primeiro namorado, a primeira decepção.
P/1 - Como foi?
R - Primeiro namorado, como sempre, é primeira decepção, machuca o coração e é uma coisa que não vale a pena.
P/1 - Foi com esse que você casou?
R - Não.
P/1 - Então vamos contar a parte boa primeiro, na padaria ali, teve algum momento marcante que você lembra com prazer, foi bacana?
R - Eu gostava de trabalhar.
P/1 - Seu primeiro mês de trabalho, seu primeiro dia, quando você chegou ali, qual era o teu sentimento?
R - Eu fui trabalhar, eu não via a hora de começar a trabalhar, eu cheguei para trabalhar muito contente.
P/1 - E depois do dia ter passado, ficou feliz?
R - Lógico. Nossa, eu sabia que no final do mês eu ia ter o meu dinheiro, eu ia ganhar o meu dinheiro, o meu primeiro pagamento.
P/1 - E o sentimento com relação à escola?
R - Fui deixando, foi passando.
P/1 - Não teve sentimento de perda?
R - Quando você é adolescente, você não tem esse sentimento até você ver que aquilo te faz falta, uma hora te faz falta, a hora que você mais precisa, para o concurso, aí você vê que aquilo faz falta para você.
P/1 - Quando você sentiu mais essa falta?
R - Na hora de fazer o concurso eu vi que fazia falta, daí eu vi que eu precisava voltar a estudar para terminar.
P/1 - Mas passou no concurso mesmo assim?
R - Sim, passei. Com a graça de Deus, passei.
P/1 - Quando você viu o resultado, como foi?
R - Nossa senhora. Eu fui fazer o concurso doente no dia, estava doente.
P/1 - Aquela resposta, o que significou na sua vida, como você recebeu aquela resposta do concurso?
R - Fiquei extasiada porque eram dez vagas e eu passei em décimo lugar. Consegui o décimo lugar. Eu tinha ido escondida fazer o concurso, doente e consegui passar, consegui ainda pegar uma vaga, é muita sorte para uma pessoa só.
P/1 - Junto com isso, você teve toda essa euforia, essa alegria, esse contentamento de ter passado, e o fato de ele estar sendo escondido, disso chegar ao conhecimento do seu marido, disso ser um divisor de águas na sua vida, como isso fluiu dentro de você, como você lidou com isso?
R - No dia em que eu fui me apresentar na prefeitura eu nem pesei nele, eu só pensei: eu vou lá, vou me apresentar, vou ser registrada para começar, daí amanhã é outro dia; se eu tiver que conversar com ele sobre o serviço, eu converso, seja o que Deus quiser.
P/1 - Como você considerou essa etapa da sua vida?
R - Vitoriosa, porque foi uma vitória.
P/1 - O seu primeiro dia de trabalho lá, na prefeitura, você lembra?
P/1 - Conta para nós essa história de como foi esse primeiro dia, de como você mesmo disse, do seu início de liberdade.
R - Figueirinha de São Roque, sítio, longe, chuva, cheguei lá e não sabia por onde começar. Barro, mas foi muito bom.
P/1 - O que você fazia?
R - Limpava.
P/1 - O quê?
R - O chão.
P/1 - Era uma escola?
R - Era uma escola pequena, aconchegante, os alunos maravilhosos, amei.
P/1 - Você disse que não sabia por onde começar, e como é que você começou?
R - Pedi ajuda para a merendeira e ela foi me ajudando, ela foi me mostrando onde ficava tudo.
P/1 - Nesse início dessa metamorfose, conta para nós a história daquilo que ficou mais marcante na sua vida nessa fase.
R - Os alunos.
P/1 - Teve alguma vez, alguma situação que ficou marcada com os alunos ou com um aluno?
R - Os alunos eram muitos amorosos, eles não sabiam o que faziam para te agradar. Todo dia você ia embora com o braço cheio das coisas que eles levavam para te agradar. Então isso aí marca, porque você não está acostumada a trabalhar naquele lugar. Ainda mais adolescente, porque lá começava do pequenininho até os 17 anos. O carinho que você dava para eles, eles te devolviam te dando queijo, leite, laranja. Então era uma coisa que marca você e eu fiquei lá um mês, porque eu tinha que ir de carona de madrugada e voltar de carona na hora do almoço para trabalhar aqui na cidade depois, mas era uma delícia, porque você estava mexendo com criança.
P/1 - Falando em criança, voltar um pouco, quando ela estudou, na época da escola.
P/1 - Voltando, já que você falou de criança, como foi, contra para nós, a história da sua vida escolar. Tua vida escolar, lápis, caneta, borracha.
R - Eu não era uma grande aluna, não. Eu era chorona na escola, ninguém podia abrir a boca para falar nada, porque eu chorava.
P/1 - Você lembra alguma história que você abriu a boca, chorou muito?
R - Um apelido. Não gosto dele até hoje.
P/1 - Pode falar?
R - Não.
P/1 - Não?
R - Não quero.
P/1 - Não quer?
P/1 - Fala.
R - Cebolão. Eu tinha o cabelo comprido, minha mãe fazia um coque o meu cabelo para eu ir para a escola, então eles colocaram esse apelido e eu chegava na escola, eles já chamavam e eu chorava, chorava.
P/1 - Você tem alguma lembrança de alguma história com alguma professora que tenha marcado a sua história?
R - Um professor, esse professor era a minha paixão, todo dia eu levava flor para ele, eu falava até que ia casar com ele.
P/1 - Conta mais, com detalhes, no dia quando você viu o seu professor pela primeira vez, como você se apaixonou.
P/1 - Era professor de quê?
R - De música.
P/1 - Romântico.
R - Naquela época, a gente tinha música desde a primeira série, então ele dava aula para a gente de música e como ele era muito carinhoso, a gente, como era criança, tontinha, se apaixonou e eu levava flor para ele todo dia.
P/1 - Qual é o nome dele?
R - Mário Neli. Levava flor para ele todo dia.
P/1 - E ele, quando recebia a flor?
R - Aí era um beijo que ele dava no rosto e eu ficava lá da carteira olhando, namorando ele, ele ensinando música e eu namorando.
P/1 - Aprendeu música, pelo menos.
R - Eu não, meus filhos. Saí da escola, tive os meus filhos, que tiveram aula de música com ele, todo eles tiveram aula de música com ele.
P/1 - E a paixão permaneceu?
R - A paixão continua até hoje, mas é uma paixão do carinho que ele tem, ele é uma pessoa muito boa, muito carinhoso, o jeito dele falar, o jeito dele conversar, o jeito dele tudo, não tem como explicar.
P/1 - Já que você tocou em filhos, conta a história para a gente dessa ligação do professor, da música, dos teus filhos, de você, como foi?
R - Os meus filhos.
P/1 - Os nomes para nós. Conta certinho, conta bonito.
R - O mais velho tem 27 anos, se chama Lourival Felipe de Souza Oliveira, casado com a Bruna Renata (Escadueli) [00:31:51] Vieira. Tenho a Ingrid Virgínia de Souza Vieira, de 26 anos, que tem dois bebês, Enzo e Artur. Eu tenho O Ulisses Fernando de Souza Oliveira, que tem 24 anos, mas hoje é a Vanessa de Souza. E tenho a Iasmim Conceição de Souza Sales, que tem 27 anos. Os quatro filhos meu frequentaram o núcleo enquanto eu trabalhava.
P/1 - Que núcleo.
R - Núcleo é um lugar que as crianças vão para não ficarem na rua. Lá eles aprendem bordado, capoeira, música, teatro. Por uma coincidência, ele foi dar aula de música lá e ele deu aula de música para os quatro filhos meus. Então, ele: “Débora, dei aula de música para você, agora estou dando para os seus filhos também”. Eu falei: “exatamente, para você ver como é a vida”.
P/1 - Diante disso que você contou, você contou do núcleo, para as crianças não ficarem na rua, qual é a importância que você passa a respeito do núcleo, do fator rua para a criança, o que isso influenciou positivamente ou negativamente na vida dos seus filhos, qual é a importância que você vê nesse fator não rua?
R - O núcleo para mim foi muito bom, porque enquanto eu trabalhava e eles eram pequenos, eles iam um período para a escola, iam para casa, almoçavam, trocavam de roupa, pegavam o ônibus e iam para o núcleo. Quer dizer, eu poderia trabalhar tranquila porque eles estavam no núcleo e não na rua aprendendo o que não podiam. É ótimo, todas as mães deveriam por os filhos no núcleo, que é um lugar seguro, bom, aprende muita coisa ao invés de ficar na rua aprendendo o que não deve.
P/1 - Qual é a sua opinião a respeito dessas crianças que hoje estão na rua?
R - As mães deveriam pensar mais para não deixar esses filhos na rua, porque criança na rua não dá, não pode.
P/1 - Você conhece alguma história chocante de filhos na rua que poderia ter sido evitada com o núcleo ou com uma forma diferente de pensamento?
R - Tem bastante. Tem bastante mães que deixam filhos na rua, mesmo elas não trabalhando elas deixam na rua, que ela pode por no núcleo, mesmo estando em casa, e não põem, deixam na rua.
P/1 - Eu vou voltar um pouquinho para continuar da história dela. Você falou da infância, das brincadeiras e aí ela disse do namorado, que conheceu na padaria e que depois virou decepção, mas teve alguma história de amor além dos namorados que não deram certo, do marido, teve alguma história que você acha que vale a pena contar?
R - Teve.
P/1 - Então conta, escolhe uma.
R - Eu me separei, fiquei dois anos sem ninguém. Num belo dia, eu estudando a noite, para um amigo meu, que estudava comigo, falei para ele: “eu acho que eu estou com vontade de comprar uma moto”. Ele: “por quê?”. Eu perguntei para ele: “por quê? você sabe de alguma?”. Ele: “eu sei, tem um amigo meu querendo vender uma moto”. Eu falei: “fala para ele ir lá em casa tal horário que eu vou estar lá”. Eu fui trabalhar, no outro dia, cheguei na hora do almoço em casa, um cara sentado lá na guia da sarjeta, tudo sujo de roupa de pedreiro, eu passei perto, olhei e entrei. Daqui a pouco, ele bateu palmas. “Você é a Débora?”, eu falei: “sou”. “Você que quer comprar uma moto?”, “é, por quê?”, “Fulano falou para eu vir aqui”. “A moto é sua?”, “é”, eu falei: “então está bom. Quanto você quer?”. Tanto, eu falei: “está bom, eu vou ver o empréstimo no banco daí eu te ligo”. Daí ele: “não, pode ficar com a moto, aí você faz um empréstimo, daí você me paga”. “Não, calma, devagar. Eu vou ver o empréstimo daí eu compro a moto”. “Não, eu vou deixar a moto aqui já, com você, daí você faz o empréstimo e me paga”. Eu falei: “meu Deus do céu, moço do céu, eu não tenho nem dinheiro para pagar a moto”. “Eu confio em você”. Largou a moto lá e foi embora. Fui no banco fazer o empréstimo, a moça: “daqui a seis dias sai”. E ele ia todo dia lá em casa. “Moço, não saiu o dinheiro ainda”, “eu vim aqui para conversar com você”. Eu falei: “ai, misericórdia, onde que eu amarrei minha égua, um moço feio desse jeito”. Eu falei: “moço, a hora que sair o dinheiro eu ligo para você, não precisa você vir aqui”. “Está bom”. Deu seis dias, eu liguei no banco, a moça: “não vai sair o empréstimo”. Eu falei: “moço, não vai sair o empréstimo, pode vir buscar a moto que eu não vou ficar com a moto”. “Vai sair o empréstimo sim, pode passar a moto para o seu nome”. Passou a moto para o meu nome, sem sair o empréstimo, sem nada. Eu falei: “esse moço está com rolo”. Não saiu de novo o empréstimo, “moço, pode vir buscar a moto”. Foi buscar a moto. Minha mãe já estava doente, ruim, na cama. Daí ele foi lá pegar a moto, minha mãe: “Débora, chama ele para jantar”. Eu falei: “não, mãe, ele está com pressa, está querendo ir embora”. Ele: “Não, eu estou com fome”. Eu falei: “não, você não está com fome, pode ir embora”. Foi embora. “A hora que você ficar com saudade da moto, você liga para mim que eu venho aqui para você andar de moto”. Eu falei: “pode deixar”. Ele foi embora, no outro dia apareceu em casa. Eu falei: “mas moço, você já não levou a moto embora?”. “Eu vim para conversar com você”. Ficamos lá conversando e foi embora. No outro dia voltou de novo. E foi, até que no dia 3 de abril ele me pediu em namoro e no dia 7 de abril a minha mãe faleceu, e ela que eu namorasse ele, sem conhecer. Nós começamos a namorar no dia 3, no dia 7 minha mãe morreu, e dia 3 de maio nós fomos morar juntos, um mês de namoro, isso que eu não tinha gostado dele. Eu engravidei, tive a minha ruiva. Dia 3 de maio fui conhecer a minha sogra, o meu sogro, meus cunhados, que hoje eu tenho a minha sogra como uma mãe, que amo muito eles, então é esse que me completa hoje, que a Rosangela fala que é meu grande amor.
P/1 - Olha que foi insistente.
R - Foi, muito. Então, faz 18 anos que a gente vive juntos.
P/1 - Agora, passando para uma outra parte, você falou, meio que num tom de dúvida, quando você se relacionou ao seu filho, que você não sabia o nome que você daria a ele. Você poderia contar para nós a história a respeito desse seu filho? Da história que você viveu com ele.
R - Ele, com 14 anos, teve uma briga comigo, saiu de casa. Passou dois dias, ele voltou falando que era gay. Para mim foi um grande choque, porque eu não esperava e nem sabia como aceitar, e ele não queria morar mais em casa, não que eu coloquei ele para fora, ele saiu por ele próprio. Saiu, foi morar com os amigos, com umas amigas, bateu cabeça falando que era gay, e eu conversando com ele. Na hora, é um choque que você leva, depois você vai pensando, vai refletindo, vai vendo que não é aquilo tudo que você imaginou, que independente de tudo aquilo ele continua sendo o meu filho; que aconteça o que acontecer, ele é o meu filho, que o meu amor por ele não vai acabar por ele ser gay. O que pode acontecer é o meu amor por ele aumentar, mas nunca acabar. E hoje a gente tem um relacionamento que a gente conversa por telefone, ele vive bem onde ele mora, em Valinhos, ele é cabeleireiro, ela é cabeleireiro. A gente conversa por telefone, por vídeo, só que não vem para cá. De vez em quando ela fala que vai vir, mas não vem, eu fico esperando, mas não vem, não aparece. Mas a gente hoje se dá muito bem.
P/1 - E antes, qual foi a história, qual foi o desenrolar da história para você, para a família, para ele próprio?
R - Eu acho que ele não se aceitava, porque ele julgava muito, falava muito em preconceito. Eu acho que a partir do momento em que ele se aceitou, ficou muito mais calmo. No começo eu pensava no que a família ia achar, hoje eu não esquento mais. A família é a gente de casa, a minha família, se quiser achar alguma coisa, problema é deles, o que importa é a minha família dentro da minha casa.
P/1 - Nessa época, você já estava se relacionando com o seu esposo?
R - A gente já morava juntos, já tinha a Iasmim.
P/1 - E como foi a aceitação por parte dele?
R - Ele ficou chocado, mas ele também não queria a transformação que ele teve, ele queria que ele continuasse do jeito que ele era, vestindo como homem, não se transformar, pôr peito, bunda, isso ele não queria, isso ele acha, até agora, por causa do preconceito das pessoas, e ser visto também, mas agora ele não fala mais nada.
P/1 - Quando, o seu atual marido, vocês foram morar juntos, as crianças tinham que idade mais ou menos?
R - Dez, nove e seis.
P/1 - Essa convivência teve algum momento difícil, foi tudo tranquilo? Alguma história interessante para contar?
R - As crianças aprontavam muito e ele agia como pai, ele sempre agiu como pai das crianças, ele sempre trouxe as crianças ali, ele não era de bater, ele chamava a atenção e gostava das coisas certas, corretas, só que ele mimava muito. As crianças pediam as coisas, ele dava, então ele tratava como filhos dele, então eu não tenho o que reclamar dele nesse sentido, porque ele foi um pai para eles.
P/1 - Houve mais alguma história na sua vida que te surpreendeu demais? Que foi praticamente chocante, alguma descoberta, alguma coisa?
R - Da Iasmim, da minha filha.
P/1 - Quando você ficou grávida? No que foi a descoberta? Não quer falar, não fala. Não precisa falar, a gente pergunta para ouvir mais.
R - É que eu me esquento hoje, mas pode, é uma coisa que aconteceu. Eu perdi a minha mãe, como eu falei, e eu cuidei do meu pai por seis anos depois que a minha mãe morreu, cuidei dele até o dia em que ele faleceu. No dia que ele faleceu, eu fiquei sabendo, pelas minhas irmãs, que ele não era o meu pai. Foi um choque.
P/1 - Só seu que ele não era pai, delas era?
R - Só meu. Aí veio todo um filme na minha cabeça, por que ele não gostava de mim, disso, daquilo. Mas eu cuidei dele por seis anos e na hora dele morrer ele chamou por mim. Então a gente acabou tendo uma afinidade muito grande e um amor muito grande e eles vem com uma bomba dessa, vem e falam ainda o nome do meu pai, que era muito rico. Jogaram essa bomba na minha mão e falaram: “o que você vai fazer?”. Eu falei: “o que eu vou fazer? Nada. Meu pai acabou de morrer, aquele não é o meu pai, eu não quero nada”. Não fiz nada.
P/1 - E esse seu pai biológico, ele sabe?
R - Eu acho que sabia, que morreu também. E não fui no velório, não chorei.
P/1 - Você nunca teve nenhum encontro com ele? Ele achava que você não sabia?
R - Eu acho que sim, e eu nunca fiz questão de ter contato.
P/1 - O que você acha que é o mais importante para a sua vida hoje?
R - Eu queria fazer uma faculdade, estou pensando.
P/1 - O que é o mais importante para você.
R - A saúde dos meus filhos, a saúde dos meus netos, ver os meus netos crescer.
P/1 - Quantos netos você tem?
R - Dois.
P/1 - Filhos de quem?
R - Da minha filha.
P/1 - Os netos são meninos, meninas?
R - Dois meninos, Enzo e Artur.
P/1 - A gente fez essa pergunta de hoje, mas como você veio trabalhar aqui no CREAS?
R - Eu trabalhava na secretaria. Se bem que fazem 20 anos que eu estou na prefeitura, eu já trabalhei na saúde, na educação. Aí eu fiquei três anos afastada, fiz uma cirurgia na perna, foi quando eu voltei, readaptada, pela secretaria, por causa da cirurgia, para o Viva Leite. Daí saí do Viva Leite e vim para o CREAS.
P/1 - Você que veio, alguém que trouxe? Como foi.
R - A secretária pediu para eu estar vindo. A Secretária da assistência social.
P/1 - Por que ela falou que achava bom você vir? Tem alguma história sobre isso?
R - Ela achou que eu tinha jeito de conversar com o povo, com a população que vem.
P/1 - E qual é esse jeito? Por que ela falou que você tem jeito?
R - Porque eu brinco muito. A hora que eu tenho que brincar eu brinco, a hora que eu tenho que chamar a atenção eu chamo. Às vezes eu chamo a atenção brincando.
P/1 - Nesse trabalho teu atual, teve alguma história, nesses atendimentos, que te marcou?
R - O sumiço da Estefani.
P/1 - Pode contar um pouquinho para a gente?
R - Ela veio procurar ajuda e não teve.
P/1 - Quem é ela? Conta a história para a gente.
R - Estefani Giovana (inint) [00:56:37], é uma dependente. Ela já foi internada, saiu, não conseguiu ficar fora das drogas e veio aqui procurar ajuda, só que não teve a ajuda que precisou, e ela saiu fora da cidade e ninguém sabe por onde que ela está até agora, só Deus sabe.
P/1 - Quanto tempo faz que você está no CREAS?
R - Fazem cinco anos. Aqui no CREAS fazem dois.
P/1 - Aqui mesmo? Quando você está ali convivendo com as pessoas que vem aqui, o que está ao seu alcance, tem algumas passagens daqui que vem na tua memória? Coisas que já aconteceram. Você não disse que o pessoal gosta de você? Então, conte alguma coisa. Tem alguma história?
R - Tem um pessoal que vem, o Bruno Biancão vem. Uma pessoa que era muito difícil de lidar, chegava aqui gritando que queria ser atendido logo, eu fui conversando com ele. Hoje ele chega, “como que a senhora está? Tudo bem? Eu vou tomar água”, “pode tomar”. Então são coisas que você vai mudando a pessoa.
P/1 - O que você fez com ele, foi conversando?
R - Conversando.
P/1 - O que você falava para ele?
R - Ele chegava e eu: “oi, Bruno, como você está? Tudo bem? O que você está fazendo hoje?”. Então são coisas que você vai conversando com a pessoa, é uma coisa que eu faço e gosto de fazer.
P/1 - Você foi aprendendo isso, você foi descobrindo?
R - Sempre gostei, eu sempre trabalhei em comércio.
P/1 - Como é essa história de comércio e CREAS? Você fez uma comparação aí.
R - Em comércio você mexe com o povo também e se você não for bem agradável, ninguém vai te elogiar, ninguém vai querer chegar e comprar com você. É a mesma coisa do CREAS, você tem que ser atenciosa.
P/1 - Senão?
R - Todo mundo briga.
P/1 - Hoje, trabalhando com o público diferenciado, que são os meninos usuários de drogas, muitas vezes o atendimento de homossexuais, os itinerantes, que lição que você tira disso ou qual é o seu olhar hoje disso? Você que já viveu na pele a história de uma homossexualidade dentro da família, qual é o seu olhar hoje para esse público? Que é diferente de quando você está no comércio vendendo alguma coisa.
R - Eu converso bastante com quem vem aí, principalmente com os meninos novos que vem como moradores de rua, que é uma judiação eles sendo meninos novos já começando a beber, começando a usar droga e morando na rua, com apenas 20, 21, 22 anos. Eu converso, explico e falo que a rua não é fácil. Que como eu já tive o meu filho, que morou na rua, eu não quero para outros isso, que eu acho que já deram conselho para o meu filho também, então eu procuro passar isso, porque é complicado.
P/1 - Você falou da situação que o seu filho viveu aqui também, além de conversar, você descobriu coisas, fez descobertas? Você pensava de um jeito, agora pensa de outro, no seu trabalho, que fez você mudar. Se puder contar alguma coisa sobre isso.
R - A gente faz bastante descobertas. Trabalhar aqui, você aprende cada vez mais, você vive e dá valor a vida cada vez mais.
P/1 - Mas em relação a como você pensava e como você pensa, teve alguma história que fez isso para você?
P/1 - Você mudar o teu olhar, a tua visão daquele fato.
R - A gente não pode ficar só pensando no bem da gente, a gente tem que pensar no bem do próximo também. Porque muita gente só pensa no bem dele; não, tem que pensar no bem do próximo também. Porque passa tanta gente aqui, com criança e é complicado, não é fácil.
P/1 - Agora, pode encerrar? Eu queria perguntar uma última coisa para ela, pode ser? Quando nós perguntamos se você tinha algum objeto significativo, você trouxe para nós essa Nossa Senhora. Você poderia contar para nós a história que envolve a tua vida com a da imagem de Nossa Senhora?
R - Essa santa era da minha mãe, quando meus irmãos eram pequenos a minha mãe ganhou ela, e a minha mãe ajoelhava toda noite no pé dela para rezar, não tinha uma noite que a minha mãe ajoelhava no pé dela para rezar, e foi assim até a minha mãe falecer e daí eu fiquei com ela. Então ela tem, eu acho, que uns 60 anos.
P/1 - Qual é o teu sentimento em relação a isso?
R - Que eu possa alcançar as mesmas graças que a minha mãe alcançou.
P/1 - Você enxerga essas graças como? Qual é a tua visão dessa tua mãe que orava?
R - Minha mãe teve muitas graças. Minha mãe foi uma pessoa batalhadora, que sofreu muito para construir o que ela construiu, para criar os filhos que ela criou, então ela foi uma guerreira e eu queria ser uma guerreira como ela.
P/1 - A gente está terminando, tem alguma coisa que a gente não perguntou, que você gostaria de contar, para deixar registrado da tua vida? Não ficou nada que você falou “vou falar disso” e a gente não perguntou?
R - Tudo ok.
P/1 - Como você se sentiu de contar a sua história?
R - Fez eu lembrar de muitas coisas que eu não lembrava, que foi muito bom.
P/1 - Muito obrigada.
P/1 - Pode contar tudo o que aconteceu, então, com ele e com a Iasmim, e do seu ponto de vista, do que você foi aprendendo ou não aprendendo.
R - Com o Ulisses, que hoje é a Vanessa, ele saiu de casa, com 14 anos, eu sofri muito porque foi um choque.
P/1 - Por que ele saiu de casa?
R - Porque ele achava que eu não ia aceitar, que eu era preconceituosa. Não ia aceitar, ia julgar, ia condenar e que os amigos deles que iam apoiar. Saiu, foi morar com os amigos, eu ia atrás, ia no conselho, o conselho levava para a minha casa, ele saía de volta. Eu ia atrás, pegava, levava em casa, ele voltava. Ele foi embora para Ourinhos, aí eu não podia ir buscar. De Ourinhos ele foi para mais longe, tudo menor, e eu chorava, eu tinha que ficar aceitando ele estar indo embora. Eu tinha medo dele começar a usar drogas, dele começar a roubar, porque eu não ensinei eles a fazerem isso e eu comecei a entrar em depressão, precisei ir ao médico, foi uma fase crítica que eu não queria aceitar. Ele não conversava comigo, eu ligava, ele não conversava, ele me maltratava quando eu conseguia falar com ele. Ele falava que eu era a pior mãe que existia no mundo, que os amigos dele eram bons. Foi indo até ele completar 18 anos. Na hora que ele completou 18 anos, que começou dar cabeçadas, que ele viu que era maior de idade, que aí ele já poderia ser preso, que não era mais por minha conta, ele começou a mudar. A única coisa que eu fazia era rezar por ele, eu rezava, porque eu não sabia por onde ele andava. Do Rio Grande do Sul ele foi para o Rio de Janeiro, sendo menor.
P/1 - E você sabe em que condições ele ia?
R - Como morador de rua, dormindo em rodoviária, passando fome, até ele conhecer a família em que ele está hoje, que acolheu ele, ajudou ele. Ele hoje está numa casa que é só dele e montou o salão dele.
P/1 - Ele voltou para cá alguma vez?
R - Não, depois que ele conheceu essa família, ele alugou uma casinha e montou o salão para ele, mas não voltou para cá, só que vida ensinou para ele como que são difíceis as coisas. Aí ele começou a conversar comigo, a me respeitar como mãe. Hoje ele tem eu como uma mãe e não como uma inimiga. E, com tudo isso, eu tenho a Iasmim.
P/1 - Aí você mudou em relação a ele também?
R - Eu continuo com o mesmo carinho que eu sempre tive, converso com ele do mesmo jeito que eu sempre conversei, puxo a orelha dele do mesmo jeito, só que ele não me responde, hoje ele não me xinga, hoje ele não me crítica, hoje ele fala que eu estou certa.
P/1 - Em que sentido?
R - De puxar a orelha dele.
P/1 - Você ia falar da Iasmim.
R - A Iasmim, até ela se revelar, ela se mutilava. A partir do momento em que ela se abriu comigo, sabendo que eu era amiga dela, ela parou de se mutilar.
P/1 - Como você acha que é a diferença entre o lidar com um e o lidar com o outro, na mesma situação? O que você acha que mudou em relação ao primeiro fato e ao segundo fato?
R - O segundo fato já foi mais light, eu já tinha mais experiência, eu já sabia como conversar, como aconselhar, como dar carinho, como trazer mais perto de mim.
P/1 - Eu não conheço a história, já que a gente está aqui, ao mesmo tempo te ouvindo, gravando a sua história e fazendo um exercício de como gravar uma história de vida, vocês estão contando uma história que eu não estou te entendendo. Por exemplo, o que aconteceu com a Iasmim? O que fez ela precisar de atendimento?
R - A Iasmim é um menino. Então é isso, a Iasmim gosta de meninas e nem por isso ela vai deixar de ser minha filha, ela é a minha filha amada, a minha caçulinha, minha ruivinha e sempre vai ser assim, e ele também.
P/1 - Sobre isso, você gostaria de contar algum momento, alguma passagem, alguma vez que foi alguma conversa que você acha importante de contar, para a gente encerrar? Algum momento que você gostaria de contar, que ficou gravado na sua memória.
R - Eu e ela, a gente tem um relacionamento muito mãe e filha. Tudo que ela vai fazer, “mãe, eu estou gostando dessa menina, mãe, o que a senhora acha?”. Se ela acha alguma menina interessante, ela vem pedir a minha opinião, é primeiro a mãe, então isso eu acho ela muito filha, muito junto e eu gosto do jeito que ela faz. É uma coisa que me marca porque significa que ela não esquece de mim em algum momento.
P/1 - Está próxima?
R - Está próxima de mim para qualquer coisa.
[01:17:01]