A atriz, cantora e bailarina Maria Salvadora nasceu em Miracema, Rio de Janeiro. Filha caçula de mãe afetuosa e pai músico, estudou em colégio interno. Na infância, passou os finais de semana na Baixada Fluminense. Sua primeira obra foi o musical Otelo. Com 15, 16 anos tornou-se ginasta. Fez participações na televisão no seriado Malu Mulher e Maysa. Em Suburbia, interpreta a personagem Margarida.
Eu já acordo cantando
História de Maria Salvadora
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 01/10/2012 por Museu da Pessoa
P/1 – Você prefere que te chame como?
R – É...Salvadora.
P/1 – Salvadora, você pode...
R – Ou Salvá.
P/1 – Salvá, você pode falar seu nome completo, seu local e data de nascimento?
R – Olha, eu sou a Maria Salvadora; eu nasci em Miracema vim pro Rio de Janeiro com cinco anos de idade e eu gosto de falar o seguinte: que eu tenho a idade dos personagens. Eu posso ser uma senhorinha, posso ser uma criança ou uma moleca, depende . Aí, eu deixo em aberto.
P/1 – Seus pais são da Bahia também?
R – Não: meus pais também são do estado do Rio. Assim, minha teve cinco filhos sendo que quatro homens e eu sou a única menina e eu nasci 16 anos depois, então eu sou aquela temporão; super paparicada, super bem cuidada. Vivi numa fazenda em Cataguases e depois quando eu fiz cinco anos de idade que a minha mãe veio para o Rio de Janeiro, só comigo e com meus irmãos e aqui que eu deslanchei minha vida.
P/1 – Mas onde que nasceu a sua mãe? Onde que nasceu seu pai?
R – A minha mãe nasceu em Santo Antônio de Pádua e meu pai também. Eles são, no caso, do estado do Rio porque ali não é Minas Gerais. No caso, a minha mãe é aquela pessoa que se chama de “mão de fada”, que meio que cuidava de uma fazenda, cozinhava super bem... Eu não herdei esse dom , sério! Minha mãe era aquela pessoa que sabia fazer sabão, manteiga; muito afetuosa, muito carinhosa, mãezona. Essa fazenda que eu depois vivi até os três anos de idade era a fazenda dos meus padrinhos, que a minha mãe também trabalhava lá. Aí, depois ela resolveu vir pro Rio de Janeiro pra ter uma nova vida, ter uma nova chance, entendeu?
P/1 – E o quê que eles faziam: seu pai a, a sua mãe?
R – Meu pai, pelo o que minha me contou, era músico, daí essa coisa minha de gostar de cantar (cantando): “Eu tenho uma casinha lá no morro, na Marambaia”, entendeu? Tem uma coisa musical muito grande dentro de mim. Eu sou aquela pessoa que se você me cutuca eu já acordo cantando. Então já está no meu DNA, é uma coisa que meu pai era meio que músico e compositor, escrevia também. Daí que eu herdei esse dom artístico.
P/1 – Você não chegou a conhecer seu pai?
R – Não deu tempo, não deu tempo. Aí, por isso que a minha mãe veio embora pro Rio, entendeu? Separou, eu era pequena e não me lembro. Aí foi quando a minha mãe veio pro Rio de Janeiro.
P/1 – Eles se separaram?
R – Separou.
P/1 – Aí você não o viu mais?
R – Não, não.
P/1 – Ele não procurou mais vocês?
R – Aí que tá: eu não sei o porquê. Por eu ser a menor da minha família, por meus irmãos ter uma diferença de 16 anos pra mim, eles me protegeram muito com relação a isso. Eu fui criada como uma princesa, meio que num mundo cor de rosa. Onde, assim, nada me atingia. Eu cresci muito segura, entendeu? Nunca passei por nenhum tipo de sufoco, nenhum tipo de desconforto, entendeu, em relação à vida, até pela própria raça. Eu tive uma proteção muito grande, eu acho que devo ser uma minoria nessa terra. Até por fazer parte da raça... Então, isso não foi tocado, não foi levado. A única coisa que eu sei é que eu sempre chamava os pais das minhas amiguinhas de meu pai também. Ah, era pai é pai, entendeu? Mas foi uma coisa que desenvolvi na minha trajetória mas que não me atrapalhou em nada, que eu tive uma mãe fantástica. E essa mãe que eu trouxe pra minissérie agora: aquela mãe total, plena, que tudo era pra mim era pros meus irmãos também.
P/1 – Então você era pequenininha e seus irmãos todos grandes?
R – Todos grandes...
P/1 – Como é que era a dinâmica na sua casa? Quem que exerceu a autoridade: a sua irmã, algum irmão?
R – A minha mãe e meu irmão mais velho porque a presença masculina era plena: tinha quatro homens dentro de casa. Então, por exemplo, meus irmãos tocavam violão. Então daí que eu sou uma criança que consegue cantar as músicas antigas da época áurea de Angela Agnaldo Raiol, essas pessoas todas, porque eles passavam pra mim e eu aprendi a cantar por isso que eu tenho essa coisa musical desenvolvida. A minha mãe, como é que se diz, era mãezona. E, por eu ser a única menina, eu tinha uma relação tranquila então eu não sentia falta da presença masculina dentro de casa. Tinha assim: ninguém podia xingar, tinha um respeito muito grande. Não eu era coisa fofa. Uma pitoca dentro de casa, aquele bando de grandalhões que eram os meus irmãos, entendeu? Então, eu tive uma infância muito tranquila com relação a isso.
P/1 – Como é que era a sua casa de infância, você lembra? Descreve ela, você lembra?
R – Ah, quintal! O quintal, como é que eu vou falar assim? Frutas. Adorava; adoro até hoje. Quando eu posso eu subo assim pra pegar goiaba, amora. Muito moleca, muito moleca! Soltei pipa, jogava bola de gude. Meus irmãos chegavam, brigavam comigo: “Saia daí, você é uma menina”. Então eu vibrava com isso. Quando você cresce em casa você cresce à vontade, você tem uma espontaneidade natural porque você tem espaço. Então você brinca. Você brinca de pique, você brinca de pique bandeira, é muito mais gostoso, entendeu? Então, era uma casa: tinha quarto, sala, cozinha, tinha banheiro... Tinha um espaço físico ideal, sendo que eu dormia com a minha mãe que ela não tava com marido, então eu dormir grudada com a minha mãe. Até um bom tempo eu dormi com a minha mãe.
P/1 – Tinha alguma educação, assim, religiosa?
R – É, como é que eu vou falar? Educação religiosa: é óbvio que a nossa geração e a nossa raça, traz muita coisa da África. Então, eu tenho um conhecimento da época, de quando eu fui é... Em Miracema, eu conheço a coisa de lá. Bainha. Por exemplo, eu sei que meu avô foi curandeiro; a minha avó era índia, aquele cruzamento que tem das raças. Eu sei que a minha mãe tinha um certo conhecimento também de Umbanda e, depois, ela meio que me encaminhou pela linha católica. Eu fiz primeira comunhão. O que era o caminho “normal”. Por exemplo: meus irmãos nasceram em casa; eu fui a única pessoa que nasceu no hospital. Eu nasci no Hospital de Miracema. Então, ali era de freiras e eu fui batizada, crismada e consagrada; era o kit completo . Que já chegavam outras pessoas e eles meio que faziam tudo pra não ter erro. Como eu nasci anos depois eu ia chamar Salvadora. Aí sugeriram: por que não colocar Maria Salvadora? Então, eu até hoje meu nome é Maria Salvadora; até um bom tempo atrás, antes de eu me tornar atriz, eu não conseguia levar o meu nome de Salvadora. Tem pessoas que me conhecem como Mariazinha, porque Salvadora é um nome forte. “Vem cá, Salvadora!” e eu olhava como que não era comigo; era Mariazinha. Chamava Mariazinha eu ia toda faceira, toda feliz; chamava Salvadora eu ignorava. E quando eu entrei pro teatro meio que esse Salvadora tomou força porque -eu vou e volto, gente, tá? Esse é meu temperamento. Eu estreei em 83 num musical chamado “Vargas” e nesse musical eu tive a oportunidade de trabalhar com um grande ator cômico que é o Grande Otelo. E teve uma época na minha vida que eu era ginasta -eu fui ginasta- e eu convivia com um universo de búlgaras, húngaras, não sei que, e eu queria chamar “Radovalas Maria” que seria Salvadora, de traz pra frente, pra eu me considerar uma russa. Aí veio aquele mulatão e disse: “Não pode, Maria Salvadora!” Então, você tem que aceitar seu nome de Maria Salvadora e hoje em dia eu amo meu nome. Salvadora é uma nome forte, bonito.
P/1 – Como é que era Miracema na época?
R – Miracema é aquela cidade do interior que você chega tem o único hospital, a única igreja, aquela pracinha tradicional, toda florida. É uma cidade pequenininha, entendeu? Porque ela ficava paralela à Santo Antônio de Pádua e à Cataguases, que como a minha mãe engordou demais, eu nasci grande, ela teve que ser levada pro hospital. No caso, foi a única que a minha mãe teve no hospital; meu irmãos todos foram nascidos através de parteira.
P/1 – E a escola: quando foi que você entrou na escola?
R – A escola teve o problema de ir e vir. Quando foi que eu entrei no colégio? Assim, inicialmente minha mãe me colocou num colégio aqui, no Rio de Janeiro, na idade normal, com seis, sete anos. Mas não deu certo porque ela teve uma dificuldade de moradia então ela teve que me tirar do colégio e eu voltei depois, com nove anos. Com nove anos de idade eu entrei e engrenei até os dias de hoje, onde eu fiz o primeiro, o segundo grau; fiz faculdade. Tudo que me deu a formação que eu tenho hoje em dia.
P/1 – Você gostava de escola?
R – Eu, nossa, adorava! Porque a minha mãe colocou na minha vida o seguinte: se você estudar você chega em algum lugar. Então eu tinha que estudar! Eu tive que estudar pra ser alguma coisa, pra ser diferente de todo aquele universo ao meu redor. Então, assim, nas escolas em que eu passei eu me saí super bem, porque eu gostava de ler também, eu li muito. Os professores percebiam meu interesse então incentivavam. Porque quando a criança é curiosa e ela quer, tem interesse, o professor vai lá e estimula. Então, a vida inteira eu li as bibliotecas; todos os livros que tem a biblioteca dos colégios por onde eu passei. Só que, assim, eu consegui deslanchar quando a minha mãe me colocou num colégio interno. Então, eu tive uma parte que eu estudei num colégio interno pra conseguir realmente cumprir essa...
P/1 – De que ano a qual ano você estudou no colégio interno? Quantos anos você tinha?
R – Ah, eu estudei no colégio interno na parte de formação mesmo, que é o que seria do primeiro grau. Que você faz a primeira série porque depois que eu fui pra... É que, assim, eu estudei num colégio na Lagoa, na Pequena Cruzada; depois da Pequena Cruzada eu passei pro André Maurois, que foi no Leblon; do André Maurois que eu fui pra Universidade Gama Filho, que eu fiz a faculdade. Então, foi nesse período de formação. Então, até eu ir pro André Maurois, que é a parte de formação até eu ir pro Segundo Grau então eu fiz o colégio interno.
P/1 – Por que ela decidiu te colocar num colégio interno?
R – Porque se ela não me colocasse num colégio interno eu não conseguiria estudar porque ela tinha que sair pra trabalhar; meus irmãos também tinham que sair de casa, eu era menor... Então ela preferiu me colocar num colégio interno do que me deixar em algum lugar em que de repente eu pudesse passar por algum tipo de sufoco, onde ela não tivesse controle da minha segurança. Ela tinha essa preocupação.
P/1 – Mas você ficava a semana inteira e vinha de fim de semana? Como é que era?
R – Ah, eu saía no final de semana porque eu era muito levada. Eu tirava acima de nove o ano inteiro e dois em comportamento porque eu era um azougue. Então, , qualquer tipo de ilê, de bagunça, de farra, eu estava envolvida . Não, era uma loucura! As professoras falavam pra minha mãe assim: “A Salvadora é tão inteligente, não sei porque ela é tão levada”, entendeu? Porque eu era levada demais, eu estava na frente de tudo quanto era bagunça. Então, quando eu tinha nota de comportamento, eu ia pra casa; quando eu não tinha, eu ficava. Só que ela teve uma sabedoria: eu nunca precisei mentir para a minha mãe. Ela perguntava: “Você fez aquilo?” “Sim, mãe” “Você quebrou a janela?” “Quebrei, mãe, porque eu tava jogando bola”. Então, eu tinha essa espontaneidade: poder falar a verdade. Isso foi uma coisa, assim, que me ajudou muito, até nos dias de hoje. Você poder ser sincera dentro do possível pra pessoa também que mereça essa sinceridade.
P/1 – Você lembra de uma professora?
R – Ah, as minhas professoras foram fantásticas, gente!
P/1 – Conta de alguma.
R – Eu tenho uma professora que, assim, eu acho ela uma segunda mãe, que é a Ana Maria Campos. Na época ela dava aula no colégio Pequena Cruzada e também ela lecionava na Fundação Getúlio Vargas e, por eu ser muito agitada e muito inteligente, eu sempre terminava tudo na frente. Então, quando eu terminava a minha prova antes, ela me deixava do lado dela pra eu esperar que meus coleguinhas terminassem pra que eu ajudasse a corrigir. Então, essa professora foi uma pessoa importante porque ela soube lidar com o meu temperamento. Porque a criança quando ela é levada, o professor normalmente não tem muita paciência. Então, eles me colocavam pra ler, sendo a oradora do colégio. Quando tinha teatro eles me colocavam pra fazer... Então eu acho que eu tive pessoas que souberam me conduzir, como também no André Maurois, que eu peguei Henriette Amado, que é a grande educadora.
P/1 – André Maurois era o seu colegial?
R – Foi do Primeiro Grau pro Segundo Grau que era Henriette Amado, que era aquela diretora que recebia os alunos dentro da sala, ela que trouxe toda uma filosofia de uma educação onde você podia falar direto com a Direção do colégio. Então, no André Maurois eu tive acesso a parte clássica que foi Roberto Cravo e Regina, Dança Contemporânea, Balé Clássico. Ali, ele abriu toda esse universo cultural minha; foi no André Maurois. E ali eu tive também professores fantásticos: dona Gilda; tive a Lurdes Maria... Nossa, é assim, esse colégio foi que realmente abriu a minha vida, entendeu? Me deu muitas oportunidades porque eu morava no Lins Vasconcelos e passava o dia inteiro no colégio. Então, lá tinha almoço; eu almoçava no colégio, passava o dia inteiro no colégio. Foi onde eu tive acesso à Ginástica Rítmica, desportiva. Depois eu fui pra Gama Filho, fui ser ginasta; depois de ser ginasta, eu fui juíza, eu selecionei ginastas para representar o Brasil no Mundial, em Olímpiadas também.
P/1 – É, pera aí: vamos voltar!
R – Volta porque a minha vida é assim .
P/1 – Na adolescência você já tinha saído de um colégio interno...
R – Já.
P/1 – Como é que era? Como é que você se divertia? Como é que foi a sua adolescência?
R – A minha adolescência? Deixa eu ver como foi a minha adolescência... Assim, eu estudei num colégio interno. Então, quando eu tinha folga eu ia pra casa e tinha as minhas amiguinhas, moradoras de rua. Ou então ia pra casa da minha madrinha quando eu passeava. Minha mãe sempre... Eu morava no Lins mas tinha parentes que morava tipo em Nova Iguaçu, Engenheiro Pedreira que é uma estação antes de Japeri, que eu costumo falar que é onde o vento faz a curva. E o trem entra de costas de tão longe! Uma loucura! Então, eu adorava ir pra esses lugares porque tinha rio, era uma coisa onde você tinha contato com a natureza. Nessa época, era a época do pente quente, que eu era muito vaidosa. Então, a minha mãe esticava o meu cabelo e voltava cheio de cachinhos, tudo esgrouvinhado. Porque cabelo de nêgo é assim você lava, ele encolhe. Então, era uma loucura mas ela trabalhava essa vaidade que eu gostava, eu fazia questão na época de estar sempre bonita, de estar sempre como é que se diz, bem. Gostava de olhar no espelho e me ver bem. Mesmo pequenininha eu era vaidosa demais. Mas você perguntou da minha adolescência. Na minha adolescência eu já estava no André Maurois, tinha acabado o Primeiro Grau. Aí foi maravilhosa porque lá eu tive contato com a dança, entendeu? Então, eu fazia parte de um grupo de dança. Então, era uma época que nós tínhamos grupo. Era a época de cuba libre, Coca Cola com... É, com as bebidas que nós misturava. Ah, eu tive uma adolescência muito tranquila. Muito tranquila mesmo, muito boa, assim, de poder ir a clube, à festinha. Era um grupo super saudável, amigável. Foi uma adolescência tranquila.
P/1 – Que dança que você foi fazer?
R – No que no André?
P/1 – É.
R – No André Maurois eu fiz Dança Contemporânea, com a dona Mida. Aí, depois eu conheci a professora Vera, que dava aula de Ginástica Rítmica pra gente; eu fui pra Gama Filho quando eu fiz Ginástica Rítmica. Aí, quando eu saí da ginástica eu fui fazer Balé Clássico. Aí, foi onde eu fiz a Escola Russa, fiz aula com Lennie Dale, Marli Tavares, Vilma Vernon...
P/1 – Por que você foi fazer aula de Balé Clássico?
R – Porque eu queria ser bailarina.
P/1 – Você queria ser bailarina?
R – É, eu queria ser bailarina e eu iniciei minha carreira como bailarina. Então, assim, eu fiz vários Musicais como bailarina. Só que a vida da bailarina ela é uma vida curta. Aí, quando, por exemplo, eu fiz esse Musical chamado “Vargas”, que foi em 83, eu conheci um ator que era o Oswaldo Loureiro e ele falou que era pra eu estudar canto. Então, eu fui estudar canto. Aí, depois, eu falei que eu queria ser atriz, foi quando eu fiz CAL. Então por isso que eu falo que eu sou atriz, cantora e bailarina, entendeu? Consegui unir essas três artes que é o que me facilita...
P/1 – Mas quando você tava no colégio, assim, tinha alguma expectativa da sua família pra que você seguisse alguma carreira?
R – Hum, como é que eu vou falar? Quando eu tava na escola eu queria fazer Educação Física. Eu adorava jogar vôlei, essas coisas todas. Só que aí os professores, na época no André Maurois, me aconselharam no caso a fazer uma profissão que me desse é... Mais chance, né. Chance de conseguir, de poder fazer um concurso e passar de uma forma tranquila. Então, foi onde eu escolhi Jornalismo. Eu adoro Jornalismo mas eu não exerço Jornalismo porque eu acabei aceitando o Teatro e o Teatro quando você exerce você não tem como ser jornalista. Porque os dois eles te absorvem muito.
P/2 – Pera aí: vamos voltar. Eu não entendi essa passagem. No colegial você queria ser bailarina, como você falou...
R – Queria ser bailarina... Foi, foi.
P/2 – Ou fazer faculdade de Educação Física? E prestou Jornalismo.
R – É uma confusão mesmo .
P/2 – Como é que isso? Por quê que você foi pro Jornalismo se você queria...
R – Educação Física? Com a Educação Física acho que eu ia ficar presa, no caso, num clube ou numa escola. Com o Jornalismo, eu gosto muito de ter contato com as pessoas, de conhecer pessoas. Sempre fui uma pessoa muito curiosa. E aí eu descobri que através da faculdade de Jornalismo eu ia aumentar o meu conhecimento; ia ter acesso a outras esferas que eu falava quando eu era pequena eu tinha o hábito de falar que eu tinha “sede do saber”. E se você tem sede de saber você tem que procurar algo que te possibilite alcançar algo mais, entendeu? E aí foi onde eu escolhi o Jornalismo. E aí você falou a coisa da bailarina. É: eu cheguei a trabalhar como bailarina, como eu te falei dos Musicais que eu fiz....
P/2 – Mas antes da faculdade?
R – Antes da faculdade...
P/2 – De Jornalismo...
R – É, antes da faculdade...
P/1 – Você chegou a participar de musical?
R – Fiz. Eu fiz Musical; fiz “Vargas”; eu trabalhei na Ópera “Aida”; fiz a Ópera “Porgy and Bess”, no Teatro Municipal...
P/1 – Mas antes da faculdade?
R – Antes da faculdade de Jornalismo.
P/1 – E você recebia pra isso?
R – Recebia porque eu, no caso, era teste. Tudo o que eu fiz até hoje na minha vida foi através de teste.
P/1 – Qual foi o primeiro que você fez?
R – O primeiro teste foi o Musical “Vargas”. Aí, foi interessante porque foi um musical de Darcy Vargas, éramos 50 atores negros. Na época o diretor era o Flávio Rangel, que era o supra sumo da direção na época, um diretor brechetiano, Johnny Rato, era Kalma Murtinho no figurino, tinha Paulo Gracindo! Olha como eu estreei: com Paulo Gracindo, Grande Otelo, Isabel Ribeiro, Milton Gonçalves. E eu era uma guria, uma pirralha de 13 para 14 anos que só fazia Jazz com a Marly Tavares e Clássica com Eugênia Feodorova. E na época eu era a única pessoa que nunca tinha feito nada na vida; isso foi em 83. Daí o Flávio Rangel na época comprou essa briga.
P/1 – Como é que você ficou sabendo desse teste?
R – Porque eu tava fazendo aula de Clássica na Academia da dona Eugênia. Aí, a professora comentou que tinha esse teste que era no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Foi a primeira vez que eu vi o Lafond, aquele homem, assim, quê que é isso, minha gente? Fiquei assustada. Depois o Lafond também fez parte do musical e nós ficamos em cartaz seis meses. Foi o meu primeiro musical profissional.
P/1 – Você tinha 14 anos?
R – É.
P/1 – Quem que te levou pra fazer o teste? Sua mãe?
R – Não, ali foram as professoras... Foram as professoras que me levaram a fazer esse teste porque elas falaram assim que eu tinha muita habilidade. Eu era super magra, tinha pernão. Era a bailarina mesmo. Então, se tinha um musical por que não tentar? Tanto que eu consegui meu registro de bailarina profissional através desse musical, porque, no caso, eu fui avaliada pela presidente do Conselho de Dança em cena. Porque até então eu ainda não tinha o registro mas aí através desse musical eu consegui. Então, assim, eu adora dançar! Até hoje eu adoro dançar.
P/1 – E aí depois desse você ganhou muito dinheiro com 14 anos?
R – Menina, eu ganhei muito dinheiro! Tanto dinheiro que, assim, eu não repetia roupa, entendeu? Era grana de mais porque foi a primeira vez que eu assinei carteira, então assinaram a minha carteira.
P/1 – Com 14 anos?
R – É, porque tinha aquela coisa, como é que se diz, da autorização. Então, era um salário que você tinha... o palco era de acrílico; eu tinha sete figurinos de seda pura. Não: tenho fotos, assim, fantásticas porque era a época do petróleo. Foi um musical maravilhoso, seis meses em cartaz no Teatro João Caetano que tinha acabado de ser reformado. Foi uma época áurea na minha vida, entendeu, de 83. Aí, depois, eu fiz a ópera “Aida” também, que foi no Teatro Municipal; depois também eu fiz “Porgy and Bess”, tudo como bailarina. Só que, como se diz, só Ana Botafogo conseguiu se aposentar agora mas antigamente a filosofia não era essa: tinha um certo tempo, você parava ali e não seguia. Aí, depois, também eu engrenei pela parte da ginástica, que eu fui ginasta também; eu competi.
P/1 – Quando que você começou a ser ginasta?
R – Eu competi como ginasta mais ou menos por essa fase, de 15 pra 16, porque como eu sempre tive muita flexibilidade...
P/1 – Mas aí você continuou fazendo musical também?
R – Continuei mas aí é aquela coisa que dá pra você levar paralelo.
P/1 – E você conseguia conciliar?
R – Conseguia, conseguia. Aliás, eu faço muita coisa ao mesmo tempo até hoje. Tem que ser senão você não consegue.
P/1 – Qual musical você fez depois desse, do Vargas?
R – É, aí, olha, deixa eu te falar: eu fiz o “Vargas”; depois eu fiz a ópera “Aida” e depois “Porgy and Bess”.
P/1 – Um atrás do outro?
R – Um atrás do outro. Aí eu tenho outros musicais também que eu fiz...
P/1 – Como é que você conseguiu estudar e trabalhar?
R – Estudar e trabalhar? Aí que tá: porque normalmente você ensaia de noite. Então, você ensaia de noite para a madrugada. Você consegue trabalhar e estudar na parte da manhã e ter meio expediente. Então, por exemplo, quando eu estudava na André Maurois, eu falei que eu queria trabalhar então eu tinha uma mesada e eu datilografava as fichas dos alunos na época. Foi quando eu aprendi datilografia. Quando você digitar no caso a ficha de chamada das pessoas. Então, tinha um dinheiro pra me sustentar, estudar e fazer as coisas que eu gostava.
P/1 – Você dava dinheiro na sua casa? Você juntava? O quê que você fazia com o dinheiro?
R – É, eu ajudava porque é bom você crescer com essa responsabilidade, ter e aprender a contribuir em casa também porque você já dá outro valor. Minha mãe tinha muito esse cuidado, entendeu? “Esse dinheiro é teu; você pode usar ele mas você tem que contribuir, uma tal quantia, pra você crescer com essa referência”, entendeu?
P/1 – Aí, quando você entrou na faculdade de Jornalismo você continuava se apresentando, como é que era?
R – Quando eu entrei na faculdade de Jornalismo, eu fiz a faculdade, me formei e aí depois eu comecei a fazer testes pra outros musicais.
P/1 – Mas durante a faculdade o quê que você fazia? Trabalhava com o que?
R – Durante a faculdade, tinha uma época que a gente digitava muita coisa, aquela coisa de você pegar trabalho em casa, digitar teses. E eu ganhava dinheiro dessa forma, entendeu? Eu pegava trabalho, datilografava -que hoje em dia você pega computador e faz, na hora- e eu ganhava dinheiro dessa forma pra continuar ajudando em casa. Era dessa forma que eu tinha o meu sustento, ajudava em casa e conseguia levar a carreira paralela. Aí, quando eu tinha algum trabalho, que era sempre produção, então ali eu tinha um salário também. Eu trabalhei com Abujamra; trabalhei com Sérgio Britto; trabalhei com André Paes Leme; trabalhei com…
P/1 – Pera aí, ela é rápida!
R – Ela quer me pegar. É que o raciocínio...
P/1 – Às vezes ela já foi e eu fico buscando. Tudo bem?
R – Não, tranquilo!
P/1 – Eu só quero entender: na faculdade, o que você fez como artista? Além de digitar.
R – Além de digitar, na faculdade... Enquanto eu estava na faculdade eu era ginasta. Então, na época da faculdade eu competia e quando eu parei de competir eu comecei a arbitrar. Porque aí eu sendo ginasta tinha bolsa de estudo - porque a Gama Filho naquela época dava bolsa de estudo. A Gama Filho que começou com isso: dava bolsa de estudos pro Folclore e dava bolsa de estudos pra parte de Esportes. Aí, depois que começou aquela coisa de Sulamérica Seguros, aquela Bradesco e meio que ficou difícil pra Gama Filho manter esse perfil. Então, nessa época eu era mais ginasta, eu era árbitro nacional onde eu selecionava as atletas e fazia faculdade. Fiquei mais nesse universo, entendeu? Então, nesse período eu não atuei, fiquei mais voltada pra Ginástica Rítmica e Desportiva, que foi onde tive acesso à Ilona Peuker, que trouxe a GRD pro Brasil.
P/1 – E aí quando acabou a faculdade?
R – Aí, quando acabou a faculdade... My God! O meu Deus do Céu, aí, gente, é difícil. Teve a ópera... Porque, assim, eu não vim organizada pra essas coisas então trazer essas memórias fica complicado... Depois, eu tive um grupo de... Tinha uma época que tinha Lupe Gigliotti que ela tinha um grupo de teatro. Ela fazia peças infantis em aniversários e eu tinha um amigo também que era Rick Walk que nós tínhamos também esse grupo de teatro. Então, eu comecei a trabalhar com peça infantil que nós fazíamos em festas de aniversário. Eu fiquei um bom tempo fazendo esse tipo de programação que eu ganhava dinheiro também, que nós fazíamos toda semana. Eu fiz peças, no caso, pro neto do Figueiredo, pra dona Dulce, ali no Joá, na Barra. Em todos os lugares nós fazíamos peças infantis. Então, eu vivi um pouco também dessa fase de Teatro Infantil, até que depois eu fui fazer a CAL, me formei e aí deslanchei na minha carreira.
P/2 – O que é a CAL?
R – É a Casa de Artes Laranjeiras. Tem Tablado, tem o TBC lá em São Paulo e aqui tem a Casa de Artes Laranjeiras.
P/1 – Depois da faculdade de Jornalismo que você fez a CAL?
R – É: depois que eu fui fazer a CAL.
P/1 – E como foi essa experiência?
R – Ah, foi fantástica! Foi fantástica e eu tive acesso a Yan Michalski, a José Wilker, a Sérgio Britto que foi quem apareceu na nossa primeira aula e a CAL era uma escola que te dá base. Os professores são bons de mais. Eu fiz a CAL em três anos e quando eu saí da CAL eu fui direto trabalhar com Moacyr Góes. Então, eu fiz dois espetáculos do Moacyr Góes.
P/1 – Quais foram?
R – Eu fiz “Baal” com ele...
P/1 – Foi o primeiro de Teatro que você fez?
R – É: foi o primeiro de Teatro que eu fiz legal foi com o Moacyr Goés, que foi o “Baal”. Aí, depois, eu fiz “Fauto” com ele também; “Fauto” de Goethe também ele montou com nosso grupo. Aí, depois que eu saí do Moacyr, eu fiz parte dos “Privilegiados” que foi um grupo que o Antônio Abujamra montou aqui, no Rio. Aí, com o Abu “fiz “A Serpente”; eu fiz “Um Certo Hamlet” e fiz... Ah! O, meu Deus! “A Serpente”, “Um Certo Hamlet” e... E fiz “Fedra”! Aí, depois que eu saí do Abujamra eu fiz trabalhar com Sérgio Britto eu fiz tantos outros espetáculos também. Eu fiz “Balé Carmem”; eu fiz “Nos Tempos de Martins Pena”; e fiz “Na Era do Rádio”; fiz “Ai, Ai Brasil” e fiz a “A História do Pai Zé Maurício”, no CCBB. Aí em cada ano eu tava com um diretor, porque com essa coisa de eu cantar, dançar e interpretar fica fácil de me pegarem, entendeu? Eu sempre falei que eu queria ser a Marília Pêra negra, entendeu, canta, dança e interpreta: botei isso na minha cabeça e corri atrás desse resultado. Então, isso me possibilitou fazer trabalhos.
P/1 – E televisão: você já tinha feito?
R – É, TV, assim, eu fiz participações.
P/1 – Qual foi o seu primeiro trabalho na televisão?
R – Eitcha, eitcha, eitcha... Eu fiz, assim, um trabalho... Trabalhei no seriado “Mulher”, na época com Patrícia Pillar; eu fiz participações em “A Favorita”; Eu fiz a minissérie “Maysa”, aí lá, no caso tinha a Maysa e a personagem que, no caso, criou o Jayme Monjardim; fiz muito clipe pra “Fantástico”, tinha uma época que tinha muitos clipes. E eu como bailarina também gravava clipe pro “Fantástico”. Também ganhei dinheiro com isso, que você me perguntou veio isso agora, na memória. E agora que eu tô voltando com essa minissérie que pra mim é tudo. O que eu tenho falado: que ela é a minha Olímpiada, a minha personagem, Margarida, é minha medalha de ouro e eu tô aqui pra quebrar recorde . Deus! É fantástica essa personagem, tô, assim, apaixonada.
P/1 – Como é que foi o convite pra você atuar no “Suburbia”? Você foi convidada pra fazer teste?
R – No dia 12 de Maio eu recebi um telefonema da produção perguntando primeiro se eu estava de trança, que eu adoro trança, eu sou aquela que coloca aplique e tranças pra lá e pra cá. Eu falei que sim mas queriam que eu fizesse teste mas que eu não tirasse a trança e não fosse maquiada, entendeu? Que eu sou super vaidosa. Ai, eu falei: “Tudo bem”. Então, me ligaram na sexta, no sábado eu vi o quê que eu ia fazer, na segunda eu estava na minha cabeleireira e na terça eu fiz teste pra fazer a Mãe Bia. Aí, chega lá sem maquiagem, me reforçaram os traços que a personagem Mãe Bia tem 60 anos. Colocaram turbante e eu decorei o texto. Só que, assim, quando eu fiz o teste eu fiz de primeira e com essa coisa de ser bailarina se você me coloca num salão você pode ter certeza que eu vou usar aquele espaço inteiro. Aí, eu comecei falando que eu era atriz, cantora, bailarina: “E aí, Maria Salvadora, você canta?” “Eu canto! 'Eu tenho uma casinha lá na Marambaia (cantando); fica na beira da saia... Fica na beira da praia; só vendo que beleza” já cantei, no teste. E, aí, eu falei: “Bom, se eu passar é a quarta mãe que eu faço sem parir, gente!”. Eu tô ficando expert em fazer mãe sem ter gerado. E aí, foi pro teste e foi uma coisa tão natural, que eu me sinto muito à vontade pra fazer teste porque eu cheguei à conclusão que a culpa não é nossa, depende do que o que o diretor está querendo ou a pessoa que escreveu quer de você. Aí, eu fiz pra Mãe Bia e levou um certo tempo pra eu ter a resposta. Eu falei: bom, Mãe Bia não sei se fico ou não fico. Aí, depois, veio a resposta da produção.
P/1 – Você achou que você fosse passar? Que não? Como tava a sua expectativa?
R – É, minha expectativa é a seguinte...
P/1 – Você teve contato com o Luiz Fernando?
R – Não, não.
P/1 – Já tinha trabalhado com ele?
R – Não, foi a primeira vez. Tem uma história linda até nisso tudo, porque na época que eu fiz o teste pra... Vou contar. É, eu tive um procedimento cirúrgico, eu estava com a minha vista muito sensível e quando eu fiz o teste isso meio que tava bem acentuado. E, aí, na época eu fiz o teste, mandei ver mas eu não sabia se ia conseguir ficar ou não. Então depois veio uma resposta que o Luiz Fernando tinha escolhido pra que eu fizesse a Margarida, que era uma personagem que eu poderia fazer do jeito que eu estivesse, com a vista sensível ou não. Mas ele queria que eu fizesse a Margarida, poderia usar o que fosse pra me sentir à vontade em cena (emocionada). Não, foi lindo, gente! Foi lindo porque, assim, eu estava... Vou falar logo: a minha pálpebra tava caída. Aí, meu amigo perguntou: “Salvá, e aí?” e eu falei: “Gente, é isso”. Aí, eu liguei e falei assim, o: “Olha, gente, realmente foi maravilhoso, adorei ter feito o teste, entendeu? Que bom que eu tô aqui, adorei Nelsinho ter lembrado de mim”. Mas a TV é uma coisa que ela é zoom, é foco, entendeu? Eu não sei se eu vou conseguir dar conta. Então, o importante é que eu fui chamada e que consegui passar”.
P/1 – Quem te chamou?
R – O Nelson Fonseca. Nelsinho Fonseca é uma paixão, assim, é meu querido. E aí, perguntaram pra mim e eu falei não. A claridade pra mim era ruim, eu tinha uma sensibilidade danada, não conseguia. E foi um período também que eu fiquei meio fragilizada porque a minha oftalmologista estava viajando, estava em Portugal. Aí, ele me ligou no outro dia e falou: “Maria, o Luiz quer que você faça. Você usa óculos, você vá da maneira que você sentir mas ele quer que você faça”. Mudou o perfil da Margarida pra que eu fizesse. Então, o que eu fiz, gente: eu entrei de cabeça na Margarida! Margarida pra mim foi um presente.
P/1 – Como que é a Margarida?
R – A Margarida é uma personagem... É, ela tem muito da minha mãe: ela é mãezona. Ela tem um pouco, assim, que eu não falei aqui, minha mãe também me criou como ela criou o Claiton. De uma certa forma, eu cresci, sem conhecer o meu pai, né. Meu pai foi embora. O Claiton também não, talvez essa relação forte vem daí. O que acontece: na casa da Margarida tem Tim Maia, tem James Brown... Uau! Quer dizer, com esse universo musical que eu tinha na minha infância também, do meu pai também tem na casa da Margarida. A Margarida criou esse filho com todo amor porque o marido a abandonou com esse filho no ventre e, ao mesmo tempo, ela tinha um filho que foi assassinado na porta da casa dela, história que a minha mãe não tem. E a partir desse período, Margarida meio que saiu da vida, ela só vivia pro filho: então, se o filho estava em casa, estava feliz, ela estava feliz; se o filho estava sorrindo, ela estava sorrindo; se não estava em casa ela tava em casa, prostrada, janela fechada. Ela não queria viver; ela não queria contato com ninguém, entendeu? Ela se fechou pro mundo. E ela se fechou pro mundo e passou a beber, no caso, por exemplo, eu sou uma atriz, eu sou uma pessoa que não fumo e aprendi a fumar pra fazer a personagem porque eu acho que isso é um elemento fortíssimo pra compor a Margarida e foi maravilhoso, ajudou pra caramba. A Margarida beber também: trabalhei isso porque eu acho que eu tinha que dar -pelo presente que eu tive do Luiz Fernando- eu tinha que fazer essa mulher bem, eu tinha que entrar de corpo inteiro, como eu entrei, pra realizar a Margarida. E ela é uma mulher muito densa, é uma personagem muito densa, é uma personagem que chora, que vai no fundo do poço. E ela só sai do fundo do poço no dia que ela percebe que ela vai perder esse filho, entendeu? Então, assim, se o filho tá em casa ela canta com esse filho; e o filho chega pra ela e fala que é homem, ela vibra com o filho; ela arruma a casa pelo filho. E o dia que descobre que esse filho não voltou pra casa, aí ela enlouquece. É a primeira vez que ela saí desse estado de depressão que ela estava por ter sido abandonada e por ter perdido esse filho. Então, aí que tem essa grande guinada na trajetória da Margarida... É que eu não quero falar aqui porque eu não sei se vocês vão colocar esse negócio no ar, pra eu não tirar o fator surpresa da personagem. Mas ela é uma personagem fascinante, que entra no rio pra buscar o filho. E esse rio, pra ela chegar nas águas desse rio, ela passar por um caminho de barro e ela não vê, ela não se intimida com essa lama. O dia que eu gravei essa cena foi fenomenal porque quando eu falei: “Jogaram meu filho no rio?! É mentira deles! Onde vocês esconderam meu filho? Ele tá vivo!”. E quando eu entrei, gente, não tinha pra ninguém: eu queria encontrar meu filho dentro daquele rio. E todas as minhas cenas com a Margarida são assim, entendeu? Eu mergulho, entro de cabeça e estou fazendo com muita paixão, com muito amor. Tô em estado de graça.
P/1 – Você já conhecia o subúrbio do Rio de Janeiro?
R – Um pouco, um pouco eu conheço. Conheço ali, a Edgard Romero; conheço o Mercadão porque a minha cabeleireira também tem um salão ali na Polo 1, que fica na Estrada da Portela. Conheço, conheço. Até por ter parentes que moram em Nova Iguaçu. Essa que mora em Engenheiro Pedreira, como eu te falei. Mas, assim, eu achei que ele pegou um ambiente muito legal e a época também, que é 1990, a época também do baile charme que tem também o funk. Então foi um período bem legal que ele retratou.
P/1 – Que músicas que você escutava? Você falou um pouco do Tim Maia, que ele também aparece lá. Que outras músicas você também tinha contato e que tem na minissérie?
R – É interessante: o meu núcleo, por ela ter entrado nesse processo de depressão, no caso de tristeza profunda, por ter perdido esse filho e foi ali que ela perdeu a vontade de viver, meio que não... A música só aparece quando o meu filho chega em casa, feliz da vida e coloca o disco do Tim Maia. Que é aí que ele coloca “Uh, uh, que beleza”: “Que beleza é sentir a Natureza, que beleza; abre a porta e vai entrando”. Então, quer dizer, a música que entrei em contato na minissérie foi essa do Tim Maia e a outra do James Brown que ele colocou que é o momento de alegria com ela com o filho, e ela dança com o filho quando ele se descobre homem. Então, no caso, eu entrei em contato com essa música. Mas eu sei que tem o “Jongo da Serrinha”, que é fantástico, que tem a tia Maria que canta maravilhosamente bem. Ele escolheu músicas da época pra colocar mas eu não aprendo em função da Margarida em função dela não fazer parte da casa da Mãe Bia, que tem esse universo mais musical, que eu tenho certeza que tá fascinante também, entendeu? Mas é isso, gente.
P/1 – Tem algum causo pra contar, assim, alguma coisa marcante que aconteceu na gravação, no processo de interpretação? Quê que se destaca aí?
R – Eu acho que o processo que me emocionou muito é quando eu fui gravar essa cena no rio porque, assim, eu não nado mas eu não tenho pânico de água e me falaram que o rio tinha 21 metros de profundidade e onde a gente tava tinha quatro metros. E eu lembro que quando a gente foi gravar eu perguntei até onde eu podia ir e ele me explicava. Mas quando eu entrei no rio pra gravar uma coisa que me emocionou foi que o Luiz Fernando entrou. E eu me lembro de que eu lá, na Margarida, falei: “Cuidado, Luiz!” e a minha falou: “Se concentra, Salvadora”. E ele entrou dentro do rio e fez uma margem de segurança pra que eu pudesse atuar. Então, isso foi uma coisa que ficou muito forte dentro do meu coração, entendeu? Porque eu entrei mas ele também entrou e ele criou “até aqui você pode; até aqui vem, Margarida” e aí eu pude dar dimensão a essa mãe. Pude gravar Margarida com segurança porque eu tinha um câmera pegando por baixo, não me preocupei em lado direto, lado esquerdo: eu pude atuar. Tinha câmera pegando por baixo, tinha um do lado e ele ali: “Vem, até aqui você pode”. Então, ele primeiro ia, liberava o espaço pra que eu pudesse gravar. Gente, ele é muito generoso. Eu tô aprendendo muito porque normalmente eu fiz participações e hoje em dia, quando eu assisto alguma coisa, eu tenho outro olhar, um novo olhar. Então, é um presente. Ele entrar naquele rio cheio de lama, comigo, foi tudo. Foi tudo, entendeu? Então, ele tá no meu coração, assim, tremendamente. Então, a partir dali eu me entreguei. E tem umas coisas, assim, também que eu gosto: quando você chega pra gravar ele te fala a palavra-chave. Teve uma outra cena que eu fui gravar que eu vou atrás do meu filho na “boca”. Ele só me disse, assim: “Não é fácil você estar aqui”. Gente, aquilo me subiu uma emoção! Fiz Sinal da Cruz, dali eu já virei Margarida totalmente. É lógico que você já vem com o universo que você estou do personagem mas ele traz pra gente elementos que reforçam aquilo que você preparou pra que você seja mais verdadeiro naquilo que você tá tentando apresentar. Então, ele é um, nossa como é que vou falar? Ele é um bruxo. Ele sabe o que falar pra cada um, pra cada ator. Ele tá do teu lado, tá? Ele é uma pessoa que ele pega, se você corre ele corre junto, ele acompanha câmera. Então, isso é fascinante; eu não tinha presenciado isso ainda: você grava, a pessoa fica sentada, te olhando no monitor. Ele não: ele te acompanha. Isso foi uma coisa que me emocionou e uma coisa também que foi uma cena que eu fiz que ele falou que eu poderia enlouquecer. Então, isso é muito bom, com diretores que você pode enlouquecer e você saber que tem três câmeras, te pegando de todos os lados. Então, você não fica se tolhendo, se prendendo porque de repente você pode vazar. Eu, como atriz de teatro, sou imensa. Se fala é aqui, eu falo: é aqui! Tudo meu é amplo. Então, a forma como ele conduziu -está conduzindo- a direção, tá dando a chance a todos os atores de estarem maravilhosos em cena. Eu só ouço coisas boas, tá todo mundo feliz, todo mundo inteiro, em estado de graça porque tá podendo demonstrar um bom trabalho.
P/1 – Você pode falar um pouco como é que foi trabalhar com atores mais experientes, outros que estão começando a carreira agora ou que tem menos experiência que outros?
R – Ah, fascinante! O rapaz que faz Tião ele tá nessa leva de pouca experiência. O pequeno entrou numa emoção! Ele veio e me deu o braço, e “vamos encontrar o teu filho” e ele foi de cabeça. Então, assim, tá tendo uma disponibilidade emocional e corporal muito grande. As pessoas estão entrando, assim, de corpo e alma. E isso tá sendo fantástico que não está tendo desnível dentro da atuação. Ele tá sabendo tirar o melhor de cada um. E foi o que ele falou: que não existe muita estrada, nem pouca estrada; todos são iguais. Então, quando o cabeça nivela, quando o cabeça diz que todos são iguais, fica fácil de você trabalhar, há uma harmonia. Então, até quem não sabe acaba fazendo porque quem sabe puxa, dá o que ele tem de melhor, entendeu? Então, na há desnível na atuação e isso vai ser mostrado na tela.
P/1 – Quais são as suas perspectivas daqui pra frente, o seus planos?
R – Meus planos são, assim, que a partir desse trabalho eu seja chamada pra fazer outros porque o que acontece: é lógico que eu tenho toda uma história teatral, tenho uma vida dentro do Teatro, mas eu queria ter a oportunidade de ter papéis chave como esse pra fazer também na televisão. Eu tenho, assim, grandes esperanças de que a “Suburbia” pra mim está sendo divisor de águas: daí pra frente vai ser uma outra história. Até porque, assim, eu ou até contar pra você, eu fiz a Ruth de Souza no Teatro. A Ruth é uma pessoa que, toda vez que uma pessoa a convida pra um personagem que ela não pode fazer, ela me indica. Eu a fiz no Grande Otelo. Então, assim, quando você faz um bom trabalho, que aquilo te dá visibilidade que você precisa, automaticamente ele abre as portas. E as portas, depois que elas são abertas, cabe a você mantê-las e isso eu vou fazer com o maior afeto.
P/1 – Essas são suas perspectivas mas você tem um grande sonho? Qual é o seu maior sonho?
R – Ah, eu tenho sim: eu quero cantar na abertura das Olímpiadas de 2016. Eu cismei que eu vou cantar lá !
P/1 – Você quer cantar na abertura das Olímpiadas?
R – É, menina, deixa eu falar: eu gosto muito de cantar. Essa cantora que tá dentro de mim ela é nata. E nas Olímpiadas tem um show ou tem um hino olímpico e, como vai ser um momento em que o mundo inteiro vai estar voltado para o Brasil, eu não sei o que vai acontecer, qual é a fatia desse bolo que eu vou participar. Mas que eu quero cantar nas Olímpiadas eu quero!
P/1 – Tem alguma música em especial que você queira cantar lá?
R – Não, eu creio que, assim, a música que o mundo todo conhece é (cantando) “Brasil, meu Brasil brasileiro; meu mulato inzoneiro; vou cantar-te nos meus versos”. Aí, eu não sei qual é a música que eles vão escolher pra que eu cante. Mas uma música que eu posso deixar registrada aqui -música que eu amo de paixão, que é o meu carro chefe de testes- é a seguinte: (cantando) “Eu tenho uma casinha lá na Marambaia; fica na beira da praia, só vendo que beleza; e uma trepadeira que na primavera; fica toda florescida de brincos de princesa; quando chega o verão eu sento na varanda; pego o meu violão e começo a cantar; e o meu moreno que está sempre bem disposto senta ao meu lado e começa a cantar; quando chega a tarde um bando de andorinhas; voa em revoada fazendo verão; e lá na mata um sabiá gorjeia; linda melodia pra alegrar meu coração; às seis horas o sino da capela; toca as badaladas da Ave Maria; a lua nasce por de trás da serra -por que, gente?- anunciando que acabou o dia”. E o nosso projeto aqui também .
P/1 – Salvá...
R – Fala, querida.
P/1 – Olhando aqui sua trajetória -a gente viu aqui muito pouco da sua vida- mas, se você tivesse a oportunidade, você mudaria alguma coisa na sua trajetória de vida?
R – Não, eu não mudaria, não. Eu acho, assim: quando eu era criança, eu sonhei em ser pianista mas era difícil porque piano era super caro. Eu sempre tive vontade de tocar algum instrumento mas não de tempo, não tive oportunidade. Hoje, em cada lugar você tem uma ONG, você tem isso e aquilo outro. Mas não mudaria, não. Estou feliz; estou satisfeita, assim, com o resultado. Eu acho que hoje, quando eu cheguei aqui que eu fui almoçar, eu vi o elenco inteiro, a galera toda falando: “Ai, que saudade! Você vai gravar de novo com a gente?” Então isso é maravilhoso. Eu acho que eu tô bem; fui bem criada, tô inteira, pro que der e vier.
P/1 – O que você achou dessa experiência de dar um depoimento de história de vida, ainda que breve, mas de história de vida?
R – Eu confesso que, assim, me pegou de surpresa que é um depoimento de vida, eu poderia ter me aprofundado até mais. Mas, são tão emoções , não sou Roberto, não, que você fica nas pinceladas mas eu posso garantir pra você o seguinte: a minha vida dá um livro! E eu voltarei, eu te prometo: eu voltarei pra complementar essa entrevista num outro momento, porque eu ainda tô com a Margarida, eu quero terminar a Margarida. Aí, eu não consigo mergulhar na minha história de vida que vai reforçar essa Margarida que eu tô vivendo agora. Tem coisas mais profundas, e coisas mais sérias, mais emocionantes, pra contar pra vocês, entendeu? Mas, aí, eu não quero desabar agora, eu preciso terminar a Margarida porque eu me emociono muito, entendeu? Eu prometo que eu volto e vou complementar esse depoimento. Pode ser?
P/1 – Opa, tá anotado!
R – Não, com certeza eu vou voltar.
P/1 – A gente vai ter outras oportunidades.
R – Quero. Vou a São Paulo, fácil, porque eu acho que é importante, é necessário.
P/1 – Obrigada por você ter doado história pra gente.
R – Ah, brigado, vocês foram maravilhosas!
P/1 – Nossa, lindo o seu depoimento. Você é uma querida.
R – Obrigada, de coração. Deixa eu falar: minha mãe não sabia nem ler, nem escrever mas eu não quis falar isso. E ela criou essa pessoa que eu sou.
P/1 – Nossa, você é maravilhosa, tem uma energia ótima.
R – Aí, depois, eu quero voltar pra complementar.
P/1 – Vamos! No Museu... A gente tá sempre gravando aqui, no Rio. E, nossa, seu depoimento pro Museu da Pessoa é super importante. E esse seu depoimento vai pra internet, tá? Vai pro Portal da Globo e depois a gente não sabe o que vai virar, se vai virar teaser da internet, a gente não sabe ainda.
R – Entendi, entendi. Você foi maravilhosa também, a forma com que você conduziu. Porque é difícil puxar. E cada um trabalha de uma forma.
P/1 – Brigada pelo seu elogio! O, ela tá me elogiando, viu? Todo mundo escuta.
R – Foi, foi! Verdade!