Na entrevista, Rosana nos conta sobre de seus pais, imigrantes de Polignano a Mare, e sobre como se conheceram no Brás. Após isso, Rosana nos dá um panorama sobre sua infância no bairro e os lugares que mais a marcaram. Fala também sobre o comércio de seu pai, a Boa Luz, que cresceu em meio ao auge da Zona Cerealista, nos anos 60 e 70. Então, a entrevistada fala sobre a morte de seu irmão num acidente, a relação com sua irmã e a carreira das duas, na matemática e pedagogia. Seguindo em frente, ouvimos a respeito de seu casamento, o nascimento de seus filhos e seu divórcio. Depois, Rosana nos conta como tomou conta do negócio de seu pai, em parceria com sua irmã. Conta das dificuldades iniciais num ambiente machista, sua reviravolta como mulher de negócios e sobre como modernizou a forma e os produtos de seu comércio. Por fim, sabemos de sua experiência como síndica de condomínio e sobre seus sonhos e planos para o futuro.
"Eu inovei bastante!"
História de Rosana Leddomado
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 30/10/2016 por Lucas Torigoe
P/1 – Rosana, primeiro obrigado pelo tempo e pela paciência com a gente. Me fala o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Rosana Leddomado. A data de nascimento, sete de agosto de 1964, São Paulo, cidade onde eu nasci.
P/1 – Você nasceu em hospital, onde foi?
R – Eu nasci na Maternidade Matarazzo.
P/1 – Ah, é? Onde fica?
R – Bela Vista.
P/1 – E o seu pai, qual o nome dele?
R – O meu pai, Giuseppe Leddomado.
P/1 – Ele nasceu onde?
R – Ele nasceu na Itália, ele era italiano.
P/1 – Em que cidade ele nasceu?
R – Bari. Muito próximo a Polignano a Mare, que existe aqui a Igreja São Vitor. Ele era da Itália.
P/1 – Ele nasceu em que dia?
R – Ele nasceu no dia oito de fevereiro de 1927. Ele veio pro Brasil ele tinha 25 anos. Pela Marinha, né? Ele veio e na realidade quando ele chegou no Brasil ele foi trabalhar como carregador de frutas no Mercado Municipal do Rio de Janeiro.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Antes de chegar no Brasil, então, ele falava para você como era a vida lá na Itália?
R – Sim, sim.
P/1 – Porque ele veio pra cá.
R – Ele veio pra cá porque o pai dele era contra o Governo e na realidade faltava comida, não tinha emprego, então o que aconteceu? O vizinho tinha árvores frutíferas e o vizinho envenenou as frutas das árvores. E naquela época passava-se fome. E o meu pai pegou uns figos da árvore do vizinho e comeu. E o que aconteceu? Ele quase morreu. E a minha avó tinha tido seis filhos, cinco homens e uma mulher, então o que ela fez? Porque senão quando meu avô ficasse sabendo que ele quase foi envenenado e tudo, gente, ele mataria o vizinho. O que minha avó fez? Ela pegou e mandou, inscreveu três pro Brasil, então veio o meu pai, o irmão mais velho e o outro também e o quarto irmão ela mandou pra Nova York, pros Estados Unidos, todos servindo a Marinha. E só pra você ter uma noção, o meu pai sempre foi uma pessoa muito batalhadora, muito guerreira e o que acontece? Quando o pessoal chegava pra ele e falava: “Você vai pra frente de combate”, o que ele fez um dia? Todos os amigos dele que foram não voltaram, então ele estourou o tímpano e falou: “Olha, eu estou com febre” e tipo assim, ele falou: “Pera um pouquinho, é melhor eu doente, que eu tenho uma chance de sobrevida”. Porque lá no navio era terrível, eles ficavam no porão. Tanto é que os ratos comeram até um pedaço da orelha dele. Foi assim, foi muito sofrido, foi uma vida terrível. E aí é o que eu estava te dizendo anteriormente, né? Ele pegou e parou no Rio de Janeiro, a primeira parada não foi São Paulo quando ele chegou no Brasil. E ele ficou com os irmãos, isso que foi bacana, aqui no Brasil.
P/1 – Entendi. E esses anos na Marinha foram assim, ele no barco, sofrendo.
R – Sofrendo. Sofrendo, mas assim, o meu pai adorava frutas, os italianos amam frutas. Ele tinha um primo que tinha uma banca no Mercado Municipal do Rio e então ele foi trabalhar com ele, como carregador de frutas. E na época, inclusive, ele atendia o Getúlio Vargas e as melhores frutas ele escolhia pro Getúlio. E o Getúlio, em vez de dar caixinha, porque ele arrumava no carro do Getúlio e tudo o mais, o que o Getúlio fez? Ele dava passagens aéreas para o Mato Grosso. O meu pai amou de paixão, por que o que acontece? Ele ia pro Mato Grosso e começou a ver o cultivo de arroz lá. O meu pai foi um dos pioneiros, inclusive antes do Brejeiro, antes do Tio João o meu pai inovou, ele começou a empacotar os saquinhos de arroz de dois e cinco quilos. Porque antigamente você só conseguia sacas de 60 quilos de arroz e você só comprava em feira. Então quando chegaram os supermercados na década de 70 você comprava Arroz Boa Luz de dois e cinco cinco, porque a dona de casa não tinha isso, ela comprava de quilinho só em feira livre. Na realidade a Boa Luz é o que é hoje graças aos feirantes, ele chegava seis horas da manhã e trabalhava aqui até onze horas da noite, atendendo feirantes.
P/1 – Vamos chegar lá ainda, mas vamos voltar um pouco. Seu pai então chegou aqui no Rio de Janeiro e ele ficou quanto tempo trabalhando como carregador ou com o primo dele?
R – Olha, ele deve ter ficado mais ou menos uns cinco anos, tá? De quatro a cinco anos, aí que ele veio pro Brás. Tinha um primo dele e ele veio ficar uns dias com esse primo e nisso ele conheceu a minha mãe, aqui na rua Benjamim de Oliveira, onde inclusive hoje funciona a empresa Buriri. A minha mãe morava lá, na Benjamim de Oliveira, 313. Ele pediu pra telefonar na época porque o meu avô tinha... Na realidade o meu avô foi pioneiro em máquinas de beneficiamento, ele tinha máquina para limpar a ervilha partida, porque antigamente você tinha a ervilha toda suja. Então meu avô que fez esse maquinário e o meu pai conheceu a minha mãe, ela foi servir um café. E como a família tinha muitos filhos homens ele foi trabalhar com um tio meu, que inclusive funciona até hoje aqui na zona cerealista, a Lins. E aí ele ficou dois anos com esse meu tio. Só que depois não deu certo porque, graças a Deus, meu pai sempre foi muito positivo, ele começou com o meu tio e queria ser de igual pra igual porque o meu pai viajava muito pra ficar especializado em arroz, ele adorava o cultivo de arroz. Então ele ia, procurava, porque não podia passar. O arroz ficava no Sul e não tinha como, tanto é que tinha que colocar peixe em cima porque na fronteira não passava pra São Paulo. Então o meu pai se especializou mesmo, a Boa Luz é o que é por causa de arroz, tá?
P/1 – Tá, entendi.
R – Aí ele ficou com esse meu tio dois anos.
P/1 – O seu tio que é irmão da sua mãe.
R – Irmão da minha mãe, isso, José Lins Guglielmi, que existe a Lins Exportadora e Importadora até hoje.
P/1 – Até hoje com ele.
R – Até hoje. E meu pai pediu pra sair e começou no 336, nesse armazém de fachada verde, ele começou com duas portinhas. Casou-se com a minha mãe e começou.
P/1 – Qual o nome da sua mãe?
R – O nome da minha mãe é Rosina Guglielmi Leddomado.
P/1 – E vamos falar da família dela então.
R – Tá.
P/1 – Ela nasceu aqui.
R – A minha mãe era brasileira, mas os pais eram dois primos do mesmo lugar, eles eram de Polignano Mare. Eram dois primos que casaram-se, primos de primeiro grau. E os meus avós tiveram dez filhos. Dez filhos e a maioria foi comerciante da zona cerealista, a maioria. Acho que na realidade todos.
P/1 – A família então... quem são seus tios?
R – Os meus tios, vamos lá. Vamos tentar pegar por idade, tá? Júlio Guglielmi, que inclusive era da JMG, que hoje é Agrofood. Depois Miguel Dino Guglielmi, que trabalhou, inclusive, com meu tio José Lins Guglielmi. O José Lins Guglielmi, que o meu pai começou. Paschoal Guglielmi. Deixa eu ver se tem mais alguém. É, foram esses.
P/1 – Como comerciantes.
R – Como comerciantes. O Júlio começou com o João Lins Correa Lima. E que o João Lins Correia Lima é irmão do Roberto Paschoal Correia Lima, da Buriri.
P/1 – Entendi.
R – Então toda família é da zona cerealista. Todos têm o comércio na veia.
P/1 – Agora fala um pouquinho, seu pai ou a sua mãe falaram mais detalhadamente como que eles se conheceram? Você falou que ela estava servindo café, mas como é que foi isso?
R – Porque foi o seguinte, o meu pai tinha um primo que morava em frente à casa dos meus avós, tá? Esse primo não era comerciante, na realidade ele conheceu a esposa dele e então ele pegou e falou que precisava usar o telefone. E na época os meus avós tinham telefone, eram uns dos únicos aqui na zona cerealista a ter telefone. E o que acontece? Essa senhora que era casada com o primo do meu pai foi à casa dos meus avós e falou: “Olha, estou com um primo que veio, ele é italiano, ele vive no Rio de Janeiro e ele precisa usar o telefone”. E o que acontece? A minha avó ficou encantada porque o meu pai sempre teve o dom da oratória. Ele falava muito. Só pra você ter uma ideia, no Rio de Janeiro ele entregava frutas, carregador desses carrinhos que você vê até hoje e ele tinha um amigo que era escritor. E o amigo só sabia escrever, mas ele não conseguia vender, então o meu pai ia, nas horas vagas, ele entrava acho que às três horas da manhã no mercadão e trabalhava até não sei que horas e à noite ele ia atrás, na Praça XV e tal e ele via às vezes os namorados brigando, então ele falava: “Olha, não faça isso, compre esse bonito verso”, então na realidade o meu pai é que vendia os versos desse amigo. Então meu pai sempre foi uma pessoa muito criativa. E quando ele bateu os olhos na minha mãe... então foram servir um café na casa dos meus avós pra ele e a minha mãe, a hora que bateu a minha avó falou: “Nena, faça você o café e sirva”. Porque a Nena era a mais velha das irmãs, então minha mãe falou: “Não, vou eu fazer o café”. Minha mãe olhou e foi tipo assim, que hoje quase já não acontece mais isso, né? Mas antigamente a minha mãe bateu os olhos e foi amor à primeira vista, engraçado. E o meu pai também gostou. Tanto é que só pra você ter uma noção: minha mãe namorou, noivou e casou em três meses. Porque o meu pai era do Rio, ele precisava voltar. E foi um casamento assim, aqui nessa casa, durou três dias só pra você ter uma noção. Porque o meu pai sempre teve o comércio nas veias e o meu tio, esse José Lins Guglielmi, ele sempre falou: “Nossa, esse cara nasceu pra brilhar”. Porque ele sempre foi muito trabalhador, muito guerreiro.
P/2 – Dessa festa tem alguma história marcante que você ouviu depois?
R – Olha, o que eu sei que o meu tio me conta é que foi servido não sei quantas garrafas de vinho Chianti. E na realidade o meu tio importou esse vinho pro casamento do meu pai. Eu nem sabia. Outro dia eu postei no Facebook algumas fotos do casamento dos meus pais e o meu tio falou: “Rosana, você não acredita”. Porque não existia nada disso aqui na zona cerealista na época. Mas a família dos meus avós era muito criativa e tinha comércio nas veias. O que eu sei, os meus tios estudavam e na hora de lazer eles iam vender pacotinhos de alho nos faróis, sabe? Então eles começaram a ver como é que se faziam as importações, como é que se importa vinho, porque isso não existia no passado. E o que eu sei uma coisa que marcou bastante é a história do vinho. Imagina, naquela época serviram não sei quantas garrafas que foram de importação.
P/1 – Só praquele evento.
R – Só praquele evento, olha lá que bacana.
P/1 – Na escadinha dos irmãos você é a mais velha?
R – Eu sou a caçula. Diz a minha irmã que eu sou a caçula mais mimada, mas porque a minha irmã é a mais velha e ela fez Matemática na USP, tá? Ela é um crânio em termos de número, tanto é que aqui na empresa hoje eu faço toda a parte de compra e venda, eu sou comercial, e a minha irmã é toda a parte financeira. A parte chata, a parte ruim eu deixo pra ela.
P/1 – E só é você e ela.
R – Nós tínhamos um irmão do meio chamado Victor Paschoal Leddomado e ele faleceu com 16 anos de acidente, ele foi atropelado. Ele já trabalhava com o meu pai e já participava, inclusive, das importações junto com o meu pai. Ele era olheiro, via o que o pessoal não estava trazendo, enfim, ele ajudou bastante o meu pai apesar da pouca idade. É outro que tinha o comércio nas veias.
P/1 – E quando você nasceu a sua família morava no Brás ou morava em outro lugar?
R – Não, não, não. Quando eu nasci a minha família foi morar no Rio de Janeiro porque o meu pai morava no Rio. A minha irmã, na realidade, foi feita no Rio, a minha mãe só vinha pra São Paulo pra ter os filhos e depois ela voltava para o Rio. Então a minha irmã morou no Rio uns dois anos, só que logo em seguida nasceu meu irmão. E quando nasceu meu irmão o meu pai veio aqui pra São Paulo, que foi quando ele fundou, em 1965, depois de um tempo que meu pai veio porque ele trabalhou mais dois com o meu tio, né? Aí depois de algum tempo que ele veio pra São Paulo. Nós moramos na Vila Maria, na Vila Guilherme e depois, quando meu pai ficou bem de vida, porque o meu pai tinha uma certa dificuldade pra falar porque ele era italiano, então ele falava: “Gente, vocês não sabem da maior: eu morei na Vila Maria, na Vila Guilherme e agora vou mudar pra Vila Puera”, que era Ibirapuera, mas ele não conseguia falar o Ibirapuera (risos). E o apelido dele depois ficou como Zé da Vila, porque era só vilas, né? Então no último ele falou: “Ah gente, comprei uma casa tal no bairro de Vila Pueira”, então ficou Zé da Vila (risos).
P/1 – A primeira casa que você morou...
R – Na Vila Maria.
P/1 – Na Vila Maria.
R – Na Vila Maria.
P/1 – Você ficou quanto tempo lá?
R – Eu fiquei um ano e pouquinho.
P/1 – Você nem se lembra.
R – Eu não me lembro. Eu sei que era na rua Margarino Torres. E detalhe, meu pai no decorrer da vida comprou muitos imóveis na Vila Maria (risos). E eu tenho os imóveis até hoje. Mas o que eu sei é que era na rua Margarino Torres e eles acabaram no final se mudando porque a minha mãe no dia de Natal foi passar as roupas, deixou o ferro ligado e a casa pegou fogo. Então ele ficou mais um pouco lá, mas depois ele foi pra Vila Guilherme. E na Vila Guilherme eu sei que eu me mudei e fiquei lá até os 12 anos de idade, quase 13.
P/1 – E como era o bairro, como era a sua casa nessa época?
R – Eu vou falar uma coisa pra você, tinha bastante dificuldades também, mas era uma casa gostosa porque tinha um quintal gigantesco, tinha uma árvore de manga. O meu pai plantou essa árvore. E no final demorou tanto pra dar as mangas que só no último ano que deu mangas (risos). Mas era gostoso porque você tinha liberdade pra tudo, você podia andar de bicicleta o dia todo. Assim, era ruim por outro lado porque tinha enchente, porque a gente morava numa rua que tinha feira livre e as pessoas não tinham consciência, como não têm até hoje, as frutas acabavam entupindo os bueiros e tudo o mais, então a casa acabava inundando. E aí nós tínhamos duas opções: ou ficar aqui no Brás porque os meus avós moravam aqui e o meu pai tinha a empresa aqui que inundava, que tinha as enchentes, ou ficar lá que também... mas minha mãe sempre optava em vir pro Brás porque nas enchentes a gente ficava a família toda junta pelo menos, todos juntos.
P/1 – E quando enchia lá enchia mesmo.
R – Enchia muito, enchia a casa toda. Tanto é que a minha mãe, tadinha, ela fazia a coleção da Revista Bom Apetite, né? E eu nunca vou esquecer: ela colocava os três filhos em cima da cama e a casa inundava toda e de repente meu irmão falou: “Mãe, olha lá os barquinhos”. As revistas todas assim, molhadas.
P/1 – Me descreve essa casa, como ela era?
R – Essa casa era um sobrado, tinha dois dormitórios e nós dormíamos os três juntos, os três filhos juntos. Tinha um quintal maravilhoso, era muito grande o quintal, tanto é que tinha árvores frutíferas e tudo. Tinha até duas entradas. Como eu era caçula eu fui um pouquinho terrível pros meus pais porque quando eu nasci a minha mãe já tinha 39 anos e eu tinha um pouquinho de ciúmes dos meus irmãos. Os meus irmãos eram os primeiros alunos da sala e tudo e eu tinha uma dificuldade porque eu sempre fui mais da área de Humanas e o que acontece? A minha mãe às vezes saía pra me procurar porque eu estava sempre andando de bicicleta, tinha vizinhança na frente da casa e todo mundo me chamava e às vezes eu esquecia de avisar minha mãe. Gente, o que acontecia? Ela saía por uma lateral e eu saía pela outra. Ela ficava me procurando pelo bairro porque tinha muitas vendinhas, tinha bastante quitandas naquela época. Então eu adorava doces, tudo quanto é tranqueira e eu saía pra comprar e tudo e minha mãe: “Cadê a Rosana?”. Ou a Rosana tá na casa do vizinho brincando ou a Rosana... eu aprontei muito, sabe? E o que foi muito legal, eu não me lembro bem o ano, mas eu acho que na década de 70 lá na Vila Guilherme eles lançaram aquele supermercado que não era Extra, daqui a pouquinho eu vou me lembrar o nome, gente, e tinha inclusive um trenzinho que ficava andando pelo bairro. Então as minhas primas que moravam todas na zona sul, as filhas do José Lins Guglielmi, elas falavam: “Ah, você convida a gente?”, mas a minha casa tinha dois dormitórios, elas moravam em uma casa que tinha quatro. “Ah, porque a gente quer andar...”. Eletroradiobraz! Gente, aquilo era uma sensação porque todos os dias essa Eletroradiobraz dava alguma coisa pra criançada. Então minha mãe falava: “Onde eu vou colocar um monte de primas, Rosana? Não cabe na casa!”. E eu tinha uma bicicleta chamada Black Tiger RRR. Gente, era uma atração no bairro porque ninguém tinha, mas eu tinha a bicicleta. E detalhe, o meu pai nessa casa da Vila Guilherme, ele andava assim... porque já era perigoso, quer dizer, ladrão sempre teve e tudo o mais, mas como ele trabalhava com comércio e tudo, num bairro mais humilde você acaba sendo um foco, apesar que nós não tínhamos muitas coisas ainda. Mas ele tinha uma perua Kombi. E eu nunca vou esquecer, eu era muito pequenininha e roubaram a perua. O que aconteceu? Meu pai saiu armado, só pra vocês terem uma ideia, e como ele viu a direção a rua não tinha saída. Pois ele não voltou depois de algum tempo com a perua e com a arma e tudo são e salvo? Então é nisso que eu digo, o meu pai enfrentava, ele não tinha medo de nada. Nada, nada, nada. Agora o que era ruim nessa casa é que a casa ficava numa rua e existia uma outra rua na rua de cima e quando chovia demais o que acontece? Tinha um muro gigantesco que fazia divisa da nossa casa pra essa outra rua e desmoronava. Esse muro desmoronou acho que umas três vezes com a gente, sabe? A minha mãe perdia as roupas que ficavam no varal e eu nunca vou esquecer, eu tinha um parzinho de meias bordadinho de perolinhas e a minha mãe falou: “Uma ficou soterrada, eu só tenho uma”. Eu falei: “Não, eu vou guardar de lembrança, você deixa, mãe?”, isso é uma coisa que me marcou.
P/1 – E qual é o nome da rua?
R – Rua Amândio Monteiro, número 219. E o que era bacana nessa casa também, existia um jardim na frente da casa com um monte de roseiras, umas rosas cor de rosa lindas. E no fundo tinha, de azulejos, um Santo Antônio. Isso fica na memória da gente. Eu adoro o Santo Antônio porque a minha mãe falava: “Ai, ele é o meu santo protetor”. Eu acho bacana isso, que você não vê mais nadas casas de hoje, você vê nas casas do passado, né?
P/1 – E além de andar de bicicleta, do que mais você brincava?
R – Olha, eu brincava muito. Eu brincava muito de boneca com as vizinhas. Tanto é que eu tinha, engraçado, eu tinha uma boneca chamada Susi. E quando eu fiz a primeira comunhão... e só aquela boneca porque na época a vida era muito difícil, era dura, ainda mais os meus pais que tiveram três filhos e tal, então eu brincava muito com essa boneca, muito. O que eu fiquei super feliz é que na minha primeira comunhão eu ganhei de presente do seu Dionísio, o filho do Vitor Labate, da empresa Diolena, uma outra boneca Susi. Eu falei: “Ai que bom!”, fiquei feliz da vida. A Susi que eu brincava tinha cabelos loiros e ele me deu uma inovação que era uma com cabelo branco. Eu falei: “Nossa, que coisa de louco!”, hoje não existe mais, a Susi foi substituída pela Barbie, né? Mas eu era muito assim, eu adorava brincar de bonecas, eu brinquei de boneca muitos anos da minha vida.
P/1 – E você gostava de ouvir rádio e assistir TV também?
R – Também. Nossa, muito, muito. E na época os meus irmãos já tinham feito todas as lições e eu ficava enrolando porque tinha a Vila Sésamo na televisão e eu amava. Então eu começava com Vila Sésamo, que tinha a Aracy Balabanian, Sônia Braga. E depois eu falava: “Ai mãe, mais um pouquinho, agora vai começar os Três Patetas”. Depois dos Três Patetas tinha o Zorro. E eu amava e paixão e minha mãe dizia: “Você não terminou as lições e daqui a pouco vai passar a perua”, porque a gente ia de perua pra escola. Ai não, olha, eu amava, eu gostava muito. E detalhe, depois que eu voltava da escola, por volta de umas seis horas, passava um senhor que vendia doces, um carrinho e o senhor chamava-se seu Viola. Gente, mas tudo que era inovação, chicletes com anelzinho. Nossa, eu não gastava o dinheiro que o meu pai me dava pra comprar o lanche da escola, mas eu gastava tudo com o seu Viola, até aquelas bolinhas que batiam eu comprei dele. Ele era um senhorzinho de muita idade, mas tudo o que tinha de inovação tinha no carrinho do seu Viola.
P/1 – E como era em casa, a sua mãe ficava mais?
R – Minha mãe, meu pai pouco ficava. E é engraçado porque quando você é a caçula o que acontecia? Eu comprava tudo, então eu comprava os confetes, Dadinhos, aí o meu irmão que já era bastante espertinho, ele falava: “Não, é o seguinte, como você é a caçula e eu e a Ana somos os mais velhos você tem que dividir”. Todos ganhavam a mesada igualmente, mas eles me enganavam já nessa época. Então ele falava: “Olha, três confetes pra mim, três pra Ana, um pra você”. E eu, bobinha, aceitava. Então já existia o comércio na minha casa. E detalhe, tanto meu irmão como minha irmã, eles compravam, sei lá, meu irmão comprava carrinho, ele usava um mês, depois ele enjoava, o que ele fazia? Ele pintava de outra cor e tal e vendia pra mim. Você acredita? E a minha irmã a mesma coisa. Então tudo na época era compra e venda, agora sempre enganando a irmã mais nova, no caso em questão, eu.
P/2 – Você estava falando que você já frequentava bastante aqui o bairro, né?
R – Nós frequentávamos. Sabe por quê? Porque todo sábado e domingo o meu pai trabalhava aos sábados até seis horas da tarde aqui. Então o que acontecia? A minha mãe já vinha aqui, na Benjamim de Oliveira, porque nós almoçávamos na casa dos meus avós sábado e domingo. Porque o meu pai era muito companheiro do meu avô Paschoal, Paschoal Guglielmi, então meu pai trabalhava até tarde e depois, quando anoitecia, ele ia pra casa dos meus avós pra jogar escopa, pra jogar baralho. E aí ficava até a hora de começar a buzina do Chacrinha às nove, dez horas da noite. E uma coisa que foi muito legal, que me marcou bastante na infância, a primeira casa da zona cerealista que teve televisão colorida foi a dos meus avós. Então todo mundo ia porque todo mundo queria ver.
TROCA DE FITA
P/1 – Pode continuar, você estava falando da TV colorida.
R – Da TV colorida. Foi na década de 1970, eu acho. E os meus avós tinham televisão colorida, então nós vinhamos de final de semana porque aos sábados tinha sempre uma feijoada e no domingo era sempre a macarronada da minha avó.
P/1 – Vocês viram a Copa do Mundo nessa TV?
R – Sim, com certeza. Em 1970 eu me lembro que o Brasil foi campeão e eu nunca vou esquecer, eu tinha seis anos de idade mas eu me lembro que eu chupei chupeta até essa idade. E detalhe, no posto de gasolina naquela época eu falei: “Pai, tem uma chupeta com a bola do Brasil”. Então eu tinha a chupeta com a bola do Brasil, eu tinha chaveiro, tudo o que você possa imaginar. Aí que você vê a diferença, né, o jogo do Brasil daquela época, que tinha Pelé, nossa, todo mundo vibrava e todo mundo já sabia que por mais dificuldade que a gente fosse ter no jogo, mas você sabia que ia ser campeão. Agora nem com reza brava, né, não vai mais.
P/1 – É verdade (risos). E como era o Brás nessa época que você vinha aqui, onde você frequentava também?
R – O que acontecia? Eu ficava na casa dessa minha tia na Benjamim de Oliveira porque morava a minha tia, uma tia minha que não se casou, ela ficou com meus avós. E tinha mais dois tios que um trabalhava aqui na zona cerealista, então eu trabalhava com ela. Porque quando eu ficava de férias ou quando minha mãe ficava doente, alguma coisa, tudo era a zona cerealista e a minha tia me levava pra trabalhar junto com ela na Lins e eu falava: “Ai tia, o que eu posso fazer? Deixa eu te ajudar, controle de cheques, essas coisas”. Então eu amava ficar aqui. Outro detalhe da zona cerealista: a minha tia não dirigia, então, por exemplo, chegava a época de Páscoa ela pegava e levava a gente de ônibus, na Vergueiro, pra comprar um chocolate chamado Sönksen, porque existia uma fábrica de chocolates na Vergueiro gigantesca chamada Sönksen. E a Sönksen fazia uns coelhos maravilhosos, que não existe mais. Engraçado, hoje tem Kopenhagen, tem uma série de marcas, mas a Sönksen fazia tudo muito artesanal. Eu não sei se vocês já ouviram falar e tudo, até os ovos de páscoa vinham com flores de feltro, sabe? E na época de Natal a minha tia Lia convidava todos os netos, todos, aí nós íamos de ônibus pra fazer compras no Mappin, na Praça Ramos. E o ônibus, acho que passava o último até meia-noite. Cada um podia escolher o presente que quisesse dela, que ela não tinha se casado, então na realidade ela adotou todos os netos e ela falava: “Escolhe o presente que vocês querem”. E depois ela levava a gente pra comer no centro. Detalhe: muitas vezes a gente perdia o último ônibus e nós vinhamos a pé e não tínhamos medo. Graças a Deus a gente andou muito com essa minha tia e nunca aconteceu nada. Era gostoso. Por que? Porque você ia na casa... você estava me falando do Luís Galuzzi, às cinco horas da tarde, todos os sábados, nós íamos na casa do Luís Galuzzi porque a mãe dele fazia bolos floresta negra, fazia salgados maravilhosos, ficazza da zona cerealista, sabe? Ficazzela. Então minha tia falava: “Nós vamos dizer que foi por coincidência, que a gente estava passando, porque senão vai ficar chato pra gente, vai ficar assim, ‘nós somos muito entronas’”. Porque inclusive a avó do Luís Galuzzi tocava sanfona, tocava violão com o meu avô. Era muito gostoso porque as casas nem ficavam fechadas, os vizinhos iam chegando. Então tinha vizinha dos meus avós, uma senhorinha que vive até hoje e que tem mais de 85 anos que vendia Avon. Então era muito gostoso isso porque você conhecia todo mundo e, tipo assim, no próprio bairro você comprava o que você quisesse porque cada um vendia uma coisa.
P/1 – Como aqui no Brás.
R – Como aqui no Brás. E nessa época o meu paii comprava todas as frutas no Mercado Municipal. Gente, o meu pai comprava tudo assim, nós não tínhamos muito dinheiro, porém é o que eu estava falando pra vocês anteriormente, o meu pai amava frutas, então ele comprava caixa de uva itália, comprava caixas de melão e ele não jogava nenhum porque ele escolhia muito bem, ele sabia qual era a fruta doce, qual que não era. Então assim, a minha infância toda foi na zona cerealista. Ou a gente, de repente, fazia um périplo por todos os armazéns das pessoas da família, como eu já tinha falado antes, o pessoal da Agrofood, a própria família do Luís Galuzzii. E todo mundo era amigo de todo mundo, era muito gostoso. E depois tinha as festas de São Vito. Então na época, nos meus seis, sete anos, quando era dia de São Vito tinha banda pra tocar na porta da igreja. E depois aos domingos tinha procissão, sabe? Então é o que eu falo, foi Páscoa agora e eu falei: “Puxa, eu queria tanto ir a uma procissão igual da minha época”. O caixão de Jesus saía pelas ruas, sabe? Existia a Maria Madalena que enxugava o suor de Cristo e mostrava. Na realidade essa coisa perdeu-se porque hoje em dia você vai às missas, tal, mas não tem uma procissão, as pessoas nem sabem muitas vezes. Porque hoje você pega feriado, o pessoal sai pra viajar mas não entende o espírito do Catolicismo, né? E aqui na zona cerealista tinha muito, nossa.
P/1 – E além dos armazéns da sua família o que mais tinha de serviço aqui? Eu sei que tem barbeiro, tem farmácia.
R – Tem barbeiro, farmácia. Sabe o que tinha e que foi a sensação e uma pena... tinha uma esfirraria. Gente, era muito gostoso. Era onde hoje funciona aqui esse shoppinho do Matarazzo, existia um pessoal árabe que fazia esfirra, as melhores que eu já comi na vida. Eram muito boas as esfirras deles. E agora lembrando um pouquinho, existia aqui nessa rua Fernandes Silva o Matarazzo, então tinha loja de tecidos na zona cerealista e minha mãe comprava o tecido aqui nessa loja e mandava as costureiras da zona cerealista fazerem os vestidos. Então até os meus 15 anos foram todos vestidos confeccionados com o tecido aqui, ou na 25 de março, nas redondezas, e as costureiras é que faziam pra gente. Então qualquer casamento, formatura, era tudo comprado tecido e mandado fazer. E o que mais que existia? Deixe-me ver. Tinha a esfirraria que era bárbara. Nas próprias quermesses e tudo tinha pra você brincar de números, então tinham as prendas, tinha a guimerela, tinha o tremoço que hoje já não tem e quando você pergunta: “Você já comeu tremoço?”, ninguém conhece. Mas era na barraquinha do seu Chico, o Chico Frugis, que existe, que ele vem me visitar todos os dias, ele toma café todos os dias entre nove e dez horas, que era da tia dele, que já nem vive mais, que fazia a guimerela na porta da igreja. Hoje tem a quermesse? Tem, mas não é igual. É diferente. E isso tudo tinha um sabor de infância e, detalhe, no encerramento, no último dia que ia ter a quermesse tinha aqueles fogos maravilhosos de artifício, então todos os carros paravam e ficavam vendo. Nossa, era muito bom, era muito bom.
P/1 – E o carnaval, você há passou um carnaval aqui?
R – Carnaval aqui. Sim. Porque o que acontecia? A gente saía, todo mundo, porque na realidade todo mundo era vizinho, os vizinhos eram parentes, se não eram parentes eram amigos, então essa minha tia fantasiava a gente e a gente saía, quem tem a fantasia mais bonita. Mas eram uma coisas assim, tudo criadas de última hora. Ah, fantasia de coelhinho, você põe a orelhinha de cartolina. Ah, uma outra coisa que eu esqueci! Existia no comércio uma lojinha chamada A Lojinha. Olha, nessa Lojinha você encontrava tudo o que era de papelaria porque se não me falha a memória eram três irmãs árabes e essas três irmãs duraram muitos anos, acho que elas morreram com quase cem anos cada uma. Gente, elas tinham o comércio nas veias e elas também tinham tudo o que era novidade. Eu nunca vou esquecer, eu sempre fui muito vaidosa e nessa Lojinha a minha tia me comprou umas pulseiras de acrílico, acho que eram 12 pulseiras com aquelas cores bem cheguei, laranjona, vermelha, branca, amarelona, tudo na Lojinha. Então tudo o que você pudesse imaginar, você tinha uma festa de aniversário e você precisava de uma meia? Na Lojinha. Você precisava de uma biju? Na Lojinha. Você precisava de caderno? Na Lojinha. Era muito dez. E elas duraram muitos e muitos anos. Hoje funciona uma farmácia nessa loja. É na rua Assunção, na rua do Bradesco. Mas essa Lojinha ficou na história. E detalhe, além de tudo as pessoas, a vizinha, é engraçado, a própria mãe do Luís Galuzzi, ela vendia tudo o que você pudesse imaginar. Se você ia numa festinha de aniversário ela tinha uma roupinha de criança pra você comprar. “Ah, você precisa de uma bijuteria?”, ela tinha. Então aqui no bairro existia muito disso no passado. Cabeleireiras. Outro dia até na festa da mãe do Luís Galuzzi eu perguntei se elas lembravam de uma cabeleireira chamada Maruca, olha o nome! A Maruca fazia penteados maravilhosos na minha mãe, porque minha mãe tinha um cabelo preto, liso, escorrido que nem de índia e nada parava. E ela vinha na Maruca, gente, ela saía com penteados maravilhosos e que duravam porque ela punha aquele laquê, você saía, olha, podia dormir, acordar que você estaria igualzinha. E era uma coisa assim, só no Brás que existia essas coisas diferentes e de qualidade. Você não gastava muito e você saía como se você fosse para uma festa.
CORTE NO ÁUDIO
P/1 – E qual a sua relação com os funcionários da empresa?
R – Sim. Olha, aqui no armazém eu sempre me dei com todos, desde pequena quando eu vinha e tal. Inclusive o que eu gostaria de frisar, os meus funcionários hoje têm tudo 25 anos de casa. Então o meu pai foi sempre assim, os funcionários ficavam bastante aqui, nunca teve rotatividade grande porque as pessoas gostavam de trabalhar com o meu pai, haja vista que hoje alguns até estão prestes a se aposentar e eles não querem, eles falam que eles vão continuar. E, agora lembrando, existia uma cozinheira da minha avó, ela começou a trabalhar com a minha avó com oito anos de idade e ela morreu com a gente, servindo almoço pro pai do Victor, pro seu Dionísio, eles estavam todos no dia que ela enfartou com 62 anos na nossa frente. E ela cozinhava, gente, as melhores comidas italianas era ela que fazia. Se ela abrisse um restaurante ela seria facilmente concorrente das Manas porque ela cozinhava melhor ainda. Porque ela aprendeu tudo com a minha avó, então ela cozinhava assim. E detalhe, todos os dias aqui na zona cerealista com relação à comércio funcionava a Cantina Balila na rua do Gasômetro. Então o meu pai, junto com o seu Dionísio, vários comerciantes almoçavam todos os dias na Cantina Balila, que era a melhor comida, o frango capão do Balila, as massas, as berinjelas, não tinha pra ninguém. Durou muitos anos essa cantina, não sei se já ouviram falar. E a melhor pizza da zona cerealista era a Castelões. Maravilhosa. E eles tinham, além da pizza que era inigualável, você não comia melhor pizza do que a dos Castelões, eles tinham no meio do restaurante umas saladas que eram abobrinha, berinjela. Gente, não tinha pra ninguém. Isso eu tenho saudades da minha infância porque hoje por mais que você vá em restaurantes cinco estrelas você não come nada que valha as saladas do Balila, as saladas do Castelões, isso não existe.
P/1 – Como é que foi isso da moça morrer?
R – Porque foi o seguinte, a Vandinha trabalhou com o pessoal da minha família desde os oito anos de idade e ela aprendeu a cozinhar com a minha avó. O que aconteceu? No final a família foi ficando menor porque os filhos foram se casando e tudo o mais e ela foi cada vez aprendendo mais. E quando os meus avós morreram, essa minha tia teve um câncer fulminante e morreu com 50 anos, a tia Lia, que foi super conhecida aqui da zona cerealista, né? E o que acontece? A Vanda teria que se mudar, então o seu Dionísio falou: “Não, ao invés de você ir embora, você vai viver numa casa minha e você vai fazer comida pras pessoas que trabalham aqui na zona cerealista”. Só que ela tinha um dia de folga, que era as sextas-feiras. Aí naquela sexta-feira que ela faleceu ia ser aniversário de um primo meu. Ela falou: “Ah não, vou fazer uma bacalhoada e nós vamos comemorar”. Olha, foi a sorte porque senão ela teria infartado e a gente só ia dar conta dela na segunda-feira. Ela estava super feliz porque ela fazia ficazzas, ela fez uma bacalhoada divina nesse dia e na hora que ela estava voltando da cozinha pra pegar a espátula de bolo ela caiu no chão e enfartou. E ela nunca fazia almoço às sextas-feiras. No começo sim, mas depois foi ficando mais parado o movimento então ela tirava as sextas-feiras porque assim ia a médico e tudo o mais. Mas você acredita que ela... não, e ela juntou naquele dia, estavam todos da família, todos, almoçando lá e aconteceu uma coisa muito triste. Mas ao mesmo tempo a gente fala: “Olha o amor que ela tinha pela gente”, isso não tem preço. E às vezes ela passava aqui, porque ela adorava ir no Mercado Municipal, ela conhecia deus e todo mundo aqui na zona cerealista. Ela passava, comprava mussarelinha de nó e ela deixava no meu balcão um pacotinho. Ou se ela via uma fruta linda de morrer ela trazia. Quantas orquídeas ela me trouxe do Mercadão? “Eu passei, olhei pra orquídea, achei bonita e trouxe pra você”, sabe? E todo mundo adorava, até o seu Ismar, não sei se vocês já ouviram falar, ele almoçava todos os dias com o seu Dionísio lá na Vandinha.
P/1 – E como é que era o Mercadão nessa época?
R – O Mercadão é o que eu te falei, meu pai amava frutas e eu até ia e sabia os nomes dos comerciantes e tudo. Mas não era assim. Antigamente no Mercadão você conseguia fazer compras, era um preço acessível, mas já existiam todas as barracas, não mudou muito. É que hoje existem os restaurantes que no passado não tinha. A única coisa é que hoje se tornou mais ponto turístico, então as coisas encareceram demais, mas na época não, na época era de igual pra igual. Tanto que se você fosse na feira livre como se você fosse no Mercadão, você conseguia comprar as mesmas coisas numa boa e tinha as melhores frutas. Então tudo o que era novidade. Aquele sanduíche de mortadela do Mercadão já existia na minha época, sabe? Que era uma coisa de louco. E você comia sempre. “Ah, guarda lugar pra você comer sfogliatella, que era um doce italiano que vende até hoje na esquina. Aquele sanduíche de mortadela é uma coisa assim, é sabor de infância, é sabor de infância.
P/1 – Como é que foi na escola? Qual foi a primeira escola que você entrou...
R – Era na Vila Guilherme, chamava-se Instituto de Educação Santa Teresa. Eu não fiz o pré, entrei direto com seis anos e meio na primeira série. E eu tinha ido uns dias à tarde, tinha amado de paixão a professora, ela se chamava Sílvia. Mas acontece que os meus irmãos estudavam de manhã, então minha mãe falou: “Não vai ser possível, você vai ter que estudar de manhã com eles, porque assim fica melhor vocês três juntos”. E nisso, meu amigo, eu peguei na primeira série uma professora chamada Marta. Gente, ela era uma senhora de idade terrível. E ela tinha um hábito de puxar as orelhas, então, ou você entendia tudo muito rapidamente... então a minha primeira série não foi legal, eu demorei muito tempo pra avançar na cartilha. Então era tipo assim, a, e, i, o, u, ótimo. Ba, be, bi, bo, bu. A terceira lição era o ca, co, cu, eu não entendia por que era a, e, i, o, u, ba, be, bi, bo, bu e cadê, por que tinha que ser ca, co, cu na lição do cachorro. Meu amigo, eu fiquei quase até o final do ano e essa professora só me pondo de castigo. Mas depois, quando eu passei pra segunda série, terceira e quarta série, na quarta série eu até recebi medalha porque eu adorava a professora. E engraçado porque depois eu até acabei fazendo magistério e na realidade se você pega uma pessoa que tem paciência, que está aberta a te explicar você vai numa boa, mas quando você pega a primeira dificuldade, uma pessoa que não tem paciência é muito complicado. Mas eu gostava bastante da escola, tá? A diretora era dez, eu me lembro, era umas figuras. Porque eu me lembro que na época usava-se perucas, então a diretora da escola, eram duas irmãs, a dona Ofélia e a dona Lourdes. E, gente, era muito engraçado porque elas usavam a peruca e colocavam a peruca aqui assim, então aparecia todo o cabelo por baixo e a gente falava: “Olha, elas estão todas de peruca hoje!”, inclusive uma das primeiras pessoas a chegar no enterro do meu irmão foram a dona Lourdes e a dona Ofélia. E detalhe: tinha piscina na escola. Eles fizeram uma inovação porque nas escolas não tinha piscina nem nada. E lá na escola, por ser Zona Norte, na Vila Guilherme, eles fizeram uma piscina bem gostosa pra gente.
P/1 – E depois você foi pra qual escola?
R – Depois, com 12 anos quando eu me mudei pra Zona Sul, pro Ibirapuera, aí eu fui para o Arquidiocesano. Eu fiz até o magistério no Arqui, aí eu amei. O Santa Teresa era uma escola de bairro, pequena e com a inovação, que era legal, que era a piscina. Mas o Arqui era dez. O Arqui era um monumento, como é até hoje, tinha mais ou menos, eu me lembro que eu estava na Sexta A quando eu entrei, tinha até a J, sabe? A única coisa que eu me lembro eram muitas salas. E eu morava na Vila Guilherme então eu pegava o metrô, isso foi uma inovação, eu pegava o metrô, meu pai me deixava na estação Santana e eu ia até a Santa Cruz do metrô, para o Arquidiocesano. Eu nunca vou esquecer que eu cheguei atrasada, não é que eu cheguei atrasada, eu não achava a minha sala de aula e eu pedi ajuda pra todos os padres da escola, os irmãos maristas e tal. E o primeiro dia era aula de religião, eu nunca tinha tido aula de religião. E o fundador dava escola chamava-se Champagnat, Padre Marcelino Bento Champagnat. E aí o que aconteceu? Eu perguntei: “O que eu perdi?” “Ah, é pra fazer uma pesquisa de champanhe”. E eu escrevi champanhe. Meu amigo, no dia seguinte quando eu apareço com a lição de casa, um monte de champanhes, mas ainda na aula de religião e eu falei: “Nossa, que coisa estranha”. Olha, isso ficou marcado pra sempre (risos). Porque era tudo novidade. A escola tinha uma igreja linda, maravilhosa, no centro. E o que era muito dez, era o grupo de jovens. Na realidade eu aprendi a tocar violão por causa desse grupo que eu entrei, então foi muito bom. E a minha melhor amiga, que eu tenho contato até hoje com ela, foi do Arquidiocesano, a Márcia Dahruj, que hoje ela tem várias concessionárias de veículos do grupo Dahruj, sabe? O que era bacana no Arqui? As amizades no Arqui. Outro dia eu fui no meu jubileu de prata, outro dia não, alguns anos atrás, eu fui no meu jubileu de prata de 25 anos que eu tinha me formado. O que é gostoso é que eu tenho amigas até hoje do Arqui, existe uma amizade muito grande até hoje. Por exemplo, a minha irmã não tem amigas assim de escola, mas eu hoje tenho muitas. Até de festa de aniversario: “Olha, você vem? Nós vamos nos encontrar num barzinho”, isso foi muito dez o Arqui.
P/1 – Era ensino religioso também.
R – Era ensino religioso, dos irmãos maristas. Tinha 50 e tantos alunos em cada classe. Era muito dez, amava, adorava.
P/1 – Você lembra de algum causo, alguma história que te marcou? Com certeza tem, mas algo que venha à lembrança agora.
R – Eu me lembro. Era Semana da Criança e o que acontece? Na hora do recreio tocou o sinal, aí todos os alunos não entraram na sala de aula. O que aconteceu? Foi até a Rede Globo na época. Na época eu acho que tinha uns dois mil alunos, algo assim, e eu acho que foram suspensos 1 mil e 800 alunos. E a Rede Globo foi e filmou, inclusive, que foi uma coisa inédita. Na realidade o que aconteceu? Tocou o sinal, todos tinham que entrar e todo mundo ficou no centro, na frenta da capela lá como se a gente pudesse mandar. Eu me lembro, eu fiquei muito chateada porque foram três dias de suspensão pra cada aluno! E eu era muito certinha. Imagina chegar pro meu pai, que era super conservador, que me cobrava horrores, chegar e falar: “Pai, fui suspensa por três dias”. E detalhe, se tivesse provas você ficaria com zero. Isso foi um fato bem marcante.
P/1 – Como era o seu pai e sua mãe na questão, ah, você vai ser o quê? Quer ser de exatas, humanas?
R – O meu pai me cobrava muito, bastante, porque meu pai teve uma infância muito difícil, então ele falava: “Você tem que aprender a dar valor”. Ele sempre me deixou escolher: “Você vai ser o que você quiser”. A minha irmã tinha que ser médica, custasse o que fosse, ela teria que ser médica. Mas aí, eu me lembro que na época ela foi fazer a Fuvest, tiveram que pegar ela no Campo de Marte, ela foi de helicóptero e ela até conseguiu pontuação pra Medicina, mas a minha irmã desmaiava ao ver sangue, então ela passou com pontuação, mas aí ela fez Matemática na USP. E eu, eu fiz Pedagogia. Porque eu sempre tive muito mais facilidade e no Arqui tinha o curso de magistério, que hoje quase nenhuma escola tem mais. E eu gostei bastante, eu me identificava e aí eu fiz Pedagogia. Eu tive muitas dificuldades, principalmente nas Exatas. Química, Física e Biologia eu detestava. E o meu pai pegava muito no pé da minha irmã porque ele dizia: “Você sabe tudo e você tem obrigação de ensinar pra sua irmã!” (risos). Só que eu tinha muita dificuldade, bastante.
P/1 – Como era essa escadinha? A sua irmã tinha quantos anos...
R – A minha irmã tem cinco anos e meio a mais que eu. Então eu nasci em 64, a minha irmã nasceu em 59. E o meu irmão nasceu em 60. Então eram cinco anos e meio de diferença de mim pra minha irmã e quatro anos de diferença de mim pro meu irmão.
P/1 – E como é que foi esse acidente dele?
R – Esse acidente dele foi com 16 anos. O meu irmão era muito certinho, ele estudava à noite, trabalhava durante o dia aqui na Boa Luz com o meu pai, ele sempre foi muito bom aluno. Sabe a pessoa exemplo? Era o meu irmão. Aí o que acontece, quando ele era pequeno um primo meu que trabalha na zona cerealista até hoje, o Reinaldo Guglielmi, filho do Júlio Guglielmi, ele morava numa casa que tinha um terreno muito grande. E ele ganhou um kart do pai, um carrinho à gasolina. E o meu irmão pediu pro meu pai e o meu pai falou: "Não vou te dar porque ele mora numa lugar que ele tem onde andar, você vai andar onde?”. Então o sonho do meu irmão era uma moto e quando ele fez 16 anos meu pai deu de presente pra ele uma moto. E nessa época eu tinha 13 anos, foi em 1977. O meu irmão, mesmo não tendo 18 anos, existia umas mobiletes. O CET não era tão rígido como é hoje. E não se exigia de capacete. O meu irmão só andava de motos aos sábados e domingos. Não bebia, era todo certinho, todo certinho. Num domingo depois do almoço, ele estava atravessando a Avenida Santo Amaro com a Verbo Divino e veio um senhor alcoolizado em um Fusca. O senhor alcoolizado passou no sinal vermelho. Pra ele não pegar o ônibus, ele preferiu pegar a moto e jogou a moto muito longe. Meu irmão bateu a cabeça e teve fratura. E mesmo assim ele durou cinco dias no Hospital das Clínicas. E foi um baque muito grande pro meu pai porque meu pai amava isso aqui primeiro porque meu pai veio de uma família muito simples e quando ele conseguiu, ele falou: “Puxa, agora eu tenho tudo o que eu quero”, porque a nossa casa no Ibirapuera tem piscina, tinha quatro dormitórios gigantescos, então pra quem morava numa casa na Vila Guilherme, que tinha feira livre, que você tinha que tirar o carro de madrugada pra poder sair da garagem, cabia um carro só na garagem. Então quando meu pai conseguiu, que ele falou: “Puxa vida, agora, uma casa com piscina”, na época ninguém tinha. E todos os meus primos, inclusive, à tarde quando voltavam da escola: “Podemos nadar?”, eu falei: “Ah, acho que vou abrir um clube, vou distribuir senha e vou começar a cobrar”. Foi um baque muito grande porque... e outra coisa, com 13 anos você não tem ideia do que seja a morte, né? Porque quando você vivencia isso na sua família você fala: “Meu Deus”. Porque com isso minha mãe ficou com depressão durante 35 anos da vida dela porque ela perdeu meu irmão ela tinha 50 anos, então ela nunca se conformou. E o que ajudou o meu pai a se “conformar” foi a zona cerealista, porque ele vinha muito cedo pra cá todos os dias e ele ficava naquele balcão. Não é esse balcão que a gente tem hoje, mas era aquele branquinho, que inclusive quando ele começou na zona cerealista jogaram fora esse balcão na esquina. Aí o que ele fez? Ele pegou o balcão da esquina e colocou porque ele falou: “Eu não vou gastar dinheiro com isso”, porque ele nem tinha na época, ele estava começando. E eu até acabei reformando, passei fórmica branca hoje em tudo porque eu falo, eu gosto porque isso me lembra o meu pai, a história de vida dele, o quanto foi difícil. E foi isso, foi muito triste porque você não está acostumada. Você vê assim, os avós morrem com idade, mas você ter uma morte na família assim, eu com 13 anos... No final eu acabei sendo a mãe da minha mãe porque a minha mãe tinha que ir nos psiquiatras então eu que levava. Na realidade eu conheço todos, até centro espírita com 13 anos eu levava ela e eu falava: “Ai, acho que eu não vou mais”, porque todo mundo da zona cerealista falava: “Não, leva a dona Rosa”. O nome dela era Rosina, mas ela odiava Rosina, então ela era conhecida como Rosa. “Leva ela, ela vai ficar bem, tem o centro espírita”. O que acontecia? Eu acabava quase recebendo o espírito (risos) e a minha mãe não, minha mãe não se concentrava. Com 13 anos eu me lembro, eu acabei... foi a inauguração do Shopping Ibirapuera lá no Ibirapuera. Eu ia a pé pro shopping, eu que fazia as compras de supermercado pra minha mãe, porque a minha mãe na realidade morreu junto com meu irmão. Ela viveu 35 anos, ela morreu com 85 anos e meio, mas ela ficou muito triste, muito.
P/1 – E talvez isso ajude um pouco a entender você indo pra Humanas também, né?
R – Também, também. É. E eu adorava Psicologia. Porque eu gostava eu falava: “Puxa vida, olha que pessoa bacana”. Porque o psiquiatra queria sempre entender a cabecinha da minha mãe. Na realidade eu entrava primeiro, ele falava comigo para entender o que estava acontecendo com a minha mãe. E minha mãe sempre foi muito quieta, então, não adiantava o psiquiatra querer pegar informações dela porque ele não tinha. E a minha mãe não trabalhava fora, ela fazia todo serviço da casa, ficava uma coisa muito triste porque você não tem com quem conversar. Diferente do meu pai, o meu pai, e falo uma coisa pra você, ele ficou muitos anos na zona cerealista, mas o meu maior presente, o meu pai dizia: “Nunca apronte com ninguém porque o sobrenome que você carrega não tem preço. Eu demorei a vida inteira pra fazer o meu nome, então nunca faça nada de errado porque se o nome for pra lama acabou, esqueça”. O meu ídolo, assim, a minha irmã se dava muito bem com a minha mãe porque a minha irmã tem um pouco de depressão, ela vai, inclusive, em psicólogo, psiquiatra e tudo. Mas eu, graças a Deus, eu puxei bastante o meu pai, porque o meu pai dizia o seguinte, que não importava o que você estivesse passando, mas que você tinha que erguer a cabeça e botar a cabeça pra funcionar, trabalhar e fazer alguma coisa pra você superar, então isso era uma coisa assim. O meu pai nunca foi num psicólogo, nada, nenhum psiquiatra. E detalhe, o meu pai teve férias uma vez na vida dele aqui na Boa Luz, que foi em 1979, dois anos depois que morreu meu irmão que ele levou toda a nossa família para conhecer Polignano Mare, pra conhecer a Itália e nós ficamos 40 dias.
P/1 – E como é que foi?
R – Maravilhoso. Porque eu estava fazendo 15 anos e ele levou a minha irmã, minha mãe e meu pai. Então foi muito gostoso porque eu pude conhecer meus avós paternos, que moravam em Brindisi. Pude conhecer o meu tio caçula que não veio, que minha avó ficou com a mais velha, a mulher, e ficou com o irmão mais novo do meu pai. E ele foi o único irmão, na realidade, que formou. Ele foi, inclusive, fiscal do imposto de renda por muitos anos. Hoje ele vive, a minha sobrinha acabou de voltar da Itália, ele tem 81 anos. E ele foi o orgulho da família do meu pai, dos Leddomados, por quê? Porque meu pai sempre sonhou em fazer Medicina, mas ele não podia porque ele começou a trabalhar com oito anos de idade pra ajudar meus avós. Nossa, essa viagem foi muito boa, foi deliciosa porque nós conhecemos, inclusive, Taormina, na Sicília, onde tem a orelha de Dionísio, que tem o vulcão. Então aí você conhece uma outra realidade que você nunca imaginou. Imagina, morando na Vila Guilherme, depois você vai pro Ibirapuera, mas quando você conhece outras coisas, outros países, nossa, foi dez. Foi o maior presente que Deus poderia ter me dado.
P/1 – Vocês foram pra cidade onde o seu pai cresceu também?
R – Sim, sim. Nós fomos. O meu pai nos mostrou a casa onde ele nasceu em Bari porque o meu pai nasceu em Bari, ele ficou alguns anos e depois ele terminou em Brindisi. Mas é tudo muito... e Polignano Mari fica a 30 minutos, é província. Na verdade Polignano é província de Bari. Ah, foi muito gostoso porque aqui em São Paulo, no Brás, na zona cerealista é toda família Guglielmi que é a família da minha mãe. E na Itália é toda a família do meu pai, que são os Comes. Então você ia na salumerias, que é onde vende ficazza, você vai nas salumerias, que são as padarias de lá e você vê todos os primos do seu pai, toda a família Comes lá. Então foi muito dez, foi muito gostoso você poder. E a minha tia, inclusive, tinha uma casa de praia, como a que a gente tem de Santos, Guarujá, ela tinha uma casa de praia no Ostuni Mare. Gente, é uma coisa de louco porque é tudo diferente, né? E Polignano é lindo. Nossa, a Grotta Palazzese... porque a minha avó, a mãe da minha mãe, na época elas eram donas desse hotel que eles fizeram a Grotta Palazzese que a família acabou, eu não sei direito a história, mas eu sei que os pais dela eram os donos da Grotta Palazzese e que hoje você vai e você come as melhores massas, frutos do mar, você toma o vinho, os melhores vinhos e olhando pro mar, olhando pras pedras, que tem um monte de pedras, é uma coisa cinematográfica. Isso é o que eu falo, eu voltei em 2012 pra lá, parece que você morreu, você ressuscitou e você está num lugar diferente que não existe. É encantador.
P/1 – Como é que foi o magistério?
R – Foi bom porque eu gostava muito de nutrição, porque tinha, tinha psicologia. É o tal negócio, eu sempre acho que o comércio é nato nas minhas veias, mas eu acho que o magistério foi a melhor escolha que eu poderia ter feito porque eu gosto de lidar com o ser humano, eu gosto de criança. E assim, no Arqui... ah, uma coisa que eu me lembrei! A minha professora de magistério, uma delas, é a mãe do Rodrigo Faro, a Vera Lúcia Faro. E inclusive outro dia eu me encontrei com ele e falei: “Nossa, amava a sua mãe!”. Ela sempre me colocava pra fazer os estágios na sala do Rodrigo Faro. Então eu falei pra ele: “Nossa, eu lembro de você quando você usava franjinha, cabelo liso, escorrido, loirinho”, porque o Rodrigo Faro era loiro, quase branco o cabelo dele. E ele falou: “Nossa, eu não acredito”. Foi dez, a maior realização da minha vida foi ter feito magistério porque eu estudava de manhã e à tarde eu ficava no Arqui o dia todo. E à noite tinha grupo de jovens que a gente se reunia, tinha a chácara do Arqui, que a gente ia pra passar finais de semana. A minha maior realização foi ter feito magistério porque eu conheci muita gente, muita gente. E as professoras eram dez. E hoje você vê pelo Facebook, você vai procurando e fala: “Nossa, que bacana!”.
P/1 – De que ano a que ano você fez magistério?
R – Eu fiz acho que de 80 a 84, porque eram quatro anos.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Eu tinha 16 em 80 e terminei com 19, é.
P/1 – E nessa época mudou, não sei, você tem outros relacionamentos, namorinho, como era? Era um colégio católico, né?
R – Era um colégio católico e na realidade eu até tive alguns namorinhos mas nada assim, eu me casei com meu primeiro namorado na realidade. Eu conheci ele eu tinha 19 anos. E detalhe, foi aqui na zona cerealista que eu conheci. Na quermesse, na festa de São Vito, quando já não era mais na igreja, quer dizer, aqui na associação, eu conheci meu ex-marido.
P/1 – Como é que foi?
R – Assim, ele já tinha ido, na realidade, numa festa de 16 anos que foi lá no Ibirapuera. Mas eu tenho uma tia, o Miguel Dino Guglielmi era vizinho do pai dele. E eu ia fazer 16 anos e a minha tia falou: “Ai, posso levar meus vizinhos?”, e eles foram. Foram, até levaram um buquê de rosas e tudo na época. Mas enfim, ficou só na festa. E dois anos depois eles estavam, esse mesmo tio trouxe eles pra conhecer a festa de São Vito. E aí nisso eu me sentei na mesa do meu tio e ele veio conversar comigo, que é o pai dos meus filhos. Então foi com 19 anos. Hoje eu sou divorciada.
P/1 – Você quer falar o nome dele?
R – Eduardo Masironi. É o pai dos meus filhos e a gente se dá bem, enfim.
P/1 – Vocês namoraram muito tempo?
R – Nós namoramos dois anos, noivamos dois anos e ficamos casados 12 anos. Até que, é o que eu falo, deu mais ou menos 17 anos de relacionamento ao todo. E foi bom porque eu tive dois filhos com ele. É o que eu falo, toda história tem sempre um começo, um meio e um fim. Mas na época nós nos dávamos super bem e nós compramos na época um apartamento em construção. E nisso foi difícil a vida da gente porque eu não quis fazer financiamento, eu falei: “Eduardo, se a gente vender os dois carros que nós temos”, ele tinha uma caminhonete cabine dupla na época e eu tinha um Astra duas portas preto, lindo e maravilhoso. E a gente morava em Moema. Eu falei: “Olha, de repente o meio de transporte da gente está sendo mais valioso do que o apartamento que a gente mora em Moema”. Eu procurei bastante apartamentos e tudo, principalmente quando nasceu meu segundo filho. Aí eu achei um apartamento em construção e eu falei: “Se nós vendermos os dois carros e o apartamento que nós moramos hoje a gente consegue, sem financiamento, se a gente fizer um sacrifício”. E o que acontece? Eu vendi a caminhonete dele nas concessionárias. Eu fui ver o apartamento que eu moro hoje e eu falei: “Esse apartamento vai ser meu”. Aí eu liguei pro meu ex-marido e falei: “Já vi um apartamento dez, vem ver”. Ele falou: “Rosana, como é que você vende a caminhonete, você vende o Astra e você vende o apartamento de Moema?”. Você não sabe da maior, graças a Deus a minha vida também é pincelada com muito fator sorte. Eu tinha as crianças pequenas, eu desci pra brincar com eles. Eu vi o apartamento na quarta, na quinta, olha as coincidências da vida, na quinta-feira eu fiquei na portaria do meu prédio. Um senhorzinho de idade e uma senhorinha, que eram do Brás também – olha as coincidências – perguntaram pro porteiro: “Tem apartamento pra vender?”, eu falei: “Tem sim, o senhor pode vir”. Ainda minha mãe falou: “Você é louca? Você nem conhece”. Eu falei: “Uma pessoa de idade não vai me fazer mal”. “O senhor não gostaria de conhecer?”. Ele amou meu apartamento, ele adorou. E foi assim que eu vendi na realidade o meu apartamento pra esse casal, que eram, inclusive, aquela senhorinha de 85 anos que eu falei pra vocês da Avon, que dava um monte de miniaturas, de batonzinhos pra mim e tudo, ela era cunhada desse senhor que comprou o meu apartamento. Só pra vocês terem uma ideia. Depois eu fui nas concessionárias: “Quanto é que você dá por essa caminhonete?”, o Astra a mesma coisa. E detalhe, pra fazer toda a negociação da compra do apartamento eu tive que ir na construtora e falei: “Vocês me dão 30 dias”, então fui eu. O meu ex-marido é despachante aduaneiro, trabalha em Santos, mas ele nunca foi de comércio, ele não tem o comércio nas veias, eu que fiz tudo.
P/1 – Depois que você fez magistério você ainda fez Pedagogia, é isso?
R – Fiz. Por causa dele. Porque o que acontece? Eu fiz o magistério e falei: “Eu não vou fazer mais faculdade porque era isso que eu queria”. Só que eu namorava e o meu ex-marido entrou pra fazer Comércio Exterior. Eu falei: “Ah não, na vida eu não nasci pra ficar”... porque eu nunca gostei muito de estudar, mas tudo o que eu fiz na vida eu fiz bem feito, pelo menos eu tentei. “Ah não, ele vai ter nível superior e eu não? Ah não, então eu vou me inscrever”. Fiz vestibular e passei. Eu fiz faculdade em Moema. E ele estava fazendo, ele ficou dois meses fazendo faculdade e desistiu. E eu terminei. Aí eu falei: “Não, ele não vai entrar e eu vou ficar pra trás”. E no final ele desistiu porque quem fazia os trabalhos dele da faculdade era eu. E no segundo mês ele falou: “Ah, não quero mais”, ele parou e aí eu falei: “Como são três anos eu vou fazer”. Fiz e não me arrependo, ainda bem.
P/1 – Você gostou?
R – Eu gostei. Porque mais ou menos, na realidade a Pedagogia é um complemento do magistério, né? É só um pouquinho mais coisas, mas já tinha, eu adoro nutrição, apesar de eu estar fora de forma e tudo, mas é muito gostoso você saber valor dos alimentos, o que faz bem pra sua saúde, o que não faz. E tem todo lado humano que eu sempre gostei. Ah, e detalhe: a minha professora, eu não sei se vocês já ouviram falar naquele livro Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva. E a minha professora era irmã dele. Então, às vezes ele aparecia na faculdade, ele dava entrevista, sabe? Então era a minha área, não tinha como não ser. A Vera, irmã dele, era minha professora.
P/1 – E você fez a faculdade de que ano a que ano?
R – Eu acho, porque eu me casei em 88 e era meu último ano, então eu deve ter feito de 86 a 88. Eu me formei acho que em 84, no magistério, fiquei parada e quando eu conheci o meu ex-marido, que aí sim ele prestou faculdade e tudo é que eu resolvi prestar também.
P/1 – E nesse meio tempo como é que estava o negócio do seu pai?
R – Estava indo muito bem, graças a Deus. Porque o meu pai, foi o seguinte, ele começou aqui na empresa em 1965. Ele foi trabalhar com o meu tio, que ele ficou dois anos, e aí a única coisa que ele pediu pro meu tio, porque na época acho que já era Lins mas existia um outro endereço, eu não lembro direito quem chamava-se Boa Luz. Então meu pai falou: “Olha, a única coisa que eu quero, você fica com a Lins e eu fico com o Boa Luz porque eu achei simpático”. E nessa época que eu me formei no magistério o meu pai estava indo muito bem porque ele sempre foi pras importações, ele adorava o arroz e o feijão, era o basicão. Porém ele foi um grande importador. Ele importava milho de pipoca, principalmente aquela americana. Gente, foi a inovação da Boa Luz também. Porque as pessoas estavam acostumadas a importar milho de pipoca argentino, que hoje é considerado um dos melhores. Mas o americano, uma tal de Big, nossa, o meu pai ganhou muito dinheiro com isso. Porque ninguém tinha, era o grão mais macio que você podia imaginar, então ele explodiu de vender, foi dez nessa pipoca. E assim, quando estava, às vezes não era safra, porque o meu pai tinha na Polignano Mare, hoje eu alugo o da Polignano Mare quando eu assumi porque eu prefiro ficar focada nos dois daqui, com maquinário e tudo e aquele hoje eu alugo. Mas o armazém estava sempre lotado de mercadorias, principalmente milho de pipoca porque meu pai gostava. Mas ele importou feijão preto, lentilha, ervilha, gergelim, tudo o que você possa imaginar o meu pai sempre importou bastante.
P/2 – Você tinha falado que o Getúlio deu a passagem pra ele, ele foi pro Mato Grosso. Ele continuou viajando depois pra experimentar, para saber o que estava vendendo legal, o que podia ser? Como que era?
R – O que acontece? O marco foi essas passagens do Getúlio porque o meu pai era autodidata, ele estudou só até o quinto ano do ginásio, porém meu pai lia muito e meu pai fazia experiências do que germinava, o que não germinava, o que faltava. Depois que ele abriu a empresa foi mais difícil, mas mesmo assim, porque quando eu nasci, inclusive, quem levou minha mãe pra maternidade foi um tio meu, o Miguel Dino Guglielmi porque o meu pai estava viajando pro Mato Grosso. Então meu pai tinha... e quando meu pai morreu, inclusive, ele chegou até a ter armazéns de milho de pipoca em Goiás. Não importado, mas ele chamava os produtores pra plantarem pra ele, então meu pai deslanchou bastante nessa área de pipoca porque ele vendia bastante. Desculpe, o que mais você me perguntou?
P/2 – Se quando ele viajava ele experimentava um arroz, um feijão.
R – Ah então, porque quando eu nasci meu pai estava no Mato Grosso, por isso que meu tio, irmão da minha mãe, teve que levar minha mãe na maternidade. Então ele viajava bastante, sim. Depois, mais tarde, com mais idade, não. Mas o meu pai aqui no bar da esquina de São Vito, se ele fosse tomar café com uma pessoa ele pescava com muita facilidade o que ia faltar pela tua conversa, ele já sabia e ele já pegava os contatos dele e ele falava: “Vou importar tal coisa porque não vai ter, vai faltar”. E o meu pai sabia o cultivo de soja, cultivo de vários grãos ele sabia tudo, tudo. Foi o que eu falei, o que ia faltar, como tinha sido, faltou chuva, não faltou chuva, ele conseguia, ele tinha esse dom. Ele foi um grande comerciante aqui na zona cerealista.
P/1 – O que você acha que significa ter o comércio nas veias? O que você acha que o comerciante tem que ter?
R – Esperteza em primeiro lugar. Você tem que ser uma pessoa muito antenada, mas antenada que eu digo é pra você perceber, através de uma simples conversa. Porque na realidade o comércio você aprende prestando atenção no que o outro vai te falar. Eu acho que é mais ou menos isso porque, se por exemplo você está conversando com uma pessoa que vende, sei lá, gergelim. A pessoa te dá algumas dicas, quer dizer, e você vai na realidade desenrolando o novelo. Espera um pouquinho, ah, na Índia não tem, não sei onde não tem, eu acho que é mais ou menos por aí. Eu acho que o comércio é, em primeiro lugar, lógico, estudo é fundamental, mas eu acho que antes de tudo é esperteza. Eu e a minha irmã, uma complementa a outra. A minha irmã é inteligentíssima, a minha irmã em cálculos matemáticas é dez. Mas o que uma complementa a outra? Ela vem com os cálculos, eu venho com a esperteza. Sabe, é muito engraçado essas coisas. E é o que eu falo, uma separada da outra não daria certo. Porque a minha irmã não é da parte de comprar e vender, ela não sabe “direito”; de olhar, sem eu precisar mexer ou cheirar eu sei se a mercadoria presta ou não, ela não tem esse feeling. E outro detalhe, quando a pessoa te procura pra você comprar a mercadoria, a partir do momento que você dá o preço, a partir do momento que você sabe se a mercadoria é boa ou não, por isso que eu falo, é uma coisa nata. Porque eu trabalhei com o meu pai quando eu era mocinha, só que o meu pai não deixava porque ele dizia que a zona cerealista não era lugar de mulher. Tanto é que a minha irmã trabalhou 27 anos pro meu primo, pro João Luís Correia Lima da Agrofood porque ele dizia que mulher na zona cerealista era mulher que não prestava que ficava. Então quando mocinha, com 19 anos, eu vinha pro escritório, eu batia borderôs, eu via quem pagava, quem não pagava, mas eu não podia ficar no balcão de jeito nenhum porque o ambiente aqui era extremamente machista. Então eu só fazia isso, quem pagou, quem não pagou, fazia livro de duplicatas, a minha vida aqui na zona cerealista era entre quatro paredes, só no escritório. Então é isso, eu acho que quando a gente fala que está nas veias eu acho que o comércio é nato, é você através de pequenas dicas da outra pessoa saber: “Eu posso comprar, eu não posso comprar, isso está na moda, isso não está, isso vende ou isso não vende”. E é o que eu falo, a minha irmã às vezes não tem essa malícia, mas ela é expert, tudo o que dá dinheiro, aplicações, o que tem que fazer, o quanto falta, o que não falta, o que pode fazer é a minha irmã. Agora nessa parte do que vai faltar, nessa parte de escolha de alimentos dos produtos, o que está bom, o que não está, o que tem demais na praça, porque tudo o que tem demais não adianta você querer comercializar porque você não vai conseguir comercializar do jeito que você gostaria. Então ela tem esse feeling pra saber. Tanto que a gente vende hoje quinoas e foi na época, no restinho do meu pai, eu falei: “Ai pai, eu acho que isso é legal”, sabe? Por que? Porque é um produto importado, é um produto que está dizendo que os naturalistas gostam. Imagina, se os astronautas da NASA usam e dizem que você não precisa comer mais nada, que através das quinoas você consegue tudo o que você precisa para um ser humano viver, eu acho que é isso. Meu pai importava todos os cereais que eu falei, grão de bico, milho de pipoca, tal. Eu fui pra uma outra área, então, no que eu me especializei? Porque como é que você vai competir com um monte de comerciantes que trazem as mesmas coisas? Não dá, fica muito difícil. Então, o que eu optei? Eu optei mais por uma gama de produtos naturais, que são os gergelins. As meninas dos meus olhos são os gergelins porque quando eu vim pra cá depois que eu me separei e tudo em 2004, o meu pai falou: “Rosana, eu vou trabalhar com poucos produtos e você vai aprender”. E de fato, o gergelim pra mim é o que eu mais vendo e aí eu acabei introduzindo gergelim preto que o meu pai também comercializava. Hoje eu vendo bastante gergelim preto, principalmente porque eu peguei essa onda dos restaurantes japoneses, chineses que consomem horrores. E aí eu coloquei as quinoas, as linhaças, linhaça marrom, linhaça dourada, as farinhas de linhaças, a chia, goji berry, feijão azuki, tudo o que é mais pra essa linha natureba eu vendo, coisas que meu pai não vendia. O meu pai trabalhava com vários, grão de bico, milho de pipoca, mas quando eu vim pra cá já estava muito complicado porque depois teve, assim, de 65 até 2000 a Boa Luz cresceu muito, só que depois com todos os planos de governo que tivemos foi ficando mais complicado. E aí eu falei: “Bom, eu vou conseguir continuar com a empresa, mas eu vou ter que fazer alguma coisa diferente porque se eu tiver que competir com todo mundo que traz os mesmos produtos eu acho que não vou ter muita chance”. E por isso que eu fui pra essa gama de produtos naturais, esses produtos assim, e sempre maquinando, que é o meu diferencial, que hoje eu atendo as indústrias e tudo porque eu tenho um produto finalizado, eu não trabalho com os mesmos produtos que todo mundo compra do produtor e comercializa. Eu não, eu limpo a mercadoria, então eu dou um controle de qualidade pra minha mercadoria. Eu acho que pra mim isso é bastante satisfatório porque no final, eu era uma professora... Ah, e detalhe, eu sou síndica do prédio onde eu moro há 16 anos também. foi o que eu falei, com a minha separação – meu casamento foi muito bom enquanto durou, é que depois no meio do caminho o meu marido apaixonou-se por uma moça de 19 anos e eu falei: “Fica com ela”. Você vai fazer o quê? Como é que você vai competir, né? E detalhe, é tão engraçado porque quando meu ex-marido conheceu essa moça ele falou: “Nossa, conheci uma moça linda, maravilhosa, magrinha”. Hoje ela tem 36 anos e é tão gorda quanto eu, por isso que eu lembro muito do meu pai: “Não faça nada pra ninguém, não fale do outro porque é nessa vida que você paga, não é em outras vidas”. E assim, pra mim é uma satisfação muito grande poder tocar a menina dos olhos do meu pai que era a Boa Luz, sabe? Então por mais que, por exemplo, em 2000 o comércio caiu bastante e tudo, eu acho que quando eu entrei eu dei um gás novo pra empresa. Além de eu manter os clientes que já eram do meu pai, graças a Deus a gente conseguiu abrir outros clientes. E assim, o que é bacana, que eu acho, a qualidade dos meus produtos que meus concorrentes não têm. Muitas vezes eu não tenho preço e os meus concorrentes têm, mas eu tenho uma qualidade inigualável.
P/1 – Essas coisas de maquinário começou com você?
R – Começou com meu pai, o meu pai tinha uma máquina pequenininha e aí quando eu entrei, depois que ele faleceu, porque na realidade meu pai já estava cansado, ele já tinha 80 anos quando faleceu. E como eu sou muito falante o que eu fiz? Bom, agora eu vou começar a fazer um trabalho de formiga pra ficar conhecida, não só na zona cerealista, como perante o comércio de todo Brasil. Então o meu maquinista até hoje me fala: “Ah Rosana, seu pai vendia muito pra cliente que comprava horrores, mas eu não sei o que aconteceu de repente e ele parou de comprar”. Mas não é, é que meu pai estava sem paciência e aí o cliente acho que um dia ligou e falou: “Ah, estamos com um problema”, aí meu pai falou: “Não, estamos, vírgula, você está com problema”, porque acho que a mercadoria tinha dado algum problema. Então o que eu faço? Eu sou, em primeiro lugar, muito paciente. Porque é melhor você ter paciência com cliente que compra direto com você e você sabe que você pode, na realidade, contar, então às vezes tem que trocar alguma mercadoria, outra coisa, é todo o jeito de falar, enfim, isso é um diferencial que a Boa Luz tem em relação às outras empresas. Porque o que é mais importante? Você ter paciência e manter a tua clientela ou você chutar o pau da barraca e falar: “Não quero saber”, e acabou. E eu acho que isso é uma coisa mais de mulher, a paciência, eu acho que isso faz toda a diferença no caso da Boa Luz.
P/1 – E essa máquina, o que ela faz?
R – O que acontece? Eu compro, por exemplo, gergelim, compro dos produtores. Eles fazem uma pré-limpeza, só que eu aprimoro essa pré-limpeza. Primeiro é passado numa peneira, na realidade a gente usa de três a quatro peneiras porque na primeira tira o resíduo grande, na segunda tira o resíduo um pouco maior que ainda não sai, então na realidade eu tiro tudo quanto é palha, pedrinha e com isso os meus clientes levam pros consumidores finais que é Pão de Açúcar, as indústrias. E aí o que eu percebi? Que antigamente eu só maquinava gergelim integral. Hoje eu maquino gergelim preto, hoje eu maquino inclusive as sementes de linhaça. Por quê? Porque na realidade está tão difícil de você achar produto bom que na realidade quando você compra está cheio de impurezas, cheio de palhas. Então eu percebo o seguinte, se eu melhorar o estado dos meus produtos eu consigo vender, lógico que eu não tenho competitividade com o pessoal daqui, mas quem quer qualidade compra com a Boa Luz. Se você quer preço você não vai comprar com a Boa Luz, mas se você quiser qualidade. E outro detalhe, por que a gente aprimorou? Porque a gente tem a Cristiane Sadakata que vem toda semana, nutricionista, então ela vê o que eu posso fazer pra melhorar ainda mais a qualidade dos meus produtos. Isso tudo no passado não existia. E é isso, esse maquinário na realidade tira tudo quanto é impureza. Mas para isso você tem que ter um funcionário especializado, não é qualquer funcionário que sabe lidar com a máquina. Quando eu assumi a gente tinha uma maquininha de madeira, tal e quando o meu pai faleceu eu mandei fazer um maquinário bem maior e hoje a gente opera com os dois, tanto o pequenininho como o grande também, porque o grande faz lá dez vezes, vinte vezes mais do que a maquininha.
P/1 – E você falou que antigamente não tinha essas coisas, essa preocupação. Outros alimentos não estavam também muito no mercado, imagino. Como é que era?
R – Assim, eu acho que sempre estiveram só que não existia tanto rigor. Hoje você tem que fazer laudo das mercadorias, você tem que mandar em laboratórios. Por exemplo, se você passear pelo meu armazém você não encontra nenhum bichinho, nada disso, que é diferente. O que eu percebo na zona cerealista, nos meus concorrentes e tudo, o pessoal não está muito nem aí, mistura mercadoria uma com a outra, sabe? Pelo menos aqui na empresa a gente tenta manter o maior grau de limpeza possível e a gente tem também, por exemplo, Deus o livre e guarde, mas se você tem um produto que está “contaminado” porque às vezes, muitas vezes, vem mercadoria de fora, no navio, você não sabe o que pode ter acontecido. Se essa mercadoria molhou, entendeu? Então a gente separa as mercadorias pra que uma não contamine a outra. Eu mandei colocar ventiladores de teto pelo armazém todo pra poder circular o ar. Coisas que no passado não tinha e que hoje, lógico, com a modernidade e tudo são as exigências e eu acho que está certo. Então a gente tenta fazer, tenta se adequar aí o máximo que a gente pode.
P/1 – Não só nessa questão sanitária mas eu acho que muitos comerciantes tem me falado é que o próprio cliente, tanto o final quanto o que compra diretamente de vocês mudaram. Antes eram feirantes que compravam.
R – Sim. Por exemplo, pra você vender pra indústria hoje, a indústria já manda o inspetor deles pra ver como são as condições do seu armazém, já começa por aí, se você vai ter condições ou não de atender a indústria, porque é tudo bastante rigoroso. E eu acho bom porque a gente aprende. É meio complicado, no começo foi um baque, né? Porque como é que você vai se adequar, como é que você vai ter tudo da noite pro dia, né? Mas aí eu percebo o seguinte, que é bom porque no final você fica mais tranquila também, com todas as exigências e assim, não foi fácil, vou ser bastante sincera, porque se você entrar em vários armazéns aqui da zona cerealista você fica horrorizado, mas assim, eu acho que pra mim foi bom porque a gente aprende, a gente aprende bastante. E outra coisa, indústria é muito difícil de você pegar, mas quando você pega, nossa, eu tenho parcerias aqui com as indústrias grandes desde 2005 que compraram comigo e não me largaram mais, então isso é muito gratificante, quando você vai às feiras e você vê o seu produto final numa granola, numa barra de cereal, puxa, é muito dez. Eu fico muito feliz.
P/1 – O seu pai vendia mais à feirante direto?
R – Veja, no começo, na década de 60, o meu pai atacava muito os feirantes. Depois, com o advento dos supermercados, porque antigamente em São Paulo não tinha tantos supermercados como tem hoje, então meu pai invadiu Pão de Açúcar e a rede Eldorado, nossa, meu pai vendia muito pra todas essas grandes empresas, ele vendia pro Brasil todo. É que assim, hoje eu atendo indústrias porque a gente vende pra supermercado mas através dos nossos clientes, não diretamente com o logo Boa Luz, eu vendo pros clientes que trabalham e que colocam meus produtos em supermercados, principalmente no Mundo Verde. Então se você vai no Mundo Verde eu vejo todos os meus clientes lá, através dos meus produtos. É muito gostoso, às vezes eu vou ao Tateno, eu não sei se vocês já ouviram falar, é um supermercado grande na Ricardo Jafet. Quando eu vejo: “Puxa vida, olha lá as minhas quinoas com tal cliente, olha lá a minha linhaça, meu gergelim preto”, de bater o olho já sabe quais são os meus produtos e quais não são. Inclusive no carnaval foi muito engraçado, eu fui atrás de um bloco de rua no meu bairro e depois eu parei e dei uma paradinha numa casa de produtos naturais de orientais, inclusive. E eu peguei e liguei na segunda-feira e falei, são dois clientes meus que estavam juntos naquela prateleira, aí eu falei: “Olha aqui seu Fulano, então, o senhor está concorrendo com além do seu concorrente, o senhor não está comprando tal mercadoria de mim, não por falar, mas se eu fosse o senhor eu passaria em tal loja pro senhor ver, é latente a diferença. O senhor não compra tal produto comigo e o concorrente compra, vai dar uma olhadinha por que o outro está vendendo e o senhor não”. Porque ás vezes compra alguns produtos e compra outro produto mais barato com outro. Eu falo: “Olha, a qualidade faz toda a diferença”. Foi muito engraçado.
P/1 – Mas você acha também que o consumidor mudou?
R – O consumidor mudou bastante, eu acho. Porque hoje em dia, por exemplo, no passado não tinha tanto rigor. Eu acho que hoje o consumidor está muito mais exigente. É muito engraçado, a gente vê isso até, por exemplo, eu vendo gergelim preto e hoje com tantos livros que existem sobre nutrição, sobre saúde e tudo o mais, o que acontece? Eu vendo gergelim preto e gergelim preto, veja, não tem nada comprovado cientificamente, mas os naturistas gostam de fazer chá pra abaixar a diabetes com gergelim preto. Só que tem um detalhe, quando você importa o gergelim preto da Índia ele é passado por um processo que tira toda a gordura, eles secam muito o produto. Então quando você joga na água pra fazer o chá o que acontece? A água não fica cor de rosa, não fica vermelha. E no gergelim preto natural a água fica. Então eu tive que fazer uma troca porque eu vendi o produto, estava lindo, maravilhoso, mas ele não ficou da cor que a pessoa queria. O meu melhor cliente ligou: “Rosana, eu tenho um probleminha”, eu falei: “Não tem problema nenhum, vou mandar dez quilos”. Ele comprou, sei lá, 100 gramas ou 200 gramas de um, tipo Mundo Verde, algum lugar assim. “Teria algum problema?”, eu falei: “Problema algum”. Porque na realidade não é sempre que você encontra a mercadoria nacional, então você opta por importar e aí teve esse probleminha. Falei: “Que bairro é?”, contratei o motoboy, falei: “Ele não vai reclamar porque ele perdeu 100 gramas, vou mandar dez quilos pra ele”. E é isso que eu falo, a diferença da mulher pro homem, eu acho, em relação à maneira de lidar com o público.
P/1 – E o que você acha dessa onda verde? Você acha que as pessoas estão mais animadas, saudáveis?
R – Acho que sim, mais saudáveis. E eu acho o seguinte, porque você vê, a família inteira da minha mãe morreu de câncer. A minha mãe não morreu de câncer, ela teve câncer, mas o que você percebe? Que os jovens hoje estão tendo câncer que no passado não tinham, as pessoas de mais idade tinham, então eu acho assim, hoje consome-se muito agrotóxico por causa das verduras, legumes e tudo o mais. Eu acho que as pessoas no que podem elas têm que ter consciência, então elas buscam mesmo qualidade de vida. Como é que você vai ter qualidade de vida? Através dos produtos que você vai ingerir. Eu acho, eu acho bacana. Eu vejo alguns, a própria dona, a irmã do Abílio Diniz, que escreve livros e tudo, que emagreceu bastante, eu acho que é uma tendência e veio pra ficar.
P/1 – O armazém sempre foi aqui?
R – Sempre foi aqui. Tem o 336 que fica ao lado, que é onde o meu pai começou, e o 334.
P/1 – O 336 hoje é seu.
R – É meu ainda, é onde fica o maquinário.
P/1 – Está fechada a porta, então.
R – Fica fechada a porta e só tenho acesso, mais pra você evitar qualquer pessoa entrar e tudo o mais, então a gente trabalha dessa forma. Deus o livre e guarde se aparece alguém e joga alguma coisa no maquinário, sei lá, então é uma maneira de você ter o controle de qualidade.
P/1 – O seu pai ou você enfrentou enchente aqui no bairro?
R – Sim, muitas. Década de 70 foi um horror, 69, várias. Inclusive na minha casa, eu esqueci de trazer, mas tinha, porque meu pai perdia tudo. Então meu pai estava sem sapato, sem nada, tirando sacos na cabeça pra jogar fora. Perdia-se tudo, tudo. E te digo mais. Na época de hoje, falando de governo, qual a diferença da década de 70 pra cá? As pessoas dizem Paulo Maluf só roubou. Não, graças ao Paulo Maluf é que acabou a inundação da zona cerealista. Então é o que eu falo, pelo amor de Deus eu não sou malufista, não sou nada, mas assim, se você for comparar o que o governo atual faz e o que fizeram no passado, poxa, você vai pra Santos rapidinho por uma Imigrantes, quem fez foi Paulo Maluf. Aqui na zona cerealista perdia-se tudo, no meu armazém não entra mais uma gota d’água, sabe? Então, poxa vida, é o que eu falo, antigamente as pessoas pelo menos trabalhavam um pouco e, não que não fizessem coisas erradas, mas hoje na atual política o que você vê? Pô, o pessoal não faz nada, só rouba, né? Foi o que eu falei, imagina se não tivesse tido o Paulo Maluf que fizesse isso. A mesma coisa, eu até trabalhei quando mocinha pro Jânio Quadros na época de eleições e tudo e que ele fez muitas coisas pra Vila Maria, por isso que eu sei, porque a gente tem imóveis lá e que o lema dele, eu distribuía uma vassourinha dourada que era o “Varre varre vassourinha, varre varre a bandalheira”, e é o que eu falo. Gente, no passado funcionava porque as pessoas faziam mais coisas, né? Por exemplo, se não fosse essa revitalização do Tamanduateí de parar com as enchentes, meu pai perdeu muita coisa no passado, muita. E até a minha avó, a minha avó pesava 160 quilos e o meu pai que tirava minha avó com os botes na época porque ele era o que tinha mais força, mais do que os filhos, porque a água vinha e entrava por tudo, por tudo. Era um horror. E você perdia tudo, era muito triste. Porque mesmo quando a mercadoria existia escadas e tudo, mas você não tapava os ralos, que aí fluíam tudo. Então meu pai teve muitos prejuízos, muitos, nossa, eu não sei te dizer quantas enchentes, mas foram várias, várias. Eu sei que o que parou mesmo foi na década de 70, 72, 74, aqui pelo menos na rua da Alfândega, porque se você for vir em outras datas quando chove bastante a Benjamim ainda inunda.
P/1 – E o que os comerciantes acham, ou você pensa assim, no geral, do espaço da zona cerealista, você acha que está ultrapassado, precisa melhorar, como é que está?
R – Olha, você quer saber? Há muitos anos existia um projeto pra mudar a zona cerealista, aí a zona cerealista ia ser em Guarulhos. Por que eu sei disso? Porque meu pai comprou um terreno em Guarulhos que nós temos até hoje de 5 mil e 500 metros quadrados. Porque diziam isso: “Não, a zona cerealista”, isso na década de 70 ou 80. “Não, vamos fazer a nova zona cerealista, não cabem mais caminhões”, não sei o quê. Eu acho que na realidade sempre falou-se na zona cerealista, mas eu acho que a zona cerealista vai ficar por aqui e vai morrer por aqui. Por quê? Porque na realidade é assim, se no passado que existia movimentos gigantescos cabiam todos os caminhões, todos os chapas, todos os armazéns eu acho que... porque a zona cerealista, se você for pensar bem, parece um coração, cabe todo mundo e onde é que você vai colocar a zona cerealista? Que eu acho assim, tudo é um complemento, então existe a Igreja São Vito que eu acho que abençoa os comerciantes, existem as mamas, existe agora um novo restaurante na minha esquina, que era o antigo aqui que funcionava, Santa Rosa. Eu acho que podem falar o que quiserem, mas eu acho muito difícil conseguirem tirar a zona cerealista. Porque se no passado que a economia estava bombando. É o que eu falo, qual a diferença, em termos econômicos, da época do Collor, de 90, 91, pra 2016? Existia uma inflação alta mas a economia girava. Hoje existe uma inflação altíssima e a economia está mais estagnada. Então as pessoas estão comprando menos, infelizmente. Por isso que eu falo, eu acho que a zona cerealista não... veja, o meu pai até comprou esse terreno que hoje a gente aluga, inclusive, mas eu acho pouco provável que se tire a zona cerealista daqui. Mas não sei porque também estão fazendo os prédios, vamos ver no que vai dar, o futuro a Deus pertence.
P/1 – Mas você não acha que está mudando o perfil das lojas, pelo menos na Santa Rosa, tem menos armazens, eu acho.
R – É, porque alguns comerciantes saíram e foram pra outros bairros tipo Alphaville, São Mateus. Mas assim, eu não sei, eu acho que os mais conservadores, não sei se um dia eles sairiam daqui. Porque eu acho que tem toda uma história aqui. As lojas estão mudando assim, porque está existindo mais o varejinho na zona cerealista e antes era só os atacadistas grandes. Mas eu acho que deve permanecer assim por mais alguns anos, eu acredito, não sei. Eu acho que quando você tem uma economia que está estagnada, até você colocar a locomotiva pra andar de novo, eu não sei, eu, no meu olhar, eu acho que é mais de sete a 14 anos que vai. Tudo bem que vão existir novos prédios que estão sendo feitos e tudo, mas como é que você vai vender apartamento se você não consegue, pelo menos, aquecer a economia. Como é que as pessoas vão comprar, como é que vão pagar? Não é? Eu acho assim, a tendência é ficar armazéns menores. E vai crescer cada vez mais o varejinho.
P/2 – Você tem alguma história muito marcante a partir desse momento que você assume aqui? Com algum funcionário, algum cliente, alguma coisa que marcou bastante.
R – Deixe-me ver. Eu acho assim, muito marcante pra mim eu tenho um cliente muito especial que compra toda semana conosco e ele compra uma quantidade bem grande conosco e assim, eu tentei vender um outro produto e ele falou: “Olha Rosana, você quer saber? É porque existe a máfia dos japoneses e dos chineses e tudo o mais”, daquele produto chamado wasabi. Ele falou: “Rosana, você é mestre em gergelim”, isso pra mim foi assim, porque eu estava escutando isso da boca de uma sumidade! Que é um super cliente muito querido, ele é oriental. Então, a partir do momento que ele falou: “Rosana, gergelim preto e gergelim integral e despeliculado e torrado não tem pra ninguém, é você. Mas não entre no wassabi porque a máfia chinesa pode até mandar te matar”. Eu falei: “Ai, pelo amor de Deus! Então eu fico nas minhas quinoas, fico no meu gergelim”. Porque eu nunca pensei, você está entendendo? Ele falou: “Não é por nada, mas isso é um produto muito perigoso e que se eu fosse você eu não entraria nesse mérito, sai enquanto é tempo”. Aí que você percebe. E você fala: “Meu Deus, mas nós estamos no Brasil?”, nunca tinha escutado isso! Lógico que existem as perseguições mas... por causa do wassabi? Eu falei: “Não, então to fora”. Tanto é que eu falei pra pessoa que queria importar comigo: “Olha, melhor não”. Eu acho que ficou uma coisa assim, pra mim foi o maior presente que eu poderia ter recebido porque dizer que eu sou mestre no gergelim, eu acabei de começar, faz tão pouco tempo! E de repente. Eu fiquei feliz. É isso, eu fico feliz quando nós vamos nas feiras de alimentos e que você vê as indústrias com teus produtos, eu nunca imaginei. Porque na realidade eu vou ser bastante sincera, eu fiz magistério e quando meu pai falou: “Eu vou fechar a Boa Luz”... porque o melhor funcionário, chamado Modesto Abatepaulo trabalhou 27 anos aqui com meu pai. E aí o que acontece? Inclusive o seu Modesto Abatepaulo era funcionário da Lins, aí ele saiu da Lins e veio pra cá porque o meu tio Zé Lins tinha que escolher ou a irmã dele ou esse funcionário porque teve uma briga entre o funcionário e a irmã do meu tio, que era minha tia. Então ele veio pra Boa Luz, inclusive eu sou muito grata a ele, porque se o meu pai cresceu ele ajudou muito meu pai. E todas as quintas-feiras, na parte da manhã, ele vem das nove até meio-dia, ele vem tomar café comigo, então acho isso muito gratificante com relação a funcionários que você havia perguntado anteriormente, nossa, o seu Modesto Abatepaulo é uma graça e ele ajudou muito o meu pai, e a Boa Luz. Se a Boa Luz existe até hoje, é o que eu falo pra ele. Hoje ele tem 83 ou 84 anos e eu acho assim, se ele vem até hoje é porque acho que as portas foram sempre muito abertas pra ele e ele se sente muito à vontade. Porque ele vem fazer compras na zona cerealista e ele vem sempre tomar café com a gente.
P/1 – Como é que foi o dia do nascimento do seu primeiro filho?
R – Bacana essa sua pergunta porque foi assim, o meu primeiro filho chama-se Rodrigo e ele nasceu na maternidade São Luiz. E naquele dia, juro, foi o primeiro neto maschi do meu pai, né, porque pro italiano quem tem valor é quem tem filho homem. A minha irmã já tinha duas meninas e eu dei o primeiro neto homem pro meu pai. E o que aconteceu? Foi toda a minha família em peso pra maternidade nesse dia. O meu filho nasceu às oito horas da manhã. Gente, eu sempre me achei muito feinha, muito horrorosinha e eu rezava: “Ai meu Deus, pelo amor de Deus, que meu filho nasça parecido com meu marido”, que era loiro, de olho azul. Eu falei: “Ai, pelo amor de Deus, já pensou se vira uma criancinha feinha? Meu Deus do céu”. Meu amigo, quando nasceu meu filho, ele era carequinha, branquinho, branquinho, com os olhos azuis gigantescos. Aí eu agradeci muito e toda a família foi. E o meu pai, imagina, italiano, eu estava no quarto andar, ele via as pessoas chegando da minha família pelo térreo e ele gritava: “Nasceu e é maschi!”. Ele levou todas as pessoas da minha família pra almoçarem uma feijoada num restaurante que existia na Avenida Santo Amaro chamado Gouveia, e que por coincidência quem vendia o arroz e o feijão preto pra que se fizesse a melhor feijoada do Gouveira era a Boa Luz. Olha, por isso que eu falo, tudo é ligado ao comércio. Então, se você perguntar, ficou muito na história esse dia que nasceu meu filho. Detalhe principal: era um sábado. E detalhe mais principal: ele nasceu no dia de São Vito, 15 de junho. Então é por isso que eu falei, foi tudo favorável: ele nasceu no dia do santo principal da nossa família, que é São Vito, no dia 15 de junho. Fato inédito, foram todas as pessoas da minha família, não que eu tivesse convidado, nem nada, mas as pessoas gostam de mim e queriam ver, enfim, participar desse momento importante da minha vida. Por coincidência estávamos na frente desse restaurante que o meu pai vendeu por muitos e muitos anos o arroz Boa Luz e o feijão preto Boa Luz. Nossa, foi muito gostoso. E outro detalhe, eu tive um filho lindo e eu nunca vou esquecer: eu estava do lado de uma mulher linda, árabe, mas muito linda, toda magrinha, linda de morrer. E nós éramos chamadas para dar de mamar numa salinha especial, enfim, nos primeiros contatos com o bebê. Ela era muito linda e ela falou: “Gente, olha o meu filho, que cara de quibe que ele tem”. Quando entrou o meu bebê johnson ela falou: “Gente, como é que você conseguiu essa proeza?”, eu nunca vou esquecer. Eu falei: “Deus é bom!” (risos). Eu falei: “De fato você é linda e maravilhosa”. Ela falou: “Mas o meu bebê tem a cara do meu marido”. Eu falei: “Então, mas tudo passa”. E detalhe, meu filho era tão lindo, tão lindo, que colocaram ele na primeira fileira, assim, do São Luiz, só dava ele. Eu falei: “Gente, como Deus é bom” (risos). E eu tive meu segundo filho depois de seis anos e ele é muito parecido com o meu irmão que faleceu, ele é a cara do meu irmão, ele é todo o jeito do meu irmão. E assim, é engraçado, porque o meu mais velho é a cara do pai e o meu mais novo, que eu não queria que fosse parecido comigo, gente, hoje ele é muito lindo. É o que eu falo, eu não sei qual é o mais bonito, mas Deus é bom (risos). Ainda bem.
P/1 – E foi cesariana?
R – Os dois. Porque meus filhos, acho que é homem, né? Homem não senta, não fica na posição, não fica nada. As minhas duas sobrinhas nasceram de parto normal muito rápido, quase que não deu tempo pra minha irmã chegar na maternidade. Eu, eu tive que marcar porque não tinha contração, nada, dilatação menos ainda. É o que eu falo, é homem, homem é mais sossegado.
P/1 – E você está com quantos anos hoje?
R – Cinquenta e um. E a minha empresa está fazendo nesse ano 51 também. O tempo está passando muito rápido.
P/1 – Você acha?
R – Eu acho, eu acho. Muito rápido. Meu Deus do céu. Você não acha? Eu acho que está passando rápido demais.
P/1 – Seus filhos estão com quantos anos?
R – Os meus filhos. O meu mais velho tem 25, vai fazer 25, e o meu mais novo fez 19.
P/1 – E o que você planeja pro futuro da empresa?
R – Ah, eu espero perpetuar cada vez mais, eu espero continuar. Eu espero que o governo, que aconteça algumas mudanças rápidas e pra que a gente possa introduzir mais produtos e pra que a economia acelere novamente. Porque a gente tem sede disso. Porque o comerciante quer vender muito, ele quer comprar mercadorias novas. Só que quando você está num país que a economia, que é em todos os ramos. Imagina, se alimento parou o que dirá das outras coisas? Porque é o que eu falo sempre, no prédio onde eu moro eu sou síndica há 16 anos. Então lá você tem vários médicos, você tem pessoas que tem confecção, você conversa com todo mundo, então você percebe que é uma coisa que contagiou tudo. E você clama pra que a economia vá adiante, né? Eu acho que todos gostariam que acontecesse.
P/1 – Como é ser síndica do condomínio, como é essa experiência?
R – Eu amo. Olha, tem que ter muita paciência, né? MUITA paciência. Porque assim, em primeiro lugar pra você ser síndica por 16 anos consecutivos, primeiro lugar paciência, segundo lugar paciência e terceiro lugar paciência. Você tem que saber ouvir, saber escutar e ser calma. E ser muito atuante. Eu participo bastante, eu gosto. Todas as datas comemorativas, só pra você ter ideia, no Dia Internacional da Mulher eu dou um botão de rosas pra cada condômina, tudo isso eu compro com meu dinheiro. Mas eu acho o seguinte, é muito gostoso você viver num lugar que tenha cartazes no elevador e que as pessoas lembrem das datas. Às vezes, porque numa comunidade você tem n tipos de pessoas vivendo juntas. Então eu morava num outro prédio em Moema que era bárbaro, mas ele era assim, a maioria dos moradores era de pessoas idosas, então o idoso, tadinho, ele é mal humorado, ele não tem tanta paciência. Então tudo que era reunião de condomínio não podia fazer nada porque o pessoal não tinha tanta condição, não queria saber de mudanças. Então no meu prédio eu amo porque eu posso fazer a maioria das coisas porque você joga as experiências, você dá as ideias. Então imagina, eu que decorei todo o salão de festas do meu prédio, toda a mobília fui eu que comprei, cozinha, tudo. Eu que mando, põe pastilha, tira pastilha, escolhe cores. Eu amo fazer isso, adoro, adoro. O hall de entrada do meu condomínio eu que decorei todo. As flores que são colocadas eu que compro, eu que escolho. Dia Internacional da Mulher foi o que eu falei, eu dei um botão de rosas amarelas pra cada condômina. Páscoa agora, pra fazer uma coisa diferente, todos os anos eu compro ovinho, esse ano eu inovei, tem a minha sobrinha que ficou na Irlanda, filha da minha irmã, a mais nova, ela trabalhava na Nestlé. Ela saiu da Nestlé e falou: “Eu quero abrir um negócio próprio”. Eu comprei uns brigadeiros de colher, então esse ano dei o brigadeiro de colher. E todo mundo já sabe, Dia das Mães eu sempre compro uma lembrança, sabe? É uma coisa pequenininha, é simbólica, mas é legal porque as pessoas já sabem. Então, festa junina eu sempre faço alguma coisinha. Quantas vezes no Dia das Mães eu faço café da manhã pras mães no condomínio? Essa semana agora eu até coloquei um cartazinho no elevador porque duas condôminas se juntaram e fizeram uma horta comunitária e deu um monte de coisas, deu salsinha, tá dando alface. Então eu fiz, tirei foto e coloquei: “Participem, se quiserem consumir pode, desde que tenha cuidado. Chame o zelador pra ajudar a cortar pra não prejudicar o plantio”. Eu gosto dessas coisas, gosto de novidade, estou sempre. Então essa semana foi a divulgação da horta que ninguém sabia que tinha. É o que eu te falei, tem que ter paciência e você tem que estar atrás de coisas diferentes. O que você pode fazer em termos de segurança, o que você pode colocar pra inibir um pouco, quantas câmaras você pode colocar, quais são os lugares, você tem que estar sempre na ativa, é que nem a formiguinha, o trabalho de formiguinha, o que você pode fazer. E detalhe, na Copa do Mundo, nossa, meu prédio fazia churrasco todos os jogos da Copa. Começava oito da manhã e terminava duas da manhã porque o pessoal ficava no carteado depois. Principalmente no dia do 7 a 0 do Brasil, meu amigo, terminou com caldinho de feijão de madrugada, um condômino que foi fazer e trouxe pra todo mundo. Eu adoro meu prédio, parece uma extensão da minha família. É muito gostoso. Festa de final de ano eu que falo: cada um leva uma coisa. E a última, inclusive, o que a gente fez? Uma coisa diferente. Eu vim no Mercantil Santa Paula, eu comprei um monte de coisa, queijos diferentes, vinhos, fiz uma berinjela maravilhosa que todo mundo pediu a receita, que inclusive quem me deu a receita foi a mãe do Luís Galutti, que cozinha maravilhosamente, e eu reuni os condôminos, foi muito dez. E aí a gente faz uma vaquinha, cada um paga uma parte e eu sei que fica sempre na ativa meu condomínio, adoro.
P/1 – Quais são seus sonhos pro futuro, Rosana?
R – Os meus sonhos pro futuro, vamos lá. Em primeiro lugar crescer mais ainda na Boa Luz, é o que eu falo, se a Boa Luz prosperar e se eu conseguir fazer com que os meus filhos herdem essa vontade que eu tenho de cada vez mais inovar, trazer produtos que eu possa colocar, quando você vê que um produto seu é aprovado numa indústria, porque indústria é o que é mais difícil, então todas as vezes que a indústria fala: “Rosana, manda uma amostra de linhaça dourada,vai ser feita a experiência no produto”. Aí eu vibro muito, eu fico muito feliz. Então em primeiro lugar o meu sonho é conseguir tocar e deixar a Boa Luz pros meus filhos e que eles possam perpetuar o sobrenome Leddomado junto com a Boa Luz. O que mais? Terminar de criar meus filhos e que eles se tornem pessoas maravilhosas como meu pai foi, porque eu acho que isso é fundamental, é tudo. Você ter caráter e caráter você não compra. Se eu conseguir incutir toda a responsabilidade que meu pai tinha pros meus filhos e toda a sede de dar certo, nossa, eu já vou ficar muito feliz. Continuar como síndica por mais alguns anos, por que não? Eu tenho um sonho também: fazer Direito. Porque quando você faz Direito, graças ao meu bom Deus a gente tem alguns imóveis também alugados na Vila Maria, em alguns bairros. Então às vezes quando você tem que falar com advogados e tudo eu acabo tendo de falar com vários porque eu quero saber se aquilo que aquele advogado está falando, e eu como síndica também. E por que eu sou síndica? Porque eu tenho sede de aprender cada vez mais. Então eu gosto de saber legislações, então você como síndica sabe legislação de calçada, de ABCB de Corpo de Bombeiros. Então eu sou uma pessoa que graças ao meu bom Deus eu tenho muita vontade de aprender cada vez mais. E eu nunca vou esquecer, quando eu me separei eu passei uma época muito ruim da minha vida porque ninguém se casa pra se separar. E aí eu procurei ajuda de uma psicóloga e eu fiquei acho que um mês nela. E ela me falou: “Rosana, na vida, eu vou te falar uma coisa que nem sei se você vai continuar comigo não”, e na época não pude porque eu fui trabalhar no Shopping Iguatemi, que é nisso que eu aprendi que eu dava pro comércio, eu trabalhei num quiosque de presentes pra todas as ocasiões no Iguatemi. E qual era o intuito do quiosque? Tinha todos os produtos separados e o que você tinha que fazer? Você tinha que montar presentes para todas as ocasiões. E o teu intuito lá era, quanto mais coisas você colocasse nesse presente maior valor seria pra você. Eu vi que eu tinha o comércio nato porque eu consegui vender no Dia da Secretária, numa vendinha por telefone pra Mastercard do Brasil 60 mil reais numa venda. E logo em seguida veio o Natal e eu vendi 130 mil de presentes pra Mastercard. Detalhe: não tinha o produto pra mostrar, foi por telefone. E eu que falei: “Olha, um kit academia”, mas eu nem sei de onde eu tirei isso, está entendendo? “E o que colocaria nesse kit academia?” “Ah, uma toalha de banho com o logo Mastercard, de repente a gente pode colocar também aquele reloginho pra marcar pulsação”. Eu nem sei, eu falei pra minha chefe: “Se vira, eu vendi 130 mil”. Então eu falei: “Eu acho que eu dou pro comércio”. E todas as funcionárias no final que ela tinha chegavam pra mim e falavam: “Olha, a Fulana vai fazer uma seleção, quem não tiver vendendo nada”. E apesar do Iguatemi ser um shopping que todo mundo fala: “Nossa, é lindo, maravilhoso”, é meio que utopia, né? E o que eu fiz? Tinha que vender e às vezes a gente não alcançava meta. Sabe o que eu fiz? Eu pedi permissão pra minha chefe e falei: “Olha, eu posso de repente fazer umas embalagens?”, e eu tinha uma dificuldade pra fazer laços em tênis como pequenininha, minha irmã falava: “Como você é tonta, você não consegue fazer um laço!”, eu coloquei: “Fazemos embalagens”. Meu amigo, eu fiz, assim, mas vinha encomendas, 40 camisetas, 50 não sei o quê porque tudo que era de divulgação traziam pra gente fazer, eu não dava conta. E foi isso que a minha chefe pegou, quando eu pedi as contas pra vir pra cá. Aí que eu vi se eu conseguia fazer embalagens e colocava o preço que eu queria nas embalagens eu falei: “Nossa, acho que eu sou boa”. E detalhe, até cestas de café da manhã a minha chefe falava: “Rosana, eu não vou pegar”. Eu falava: “Eu posso pegar e eu faço por conta própria?”, ela falava: “É todo seu”. E eu saía de domingo com cesta de café da manhã, sete horas da manhã. Aí que eu vi que eu falei: “Olha, você quer saber?” Quando a gente diz que o comércio é nato é só você querer. Eu inovei bastante. Quando eu achei que eu não conseguia, que eu tinha dificuldade pra fazer laço eu fiz os laços mais bonitos que eu falava pras outras... na realidade a minha chefe falava: “Você vai ter que ensinar as outras a fazer essas embalagens que você faz”, mas eu não sei nem como que eu fazia. Eu falava: “O laço tem que ser gordinho, tem que ser armado”. O que eu tento fazer? Eu tento fazer com a Boa Luz o que eu aprendi lá, né? É paciência com cliente. Nossa, eu atendia a Eva Wilma, eu atendia artistas globais que vinham e falavam: “Olha, eu preciso de um presente pra minha mãe”. A irmã do Abilio Diniz, a Lucilia Diniz, ela vinha comprar os presentes pra dar pra mãe dela, que a gente vendia umas velas decoradas com uns terços de rosas, ela falava: “Agora você faz a embalagem e na volta eu faço pra pegar”. Então aprendi muito com isso e isso tudo é comércio. E eu nunca tinha tido experiência nem nada, por isso que eu falo eu acho que o comércio é nato.
P/1 – O que você achou de contar um pouco da sua história pra gente?
R – Bacana, gostei. A gente fica realizada. Eu acho assim, todo mundo tem esse sonho e você poder realizar é muito dez, gostei bastante. Eu nunca imaginei que eu fosse passar por uma experiência dessas (risos). Foi muito dez. Nós já fizemos aquela entrevista que eu te falei que nós aparecemos no jornal do sindicato em 2008. E depois em 2009 nós aparecemos na Caras como a loja que tinha produtos diferenciados, isso também foi muito dez pra gente porque você fala: “Meu Deus do céu, olha que coisa boa, olha como Deus é bom”. Porque nós não tínhamos tanta experiência assim, mesmo assim eu falei da boca pra fora pro meu pai: “Não, eu vou tocar a Boa Luz”, mas eu nunca pensei que eu fosse conseguir inovar e conseguir tocar. Porque num lugar onde é muito machista, nossa, todo mundo dizia: “Rosana, o pessoal vai passar que nem um trator em cima de você”. E de repente quando eu vejo que eu consigo sobreviver e colocar produtos novos, nossa, é muito gratificante. E aí você aprende como síndica, você aprende como separada e como comerciante então... porque as pessoas, o mundo é machista. Então quando você percebe que você é capaz de uma série de coisas você fala: “Que coisa boa”. Eu estou no meio do oceano e conseguindo nadar, que coisa boa. Ah, lembrei de uma coisa, não sei se eu posso falar mais um pouquinho.
P/1 – Claro.
R – Que você perguntou um fato que aconteceu. Eu entrei, vim trabalhar com meu pai em 2004. Meu pai teve o derrame em 2006. Eu falei: “Então, eu vou trazer uma importação de gergelim”. Amigo, trouxe a importação, ok. Chegando, chegou a mercadoria. E cadê o meu Radar? Porque era o seguinte, quando você importa o Radar é renovado automaticamente e eu não tinha experiência e nem sabia que precisava de Radar pra trazer importação. O que aconteceu? A mercadoria chegou no porto de Santos e naquele mês o meu Radar tinha expirado porque o meu contador achou que só fosse renovar, mas depois de um ano você perdia. Amigos, eu peguei e fui a Santos e tive que ir lá na Receita Federal. E para eu explicar pro fiscal que eu não agi de má-fé de forma alguma? Mas eu nunca vou esquecer porque eu parei o meu carro bem na frente de uma loja, no centro de Santos, que vende imagens, produtos religiosos, imagens de santos. E eu olhei pra uma Nossa Senhora das Graças, que era italiana até que eu vi, eu falei: “Ah, minha Nossa Senhora das Graças, se eu conseguir, porque o que vai ser de mim? Eu vou ter que pagar esse produto pra pessoa que me mandou e assim, gente, eu vou quebrar porque é a primeira experiência da minha vida!” O que aconteceu? Eu fui falar, na realidade, com uma fiscal mulher e essa fiscal mulher, eu percebi, tinha um monte de duendes na mesinha dela e não sei o quê, aí eu comecei a puxar papo com ela e eu falei: “Ah, você é do signo de Leão?”, porque eu sou de Leão. Ela falou: “Sou, por quê?”. Só pra resumir a história: ela me adorou, sabe, e ainda eu contei a história que eu tinha acabado de me separar, que o meu ex-marido era despachante aduaneiro e não sei o quê. E ela falou: “Olha, eu vou te ajudar. Não sei nem por que eu estou te ajudando, mas porque eu gostei de você”. E ela falou: “Lamento te informar, mas o fiscal que você pegou é a maior casca de ferida que tem, mas eu vou mandar, eu vou grifar pra você, você vai tirar uma xerox da lei”. Porque a minha empresa sempre teve o Radar, quer dizer, aconteceu porque meu pai teve um derrame, enfim, eu não sabia, então existe uma brecha na lei. Eu tirei xerox, ela grifou o parágrafo com marca texto e eu fui pro fiscal rezando Ave Maria e Pai Nosso. Ele falou: “Quem foi que te falou?” “Não, não, não, é que...”, mas graças a Deus, Deus foi tão bom que ele liberou a mercadoria e a Boa Luz pôde continuar. Porque eu fiquei assim, desesperada. Eu falei: “Gente, como é que eu vou perder 19 toneladas assim? Eu vou ter que pagar essa mercadoria. E vai ser a experiência mais triste da minha vida porque, tipo assim, uma coisa é você começar indo bem, a outra coisa é você começar fracassando”. E aí eu passei depois na loja de artigos religiosos e comprei a Nossa Senhora que está na minha cristaleira até hoje. E todas as vezes eu agradeço muito, eu falo: “Nossa Senhora das Graças, muito, muito, muito obrigada por eu ter conseguido liberar aquele produto”, aquela importação que foi a minha primeira e que eu nunca imaginei. Eu falava: “Já pensou eu atrás das grades? Que coisa errada que eu fiz?”, mas Deus é bom. Por isso que eu falo, em primeiro lugar a gente tem que querer que as coisas deem certo porque se eu ficasse estagnada, imagina. Às vezes você conversa com a pessoa: “Olha, você vai ter que ir na Receita Federal”, eu fui sem medo de ser feliz, o que eu ia fazer? E te digo mais, até com jeitinho eu peguei uma fiscal que gostou de mim e me ajudou. Graças a Deus! E não fiz nada errado, tudo dentro da lei. Mas foi o que eu falei, se eu não fosse dessa forma eu não ia conseguir. Eu acho que esse foi o evento que mais marcou na minha vi-da, na minha vida! Mas eu superei, graças a Deus!
P/1 – Obrigada, Rosana.
R – Imagina, obrigada, obrigada mesmo. Tudo de bom pra vocês, foi um prazer, tá?