Karen tem 30 anos e mora na zona norte de São Paulo. Karen conta que quando era pequena, sua mãe trabalhava como doméstica próxima ao Horto Florestal, ela a buscava depois da escola e, após o almoço, partiam para seu trabalho. Dessa maneira, passou sua infância brincando na região do Horto. Diz que era uma “moleca de rua”, entre risos, lembra de explorar o parque, passear por trilhas que hoje não são mais visitadas, e isso, sempre cercada de amigos e brincadeiras. Narra sobre sua infância, suas brincadeiras, a relação com os pais, e ressalta que, desde muito nova, se encantava pelas artes, adorava o “feito à mão”; tanto que quando era pequena, ela mesma construía as roupas de suas bonecas e customizava suas coisas. Atualmente, ela percebe o quanto que ela carrega dessa experiência do passado, e afirma que foi por meio da arte que se encontrou. Karen tem duas filhas, sendo que uma tem autismo; observando-a, diz que muitas das brincadeiras que ela faz, a coloca quase que diante de um espelho, o que lhe faz lembrar tudo o que passou em sua infância. Conta que a cabecinha de Carolina é uma caixinha de surpresas, sua imaginação vai longe, conversa e brinca com seus fantoches e ursinhos. Karen também sempre gostou de inventar, e o emprego da arte e do lúdico com suas filhas não seria diferente. A narrativa se desdobra pela sua juventude, namoro, seu morar junto, a surpresa de sua mãe ao saber de sua gravidez precoce. Karen brinca que não foi ela que decidiu pelo nome de suas filhas, mas sim sua família por inteiro, pois o que não faltaram foram pitacos! Ela sempre quis ser mãe, mas não tão cedo, e toda essa transformação não foi fácil, porém, hoje, tem uma relação muito forte com suas filhas. Atualmente, alimenta um blog pessoal onde incentiva outras mães a não desistirem, porque sabe que quando uma mãe descobre qualquer tipo de diagnóstico de deficiência de algum filho, é um grande baque. Diz que a partir do momento que você descobre, é necessário reestruturar toda sua vida para se dedicar a criança. Com o relato de sua experiência, ela traz inspiração e conforto para outras mães. Explorar o blog pessoal lhe abriu o universo da Internet e, assim, além de aprender técnicas de artesanato, amigurumi, crochê, Karen passou também a vender pelas redes. Com o Instagram, abriu uma loja virtual e depois passou a atuar também pelo OLX e no Mercado Livre, ambientes virtuais onde consegue vender seus produtos e conseguir sua renda. Ao adentrar de vez no mundo do artesanato, conheceu a Cria Norte, o que para Karen foi um divisor de águas. Lembra que viu uma chamada no Facebook do shopping Center Norte, se inscreveu, e conta que foi a última, de 250 pessoas, a ser selecionada. Começaram com 50 artesãs, e por lá pôde aprender sobre empreendedorismo, refletir sobre como expor seus produtos, como precificá-los, como montar uma coleção, fora a ajuda de psicólogos e a troca de experiências com outras mulheres. Nesse tempo de experiência, se alegra ao lembrar de como o projeto cresceu, de ver como maridos, que não apoiavam a iniciativa de suas mulheres, hoje as apoiam, acompanhar uma menina de 19 anos que quer crescer nesse ramo. Sabe que falta apoio, do governo, da sociedade, mas ela e suas colegas seguem perseverantes. Hoje, Karen diz que mudou hábitos de pensar. Igualmente os hábitos de agir, pois sabe que tudo passa. Quando está com suas filhas ou quando está conversando com outra pessoa, o celular fica de lado e tenta aproveitar ao máximo aquela presença. Determinou isso para ela e, em suas palavras, ressalta: a gente fica muito nesse mundo conectado e esquece das essências.
Histórias de Internautas
Era uma grande moleca....
História de Karen Cristina Conceição Simão
Autor: Pri Alexsandra
Publicado em 03/11/2019 por Pri Alexsandra
Projeto Memórias da Zona Norte
Depoimento de Karen Cristina Conceição Simão
Entrevistado por Priscila Soares e Marcia Trezza
São Paulo, 19/07/2019
PCSH _ HV785
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina Dias
P/1 - Bom dia, primeiramente. Me fala um pouquinho... Seu nome, o local que você nasceu, sua data de nascimento.
R - Bom dia. Meu nome é Karen Cristina Conceição Simão, tenho 30 anos, moro na Zona Norte de São Paulo, nasci no dia 9 de novembro de 1988.
P/2 - Em São Paulo?
R - Em São Paulo. Desde pequena eu fui criada próximo ao Horto Florestal, onde eu tive... Eu, como pessoa, falo que tive bastante acesso (risos), brincava muito, eu sou a grande moleca da rua, entendeu? E... É incrível, assim, o local onde eu moro e hoje eu posso contar isso também para as minhas filhas, querendo ou não.
P/1 - Como se chamam os seus pais?
R - Meu pai se chama Odair Onofre Simão, ele é pedreiro. E a minha mãe é funcionária pública, Maria Nilza Conceição Simão, ela é cozinheira do Hospital das Clínicas.
P/1 - E vocês sempre moraram na região do Horto?
R - Sim. Sim, sempre. Desde pequenos.
P/1 - Qual que era o costume de vocês com a região?
R - Então, a minha mãe ela trabalhava mais próximo ao Horto florestal, e ela era doméstica na época. E ela sempre levava a gente para trabalhar junto com ela, então a gente tinha esse acesso diretamente ao Horto, entendeu? E o meu pai ele não era... Não é que ele era ausente, porém como ele trabalhava como pedreiro, então ele não tinha muito esse tempo hábil para ficar conosco. Então minha mãe já pegava eu e o meu irmão para estar levando para trabalhar junto com ela.
P/1 - E qual era o costume de vocês durante a semana, quando você ia com a sua mãe trabalhar? Você costumava ficar com ela ou você já ia direto para o Horto?
R - Não, a minha mãe retirava eu da escola, que eu estudava no período da manhã, aí eu ia direto trabalhar com ela, almoçava, aí depois disso eu e o meu irmão já iamos para o Horto florestal, ou muitas vezes a minha mãe também deixava com a minha tia, me deixava com minha tia, e meu irmão tinha mais acesso com ela, porque meu irmão ficava junto com filho da patroa dela. Então ele tinha mais acesso ao Horto do que eu. Aí muitas vezes a minha mãe levava a gente sim.
P/2 - É... Você falou acesso ao Horto. É porque essas familias moravam no Horto? Como que era isso? Para quem não conhece a região, como que funcionava isso?
R - Sim... A minha mãe, ela desde novinha trabalhava para uma senhora, aí essa senhora engravidou, tudo, aí minha mãe trabalhava como doméstica para ela, então ela morava praticamente, assim, duas quadras do Horto, ainda ela mora lá (risos). Duas quadras do Horto. Então acesso era mais fácil para gente estar indo ao Horto.
P/1 - E como foi essa sua... Essa parte da sua infância, como é que era essa convivência?
R - Eu digo que foi uma convivência muito boa, uma convivência muito lúdica, tanto que hoje em dia eu tenho a minha tia que ela fala assim: "Você brincou até os 13 anos", porque eu brinquei até os 13 anos, quando eu cheguei na minha prima eu falei assim: "Olha, hoje, a partir de hoje, não vou brincar mais de boneca, não quero mais brincar de boneca". Brinque até os meus 13 anos, e aí é minha tia fala assim: "Você agora tem duas bonecas pra brincar" (risos). Era uma coisa mais lúdica, não é igual hoje em dia que as crianças têm mais acesso à Internet, à tablet, a celular. Não, eu tinha mais lúdico, brincava de esconde-esconde, bicicleta, chegava ralada em casa (risos). Era uma maravilha.
P/1 - E quais eram as suas brincadeiras favoritas? Como você fazia?
R - Nossa, eu brincava muito de esconde-esconde muito, muito, muito. Brinquei muito... Eu não gostava de bonecas grandes, eu gostava sempre de Barbie. Então... Assim, minha mãe quando ela ia comprar as bonecas para mim, eu automaticamente deixava as bonecas de lado e falava assim: “Não, quero Barbie”. Mas muitas vezes as minhas brincadeiras eram mais na rua, mais lúdicas. Eu brincava de pega-pega, esconde-esconde, corre cotia, bicicleta.
P/2 - Você costumava inventar brincadeiras no Horto, por exemplo?
R - Sim (risos). Eu corria muito no Horto. Hoje em dia o Horto, assim... Não é que tem um acesso limitado, mas antigamente a gente conseguia fazer várias trilhas, entendeu? A gente percorria um caminho muito maior do que hoje em dia. E a gente brincava muito, assim, entre os primos. Quando ia aquela renca, pegava uma renca assim e ia.
P/1 - E nessa época você tinha ideia de que você queria fazer quando crescesse?
R - Então, eu sempre... A minha mãe, ela sempre falou, e eu também sempre tive em mim, da arte, eu gosto muito do desenvolvimento da arte, eu gosto muito do feito a mão, tanto que quando era pequena eu construia eu mesma as roupas das minhas bonecas. Customizava minhas coisas, porque eu gosto muito do trabalho a mão. E hoje em dia minha mãe fala assim, e eu vejo isso como serve para mim, que eu me encontrei na arte, entendeu? Eu não me encontrei na formação que eu quis, mas eu me encontrei na arte.
P/1 - E você consegue passar isso para suas filhas?
R - Consigo. Consigo. Eu acho que é de família esse negócio da arte porque, assim, desde o meu pai pedreiro quanto a minha mãe cozinheira, eu tenho um irmão publicitário e as minhas filhas gostam de desenvolver isso, elas gostam de desenvolver um desenho no papel, elas gostam de criar coisas com recicláveis, elas gostam muito. Eu acho que é uma ideia bacana, né?
P/2 - Você falou que seu pai, né? Como pedreiro. Ele influenciou você de alguma forma? Assim, não só na parte da arte, mas no jeito dele ser?
R - Sim, ele me influenciou, porque, assim, ele sempre deixou claro para gente que a gente tem que ir em busca dos nossos objetivos. Mesmo ele não sendo presente na questão da escola, na questão da educação, mas ele sempre deixou isso presente, para a gente lutar pelo que a gente quer.
P/2 - E sua mãe deixou alguma, assim, marca?
R - Sim, eu falo que a mãe é o alicerce da casa, porque a todo momento ela deixa uma marca na gente como aprendizado. E isso ela coloca em vários momentos das nossas vidas, desde o trabalho que ela fala assim: "Você tem que lutar sim, você não pode deixar isso morrer, você luta porque é um objetivo seu", e na educação em si, que ela... É uma coisa, assim, eu acho que a arte ela vem para nos ajudar em si e ela sempre deixou isso claro pra gente (risos).
P/1 - Qual é a lembrança que você tem da escola que te marcou muito?
R - Nossa, da escola? Nossa, eu era muito arteira na escola (risos). Muito arteira. Mas, além de ser arteira na escola, uma coisa que me deixou muito marcada foram as amizades que eu tenho até hoje, desde a primeira série até hoje. Mesmo que sejam pessoas que moram próximo e outras que moram em outro país, me deixou uma marca sim, porque, assim, a gente vê o quanto a amizade ela não morreu, ela continua. E é uma coisa que eu levo, a amizade, meus amigos.
P/2 - Falando ainda da infância, você falou do Horto e eu ainda estou imaginando como eram as brincadeiras lá... E teve alguma situação nessas brincadeiras que você lembra? Algum acontecimento, assim que... Você falou que você era arteira... Alguma situação engraçada ou difícil?
R - Eu... Não só no Horto, mas próximo de casa também. Eu tinha mania de cair e culpar o meu irmão. "Olha, ele me machucou". Aí a minha mãe ficava pocessa, porque, assim, eu culpando ele, automaticamente eu não ia apanhar, quem iria apanhar seria ele (risos). E então é uma coisa que me deixou marcada. Eu corria, caia e colocava a culpa no outro.
P/2 - E sua mãe percebeu?
R - Minha mãe percebeu. Sempre (risos). Que ela fala que... Tanto que minha filha é igual eu. Ela fala assim: "A Carine", a mais nova, "ela é igualzinha a você, todinha”, porque ela culpa a irmã.
P/1 - Dessas brincadeiras que você teve na infância, alguma delas passou para suas filhas, por exemplo? No Horto, nas brincadeiras?
R - Não é que passou, mas o lúdico passou, porque, assim, eu tenho uma filha que ela tem autismo. E ela... Muitas brincadeiras que ela faz, eu vejo em mim, pelo que eu passei na infância. Ela gosta de brincar de corre cutia, ela imagina mil... Ela... Tipo assim, a gente fala que ela... A cabecinha dela é uma caixinha de surpresa, porque ela imagina, ela vai conversando, ela brinca com... Ela não gosta de boneca, mas ela gosta de fantoches, de brinquedos, de ursinhos. Então acho que isso já passou para ela, porque é uma coisa assim... Eu, nas minhas brincadeiras, mesmo brincando muitas vezes sozinha, eu gostava de inventar "nossa, o meu urso vai viajar", "minha boneca viajar", eu gostava muito disso, eu usava muito o lúdico e ela gosta de corre cutia, ela gosta de muito de pega-pega, é uma coisa que eu trabalho com ela.
P/2 - Qual o nome dela?
R - Carolina.
P/1 - Você teve na escola algum professor que te marcou muito? Que fez com que você levasse essa sua parte artística mais a aflorar?
R - Sim, a professora Beth. Porque, assim, eu poderia ir mal em outras matérias, mas na de educação artística eu gostava de desenhar, e gostava muito. Tanto que assim eu... As minhas notas eram baixas em matemática, mas em educação artística eram excelentes na época (risos). E ela me marcou muito.
P/2 - Você lembra de algum trabalho seu, assim, especial?
R - O que eu fazia mais na escola é... Não sei se vocês já viram, montanhas com sol, eu gostava muito desses tipos.
P/1 - Como você ia para escola? Esse seu trajeto, como é que era?
R - Meu trajeto... Eu acordava cedo, eu detestava acordar cedo, mas tinha que acordar cedo. Quem levava muitas vezes era o meu pai, porque era trajeto do caminho, e a minha mãe também, quando meu pai pegava serviço longe, a minha mãe me levava.
P/1 - Na juventude, você... Como foi o seu primeiro namorado? Foi na região?
R - Não, meu primeiro namorado não foi na região. Tanto que (risos) quando eu conheci ele, ele morava na Zona Leste e eu na Zona Norte. Então eram caminhos totalmente opostos.
P/2 - E onde você conheceu ele?
R - Eu conheci ele no shopping.
P/2 - Qual shopping?
R - No shopping D. Eu trabalhava no shopping, no McDonald’s na época. E ele trabalhava na C&A. Que é o pai das minhas filhas (risos).
P/2 - Como foi esse encontro? Conta os detalhes da história.
R - Eu trabalhava na parte de sorvete do McDonald’s na época, e aí do nada ele tava passando com amigo dele, aí ele deixou um bilhete para mim, ele falou assim: "Eu quero te conhecer". E uma amiga minha na época ficou com raiva, pensando que o bilhete era para ela. Ela quis me matar, ela falou: “Eu te detesto, porque o bilhete era para mim, você pegou o meu bilhete”, não, mas o bilhete era para mim automaticamente.
P/2 – E aí? Continua a história...
R - E ele... A gente se conheceu. Ficamos três anos juntos, namorando, depois eu descobri que tava grávida da minha filha com autismo. E aí a gente ficou junto 12 anos, que foi recentemente que a gente não está mais junto.
P/1 - Como você começou a sair na sua adolescência, você saia muito aqui na Zona Norte?
R - Não, não saia porque... Eu não gostava. Eu era mais caseira, ficava mais em casa. Eu não era essa pessoa de balada, de ir pra barzinho, eu nunca gostei. Eu gostava muito de ficar em casa.
P/2 - Você curtia fazer o que em casa, quando você ficava?
R - Nossa, eu assistia muito filme, gosto muito de assistir filme. E além de ficar na minha casa, eu ia pra casa da minha tia, que é como uma segunda mãe para mim. E ainda eu fico muito na casa dela, eu gosto muito.
P/2 - Como chama esse namorado que você ficou 12 anos com ele? Como ele chama?
R - Rodrigo.
P/2 - Você falou que ele foi o primeiro namorado?
R - Sim.
P/2 - E ai vocês se casaram... quero dizer, foram morar juntos, mas teve o dia do casamento?
R - Não, não teve. Como a gente diz hoje, amaziados, ne? (risos)
P/2 - Vocês só se jutaram?
R - Isso. Por que morava na casa da minha mãe e do meu pai, entendeu? Tanto que o namoro, na época minha mãe preferia namorar dentro de casa do que você ficar fora de casa (risos). E para minha mãe foi uma surpresa quando eu falei que eu tava grávida, minha mãe já desconfiava, mas foi uma surpresa em si.
P/2 - Porque só em casa, né?
R - Exatamente (risos). Ela ficou surpresa.
P/2 - Karen, quantos anos você tinha quando você conheceu o Rodrigo?
R - 18 anos.
P/2 - Vocês... Aproveitando a pergunta da Priscilla, vocês passeavam pela região que você morava?
R - Sim.
P/2 - Conta um pouco desses passeios, onde vocês iam, para a gente conhecer até a região.
R - Então, eu gostava muito de... Porque, assim, próximo a minha casa, além do Horto, tem outros parques em si, tem o IPESP, que é um parque próximo ao Tucuruvi, que eu gostava muito de ir. O Horto também, mas muitas vezes é passeio de rotina, você ir e tipo... Sair só para distrair a cabeça (risos). A gente ia muito comer fora ali na região do Tremembé, onde passava o trem. Porque ali tem uma casa de referência, ali no Tremembé, onde era a estação de trem antigamente, que o trem vinha do Horto até o Jaçanã e ia para outras regiões. E é um espaço, assim, que a gente ficava ali naquela região, fora que eu também ia para região onde ele morava.
P/2 - Conta um pouquinho... Descreve um pouco essa região, que tinha a sua casa, como era esse lugar que vocês frequentavam?
R - Ali no Tremembé, antigamente, no tempo da minha avó, dos meus avos, da minha mãe até, era um bairro chamado Fazendinha, onde... Ali tinha muitas casas antigas e fazendas, e ali fora, que tinha estação de trem, que eu não sei te dizer porque assim, eu sei dizer que... Como eu era muito pequena, ia até o Horto, mas depois do Horto tambem tinha outras estações. E ali onde era... Como eu posso dizer? No terminal, tipo um terminal rodoviário, onde pessoas vinham de outras regiões e ficavam ali, onde tinha safra de café. Isso foi... Hoje em dia tem alguns pontos que você ainda dá para você ver os trilhos do trem, mas como a modernização chegou (risos), a única casa de referência que ainda se mantém é... Onde é... Onde era o espaço rodoviário mesmo, onde era a rodoviária que você pegava e comprava o seu bilhete para viajar.
P/1 - Você chegou a utilizar esses...?
R - Não, eu não cheguei (risos). Não cheguei. Eu quando era pequena eu via os trilhos, só que como parou muito antigamente, então não cheguei... Eu não cheguei a conhecer a questão do... De andar no trem, mas como minha mãe trabalhava ali próximo, a gente conseguia ver os trilhos, porque foram construídas casas em cima, então você acaba perdendo essa história.
P/2 - E, Karen, você... Lá era um terminal tanto de ônibus quanto para pegar o trem?
R - Exatamente. Exatamente.
P/1 - A sua mãe te contava histórias desse... Dessa região?
R - Então, a minha mãe ela contava, porque assim na... Quando ela era mais nova, ela ia trabalhar a pé. Ela não tinha esse acesso de comprar o bilhete. Então ela chegou a contar algumas histórias pra gente, que passava o trem, que passavam aqueles ônibus antigos (risos). Era assim as histórias que ela contava pra gente.
P/2 - Em relação ao passado...
R - Exatamente, ela não chegava a utilizar o trem porque na época não tinha condições. E na época, a minha mãe ela ajudava a minha avó também, então minha avó tinha outros filhos e minha mãe saía para trabalhar para ajudar dentro de casa também.
P/1 - O que mudou na sua infância com relação a essas memórias? Trouxe coisas boas? Qual foi o momento que te marcou com relação a esse... Essa história que sua mãe contava?
R - Então, eu... As histórias que minha mãe ainda conta e contou para gente, me marcou e muito, porque assim, a gente vê o quanto a gente desvaloriza (risos) as histórias de pessoas mais velhas do que nós. Porque, assim, querendo ou não a minha mãe ela tem uma história de vida linda, ela não tinha o que comer, então ela tinha que trazer para dentro de casa para ajudar tanto a minha avó quanto os irmãos dela. E é uma superação de vida as histórias, porque assim, você fala "hoje em dia eu tenho que dar valor ao que eu tenho, querendo ou não".
P/2 - Elas... Eles eram em quantos irmãos? Sua mãe?
R - Sete.
P/2 - E você teve irmãos? Tem irmãos?
R - Tenho um irmão.
P/2 - Como ele chama?
R - Marcelo.
P/2 - E foi com quem você falava aquilo que...
R - Sim, exatamente.
P/2 - Você culpava ele.
R - Exatamente.
P/2 - Ele é mais velho?
R - Ele é mais velho, ele tem 35 anos.
P/1 - Como é que era a relação entre vocês?
R - O meu irmão ele sempre me defendia e eu sempre detonava ele (risos). Simples assim. Porque assim ele gostava de mim, mas ao mesmo tempo para eu não sair mal com a minha mãe, eu culpava ele. Porque às vezes minha mãe falava: "Não, não pode", "Ah, mas ele me bateu". As vezes ele nem me bateu, mas eu ja tava culpando ele. Ele saia como o maldoso da história.
P/2 - Ele cuidava de você?
R - Sim, cuidava.
P/2 - E quando você foi ficando adolescente, jovem, como foi essa relação com ele?
R - Então... Não é que foi se distanciando, mas cada um seguiu um objetivo diferente. E muitas vezes a ideia dele de ver as situaçãoes, a vida, era totalmente diferente da minha. Porque querendo ou não, eu brinquei até os meus 13 anos e o meu irmão ele começou já a trabalhar cedo, com 14 anos ele já começou a trabalhar. Então a gente não tinha muito aquele apego de ficar junto, eram ideias diferentes. Hoje em dia a gente está até mais próximo.
P/1 - E hoje em dia vocês tem uma relação mais forte?
R - Sim, sim. A gente se fala bastante, eu coloco alguns projetos que eu tenho para ele, ele me da um posicionamento, se é legal, se não é, ele me dá alguns conselhos. Aí é assim, aquela coisa, quando a gente sai da casa da mãe a gente sabe a falta que faz. E a minha... Como eu posso dizer? Minha história com ele é mais forte porque ele tem uma visão que eu acho que hoje em dia é bem parecida com a minha.
P/2 - Qual visão?
R - De mudar a situação de onde a gente está estagnado, a gente não ficar parado, a gente tentar mudar, a gente correr atrás dos nossos objetivos, a gente lutar pelo que a gente quer. Independente ou não da situação do país.
P/1 - Vocês têm algum projeto juntos que vocês queiram exercer aqui, por exemplo, na Zona Norte ou na região?
R - Então, eu não tenho um projeto junto com ele, eu tenho meu projeto próprio, que eu quero exercer com outras pessoas, com outras mulheres e mães de crianças com deficiência, que eu tô construindo aí, passo a passo desse projeto.
[pausa]
P/1 - Como marcou o nascimento das suas filhas na sua trajetória de trabalho?
R - Então, quando eu descobri que eu estava grávida da minha filha, eu já estava com 20 anos para 21. Na época eu trabalhava, foi uma surpresa, e aí eu não sabia como falava com os meus pais, porque querendo ou não o meu pai ele tem uma ideia na cabeça que você arrumou o filho, então você tem que casar, você tem que ter sua casa própria, você não pode morar junto comigo (risos). Porém a minha mãe foi mudando essa ideia da cabeça do meu pai. Na época, quando eu descobri que era uma menina, ficou na dúvida, porque... Tanto que eu falo que eu não fui eu que decidi o nome das minhas filhas, foi a minha família por inteiro (risos), porque todo mundo deu um pitaco aí. E para mim foi uma experiência nova, eu sempre quis ser mãe, mas não tão cedo. Porque assim, a minha cabeça hoje em dia, se eu for pensar, eu não teria filhos hoje, entendeu? Pela situação do país, pela minha situação, porque assim, as vezes, querendo ou não, não é que uma criança impeça o sonho, mas acaba você tendo que mudar sua história. Aí depois, com 23 anos, eu tive minha outra filha. Foi um baque também, pegou eu de surpresa como pegou totalmente a minha família, mas a minha relação hoje em dia com as minhas filhas, eu falo que é uma relação saudável. Que eu... Além de... Eu faço coisas por mim, mas também faço mais por elas.
P/2 - Quando você teve a... Carolina?
R - Isso.
P/2 - Quando você teve a Carolina, você pode contar um pouco mais como foi? Depois... Você disse que hoje você tem um trabalho com mães que tem filhos com autismo?
R - Isso.
P/2 - Quando você descobriu que ela tinha o autismo? Você acha que deveria ser importante contar essa história?
R - Sim, porque assim... Hoje em dia o autismo tá aparecendo agora. A minha filha, quando eu descobri que ela tinha autismo, foi com dois anos, que ela estava na creche e aí por um encaminhamento do... Das pessoas da creche, da administração, pediram para encaminhar para um psicólogo, e na época eu trabalhava na SECONCI, que era uma IOS do Hospital Mandaqui. E aí eu acabei pegando, levando para assistente social e a assistente social me encaminhou diretamente para o neurologista do Hospital Mandaqui. O neurologista em si ele falava assim: "Não, sua filha não tem nada, isso aí é como uma criança normal, ela não interage, mas, assim, é só você estimular", só que eu, como mãe, eu já sabia por dentro que minha filha tinha alguma coisa.
P/2 - Por que você achava? O que ela fazia que você achava?
R - Porque assim, além dela não ter essa interação social com outras crianças, na época ela não gostava muito de barulho. Então eu comecei a perceber isso, falei assim "isso não é normal, uma criança de um ano e meio para dois anos tampar o ouvido, não brincar com outras crianças, não gostar, gritar”, e aí eu já comecei a desconfiar. Aí foi quando eu busquei ajuda profissional de um neurologista, de uma equipe, essa equipe começou a fazer terapias com ela para saber. Tanto que o diagnóstico dela não saiu com os dois anos completos, já saiu já para quatro, cinco anos. Porque não é fácil você diagnosticar uma criança com autismo hoje, e principalmente na situação da minha filha que, assim, ela não... Na epoca ela não interagia com outras crianças, porém a fala dela era perfeita, ela gostava de... Se expressar, entendeu? Então... Foi uma descoberta assim... Não acho que foi demorada, mas foi uma descoberta que eu pude falar assim "olha, é esse ponto, é nessas mães que eu quero chegar".
P/1 - E esse seu trabalho, seus projetos com as mães, você envolve a arte aqui na Zona Norte como?
*** colocar junto com o trecho da pág 22 R – Então, eu tenho um blog pessoal na Internet, onde eu incentivo mães a não desistir, porque hoje em dia quando você, querendo ou não, descobre qualquer tipo de diagnóstico de deficiência de algum filho, é um baque. Você tem que mudar toda a sua trajetória, e eu tive que fazer isso na minha vida, porque quando o médico chegou e falou assim: "Olha sua filha tem autismo", eu tive que sair do emprego, eu tinha um emprego fixo na época, eu tive que... Desestruturar muita situação para me dedicar a minha filha. E nesse blog pessoal eu conto um pouco da minha história, um pouco de como as mães não podem desistir, que elas tem, sim, que lutar pelos filhos dela, e eu ajudo de alguma maneira a falar um pouco do empreendedorismo, que ele pode sim te ajudar, mesmo não sendo na arte, mas você pode utilizar o empreendedorismo hoje... Hoje a gente tem uma ferramenta muito boa que a Internet, que pode auxiliar outras pessoas, aconselhar outras pessoas em si.
P/2 - Você disse que teve que mudar toda sua vida.
R - Sim
P/2 - Por quê? A gente imagina, mas se você puder descrever...
R - Porque, assim, quando eu tive que mudar essa situação, quando logo eu descobri o diagnóstico da minha filha, eu tive que sair do emprego, que na época eu e o pai dela trabalhávamos, só que, assim, devido as terapias, porque eu sabia que a partir do momento que eu descobrisse o diagnóstico da minha filha eu deveria me abdicar de algumas coisas, principalmente do emprego, porque querendo ou não a gente tem que ter um acompanhamento, e ela teve acompanhamento já com fonoaudióloga, que era toda semana, com... Terapia ocupacional, psicóloga, então eu já tive que me abdicar dessas situações.
P/2 - Você teve que se adaptar.
R - Exatamente. Porque assim, querendo ou não, quando você descobre que seu filho tem algum tipo de deficiência, automaticamente sua vida vai ter que mudar. Você vai ter que sair da sua rotina para entrar na rotina do seu filho. E para mim não era viável continuar trabalhando, porque assim... Uma outra eu ia ter que faltar no serviço e eu ia ter que ser mandada embora por justa causa, então eu preferi pedir as contas para me dedicar a ela.
P/2 - Você disse que o empreendedorismo pode ajudar. Explica por que, Karen? No que ajuda?
R - Além de... Eu falo que o empreendedorismo hoje pra mulher, pra mãe com crianças com deficiências, além de ajudar financeiramente, te ajuda psicologicamente. Porque você vai conseguir sim ter... Além de ter uma renda, você vai conseguir melhorar sua autoestima. Como pessoa, como mulher. Você vai conseguir ajudar, mesmo que seja através da arte, de uma palavra, você vai estar ajudando outras pessoas.
P/1 - E o que te fez levar a sua vida nesse ponto do empreendedorismo. Com relação a sua filha, mas, assim, engajar nesse ponto?
R – Então, desde pequena eu gostava de arte, e eu sempre tive essa visão, que eu queria ter o meu negócio próprio, sempre tive essa visão. Não é a questão de trabalhar para os outros, para empresas, mas ter o meu próprio negócio, onde eu ia ter a minha renda, onde eu ia ter meu horário flexível para eu trabalhar para mim. Porque... Hoje em dia eu acho que as pessoas buscam mais isso, entendeu? Do que você... Não é que é ruim trabalhar como CLT, mas ter horário flexível, ter uma outra rotina, você conseguir se adaptar em outras maneiras.
P/2 - E aí como você descobriu essa oportunidade? Como é que foi essa trajetória até hoje? Você queria fazer... Ser empreendedora.
R - Sim.
P/2 - Você gostava da arte. Ai como as coisas foram acontecendo?
R - Quando logo eu descobri o diagnóstico da minha filha, eu tive que tomar a decisão de sair do emprego, aí eu falei assim "porque não pegar o que eu sei fazer, o artesanato que eu sei fazer, e empreender, e mostrar para outras pessoas a minha arte, esta trajetória?". Já gostava antes, mas ela se aflorou mais quando logo eu descobri o diagnóstico da minha filha.
P/2 - Que tipo de arte você fazia nessa época?
R - Na época eu bordava chinelos. Eu bordava, colocava miçanga, customizava chinelos. Que é uma arte que minha mãe também fazia quando nova (risos).
P/1 - Você aprendeu com ela?
R - Sim. Sim, aprendi com ela.
P/2 - E até hoje... Conta um pouco como foi esse caminho, depois você continuou no chinelo ou foi entrando outra coisa? Quem você conheceu nessa caminhada?
R - Entendi. Eu comecei com chinelo, aí eu peguei... Porque assim, querendo ou não a gente tem as estações do ano, no frio ninguém vai usar chinelo, então automaticamente eu já comecei a descartar essa opção. Aí depois eu comecei a fazer laços, porque a minha filha mais nova, a Carine, ela gosta muito de laços e ela falava assim: "Hoje quero pôr uma bonita no cabelo", aí ela coloca a bonita. Ela fala assim: "Hoje eu quero pôr uma bonita no cabelo", e eu comecei a fazer laço para vender, para minha família, para pessoas desconhecidas, pessoas aleatórias da Internet, aí depois do laço em si, eu falei assim "eu vou me arriscar mais". E nesse arriscar mais, um dia aleatório, peguei, entrei no youtube e vi como era para fazer gola de frio. Aí eu comecei a fazer. Minha primeira gola saiu horrível, mas depois eu continuei testando e hoje eu gosto de fazer muito crochê.
P/2 - Você aprendeu crochê no youtube?
R - No youtube. Eu falo que é uma ferramenta muito boa, que ajuda muitas pessoas. Eu não aprendi nem com a mãe, nem com a tia, nem com a vó, eu aprendi no youtube (risos).
P/1 - Além desses trabalhos artesanais, você fez alguma outra coisa que te marcou?
R - Não.
P/2 - Aí você continuou direto no artesanato?
R - Direto no artesanato.
P/2 - Aí foi fazendo as golas?
R - Fui fazendo as golas e hoje em dia eu faço amigurumi, que é uma técnica japonesa, que são bichinhos de crochê.
P/2 - Só voltando... Você falou que aí já começou a colocar seus produtos na Internet.
R - Sim.
P/2 - Até descobrir a Internet, porque tudo isso pode ajudar outras pessoas, como você falou.
R - Sim.
P/2 - Descreve esse período, esse percurso de começar a explorar a Internet.
R - Então, na epoca eu explorava o meu blog pessoal, que eu tenho na Internet, e vendia através dele. Aí depois surgiu a ferramenta do Instagram, onde eu abri uma loja virtual para mim, para vender os meus produtos. Logo do Instagram eu fui... Eu migrei para OLX e para o Mercado Livre, que hoje é o... É a minha renda, onde eu consigo vender mais os meus produtos.
P/2 - Você vende o que? No Mercado Livre principalmente?
R - Eu vendo bastante amigurumi, que são os bichinhos de crochê. E fora isso eu faço tricotin, que é uma técnica de tear, ele envolve tanto crochê quanto tear, e ai eu desenvolvo nomes através deles.
P/2 - Esses nomes são colocados em que?
R - Em porta maternidade, em quartos... Que é uma técnica também... Não vou dizer que é japonesa, mas é uma técnica que envolve o crochê em si.
P/2 - Você tambem aprendeu?
R - Na Internet (risos).
P/1 - Dessas técnicas todas que você aprendeu, tem alguma que você gosta mais de trabalhar?
R - Eu gosto, como eu falei... Eu gosto muito do amirgurumi, do crochê, porque eu acho que eu me identifiquei. Porque assim, querendo ou não, quando você monta um bichinho, seja ele um coelho, uma ovelha, um cachorro e você vai passar esse produto para frente, as pessoas se encantam. As pessoas: "Nossa, é do tempo da minha avó", "Nossa tá voltando essa técnica", aí recorre a memória das pessoas, eu fico feliz porque a gente ajuda querendo ou não essas pessoas.
P/1 - Alguma dessas vendas que você fez tem alguma história que te marcou?
R - Sim, tem. Eu logo que comecei a fazer o amigurumi, aí a minha filha falou assim: "Eu quero para mim", tanto que hoje ela fala: "Se você vai fazer, você pode montar um para mim?". E a minha filha falou assim: "Mãe, eu quero essa girafa", eu tinha comprado uma revista, ela falou assim: "Mãe eu quero essa girafa, você vai fazer essa girafa para mim", tanto que ela dorme hoje com a girafa. Ela dorme, e dorme agarrada com a girafa. E aí foi uma coisa que me marcou muito, porque querendo ou não eu mexi com lúdico da minha filha. Eu mexi.
P/2 - Qual filha?
R - A com autismo, a Caroline. Eu mexi com o lúdico dela. E eu vejo ela brincando, ela coloca a imaginação, ela cuida, ela cobre, ela fala assim: "Mãe, hoje eu tenho que cobrir os meus bichinhos pra eles não passarem frio", e eu acho que me marcou bastante. E o empreendedorismo, o artesanato, ele me ajuda e me possibilita eu estar presente na vida das minhas filhas e poder ver essas memórias com elas.
P/1- Com essa técnica então você ajuda ela a se aprimorar.
R - Exatamente.
P/1 - Como foi, assim... Esse nosso momento? Para você, você contar as suas histórias, os pontos mais marcantes de você, da sua vida.
P/2 - A gente vai continuar depois.
R - Eu gosto de contar minha história porque, assim, eu acho que a minha história é um exemplo de vida. Porque a partir do momento que você descobre que a sua filha tem uma deficiência e você que vai ter que estruturar toda sua vida para se dedicar ela, é uma inspiração, e pode ajudar outras mães que estão ali, oh, guardadinhas, que não... Ainda não exploraram, entendeu? É uma coisa que eu acho que incentiva outras mulheres, porque querendo ou não hoje em dia a gente vê as mulheres... Não é que elas estão presas, mas elas estão recuadas, elas não conseguem ter voz para falar. E eu acho que a minha história pode ajudar, sim, muitas pessoas.
P/1 - Você gosta de tentar mostrar um caminho?
R - Sim. *** aqui colocar o trecho da página 15 Eu gosto de... Não mostrar caminhos, mas mostrar possibilidades que elas possam seguir, nem tanto seguir, mas se espelhar. "Olha, aquela pessoa está me ajudando a sair de um momento que para mim poderia estar sendo ruim. Pode estar sendo péssimo", porque querendo ou não eu poderia ser uma dessas mães que poderia ficar na minha casa, simplesmente na minha casa, cuidando da minha filha e pronto. Mas eu acho que... Não é que a deficiência da minha filha... Ela não... Não me ajudou, ela só me despertou algo que estava adormecido. < final do vídeo.
P/2 - Karen, você disse que mudou tanto assim, né? A sua vida.
R - Sim.
P/2 - E você... Com ela você tinha que fazer... Qual era a rotina ou ainda é a rotina de acompanhar a sua filha?
R - Então, eu acompanho a minha filha desde os dois anos na terapia dela, então praticamente só sou eu para acompanhar-lá (risos). Aí a cada 15 dias ela faz terapia multidisciplinar, que é com psicóloga e terapeuta ocupacional, e durante toda semana, uma vez na semana, é com a fonoaudióloga, que eu tenho que ter... Esses dias eu não posso marcar nada. Simplesmente é dedicado a ela, porque querendo ou não, fora esse acompanhamento, a psicóloga quer saber como foi a rotina, como tá sendo na escola, como tá sendo aceitação dela com alguma atividade específica, porque hoje se a gente tira uma criança com autismo de sua rotina, a gente acaba prejudicando... Não é o desenvolvimento, mas o andamento do tratamento.
P/2 - E com escola você pode contar um pouco como é essa relação dela na escola? Como que a escola lida também? Teve algum desafio, sabe, para você?
R - No começo teve bastante desafio, porque a minha filha, a escola que ela estuda hoje, é o antigo prédio da Fundação Gol de Letra, que hoje é a Sócrates. E nesse prédio, começou em 2016, e nessa época minha filha foi a primeira criança com deficiência a entrar na escola. Então... Não é que ela entrou pela inclusão, ela entrou como uma criança normal.
P/2 - Naquela creche, né?
R - Não, na escola mesmo. Porque na creche eu tive alguns problemas, alguns contratempos, ela entrou com um ano e seis meses na creche, porém ela chorava demais, aí ela foi para EMEI, ela não tinha interação social com algumas crianças, então automaticamente eu tive alguns problemas desde a creche até o EMEI, até o pré. Mas aí quando ela foi logo para primeira série, ela entrou como uma criança normal, que não era uma criança que tinha deficiência, não uma criança, como a gente pode dizer hoje, com inclusão. E para a escola foi uma surpresa, porque querendo ou não você precisa estruturar professores, equipe pedagógica... E na época, minha filha logo na primeira série, ela trocou automáticamente três vezes de professora num período de seis meses, e isso mexe. Se já mexe com uma criança que não tem deficiência, imagine com uma criança que tenha deficiência. E isso mexeu muito com ela, e mexeu com aprendizagem dela, sim. Na época, eu comentei com a escola que ela passava em terapia, que ela foi diagnosticada com autismo, e tinha uma professora que estudava psicopedagogia, e ela ainda... Aliás, ainda ela estuda especificamente com crianças não só com autismo, mas com crianças com todo tipo de patologia de deficiência. E ela em si ajudou muito minha filha, porque minha filha também é muito apegada a ela, que eu falei assim: "Quando minha filha sair dessa escola vai ser triste, porque aí eu vou ter que arrumar uma outra professora pra minha filha se apegar". E ela ajudou muito no desenvolvimento da minha filha, desde a aprendizagem, desde como ela tem que brincar e interagir com os amigos. E foi uma época, assim, da primeira série até o 4º ano, que ela tá hoje, que eu falo assim, que a minha filha ela mudou e mudou muito, ela aprendeu e aprendeu muito. Para mim é um orgulho eu poder contar com profissionais assim.
P/2 - Hoje é... Socrates era a antiga Gol de Letra, né?
R - Sim.
P/2 - Ela entrou como uma criança que não era... Como você disse, não com deficiência, mas como normal.
R - Exatamente.
P/2 - Mas eles sabiam que ela tinha...
R - Sabiam.
P/2 - Mas esse é o jeito da escola? A proposta da escola?
R - Não sei se é a proposta da escola... Mas, assim, na epoca, como foi tudo, assim... Uma escola nova, período integral, o dia inteiro. Imagina você pegar... Cem crianças e uma dessas crianças com deficiência? Entendeu? E querendo ou não eles buscaram auxílio de como lidar, de como interagir com essa criança, de como incluir essa criança no meio de outras crianças. Tanto que depois foram surgindo outros casos de crianças com autismo, de outras crianças com outros tipos de deficiência.
P/2 - Então a entrada dela contrubuiu?
R - Contruibiu. E contribui muito. Porque ela... Eu falo que a minha filha é uma inspiração para outras crianças, porque hoje em dia se a gente ver o bullying aí, a torto e a direita, solto... A minha filha ela conta a história dela de ponta a ponta, e ela fala que ela é uma criança com autismo, sim, que ela é uma criança que ela tem deficiência, porém ela não permite o bullying, não permite que outras crianças façam bullying com ela.
P/2 - Com quantos anos ela está agora?
R - Ela está com dez anos.
P/2 - E essa consciência dela, né, "eu tenho o autismo", e reagir assim com outras crianças, você acha que... Como que ela foi conseguindo ter essa postura?
R - Então, junto a ajuda da equipe multidisciplinar, psicóloga e terapeuta, juntamente com a escola, eles foram explicando para ela que ela era uma criança com deficiência, mas essa deficiência não atrapalhava em nada o desenvolvimento dela, ela, além de ter uma deficiência, ela era uma criança como toda criança. Ela é igual, só que ela tem algo de especial, que isso vai agregar e ajudar na vida dela. Tanto hojeque ela fala: "Aí, mãe. Eu tenho autismo". E eu falo nossa, têm crianças que você vai falar assim: "Olha, você tem algum tipo de patologia”, já reage diferente.
P/2 - E a arte para ela tem alguma...?
R - Sim, ajuda muito o lúdico com ela. Porque isso vai mexer tanto na parte emocional, física e motora dela, que vai ajudar o desenvolvimento dela, que ela pode colocar o lúdico em any situações da vida dela, que ela pode querendo ou não desenvolver, tanto... Em várias artes da vida dela, mas ajuda muito no emocional dela.
P/2 - Você acha que a arte contribui com isso?
R - Contribui. Contribui e contribui muito hoje.
P/2 – Karen, você coloca arte e lúdico junto, né?
R - Sim.
P/2 - Da pra explicar um pouquinho mais isso? Assim, como que é isso, a arte e o lúdico?
R - Eu vou dar um exemplo pra você: a minha filha ela faz desenhos, ela faz a bonequinha, que antigamente a gente fazia que era com palitinho, assim, a gente desenhar a perninha e a mãozinha como palitinho. Só que ela usa a imaginação dela, na imaginação dela ela coloca vestido, ela coloca saia, ela fala que a boneca vai passear, ela consegue desenvolver, então ela vai mexendo com essa parte lúdica dela, de desenvolver "Como é esse desenho? Como eu quero.... A proposta que eu quero passar desse desenho pra outras pessoas?" Tanto que ela me desenha e eu até dou risada, porque ela fala assim: "Aí mãe, hoje eu vou te desenhar, você tá com o cabelo desse tamanho, mas tem dia que você está com cabelo bem, bem pequenininho". Ela coloca um olho maior que o outro, e eu falo assim "Então...". Vai desenvolvendo, vai mexendo. Querendo ou não a arte um pouquinho ajuda nessa parte.
P/2 - Você depois... Hoje você está na Rede Cria Norte. Como foi que você conheceu? Como que se deu essa... Conta essa história pra gente.
R - A Cria Norte acho que foi um divisor de águas pra mim. Porque eu vi uma chamada no Facebook do shopping Center Norte, e aí na época eu me inscrevi, mas também eu falei assim "gente, vai milhares de pessoas da Zona Norte, vão entrar na situação (risos) e eu nem sei se eu vou ser uma das selecionadas", tanto que eu fui a última, de 250 pessoas, eu fui a última. A gente na época começou com 50 artesãs, aí a nossa orientadora Camila entrou em contato diretamente comigo, perguntando se eu queria fazer parte da rede, na época a gente não tinha dado o nome nem nada, e se eu poderia enviar algumas fotos dos meus produtos para eles avaliarem. E me convidou para ir num encontro de terça-feira. Quando eu fui já tinham começado os encontros, já tinha rolado dois encontros, e... Na época eu peguei, eu fiquei meio... Onde eu estou? (risos) Porque eu não sabia, mas eu... Foi um divisor, que, fora a escola de negócio, que é a parceria que a Asta tem e o Instituto, foi um divisor de águas, onde eu pude aprender mais sobre o empreendedorismo, de como eu poderia expor meus produtos, de como eu deveria colocar preços, de como eu poderia fazer uma coleção. A gente teve ajuda tanto de psicólogos, de como a gente deveria agir, de como a gente deveria se posicionar diante do mercado. Como eu já falei, foi um divisor de águas que me ajudou agregar o que eu queria para minha vida.
P/2 - Você disse que teve uma chamada no Facebook e qual... Era para que essa chamada?
R - Eles estavam chamando artesãos da Zona Norte de São Paulo para um projeto onde eles desenvolveriam mulheres, para capacitarem e terem ajuda profissional de escola de negócios, de como você trabalhar o seu produto.
P/2 - E 250 pessoas se inscreveram.
R - Exatamente.
P/2 - E aí dessas 250 é que depois vocês foram chamadas para Rede Cria Norte? Ou antes teve outro trabalho?
R - Teve seleções, tanto que eu fui uma das últimas a ser chamada, não sei como foram as seleções que eles fizeram. Eu fui uma das últimas porque tiveram duas desistência, e aí eu e mais uma colega minha da rede fomos chamadas. E aí a gente apresentou os nossos produtos via e-mail e a gente foi convidada a participar da rede.
P/2 - E essa rede hoje tem quantas pessoas? Ou melhor, começou com quantas?
R - Começamos com 50, aí no decorrer foram desistindo algumas pessoas, porque muitas vezes o projeto não era o que elas queriam, e dessas 50 pessoas hoje, nós estamos em 15 pessoas, sendo 14 mulheres e um homem.
P/2 - E você pode contar, além disso que você já contou, que ações vocês fizeram? Vocês têm essas orientações, aprenderam tudo isso, e de ações, atividades? Tem alguma coisa?
R - Então, ações no momento a gente não tem, porém a gente tá encabeçando um projeto, a gente tá em busca de um local para a gente poder ajudar outras pessoas, outros... Outras mulheres, outros homens a entrar na Rede Cria Norte para desenvolver... Não deixar esse projeto morrer, mas deixar esse projeto continuar, que é um projeto em si que eu acho que o Instituto Center Norte eles gostaria que se desenvolvesse mais para outras pessoas da região.
P/1 - O Cria Norte ele teve algum projeto que te marcou com relação a tudo isso que você já fez?
R - Me marcou desde o começo o projeto, porque querendo ou não é um projeto que na época era para ser apenas mulheres, porém a gente viu diversas situações e histórias de mulheres, tanto mulher que o marido não apoiava e hoje apoia, mulheres mães solteiras, meninas, que hoje a gente tem uma menina de 19 anos junto com a gente, que tá querendo crescer no mercado de trabalho, e homens... Que eu acho raro homem, principalmente um homem, mexer com crochê hoje em dia, é raro você ver um homem nessa parte do artesanato em si. E me marcou bastante, porque a gente vai conhecendo histórias diferentes das nossas. Ao mesmo tempo diferentes, mas ao mesmo tempo parecidas.
P/2 - Vocês têm momentos, assim, de contar as suas histórias?
R - A gente... Não é momento, mas a gente tem um espaço que a gente conta ideias, informações, o desenvolvimento de produtos.
P/2 - E vocês nesses encontros, nessas reuniões, o que é trazido além da parte comercial, na parte de arte? Tem alguma formação ou cada um faz o que já precisa sozinho?
R - Não, a gente... No começo a gente começou com uma designer, ela desenvolveu, nos ajudou a desenvolver, uma coleção linda, e agora a gente tá entrando numa nova coleção, que a gente, com ajuda da Camila, ajuda de outros profissionais, a gente vai fazer essa coleção aí, a próxima coleção.
P/2 - Aí sem a designer.
R - Sem a designer agora. Agora o desafio é maior (risos).
P/2 - Essa designer ela trouxe... Agregou o que pra você? No seu trabalho, você acha que agregou?
R - Agregou muita coisa. Porque antes eu não sabia como eu poderia... Um exemplo que eu vou dar, definir cores, como eu poderia misturar essas cores no meu trabalho, onde eu poderia agregar um coração no meu trabalho, que hoje meu trabalho, meu amigurumi, tem um coração. Onde eu poderia agregar, onde eu poderia... Nem tanto na área comercial, onde eu poderia levar os meus produtos, como eu iria apresentar para as pessoas esses produtos. E ajudou muito.
P/1 - Então você diz que ele te direcionou.
R - Direcionou. E muito.
P/2 - E você... Hoje você apresenta como seus trabalhos, já que você descobriu mais formas novas?
R - Então, fora a Rede Cria Norte, eu apresento a minha coleção, a coleção da Karen. Como que é a coleção da Karen, é uma coleção maternidade, que vai desde um porta maternidade até uma naninha, onde a criança pode se achegar a ela. E aí nesse trabalho de cores eu consigo, além de colocar tecidos, ou linhas, ou crochê, eu consigo mencionar o porquê daquele encanto, por quê? O que vai trazer de benefício para aquela pessoa se ela comprar o meu produto? Ou se ela divulgar o meu produto?
P/2 - É um desafio mesmo.
R - Sim
P/2 - E você chega a dizer o que? Que o seu produto vai trazer o que pras pessoas?
R - Ontem eu estava até conversando isso com a minha mãe, minha mãe falou assim: "Como eu posso impactar a vidas das pessoas? Me dá um exemplo?". Eu falei: "Mãe, isso dai você vai ter que saber. Eu sei como eu posso, a Karen, pode impactar as pessoas. Pode impactar uma criança ou um adulto”. Porque assim, hoje em dia o meu produto é uma técnica antiga, essa técnica ela vai trazer memórias para aquela criança, ela vai trazer memórias para aquela família, ela vai lembrar "olha, hoje eu tô vendo um produto que a minha tia, minha avó, outras pessoas faziam". Isso eu acho que impacta uma pessoa, que vai fazer ela lembrar da infância dela. E hoje em dia... E eu falo muito que essas técnicas de antigamente, hoje elas vieram mais fortes, para mostrar para as pessoas que de alguma forma ela vai ajudar com lembranças memoráveis, lembranças boas da infância.
P/1 - Então você diz que seus produtos eles modificam a pessoa pro lado bom?
R - Exatamente. Ela vai lembrar... Querendo ou não, um pedacinho... Eu acho assim, que hoje o crochê um pedacinho dele vai lembrar "nossa, olha... A minha mãe, a minha tia, a minha avó fazia isso, me ajudava, ela tinha, eu ficava ali do lado dela para fazer isso", e isso vai impactar a vida da pessoa, porque vai trazer memórias boas na vida dela.
P1 - E fala um pourqunho da sua segunda filha, como que ela é, como que ela interage com a Carolina.
R - Eu to com um desafio muito grande, porque a minha filha Carine ela sabe que a irmã dela tem autismo, porém ela não aceita, ela acha que a irmã dela é igual a ela. E ai ela é igual eu quando pequena, ela tenta culpar a mais velha por coisas que ela mesmo faz. E é... Ta sendo um desafio explicar isso pra ela, mas assim, ao mesmo tempo que ela briga com a irmã dela, ela defende. Ela não gosta que eu brigue, ela não gosta que eu chame a atenção, ela protege com unhas e dentes. E assim, ela... Eu falo com a minha mãe que eu tenho a pura inocência, que é a Caroline, e a Carine é... Como eu posso dizer? Ela é como se fosse um carro, que é adrenalina total. Porque assim, ela é totalmente, é o oposto. Eu tenho a inocência, mas eu tenho a adrenalina. E foi... Eu acho que me impactou muito, porque ela veio mesmo pra agregar muita coisa na minha vida, porque querendo ou não é dificil você ter uma criança com deficiência, mas ter uma criança que não tenha deficiência, que te mostra o outro lado da vida. Me mostra o outro lado, “nossa, mas ela é igualzinha quando eu pequena", porque eu falo assim, ela pode ser parecida com o pai dela (risos), mas ela é todinha eu quando pequena. Por causa das...
P/2 - Artes?
R - As artes que ela fazia, eu faço. Não, que eu fazia, ela faz hoje em dia.
P/2 - As travessuras.
R - Faz. E ainda eu falo assim: "Gente essa menina vai me deixar de cabelo branco logo cedo" (risos).
P/2 - E depois o casamento, você falou que separou há pouco tempo, você quer contar alguma coisa sobre isso?
R - Não (risos).
P/1 - Como que é a relação de vocês três?
P/2 - Acho que o que vocês fazem, fora a parte do tratamento, fora o seu trabalho...
R - Então, gosto de sair muito com as minhas filhas, eu trago elas bastante aqui no Parque da Juventude, no Horto, mas eu gosto muito de ir com elas na Paulista. Porque assim, dia de domingo a Paulista é fechada, dia de feriado, e la eu deixo elas andarem livremente, porque... Pra ela conhecer como é a história de São Paulo, eu gosto muito de levar elas no Parque Villa-Lobos, onde tem a possibilidade da gente andar de bicicleta, gosto de levar elas no cinema, porque na Paulista tem um cinema no SESC que é gratuito, onde eu levo para elas assistirem filmes. Eu gosto muito de mexer com a imaginação delas, não gosto de deixar elas muito tempo paradas em televisão e em tablet dentro de casa. Eu gosto de desenvolver muito essa parte da arte delas.
P/2 - Aqui na região norte, já que nós estamos fazendo as memórias da Zona Norte (risos), tem algum lugar que pra você... Vocês costumam ir bastante, tem alguma coisa de especial, que você vai com as suas filhas?
R - Eu gosto de ir muito no SESC. Porque lá... No SESC Santana, lá tem um solário, onde tem... Às vezes tem alguma apresentação, mas assim... Lá mexe muito com o lúdico, tem oficinas de arte, que vai mexer com o lúdico da criança. Eu gosto de trazer elas muito. Fora o Parque da Juventude, o Horto.
P/2 - Aqui no Parque da Juventude, o que vocês fazem?
R - Elas brincam no playground, aí as vezes a gente vai até a parte do muro, que é a parte do presídio, pra conhecer eu mostro um pouco pra elas. Mas a minha opção muito mais, fora o Parque da Juventude, é o Horto, porque no Horto eu consigo mostrar trilhas, elas conseguem ver os bichos, os peixes, os macacos, porque lá tem capivara... Eu gosto muito e eu levo muito elas pra andar de bicicleta.
P/2 - Quando você vai la com elas você lembra da sua infância?
R - Oh... (risos)
P/2 - Você conta pra elas?
R - Porque lá no Horto, fora a parte do playground, tem um museu, tem onde fez uma novela, que eu até esqueço o nome, que minha mãe falava, sempre falava pra mim, mas eu esqueço. Teve uma novela que foi feita lá e eu gosto de mostrar isso para elas, "olha aqui passava o trem”, “aqui já teve novela”, “aqui é o museu”, “oh, se a gente ir por essa trilha a gente vai chegar na pedra branca, que é grande e da pra você ver”, “oh, tem macaco", elas conseguem ver bastante a parte da natureza em si. Que acho que é o que marca a Zona Norte.
P/2 - Você acha que é o que marca a Zona Norte?
R - Eu acho. Porque a gente, querendo ou não, referente a outras regiões de São Paulo, a gente tem muito verde. Acho que a gente foi privilegiado, porque a gente tem... Fora assim, nessa parte da... De metropolitana, Santana, Tucurivi, onde eu moro em si, eu falo que eu fui privilegiada com verde. Porque a gente tem a poluição sim, mas onde eu moro não é tanto quanto na parte metropolitana, na parte de metrô. Dá para você respirar o ar verde.
P/2 - Onde é? O bairro que você mora?
R - Na Vila Albertina. É entre o Horto Florestal e o Jaçanã.
P/2 - Você mora com a sua mãe?
R - Sim. Moro com a minha mãe (risos). Com a minha mãe e com o meu pai.
P/2 - Com que idade você começou a trabalhar? Voltando um pouquinho.
R - Eu comecei a trabalhar com 15 anos. Foi um estágio entre a Fundação Gol de Letra e o Banco do Brasil, onde eu trabalhei durante dois anos e três meses. Lá eu trabalhei na parte administrativa, de como você fazer um ofício, você mandar uma carta pro cliente, você... Como arquivar contas, ajudei também no autoatendimento na época, depois disso o meu estágio acabou e eu querendo ou não, com aquela sede de menina, de trabalhar, comecei a trabalhar no McDonald’s durante um ano. Aí depois do McDonald’s eu trabalhei como telemarketing, e do telemarketing eu fui trabalhar no hospital SECONCI, que é um hospital do estado, onde ele trabalha com outros hospitais da região da Zona Norte, Zona Oeste e Zona Leste. E depois disso eu tive que sair do emprego para cuidar da minha filha.
P/2 - Como é trabalhar no McDonald’s?
R - Tem pessoas que falam que é muito ruim, mas eu... Foi uma aprendizagem muito boa para mim, eu gostei bastante, porque me ensinou como eu tenho que tratar o público, como eu posso, desde montar um lanche a como limpar um local, foi uma experiência boa, eu gostei muito.
P/2 - Eles dão essa formação?
R - Eles dão... Na minha época, não sei agora, mas na minha época me deu uma formação que tinha cursos, fora a gente trabalhar a gente tinha alguns cursos, e me ajudou muito.
P/2 - E telemarketing, como é essa experiência?
R - (risos) Então, essa experiência é agitada, viu? É muito agitada. Trabalhei durante dois anos com telemarketing, eu era receptiva, os clientes entravam em contato com a gente para reclamar que o cartão não chegou, que a fatura veio errada, trabalhava no sac. E foi uma experiência... Não foi muito boa porque, assim, você chegava neutra e você saia estressada. E foi uma época em que eu me desgastei muito, querendo ou não. Eu já tinha minha filha, só que foi uma época que... Minha filha era pequena na época, que eu chegava na minha casa muito estressada. Diferente do McDonald’s (risos).
P/2 - Por que esse trabalho te deixava tão estressada?
R - Porque na sede de você ajudar as pessoas, você trazia o problema da pessoa para sua vida. E às vezes, muitas vezes, eu chegava em casa estressada e falava assim: "Ah, mas um senhor ligou reclamando do cartão dele, eu queria ajudar, mas eu não consegui ajudar". Isso acabava como... A minha mãe fala que eu sou uma esponja, eu vou sugando, vou sugando, sugando, sugando e na hora que é para soltar água dessa esponja, eu acabo atirando pra tudo quanto é lado (risos).
P/2 - Karen, nesse trabalho vocês não têm uma formação, um treinamento pra não acontecer isso?
R - Não. E deveria ter, porque é uma coisa maçante. Porque não era uma... Tipo assim, a gente não tinha um tempo, era uma ligação atrás da outra. A gente tinha um tempo da gente almoçar e voltar para PA para trabalhar. E aí eram muitos problemas, desde clonagem até fatura de cartão, cartão que cliente não pediu, e era complicado.
P/2 - Você trabalhou só numa empresa.
R - Só numa empresa.
P/2 - E depois você foi trabalhar no hospital... Era um hospital?
R - Sim, era um hospital onde atende... Ele não é do estado, mas ele atende funcionários do estado. Pessoas... Como eu posso dizer? Varredores de rua, pessoas que trabalham com obra pesada.
P/2 - Você fazia o que nesse hpspital? Qual era o seu trabalho?
R - Eu trabalhava ali no agendamento de consultas. Eu agendava.
P/2 - Por telefone?
R - Por telefone e pessoalmente. Era como recepção.
P/2 - Essa experiência foi importante?
R - Foi muito, foi muito importante, porque eu trabalhava na parte de oncologia, onde a gente pegava inúmeros e inúmeros casos de pessoas com câncer, onde a gente tinha que ter... Não é um feeling, mas tinha que saber conversar. Às vezes... Muitas vezes não tinha o exame que o paciente procurava, e a gente tinha que saber conversar com ele e falar assim: "Olha, senhor, não foi dessa vez, mas vai tentando. Deixa o seu telefone pra contato que a gente vai entrando em contato". E é muito... Eu falo pra você que foi uma experiência muito boa. Porque a gente vê o outro lado da vida da pessoa. A gente tem essa compaixão.
P/2 - E não tinha os exames por que... Não tinha [horário?]?
R - Não, é a demanda do estado, o estado ele coloca uma demanda de x exames por mês e muitas vezes a gente não conseguia encaixar. Tipo assim, tinha 50 pacientes, ás vezes a demanda era de 20 exames e a gente não conseguia encaixar.
P/2 - Os 50?
R - Exatamente.
P/1 - Você se sentia limitada nesse...
R - Exatamente. Porque é triste a pessoa contar a sua história: "Olha, mas eu to na fila já faz tanto tempo e esse exame não saiu, essa consulta não saiu". É complicado.
P/2 - Quanto tempo você trabalhou nesse lugar?
R - Eu trabalhei dois anos também. Dois anos e meio.
P/2 - E teve alguma história que te ensinou? Porque você disse que aprendeu muito, mas teve alguma situação que foi mais importante?
R - Sim, teve uma história de uma senhora que ela... Direto ela ligava pra saber se o exame dela... Se tinha agendado o exame dela. E não tinha, porque a demanda era pouca, e eu liguei pra ela e eu soube através da filha dela que ela tinha falecido. Da espera que ela estava, ela tinha falecido. E me marcou muito, porque muitas vezes a gente espera, espera e espera... Às vezes a gente não consegue.
P/2 - Pode ser uma pergunta difícil, mas... Isso você... Esses aprendizados hoje, você traz alguma coisa pra sua prática? Tem alguma relação?
R - Trago. Eu trago porque, assim, fora essa situação que eu trabalhei no hospital, há pouco tempo eu perdi, em janeiro, a minha prima, que ela também estava com câncer no estômago e... Eu trago essa história dela, porque ela tem dois filhos... Ela faleceu, os filhos dela ficaram, e os filhos dela têm a mesma idade das minhas filhas. E eu vejo que hoje em dia a gente tem que se cuidar, sim. Ela sempre falava pra mim: "Se cuida. Se cuida, vai procurar um médico. Tá com dor? Procura. Não deixa pra última hora", porque as vezes num descuido a gente descobre que a gente esta doente. Entendeu? E... Foi um aprendizado, e muito. Eu aprendi muito. E hoje eu vejo, eu valorizo mais a vida. Eu procuro me cuidar mais, porque querendo ou não eu tenho duas filhas que dependem de mim. A minha prima ela foi cedo embora, ela foi embora com 44 anos, mas ela deixou um legado ai. Os filhos dela hoje em dia... Os filhos dela eu vejo e falo assim: "Como vai ser se eu sair dessa terra e deixar as minhas filhas?", porque hoje eu vejo pelos filhos dela. Não têm a mãe, só contar com o pai, não poder contar com outras pessoas da familia. É triste.
P/2 - A gente perguntou tantas coisas, mas pode ser que você tenha coisas que você quer contar, quer registrar, da sua história... Por tudo isso que você falou. E então, quer contar alguma coisa que a gente não perguntou?
R - Eu não tenho uma coisa pra contar, mas... Eu queria que as pessoas tivessem mais empatia ao próximo. As pessoas pudessem olhar mais pro próximo. Porque as vezes... Muitas vezes a gente não vê, assim, a primeira vista, mas muitas vezes a gente pode sentar, perguntar, saber se está bem, através de uma conversa, de um telefonema, e hoje em dia as pessoas estão muito no virtual. As pessoas esqueceram da essência, as pessoas hoje em dia, eu falo que elas estão mais conectadas do que desconectadas da vida. Entendeu? Elas se desconectaram da vida, elas não estão mais conectadas ao ponto de sair, de perguntar, de ligar, hoje em dia eu valorizo, eu como pessoa valorizo a vida, eu valorizo escrever uma carta do que mandar uma mensagem através de um celular. Meu celular muitas vezes eu deixo de lado, porque é passageiro, tudo passa, entendeu? Hoje tudo passa, mas as memórias ficam. E é esse legado que eu quero levar pro resto da minha vida, que as memórias ficam.
P/2 - Uma pergunta puxa a outra, então eu vou aproveitar. Primeiro uma que eu esqueci de fazer. Você disse que empreender é uma boa saida, é uma boa alternativa. Mas quais as principais necessidades.... Primeiro, dificuldades de empreender, depois possibilidades. Você pode dizer?
R - Vou começar pelas dificuldades. Hoje em dia a gente não tem apoio. Existe... Tem... Não é que não temos apoio, o apoio que temos é um apoio que a gente tem que pagar pra ter esse apoio.
P/2 - Por exemplo?
R - Eu coloco a situação de hoje, pra você empreender você tem que ser microempreendedor. Você tem que ter o seu MEI, porque se você não tiver o seu MEI, você não consegue pôr o seu produto, você não consegue expor o seu produto, entendeu?. Mesmo tendo recursos de Internet, você não cosnegue. E eu acho que hoje pra você ter um MEI não é uma dificuldade, mas acaba não facilitando muitas coisas. Eu, no meu caso, eu abri o MEI e eu estava em... Com a minha filha pra receber o benefício, e o benefício automaticamente, da minha filha, foi bloqueado por eu ser MEI. E isso acaba dificultando. E uma das facilidades pra você ser empreendedor é que você vai sair da sua rotina, você vai olhar mais pra você, você vai ter uma rotina flexível, você vai conseguir, vai ter possibilidades de ter inúmeras maneiras, inúmeras situações de poder mostrar não só o produto, mas o seu conhecimento a outras spessoas.
P/2 - Você disse que o benefício foi cortado, essa é uma legislação nova ou não?
R - Não, não é que é nova, é que assim, hoje em dia você ter... Sua filha tem um benefício, você ser microempreendedor, eles entendem que você consegue sustentar a sua filha, entendeu? Você consegue. Então você não vai precisar automaticamente do benefício do governo. E as coisas são totalmente diferentes. Eu falo assim, que... Não é pelo salário que ela possa receber ou eu possa receber, não, não é pelo salário, é por entender que é um direito dela como cidadã. Ela se enquadra numa situação de inúmeras pessoas que estão na porta de um INSS batalhando por um direito, entendeu? Porque ela... Ela não trabalhou? Não trabalhou, mas é um direito dela como cidadã brasileira, e isso acaba esbarrando.
P/2 - Apoio que você falou, que falta apoio, qual outro tipo de apoio que você diz que é importante?
R - Do apoio pra empreender ou...
P/2 - Pra empreender.
R - Hoje eu acho que... Falta... Mais apoio do governo, entendeu?. Não só tendo o MEI, mas assim, mais cursos, informações, instruções. Porque hoje em dia a gente... Ta, a gente tem o SEBRAE, tudo bem. Só que assim, pra gente fazer um curso, ou a gente paga no SEBRAE, ou a gente é MEI. Senão a agente não consegue acessar esses cursos do SEBRAE, não tem uma plataforma livre que eu possa falar assim "oh, eu vou conseguir", dependendo da área que você for empreender.
P/2 - E a outra coisa que eu falei que eu ia perguntar no final. Você comentou de... Das coisas que você... Ah, de conectar e tal, que você prefere uma relaçao mais próxima e não só celular.
R - Sim.
P/2 - Você tem uma história pra contar assim, dessa forma de você ser?
R - Não, eu não tenho uma história. Só que assim, eu... Eu mudei os meus hábitos de pensar. Eu mudei os meus hábitos de agir porque... Como eu falei, tudo passa. O celular é um aparelho que você acaba se desconectando da vida e se conectando nele, e se deixar você ficou o dia inteiro nele, você esquece até de comer. E eu acabei determinando isso na minha vida. Quando eu estou com as minhas filhas ou quando estou conversando com outra pessoa, o celular vai ficar de lado. Porque eu quero ter esse contato, porque às vezes, muitas vezes a gente fica muito nesse mundo conectado, a gente esquece das essências.
P/2- E teve alguma... Aconteceu alguma coisa que você resolveu isso?
R - Não. Não aconteceu, mas como eu ficava... Eu ficava muito no celular, eu acabei me distanciando dessa parte... Principalmente das minhas filhas, porque as vezes eu pegava o problema do celular e acabava deixando elas de lado. Então eu falei assim "então eu tenho que mudar isso". Eu acabei começando a mudar essa história.
P/2 - E trouxe algum... Você percebeu assim "olha".
R - Trouxe, trouxe muito benefício (risos).
P/2 - Você tem alguma lembrança? Assim, nossa, olha isso aqui, como foi...
R - Olha, uma vez a minha filha falou assim: "Você não tem tempo pra mim".
P/2 - Qual filha?
R - A mais velha, com autismo. "Você não tem tempo para mim, você só fica no celular e você trabalha direto. Você não tem tempo pra mim. Quando eu vou perguntar alguma coisa, você não conversa comigo". Ai eu falei assim "alguma coisa ta errada". Ai peguei e comecei, eu falei assim "olha, vamos tirar uns 30 minutos, vamos sair, (risos) vamos sair". Aí eu comecei. Hoje em dia eu deixo o celular bastante de lado, eu não fico o dia inteiro no whatsapp porque eu falo assim "gente, daqui a pouco o meu dedo vai ficar torto de tanto eu ficar no whatsapp". Eu acabo deixando. Tanto que as pessoas falam: "Nossa, eu mandei a mensagem pra você nove horas da manha e você veio me responder dez horas da noite?" eu falo assim "é, porque o meu tempo é corrido, não tem como eu parar".
P/2 - E isso pro seu trabalho não interfere?
R - Me ajuda.
P/2 - Não ficar no celular, porque tem a rede, os seus contatos... Deixar o celular de lado não atrapalhou?
R - Não, não atrapalhou. Porque assim, o meu desenvolvimento, a minha produção, como eu trabalho com o feito a mão, ele me possibilitou eu fazer mais produtos do que eu ficar... Porque se eu ficar, se eu tirar 30 minutos... Que é o... Tipo assim, os 30 minutos que eu consigo produzir uma metade de uma peça, de um produto meu, se eu ficar 30 minutos parada no celular, eu não vou conseguir terminar essa peça, eu não vou conseguir nem começar.
P/2 - Muito bem. Mais alguma coisa, Karen?
R - Não (risos). Obrigada.
[pausa]
P/2 - Então, Karen, é isso. A gente está terminando. Se você lembrou agora, nesse meio tempo, de alguma mensagem ou algum fato tambem que você quer registrar?
R - Eu só gostaria de agradecer e esperar que essa história minha, que eu contei um pouquinho dela, posso ajudar outras pessoas também.
P/2 - Ta ótimo.
R - Obrigada.
P/2 - Muito obrigada. Parabéns, viu? Pela sua história, pela sua determinação.
R - Obrigada.
P/2 - E vai ajudar sim, com certeza.