Paulo Queiroz Marques conta para o Museu da Pessoa sobre sua vida, marcada pela paixão à Farmácia. Sua família era dona de uma Farmácia no interior de São Paulo e Paulo traz muitos detalhes sobre como funcionavam antigamente as boticas e farmácias de manipulação. Memórias de um modo de trabalhar que se extingue aos poucos nos dias de hoje, dado o avanço das indústrias farmacêuticas. Reconhecendo os pontos positivos das indústrias, Paulo projeta um mundo onde os grandes laboratórios consigam trabalhar complementarmente às farmácias de manipulação.
Origens da família
Meu nome é Paulo Queiroz Marquez, eu nasci em Itaberá, Estado de São Paulo em 1921 e tenho portanto 76 anos. Do lado paterno eu sei que o nome do meu avô era Francisco Marquez e da minha avó eu não tenho muita certeza me parece que era...mas do lado paterno eu já tenho algumas informações que a família lá na cidade onde morava que era Faxina, que atualmente chama-se Itapeva, existiam algumas famílias que casavam os membros entre sí e cresceram formando lá uma sociedade mais ou menos homogênea, de origem portuguesa, eu não sei de que região de Portugal. Meu avô materno chamava-se Antonio Alves Pereira de Queiroz e a minha avó materna chamava-se Paula Pereira de Queiroz. Eles eram comerciantes e trabalhavam com secos e molhados ele, a minha avó era o tipo da matriarca e tinha um domínio muito grande sobre os filhos e dentre os filhos que ela teve tinha, tinha praticamente três irmãs que eu conheci, as três eram muito bem casadas e tinham fazenda, outro tinha um comércio fino e outra era espécie de um intelectual da família, ele era Filólogo.
Família e farmácia
Do lado paterno ele tinha um irmão que chamava Cristiano Marquez, esse Cristiano formou-se em farmácia em Ouro Preto, precisamente não sei o ano mas deve ser lá pelo começo do 1900 e poucos. E por coincidência o pai da minha mulher formou-se em Ouro Preto também e era farmacêutico, então tinha dois farmacêuticos um do lado materno outro do lado paterno com relação aos meus filhos. E esse Cristiano ele era casado não tinha filhos e naturalmente o meu pai que estudava num seminário aqui em São Paulo, indo para Faxina ele foi convidado a trabalhar com esse meu tio e lá ele aprendeu muita coisa. Naquele tempo a bibliografia existente era o Cherrnoviz que é um livro clássico que era editado na França, eu acho que muita gente deve conhecer, ele era um médico polonês chamava Napoleon Kanovicks e o nome foi abrasileirado para Cherrnoviz e ele compilava todos os conhecimentos da época e fez um livro que era obrigatório nas boticas e nas farmácias e também os donos de fazenda tinham. Lá davam os diagnósticos das doenças e dava os recursos naturais, os remédios naturais, descreviam as plantas pra uso e efeito delas. Então o livro era uma verdadeira faculdade naquele tempo. Naturalmente como era editado na França era patrocinado por laboratórios franceses e só dava equipamentos franceses e muita coisa que não se adaptava bem a realidade brasileira. Mas ele vindo embora para o Brasil o Chernoviz ,que saindo um pouco da história, ele foi médico da Corte e estudioso de botânica, ele estudou muitas plantas medicinais que hoje estão no folclore brasileiro não? Veio para o Brasil contratado pelo Imperador Dom Pedro I. Eu tenho mais ou menos a história dele e é um homem muito culto né? Então esse livro que ele escreveu era o livro que o meu pai estudava, né?
Lembranças do pai farmacêutico
Na minha primeira infância eu me lembro quando saia nos campos, nos pastos assim ele (o pai) com o livro lia uma planta e procurava ver se ele identificava aquela planta quando o livro... então tinha uma planta que tinha espinhos ou o fruto tinha espinhos e a folha era digitada e aquilo lá era usado muito para tumores, para abcessos né? Fazia-se compressas, cataplasmas e... Parece que era Figueira do Diabo ou Figueira do coisa assim, um nome popular. Mas com ele a gente aprendeu alguma coisa e o meu pai depois de ter trabalhado com esse meu tio montou uma farmácia própria e naturalmente não sendo farmacêutico estabeleceu-se numa cidade próxima chamada Itaberá onde eu nasci. Lá por denúncia de um farmacêutico que tinha na cidade ele foi obrigado a contratar um farmacêutico para assumir a responsabilidade e entrementes ele providenciou que o primeiro filho mais velho fosse da farmácia; depois o segundo filho, depois o terceiro filho e depois o quarto que era eu né? Então ele sofreu muita influência do irmão e nós sofremos influência dele naturalmente.
Remédios antigos
Naquele tempo usava-se muito a banha de porco, banha benzuinada pra fazer pomadas e usava-se uma outra que dava um gel, uma geléia, é amido, geléia de amido. Então fazia-se fórmulas pra uso externo e naturalmente àquele tempo a parte de laboratório ocupava uma área maior do que a parte de dispensação. Praticamente não existiam remédios industrializados, os poucos que existiam vinham da França, vinha da Alemanha, vinham dos Estados Unidos. Eu me lembro que o Leite de Magnésia Phillips vinha numa embalagem original e tinham muitos remédios que vinham da França, tinham os grânulos (Roudê?) tinha umas fórmulas injetáveis também que vinham da França. Praticamente eles importavam e distribuíam para as farmácias aqui no Brasil. Mas acontece que as cidades naquele tempo eram muito rarefeitas, a população muito rarefeita e as quantidades eram pequenas. Aí comprava-se em frasquinhos de 1 grama, 5 gramas, 10 gramas que era uma quantidade pra suprir um estoque de uma farmácia normalmente na época, hoje em dia já seria obsoleto né? Mas esses produtos eram da Poullenque da Rhodia, Poullenque na França, eram da Merck vindo da Alemanha, eram da Inglaterra e eram umas embalagens que eram verdadeiros mimos porque eles vinham muito bem acondicionados e naturalmente eu ainda vim a usar alguns nas embalagens originais.
Família e farmácia
Praticamente não existia outras atividades atraentes lá na cidade (Itapeva) e, os filhos trabalhavam na farmácia e as minhas irmãs não trabalhavam foram ser professoras né? Mas elas todas estavam com a cultura ligada à farmácia. Éramos em 13. Naquela ocasião faleceram seis. E desses sete, quatro foram farmacêuticos e três não eram farmacêuticos.
Transição - da botica para a indústria farmacêutica
Naquela ocasião 1939-40 o curso de farmácia tinha por exemplo 12 ou 14 alunos e tinha 17 professores, os candidatos à farmácia cada vez se escasseavam mais e a tendência que existia era desaparecer a profissão como sendo uma atividade especifica de farmacêutico. Isso se deveu muito com o advento da industrialização as farmácias que antigamente eram boticas e manipulavam, que tinham um farmacêutico manipulando, eles tinham auxiliares de farmácia que aprendiam ali nas cidades do interior todo mundo mandava, acho que todo grande homem sempre passou por uma farmácia sabe, acho que até Rui Barbosa passou. Mas acontece que a atividade farmacêutica foi perdendo o interesse e os farmacêuticos por sua vez foram deixando a farmácia ou deixando seus auxiliares imediatos que depois vieram a se provisionar como oficiais de farmácia.
Farmácia x drogaria
Com o advento da Indústria Farmacêutica a legislação não previa a venda de remédios industrializados, então ela foi alterada e criou-se a denominação de Drogarias. Então muitas farmácias se transformaram em drogarias e naturalmente as poucas farmácias que existiam aqui em São Paulo na época que eu estudava eram farmácias tradicionais e que estavam perdendo mercado. Aí havia uma venda mais ou menos desordenada que vinha dos seus distribuidores, dos importadores. Então o laboratório foi sendo desativado nas farmácias e a área privilegiada ficou sendo a área de atendimento ao público ou seja, da dispensação. E atualmente a área de dispensação nas Drogarias é uma parte mais importante.
A formação da Drogasil
P/1:: Eu entendia Doutor Paulo, que a Drogaria pelo menos eu li um artigo sobre isso, ela teria originalmente a função de ser uma distribuidora de drogas para as farmácias. Posteriormente elas passaram a ser uma revenda direta ao consumidor? R: Na realidade primeiro existiam as distribuidoras, depois a Drogasil mesmo que se reuniram num grupo de grandes farmácias que se transformaram em Drogarias e Importadoras. A Drogasil vendia para as farmácias, elas faziam o seu pedido pra Drogasil e ela mandava todos os remédios, ela representava todos os laboratórios. Então era uma facilidade porque tinha os viajantes, eram os representantes dos laboratórios das drogarias que iam nas cidades do interior de cidade em cidade, eles tomavam nota dos pedidos e depois mandava. Então vinha aquele caixotes grandes dos produtos então industrializados.
Formação dos laboratórios nacionais
Mas o primeiro sinal de industrialização que houve foi justamente o do Fontoura Medicamenta, Fontoura e Cerpa que nasceu como todos grandes laboratórios, de uma farmácia do Fontoura. E o Fontoura começou a fazer o Biotônico que teve um grande sucesso na época, dizem por causa da lei seca. Os Estados Unidos eles importavam como sendo remédio e as pessoas tomavam como sendo aperitivo. Depois apareceram outros laboratórios Silva Araújo, apareceu o Laboratório Raul Leite,o Laboratório Laboratil, Laboratório Capivarol da Curitibina, todos são pequenos laboratórios e acontece que todos esses laboratórios começavam sempre dentro de uma farmácia e eles mandavam registrar o produto e ficavam como donos da patente do produto. Naquele tempo qualquer um podia registrar o produto em seu nome que não tinha maiores pré-requisitos quer dizer, ele era dono da marca.
Descrição da farmácia antiga
Bom, o aspecto da farmácia tinha uns móveis de madeira nobre, Jacarandá, e eram entalhados. A parte de atendimento ao balcão era relativamente pequena mas o móvel era muito bonito e tinha uma grade separando um balcãozinho com uma grade, separando o público da farmácia. Como decoração que é praticamente um emblema da farmácia existia duas ânforas de vidro geralmente com um líquido colorido um vermelho outro azul. Era uma espécie de um adorno que se usava na farmácia como se fosse um sinal de identificação. No laboratório os frascos de tinturas, extratos fluídos em geral eram frascos de vários tamanhos, tinha frascos pequenos desde 15ml, 30, 100, 200, 500 até 1 litro e eram frascos importados que tinha o rótulo de vidro dourado escritos o nome do conteúdo normalmente em latim ou senão o nome científico de planta. Existiam os produtos químicos, os mais usados era o Salicilato de Sódio, o Benzoato de Sódio, o Citrato de Sódio e existia muitas tinturas de plantas.
A manipulação
E a gente fazia as tinturas na própria farmácia. Pegava a planta, macerava, ficava lá 20 ou 30 dias agitava-as periodicamente depois filtrava em papel de filtro e fazia-se as poções. Existiam poções para doenças mais comuns e apesar da sua simplicidade parece que matavam menos que os remédios de hoje, tinham menos efeitos colaterais né? Então existia umas a base de produto químico por exemplo Saliciato de Bismuto que usava-se pra diarréia. Usava-se naquele tempo os entorpecentes com uma naturalidade sem controle nenhum, então fazia-se o supositório de Ópium, fazia a Tintura de Ópium Canforada que é o Elixir Paregórico, dava-se pra criança normalmente pra cólica intestinal, e a morfina era dada, naturalmente com ressalva pra os casos mais sérios, mas para aliviar a dor. A cocaína não era muito usada naquele tempo, mais era morfina e dava pra dores terminais também. E como curiosidade da época de 1915, na farmácia da Santa Casa de São Paulo, pra os doentes terminais eles davam champagne. Champagne de hora em hora pro doente naturalmente morrer embriagado, não sofrer muito. Mas na farmácia do meu pai tudo isso era tido num armarinho separado e até me lembro de um fato. Existia uma fiscalização que ia cada ano, 6 meses, da parte sanitária e o fiscal chegava e ia ver o armarinho lá dos entorpecentes e tinha um vidro lá que é de (Láudano de Sidenham?), um entorpecente que era muito controlado e o Láudano estava num vidro com rolha de cortiça. Acontece que o Láudano não saia muito, a rolha de cortiça evaporou o conteúdo do Láudano, então em vez de 100 ml ele tinha 20, 30 ml e o fiscal queria multar o meu irmão que tomava conta porque tava faltando 70 ml. Então ele disse assim: “Esse vidro aqui ele não é usado, isso aqui é porque a rolha secou.”, mas ele achou que ele era viciado em Láudano. Então, havia um controle de fiscalização sobre uma determinada quantidade, tinha que justificar o consumo dela. Foi lá por 1930 mais ou menos esse fato, mas eles tinham o armarinho em separado. Antes não tinha nada, eles ficavam lá no meio dos outros remédios comuns e comprava-se normalmente sem maiores controles.
O médico, o farmacêutico e o curandeiro
Acontece que na cidade onde eu morava lá em Faxina apareceu um médico que chamava-se Doutor Pinheiro, médico formado na Bahia e esse médico foi um dos primeiros médicos. E tinha um outro médico, eles atendiam os mais abastados, os mais da pobreza não tinha acessos aos médicos e quem curava, quem dava as receitas era o meu pai. Meu pai era tido como um curandeiro, mas como alguém que curava né? Que tinha o curandeiro, a figura do curandeiro era geralmente uma pessoa ignorante do sítio que dava ervas pras pessoas e as vezes eles mandavam uns bilhetes assim explicando mais ou menos: com as tripas viradas ou com pacuéra, virada, problema intestinal. E então o meu pai ele conhecedor das plantas do (Xernoviz?) como ele era, ele fazia as fórmulazinhas dele, na base de Tintura de Camomila, Tintura Dusvómica, Tintura Diacómito essas coisinhas assim e fazia as poções e sem ver o doente ele dava pelas informações que os curandeiros mandavam. E com isso ele fazia o papel social muito interessante porque a maioria das doenças, eram subjetivas, eram doenças mais psíquicas do que somáticas. Então ele convivia bem com os médicos nessa parte porque ele supria o atendimento, essa parte mais pobre e era tido como sendo uma pessoa capacitada pra aquilo. Meu pai chamou-se Joaquim Marquez da Silva. Ele foi durante muitos anos, uns 30 anos, ele foi provedor da Santa Casa, ele que administrava praticamente e depois veio o corpo médico. Meu pai trabalhava com esse meu segundo irmão que tocava a farmácia e meu pai fazia vamos dizer, a supervisão e atendia a parte da Santa Casa. Meu pai conhecia latim e lia com facilidades os formulários da época que os nomes dos remédios que vinham em latim. É, tinha alguns livros em latim e também a maioria dos formulários era em francês. Francês era a língua oficial da época, praticamente não tinha nada em inglês e nem uma outra língua.
Infância na farmácia
E meu pai no tempo da epidemia da malária, ele fazia lá umas pílulas de quinino com azul de metileno e o arcilical era pascarenal e essas pílulas de azul de metileno ele punha os filhos menores para enrolar as pílulas e pra atender os clientes. Acontece que o azul de metileno manchava todo mundo, saia ia pra casa minha mãe ficava danada da vida porque sujava a roupa, sujava a casa, sujava a mão, tudo de azul de metileno de tanto enrolar pílula. E depois começou-se a fazer as cápsulas amiláceas. As cápsulas amiláceas de quinino também já não existem mais, era feita de hóstia, com um material como se fosse hóstia de igreja, comprimidas e que se tinha que comprimir, punha-se o pó e depois tinha um compressor fechava-se e a pessoa tomava, era um pó dentro, não existia comprimidos na época eram cápsulas amiláceas. P/1:: E qual que era o principio ativo? R: Geralmente quinino, né? O efeito era pra febre, pra malária, tinha lá um quadro típico. E também tinha aspirina, fazia com aspirina fazia, com piramido, fazia com fenacetina, esses remédios da época que hoje não se usam mais a não ser a aspirina que sobreviveu. Vendia-se em cápsula, a própria Bayer vendia. E fazia-se então muitas cápsulas, as cápsulas quem faziam eram as crianças porque eles não tinham tempo de fazer. Enchia a mesa de cápsulas voltada pra cima, punha os pózinhos em cada uma delas e depois a gente fechava... era uma brincadeira. E faziam-se também as poções, as poções pra gripe, poções fortificantes e fazia-se os julepos gomosos para diarréia e fazia-se litros porque quando a pessoa vinha buscar não dava tempo de fazer um por litro, então a gente fazia um litro e depois punha em vidrinhos, de 100 ml dava pra fazer 10 vidrinhos, e fazia 1 litro, 2 litros, 6... de acordo com a demanda. Então a gente fazia essas poções e deixava já semi prontas. O julepo gomoso, que eu gostava de fazer era uma mistura de xarope com goma arábica e o princípio ativo era (epica-cunha?) era subgalato bismuto, subnitrato bismuto e tinha também o elixir paregórico que se juntava né? E conjuntamente quando havia vômitos fazia-se uma poção de citrato de sódio nascente, eram dois frascos um com ácido cítrico outro com bicarbonato que na hora de tomar dava uma colher um após uma colher outra, os dois se misturavam no estômago e formavam então uma mistura que era o que borbulhava e emanava o CO2. Quando se mistura uma com outra na água ele dá efervescência como se faz o Alka-Seltzer, que nada mais é do que um alcalino com ácido que com o contato com a água ele dava efervescência né? E a água cloroformada, dava-se evita-se clorofórmio com água numa concentração determinada e aquilo é muito indicado pra vômitos, também pra vômitos incoercíveis. E naturalmente para reumatismos usava-se salicilato de sódio, e como era muito amargo ele ia mais xarope do que salicilato de sódio para o próprio pessoal poder tolerar. E naquele tempo quando apareciam as ileções no tempo da malária tinha uma injeção desse Laboratório Paulista Biologia onde eu trabalhei chama-se paludam. O paludam era também a base de azul de metileno e quinino e eu tinha então mais ou menos uns 10, 12 anos precisava ir aplicar injeção porque as pessoas não podiam vir na farmácia tomar injeção, elas estavam acamadas com febre e tudo, dava tremedeira, chama-se febre palustre. Trabalho na Infância Então eu ia fazer a injeção das pessoas e as pessoas ficavam meio desconfiadas porque eu era muito criança. Eu tinha uns 10, 12 anos. É, então a primeira injeção que eu apliquei tinha lá uma mulher que era um tipo popular que vivia falando sozinha na rua e ela foi se queixar que ela estava com qualquer problema vamos dizer, tava com cistite, qualquer coisa assim. Então pra aprender a aplicar esse meu irmão Ariovaldo explicou direitinho, na nádega como é que se fazia e dá a picada e injetar, só que o paludam mesmo aplico o paludam, e eu passei o algodãozinho apliquei a injeção, aspirei conforme ele ensinou, ela achou que não doeu nada, que a mão era muito boa né, e eu como não sabia do efeito do azul de metileno disse pra mulher: se a Senhora urinar azul é sinal que a senhora vai sarar, e no outro dia ela entrou: “Ah eu urinei azul, eu mijei azul”. Então ela ficou contente por ela tinha sarado, e era efeito do azul de metileno que naturalmente eliminou pela urina. Mas eu saia à aplicar injeção e aquela seringuinha típica, punha-se álcool na parte de baixo fervia-se as seringas de vidro com agulha e com a pinça a gente tirava com cuidado e injetava, eu sempre fiquei um bom aplicador de injeção e essas pessoas me aceitavam bem.
Doenças de antigamente
Existia naturalmente a anemia que era uma doença muito comum entre os subalimentados, existia verminose demais então eu dava umas pastilhas de santonina para rascáles para lombrigas, para tênia né? Dava-se também caroço de abóbora, amassado e que tinha um efeito pra tênia que era muito bom. A gente socava lá, os caroços, fazia uma forma que a pessoa pudesse tomar e quenopodium, o quenopodium era uma gota por ano de idade então a criança tinha dez anos punha dez gotas, tinha um cheiro muito típico e muito forte e era difícil de ser tomado, mas tapava o nariz e tocava goela abaixo e misturava com óleo de rícino, o óleo de rícino por si só já era horroroso, mas era o que se usava. O óleo de rícino era o purgativo mais usado depois do salamargo do sulfato de magnésia e o sal de glober que era o chamado sulfato de sódio né, é os que são purgativos. Doença incurável que eu sabia naquele tempo era a lepra que tinha alguns casos de leprosos lá que geralmente eram pessoas que viviam afastadas das cidades, a tuberculose era uma doença que existia também que não tinha cura na ocasião hoje tem, a pneumonia por incrível que pareça curava-se sem antibiótico, não sei porque eu mesmo tive pneumonia e sai com umas poçõezinhas benzoato de sódio e tipirina, piramido essas coisas assim.
Produtos de antigamente
Existia também uma chamada pra compressas em feridas, ferimentos assim a gente usava muito a chamada água de Alibur que era a base de sulfato de cobre, a gente usava naquele tempo o sulfato de cobre era azul e ela esverdeava porque a gente punha açafrão, açafrão é uma coisa muita cara hoje em dia né, naquele tempo na farmácia tinha a vontade. Havia muitas tinturas, uma coleção de tinturas e extratos fluídos era muito grande e praticamente era a base do arsenal terapêutico da época e constava assim dos nomes mais esdrúxulos, tinha quebra-pedra, tinha raspas de veado, tinha tintura de guaco, tinha tintura de barba-timão, tinha tintura de um monte de coisas né? Os nomes eram nomes populares e naturalmente das plantas que eram tidas como os efeitos, a gente fazia tintura. P/l: Doutor Paulo, desculpa... é que a gente conhece pouco do seu universo, mas o que quê é uma tintura, o que quê é um extrato fluído quer dizer, o que quê diferencia um do outro, são dois líquidos né? R: A concentração. A tintura geralmente é um 20% da planta em álcool que ficava em masseração e o extrato fluído já era obtido por um processo diferente quer dizer, mais concentrado geralmente 5 ou 10 vezes mais concentrado e praticamente tinha o extrato mole que também era mais concentrado ainda. Extrato mole existia por exemplo, de amamélis, de beladona e o amamélis era anti-inflamatório e a beladona era analgésico e também anti-inflamatório e então era tinturas, extratos fluídos e extratos moles. Dos extratos moles a gente fazia as pílulas e as cápsulas eram feitas só de pós, pós e aspirina, fenacetina, cafeína essas coisas. Pomadas ou ungüentos e ungüento como diz era feito na base da banha de porco, banha benzuinada e do gliceróleo de amido, o gliceróleo de amido era uma forma intermediária entre o gel de hoje e a vaselina né? Mas a mais usada mesmo era a vaselina depois veio a lanolina, que se misturava com vaselina. A lanolina era extraída da lã do carneiro e a vaselina era um derivado do petróleo. Ah existia também o coldcream, era um creme, e é uma fórmula tradicional também que se fazia e a diadermina, um creme evanescente também, hoje pouco se fala, não tem nem razão de ser mais. O nome dele era porque ele misturava-se a parte oleosa com parte aquosa em banho-maria e depois ia-se resfriando e o nome Coldcrem porque talvez fosse refrescante, mas ele não tinha ação refrescante era uma base cremosa. As pomadas eram vaselina, lanolina, os gliceróleos eram outras e os cremes eram a base de Coldcream. Usava-se bálsamo, misturavam-se vários componentes mentol, cânfora. Ah o emplastro mas não era feito na farmácia. Se fazia compressas, o chamado emplastro era de mostarda e linhaça, então fazia-se uma pasta tanto da linhaça, com água esquentava aquilo lá depois pulverizava a mostarda e aplicava-se isso na região. Usava-se naquele tempo também a ventosa. A ventosa a gente tinha que botar uma mechazinha de algodão dentro, acende e coloca na região da dor nas costas, até pra curar pneumonia usava-se ventosa e aí fazia uma rarefação do ar, então havia uma espécie de sucção do sangue pra aquela região. Então eu punha, 3, 4, 5 ventosas assim, eu não peguei o tempo de sanguessuga mas foi mais ou menos em l920 pra trás. Talvez seja a aplicação mais ou menos com a mesma finalidade. Só que a sanguessuga era também para hipertensão. É, também tirava-se o sangue nos hipertensos, eu não peguei essa época.
A farmácia de manipulação
Mas o arsenal do laboratório eram cálices de vidros graduados em vários tamanhos de 15, 30, 60, 100, 120, 250, 500 e l litro e havia grais de porcelana grau, eu digo grais no plural. O grau era de porcelana ou de vidro, ele servia pra fazer tanto o gumoso e fazer também mistura de pomadas. O grau não tinha, ali a gente já punha a quantidade certa e também servia pra fazer pós, mistura de pós, o grau era uma coisa muita usada para fazer incorporação de componentes da fórmula. Era de porcelana, um pistilo. Pistilo é geralmente um pra cada tamanho e este grau se usava pra fazer incorporação de substâncias que não eram solúveis. Pra fazer cápsulas a gente misturava os pós no grau, misturava bem, uniformizada e depois punha nas cápsulas. Existia também o capsulero, era aonde se punha as cápsulas vazias, as cápsulas amiláceas... não existia cápsulas gelatinosas naquele tempo, onde se punha as cápsulas amiláceas que tinha número 1, 2, 3 ou número zero, zero-zero tinha vários tamanhos de cápsulas. Então o capsulero a gente punha as cápsulas voltadas para cima punha o pó, depois fechava as cápsulas com compressor que umedecia num algodão molhado. Então fazia-se cápsula de (power?) fazia por exemplo, 500 cápsulas ou 1000 cápsulas, aquilo era trabalho pra criança fazer, era diversão.
As Homeopatias
E praticamente homeopatia vinha pronto já de fora, não existia farmácia não fazia homeopatia. Mas existia o Laboratório Almeida Seabra. O Almeida Prado não existia. Era um outro Almeida, era um português que por sinal eu o conheci, até hoje tem um descendente dele que tem farmácia em Rio Pardo. É Cardoso de Almeida. A homeopatia Cardoso de Almeida. E tinha o Alberto Seabra e também outros, o Murtinho veio muito depois.
As matérias-primas e as embalagens
Praticamente o que existia de nacional era o enxofre, o carbonato de cálcio que eu saiba era só, tudo vinha do exterior e aqui não existia química fina, tudo era feito lá as coisas mais simples eram feitas lá. O que fazia o meu pai por exemplo, ele comprava o vinho malága em tonéis, vinha de Portugal. E como sempre quem, engarrafava era eu. Engarrafava e tomava o vinho malága. E com aquilo a gente fazia as poções pra anemia, porque só tinha que tomar na hora do almoço em cálice na hora do almoço. Então estimulava o apetite, fazia com (arrenal?) fazia com amargoso, fazia (bardiana?) alguma coisa assim, os princípios ativos amargosos e que fazia como o Fernet e fazia esse Campari, também tem um amargoso. Isso era os remédios para tônicos e pra anemia, e fortificantes e tal. Agora os remédios para pneumonia, usava-se o xarope como ento-colorante. Então o xarope de groselha de agrendelha, o xarope de (toulu?)o xarope de polidala. Esses xaropes eram mais para crianças etc, e tal. E também uma peculiriadade da época que hoje não existe mais é que os vidros eram com tampa de rolha de cortiça. E a rolha de cortiça me parece que é uma espécie em extinção e vinham de Portugal. Então tinha rolhas pra vidrinhos de todos os tamanhos, a gente fazia coleção de rolhas. A gente fazia a poção, fechava com a rolha e depois pegava um papel tipo papel manteiga e fazia uma capsula...era como se fosse um fecho de segurança, uma capsula sobre aquilo lá e amarrava um condorne e depois retornava em volta e ficava. E os rótulos fazia a mão Os rótulos eram manuscritos, tinham rótulos muito bonitos, tinha rótulos dourados, tinha rótulos assim pra uso externo e pra uso interno e tinha uns com observação: agite antes de usar, outros por exemplo, cuidado veneno, porque tem alguma coisa que na farmácia tinha não? Mas como fala... era tóxico. Os ungüentos eram em latinhas de folha de flandres. Eram latinhas de vários tamanhos e também tinham os potinhos de baquelite, os potes de baquelite naquele tempo vieram mais tarde mais eram já mais apresentados né? Um tipo de plástico. A Botica Ao Veado de Ouro também em pouco tempo quando eu vim pra cá eles também usavam pote de baquelite. Mais tarde quando eu montei, porque eu vim pra São Paulo aí é que eu comecei a usar esses potes que a indústria usa, então aí é que começaram a usar potes de plástico pra cremes e pomadas. Os comprimidos iam em caixinhas As cápsulas, caixinha de papelão redondas. Quando era pílulas ou cápsulas também podia ir em caixa redonda e quando o médico receitava em vez de cápsulas em papéis ele fazia... uma quantidade certa de pó, a gente punha 20 papéis punha 20 papéizinhos cortadinhos num tamanho só em papel manteiga e dobrava-se duas vezes e fechava, só exibindo pra mostrar pra você como é que é A maneira de dobrar-se o papel A maneira de dobrar era uma maneira, dava-se duas voltas o pózinho ficava lá e depois encaixava-se uma no outro. Isso é o pó E isso ia numa agenda com uma caixinha quadrada. Aquela era uma dose. Uma dose, tomava-se três vezes por dia misturado com leite ou com água, com açúcar ou com chá. E era tudo muito simples. O que mostrava que havia uma disputa entre quem fazia melhor era a chamada cápsula de papel manteiga no vidrinho que precisava ter habilidade, então tinha gente que fazia sem olhar e girava o frasquinho e saia uma cápsula perfeita. Isso era um requinte da farmácia, era uma segurança também que o remédio foi feito só pra pessoa, só na hora de tomar que ele iria romper aquilo.
O médico e o farmacêutico
Quando contratavam médicos pra ir às fazendas o médico ia lá e examinava as pessoas e trazia 10, 20, 30, 40 receitas feitas por ele e isso até aconteceu pois na farmácia de uns dos meus irmãos que é o mais velho, e a farmácia dele ele trazia muito limpa e um dia chegou um médico que veio da fazenda e tinha chovido, tava com o pé cheio de lama ele entrou na farmácia com aquele pezão cheio de lama e trouxe as receitas pra aviar e o meu irmão não podia falar nada com ele, mas ele andava pelo laboratório pra lá e pra cá e enlameou toda a farmácia e trouxe... tinha que levar no dia seguinte aquelas receitas. Ele ficava manipulando as receitas pra o mensageiro levar de volta, ali tinha o nome da pessoa até tal... tudo direitinho, tinha o modo de usar, era as receitas médicas. Agora para aqueles que não tinham acesso ao médico, pra pobreza que morava nas vilas assim é que vinham então consultar o meu pai e esse meu irmão e que ele dava as receitas geralmente aqueles remédios da época que era o Salicilato o Citrato ou Tintura de Benjoim, Tintura de (Aquantico?) Tintura disso, nada especial. E às vezes também a gente abria algum abcesso né? E conta-se que meu pai por exemplo, teve oportunidade de chegar a fazer partos, porque na ausência do médico não tinha ninguém que fizesse o parto e ele, na ausência do médico, fazia às vezes do médico. Então não havia disputa porque ele ia ser um chefe político, se é uma pessoa ter formada e tendo conhecimento que ele tinha lá... a moral lá do seminário é uma pessoa confiável na época, ele era tido como sendo uma pessoa muito confiável. É, eu costumo dizer que na ausência do médico o farmacêutico até pode opinar pra ajudar a pessoa, mas fazer disso uma constante não é boa norma não é? A não ser quando precise na ausência do médico e quando a pessoa não pode, então a gente pode até orientar porque a própria... o conceito da legislação já permite que na ausência do médico qualquer pessoa mais credenciada, seja o farmacêutico seja o enfermeiro seja o dentista ou seja o curandeiro até ele tem a sua função de dar assistência ao paciente. Porque realmente a gente estava em contato com a parte mais carente da sociedade e não podia cobrar nada por isso.
Malária
É, o Chernoviz tinha algumas fórmulas, mas ele descrevia mais as plantas porque eram mais plantas e mais as substâncias e mais as doenças. Então sabia por exemplo, malária: malária dá tremedeira, dá de período certo em período certo e isso consta até na história que o Miguel Couto no Rio de Janeiro ele recebeu a visita de um ex-aluno dele que tinha vindo do interior e foi lá visitar o mestre, e o mestre tá lá com um cliente que tá lá tremendo, assim e ele não sabia o que é que tipo de febre, porque existe muitos tipos de febre né? E o discípulo disse assim: “Isso é malária”, “Mas sim como é que você sabe?” “Ah sei, pelo cheiro do suor da pessoa a gente sabe que é malária. Tem um odor sui-generis a transpiração né?
Primeira Farmacopéia brasileira
Bom antigamente usava-se a farmacopéia francesa obrigatoriamente e também a portuguesa naturalmente. A francesa com mais detalhes, mais profunda e a portuguesa por ser da nossa origem. Mas lá pela segunda década deste século aparece lá um grande farmacêutico, Rodolfo Albino Dias da Silva, ele era um farmacêutico com formação na França e ele depois de formado voltou ao Brasil. Foi incumbido de formar a farmacopéia brasileira e o Rodolfo Albino Dias da Silva com pouco recursos que dispunha, recurso de laboratório, recurso financeiro e de bibliografia ele fez um grande milagre de compilar as plantas brasileiras em uso na época e descrever as plantas microscopicamente, macroscopicamente e dar a formação das tinturas e dos extratos fluídos às concentrações, descrever as matérias dos produtos químicos da época e... deve ser 1930 mais ou menos 20 e 30, década de 20 ou 30, e ele foi um homem que sozinho elaborou o primeiro Códex, baseado no Códex Francês elaborou a primeira farmacopéia brasileira e contendo todas as normas que daí pra adiante seriam obrigatoriamente seguidas. Cada farmácia que era obrigado a ter um exemplar e foi por lei adotado como sendo o órgão máximo da farmácia brasileira. O Rodolfo Dias Albino da Silva ele é praticamente...quis ser homenageado como sendo o dia do farmacêutico no dia 5 de agosto, dia do nascimento dele mas não vingou. E o dia do farmacêutico então passa a ser 25 de janeiro, 20 de janeiro é que o dia de São Sebastião lá no Rio de Janeiro que eles fizeram lá uma reunião de farmacêuticos e instituíram um farmacêutico, mas devia ser... É porque a Associação Brasileira dos Farmacêuticos resolveu dar esse dia como sendo o dia do farmacêutico, mas há uma corrente que acha que deve ser o dia em que nasceu o Rodolfo Dias Albino da Silva que é o autor da primeira Farmacopéia Brasileira do Brasil. As descrições dele são tão precisas que hoje em dia se questiona como é que ele poderia ter feito com tanta perfeição. Mas com a evolução da medicina e da farmácia, a segunda edição da Farmacopéia Brasileira já veio completamente adaptada mais à indústria do que à farmácia e muitos daquelas plantas descritas na primeira farmacopéia foram eliminadas porque realmente existia muita coisa não confirmada e havia muito folclore em torno do efeito das plantas. E quando havia dúvidas eles não punham, ou mesmo quando não havia porque o critério que foi usado foi de praticamente prevalecer os quimioterápicos né? Os produtos químicos. P/1: Bom, uma farmacopéia daquele tempo era a descrição da planta e dos seus efeitos terapêuticos não é isso? R: É. E a descrição e a verificação da planta né? E os teores, qual era o princípio ativo da planta? Por exemplo, o Jaborandi tinha Pilocarpina, então dizia lá Pilocarpina tem que ter tantos por cento de pilocarpos e a planta era Pilocarpus Jaborandi, então dava o nome cientifico da planta, dizia-se a classificação muito bem feita. A Pilocarpina era dado como vaso dilatador. E é o usava-se muito pra poção pra o crescimento de cabelo certo? O Jabuti, o Jaborandi. Já ouviu falar de Tintura de Shampoo de Jaborandi? É usa, mas não é bem pra isso ele tinha outras indicações. E tinha o (capisco?) como também o (capisca?)pimentão sabe? A primeira edição da farmacopéia foi feita mais visando as farmácias da ocasião. Ele padronizaram algumas fórmulas e davam a maneira de ser feitas e essas fórmulas eram chamado fórmulas oficinais, as fórmulas contidas na farmacopéia, e tinha fórmula de xarope tinha fórmula de pílulas, tinha fórmula de poções, tinha fórmulas de várias coisas e podiam ser feitas independente da receita do médico. Uma vez que tava na farmacopéia ela era aprovada e ela na época satisfez muito as exigências da necessidade da época. Os Livros que existiam eram franceses, muitas vezes não afeitos à realidade brasileira porque não tinham as matérias primas que eles indicavam. Então a farmacopéia era afeita à realidade brasileira e para o farmacêutico brasileiro. Agora os produtos químicos... existiam então os livros de farmacologia franceses e ali diziam era muito comum no começo do século os médicos terem formulários franceses, eu tenho mesmo alguns exemplares lá e só que não tinha matéria prima. Falava em Escopolamina e Niacina e coisa assim, então não tinha... Mas muito dessas matérias primas a gente acabava comprando aqueles frasquinhos de uma grama assim porque esporadicamente algum médico mais estudioso ele viria a receitar alguma coisa lá, mas era muito difícil tá? Então para a ocasião a Farmacopéia Brasileira da primeira edição do Rodolfo Dias Albino da Silva ela supriu um grande vazio, um grande vazio que existia e só que foi desvirtuada na segunda e nas outras edições porque eliminaram todas aquelas fórmulas. Porque quando se pensa em Brasil tem que se pensar no interior lá do Rio Grande do Norte, Amazonas, tem que pensar porque o Brasil não é São Paulo nem Rio de Janeiro, o Brasil é... tem muita gente há muito tempo em muito lugar ainda que se usa os cházinhos de ervas. E é o recurso procurado. Então eles deviam pelo menos preservar alguma coisa, mas simplesmente tosaram. E a segunda edição da Farmacopéia Brasileira foi feita por uma equipe muito grande de farmacêuticos e médicos e deixa muito a desejar com relação as informações que prestam e a outra, a última edição aí da Farmacopéia também feita por equipe quando... a primeira foi feita por um só. Então o conhecimento da época era mais abrangente pra uma pessoa só, agora ficou tão diversificado que existe um (Poendsquiberg?) por exemplo, existem milhares de produtos farmacêuticos que tem a descrição sucinta deles né? O Albino foi tomar informações por esse Brasil afora pra que quê era usada a planta? Então isso aqui era pra... dava pra um... Quina, quina é de onde se extrai a Quinina, é com Quina que se extraia aquilo com que se curava a Malária, chá de Quina né? E assim é outras coisas. É, existia muito folclore com relação ao uso das plantas e as suas aplicações e o Rodolfo Albino procurou naturalmente selecionar o mais possível mas mesmo assim ainda poderia ter incorrido na... porque ele ali na Farmacopéia não dizia a indicação terapêutica, ele só dizia a diagnosticação e as dosagens ideais, ele não dizia a indicação se era pra isso ou pra aquilo, nem a função. Agora nos livros de farmacologia também... depois apareceram alguns livros que não eram bem de farmacologia, eram livros de plantas de botânica que ensinavam. Existia um autor por exemplo, que ele listou todas as plantas medicinais brasileiras, estudou as plantas venenosas brasileiras, estudou os vários aspectos e aquele era estudado em botânica e farmacognosia, era um estudo mais botânico da planta né?
Produtos
Existia os produtos populares, o Elixir de São João da Barra, Elixir de Mamão. Tinham muitos remédios assim nessa base de Elixir de Nogueira que era depurativo, dava lá nos jornais faziam... curava sífilis, curava isso, excessos, curava tudo. O de mamão era digestivo, ainda bem porque o mamão não faz mal, era pra auxiliar a digestão. Existia muita coisa, até eu poderia até detalhar mais e até estou com... não sei se falei pra você que eu tenho lá uma musiquinha, uma fitinha de músicas folclóricas dos anúncios... (cantando: Capivarol é melhor) Capivarol quer dizer, tinha lá da Aspirina né? O Melhoral, é melhor e não faz mal Esses jingels que chamam né? Formulações tradicionais. Eram chamados remédios populares, nem eram OTC, eram remédios populares mesmo que não tinham comprovação cientifica nenhuma. Tomavam e diz que curavam né? Se por exemplo, se pesquisasse assim por exemplo, o Elixir de Mamão mesmo é a Pepicina Papaina. Papaina é a extensiva.
Vinda para São Paulo e o laboratório de manipulação
Eu estava com Laboratório de Análises em Ourinhos e o meu irmão mais velho que chamava-se Alvaro, ele era gerente da Drogasil e comprou uma farmácia aqui na Praça Buenos Aires em Higienópolis, isso há 50 anos atrás, mais de 50. E eu estava em Ourinhos e me casei e a minha mulher como era paulistana ela estranhava muito o interior e a primeira oportunidade que apareceu ele fez um convite pra eu vir trabalhar com ele como sócio, eu vim de mala e cuia porque minha mulher não se acostumava no interior. E então eu recebia convite desse meu irmão, chama Alvaro Queiroz Marquez. O Alvaro foi também Conselheiro de Farmácia, foi membro do Sindicato dos diretor do Sindicato do Comércio Varejista foi... é muito atuante e era Gerente da Drogasil, Amarante, ele era sócio e eu também fui sócio da Drogasil e ele também era sócio. A Drogasil foi a primeira rede, não era propriamente rede era uma Sociedade Anônima e a gente tinha cotas lá na Drogasil eu não era sócio é que tinha cotas eu era acionista. Então eu vim trabalhar com esse meu irmão na Farmácia na Praça Buenos Aires, foi a Farmácia Buenos Aires que existe até hoje onde fiquei lá 15 anos trabalhando com ele. Então aí eu trabalhei esses 15 anos com ele e sendo que a farmácia cresceu muito e tinha um bom nome na cidade, tinha um grande estoque então os Laboratórios aí não tinha praticamente manipulação. O laboratório de manipulação era o mínimo, era um espaço mínimo necessário aqueles 20 metros quadrados, mas tinha aqueles frascos antigos bonitos dourados e tinha um equipamento todo mas era praticamente inativo. Aí esses os grandes Laboratórios (Auvthe?), Parke Davis, Schering, Merck Sharp Dhome, Squibb, os representantes visitam a gente e a gente fazia... estocava e tinha praticamente cada Laboratório tinha seu lugar na prateleira em ordem alfabética e os produtos também em ordem alfabética e era uma área muito grande. Então como eu dizia assim, no começo a área grande era do Laboratório depois é que a área grande passou a ser a parte de estoque de especialidades e dispensação né?
Entrada de laboratórios estrangeiros
Esses laboratórios, eles começaram a entrar em 1930 mais ou menos. Aí foi o seguinte, com o Getúlio Vargas naturalmente trouxe, deu condições favoráveis à que os laboratórios estrangeiros se estabelecessem no Brasil, deu isenções de impostos... facilitou demais. Então os Laboratórios que tinham representantes aqui que importavam matérias primas e tinhas seus representantes aqui, eles passaram a produzir aqui as suas especialidades e contratando os recursos regionais. Então é que segundo consta, que eu não trabalhei na indústria mas as fórmulas eram padronizadas no exterior e aqui eram reproduzidas pelos farmacêuticos daqui segundo o critério da matriz, então elas eram a filial com todos os recursos da matriz. E esses laboratórios os primeiros, Parke-Davis por exemplo, ele importava os remédios e fazia aqui e Squibb e Schering e esses são os multinacionais e os nacionais que tinham eram o Silva Araújo que depois foi comprado por outro laboratório multinacional, o Laboratil ficou. Foram sendo encampados. É, praticamente a indústria nacional também tinha pouco fôlego né? E não tinha muita base cientifica, eles copiavam as fórmulas não havia patentes, direito as patentes. Então o mesmo produto vários laboratórios faziam e as vezes até com aspectos diferentes com resultados diferentes, não havia uma padronização correta. Então eu costumo dizer que os produtos industrializados eles tem um critério de elaboração sujeitos a padrões e tem uma qualidade padronizada e que naturalmente serve para cobrir a grande área do Brasil e eles preenchem essa finalidade social atingindo justamente aonde o farmacêutico não quer, não pode ir ou não tem condição de ir. A indústria farmacêutica ela cresceu em função da demanda do crescimento populacional do índice demográfico do Brasil, porque a população foi se multiplicando de casa 10, 15 anos foram se multiplicando então não haveria condição de farmácia de manipulação atender a população com a demanda que existe hoje. Então ela veio suprir uma grande área que seria impossível suprir com os critérios antigos, e hoje em dia essas indústrias praticamente agora padronizando-se com a patente elas tem mais interesses em se manter aqui, porque antes o mesmo produto era reproduzido pelos laboratórios nacionais sem grande controle. Eu acho que isso também não era muito legal porque era uma espécie de copiar, não tinha mérito nenhum.
Farmácia x Drogaria
Essa farmácia como diz assim ela era uma farmácia de manipulação do dono anterior e que naturalmente estava decadente. As farmácias ficaram decadentes na época. De manipulação, e passaram-se a transformar em Drogarias. A denominação Drogaria e Farmácia define muito bem, a Drogaria vende produtos na embalagem original e não podem retalhar e pode ter os acessórios, a Farmácia ela pode ter os produtos industrializados mas é obrigado a ter um Laboratório de Manipulação, uma área de Laboratório de Manipulação. Essa separação entre Drogaria e Farmácia fez com que muita gente transformasse as Farmácias em Drogarias porque as Drogarias tinham aos olhos do público uma visão mais favorável porque elas davam promoções, faziam descontos e vendiam mais barato e as Farmácias não tinham condição de vender mais barato porque era um... P/1: Produto manipulado individualmente. E essas Drogarias também aos poucos... quando veio a Drogasil por exemplo, se reuniram 7 grandes farmácias das maiores de São Paulo e formaram então uma rede, uma rede chamada Drogasil que também no começo chamava-se uma parte era Farmasil que mantinha as farmácias e a Drogasil que mantinha só as Drogarias. As farmácias existiam por força de circunstâncias porque apareciam umas fórmulas manipuladas algumas vezes, mas a maioria se transformou em Drogaria. E aqueles ajudantes de farmácia dos farmacêuticos antigos passaram a ser donos das Drogarias porque o dono se desinteressou porque não mais razão de ser, não tinha manipulação. Eles se adaptaram então às Drogarias e sendo que eles naturalmente com inteligência, com bom senso, com raciocínio eles se transformavam em bons comerciantes de remédios. Eles não eram farmacêuticos mas tinham muitos deles tiveram formação dentro de uma farmácia, depois vieram outras gerações que não tinham mais relação com a farmácia. Então a lei mandava que cada Drogaria ou cada Farmácia tivesse um farmacêutico como responsável e durante muito tempo as primeiras drogarias que tinham os farmacêuticos e os oficiais de farmácia que é os praticos se aprovisionaram, então eles ficaram com iguais direitos a farmacêutico pra tocar a sua Drogaria, isso sobre o aspecto de política situacional. E os que não foram provisionados que não tiverem esse benefício, porque só se provisionaram aqueles que se formaram aliás, aqueles que se inscreveram até 1960 comprovando lá que eles tinham experiência, que eles eram sócios e então que eles tinham direito adquirido. Mas os sucessores deles já não eram, não tinham tempo não tinham nada, não puderam se provisionar e continuam ainda donos de novas Drogarias mas sem muita formação profissional. Então a tendência atual é dar-se curso de profissionalização à essas pessoas que ficam nas Drogarias para terem pelos menos uma consciência profissional que lidar com remédio não é o mesmo que lidar com uma mercadoria comum. Então existe essa escola na Avenida Tiradentes, de saúde. Elas também formam cursos de auxiliares de farmácia, uma formação rudimentar mas com conscientização de que a farmácia é uma atividade que lida com saúde que precisa ser feita, não tratado como uma mercadoria qualquer visando simplesmente o lucro e sempre assim a saúde do cliente.
Trabalho e volta à manipulação
O meu trabalho lá eu dava uma retaguarda pro meu irmão e eu sempre que podia ficava mais no Laboratório manipulando alguma coisa mas não era aquilo era o forte. Eu fazia as compras eu atendia os representantes dos Laboratórios, então a Farmácia cresceu muito no conceito na época e o meu irmão sobrava tempo pra ele se dedicar-se a atividades vamos dizer, associativas. Ele era diretor do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos e também foi um dos primeiros Conselheiros do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, o número dele devia ser número 3 ou 4, o meu número no Conselho é número 16 eu sou o décimo-sexto, em 1960 mais ou menos. Então esse meu irmão ele dedicava-se à Farmácia e as atividades associativas e eu ficava mais na farmácia. Depois eu também comecei a me dedicar às entidades de classes. E na gestão do Conselho circundado por alguns colegas começamos a fazer uma campanha da volta da manipulação à farmácia, naturalmente não prevendo concorrência com a Indústria Farmacêutica mas completando uma lacuna que sempre existiam aquelas fórmulas que não existiam industrializadas e que o médico haveria de querer prescrever, mais com essa intenção porque a Indústria Farmacêutica sempre é reconhecida como sendo uma necessidade nacional e naturalmente nos termos em que ela se propõe a ser com... e é uma formação de gerações, novos farmacêuticos dedicados à indústria né? Eu então quando estava no Conselho junto com outros colegas que era o José Silvio Cimino que era diretor da farmácia do Hospital das Clínicas, tinha Fernando Montenegro que era Professor de Farmacotécnica em Recife, tinha o Cabral que era de Maranhão, São Luís do Maranhão, tinha Sérgio Medalambe que era do Rio Grande do Sul, então um grupo de farmacêuticos... tinha o José Aleixo Prates, tinha Cláudio (Dafrique?) e até hoje tem farmácia é professor da USP, e o Aleixo Prates que é assessor do Ministério da Saúde, comecei a fazer um movimento pela volta da manipulação. Então nesta época eu comecei a fazer essa campanha da volta a manipulação mas junto com o apoio do conselho desses colegas que eu enumerei plantou-se uma semente da volta à manipulação e chegamos a fundar uma firma conseguir matérias primas. Um dos grandes problemas que nós encontrávamos quando fomos reiniciar a campanha da volta a manipulação era como conseguir a matéria prima em quantidades pequenas com potinhos da farmácia individual, porque os grandes distribuidores de matérias-primas só vendiam na embalagem original que era de 20 quilos, 50 quilos, e só vendiam em grandes quantidades para Indústria Farmacêutica. Então chegamos a fundar uma firma chamada Insufarma e que esse grupo cada um entrou com uma pequena importância e comprou-se, alugou-se um local lá na Barra Funda e comprava-se matéria-prima pra retalhar pra ficar acessível às farmácias. Só que havia tão poucas farmácias que a Insufarma não vingou por falta de clientes e para decepção nossa o problema de matéria-prima ficou novamente sendo muito premente.
Volta à manipulação
Mas acontece que quando eu estava já na Farmácia Droga América, eu escrevi na década de 70 um formulário que é um daqueles que está lá que o primeiro formulário é baseado para ser dado aos médicos sugerindo fórmulas possíveis de se fazer em farmácia e nesse formulário quem deu um grande subsídio, me deu e forneceu dados matérias-primas para fazer as fórmulas foi uma firma chamada Henkel do Brasil que fazia insumos pra Indústria e pra Cosméticos né? Então eu usava todos os nomes fantasias da Henkel por exemplo, o nome exapon T-42, Cutina KD? o Setiol-v são fórmulas que pus naquele formulário tirados da nomenclatura que eles usavam e não eram os nomes genéricos químicos ou químicos como deveria ser. Então nós já começamos a fazer esse formulário e fizemos 1000 exemplares e mandados por mala direta pra 1000 médicos na ocasião 1963, 65 e naturalmente pressupondo que aquilo lá não ia atrair a atenção de muitos médicos porque os médicos os novos não conheciam, mas alguns dos velhos médicos pudessem então se interessar. Então dos 1000 formulários que nós mandamos é capaz que 900 tinha ido pro lixo, uns 50 ou 60 ou 70 tenha ido pras gavetas os fundos das gavetas e uns 5 ou 10 tivesse ficado algum médico interessado, então começam a chover as primeiras receitas manipuladas e naturalmente aí começou a nascer a farmácia voltando à manipulação. Então as Faculdades de Farmácia estavam fechando porque as fórmulas vinham industrializadas. Havia uma tendência à extinção da espécie farmacêutica e a volta à manipulação foi um retorno a motivação do farmacêutico fixar-se, a princípio muito timidamente porque muitos poucos médicos receitavam, mas acontece que algumas distribuidoras começaram a fazer matérias-primas em quantidades proporcionais em quantidades acessíveis e as farmácias foram tomando seu impulso porque o farmacêutico da indústria tem a mesma formação profissional do farmacêutico da manipulação, nosso currículo é o mesmo. Então pretendíamos que as fórmulas tivessem o mesmo rigor né? Só que na Indústria o rigor era mais perseguido porque eles faziam grandes lotes e se perdessem seria aquilo lá prejuízo muito grande e as conseqüências seriam desastrosas. Na farmácia já se propunha a fazer individualmente ou em pequenas quantidades, então os pedidos já eram menores e não havia tanto risco em fazer. Aconteceu que os antigos farmacêuticos lembravam das limonadas purgativas de Citrato de Sódio que eram comuns, lembravam de Pomada de Almerique da Pomada de (Recluir?) aquela pomada do começo do século e nós já estávamos já em 1960, 70 então aquilo já era coisa do passado e eles vibraram: “Ah Eu fiz muita limonada fiz muita isso muito...” Mas nós estávamos pensando em voltar com termos modernos com termos... usamos (Corti-corteróide?) usamos essas vitaminas, usamos os insulmos modernos. Também havia pouco acesso à literaturas desses fármacos, mas aos poucos ela foi crescendo e até que em 1980 houve um boom das farmácias o que por um lado foi uma coisa, uma grande vitória mas por outro lado criou problemas de conceituação de qualidade mesmo porque eles viam como sendo um meio de ganhar dinheiro fácil, do sujeito montar uma farmácia e logo depois já tá ganhando dinheiro.
A volta das farmácias de manipulação
Mas a farmácia ela veio pra dar um complemento aos médicos daquelas fórmulas que não eram industrializadas e não pra enriquecer o neguinho do dia pra noite. Naquelas lacunas onde a Indústria não compensava fazer os remédios pela pequena demanda, então foi aí que o nicho do interesse da manipulação. Era dar cobertura aquilo que não era industrializado. Por exemplo, a Indústria faz uma pomada de Hidrocortizona a 0,5% e o médico cisma uma pomada de cortizona a 2%, foi aí até uma história que começou então chegou pra mim um médico e pediu : " preciso uma pomada de Corticosteróide de Cortisona a 2%". Só existe a 0,5% e não dá pra fazer isso, eu disse: olha dá pra fazer desde que tenha matéria-prima. Então eu conseguia a matéria-prima e passei a fazer pomada de Hidrocortisona a 2%, então um médico lá queria fazer por exemplo a Lócio Alva. A Lócio-Alvaé um produto que usa pra acne e que não competia não convinha fazer industrialmente porque ela se deteriorava, ela é uma fórmula extemporânea né? Essa aí é uma mistura de sulfato de zinco com... é uma mistura que era indicada pelos dermatologistas pra pele. É, tinha solução A e B então tinha que se misturar as duas e ela tinha uma vida curta então não podia ser industrializada, e tinha também por exemplo a Pasta D’Água, era muito usada pra criança pra irritação de fraldas de crianças e tal, os dermatologistas receitavam os pediatras e a indústria não fazia. Então a gente se dispunha a fazer essas fórmulas, é um princípio muito simples.
A manipulação e os dermatologistas
Os dermatologistas foram os primeiros incentivadores da manipulação, eles queriam algo diferente. Eles queriam um teste alérgico a tal produto, então queria que fizesse sempre aquele produto. Então a gente fazia por exemplo, uma fórmula tinha um perfume é preciso fazer uma fórmula sem perfume ou sem corante sem nada então a gente se propunha a fazer as coisas dessa maneira e naturalmente a esses expansivo pra Dermatologia, para Endocrinologia. A Endocrinologia veio com essas ondas das fórmulas para emagrecer que formou praticamente uma Indústria de Emagrecimento que foi uma coisa que não estava no meu programa. Mas eles receitavam por exemplo, existia um medicamento pra emagrecer Temirandospan tinha 75 mg, de 25mg, ele queria dar 10mg pra uma pessoa pra uma criança por exemplo, pra uma pessoa muito sensível não tinha, então a gente se propunha a fazer de acordo com a dosagem que ele quisesse porque 75mg já era chamada overdose, então a gente se propunha procuraria adequar qualitativamente e quantitativamente o fármaco à necessidade do paciente e do médico. A proposta eu acho que é valida porque a intenção é fazer as fórmulas extemporâneas, é fazer as associações que não compensam industrialmente e tem a sua razão de ser e naturalmente tem lugar pra as duas conviverem perfeitamente sem concorrência, convivendo harmonicamente. Praticamente destas fórmulas antigas até hoje ainda faço aquelas... Xarope de (Sulfo-gaiacolato?) de Potássio tem na farmacopéia da primeira edição, eu faço até hoje. É uma fórmula pra gripe, pra tosse eu achava o Iodeto de Potássio com Expectorante e existe industrialmente mas aquela lá que eu faço é porque meu pai fazia. E algumas fórmulas pra calo, fórmula pra isso pra aquilo, fórmula pra espinha acne, muitas coisas da farmacopéia da primeira edição que a gente faz e usava naquela época. Tem muito reflexo do passado ainda pra mim, agora pros novos não pros novos já houve agora com a abertura do mercado uma invasão de matérias-primas do Japão, coisas que ainda não tem no mercado nacional. Então as farmácias estão usando esses fármacos esses insumos para fazer formulações modernas principalmente para os Dermatologistas, essas são fórmulas meio cosméticas meio dermatológicas não é coisa que não existe industrialmente. Então a farmácia tem muito da explicação da razão de ser por esse fator.
Farmácias e Drogarias
Eu acho que a farmácia convencional tem que ter medicamento industrializado, eu tenho a minha farmácia a parte de Drogaria naturalmente só voltada para o receituário médico só medicamento ético, não tem popular não tem Licor de Cacau, essas coisas ele não tem. Então eu tenho uma cobertura farmácia convencional ela tem que ter Laboratório de Manipulação atuante e tem que ter pra completar a receita a parte de especialidades farmacêuticas e que eu tenho na minha farmácia e acho que todas as farmácias deveriam manter, mas muitas optaram por só fazer manipulação. Então o paciente é obrigado a comprar, mandar fazer a fórmula aqui e comprar o remédio noutro lugar o que o correto seria se fizesse tudo num lugar só. Remédios do passado e do futuro É_________ teve época das sulfas que agora já é ultrapassado, teve uma época dos antibióticos quando eu me formei que o Flemming esteve aqui no Brasil, é a época da Penicilina e desses novos antibióticos mas uma coisa que eu lamento que os critérios de publicar, proibiram é o uso da Talidomida eu acho que é um grande remédio que pelo seu efeito colateral foi condenado pela sociedade mas pelo lado farmacêutico-médico é um remédio que tem grandes qualidades e até nos Estados Unidos pra AIDS para (Candida-Albicans?) é um medicamento muito importante, eu lamento que tenha sido proscrito. E naturalmente eu peguei a época em que se usava muito mercúrio, os mercuriais os bismutos essas coisas todas, tudo isso já ficou superado do passado. Para sífilis, e bismuto pra elixir da (protássea?) essas coisas assim também, e também o bismuto pra pomadas secativas o (subgalato de bismuto?). Mas as conquistas do futuro da medicina encabeçadas pela pesquisa dos grandes laboratórios e que vem a Biotecnologia isso pra mim ainda é uma incógnita porque vai trazer remédios cada vez mais específicos e mais potentes e os remédios vão ser muito perigosos a indicação e o uso por médicos mesmo mal formados e naturalmente condenado pro uso popular né? Então é uma grande expectativa que de tempo que as grandes doenças vão sendo descobertos novos fármacos e a resistência aos tratamentos da época, dos antibióticos isso traz uma proposta muito grande e a gente deve ver o medicamento como sendo uma coisa muito séria e não para ser feito um comércio puro dele. E os médicos também existe muita diversidade na formação médica, então é preciso muito cuidado com esses medicamentos. Eu acho que o futuro da medicina vai se elitizar muito e naturalmente vai encarecer também e vai tornar mais específico o sujeito precisa conhecer profundamente a droga que vai prescrever porque hoje se conhece já na bioquímica que os fatores que fazem com que a droga atue entram reações intermediárias e enzimas que naturalmente... e o pouco conhecimento ainda de muita gente que trabalha com medicamento. Fitoterápicos Os fitoterápicos tiveram amparo do Ministério da Saúde através da CEME há alguns anos atrás quando um diretor da CEME lá se preocupou com esse lado e estudou, pesquisou alguns ________ de plantas e que naturalmente ficaram confiados não me lembro o nome delas mas me parece que tem Cavalinha, tem umas plantas... parece que ficaram provadas pela Central de Medicamentos, mas acabamos de saber também que a Central de Medicamentos foi extinta pelo novo Ministro né? Acontece que eu sei por exemplo que a... acho que a Papaverina, me parece que a Merck ela pega a planta aqui e leva pra Alemanha e sintetiza lá. Assim como a Papaverina tem a Pilocarpina, esses outros Alcalóides, então nós ficamos dependentes da boa vontade do capital estrangeiro, dos interesses em ter porque realmente tinha o aforismo que disse assim: que Deus pôs na Terra tantos recursos medicamentosos através da natureza quanto são as doenças que possam existir. Então pra cada doença existe um remédio, e isso está na natureza. Então em vez de estar fazendo sínteses químicas, é procurar na natureza aquilo que naturalmente possa ser aproveitado e o difícil vai ser casar a causa com o efeito. Mas chegará o dia em que isso vai ser possível.
Abifarma 50 anos: Indústria Farmacêutica e Cidadania (ATD)
Enciclopédia farmacêutica
História de Paulo Queiroz Marques
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 24/06/2005 por Museu da Pessoa
Nome do projeto: Projeto Abifarma 50 anos
Depoimento de Paulo Queiroz Marques
Entrevistado por: Luiz André Prado e Sá Mendonça
São Paulo, 26/05/97
Realização Museu da Pessoa
Código do depoente ATD_HV001
Transcrito por Marcos Marsulo
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1: Então Dr. Paulo vamos começar com a sua identificação, queria que o senhor me dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R: Meu nome é Paulo Queiroz Marques, eu nasci em Itaberá, estado de São Paulo em 1921 e tenho, portanto, 76 anos.
P/1: Dr. Paulo, dentro daquela perspectiva que a gente estava conversando queria pegar um pouco das suas origens familiares. O que o Senhor poderia nos contar da origem dos seus avós? Vamos pegar por parte de pai, pra gente ter um começo.
R: É... por coincidência eu tenho uma árvore genealógica do lado materno, do lado paterno eu sei, por exemplo, que o nome do meu avô era Francisco Marques e da minha avó eu não tenho muita certeza me parece que era (PAUSA). Era ... eu tenho lapso de memória com relação a minha avó, um problema; mas do lado paterno eu já tenho algumas informações que a família lá no interior da cidade onde morava, que era Faxina que atualmente chama-se Itapeva, existiam algumas famílias que casavam os membros entre si e cresceram formando lá uma sociedade mais ou menos homogênea, né?
P/1: Eram de origem portuguesa?
R: É... de origem portuguesa, eu não sei de que região de Portugal, mas meu avô materno chamava-se Antonio Alves Pereira de Queiroz e a minha avó materna chamava-se Paula Pereira de Queiroz. Eles eram comerciantes e trabalhavam com secos e molhados, ele, a minha avó era o tipo da matriarca e tinha um domínio muito grande sobre os filhos e dentre os filhos que ela teve tinha... Pode dizer os nomes?
P/1: É, ou o número deles.
R: Tinha praticamente três irmãs que eu conheci, as três eram casadas, muito bem casadas e tinham fazenda, outro tinha um comércio fino e outra era espécie de um intelectual da família, e esse intelectual da família ele era filólogo e foi ele o responsável pela mudança do nome de Faxina para Itapeva. Ele achava que Faxina era um nome prosaico e lembrava limpeza, lembrava uma coisa muito desagradável e a cidade lá era chamada Itapeva por causa que ficava sobre uma pedra chapa quando se assentava um lajeado que existia nas redondezas. Então esse avô, esse tio ele era um intelectual da cidade, não era da família, era da cidade porque ele lia sobre o Oriente, sobre as coisas da Índia, sobre as coisas do outro mundo que naquele tempo nem se sabia que existia Oriente.
P/1: Então a sua família era uma das principais famílias da cidade?
R: É. Existia umas famílias vamos dizer de grandes latifundiários que são os Almeida Camargo, que também casou-se com um irmão meu um Almeida Camargo. Eles tinham terras que vinham desde aquela região do sul de São Paulo até aqui o Butantã mais ou menos e onde traziam gados e tropas e levavam mantimentos pra comercializar lá, essa era a atividade deles. Agora a minha família já foi é... que era do lado paterno, ele tinha um irmão que chamava Cristiano Marques, esse Cristiano formou-se em farmácia em Ouro Preto, precisamente não sei o ano, mas deve ser lá pelo começo do 1900 e poucos né? E justamente também por coincidência o pai da minha mulher formou-se em Ouro Preto também e era farmacêutico, então tinha dois farmacêuticos um do lado materno, outro do lado paterno com relação aos meus filhos. E esse Cristiano ele era casado, não tinha filhos e naturalmente o meu pai que estudava num seminário aqui em São Paulo, indo para Faxina ele foi convidado a trabalhar com esse meu tio e lá ele aprendeu muita coisa.
P/1: Seu pai é o mais novo?
R: É mais novo. Naquele tempo a bibliografia existente era o Chernoviz. O Chernoviz é um livro plástico que era editado na França, eu acho que muita gente deve conhecer, ele era um médico polonês chamava Napoleon Kanovicks e o nome foi abrasileirado para Chernoviz e ele compilava todos os conhecimentos da época e fez um livro que era obrigatório nas boticas e nas farmácias, e também nos donos de fazenda que tinham... Porque lá davam os diagnósticos das doenças e dava os recursos naturais, os remédios naturais, descreviam as plantas pra uso e efeito delas. Então o Chernoviz era um livro, era uma verdadeira faculdade naquele tempo. E até hoje eu tenho alguns exemplares, várias edições e naturalmente como era editado na França era patrocinado por laboratórios franceses e só dava equipamentos franceses e muita coisa que não se adaptava bem a realidade brasileira. Mas ele vindo embora para o Brasil o Chernoviz - que estou saindo um pouco da história - ele foi médico da Corte e estudioso de botânica, ele estudou muitas plantas medicinais que hoje estão no folclore brasileiro, não?
P/1: Ele já era famoso na França e já tinha feito esse livro e veio para o Brasil?
R: Já era. É, veio para o Brasil foi contratado pelo Imperador para...
P/1: Dom Pedro I?
R: Dom Pedro I. Eu tenho mais ou menos a história dele e é um homem muito culto, né? Então esse livro que ele escreveu era o livro que o meu pai estudava né?
P/1: Certo.
R: Então na minha primeira infância eu me lembro quando saía nos campos, nos paços assim, ele com o livro lia uma planta e procurava ver se ele identificava aquela planta quando o livro... Então tinha uma planta que tinha espinhos ou o fruto tinha espinhos e a folha era digitada e aquilo lá era usado muito para tumores, para abcessos né? Fazia-se compressas, cataplasmas e...
P/1: Qual a planta? Chernoviz?
R: Era... eu me lembro, parece que era Figueira do Diabo ou Figueira do coisa assim, um nome popular. Mas com ele a gente aprendeu alguma coisa e o meu pai depois de ter trabalhado com esse meu tio montou uma farmácia própria e, naturalmente não sendo farmacêutico, estabeleceu-se numa cidade próxima chamada Itaberá onde eu nasci, e lá por denúncia de um farmacêutico que tinha na cidade ele foi obrigado a contratar um farmacêutico para assumir a responsabilidade e entrementes ele providenciou que o primeiro filho mais velho fosse da farmácia; depois o segundo filho, depois o terceiro filho e depois o quarto que era eu né?
P/1: (risos)
R: Então ele sofreu muita influência do irmão e nós sofremos influência dele naturalmente. E aconteceu que cada um desses meus irmãos, um formou-se na Faculdade de Farmácia de Odontologia de Itapetininga, outro formou-se na Faculdade de Farmácia de Pindamonhangaba, eu formei-me aqui na Faculdade de Farmácia e Odontologia da USP.
P/1: O Senhor é mais novo?
R: Eu sou mais novo.
P/1: E são todos homens?
R: Os outros já faleceram, né?
P/1: Os seus irmãos são todos homens?
R: Os homens. Esses irmãos... o mais velho estabeleceu-se em Ourinhos e lá teve farmácia com um... Tinha um colega dele que formou-se em farmácia também que era um grande fazendeiro lá, chamava-se Olavo Sá. Ele ficou sócio do Olavo Sá, mas o Olavo Sá era uma pessoa muito rica e não se interessou por farmácia então ele é que tocava a farmácia e acabou sendo o dono da farmácia. Depois o segundo irmão formou-se e foi trabalhar com o meu pai, lá em Itapeva mesmo, chamou-se Ariovaldo Queiroz Marques.
P/1: Formou-se em farmácia?
R: O Ariovaldo formou-se em Itapetininga, e era também muito dado à parte intelectual, usava muito a leitura e tinha uma biblioteca muito boa. E ele também me ensinou muito os princípios da farmácia e ensinava... Eu nunca tinha visto em Movimento Browniano, então ele mostrava lá um remédio e fazia um Movimento Browniano pra aquela, e eu então fui descobrindo isso. E ele me ensinou também a fazer as pomadas, unguentos que fazia na época. Naquele tempo usava-se muito a banha de porco, banha benzuinada pra fazer pomadas e usava-se... existia uma outra que dava um gel, uma geleia (PAUSA). É amido, geleia de amido uma coisa assim. Então fazia-se fórmulas pra uso externo e naturalmente àquele tempo a parte de laboratório ocupava uma parte, uma área maior do que a parte de dispensação. Praticamente não existiam remédios industrializados, os poucos que existiam vinham da França, vinha da Alemanha, vinham dos Estados Unidos. Eu, por exemplo, me lembro que o Leite de Magnésia Phillips vinha numa embalagem original e tinham muitos remédios que vinham da França, tinham os grânulos (Oudet?) tinha umas fórmulas injetáveis também que vinham da França. Eu tenho alguns exemplares em que... praticamente eles importavam e distribuíam para as farmácias aqui no Brasil. Mas acontece que as cidades naquele tempo eram muito rarefeitas, a população muito rarefeita e as quantidades eram pequenas. Eu tenho uma coleção de frascos de matérias primas que meu pai comprava lá porque ele manipulava, e aí comprava-se em frasquinhos de um grama, cinco gramas, dez gramas que era uma quantidade pra suprir um estoque de uma farmácia normalmente na época, hoje em dia já seria obsoleto, né? Mas esses produtos eram da Poulenc, da Rhodia da Poulenc da França, eram da Merck Darmstadt vindo da Alemanha, eram da Inglaterra e eram umas embalagens que eram verdadeiros mimos porque eles vinham muito bem acondicionados e naturalmente eu ainda vim a usar alguns nas embalagens originais, são verdadeiras relíquias para um museu e ele justamente que eu estou até dando alguns pra esse museu do SENAC [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial] que eu acho que deve ser estimulado. Mas a parte do laboratório correspondíamos a dois terços da área da farmácia.
P/1: Nós estamos, Doutor Paulo, desculpa interrompê-lo, mas é da farmácia do seu pai que o Senhor se lembra das memórias da farmácia do seu pai lá em Itapeva.
R: É. Lá em Itapeva.
P/1: Tá certo. E só pra acrescentar eu gostaria que o Senhor falasse um pouco sobre como foi o ambiente da sua formação ali na... como era o ambiente da sua família e tal, tudo tá ligado a farmácia desde o início já, nisso o Senhor já cresceu dentro da farmácia já com essa convivência?
R: É. Praticamente não existiam outras atividades atraentes lá na cidade e, os filhos trabalhavam na farmácia e as minhas irmãs não trabalhavam, foram ser professoras né? Mas elas todas estavam com a cultura ligada à farmácia.
P/1: Eram quantos irmãos?
R: Éramos em treze. Depois faleceu...
P/1: Treze, hoje?
R: Naquela ocasião faleceram oito sim, por causa das doenças da época né? Então ficaram oito, seis, quatorze. (PAUSA)
P/1: De treze, faleceram seis.
R: Faleceram seis.
P/1: Então você era o sete?
R: É. Sete. E desses sete, quatro foram farmacêuticos e três não eram farmacêuticos. Eu tinha um irmão que era professor, formado também pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras aqui da USP, ele era Professor de Ciências e estudou comigo aqui em São Paulo na mesma época, mas como eu cheguei na idade de decidir do futuro, a profissão, então estava sendo fundado na cidade uma Escola Normal e eles estavam precisando de candidatos para formar o corpo dos alunos da Escola Normal pra ser professor. Então eu fui lá convidado e tal, e eu disse não, eu queria ser farmacêutico. Então eu vim pra São Paulo ainda era inexperiente, caipirinha, muito naturalmente interiorano e vim pra cidade grande aqui estudar na Rua Três Rios, que foi criada a Faculdade de Ciências, Faculdade de Farmácia e Odontologia. Fui lá prestar o vestibular, então via aqueles meus colegas todos assim que chegavam de carro. Chegavam de carro falando uma linguagem diferente, eu me sentia também um pouco deslocado, mas passei no exame e fiz o curso de farmácia. Só que tem uma peculiaridade muito interessante, naquela ocasião 1939-40 o curso de farmácia tinha, por exemplo, doze ou catorze alunos e tinha dezessete professores, a escola de... os candidatos à farmácia cada vez se escasseavam mais e a tendência que existia era desaparecer a profissão como sendo uma atividade específica de farmacêutico.
P/1: Mas que estranho, por que isso?
R: Isso se deveu muito porque com a vinda, com o advento da industrialização as farmácias que antigamente eram boticas e manipulavam...
P/1: De manipulação.
R: ... e que tinham um farmacêutico manipulando, eles tinham laços auxiliares de farmácia que aprendiam ali a... nas cidades do interior todo mundo mandava... acho que todo grande homem sempre passou por uma farmácia sabe, acho que até Rui Barbosa passou. Mas acontece que a atividade farmacêutica foi perdendo o interesse e os farmacêuticos por sua vez foram deixando a farmácia ou deixando seus auxiliares imediatos que depois vieram a se provisionar como oficiais de farmácia. Mas aí tem uma outra peculiaridade muito grande, é que com o advento da Indústria Farmacêutica a legislação não previa a venda de remédios industrializados, então ela foi alterada e criou-se a denominação de Drogarias. Então muitas farmácias se transformaram em drogarias e naturalmente, quando eu me dou por atento à esta questão, as poucas farmácias que existiam aqui em São Paulo na época que eu estudava eram farmácias tradicionais e que estavam perdendo mercado.
P/1: De manipulação do mercado.
R: De manipulação.
P/1: A Drogaria chegou com a alternativa pra venda direta de remédio da Indústria Farmacêutica é isso?
R: É. Aí havia uma venda mais ou menos desordenada que vinha dos seus distribuidores, dos importadores então o laboratório foi sendo desativado nas farmácias e a área privilegiada ficou sendo a área de atendimento ao público, ou seja, da dispensação. E atualmente a área de dispensação nas drogarias é uma parte mais...
P/1: Importante.
R: Importante.
P/1: Eu entendia, Doutor Paulo, que a drogaria, pelo menos eu li um artigo sobre isso, ela teria originalmente a função de ser uma distribuidora de drogas para as farmácias!
R: Justamente.
P/1: Posteriormente elas passaram a ser uma revenda direta ao consumidor.
R: É. Na realidade, primeiro existiam as distribuidoras, depois, a Drogasil mesmo que se reuniram num grupo de grandes farmácias que se transformaram em Drogarias e Importadoras, elas vendiam... A Drogasil vendia para as farmácias que eu me lembro lá na nossa cidade, fazia o seu pedido pra Drogasil e ela mandava todos os remédios, ela representava todos os laboratórios. Então era uma facilidade porque tinha os viajantes, eram os representantes dos laboratórios das drogarias que iam nas cidades do interior de cidade em cidade, eles tomavam nota dos pedidos e depois mandava. Então vinha aquele caixotes grandes dos produtos então industrializados. Mas o primeiro sinal de industrialização que houve aqui foi justamente o do Fontoura Medicamenta, Fontoura e Serpa que nasceu como todos grandes laboratórios, como muitos grandes laboratórios nasceu de uma farmácia do Fontoura na cidade de Amparo me parece, não é de Amparo não, fica uma ressalva aí a cidade. E o Fontoura então começou a fazer o chamado Biotônico que teve um grande sucesso na época por causa da... dizem por causa da lei seca. Os Estados Unidos eles importavam como sendo remédio e as pessoas tomavam como sendo aperitivo.
P/1: Que ele contém álcool né?
R: É. E depois apareceram outros laboratórios Silva Araújo, apareceu o Laboratório Raul Leite, o Laboratório Laboratil, Laboratório Capivarol da Curitibina, essas coisas todas são pequenos laboratórios e acontece que todos esses laboratórios começavam sempre dentro de uma farmácia e eles mandavam registrar o produto e ficavam como donos da patente do produto. Naquele tempo qualquer um podia registrar o produto em seu nome que não tinha maiores pré-requisitos, quer dizer, ele era dono da marca.
P/1: Doutor Paulo, antes da gente entrar nessa história da industrialização, eu só queria que o senhor fizesse pra gente ficar um pouco na cronologia, um painel como era a farmácia antiga, a botica como que ela era, que instrumental tinha, que tipo de produto que fazia que o Senhor se lembra?
R: Bom, o aspecto da farmácia tinha uns móveis de (gelde?), de madeira nobre, Jacarandá, essas coisas todas e eram entalhados e como diz, a parte de atendimento ao balcão era relativamente pequena, mas o móvel era muito bonito e tinha uma grade separando um balcãozinho com uma grade separando o público da farmácia e como decoração que é praticamente um emblema da farmácia existia duas ânforas de vidro geralmente com um líquido colorido, um vermelho, outro azul, isso...
P/1: Isso não tinha finalidade, não era nenhuma droga, não tinha finalidade de...
R: Era uma espécie de um... é um adorno que se usava na farmácia como se fosse um sinal de identificação. Eu tenho duas ânforas, mas que não tem o liquido colorido e que eram douradas, muito bonitas, eu tenho duas ainda representante e eram peças assim também decorativas de muito bom gosto. No laboratório os frascos de tinturas, extratos fluídos em geral eram frascos de... tinha vários tamanhos, tinha frascos pequenos desde 15ml, 30, 100, 200, 500 até 1 litro e eram frascos importados que tinha o rótulo de vidro dourado, escrito o nome do conteúdo em latim, normalmente em latim ou senão o nome científico de planta né?
P/1: Geralmente derivados de planta.
R: Geralmente. Existiam nos produtos químicos, os produtos químicos da época mais usados era o Salicilato de Sódio, o Benzoato de Sódio, era o Citrato de Sódio e existiam muitas tinturas de plantas e a gente fazia as tinturas na própria farmácia. Pegava a planta, macerava, ficava lá vinte ou trinta dias, agitava-as periodicamente, depois filtrava em papel de filtro e faziam-se as poções. As poções, existiam poções para doenças mais comuns e apesar da sua simplicidade parece que matavam menos que os remédios de hoje, tinham menos efeitos colaterais, né?
P/1: (risos) E curavam também.
R: Curavam, é. Então existia umas à base de produto químico, por exemplo Saliciato de Bismuto essa coisa toda que usava-se pra diarreia, usava pra fim... Usava-se naquele tempo os entorpecentes com uma naturalidade sem controle nenhum, então fazia-se o supositório de Ópium, fazia a Tintura de Ópium Canforada que é o Elixir Paregórico, dava-se pra criança normalmente pra cólica intestinal, e a morfina era dada, assim naturalmente com ressalva pra os casos mais sérios, mas todos...
P/1: Pra aliviar a dor?
R: Para aliviar a dor. E por outro lado...
P/1: Cocaína também?
R: A cocaína não era muito usada naquele tempo, mais era morfina e dava pra doentes terminais também né? E como curiosidade da época de 1915, não na farmácia nossa, mas na farmácia da Santa Casa de São Paulo eu vi um formulário, pra os doentes terminais eles davam champanhe.
P/1: Champanhe? (risos)
R: Champanhe de hora em hora pro doente naturalmente morrer embriagado, não sofrer muito, né? Mas na farmácia do meu pai tudo isso era tido num armarinho separado e até me lembro de um fato interessante que existia uma fiscalização que ia cada ano, seis meses, da parte sanitária e o fiscal chegava e ia ver o armarinho lá dos entorpecentes e tinha um vidro lá que é de Láudano de Sydenham que era um entorpecente que era muito controlado e o Láudano estava num vidro com rolha de cortiça, acontece que o Láudano não saía muito, a rolha de cortiça evaporou o conteúdo do Láudano, então em vez de 100ml ele tinha 20, 30ml e o fiscal queria multar o meu irmão que tomava conta, que era o Ariovaldo, porque tava faltando 70ml ali então ele disse assim: esse vidro aqui ele não é usado, isso aqui é porque a rolha secou, mas ele achou que ele era viciado em Láudano.
P/1: Tava consumindo.
R: Era viciado em Láudano.
P/1: Então havia um controle de fiscalização sobre cada... se tinha uma certa, vamos dizer uma determinada quantidade tinha que justificar o consumo dela.
R: Isso, já. (PAUSA) Tinha que justificar, lá pro 1930 mais ou menos esse fato, mas eles tinham o armarinho em separado.
P/1: Antes não tinha esse controle?
R: Antes não tinha nada, eles ficavam lá no meio dos outros remédios comuns e comprava-se normalmente sem maiores controles. E ninguém nunca, eu nunca tive curiosidade de saber se a morfina era salgada ou se era... nunca até hoje não sei o gosto de morfina, da cocaína e tem lá os sais né? Mas era tudo muito simples, acontece que na cidade onde eu morava lá em Faxina apareceu um médico que chamava-se Doutor Pinheiro, médico formado na Bahia e esse médico foi um dos primeiros médicos... tinha o Doutor Pinheiro e tinha um outro médico... É que eles atendiam os mais abastados, os mais da pobreza não tinham acessos médicos e quem curava, quem dava as receitas era o meu pai. Meu pai era tido como um curandeiro, não era como um curandeiro, mas como alguém que curava né? Que tinha o curandeiro, a figura do curandeiro era geralmente uma pessoa ignorante do sítio que dava ervas pras pessoas e às vezes eles mandavam uns bilhetes assim explicando mais ou menos... dizia por exemplo, com as tripas viradas ou com pacuera virada né? Problema intestinal, né? E então o meu pai, conhecedor das plantas do Chernoviz como ele era, ele fazia as formulazinhas dele geralmente na base de Tintura de Camomila, Tintura Nux Vomica, Tintura de Aconitum, essas coisinhas assim e fazia as poções e sem ver o doente ele dava pelas informações que...
P/1: Que as pessoas mandavam!
R: ... verbais ou pelos bilhetes que os curandeiros mandavam. E com isso ele fazia o papel social muito interessante porque a maioria das doenças como se sabe é... Se existem... eram subjetivas, eram doenças que... mais psíquicas do que somáticas né? Então ele era... convivia bem com os médicos nessa parte porque ele supria o atendimento, essa parte mais pobre e era tido como sendo uma pessoa vamos dizer, capacitada pra aquilo.
P/1: Como era o nome dele?
R: Meu pai chamou-se Joaquim Marques da Silva. Ele foi durante muitos anos... uns 30 anos ele foi provedor da Santa Casa, ele que provia a Santa Casa, ele que administrava praticamente e depois veio o corpo médico e... Meu pai trabalhava com esse meu segundo irmão que era o Ariovaldo e o Ariovaldo era que tocava a farmácia e meu pai fazia, vamos dizer, a supervisão e atendia a parte da Santa Casa e era também chefe político do antigo Partido Constitucionalista do Armando Salles de Oliveira, do qual ele era um correligionário muito sério. E foi fundador da Cidade Universitária o Armando Salles de Oliveira e era um homem assim também muito culto, muito relacionado. Meu pai conhecia latim e lia com facilidades os formulários da época que os nomes dos remédios que vinham em latim...
P/1: Eram todos em latim as fórmulas?
R: É, tinha alguns livros em latim e também a maioria dos formulários era em francês. Francês era a língua oficial da época, praticamente não tinha nada em inglês e nenhuma outra língua. Então eu no ginásio aprendia francês e inglês, mas com mais ênfase o francês porque era a língua que ele tinha mais imediato contato. E meu pai no tempo da epidemia da malária, ele fazia lá umas pílulas de quinino com azul de metileno e o arsenical era (pascarenal?) e essas pílulas de azul de metileno ele punha aos filhos, os menores para enrolar as pílulas e pra atender os clientes. Acontece que o azul de metileno manchava todo mundo, saía, ia pra casa, minha mãe ficava danada da vida porque sujava a roupa, sujava a casa, sujava a mão, tudo de azul de metileno de tanto enrolar pílula. E depois começou-se a fazer as cápsulas amiláceas. As cápsulas amiláceas de quinino também já não existem mais, era feita de hóstia com um material como se fosse hóstia de igreja, comprimidas e que se tinha que comprimir, punha-se o pó e depois tinha um compressor, fechava-se e a pessoa tomava como se fosse... era um pó dentro, não existia comprimidos na época eram cápsulas amiláceas. E essa...
P/1: E qual que era o principio ativo?
R: Geralmente quinino, né?
P/1: Quinino. E o efeito pra tratar o quê?
R: O efeito era pra febre pra...
P/1: Febre.
R: É, febre pra malária pra... tinha lá um quadro típico e também tinha aspirina, fazia com aspirina, fazia com piramido, fazia com fenacetina, esses remédios da época que hoje não se usam mais a não ser a aspirina que sobreviveu, né?
P/1: O Ácido Acetilsalicílico, né?
R: É.
P/1: Mas aí não se vendia aspirina industrializada? Vendia-se...
R: Não, vendia-se em cápsula é, em cápsula.
P/1: ...formulação. Mas era o mesmo princípio que era vendido?
R: Era o mesmo, é vinha lá da Darmsdadt.
P/1: A própria Bayer vendia?
R: É, a própria Bayer vendia. E faziam-se então muitas cápsulas, as cápsulas quem faziam eram as crianças porque eles não tinham tempo de fazer. Enchia a mesa de cápsulas voltada pra cima, punha os pózinhos em cada uma delas e depois a gente fechava... Eh, era uma brincadeira. E faziam-se também as poções, as poções pra gripe, poções pra... fortificantes e fazia-se os julepos gomosos para diarreia e fazia-se aos litros porque quando a pessoa vinha buscar não dava tempo de fazer um por litro, então a gente fazia um litro e dava... depois punha em vidrinhos de 100ml dava pra fazer dez vidrinhos, e fazia um litro, dois litros, seis... de acordo com a demanda. Então a gente fazia essas poções e deixava já semi prontas né?
P/1: Quais que o Senhor lembra assim entre... eram mais vendidas?
R: É, o julepo gomoso, por exemplo, que eu gostava de fazer, era uma mistura de xarope com goma arábica e o princípio ativo era ipecacuanha era subgalato bismuto, subnitrato bismuto e tinha também o elixir paregórico que se juntava né? E conjuntamente quando havia vômitos fazia-se uma poção de citrato de sódio nascente, eram dois frascos um com ácido cítrico e outro com bicarbonato que na hora de tomar dava uma colher um, após uma colher outra, os dois se misturavam no estômago e formavam então uma mistura que era o... que borbulhava e emanava o carbonato de... O “CO 2”, né? Quando se mistura uma com outra na água ele dá efervescência como se faz o Alka-Seltzer, o Alka-Seltzer nada mais é do que um alcalino com ácido que com o contato com a água ele dava efervescência, né? E a água cloroformada, dava-se, evitava-se clorofórmio com água numa concentração determinada e aquilo é muito indicado pra vômitos, também pra vômitos incoercíveis né?
P/1: Tomava-se pra vômitos?
R: É, e naturalmente para reumatismos usava-se salicilato de sódio, e o salicilato de sódio como era muito amargo ele ia mais xarope do que salicilato de sódio porque o próprio pessoal pra poder tolerar né?
E naquele tempo quando apareciam as injeções no tempo da malária tinha uma injeção desse Laboratório Paulista Biologia onde eu trabalhei chama-se paludam. O paludam era também a base de azul de metileno e quinino e eu tinha então mais ou menos uns dez, doze anos precisava ir aplicar injeção porque as pessoas não podiam vir na farmácia tomar injeção, elas estavam acamadas com febre e tudo, dava tremedeira aquela... chama-se febre palustre né? Então eu ia fazer a injeção das pessoas e as pessoas ficavam meio desconfiadas porque eu era muito criança, né? E então...
P/1: Você tinha quantos anos?
R: Uns dez, doze anos.
P/1: Dez, doze anos e já aplicava injeção.
R: É, então a primeira injeção que eu apliquei tinha lá uma mulher que era um tipo popular que vivia falando sozinha na rua e ela foi se queixar que ela estava com qualquer problema vamos dizer, tava com cistite, qualquer coisa assim. Então pra aprender a aplicar esse meu irmão Ariovaldo explicou direitinho, na nádega como é que se fazia e dá a picada e injetar, só que o paludam mesmo, aplico o paludam, e eu passei o algodãozinho, apliquei a injeção, aspirei conforme ele ensinou, apliquei e ela achou que não doeu nada que a mão era muito boa né, e eu como sabia do efeito do azul de metileno disse pra mulher: se a Senhora urinar azul é sinal que a Senhora vai sarar, e no outro dia ela entrou ah! Eu urinei azul, eu mijei azul, então ela ficou contente por ela tinha sarado(risos) porque era efeito do azul de metileno que naturalmente eliminou pela urina né? Mas eu saía a aplicar injeção e aquela seringuinha típica que ainda também no museu, punha-se álcool na parte de baixo, fervia-se as seringas de vidro com agulha e com a pinça a gente tirava com cuidado e injetava, eu sempre fiquei um bom aplicador de injeção e essas pessoas me aceitavam bem né?
P/1: Na cidade ali virou... se tornou aplicador de injeção.
R: É, então talvez fosse aí a fixação que eu tivesse na profissão de farmácia, porque tudo é... tomou gosto né?. E quando foi pra escolher entre ser professor e ser farmacêutico eu decidir ser farmacêutico que era aquilo que eu queria, e nisso definiu a trajetória que eu sigo até hoje.
P/1: Bom, fazendo ainda um paralelo o Senhor falou de doenças. Que doenças eram mais comuns na sua infância nesse período da farmácia que eram tratadas ou que não havia ainda uma cura que posteriormente... hoje?
R: Existia naturalmente a anemia que era uma doença muito comum entre os subalimentados, existia verminose demais então eu dava umas pastilhas de santonina para áscaris para lombrigas, para tênia né?
P/1: E havia eficiência?
R: Havia eficiência. Dava-se também caroço de (pausa) como é de...
P/1: Abacate?
R: Não. É caroço de abóbora...
P/1: De abóbora.
R: ... amassado e que tinha um efeito pra tênia que era muito bom.
P/1: Pra tênia?
R: É, isso, a gente fazia, socava lá os caroço etc, fazia uma forma que a pessoa pudesse tomar e Chenopodium, o Chenopodium era uma gota por ano de idade então a criança tinha dez anos punha dez gotas, tinha um cheiro muito típico e muito forte e era difícil de ser tomado sabe, mas tapava o nariz e tocava goela abaixo e misturava com óleo de rícino, o óleo de rícino por si só já era horroroso, mas era o que se usava. O óleo de rícino era o purgativo mais usado depois do salamargo do sulfato de magnésia e o sal de Glauber que era o chamado sulfato de sódio né, é o que diz como purgativos. Doença incurável que eu sabia naquele tempo era a lepra que tinha alguns casos de leprosos lá que geralmente eram pessoas que viviam afastadas das cidades, a tuberculose era uma doença que existia também que não tinha cura, na ocasião hoje tem, a pneumonia por incrível que pareça curava-se sem antibiótico, não sei por que eu mesmo tive pneumonia e saí com umas poçõezinhas benzoato de sódio e tipirina, piramido essas coisas assim. Existia também uma chamada pra compressas em feridas, ferimentos assim, a gente usava muito a chamada Água de Alibour que era a base de sulfato de cobre, a gente usava naquele tempo o sulfato de cobre, era azul e ela ficava meio esverdeava porque a gente punha açafrão, açafrão é uma coisa muita cara hoje em dia né, naquele tempo na farmácia tinha à vontade. Havia muitas tinturas, quer dizer, uma coleção de tinturas e extratos fluídos era muito grande e praticamente era à base do arsenal terapêutico da época e constava assim dos nomes mais esdrúxulos, tinha quebra-pedra, tinha raspas de veado, tinha tintura de guaco, tinha tintura de barba-timão, tinha tintura de um monte de coisas né? Os nomes eram nomes populares e naturalmente das plantas que eram tidas como os efeitos, a gente fazia tintura.
P/1: Doutor Paulo, desculpa... é que a gente conhece pouco do seu universo, mas o que quê é uma tintura, o que quê é um extrato fluído quer dizer, o que quê diferencia um do outro, são dois líquidos né?
R: A concentração. A tintura geralmente é um 20% da planta em álcool que ficava em masseração e o extrato fluído já era obtido por um processo diferente, quer dizer, mais concentrado geralmente cinco ou dez vezes mais concentrado e praticamente tinha o extrato mole que também era mais concentrado ainda. Extrato mole existia, por exemplo, de amamélis, de beladona e o amamélis era anti-inflamatório e a beladona era analgésico e também anti-inflamatório e então eram tinturas, extratos fluídos e extratos moles.
P/1: As pílulas de comprimidos... os comprimidos né, as pílulas, as cápsulas...
R: Dos extratos moles a gente fazia as pílulas e as cápsulas eram feitas só de pós, pós e aspirina, fenacetina, cafeína essas coisas.
P/1: E as pomadas quer dizer, esse era mais ou menos o universo, os tipos de medicamentos.
R: Pomadas ou unguentos e unguento como diz era feito na base da banha de porco, banha benzuinada e do gliceróleo de amido, o gliceróleo de amido era uma forma intermediária entre o gel de hoje e a vaselina né? Mas a mais usada mesmo era a vaselina depois veio a lanolina...
P/1: Lanolina.
R: Que se misturava com vaselina. A lanolina era extraída da lã do carneiro e a vaselina era um derivado do petróleo, ela era um... Não tinha... Ah! existia também o coldcream, o coldcream era um creme...
P/1: Coldcream.
R: Coldcream, e é uma forma tradicional também que se fazia e a diadermina, um creme evanescente também, hoje pouco se fala, não tem nem razão de ser mais.
P/1: E esse cold era frio, tinha algum motivo?
R: Não, o nome dele era porque ele misturava-se a parte oleosa com parte aquosa em banho-maria e depois ia-se resfriando e o nome Coldcream porque talvez fosse refrescante, mas ele não tinha ação refrescante era uma...
P/1: Ele era uma base para vários tipos de...
R: Era uma base cremosa.
P/1: Pra vários tipos de princípios ativos que se misturavam aí.
R: As pomadas eram vaselina, lanolina, os gliceróleos eram outras e os cremes eram à base de Coldcream.
P/1: Certo! E aí se misturavam os princípios ativos diversos.
R: Justamente. Usava-se bálsamo peru misturavam-se vários componentes mentol, cânfora. (PAUSA)
P/1: E tinha os emplastros também não?
R: Hein?
P/1: Tinha emplastros?
R: Plásticos?
P/1: Emplastros!
R: Ah! O emplastro, mas não era feito na farmácia...
P/1: Não?
R: Existia... se fazia compressas, o chamado emplastro era de mostarda e linhaça, então fazia-se uma pasta tanto da linhaça, com água esquentava aquilo lá, depois pulverizava a mostarda e aplicava-se isso na região.
P/1: Uma compressa?
R: É. Usava-se naquele tempo também a ventosa. A par da ventosa também tenho uns exemplares lá.
P/1: Ventosa.
R: A ventosa a gente tinha que botar uma mechazinha de algodão dentro, acende e coloca na região da dor geralmente nas costas, até pra curar pneumonia usava-se ventosa e aí fazia uma rarefação do ar, então havia uma espécie de sucção do sangue pra aquela região. Então eu punha, três, quatro, cinco ventosas assim, eu não peguei o tempo de sanguessuga, mas foi mais ou menos em 1920 pra trás.
P/1: A ventosa ainda é uma herança do sanguessuga, daquele sistema de sangria né?
R: Talvez seja a aplicação mais ou menos com a mesma finalidade. Só que a sanguessuga era também para hipertensão.
P/1: Ah, é?
R: É, também tirava-se o sangue nos hipertensos, eu não peguei essa época.
Mas o arsenal do laboratório eram cálices de vidros graduados em vários tamanhos de 15, 30, 60, 100, 120, 250, 500ml e 1 litro e havia grais de porcelana. Grau, eu digo grais no plural. O grau era de porcelana ou de vidro, ele servia pra fazer tanto o julepo gumoso e fazer também pomada, mistura de pomadas né?
P/1: Tinha ali a gradação da quantidade é isso?
R: O grau não tinha, ali a gente já punha a quantidade certa e também servia pra fazer pós, mistura de pós. O grau era uma coisa muita usada para fazer incorporação de componentes da fórmula.
P/1: Era um recipiente pra se...
R: Era de porcelana, um pistilo, né? Pistilo é geralmente um pra cada tamanho e este grau se usava pra fazer incorporação de substâncias que não eram solúveis.
P/1: Um recipiente pra mistura?
R: Pra fazer cápsulas a gente misturava os pós no grau, misturava bem, bem, quer dizer, uniformizava e depois punha nas cápsulas. Existia também o capsulero, o capsulero era aonde se punha as cápsulas vazias, as cápsulas amiláceas... Não existia cápsulas gelatinosas naquele tempo, onde se punha as cápsulas amiláceas que tinha número um, dois, três ou número zero, zero-zero tinha vários tamanhos de cápsulas. Então o capsulero a gente punha as cápsulas voltadas para cima, punha o pó, depois fechava as cápsulas com um compressor que umedecia num algodão molhado, essa era a maneira que se fazia cápsula. Então fazia-se cápsula antigripal fazia por exemplo, quinhentas cápsulas ou mil cápsulas, aquilo era trabalho pra criança fazer, era diversão. E praticamente homeopatia vinha pronto já de fora, não existia farmácia não fazia homeopatia.
P/1: Não?
R: Não. Mas existia o Laboratório Almeida Seabra, tinha Almeida...
P/1: O Almeida Prado tem até hoje né?
R: O Almeida Prado não existia.
P/1: Não existia ainda?
R: Era um outro Almeida, era um português que por sinal eu o conheci, até hoje tem um descendente dele que tem farmácia em Rio Pardo. É Cardoso de Almeida.
P/1: Cardoso de Almeida.
R: A homeopatia Cardoso de Almeida. E tinha o Alberto Seabra e também outros, o Murtinho veio muito depois.
P/1: E a base então dos produtos que geravam esses medicamentos eram os fitoterápicos, as plantas e produtos químicos que a farmácia não fazia ela já comprava...
R: Ela comprava pro...
P/1: ... dos grandes laboratórios, eram laboratórios farmacêuticos?
R: É, dos distribuidores de matérias-primas, porque os laboratórios não vendiam sais pra gente.
P/1: Mas esses produtos eram feitos no exterior por laboratórios estrangeiros e vinha através dos distribuidores.
R: É, praticamente o que existia de nacional era o enxofre, o carbonato de cálcio que eu saiba era só, tudo vinha do exterior e aqui não existia química fina, tudo era feito lá as coisas mais simples eram feitas lá.
P/1: E os recipientes eram recipientes também químicos?
R: É. Os recipientes a gente... como se diz os...(PAUSA)
P/1: Eram feitos... a farmácia comprava no Brasil também?
R: Comprava. O que fazia o meu pai, por exemplo, ele comprava o vinho málaga em tonéis, vinha de Portugal.
P/1: Vinha de Portugal?
R: E como sempre quem engarrafava era eu.
P/1: (risos) Engarrafava um e tomava outro!
R: Engarrafava e tomava o vinho Málaga.
P/1: É vinho do Porto?
R: É um vinho do Porto, só que era de Málaga.
P/1: Maravilhoso! (risos)
R: E com aquilo a gente fazia as poções pra anemia sabe, porque só tinha que tomar na hora do almoço em cálice na hora do almoço. Então estimulava o apetite, fazia com arrenal fazia com amargoso, fazia bardiana alguma coisa assim, os princípios ativos amargosos e que fazia como o Fernet e fazia esse Campari, também tem um amargoso né?
P/1: Sei, sei.
R: É. Isso era os remédios para tônicos e pra anemia, e fortificantes e tal. Agora os remédios para pneumonia já eram mais em... Usava-se o xarope com colorante. Então o xarope de groselha, de agrendelha, o xarope de tolu, o xarope de polygala. Esses xaropes eram mais para crianças etc, e tal... não era pra...
P/1: Expectorantes pra doenças respiratórias.
R: E também uma peculiriadade da época que hoje não existe mais é que os vidros eram com tampa de rolha de cortiça.
P/1: As embalagens dos produtos hídricos na época.
R: É, eram embalados em vidros com rolha de cortiça. E a rolha de cortiça me parece que é uma espécie em extinção e vinham de Portugal. Então tinha rolhas pra vidrinhos de todos os tamanhos, a gente fazia coleção de rolhas. E a rolha era... a gente fazia a poção, fechava com a rolha e depois pegava um papel tipo papel manteiga e fazia uma cápsula...era como se fosse um fecho de segurança, uma cápsula sobre aquilo lá e amarrava um condorne e depois retornava em volta e ficava...
P/1: Bem bonitinho.
R: ... se você vê, bem bonitinho até! E os rótulos... as cápsulas...
P/1: Fazia ali mesmo a mão, escrevia a mão?
R: A mão! Os rótulos eram feitos também é... manuscritos, tinham rótulos muito bonitos, tinha rótulos dourados, tinha rótulos assim pra uso externo e pra uso interno e tinha uns com observação “agite antes de usar”, outros por exemplo, “cuidado, veneno!”, porque tem alguma coisa que na farmácia tinha não? Mas como fala... era tóxico né?
P/1: Os unguentos, pomadas eram latinhas?
R: É, os unguentos eram em latinhas de folha de flandres parece que chama né? Eram latinhas de vários tamanhos e também tinham os potinhos de baquelite, os potes de baquelite naquele tempo vieram mais tarde, mas eram já mais apresentados né?
P/1: Baquelite é um tipo de material?
R: Um tipo de plástico.
P/1: Um tipo de plástico!
R: É. A Botica Veado d’Ouro também em pouco tempo quando eu vim pra cá eles também usavam pote de baquelite e (PAUSA) isso já é uma outra história.
Mais tarde quando eu me montei, porque eu vim pra São Paulo aí é que eu comecei a usar esses potes que a indústria usa, então aí é que começaram a usar potes de plástico pra cremes e pomadas.
P/1: Os comprimidos iam dentro de vidro também?
R: Os comprimidos iam em caixinhas!
P/1: As cápsulas... caixinhas de papel, papelão?
R: É, caixinha de papelão, redondas. Quando era pílulas ou cápsulas também podia ir em caixa redonda e quando o médico receitava em vez de cápsulas em papéis. A gente fazia uma quantidade certa de pó, a gente punha vinte papéis, punha vinte papeizinhos cortadinhos num tamanho só em papel manteiga e dobrava-se duas vezes e deixava (PAUSA) e fechava quer dizer, só exibindo pra mostrar pra você como é que é! Mas...
P/1: A fórmula?
R: A maneira de dobrar-se o papel! A maneira de dobrar era uma maneira, dava-se duas voltas o pózinho ficava lá e depois encaixava-se uma no outro.
P/1: Que fantástico! E isso era um pó?
R: Isso é o pó! E isso ia numa agenda com uma caixinha quadrada.
P/1: E o pózinho ia dentro de uma caixinha pra pessoa usar as...
R: É, usar... aquela era uma dose.
P/1: ... aquela dose individual, tá certo.
R: Uma dose pra três vezes por dia misturado com leite ou com água, com açúcar ou com chá. E era tudo muito simples. O que mostrava que havia uma disputa entre quem fazia melhor era a chamada cápsula de papel manteiga no vidrinho que precisava ter habilidade, então tinha gente que fazia sem olhar e girava o frasquinho e saia uma cápsula perfeita certo.
P/1: (risos)
R: Isso era um requinte da farmácia, era uma segurança também que o remédio foi feito só pra pessoa, só na hora de tomar que ele iria romper aquilo.
P/1: Doutor Paulo, o senhor diz que o seu pai receitava muito, quer dizer, o médico ele escrevia a fórmula e o paciente levava e o farmacêutico preparava, mas muitas vezes o médico deixava que o farmacêutico fizesse ou ele só... o farmacêutico só receitava quando não passava no médico?
R: Não, eu vou contar certo. As fazendas... quando contratavam médicos pra ir às fazendas o médico ia lá e examinava as pessoas e trazia dez, vinte, trinta, quarenta receitas feitas por ele e isso até aconteceu, pois na farmácia de uns dos meus irmãos que é o mais velho, e a farmácia dele ele trazia muito limpa e um dia chegou um médico que veio da fazenda e tinha chovido, tava com o pé cheio de lama. Ele entrou na farmácia com aquele pezão cheio de lama e trouxe as receitas pra aviar e o meu irmão não podia falar nada com ele, mas ele andava pelo laboratório pra lá e pra cá e enlameou toda a farmácia e trouxe... tinha que levar no dia seguinte aquelas receitas. Ele ficava manipulando as receitas pra o mensageiro levar de volta, ali tinha o nome da pessoa até tal... tudo direitinho, tinha o modo de usar então... Eram as receitas médicas. Agora para aqueles que não tinham acesso ao médico, pra pobreza que morava nas vilas assim, é que vinham então consultar o meu pai e esse meu irmão e que ele dava as receitas geralmente aqueles remédios da época que era o Salicilato, o Citrato ou Tintura de Benjoim, Tintura de (Aquantico?). Tintura disso, Tintura... nada especial.
E às vezes também a gente abria algum abcesso, né? E conta-se que meu pai por exemplo, teve oportunidade de chegar a fazer partos, porque na ausência do médico não tinha ninguém que fizesse o parto e ele... vamos dizer, na ausência do médico ele fazia as vezes do médico. Então não havia disputa porque ele ia ser um chefe político, se é uma pessoa ter formada e tendo conhecimento que ele tinha lá... A moral lá do seminário, é uma pessoa confiável na época, ele era tido como sendo uma pessoa muito confiável.
P/1: Mas esse hábito da confiança da população brasileira no farmacêutico se mantém até hoje de certa maneira. Até hoje as pessoas vão na farmácia e compram remédio e confiam às vezes na opinião de um farmacêutico ou até de um balconista né?
R: É, eu costumo dizer que na ausência do médico o farmacêutico até pode opinar pra ajudar a pessoa, mas fazer disso uma constante não é boa norma não é? A não ser quando precise na ausência do médico e quando a pessoa não pode, então a gente pode até orientar porque a própria... O conceito da legislação já permite que na ausência do médico qualquer pessoa mais credenciada seja um médico, seja o farmacêutico, seja o enfermeiro, seja o dentista, ou seja o curandeiro até ele tem a sua função de dar assistência ao paciente.
P/1: Mas talvez esse hábito venha desse tempo que o farmacêutico realmente era uma pessoa com uma formação maior.
R: Realmente, é. Porque realmente a gente estava em contato com a parte mais carente da sociedade e não podia cobrar nada por isso.
P/1: Doutor Paulo, existiam fórmulas que o senhor diz que esses livros... o Chernoviz. Eram uma espécie de compilação de formas das principais fórmulas, não é isso? Ou as mais comuns as mais usadas.
R: É, tinham algumas fórmulas, mas ele descrevia mais as plantas porque eram mais plantas e mais as substâncias e mais as doenças. Então sabia, por exemplo, malária: malária dá tremedeira, dá de período certo em período certo e isso consta até na história que o Miguel Couto no Rio de Janeiro ele recebeu a visita de um ex-aluno dele que tinha vindo do interior e foi lá visitar o mestre, e o mestre tá lá com um cliente que tá lá tremendo assim e ele não sabia o que é que tipo de febre, porque existe muitos tipos de febre né? E o discípulo disse assim: Isso é malária!, mas sim como é que você sabe? Ah! Pelo cheiro do suor da pessoa a gente sabe que é malária. Tem um odor sui-generis a transpiração né? E o Miguel Couto que era um grande professor aprendeu com um aluno como se diagnosticava a malária.
(Troca de fita)
R: Bom, antigamente usava-se a farmacopéia francesa obrigatoriamente e também a portuguesa naturalmente. A francesa com mais detalhes, mais profunda e a portuguesa por ser da nossa origem. Mas lá pelo (PAUSA) segunda década do século aparece lá um grande farmacêutico que é tido...
P/1: Deste século?
R: Deste século. É Rodolfo Albino Dias da Silva, ele era um farmacêutico com formação na França e ele depois de formado voltou ao Brasil, ele começou a... foi incumbido de formar a farmacopéia brasileira e o Rodolfo Albino Dias da Silva com pouco recursos que dispunha, recurso de laboratório, recurso financeiro e de bibliografia ele fez um grande milagre de compilar as plantas brasileiras em uso na época e descrever as plantas microscopicamente, macroscopicamente e dar a formação das tinturas e dos extratos fluídos às concentrações, descrever as matérias dos produtos químicos da época e... deve ser 1930 mais ou menos, 20 e 30, década de 20 ou 30, e ele foi um homem que sozinho elaborou o primeiro Códex, baseado no Códex Francês elaborou a primeira farmacopéia brasileira e contendo todas as normas que daí pra adiante seriam obrigatoriamente seguidas e cada exemplar era obrigado a ter em cada farmácia que era obrigado a ter um exemplar e foi por lei adotado como sendo o órgão máximo da farmácia brasileira.
O Rodolfo Dias Albino da Silva ele é praticamente... Ele quis ser homenageado como sendo o dia do farmacêutico no dia 5 de agosto, dia do nascimento dele, mas não vingou. E o dia do farmacêutico então passa a ser 25 de janeiro, 20 de janeiro é que o dia de São Sebastião lá no Rio de Janeiro que eles fizeram lá uma reunião de farmacêuticos e instituíram como sendo o dia do farmacêutico, mas devia ser...
P/1: São Sebastião é padroeiro da farmácia ou alguma coisa assim?
R: Não! É porque a Associação Brasileira dos Farmacêuticos resolveu dar esse dia como sendo o dia do farmacêutico, mas há uma corrente que acha que deve ser o dia em que nasceu o Rodolfo Dias Albino da Silva que é o autor da primeira Farmacopéia Brasileira do Brasil. As descrições dele são tão precisas que hoje em dia se questiona como é que ele poderia ter feito com tanta perfeição.
Mas com a evolução da medicina e da farmácia, a segunda edição da Farmacopéia Brasileira já veio completamente adaptada mais à indústria do que à farmácia e muitas daquelas plantas descritas na primeira farmacopéia foram eliminadas porque realmente existia muita coisa não confirmada e havia muito folclore em torno do efeito das plantas. E quando havia dúvidas eles não punham, ou mesmo quando não havia porque o critério que foi usado foi de praticamente prevalecer os quimioterápicos, né? Os produtos químicos.
P/1: Bom, uma farmacopéia daquele tempo era a descrição da planta e dos seus efeitos terapêuticos não é isso?
R: É. E a descrição e a verificação da planta, né? E os teores... Qual era o princípio ativo da planta? Por exemplo, o Jaborandi tinha Pilocarpina, então dizia lá Pilocarpina tem que ter tantos por cento de pilocarpos e a planta era Pilocarpus Jaborandi, então dava o nome científico da planta, dizia-se a classificação muito bem feita.
P/1: E pra que quê era usava a Pilocarpina, por exemplo?
R: A Pilocarpina era um... dado como vaso dilatador...
P/1: Vaso dilatador.
R: E é o que muito usava-se, muito pra poção pra o crescimento de cabelo, certo? O Jabuti, o Jaborandi.
P/1: (risos) Certo.
R: Já ouviu falar de Tintura de Shampoo de Jaborandi?
P/2: Já, mas hoje em dia não se usa mais.
R: É usa, mas não é bem pra isso, ele tinha outras indicações. E tinha o capsicum, como também o capsicum, que é o pimentão, sabe?
P/1: E a farmacopéia continha fórmulas também de medicamento?
R: Não. Tinha algumas fórmulas, a primeira edição da farmacopéia foi feita mais visando as farmácias da ocasião. Eles padronizaram algumas fórmulas e davam a maneira de ser feitas e essas fórmulas eram chamadas fórmulas oficinais, as fórmulas contidas na farmacopéia, e tinha fórmula de xarope, tinha fórmula de pílulas, tinha fórmula de poções, tinha fórmulas de várias coisas e podiam ser feitas independente da receita do médico. Ela uma vez que tava na farmacopéia ela era aprovada e ela na época satisfez muito as exigências da necessidade da época, na época.
P/1: Porque a minha questão é a seguinte Doutor Paulo, num tempo em que ainda não existiam escolas no Brasil, os boticários se formavam em Portugal e posteriormente começou a haver escola no Brasil a Escola de Farmácia de Ouro Preto que é a primeira, ela é de quando? 1900...
R: 1800 parece, 1800 é... tem a da Bahia e Ouro Preto, era sim que a de Ouro Preto é anterior a da Bahia.
P/1: 1890 e poucos não?
R: É por aí, 1890 fim do século.
P/1: Bom então, o boticário o farmacêutico, aí já então farmacêutico porque o boticário é anterior. Ele aprendia onde as fórmulas? Quer dizer, era passado de boticário pra boticário também ou eram livro, haviam livros de formulações?
R: Não. Os Livros que existiam como se dizem eram franceses, muitas vezes não afeitos à realidade brasileira porque eram... não tinham as matérias primas que eles indicavam. Então a farmacopéia era afeita à realidade brasileira e para o farmacêutico brasileiro. Agora os produtos químicos... existiam então os livros de farmacologia franceses e ali diziam era muito comum no começo do século os médicos terem formulários franceses, eu tenho mesmo alguns exemplares lá e só que não tinha matéria prima.
P/2: Era difícil de chegar?
R: É. Falava em Escopolamina e Niacina e coisa assim, então não tinha...
P/1: Eram plantas européias né?
R: É. Mas muito dessas matérias primas a gente acabava comprando como diz, aqueles frasquinhos de uma grama assim porque esporadicamente algum médico mais estudioso ele viria a receitar alguma coisa lá, mas era muito difícil tá? Então para a ocasião a Farmacopéia Brasileira da primeira edição do Rodolfo Dias Albino da Silva ela supriu um grande vazio, um grande vazio que existia e só que foi desvirtuada na segunda e nas outras edições porque eliminaram todas aquelas fórmulas. Porque quando se pensa em Brasil tem que se pensar no interior lá do Rio Grande do Norte, Amazonas, tem que pensar porque o Brasil não é São Paulo nem Rio de Janeiro, o Brasil é... tem muita gente há muito tempo em muito lugar ainda que se usa os cházinhos de ervas. E é o recurso procurado. Então eles deviam pelo menos preservar alguma coisa, mas simplesmente tosaram. E a segunda edição da Farmacopéia Brasileira foi feita por uma equipe muito grande de farmacêuticos e médicos e deixa muito a desejar com relação às informações que prestam e a outra, a última edição aí da Farmacopéia também feita por equipe quando... A primeira foi feita por um só. Então o conhecimento da época era mais abrangente pra uma pessoa só, agora ficou tão diversificado que existe um Índex (Bergman?), por exemplo, existem milhares de produtos farmacêuticos que tem a descrição sucinta deles né?
P/1: Quer dizer, mas antes a Farmacopéia se ocupava de escrever plantas, agora se ocupa de escrever formulações químicas não é isso, basicamente?
R: É, matérias primas químicas.
P/1: Matérias primas.
R: De origem química né?
P/1: Os princípios ativos.
R: É, o principio ativos.
P/1: E não remédios?
R: E não remédios!
P/1: Bom e... voltando a essa questão da Farmacopéia Brasileira então, nessas alturas o que existiu já era toda uma farmacopéia baseada em plantas nacionais brasileiras que ao longo dessa descoberta, foram sendo descobertas os...
R: Ele foi...
P/1: ... detectados seus princípios ativos?
R: O Albino foi tomar informações por esse Brasil afora pra que quê era usada a planta? Então isso aqui era pra... dava pra um... Quina, quina é de onde se extrai a Quinina, é com Quina que se extraía aquilo com que se curava a Malária, chá de Quina né? E assim é outras coisas.
P/1: Eu ouvi falar também, eu me lembro de ter lido sobre o Pereirinha que teria sido um remédio descoberto assim que era usado pra febre. Uma espécie de...
R: É. Mas é tipo ouvi dizer, quer dizer...
(pausa)
P/1: Então só retoma essa questão que o senhor estava dizendo de que havia muito folclore em torno das...
R: É, existia muito folclore com relação ao uso das plantas e as suas aplicações e o Rodolfo Albino procurou naturalmente selecionar o mais possível, mas mesmo assim ainda poderia ter incorrido na... porque ele ali na Farmacopéia não dizia a indicação terapêutica, ele só dizia a diagnosticação e as dosagens ideais, ele não dizia a indicação se era pra isso ou pra aquilo, nem a função. Agora nos livros de farmacologia também... depois apareceram alguns livros que não eram bem de farmacologia, eram livros de plantas de botânica que ensinavam. Existia um autor, por exemplo, que ele listou todas as plantas medicinais brasileiras, estudou as plantas venenosas brasileiras, estudou os vários aspectos e aquele era (PAUSA) era estudado em botânica e farmacognosia, era um estudo mais botânico da planta né? Mas a parte terapêutica delas ia ficar muito ao sabor do...
P/1: E existiam formulações que eram tipicamente brasileiras, que foram tradicionais se tornaram formulações brasileiras tradicionais?
R: Nossa Senhora! Existiam os produtos populares, o Elixir de Tayuyá de São João da Barra, Elixir de Mamão.
P/1: Elixir de Mamão.
R: É. Tinham muitos remédios assim nessa base de Elixir de Nogueira que era depurativo, dava lá nos jornais faziam... curava sífilis, curava isso, excessos, curava tudo né?
P/1: (risos) Curava tudo. E o de mamão era pra quê?
R: O de mamão era digestivo, ainda bem porque o mamão não faz mal, era pra auxiliar a digestão. Existia muita coisa, até eu poderia até detalhar mais e até estou com... não sei se falei pra você que eu tenho lá uma musiquinha, uma fitinha de músicas folclóricas dos anúncios...
P/1: Aí, olha que bonito não!
R: (cantando): “Capivarol é melhor não sei o que lá, Capivarol...” quer dizer, tinha lá da Aspirina, né? “O Melhoral, é melhor e não faz mal!” Esses jingles que chamam né? Eu tenho lá uma fitinha disso.
P/1: É muito interessante, eu gostaria muito de ouvir.
R: É, eu sei que foi feito... eu devo ter. Mas falávamos dessas. (pausa)
P/1: Dessas formulações tradicionais que eram brasileiras da...
R: Formulações tradicionais. Eram chamados remédios populares, nem eram OTC [Over the Counter – Sobre o Balcão], eram remédios populares mesmo que não tinham comprovação científica nenhuma.
P/1: Nenhuma.
R: Mas é... Tomavam e diz que curavam né? Será que até... vamos dizer se é verdade eu não sei, mas...
P/1: E houve algum que depois se comprovou que realmente tinham efeito?
R: Se procurar bem tem. Se por exemplo, se pesquisasse assim, por exemplo, o Elixir de Mamão mesmo é a Pepicina Papaina né? Papaina é a (PAUSA) a extensiva.
P/1: Bom, Doutor Paulo, vamos fazer então a passagem agora dessa fase da Botica e pra sua formação e o que o universo que o senhor já encontrou com um pouco diferenciado né? Quando o senhor começa a exercer a sua profissão.
R: Bom na realidade, eu tive... eu estava com Laboratório de Análises em Ourinhos e o meu irmão mais velho que chamava-se Álvaro, ele era gerente da Drogasil e comprou uma farmácia aqui na Praça Buenos Aires em Higienópolis, isso há cinquenta anos atrás, mais de cinquenta. E eu estava em Ourinhos e me casei e a minha mulher como era paulistana ela estranhava muito o interior e a primeira oportunidade que apareceu ele fez um convite pra eu vir trabalhar com ele como sócio, eu vim de mala e cuia porque minha mulher não se acostumava no interior.
P/1: Quer dizer, o senhor se casou aqui em São Paulo, o senhor a conheceu durante o período que estudava?
R: Eu a conheci quando era estudante, quer dizer, eu trabalhava no Laboratório Paulista de Biologia depois fui pro interior, depois voltei e casei-me e voltei pra lá pra morar e fiquei lá uns dois anos mais ou menos. E então eu recebia convite desse meu irmão para... chama Álvaro Queiroz Marques. O Álvaro foi também Conselheiro de Farmácia, foi membro do Sindicato... um dos diretores do Sindicato do Comércio Varejista foi... é muito atuante e era Gerente da Drogasil, Amarante, assim quer dizer, ele era sócio e eu também fui sócio da Drogasil e ele também era sócio e no livro da Drogasil tem a relação dos sócios a gente consta ali.
P/1: Naquela época já existiam então redes de farmácia em São Paulo, grandes... a Drogasil era uma rede?
R: Naquela época... não, não. A Drogasil foi a primeira rede, não era propriamente rede, era uma Sociedade Anônima e a gente tinha cotas lá na Drogasil, eu não era sócio, tinha cotas, eu era acionista. Então eu vim trabalhar com esse meu irmão na farmácia na Praça Buenos Aires, foi a Farmácia Buenos Aires que existe até hoje onde fiquei lá quinze anos trabalhando com ele.
P/1: Era da rede Drogasil?
R: Não, não.
P/1: Não, já sei!
R: Não, ele saiu da Drogasil...
P/1: Ah! Ele saiu... e foi e comprou.
R: ... e comprou essa farmácia...
P/1: Tá certo! Eu entendi agora.
R: ... Me convidou pra vim trabalhar com ele certo? Então aí eu trabalhei esses quinze anos com ele e sendo que (PAUSA) a farmácia cresceu muito e tinha um bom nome na cidade, tinha um grande estoque. Então os laboratórios aí não tinha praticamente, não tinha manipulação. O laboratório de manipulação era o mínimo, era um espaço mínimo necessário aqueles vinte metros quadrados, mas tinha aqueles frascos antigos bonitos dourados e tinha um equipamento todo, mas era praticamente inativo.
P/1: Quer dizer, vendiam-se já produtos industrializados?
R: É. Aí esses os grandes Laboratórios (Auvthe?), Park Davis, Schering, Merck Sharp Dohme, Squibb, os representantes visitam a gente e a gente fazia... estocava e tinha praticamente cada laboratório tinha seu lugar na prateleira em ordem alfabética e os produtos também em ordem alfabética e era uma área muito grande. Então como eu dizia assim, no começo a área grande era do laboratório depois é que a área grande passou a ser a parte de estoque de especialidades e dispensação né?
P/1: Metade de 40 nós estamos falando aí?
R: É.
P/1: Metade de 40!
R: É. 40,45 era a década de 40.
P/1: E quando é que se deu essa passagem porque o Senhor foi estudar, durante o período que o Senhor estudou os Laboratórios entraram no Brasil ou... foi rápido?
R: Não, não. Esses laboratórios já, eles começaram a entrar em 1930 mais ou menos.
P/1: 1930!
R: Aí foi o seguinte, com o Getúlio Vargas naturalmente trouxe, deu condições favoráveis à que os laboratórios estrangeiros se estabelecessem no Brasil, deu isenções de impostos... facilitou demais possível e foi o que está acontecendo agora com essa abertura da Vale vamos dizer, linhas telefônicas essas coisas.
Então os laboratórios que todos que tinham representantes aqui que importavam matérias primas e tinhas seus representantes aqui, eles passaram a produzir aqui as suas especialidades e contratando os recursos regionais. Então é que segundo consta, que eu não trabalhei na indústria, mas as fórmulas eram padronizadas no exterior e aqui eram reproduzidas pelos farmacêuticos daqui segundo o critério da matriz, então elas eram a filial com todos os recursos da matriz. E esses laboratórios os primeiros, Park Davis por exemplo, ele importava os remédios e fazia aqui e Squibb e Schering e esses são os multinacionais e os nacionais que tinham eram o Silva Araújo que depois foi comprado por outro laboratório multinacional, o Laboratil ficou...
P/1: Laboratil?
R: É, foram sendo encampados.
P/1: O Instituto Medicamenta não é?
R: É, praticamente a indústria nacional também tinha pouco fôlego né? E não tinha muita base científica, eles copiavam as fórmulas, não havia patentes, direito às patentes. Então o mesmo produto vários laboratórios faziam e às vezes até com aspectos diferentes com resultados diferentes, não havia uma padronização correta né? Então eu costumo dizer que os produtos industrializados eles tem um critério de elaboração sujeitos a padrões e tem uma qualidade padronizada e que naturalmente serve para cobrir a grande área do Brasil e eles preenchem essa finalidade social atingindo justamente aonde o farmacêutico não quer, não pode ir ou não tem condição de ir. A indústria farmacêutica ela cresceu em função da demanda do crescimento populacional do índice demográfico do Brasil, porque a população foi se multiplicando de casa dez, quinze anos foram se multiplicando então não haveria condição de farmácia de manipulação...
P/1: Atender a essa demanda.
R: ... atender a população com a demanda que existe hoje. Então ela veio suprir uma grande área que seria impossível suprir com os critérios antigos, e hoje em dia essas indústrias praticamente agora padronizando-se com a patente elas tem mais interesses em se manter aqui, porque antes o mesmo produto era reproduzido pelos laboratórios nacionais sem grande controle. Eu acho que isso também não era muito legal porque era uma espécie de copiar, era um copiar, não tinha mérito nenhum.
P/1: Bom! Voltando lá, nós estávamos no inicio da sua associação com o seu irmão naquela farmácia. Como é que foi o desenvolvimento desse trabalho com essa farmácia?
R: Essa farmácia como diz assim ela era uma farmácia de manipulação do dono anterior e que naturalmente estava decadente. As farmácias ficaram decadentes na época.
P/1: As de manipulação.
R: De manipulação e passaram-se a transformar em Drogarias. A denominação Drogaria e Farmácia define muito bem, a Drogaria vende produtos na embalagem original e não podem retalhar e pode ter os acessórios, a Farmácia ela pode ter os produtos industrializados mas é obrigado a ter um Laboratório de Manipulação, uma área de Laboratório de Manipulação. Essa separação entre Drogaria e Farmácia fez com que muita gente transformasse as Farmácias em Drogarias porque as Drogarias tinham aos olhos do público uma visão mais favorável porque elas davam promoções, faziam descontos e vendiam mais barato e as Farmácias não tinham condição de vender mais barato porque era um...
P/1: Produto manipulado individualmente.
R: Justo. E essas Drogarias também aos poucos... quando veio a Drogasil por exemplo, se reuniram sete grandes farmácias das maiores de São Paulo e formaram então uma rede, uma rede chamada Drogasil que também no começo chamava-se uma parte era Farmasil que mantinha as farmácias e a Drogasil que mantinha só as Drogarias. As farmácias existiam por força de circunstâncias porque apareciam umas fórmulas manipuladas algumas vezes, mas a maioria se transformou em Drogaria. E aqueles ajudantes de farmácia dos farmacêuticos antigos passaram a ser donos das Drogarias porque o dono se desinteressou porque não tinha mais razão de ser, não tinha manipulação. Eles se adaptaram então às Drogarias e sendo que eles naturalmente com inteligência, com bom senso, com raciocínio eles se transformavam em bons comerciantes de remédios. Eles não eram farmacêuticos, mas tinham muitos deles que tiveram formação dentro de uma farmácia, depois vieram outras gerações que não tinham mais relação com a farmácia e que...
P/1: Como farmácia de manipulação.
R: ...tiveram seguidores, eram comerciantes de drogas. Então a lei mandava que cada Drogaria ou cada Farmácia tivesse um farmacêutico como responsável e durante muito tempo as primeiras drogarias que tinham os farmacêuticos e os oficiais de farmácia que é os práticos se aprovisionaram, então eles ficaram com iguais direitos a farmacêutico pra tocar a sua Drogaria, isso sobre o aspecto de política provisional.
P/1: Certo.
R: E os que não foram provisionados que não tiverem esse benefício, porque só se provisionaram aqueles que se formaram, aliás, aqueles que se inscreveram até 1960 comprovando lá que eles tinham experiência, que eles eram sócios e então que eles tinham direito adquirido.
Mas os sucessores deles já não eram, não tinham tempo, não tinham nada, não puderam se provisionar e continuam ainda donos de novas Drogarias mas sem muita formação profissional. Então a tendência atual é dar-se curso de profissionalização a essas pessoas que ficam nas Drogarias para terem pelos menos uma consciência profissional que lidar com remédio não é o mesmo que lidar com uma mercadoria comum. Então existe essa escola na Avenida Tiradentes, de saúde. Elas também formam cursos de auxiliares de farmácia, uma formação rudimentar, mas com conscientização de que a farmácia é uma atividade que lida com saúde que precisa ser feita, não tratado como uma mercadoria qualquer visando simplesmente o lucro e sempre assim a saúde do cliente. E retomando o raciocínio?
P/1: O Senhor estava lá na associação com o seu irmão, como é que se desenvolve o seu trabalho?
R: Eu fiquei, o meu trabalho lá eu dava uma retaguarda pro meu irmão e eu sempre que podia ficava mais no laboratório manipulando alguma coisa, mas não era aquilo que era o forte.
P/1: Já não havia mais um consumo né? Um grande?
R: Eu fazia as compras, eu atendia os representantes dos laboratórios, então a Farmácia cresceu muito no conceito na época e o meu irmão sobrava tempo pra ele se dedicar-se a atividades vamos dizer, associativas. Ele era diretor do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos e também foi Conselheiro, um dos primeiros Conselheiros do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo e ele foi um dos formadores desse Conselho, o número dele devia ser número três ou quatro, o meu número no Conselho é número dezesseis, eu sou o décimo-sexto, porque aí vinham doze conselheiros e eu me inscrevi logo em seguida então eu fui o número dezesseis em 1960 mais ou menos. Então esse meu irmão ele dedicava-se à Farmácia e as atividades associativas e eu ficava mais na farmácia. Depois eu também comecei a me dedicar às sociedades, entidades de classes e também fui Diretor do Sindicato e fui também Conselheiro do Conselho e durante duas gestões. E na gestão do Conselho circundado por alguns colegas começamos a fazer uma campanha da volta da manipulação à farmácia, naturalmente não prevendo concorrência com a Indústria Farmacêutica, mas completando uma lacuna que sempre existiam aquelas fórmulas que não existiam industrializadas e que o médico haveria de querer prescrever, mais com essa intenção porque jamais eu... a Indústria Farmacêutica sempre é reconhecida como sendo uma necessidade nacional e naturalmente nos termos em que ela se propõe a ser com... e é uma formação de gerações, novos farmacêuticos dedicados à indústria né?
Eu então quando estava no Conselho junto com outros colegas que era o José Sylvio Cimino que era diretor da farmácia do Hospital das Clínicas, tinha Fernando Montenegro que era Professor de Farmacotécnica em Recife, tinha o Cabral que era de Maranhão, São Luís do Maranhão, tinha Sérgio Medalambe que era do Rio Grande do Sul, então um grupo de farmacêuticos... tinha o José Aleixo Prates, tinha Cláudio Dafre que até hoje tem farmácia, é professor da USP, e o Aleixo Prates que é assessor do Ministério da Saúde hoje não é? E eu com um grupo de pessoas assim coincidiu que... Comecei a fazer um movimento pela volta da manipulação. Aconteceu que na Farmácia Buenos Aires aonde eu trabalhava o meu sobrinho formou-se em farmácia, filho do meu irmão e eu achei por bem então que ele ocupasse o lugar junto com o pai e eu... partisse pra outra farmácia.
P/1: Pra uma outra experiência pessoal?
R: É, e partisse pra Farmácia Droga América onde estou até hoje.
P/1: Isso em que ano?
R: 1963.
P/1: 63!
R: É. Então nesta época eu comecei a fazer essa campanha da volta à manipulação, mas junto com o apoio do conselho desses colegas que eu enumerei plantou-se uma semente da volta à manipulação e chegamos a fundar uma firma para... a grande dificuldade é conseguir matérias primas. (PAUSA)
P/1: Pronto! Vamos lá.
R: Um dos grandes problemas que nós encontrávamos quando fomos reiniciar a campanha da volta à manipulação era como conseguir a matéria prima em quantidades pequenas com potinhos da farmácia individual, porque os grandes distribuidores de matérias-primas só vendiam na embalagem original que era de vinte quilos, cinquenta quilos, e só vendiam em grandes quantidades para Indústria Farmacêutica, nós tínhamos dificuldade em conseguir as matérias-primas, então chegamos a fundar uma firma chamada Insufarma e que esse grupo cada um entrou com uma pequena importância e comprou-se, alugou-se um local lá na Barra Funda e comprava-se matéria-prima pra retalhar pra ficar acessível às farmácias.
P/1: Acessíveis.
R: Só que havia tão poucas farmácias que a Insufarma não vingou por falta de clientes e para um... Vamos dizer, decepção nossa o problema de matéria-prima ficou novamente sendo muito premente. Mas acontece que quando eu estava já na Farmácia Droga América, eu escrevi na década de 70 um formulário que é um daqueles que está lá que o primeiro formulário é baseado para ser dado aos médicos sugerindo fórmulas possíveis de se fazer em farmácia e nesse formulário quem deu um grande subsídio, me deu e forneceu dados matérias-primas para fazer as fórmulas foi uma firma chamada Henkel do Brasil que fazia insumos pra Indústria e pra Cosméticos né? Então eu usava todos os nomes fantasias da Henkel por exemplo, o nome Texapon T-42, Cutina KD, o Cetiol-v são fórmulas que pus naquele formulário tirados da nomenclatura que eles usavam e não eram os nomes genéricos químicos ou químicos como deveria ser. Então nós já começamos a fazer esse formulário e fizemos mil exemplares e mandados por mala direta pra mil médicos, na ocasião 1963, 65 e naturalmente pressupondo que aquilo lá não ia atrair a atenção de muitos médicos porque os médicos os novos não conheciam, mas alguns dos velhos médicos pudessem então se interessar. Então dos mil formulários que nós mandamos é capaz que novecentos tinha ido pro lixo, uns cinquenta, ou sessenta, ou setenta tenha ido pras gavetas os fundos das gavetas e uns cinco ou dez tivesse ficado algum médico interessado, então começam a chover as primeiras receitas manipuladas e naturalmente aí começou a nascer a farmácia voltando à manipulação. Então as Faculdades de Farmácia estavam fechando porque as fórmulas vinham industrializadas. Havia uma tendência à extinção da espécie farmacêutica e a volta à manipulação foi um retorno a motivação do farmacêutico fixar-se, a princípio muito timidamente porque muitos poucos médicos receitavam, mas acontece que algumas distribuidoras começaram a fazer matérias-primas em quantidades proporcionais em quantidades acessíveis e as farmácias foram tomando seu impulso porque o farmacêutico da indústria tem a mesma formação profissional do farmacêutico da manipulação, nosso currículo é o mesmo. Então pretendíamos que as fórmulas tivessem o mesmo rigor né? Só que na indústria o rigor era mais perseguido porque eles faziam grandes lotes e se perdessem seria aquilo lá prejuízo muito grande e as consequências seriam desastrosas. Na farmácia já se propunha a fazer individualmente ou em pequenas quantidades, então os perigos já eram menores e não havia tanto risco em fazer.
Aconteceu que as farmácias... antigos farmacêuticos lembravam das limonadas purgativas de Citrato de Sódio que eram comuns, lembravam de Pomada de Almerique, da Pomada de Reclus, aquela pomada... coisa do tempo da... do começo do século e nós já estávamos já em 1960, 70 então aquilo já era coisa do passado e eles vibraram: “Ahh!! Eu fiz muita limonada, fiz muita, isso, muito...” Mas nós estávamos pensando em voltar com termos modernos com termos... usamos Corticosteroide usamos essas vitaminas, usamos os insumos modernos. Então atualmente... também havia pouco acesso à literaturas desses fármacos, mas aos poucos ela foi crescendo e até que em 1980 houve um boom das farmácias o que por um lado foi uma coisa, uma grande vitória mas por outro lado criou problemas de conceituação de qualidade mesmo porque eles viam como sendo um meio de ganhar dinheiro fácil, do sujeito montar uma farmácia e logo depois já tá ganhando dinheiro. Mas a farmácia ela veio pra dar um complemento aos médicos daquelas fórmulas que não eram industrializadas e não pra enriquecer o neguinho do dia pra noite né?
P/1: Então, aí dentro disso eu queria perguntar pro senhor que formas se a indústria já abastecia num grande universo, onde é que o senhor encontrou o nicho pra... pra fazer...
R: Pois é, justamente o que eu estou dizendo. Naquelas lacunas onde a indústria não compensava fazer os remédios pela pequena demanda, então foi aí que o nicho do interesse da manipulação. Era dar cobertura àquilo que não era industrializado.
P/1: Mas que tipo de coisa mais ou menos só pra gente ter uns exemplos?
R: Por exemplo, a indústria faz uma Pomada de Hidrocortizona a 0,5% e o médico cisma uma pomada de cortizona a 2%, foi aí até uma história que começou. Então chegou pra mim um médico “olha, preciso de uma pomada de Corticosteroide de Cortisona a 2%, só existe a 0,5% e não dá pra fazer isso?”, eu disse: “olha dá pra fazer desde que tenha matéria-prima.” Então eu conseguia a matéria-prima e passei a fazer pomada de Hidrocortisona a 2%, então um médico lá queria fazer, por exemplo, a Lotio Alba, a Lotio Alba é um produto que usa pra acne e que não competia, não convinha fazer industrialmente porque ela se deteriorava, ela é uma fórmula extemporânea né?
P/1: Mas é um fitoterápico antigo ou é um remédio moderno?
R: Não, essa aí é uma mistura de sulfato de zinco com... é uma mistura que era indicada pelos dermatologistas pra pele.
P/1: Certo! Químicos.
R: É, tinha solução A e B então tinha que se misturar as duas e ela tinha uma vida curta então não podia ser industrializada a Lotio Alba, e tinha também por exemplo a Pasta Barba, a Pasta Barba era muito usada pra criança pra irritação de fraldas de crianças e tal, os dermatologistas receitavam os pediatras e a indústria não fazia. Então a gente se dispunha a fazer essas fórmulas, é um princípio muito simples né?
P/1: É, a pergunta tem um pouco a ver com o fato que eu na minha experiência de vida reconheço muito a farmácia de manipulação pela parte da dermatologia, muitas vezes dermatologistas me recomendaram farmácia de manipulação, então me pareceu que o nicho da farmácia de manipulação tivesse muito ligado aos dermatologistas.
R: Justamente. Os dermatologistas foram os primeiros incentivadores da manipulação, naturalmente por causa dessa... então eles queriam algo diferente não é? Eles queriam um, vamos supor, alérgico a tal produto, então queria que fizesse sempre aquele produto. Então a gente fazia, por exemplo, uma fórmula tinha um perfume é preciso fazer uma fórmula sem perfume ou sem corante, sem nada então a gente se propunha a fazer as coisas dessa maneira e naturalmente a esses expansivos pra Dermatologia, para Endocrinologia. A Endocrinologia veio com essas ondas das fórmulas para emagrecer que formou praticamente uma Indústria de Emagrecimento que foi uma coisa que não estava no meu programa. Mas eles receitavam, por exemplo, existia um medicamento pra emagrecer (Temirandospan?) tinha 75mg, de 25mg, ele queria dar 10mg pra uma pessoa pra uma criança por exemplo, pra uma pessoa muito sensível não tinha, então a gente se propunha a fazer de acordo com a dosagem que ele quisesse porque 75mg já era chamada overdose, então a gente se propunha, procuraria adequar qualitativamente e quantitativamente o fármaco à necessidade do paciente e do médico. É muito bonito falar, mas só que muito médico copiava receita sem saber o quanto era. E a proposta eu acho que é válida porque a intenção é fazer as fórmulas extemporâneas, é fazer as associações que não compensam industrialmente e tem a sua razão de ser e naturalmente tem lugar pra as duas conviverem perfeitamente sem concorrência, sem... convivendo harmonicamente.
P/1: Agora, não houve recuperação de fórmulas também do tempo da botica do seu pai que o senhor achava interessante?
R: Ahh!! Praticamente estas fórmulas antigas até hoje ainda faço aquelas... Xarope de Sulfoguaiacolato de Potássio tem na farmacopéia da primeira edição, eu faço até hoje. É uma fórmula...
P/1: Pra bronco-respiratório?
R: Justamente, pra gripe, pra tosse eu achava o Iodeto de Potássio com Expectorante e existe industrialmente, mas aquela lá que eu faço é porque meu pai fazia. E algumas fórmulas pra calo, fórmula pra isso pra aquilo, fórmula pra espinha, acne, muitas coisas da farmacopéia da primeira edição que a gente faz e usava naquela época. Tem muito reflexo do passado ainda pra mim, agora pros novos, não pros novos, já houve agora com a abertura do mercado uma invasão de matérias-primas do Japão, pelo lado de... coisas que ainda não tem no mercado no Brasil, o nacional. Então as farmácias estão usando esses fármacos esses insumos para fazer formulações modernas principalmente para os Dermatologistas, essas são fórmulas meio cosméticas meio dermatológicas não é, coisa que não existe industrialmente. Então a farmácia tem muito da explicação da razão de ser por esse fator. Mas acho que esqueci de falar alguma coisa aí nesse meio de tempo.
P/1: Bom, pegando o fio assim eu entendi que o senhor começou então a se dedicar à farmácia de manipulação e vem até hoje sempre trabalhando com manipulação e não mais com venda de medicamento industrializado, não é isso?
R: Não, pelo contrário eu acho que a farmácia convencional tem que ter medicamento industrializado, eu tenho a minha farmácia a parte de Drogaria naturalmente só voltada para o receituário médico só medicamento ético, não tem popular não tem Licor de Cacau, essas coisas ele não tem. Então eu tenho uma cobertura farmácia convencional, ela tem que ter Laboratório de Manipulação atuante e tem que ter pra completar a receita à parte de especialidades farmacêuticas e que eu tenho na minha farmácia e acho que todas as farmácias deveriam manter, mas muitas optaram por só fazer manipulação. Então o paciente é obrigado a comprar, mandar fazer a fórmula aqui e comprar o remédio noutro lugar o que o correto seria se fizesse tudo num lugar só.
P/1: Certo! Bom, da parte de história do medicamento industrializado o que eu teria a perguntar pro senhor é o que o senhor considera os remédios revolucionários que marcaram época e que trouxeram uma contribuição pra Medicina, que foram grandes muitos educativos, pelo menos os princípios ativos mais importantes desse século.
R: É, teve época das sulfas que agora já é ultrapassado, teve uma época dos antibióticos quando eu me formei que o Flemming esteve aqui no Brasil, é a época da Penicilina e desses novos antibióticos, mas uma coisa que eu lamento que os critérios de publicar proibiram é o uso da Talidomida eu acho que é um grande remédio que pelo seu efeito colateral foi condenado pela sociedade, mas pelo lado farmacêutico-médico é um remédio que tem grandes qualidades e até nos Estados Unidos dá AIDS para Candida Albicans é um medicamento muito importante, eu lamento que tenha sido proscrito. E naturalmente eu peguei a época em que se usava muito mercúrio, os mercuriais, os bismutos essas coisas todas, tudo isso já ficou superado do passado.
P/1: Isso era usado para infecção, sífilis?
R: Para sífilis, e bismuto pra elixir da (plutássea?) essas coisas assim também, e também o bismuto pra pomadas secativas o subgalato de bismuto. Mas as conquistas do futuro da medicina encabeçadas pela pesquisa dos grandes laboratórios e que vem a Biotecnologia, isso pra mim ainda é uma incógnita porque vai trazer remédios cada vez mais específicos e mais potentes e os remédios vão ser muito perigosos, a indicação e o uso por médicos mesmo mal formados e naturalmente condenado pro uso popular né? Então é uma grande expectativa que de tempo que as grandes doenças vão sendo descobertos novos fármacos e a resistência aos tratamentos da época, dos antibióticos, isso traz uma proposta muito grande e a gente deve ver o medicamento como sendo uma coisa muito séria e não para ser feito um comércio puro dele. E os médicos também existe muita diversidade na formação médica, então é preciso muito cuidado com esses medicamentos. Eu acho que o futuro da medicina vai se elitizar muito e naturalmente vai encarecer também e vai tornar mais especifico mais... vamos dizer, o sujeito precisa conhecer profundamente a droga que vai prescrever porque hoje se conhece já na bioquímica que os fatores que fazem com que a droga atue entram reações intermediárias e enzimas que naturalmente... e o pouco conhecimento ainda de muita gente que trabalha com medicamento.
P/1: Certo. Bom, dado ao adiantado já estamos né? Não sei se o senhor tá com... excede?
R: Não. Eu com relação à farmácia de manipulação eu tenho a dizer que eu fui um dos primeiros da volta à manipulação e o crescimento da manipulação em vez de ser motivo de satisfação pra mim foi um motivo também de preocupação porque afetava a qualidade do produto e então eu fui, fundei junto com outros colegas uma associação chamada Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais a FARMAG, que ela está completando agora doze anos e que veio para justamente trabalhar para normatizar e para dar amparo vamos dizer, técnico e legal à manipulação e ver se cria um canal de comunicação com a indústria. Porque a farmácia de manipulação ela tem uma qualidade que ela pode... que não desenvolveu ainda mas que poderá desenvolver, era fazer como os Estados Unidos ela retalhar os produtos de granel para a quantidade que o cliente queira. Em vez de vender as embalagenzinhas conforme o médico prescreve com vinte comprimidos ou 100ml ou um tanto assim, as farmácias poderiam ser os agentes intermediários da Indústria pra distribuir os produtos... existam maior...
P/1: A granel?
R: ... e que tenham um certo, exijam prescrição médica e que tenham um certo rigor na indicação de usos. Isso é uma proposta que a gente gostaria de fazer, por exemplo, à ABIFARMA e fazendo da farmácia não um concorrente, mas um aliado e usando essas farmácias para fornecer os antibióticos e os corticosteroides os outros produtos que eles fazem em quantidades compatíveis a granel.
P/1: Evitando o desperdício, que muitas vezes até...
R: Evitando o desperdício. Então o pessoal precisa de dez cápsulas, ele leva dez cápsulas, ele precisa de cem cápsulas, ele leva cem cápsulas, ele precisa... e barateia o custo também né?
P/1: Sem dúvida.
R: E é uma medida que se é bom lá nos Estados Unidos deverá ser bom aqui, isso é uma meta. E que naturalmente são todas atividades farmacêuticas.
P/1: Tá bom. Só pra completar, o senhor vê nos fitoterápicos algum rumo também da... porque o Brasil não faz pesquisa, não tem, como o senhor diz, capacidade técnica competitiva com os grandes laboratórios, nós não temos investimentos em pesquisa. Será que os fitoterápicos seriam também esse futuro aí pra o medicamento brasileiro?
R: Os fitoterápicos tiveram amparo do Ministério da Saúde através da CEME [Central de Medicamentos] há alguns anos atrás quando um diretor da CEME lá se preocupou com esse lado e estudou, pesquisou alguns, uma meia dúzia de plantas e que naturalmente ficaram confiados, não me lembro o nome delas mas me parece que tem Cavalinha, tem umas plantas... Parece que ficaram provadas pela Central de Medicamentos, mas acabamos de saber também que a Central de Medicamentos foi extinta pelo novo Ministro, né? Acontece que eu sei, por exemplo, que a... acho que a Papaverina, me parece que a Merck ela pega a planta aqui e leva pra Alemanha e sintetiza lá. Assim como a Papaverina tem a Pilocarpina, esses outros Alcalóides, então nós ficamos dependentes da boa vontade do capital estrangeiro, dos interesses em ter porque realmente tinha o alforismo que disse assim: que Deus pôs na Terra tantos recursos medicamentosos através da natureza quanto são as doenças que possam existir. Então pra cada doença existe um remédio e isso está na natureza. Então em vez de estar sintetizando, fazendo sínteses químicas, é procurar na natureza aquilo que naturalmente possa ser aproveitado e o difícil vai ser casar a causa com o efeito. Mas chegará o dia em que isso vai ser possível.
P/1: Tá bom, obrigado então, Doutor Paulo, acho que o Senhor querendo completar mais alguma coisa da nossa parte estamos...
R: Você vê, quanto com a relação a ABIFARMA eu falei dessa proposta de aproveitar as farmácias de manipulação porque elas tem um farmacêutico a testa e as Drogarias nem sempre tem conforme a lei, que use as farmácias como sendo fontes de revenda dos produtos assim a granel. E segundo lugar eu teria a propor que se criasse um Museu pra Farmácia aproveitando talvez algum núcleo que já tenha e através dos recursos da ABIFARMA em termos de Brasil coletar, porque esse da Roche, por exemplo, foi só fotografado o Brasil inteiro. Eu tenho muitas peças fotografadas ali que eu vou doar pro Museu, eu acho que vou dar pro Museu do SENAC, mas transformar o Museu do SENAC no Museu Paulista e cultivar a memória da farmácia do que ela foi e do que ela representou no passado para aqueles que vieram pra posteridade.
P/1: Sem dúvida, é da maior importância!
R: É. Se precisar eu já to doando lá alguma coisa.
P/1: Tá bom então. Então muito obrigado ao senhor pelo tempo que o senhor tá gastando aqui com a gente.
R: É, eu acho que não escapou nada não é?
P/1: Por nada.