A entrevista de Caetano Carlos Consolo foi gravada pelo Programa Conte Sua História no dia 22 de agosto de 2013 no estúdio do Museu da Pessoa, e faz parte do projeto "Aproximando Pessoas - Conte Sua História". Caetano Carlos Consolo nos fala sobre as diversas dificuldades que enfrentou para poder estudar. Tendo perdido os pais com 14 anos, passou por momentos difíceis, buscando se sustentar sem ter que abandonar os estudos. Muitos anos depois, tornou-se professor e com a ajuda de um livro autobiográfico, buscou incentivar seus alunos através de suas experiências.
Educador sócio ambiental
História de Caetano Carlos Consolo
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 22/10/2013 por Alexandre Marino Netto
P/1 – Senhor Caetano, primeiramente eu gostaria que o senhor me dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Ok, Caetano Carlos Consolo, nasci em São Paulo, em 23 de novembro de 1956.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Alcides Consolo e Olívia de Souza Consolo.
P/1 – Você poderia descrever um pouquinho deles, o que eles faziam, como eles eram?
R – Meu pai, ele era filho de agricultores, meu avós vieram da Itália fugindo da guerra, e aqui do interior de São Paulo pra cá,ele trabalhou como tropeiro no interior, depois aqui em São Paulo já, na zona sul, ele trabalhava na construção civil pedreiro, depois mestre de obras. E minha mãe era prenda doméstica veio da lavoura também, trabalhou no café, no algodão, no interior de São Paulo, e quando veio pra São Paulo aí passou a cuidar só de casa, então prenda doméstica.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Não tenho uma noção exata, eu sei que foi no interior de São Paulo foi em Avaré e minha mãe era de, da região de Itaí, próximo de São Manuel, e meu pai de Avaré, foi em Avaré que eles se conheceram, mas não dá pra saber se foi em alguma festa, alguma coisa assim, porque nunca houve relato a respeito.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho irmãos, tenho cinco.
P/1 – Como é que você tá nessa escadinha?
R – Eu sou o do meio.
P/1 – Você pode falar o nome deles pra gente?
R – Sim, a caçula é Rosana, depois vem o Concílio, eu, Caetano, depois a minha irmã Roseli, a minha irmã Adeli e Adélia.
P/1 – Caetano, eu queria que você me falasse um pouco sobre a sua infância, você lembra da sua casa na sua infância, como é que era?
R – Olha, foram muitas casas, muitas, porque o meu pai, ele era mais ou menos como cigano, então a gente mudava pra uma casa numa semana, a semana seguinte ele vinha repentinamente, às vezes à noite mesmo, e falava pra minha mãe: “Arruma as tralhas, bota no caminhão, que a gente vai mudar” e a gente ia pra um local desconhecido. Então nós moramos em muitas casas assim, nasci em Santo Amaro, ali na Washington Luís, no porão de uma casa ali, pelas mãos da minha avó italiana naquela época era parteira, dali nós começamos, com a questão econômica e tal, a gente foi indo mais pra periferia da zona sul. E aí nós moramos em vários bairros, mas não dá pra descrever uma casa em si, a que mais marcou, assim, pelos detalhes foi uma casa que a gente morou que era feita de sapê e de pau a pique a gente fez a casa, cortamos as varas, fizemos, as crianças ajudando o meu pai e cobrimos com sapê. Só que a gente era muito pobre, tinha que mudar muito rápido porque já tinha aluguel vencendo num outro local que a gente morava e nós mudamos pra essa casa com três paredes apenas, a quarta parede a gente não conseguiu fazer, então a minha mãe enchia de pano velho pra gente poder dormir, jogava os colchões no chão, o chão de terra batida a porta não tinha, colocava um pano na porta e a gente dormia dessa forma. E como era coberta de sapê, o sapê quando tá verde vem a chuva, molha, até secar aquilo e assentar, então a primeira chuva eu digo que ninguém esquece porque foi um banho geral na criançada e em minha mãe e tudo mais até que isso assentasse, então essa foi a casa que mais ficou marcada, assim, na minha mente pelos detalhes.
P/1 – E as brincadeiras?
R – As brincadeiras eram extremamente interessantes hoje eu comento que a gente fazia mais atividade física, porque hoje existe muito videogame, muita coisa parada mas o futebol era básico, isso aí não tinha como, na rua, em qualquer canto a gente arrumava ali meia velha ou alguma coisa, alguma bola velha mesmo pra jogar, então futebol era básico. Fora isso tinha bolinha de gude, pião, pipa, mas não como é hoje, antigamente a gente fazia pipa de modelos diferente pra mostrar que era mais bonita no ar e hoje já fazem a pipa mais pra cortar a do outro com cerol e assim por diante, então a brincadeira, ela era bem diferente. Tinha o esconde-esconde que a gente brincava muito então um ficava contando até dez, até 20, 30, os outros iam esconder e a gente corria bastante, fazia muito exercício, e uma outra brincadeira que eu também não sei se o nome seria esse, mas a gente chamava de estréia a nova cela, então um garoto ficava com as mãos no chão, com o abdômen levantado e aí um pulava por cima e encostava naquele, aí o outro, o próximo ia ter que pular os dois o outro ia ter que pular três, quatro, cinco, até que o último não aguentasse pular todo mundo, aí começava a brincadeira novamente.
P/1 – Você brincava com os seus irmãos, eram os amigos da rua?
R – Amigos da rua, muito mais amigos da rua, eu sempre fui muito rueiro e apanhava muito por isso porque o meu pai sempre me encontrava na rua e ele não gostava porque ele tinha medo da marginalidade o bairro era muito violento, então o meu pai tinha muito medo disso. Então quando meu pai aparecia e ou os amigos me avisavam, eu saía correndo pra não tomar uma surra, ou eu era pego de surpresa mesmo então eu brincava muito na rua, brincava mesmo na rua direto e pouco em casa com os irmãos muito pouco.
P/1 – Você comentou que nasceu pelas mãos da sua avó.
R – Isso.
P/1 – Você teve contato com seus avós?
R – Com a minha avó, o meu avô, ele faleceu um ano antes do meu nascimento, um mês antes do meu nascimento, desculpa, ele faleceu em outubro de 56, eu nasci em novembro de 1956, ele tinha o mesmo nome que eu, diferença só do Carlos era Caetano Consolo, na realidade na Itália é Gaetano Consolo o nome do meu avô. E a minha avó não, a minha avó eu tive mais contato, minha avó levava muita bola de futebol pra mim,que sabia que eu gostava então essa eu tive mais contato e também porque ela dizia sempre que eu parecia muito com o meu avô, então por essa semelhança acho que eu acabei me achegando mais à minha avó.
P/1 – Como é que era o Caetano na escola?
R – Olha, a escola pra mim foi muito difícil, muito complicado, porque o meu pai, ele tinha uma cultura de que os filhos não precisavam estudar, que eu até a quarta série do que era correspondente ao primário naquela época estava muito bom porque ele tinha feito até a terceira série e bastava. Então quando terminasse a quarta série ele ia me tirar da escola pra colocar pra trabalhar, eu não tinha material escolar porque quando vinha a relação de materiais meu pai cortava tudo, mais, tirava: “Pra que duas borrachas, pra que dois lápis?” ou coisa parecida: “Pra que um caderno desse se antigamente minha mãe costurava folha de pão pra gente escrever?”. Então ele tirava boa parte dos materiais, a gente ficava quase que sem material mesmo pra estudar então era muito difícil e, como o meu pai mudava muito, eu começava o ano letivo numa escola, passava pra outra, ia pra uma terceira escola pra poder eu terminar. E só depois do falecimento dos meus pais, isso em 1972, por volta de 76, 77 eu voltei a estudar, fiz supletivo até a sétima série a oitava eu fui reprovado em análise sintática, até hoje eu não sei pra que serve isso, e o tal do sujeito, objeto direto, indireto, não sei voz da passiva, não sei pra que serve isso até hoje, mas eu fui reprovado em análise sintática e fiquei revoltado com isso. Aí prestei uma prova no estado, eliminei uma matéria, então fiz a oitava série, gostei da história e fiz uma matrícula no cursinho, quer dizer, terminei a oitava série e fui fazer cursinho, fiz uma matrícula no cursinho no Objetivo justamente porque eu queria ter base pra poder fazer o ensino médio, e os professores do cursinho acabaram me dando uma base. Eu fui pra Minas Gerais pra fazer uma prova que o governo oferecia todos os anos, não sei se oferece ainda aqui em São Paulo tinha o Inglês, em Minas tinha o Espanhol, eu falei: “Bom, como eu não sei nenhum dos dois é melhor eu me virar com o Espanhol”. Então acabei viajando pra Belo Horizonte, fiquei um dia todo lá fazendo prova, quando eu voltei, pra minha surpresa, eu eliminei o ensino médio, ou seja, eu não freqüentei sala de aula pro ensino médio. Aí daí pra frente eu fiz o técnico em Agronomia, depois eu entrei na universidade e não parei mais de estudar até fazer mestrado.
P/1 – Você disse que voltou a estudar, nesse tempo que você ficou parado você chegou a trabalhar, alguma coisa?
R – Muito, eu tinha que trabalhar demais porque era a minha sobrevivência e eu já tinha passado muita dificuldade, então, por exemplo, quando criança a gente brincava numa tubulação de esgoto e eu não voltava pra casa porque a gente tava vivendo em pleno regime militar naquela época, eu não tinha noção, hoje eu tenho noção que era um regime militar porque era década de 60, 70 62 João Goulart perde o poder é dado o golpe de estado e aí entra o militarismo. E meu pai tinha dificuldade de emprego porque havia um desemprego generalizado e a gente passava muita fome, então eu brincava na tubulação de esgoto e tinha comerciante que tinha, vendia coco do lado assim dessa tubulação e quando o coco quebrava ele não tinha como vender porque estragava, ele jogava no esgoto e a gente criança ficava ali brincando, quando achava um coco desses estragado a gente abria, tirava a parte que estava embolorada e comia o restante. Fora isso, como na minha casa um dia tinha alimento, o outro não, e tinha um pé de chuchu que produzia muito, minha mãe sempre mandava chuchu com sal na gente porque a gente não saía a pedir pras ruas porque a minha mãe tinha vergonha que a gente fizesse isso, mesmo assim eu dava umas escapadinhas, saía a pedir pão duro na rua e comia na rua mesmo, porque a fome batia, eu tinha que comer. Mas na minha casa tinha um pé de chuchu que produzia muito, inverno, verão, outono, primavera você tinha chuchu, e aí minha mãe fazia, como a gente ganha muito sal porque é o mais barato, então os vizinhos sempre dão sal, em vez de dar arroz, feijão, dão sal, tinha muito sal e muito chuchu. Então a minha mãe cortava o chuchu ali em cubinhos e a gente molhava no sal e aquilo que a gente comia porque não tinha como cozinhar e aí, lógico, ficava salgado pra caramba, enchia o resto com água do poço, aí um bando de barrigudinho andando por ali. Então, por essa dificuldade, eu tinha medo de ficar desempregado, então teve uma certa madrugada, eu morando sozinho num barracão, não tinha energia elétrica,não tinha saneamento básico, isso eu morava num bairro chamado Jardim Jacira e trabalhava na Washington Luís numa empacotadora de especiarias. Então não tinha despertador, nada, eu saí de casa com medo de perder a hora, cheguei de madrugada na empresa, quando eu sentei na porta da empresa a lua tava alta ainda, até esperar abrir a empresa, porque eu não podia me dar o luxo de perder o emprego e ganhava muito pouco. Então eu saía dessa da Washington Luís, passava pelo Largo Treze de maio, na Cantina Continental, comprava açúcar e pão e em casa eu comia era isso, era o pão e água doce nesse período minha mãe estava internada e o meu pai também.
P/1 – Você disse que depois voltou a estudar, ao mesmo tempo que você estudava você continuou trabalhando?
R – Só consegui estudar porque eu trabalhava e aí então eu conseguia pagar parte da minha, da mensalidade do supletivo e como o dono da instituição acabou se comovendo com a minha situação, com a minha história, eu acabei ganhando bolsa de estudos, e na universidade também, durante cinco anos de universidade eu tive 100% de bolsa de estudo.
P/1 – Você disse que fez um técnico antes fala um pouquinho.
R – Fiz o técnico em Agropecuária, meu sonho era ser agrônomo, só que era período integral, eu já estava casado e já tinha um filho nesse período e como não tinha como fazer esse curso de Agronomia eu fiz o técnico em Agropecuária em plena Brigadeiro Luís Antonio, a escola chamava Escola Luis Antonio Machado. Então foi ali que eu fiz o técnico em Agropecuária e os estágios era feito nas fazendas, então a gente completava as horas de estágio viajando pras fazendas pra poder fazer esse, completar o que o curso solicitava. E quando foi pra trabalhar, na realidade a primeira oportunidade surgiu na Juréia, eu não tive como ir porque o salário era tão baixo que eu não ia conseguir me manter, então eu desisti do técnico e aí depois, mais pra frente, eu entrei na universidade.
P/1 – Nesse período do técnico você já era casado?
R – Já era casado.
P/1 – Conta pra gente como você conheceu a sua esposa.
R – Foi uma história interessante , eu pobre, miserável, com 17 anos e foi num período muito influenciado pela música norte-americana, então a gente ouvia muito Abba, muito Bee Gees alguma coisa de Rolling Stones, Beatles, Creedence, e fazia, e tinha muito bailinho nos bairros em casas, as pessoas faziam nas casas mesmo os bailes. E em um desses bailes eu conheci uma menina, eu tinha 17, ela 15 anos, a minha esposa, então naquele período a gente começou a se conhecer, depois de um tempo começamos a namorar e namoramos dez anos e dez meses, depois casamos e sou casado com ela até hoje.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Vera Lúcia.
P/1 – Vocês tiveram um filho também nesse período?
R – Dois filhos, tem o Filipe e a Maiara.
P/1 – E aí com já uma família constituída você decidiu entrar na faculdade, como é que foi essa decisão?
R – Na realidade na faculdade eu entrei um pouco antes do nascimento do meu filho depois veio o meu filho, minha esposa também estudava, aí nós fizemos uma troca, ela parou de estudar pra cuidar do menino enquanto eu terminava a faculdade, quando eu terminei ela voltou a estudar, aí nós tivemos o segundo filho, pra eu poder cuidar das crianças. E a gente tinha bolsa de estudos justamente porque o salário era baixo demais, tinha filho pra criar já mas eu comecei antes de nascer o primeiro filho, depois que nasceu aí eu continuei, ela abriu mão dos estudos.
P/1 – Qual é o curso que você fez?
R – Eu fiz a princípio Geografia e História.
P/1 – Fala um pouquinho desse período de faculdade, tem alguma coisa que marcou assim?
R – A faculdade marcou porque, a escola marcou porque quando você fica muito tempo parado, sem estudar, você tem uma visão das coisas, quando você volta a estudar parece que o seu mundo abre, então você passa a ter novas perspectivas, você passa a ter novos sonhos, começa a realizar alguns desses sonhos, outros você não consegue. Eu comentei agora há pouco que eu vejo a vida assim como uma colcha de retalhos você vai colocando os pedacinhos, um fica bonito, legal, o outro não, mas são os fracassos e são as vitórias que vão montando essas colcha de retalhos, quer queira, quer não, faz parte da sua vida. Então o estudar pra mim foi isso, foi um abrir do horizonte, foi uma visão, assim, espetacular e eu, olha, foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, foi ter a oportunidade de estudar.
P/1 – Quando você saiu da faculdade você tava trabalhando com alguma coisa relacionada ao seu curso?
R – Já, um pouquinho antes da faculdade, assim que eu terminei o curso de técnico em Agropecuária eu já dava aula de Ciências na rede pública e já desenvolvia diversos projetos de Educação Ambiental na zona sul mesmo, na Represa do Guarapiranga.
P/1 – Agora vamos fazer um panorama mais amplo, como é que foi essa sua trajetória profissional daquele período até a atividade que você exerce hoje?
R – Olha, eu sempre fui muito batalhador e sonhador, então eu sempre queria o melhor, eu queria ser o professor mais bem preparado, eu queria levar o melhor, dar de mim o melhor pros meus alunos, e sempre eu procurei me capacitar muito. Então eu fiz mais de 50 cursos de capacitação, sempre procurando alguma coisa que trouxesse novidade pra sala de aula e que fizesse eu crescer enquanto pessoa e enquanto professor também. E diante dessas capacitações todas eu dei aula na rede pública, depois da rede pública eu passei pra rede particular, dando aula pra o ensino fundamental e ensino médio, passando por aí eu fui pro cursinho, dava aula no COC e no Objetivo, dei aula um tempo no COC e no Objetivo, depois me chamaram pra universidade. Nesse trajeto eu já estava fazendo pós-graduação então eu fiz pós-graduação em Ecoturismo, pós-graduação em Solo e Meio Ambiente, fiz extensão em Gestão Ambiental, mestrado em Educação Ambiental, aí fui pra universidade pra dar aula de Sociologia.
P/1 – Como é que é pra você, que sempre deu tanto valor pra educação, ta do outro lado, agora você não é mais o aluno, você ta ensinando?
R – Na realidade eu me aposentei o ano passado e enquanto professor eu sempre procurei mostrar pros meus alunos que valia a pena você fazer o esforço e não deixar de estudar de forma alguma, tanto que quando eu lancei meu primeiro livro, eu to falando da minha autobiografia, foi um livrinho de 80 páginas, um livro de bolso pra doar pros meus alunos pra que eles lessem minha história e não desistissem de estudar. E eu obtive retorno satisfatório de alguns que disseram: “Professor, depois de ver a sua situação eu não vou parar mais de estudar, na realidade eu vou continuar”, então a gente tinha caso assim, de aluno que não tinha dinheiro pra pagar a mensalidade, saía pra vender trufa na rua, saía pra vender mel, saía pra vender roupas, sempre conseguindo alguma coisa, trabalhava em casa de família como empregada doméstica pra poder terminar a faculdade. Então isso pra mim era extremamente gratificante porque acabei de certa forma influenciando esses alunos com a minha experiência de vida, que é coisa que é particular de cada um, é difícil você, assim, se o professor não tem essa experiência de vida, essa vivência, então daí fica difícil você transmitir alguma coisa.
P/1 – Como é que foi essa ideia de fazer uma autobiografia, é extremamente difícil.
R – Sim, existem duas maneiras de você na realidade se vingar das pessoas, vingar entre aspas, e eu tinha uma bronca muito grande de uma tia minha porque havia tomado minha casa, minha mãe foi enterrada como indigente, ninguém quis ajudar pra que minha mãe fosse, pra que fosse feito um enterro digno. Meu pai fez uma cirurgia, tirou um pulmão, em cerca de dois meses minha mãe e meu pai faleceram e ele ficou em tratamento na casa dessa tia e ela se viu no direito de tomar a casa que eu morava que era um barracão de madeira onde eu morava sozinho, porque meus dois irmãos menores já estavam morando com essa tia. Então ela sentiu-se nesse direito e tomou a casa mesmo, literalmente, ela chegou e disse que havia comprado a casa do meu pai e a casa ficou em troca do tratamento médico que ela dava pra ele, tomou a casa, então isso me revoltou muito porque depois ela me levou pro interior e de lá eu voltei com 14 anos e me jogou na rua. Então eu vivia perambulando por aí e graças a Deus tinha bom relacionamento, então uma família me acolhia, outra me acolhia ali e tal, eu pagava pensão e foi fazendo assim as coisas e essa, esse desejo de vingança fez com que eu escrevesse o livro porque ou você diz pessoalmente pra pessoa ou você escreve, então eu achei melhor escrever. Por fim, quando eu acabo de escrever o livro, foi muito difícil escrever, escrevia uma página, parava porque lembrava do passado e aí chorava muito e entrava em depressão, voltava novamente, hoje eu consigo conviver bem com essa parte. Mas o que me fez escrever o livro foi exatamente esse desejo de mostrar pra esse pessoal, e na realidade nem foi pra esse pessoal que acho que a minha tia nem leu esse livro, que eu tinha qualidade, que eu não era só defeitos como eles viam e esse desejo de vingança tornou-se na realidade em um autocrescimento, um autoconhecimento pra mim.
P/1 – Agora eu queria voltar, você comentou dessa sua tia, que você chegou aqui com 14 anos e tava praticamente na rua, como é que foi isso, como é que foi pra você encarar essa situação?
R – Foi difícil, primeiro que o meu pai estava internado no Hospital do Mandaqui na zona norte e minha tia me levou pra morar na casa de uma prima do lado do hospital e eu lembro que num certo dia meu pai disse que queria me ver e minha tia veio e falou: “Olha, teu pai quer te ver, ele não está muito bem”. E eu lembro que eu fui no Hospital do Mandaqui, ele estava acamado, tava com sondas inclusive tinha umas manchas de sangue assim na beira da cama e tinha uma maçã, eu digo que é a maçã mais amarga que eu já comi do mundo, foi essa. Ele perguntou se eu queria uma maçã: “Filho, quer uma maçã? Pode comer”, eu peguei a maçã e ele falou: “Senta aqui do meu lado”,aí sentei do lado dele, ele falou: “Olha, filho, eu até agora resisti à morte porque eu sabia que você estava desamparado e meu sonho era sair daqui e montar uma sapataria, que seria um serviço mais leve pra mim e aí eu cuidar de você, porque eu sei que você tá sozinho, num lugar abandonado, um lugar perigoso e eu gostaria muito de fazer isso. Mas agora a sua tia me deu a notícia que você vai pra casa de uma prima no interior de São Paulo e ela vai te dar uma boa educação, vai te dar uma boa alimentação e um bom estudo, então eu posso morrer em paz”. Naquela noite, às dez, naquele dia foi a tardezinha, quando foi dez horas da noite avisaram que o meu pai havia falecido, então ele resistiu à morte pra, até que o filho tivesse amparado então isso foi uma das maiores provas de amor que eu já senti na minha vida.
P/1 – Mas depois desse período então você já teve alguém que cuidasse de você ou você continuou?
R – É, aí o que aconteceu? Minha prima me levou pro interior, me deixou durante uns 15 dias lá e me mandou embora e aí eu vim pra cá pra zona norte novamente, próximo do hospital, pra casa de uma outra prima, comecei a trabalhar ali na Rua Antônio Prado numa construtora no centro, na Praça Antônio Prado. E trabalhava nessa construtora, recebia o salário de office boy, levava pra casa e o meu primo gastava todo o meu dinheiro em cerveja, bebida e tal e começou a haver briga entre os dois e diante dessa situação eu falei: “Bom, não posso ficar mais aqui”, decidi ir embora. Minha tia havia me dado duas blusas e uma calça e ela falou: “Tudo bem, você pode ir embora que você tá atrapalhando mesmo a vida do casal”, né e tomou: “Só que você vai deixar a blusa e a calça que eu te dei”, tomou as blusas e a calça e aí eu fui pra periferia da periferia pra morar com uma senhora que tinha saído de uma Favela do Socorro, conseguiu montar um barraco e conversando com ela, falou: “A gente mora nesse barraco, quer morar com a gente aqui? Você mora aqui, paga uma pensão pra me ajudar na despesa”, então acabei indo pra essa pessoa que me acolheu muito bem.
P/1 – Você continuou trabalhando na construtora?
R – Continuei na construtora, passei, assim, por um período que foi um milagre terrível, eu fui fazer um trabalho pra essa construtora, ia buscar um cheque e antes eu tinha que entregar uma correspondência na região de Pompéia, por ali e na volta o ônibus não andava. Eu tinha que ir na Crefisul buscar um cheque e a Crefisul ficava no sexto andar do Edifício Joelma e aquele trânsito que não passava, eu nervoso dentro do ônibus, quando eu percebi a gente olhava as pessoas se jogando lá de cima, o edifício pegando fogo, então se eu chegasse um pouco antes com certeza hoje eu não estaria aqui dando essa entrevista .
P/1 – Como é que foi pra você ir conseguindo melhorar um pouco a sua situação, conseguir uma independência?
R – Primeiro trabalhando bastante eu trabalhei em várias empresas porque eu tinha um, tenho um temperamento, tenho ainda hoje um temperamento muito difícil, então eu não ficava muito tempo numa empresa, se o chefe xingasse muito eu já saía, ia embora, ia pra outro. Então foi sempre trabalhando bastante e sempre querendo um crescimento maior mas eu não via trabalhando, por exemplo, num banco, eu trabalhei no Bradesco, eu não me via ali preso naquele ambiente eu queria ficar mais solto e falar mais, porque eu sou muito falante. Trabalhei nas indústrias Beretta, fábrica de armas que depois passou a ser Taurus e hoje já não existe mais aqui, trabalhei na Serveng, que é uma outra empresa também da área de construção, sempre trabalhando em escritórios até que eu conseguir me achar exatamente em sala de aula.
P/1 – Você se lembra da sua primeira aula?
R – Ah, difícil a primeira aula a gente nunca esquece porque você entra mais assustado do que o aluno e o aluno também assustado porque tem um professor novo então eu lembro que eu me preparei bastante pra essa primeira aula, fiquei com o livro várias horas ali olhando o livro didático, o que eu poderia fornecer de bom pros aluno. E coincidiu que como eu tinha feito o curso técnico em Agropecuária, eu ia pegar a quinta e sexta séria que estuda exatamente solo e estuda vegetação e estuda Botânica, coisa que eu tinha tido no curso técnico. Então eu acabei entrando em sala de aula, lógico, todo aquele alvoroço de início, mas só que os alunos daquele período, não sei se mudou tanto, mas eles eram mais educados, era mais fácil você trabalhar com esses alunos. E aí tinha um projeto do governo Franco Motoro, que era o Profic, Projeto de Formação Integral da Criança e eu ficava na escola em período integral, no período da manhã eu dava aula em sala de aula e à tarde projetos. Aí eu consegui fazer uma integração legal, eu tinha três aulas de Ciências, eu dava uma aula em sala de aula e duas aulas de campo, porque eu fiz uma horta na escola com os alunos, eram 29 canteiros produzindo, fizemos curva de nível, estudamos o solo, estudamos o tipo de raiz, estudamos semente, então toda aula de Botânica eu dava lá e Ciências eu usava muita coisa também dessa horta. Eles gostavam porque eram duas aulas fora da sala de aula e uma dentro da sala de aula, isso aí deu super certo, tanto que hoje eu dou curso de capacitação pra professores falando exatamente sobre isso, a necessidade de tirar o aluno daquele ambiente fechado e levar ele pra um espaço aberto, você dar uma aula mais interessante.
P/1 – Esse seu interesse pela parte mais ambiental, você disse até que depois fez vários cursos, especialização, de onde veio?
R – Olha, é incrível como a gente foi criado sem saneamento básico, sem esgoto, eu, a gente fechava a água do córrego do bairro pra poder nadar, então você imagina a situação, você cortava o dedo do pé, amarrava um trapo no dedo ali ou se arrancasse a unha, amarrava um trapo, você parava de jogar bola na linha, ia pro gol porque machucava menos. E essas coisas foram passando, só que o que marcou foi quando eu trabalhei no jornal O Estado de São Paulo, que eu saía do jornal e parava em Santo Amaro, próximo do Socorro porque a enchente não deixava a gente ir nem pra um lado nem pra outro, e você via aquele monte de lixo boiando, aquilo me chamava a atenção, eu falava: “Por que tanto lixo, por essa enchente?”. Isso ficou na minha mente, foi ficando gravado até que um determinado período eu comecei a me aprofundar um pouquinho mais sobre isso e como eu tenho, assim, uma formação bem, muito mais criacionista do que evolucionista, então eu comecei a estudar um pouco mais a bíblia e saber o que Deus havia recomendado pro povo de Israel quando eles haviam sido libertos do cativeiro, quando tiraram, Deus tirou o povo das mãos de faraó. E aí você encontra na bíblia uma série de recomendações de cuidados com a terra, cuidado com a vegetação, isso me chamou mais atenção ainda, então a aprtir de então eu passei à causa, assim, pra valer.
P/1 – Você comentou agora uma passagem pelo jornal O Estado de São Paulo, como é que foi?
R – Isso, no jornal Estado de São Paulo eu trabalhava na Editora Lista Telefônica Nacional, a gente fazia, eram feitas vendas de anúncios pras Páginas Amarelas que não sei se existe hoje ainda as Páginas Amarelas, e aí a gente fechava a venda dos vendedores e a comissão desses vendedores. E com o tempo o jornal Estado de São Paulo ganhou a concorrência e fez o convite pra que eu fosse trabalhar lá, então eu fui trabalhar no jornal, era um departamento de marketing, mas a gente trabalhava com a classificação de anúncios melhor local pra colocar o anúncio, então, e comissão de vendedores. Então do jornal eu trabalhei dois anos e pouco, até que eu saí pra montar um comércio por conta própria.
P/1 – Como é que foi esse comércio, do que era?
R – Esse comércio era uma rotisseria ali na Rua Leão treze na zona norte, e montei com um amigo que fez o técnico comigo, mas por fim eu cuidava da parte das vendas e ele ficava com o caixa depois de mais ou menos um ano de funcionamento, eu sem mexer em um centavo, eu fui procurar saber do dinheiro, havia desaparecido e ele comentei que: “Olha, eu precisei usar pra minha casa, pra minha esposa, pra fazer compra do mês e tal”, aí eu falei: “Ah, não acho justo, eu não to tirando nada e você tá desfalcando o caixa”. Então nós desfizemos a sociedade, eu levei dois freezers horizontais pra minha casa e comprei uma Kombi 1976, tinha mais ferrugem do que lata a Kombi e comecei a entregar comida congelada no jornal Estado de São Paulo. Naquele tempo era ficha ainda, eu botava as fichas no orelhão, fazia ligação pros vendedores que eram meus amigos lá do jornal e vendia comida congelada, porque eles saíam de lá muito tarde e ia chegar em casa, não ia ter tempo de cozinhar então levava comida congelada, eu levava isso num isopor e fazia entrega lá. Deu certo até um certo período, depois não deu mais porque eu não tinha telefone, telefone aquela época era mais caro do que um carro, então ficou complicado pra mim continuar parei. Aí decidi a transportar criança com essa Kombi velha e foi quase que um suicídio, tanto pra mim quantos pra eles porque a Kombi era muito ruim, não tinha fiscalização e eu levava ali umas dez, 12 crianças dentro dessa Kombi. E era um freio a vácuo, uma dia o motor morreu numa subida e a Kombi começou a descer, eu falei: “Agora que mato essas crianças e eu também vou atrás”, mas por sorte bateu na guia, a Kombi parou, daí parece que foi um aviso, eu falei: “Não, vou parar com isso”, aí parei de transportar criança e voltei a trabalhar em empresa novamente.
P/1 – E aí voltando agora pro livro, você colocando todas essas memórias, todas essas suas histórias, lembranças nesse livro, chegou o livro pronto, já veio a ideia automática de entregar pros alunos, como é que foi ver esse livro pronto?
R – Ah, olha, é uma coisa que é, pra mim é inexplicável, você escrever é inexplicável porque são as suas ideias que estão ali, é a sua vida que está aberta ali você abriu sua vida pras pessoas, quer dizer, o que era privado agora tornou-se público, então pra mim foi uma coisa magnífica poder entregar os livros e esse retorno que eu obtive depois que eu comentei. Então isso foi muito bom, tanto que eu lancei esse primeiro exemplar, que foi uma edição caseira, depois lancei a primeira edição, que já foi uma primeira edição oficial, esgotou a primeira, eu lancei a segunda, esgotou, eu lancei a terceira, esgotou, e agora eu estou reescrevendo, lançar a quarta edição, com uma capa renovada já, outro formato.
P/1 – Como é que é pra você perceber esse interesse das pessoas pela sua história?
R – Olha, é bom porque primeiro que isso faz com que as pessoas cresçam mais, porque a gente vive de experiências e uma experiência que você conta pra mim, uma experiência que eu conto pra você, isso vai aumentando a nossa colcha de retalhos, digamos assim. E isso faz com que a gente cresça como pessoa porque alguns erros que a gente cometeu no passado, a partir da leitura a pessoa já fala: “Poxa, eu não vou cometer esse mesmo erro, eu vou traçar um outro caminho”, até mesmo na criação dos filhos. E eu obtive coisas interessantes de leitores um garoto de sétima série me ligou perguntando se eu era o autor do livro, disse que sim, ele falou: “Eu queria agradecer muito porque esse livro mudou a minha vida e a vida da minha família porque a partir da leitura do livro a gente viu que muita coisa é possível e o meu pai mudou o comportamento, minha mãe também e me ajudou muito”. E uma outra que me ligou e achei até interessante essa, uma jovem, ela pegou, me perguntou, né: “É o Professor Caetano, autor do livro “Nasce uma esperança?”, “Sim”, “Mas o autor fala com o leitor”, eu falei: “Fala, se não for mudo fala, né” e aí ela falou: “Olha, eu queria agradecer pelo livro porque eu tinha uma mágoa muito grande da minha mãe e depois de ler o livro, de você falar do teu amor pela sua mãe e pelo seu pai eu decidi que vou até o interior, até o sul”, não foi interior, até o sul do país, acho que foi, se não me engano, pra Curitiba: “Pra pedir perdão lá pra minha mãe por tudo o que eu fiz, apesar dela ter me abandonado muito criança ainda”. Então isso pra gente é gratificante, esse retorno é gratificante.
P/1 – Depois de ter escrito esse livro, do sucesso desse primeiro livro, você chegou a escrever outro ou pensa em escrever outro?
R – Tem um outro escrito, eu estou reescrevendo, ele é inédito em termos de Brasil e acho que talvez até em outros países e o título eu vou mudar, mas o título que está agora no livro, está esgotado é “O meio ambiente numa perspectiva bíblica”, eu peguei toda essa parte bíblica que eu comentei de Genesis e Apocalipse, que Deus fala do cuidado com a terra e peguei a ciência e fiz um paralelo entre os dois. Em vez da gente ficar debatendo, olha, é evolucionismo, criacionismo: “Eu sou criacionista”, “Eu sou evolucionista, eu acredito na evolução” “Na criação”, “Ah, porque como é que pode Deus fazer existir o home do pó?”, em vez de discutir esse tipo de coisa é mais fácil você pegar as coisas que estão na bíblia que serve no dia-a-dia como exemplo pra você viver como cidadão, como pessoa e como uma pessoa que vai preservar aquilo que foi criado e fazer uma junção com a parte da ciência. Então a ciência, ela está descobrindo coisas que a bíblia já dizia no passado e tem, eu tenho confirmação da bíblia na ciência e confirmação da ciência na bíblia. Ainda ontem eu li uma reportagem interessante, que eles descobriram uma erva que são os coquinhos, que esses coquinhos que era tido como erva daninha agora têm uma grande quantidade de vitamina C e vitamina E, eles vão começar a produzir isso em escala industrial, só que na bíblia a gente tem Genesis, Deus dizendo assim: “Eis que deixo pra vocês toda erva verde, toda árvore que dê fruto”, então de todo fruto das árvores você pode comer e toda erva verde também. E aí eu peguei um livro da Zuri Brandão, da Editora Globo, que o título é “Ervas comestíveis” e comecei a verificar uma série de ervas que são comestíveis e que nós temos como ervas daninhas, então as pessoas passam fome por falta de conhecimento e na bíblia tem uma passagem que diz assim: “O meu povo perece por falta de conhecimento” e é exatamente o que acontece com a gente. E como eu sou muito de testar as coisas, eu comentei numa palestra a semana passada que o professor dizia pra gente assim: “Olha, a braquiária, que é um capim, veio da África pra cá e ela tem uma vantagem porque ela permanece sempre verde, mas os animais não gostam muito porque ela tem uma ponta muito fina e dependendo do animal chega até a furar o olho e o paladar não é agradável”. Então eu peguei um tanto de capim e comecei a mascar pra ver se era agradável, eu queria provar pra ver se era agradável, realmente não é, é amargo, ruim demais, mas existe outras ervas que são consideradas daninhas e que a gente como, faz salada, você faz refogado.
P/1 – Eu queria saber, enquanto escritor, fala um pouquinho do seu processo criativo, como é que é, você senta e fala: “Agora eu vou escrever” ou as ideias vem, você vai anotando, como é que é?
R – Não, eu sento pra escrever, mas depende de inspiração, tem dia que eu estou mais inspirado, então eu sento e as ideias vão fluindo existem dias que não adianta, que não vem nada mesmo assim na mente, então é melhor você parar. Eu tenho um blog que eu alimento quase que constantemente, então nesse blog eu escrevo meus pensamentos, minhas poesias, isso me ajuda a criar alguma coisa a mais. Então o livro, por exemplo, esse “Nasce uma esperança”, que é a minha autobiografia, eu to conseguindo fazer uma junção com o período histórico na década de 50, década de 60, Juscelino Kubitscheck, eu comentei o golpe de estado, o militarismo, o regime militar que era muito ferrenho apesar de eu não ter sofrido isso diretamente, mas minha família passou por isso, então eu to colocando esse período histórico, que foi exatamente as dificuldades que eu tive durante esse período, então essa junção eu to conseguindo já fazer fazer essa amarração.
P/1 – Falando nessa questão ambiental, como é que você encara esse processo, qual a forma que as pessoas olham pra essa questão ambiental hoje em dia, você acha que é muito diferente daquela época em que você tava lá brincando na tubulação ou não?
R – Muito, muito, mesmo porque a imagem que era vendida antigamente pra nós era uma imagem assim, o próprio governo militar dizia isso: “Se você tem uma empresa”, mais ou menos isso, em linguagem mais simples: “Se você tem uma empresa que ela é altamente poluente no seu país e quer montar uma filial aqui no Brasil, venha pra cá que nós damos essa oportunidade”, o resultado foi Cubatão então tantas empresas de produtos químicos que vieram pra cá. Depois, década de 70, década de 80, começa a mudar um pouquinho essa mentalidade, da Eco 92 pra cá foi que houve uma mudança, mas ainda existe muita deturpação do que é verdade, do que não é verdadeiro então é o que eu questiono sempre essa questão. Então, por exemplo, eu falei que eu sou teimoso e gosto de testar as coisas, então quando disseram assim: “A sacolinha do mercado, a sacola plástica é responsável pela enchente porque ela provoca enchente quando você joga no chão e tal, assim por diante, e demora 200 anos pra se decompor”, eu falei: “Pera aí, quem viveu 200 anos pra provar isso, vamos provar esse negócio”. Aí eu enterrei no fundo do meu quintal a sacola plástica, em seis meses ela se decompôs, então não adianta você usar mentiras pra você tentar justificar uma coisa, é mais fácil dizer a verdade: “Olha, gente, não usem esse tipo de material porque na realidade se você jogar sacola plástica no chão ela vai, junto com outro lixo, vai entupir a tubulação, ela pode provocar enchente, se um animal comer uma sacola dessa, uma vaca, por exemplo, ela, se ela consegue pegar uma sacola plástica dessa ela morre afogada, uma tartaruga também acaba morrendo afogada”. Então vai prejudicar, de uma certa forma sempre vai prejudicar o meio ambiente não só pra uma questão de poluição visual, mas porque vai causar esse estrago, mas não precisa mentir que demora 200 anos pra poder entrar em decomposição então o que eu questiono são as mentiras, as inverdades que existem nessa área e tanto que um professor da Unicamp, quando eu fazia o mestrado...
INTERRUPÇÃO
P/1 – Você estava falando das diferenças da visão ambiental de antigamente e agora.
R – Sim, então o que acontece são essas deturpações, então veja bem, na região amazônica hoje existem mais de 300 ONGs, na região nordeste, no sertão nordestino você não encontra quase que nenhuma, então por que esse interesse tão grande na região amazônica? E a região nordeste necessita tanto por causa da seca, nós não temos quase ninguém atuando, então existem interesses econômicos por trás disso, existe verba pra isso, nem todas as ONGs são ONGs de confiança, muitas delas infelizmente desviam verba de governo, recebem verba e não aplicam onde deveriam aplicar, isso atrapalha, não faz com que as coisas funcionem. E a mídia, por outro lado, ela às vezes libera ou solta informações sem que tenha conhecimento de causa e a população de maneira geral, ela pega aquela informação, ela absorve aquilo e transmite aquilo, quer dizer, ela não questiona porque disto aqui e esse é o grande problema da questão ambiental hoje. Então não há um questionamento então é isso que falta, e esse questionamento é falta de informação mesmo mais detalhada sobre o assunto.
P/1 – Esses seus cursos de capacitação, eles têm a ver com esse tema ou não, são mais pra formação de professores?
R – Tem, tem a ver, os meus cursos de capacitação, por exemplo, ecoturismo é uma forma de você desenvolver o turismo de uma maneira sustentável em uma fazenda, em uma mata então você utilizar de forma racional. O outro curso que eu fiz foi Solo e Meio Ambiente, então a gente faz um estudo de solo pra ver a proporção, a condição do solo pra ter determinadas culturas, como não provocar erosão, evitar erosão, que tipo de cultura você deve colocar ali, quantas cabeças de gado você deve ter por hectare, então isso tá na bíblia também. Também a bíblia diz a mesma coisa, quando Elói e Abraão, quando eles tão indo em direção a uma região pra poder ter ali uma moradia com os seus animais e as pessoas e tal, então um, o Abraão comenta com Elói: “Mas essa região aqui não teria capacidade pra suportar tudo o que nós temos”, que eles tinha muitos animais, muitos homens e assim por diante. Então isso já é capacidade de suporte, então quando você coloca, por exemplo, quatro, cinco cabeças de gado de corte em um hectare você não vai conseguir alimentar esses animais e vai provocar um processo de compactação e automaticamente processo de erosão. Então quando eu estudei solo eu queria saber os tipos de solo, como cuidar desses solos, como tratar melhor e aí descobre-se que na região amazônica, por exemplo, você tem cerca de 50, 60 centímetros de solo, depois você encontra areia e rocha, por isso que quando desmatam e vão criar gado provoca todo aquele desastre ecológico que a gente tem na região. Então os cursos são voltados pra isso e a, o meu mestrado em Educação Ambiental é porque eu sempre acreditei que a base disso tudo é a educação.
P/1 – E aí você começou a dar cursos também?
R – Sim, eu, primeiro eu comecei capacitando professores da rede estadual então as escolas tinham projetos, traziam nas oficinas que eu elaborava, e de acordo com as necessidades das escolas a gente ia então discutindo o que poderia ser feito pra melhorar a questão ambiental dentro da escola e pra desenvolver alguns projetos também. E depois trabalhei com capacitação de professores então esse ano que passou agora, no final do ano, no início do ano, em janeiro, eu fiz um curso de capacitação pra uma rede de escolas particulares muito grande aqui na zona sul, nós fomos pra uma fazenda no interior, na universidade onde eu dei aula e lá a gente fez um trabalho em sala, depois pegamos o que tivemos de técnicas em sala de aula e levamos pra campo. Então eu aplico isso no dia-a-dia mostro como se faz, que é exatamente o grande problema da educação, quer dizer, você tem uma educação ainda hoje de catequese, que é aquela educação quadradinha, certinha, dentro da sala de aula, o aluno sentado certinho e tal, só olha pra lousa, o professor cobra o resultado em prova depois e tal, mas e a aplicabilidade disso? Eu sempre questionei isso, então certo período da minha história, eu falando com o professor de Matemática, eu perguntei, aquelas expressões numéricas que você começa com um número grande, termina, menos um, mais um, e preenche duas páginas, falei: “Pra que isso, professor? Duas páginas, menos um, mais um, se desse pelo menos mais quatro, mais cinco, né”. E aí conversando sobre isso com ele, ele falou: “Olha, Matemática por definição você tem que aprender e não questionar”, eu falei: “Tá, quanto eu preciso pra passar, professor?”, “Cinco”, eu falei: “Então eu vou ser o aluno cinco” e acabei deixando de lado porque não existia uma explicação. Agora, se você diz: “Olha, você vai aprender Física porque Física você vai aplicar isso numa construção civil”, por exemplo, poxa, aí é outra coisa, o cálculo matemático a mesma coisa, então é diferente, então você dá significado às coisas, isso foi o que eu fui aprendendo, se você não der significado não tem sentido pro aluno aprender uma coisa que não tem, não serve, pra vida dele no geral não vai servir.
P/1 – Quais são as suas atividades hoje?
R – Hoje eu tenho uma microempresa de consultoria socioambiental, muito difícil tocar porque as empresas confundem muito, as empresas buscam certificação ISO 14000, ISO 14001, 18000, pra poder ter o selo pra exportar o produto, e elas acreditam que pra ter esse selo, e é assim mesmo você tem que ta com a empresa ambientalmente correta e aí dizem que praticam responsabilidade social, a responsabilidade social não é nada disso. Na realidade responsabilidade social você tem que envolver os funcionários da empresa em projetos sociais, envolver a comunidade onde a empresa está inserida em projetos sociais e fazer projetos pra que essas pessoas se beneficiem, porque nada mais justo do que uma empresa que explora um determinado local é ela expandir e ajudar as pessoas que estão a sua volta. Então a grande dificuldade de vender meu produto é isso, porque as pessoas não entendem, eles querem a certificação e quem dá a certificação é engenheiro ambiental, eu não sou engenheiro ambiental, então eu trabalho na realidade com essa realidade de botar na cabeça mesmo do funcionário que ele precisa fazer um projeto social e que eles precisam disso até pra se unir como grupo e pra melhorar a vida do próximo também.
P/1 – Como é que você consegue conciliar esse trabalho com o fato de escrever também?
R – Como eu falei pra você que tem essa grande dificuldade da aceitação das empresas, das escolas, porque não se conhece ainda o que é responsabilidade social como um todo e não se pratica solidariedade, o que é uma empresa faz é assim: “Ah, eu dôo tanto pra ajudar essa creche, eu dôo tanto pra ajudar aquele orfanato e lavo minha mãos”, na verdade ela deveria fazer muito mais do que isso, então hoje eu to mais escrevendo do que me dedicando mesmo a essas palestras.
P/1 – Você poderia descrever como é o seu cotidiano, o Caetano acorda, o que ele faz?
R – Acordo, como eu aposentei tem um ano e meio então eu não tenho aquele horário fixo, rígido acordo pela manhã, faço café, já preparo café, minha esposa logo sai pra trabalhar e aí vou mexer no meu blog, eu tenho dois blogs que eu vou alimentando sempre, sempre colocando alguma coisa nos blogs, e eu gosto de ver no final da tarde as estatísticas de quantas pessoas acessaram o blog, acho legal isso. E reescrevendo os livros então atualmente eu estou reescrevendo os dois livros e trabalhando com o blog e agora pra semana que vem eu to com um projeto novo aí de ter umas aulas de remo e caiaque.
P/1 – Que legal! Eu queria que agora, você comentou dos seus livros, você mostrasse pra gente os livros, você comentou que as capas tão pra mudar, fala um pouquinho.
R – Isso, esse aqui, “Nasceu uma esperança” aqui a gente ta com, eu to com a segunda edição, na realidade a capa da terceira edição já mudou, ela é uma capa azul, tem um relógio aqui e tem um lago e a terceira edição está esgotada também, então eu estou pra lançar a quarta edição. Aí to em busca de patrocínio pra lançar a quarta edição desse livro aqui, que é a minha biografia, mas agora dentro de um contexto político, social, então não vai ficar só na biografia em si. Este outro livro aqui eu lancei a primeira edição, esgotou também, eu vou mudar o título porque apesar da gente dizer: “Eu sou cristão” ou coisa parecida, quando você coloca a palavra bíblia as pessoas não compram porque acham que você vai discutir religião. Na realidade ele trata de bíblia e ciência, eu não confrontei nada, eu to mostrando através da bíblia e da ciência que é possível ter um mundo mais justo, igualitário, um mundo melhor então essa capa eu vou mudar, esse título eu vou mudar, estou reescrevendo também e ampliando minhas pesquisas porque, como ele é um livro feito de pesquisas bibliográficas, muita coisa que eu coloquei aqui já mudou, então se você tem, por exemplo, um porcentual de que a cada cinco, sete segundos morre uma criança de fome no mundo, se você pegar a estatística do próximo ano já muda, se a Etiópia no passado era uma região miserável hoje já não é mais. Então como houve essa mudança toda eu tenho que mudar também, então é isso que eu to fazendo.
P/1 – Você gostaria de pegar um trechinho, ler pra gente algum dos dois?
R – Olha, eu gosto do que eu escrevi nesse livro aqui, exatamente aqui na contracapa dele, nessa última capa aqui eu escrevi algo que eu acho que é interessante, é o que a gente deve fazer todos os dias. Então diz assim: “Todos os dias ao sair de casa você carrega consigo uma mochila, ela poderá pesar mais do que o peso que você consegue carregar, porém a escolha é sua, você pode carregá-la de sonhos ou de pesadelos. As placas poderão indicar obstáculo adiante, ultrapasse com cuidado, diminua a velocidade ou siga em frente, para a realização dos seus sonhos faltam oito anos ou via alternativa, seja mais esperto e siga pelos atalhos, ganhando tempo e dinheiro, economize combustível e em vez de oito caminhe apenas quatro anos. A escolha é sua, não permita que o medo roube suas esperanças, não esqueça nunca de pegar carona com a solidariedade, com o caráter, com o amor ao próximo, com o respeito, com a cooperação e com a humildade e eles com certeza de conduzirão por caminhos seguros”. Então é isso que eu coloco aqui e a questão do oito pra quatro eu coloquei muito isso pro aluno que cola, então você pode encurtar o tempo você fazendo a sua colinha ali, tal, você pode passar rapidinho, ou você pode seguir as vias normais que são um pouco mais difíceis, mas você vai ter uma boa formação.
P/1 – Caetano, diz pra gente qual é o seu maior sonho hoje, você tem algum grande sonho que você deseja realizar?
R – Tenho , eu tenho um grande sonho que é conseguir uma kitnet, um estúdio na praia, eu tinha dois terrenos no interior, na região de Engenheiro Coelho, na Grande Campinas, um terreno eu doei pro SBT pra construir uma casa pra um casal. Talvez você deva lembrar aquela menininha que foi atropelada por um jet ski na beira da praia, a mãe e o pai só tinha aquela filha, moravam numa cidade próxima e a mãe estava numa situação muito difícil de depressão e aí uma pessoa me ligou perguntando se eu tinha um terreno lá na região que eu poderia fazer uma doação e aí eu tirei cerca de 60, 70% do valor do terreno e passei pra esse casal, que foi, nem eles compraram foi um advogado que comprou e a gente transferiu pra eles. E do lado desse terreno tem um outro, esse outro terreno eu quero trocar numa kit na praia ou num estúdio na praia porque aí eu vou ter mais liberdade pra escrever e começar a mexer com a água também, até quem sabe pegar umas pranchas por aí, pegar umas ondas .
P/1 – Falando em pranchas e praias, quais são as suas principais formas de lazer, assim, o que você gosta de fazer?
R – Olha, eu fiquei muito tempo focado no estudo, muito tempo focado em pesquisa e quando você trabalha com pesquisa parece que você esquece muito o seu lazer mas eu gostava muito de caminhar, muito mesmo tanto que quando eu vou pra praia eu caminho muito na beira da praia, que é uma coisa que me fascina bastante. Eu cheguei a acampar durante um período, depois eu parei também, e eu quero retomar isso que isso é qualidade de vida quero retomar isso, fazer essas aulas que eu comentei de caiaque, fazendo algumas aulas até, se for o caso, de surf pra poder ter esse contato melhor com a natureza e ta mais integrado.
P/1 – Pra terminar eu queria saber se tem alguma coisa que você gostaria de falar que a gente não tenha perguntado.
R – Olha, eu acho que é praticamente tudo é uma coisa que eu comentei hoje ainda, é a questão da valorização e do amor isso sempre eu comento, as pessoas, às vezes por falta de oportunidade ou mesmo de espontaneidade, não conseguem dizer pro outro, pra mãe, pro pai, pro irmão: “Eu te amo”, abraçar, dar um beijo e você percebe a falta que faz quando você perde. E quando eu perdi os meus pais com 14 anos aí eu senti essa falta, que se eu pudesse tê-los hoje eu abraçaria mais, como diz a música, teria amado mais, vivido mais e ver o sol nascer, então é isso que faz falta hoje pra humanidade de maneira geral, sabe, dizer mais: “Eu te amo”, abraçar mais as pessoas, ser mais solidário, então na realidade eu acho que é bem isso que a gente precisa porque depois que eles se vão é tarde, aí você não tem como voltar atrás mais.
P/1 – O que você achou de contar a sua história aqui pro Museu da Pessoa, agora que você já escreveu a sua biografia, agora ta sendo entrevistado, contando em vídeo, como é que é essa experiência pra você?
R – É ótimo, eu tive algumas oportunidades de contar algumas coisas em alguns programas, mas não dessa forma assim bem detalhada, é bom você poder compartilhar com as pessoas aquilo que você tem de conhecimento, aquilo que a vida te ensinou e até aprender com os outros também que a gente tá aprendendo a cada dia, a cada dia você ensina e aprende também nessa vivência diária. Eu achei muito bom, uma iniciativa muito legal e só uma coisa que eu sinto uma pena muito grande, que o europeu, ele procura na livraria uma autobiografia pra ler, aqui no Brasil lê-se muito pouco autobiografia então isso é o que eu sinto mais, mas achei extremamente válido e gostei muito, eu acho que é por aí, a gente tem que buscar histórias e mais histórias pra gente poder montar esse mosaico, grande mosaico que chama-se vida.
P/1 – Então tá certo, em nome do Museu da Pessoa eu agradeço muito sua participação.
R – Ok, eu que agradeço.