Memórias do pai e da mãe. Vida na fazenda, no interior de São Paulo. Relação com a família. Aprendizado de versinhos com a mãe. Período escolar e escritas de poema quando criança. Recordações da infância e relatos de sua percepção do racismo estrutural. Contato com a litratura negra. Início da carreira literária. Casamento e filhos. Relato de como foi receber o prêmio Jabuti.
Diploma também traz sonho bonito
História de Geni Guimarães
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Publicado em 03/02/2021 por Wini Calaça
ENTREVISTA COM GENI MARIANO GUIMARÃES
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P1 – Geni, me fala, então, seu nome completo, onde você nasceu e a data do seu nascimento.
R1 – Geni Mariano Guimarães, eu nasci numa cidade chamada São Manuel e numa fazenda dessa cidade, né, que se chamava Vilas Boas. Que é aqui pertinho. Eu nunca morei longe do interior e aqui é o meu lugar. É a minha raiz, o lugar dos meus pais. É o lugar que eu me encaixo. (risos) Eu fico muito nervosa, estressada quando viajo pra dar pra palestra, porque aqui a gente tem toda uma vida de calma, mais centrada e a gente sai daqui, é uma loucura, mas é assim.
P1 – Conta, então, um pouquinho dos seus pais.
R1 – Meus pais eram lindos, Wini. Lindos, lindos. Meu pai sempre, na inocência dele, na bondade, na integridade, ele me estimulou muito, porque eu fui a única da família que pôde estudar, que estudou. E eu era das mais novas. E eu acho que tudo que eu sou foi pelo princípio. Eu me lembro que um dia – até só não me lembro, está no livro A Cor da Ternura – que um dia ele pediu pra que eu lesse um jornal que estava estampada a cara do Pelé e meu pai olhando com muita admiração, ele era assim um fã tremendo do Pelé, me disse assim: “Ele está rico, está bem e tal. Se a gente pudesse pelo menos estudar os filhos”. E foi, assim, tanta ternura, que eu falei pra ele: “O que mulher pode ser?” - eu tinha uns 12 anos nessa época ou até menos - “o que mulher pode estudar?” Ele falou: “Pode ser costureira, professora”. Então, eu fui no pico. Eu disse pra ele: “Eu vou ser professora”. E eu me tornei professora pra ele. Assim, com a maior felicidade. E a minha mãe era aquela ternura, né? Aquela mulher negra que benzia, fazia simpatia. Ficava segurando no colo toda e qualquer criança da colônia, né? Linda demais. Não vai ter livros, nem palavras, sabe, que possam mostrar inteiramente como ela era. Então, os dois foram a motivação pro meu trajeto. Aliás, tudo que eu fiz e faço é quase que sempre pra superar um desafio. Eu me tornei professora por causa desse desafio, esse presente que eu queria dar pro meu pai. Eu escrevi o meu primeiro livro, o Terceiro Filho, em 1979, porque uma professora, eu coloquei um versinho na mesa dela, fiquei naquela ansiedade, querendo que ela lesse o meu versinho, eu era adolescente, querendo chamar atenção e, como todos os negros fazem no jeito de chamar atenção: rindo, brincando ou brigando e batendo. É um jeito pra chamar atenção sobre si. E eu queria atenção para o meu poema. E ela se levantou, meu poema caiu, ela saiu, o poema grudou no salto do sapato dela e foi embora o meu poema. Daí eu me disse: “Eu vou escrever um livro”. Então, eu escrevi Terceiro Filho e ela foi a minha primeira convidada para o lançamento do livro. Então, eu acho que nós, pra brigarmos contra toda essa dor que machuca tanta gente e que destrói tanta gente, temos que revidar com atitude de crescimento. É o que eu tento fazer. Eu levo o desaforo pra casa e transformo. Eu acho que é uma postura de amor e de revanche que a vida me deu.
P1 – A senhora disse que nasceu numa fazenda. Eu queria que você contasse um pouquinho como que era, desse uma visão, assim, geral, de como era essa fazenda, dos seus irmãos também.
R1 - Olha, na minha vida tudo é lindo, sabe, porque eu aprendi a ver a beleza das coisas. Eu morava numa fazenda, a gente lavava o pé no rio, a minha mãe lavava roupa numa tábua, assim, no rio e eu tive nove irmãos. E eu, sendo uma das mais novas, não trabalhava na lavoura como eles. Eu ia, às vezes, quando queria, apanhar café e cortar cana. Mas quando eu queria. Eles me poupavam, sempre. E eram nove, todos, assim, de um carinho comigo e eu sempre querendo compensar isso e morar nessa fazenda – até eu preciso voltar pra lá, é perto daqui. Ela foi transformada, tudo – me ensinou, foi me ensinando que, quando eu planto, eu colho; que várias feridas não cicatrizam e não deixam as marcas, mas que a gente pode fazer uso das marcas pra replantar histórias que não passem pelas coisas que nós passamos. A minha mãe, o meu irmão Zezinho, que é o mais novo, está com 68, (risos) quando nasceu, foi uma coisa de louco, eu era um pouco mais velha e quando me contaram que o meu irmão ia nascer, eu fiquei muito P da vida, porque eu sabia que eu ia perder o colo e ‘perder’ a mãe. E, naquela época, as mulheres, quando tinham filhos, ficavam uma semana no quarto, com a criança, que era pra não pegar um tal de Mal de Sete Dias. Daí eu me lembro, eu sinto até agora o gemido da minha mãe, porque os quartos... um quarto, pra cá... tinha uma parede que dividia os quartos. E eu fiquei ouvindo os gemidos da minha mãe, eu xinguei muito meu irmão, sabe, porque estava provocando aquilo, porque estava vindo. E daí, quando eu vi toda aquela dor da minha mãe, todo aquele gemer, eu falei: “Nunca mais vou xingá-lo, falar um monte de coisa feia pra ele. Eu só vou chamá-lo de Menino Jesus”. E daí, quando ele nasceu, que eu demorei sete dias pra vê-lo, quando ele me foi apresentado, ele já estava com os traços meio negros. Daí eu me livrei da incumbência de chamá-lo de Menino Jesus, porque ele era negro. Porque a sociedade não nos ensinou a existência de um Deus sem raça e sem cor. Mas hoje eu amo o Zezinho. Ontem mesmo nós viajamos juntos. Então, eu tenho uma vida, assim, sabe, de muito carinho. Eu não falo Zezinho, eu falo bem e ele também: “Viu, bem?” Ele, os meus outros irmãos, que hoje somos em quatro, só. E eu tenho uma - eu já devo ter contado, porque eu amo falar dela - irmãzinha especial, que tem 76 anos. E meu irmão com o qual ela morava faleceu faz um ano e pouco, foi em maio, fez um ano em maio. E daí, então, ela passou a ser minha. E quando eu cheguei com ela do cemitério, que eu entrei em casa, eu falei: “Senhor, o que eu faço agora?” Porque eu ia todos os dias, de manhã e à tarde, na casa deles, mas não ficava 24 horas. Daí eu falei: “O que eu faço agora?” E foi tão de repente, assim, que ela foi me ensinando a lidar com ela, sem falar nada, né? Só seguindo os passos dela. Aprendi a ler no olhar dela. E, praticamente, a sentir a sede que ela sente. E daí foi muito... sabe, ela me preenche. É a minha paixão. A gente se ama, assim. Se ela vê eu sair do lugar e pôr a mão um pouquinho do lado, ela já fala: “Geni, está doendo aí? Passa pomada”. Sabe? É lindo demais. Eu acho que não dá pra (risos) expressar com palavras, né? Embora ela está aqui, ela está ali me esperando, porque ela veio da casa do meu filho, daí ela está lá enchendo a cabeça da minha neta, (risos) mas ela é muito bonita, muito gostosa. E eu tenho muita coisa boa, assim, da família, né? E daí está explicado a razão de eu ser tão sensível, né? Eu posso falar isso porque vocês percebem nos meus textos que eu sou, né? Essa coisa de ter amor, mesmo. Eu tive um irmão que teve câncer e não morava aqui, morava no Paraná. Então eu fui visitá-lo no hospital. Ele não sabia que eu ia e, quando eu entrei, que ele veio de encontro comigo no quarto, ele tinha um jornal debaixo do braço, que era a minha foto e um texto, que tinham publicado aqui. Debaixo do braço, no hospital. Então, como é que eu não vou... como eu poderia ser diferente? Uma família toda cheia de exemplos bons, de excesso de amor. Não digo excesso, porque não acho que amor se torne excesso. E daí eu fui aprendendo com eles, com a vida, antes de aprender na Bíblia, que em Coríntios, na Bíblia, diz assim: “Eu poderia falar todas as línguas que são faladas no céu e na Terra, eu poderia ter tanta força, que pudesse remover a montanha do seu lugar, mas se eu não tivesse amor, eu não seria nada”. Sabe, eu acredito nisso. Eu pratico isso. Está bom, já falei demais, né? Então, pergunta. (risos)
P1 – Imagina! A gente está aqui pra te ouvir. Mas então a senhora contou desse episódio que você também relatou na A Cor da Ternura, que você fez esse poema pra professora. Queria que você contasse mais como foi essa sua proximidade com a poesia, com essa sua escrita desde criança. Como foi isso na escola, com o passar do tempo?
R1 – Pois é. Já que eu fui pra escola, no primeiro ano, que falava aquela época, eu já fazia versinhos. Por quê? É uma questão de hereditariedade. A minha mãe cantava repente. Eu não sei se você ouviu falar em repente. A gente, à noite, sentava na cozinha, minha mãe fazia uma fogueira, assim, de carvão, porque era chão de terra e a gente cantava repente. O que era repente? Cada um cantava um versinho e depois vinha uma parte que repetia. Por exemplo:
“Eu estou hoje aqui
Vim com a Wini falar
E ela que me aguenta
Que eu sou de estourar
Olha o bambo do bambu do bambueiro
Olha o bambo do bambu do bambuá
Olha o bambo do bambu do bambueiro
Bambueiro, bambueiro, bambueiro, bambuá”
E assim ia, fazendo os versinhos. A Cema canta muito bambueiro. E assim eu comecei a escrever, fui pra escola e já comecei a fazer meus versinhos. Inclusive eu tive a audácia de escrever, a ignorância de escrever um versinho lindo pra Princesa Isabel. Está no livro A Cor da Ternura. Que levei um choque depois, com tudo, né? E daí eu escrevia, né, do nada. Eu vinha da escola e, da minha casa pra escola onde eu estudava, eu andava mais de uma hora a pé. E daí, no caminho inventava versinhos, às vezes colocava no papel, às vezes eu guardava, chegava em casa e escrevia, né? E quando eu fui publicar o Terceiro Filho, eu já tinha vários poemasinhos, quando eu fiz o Terceiro Filho. E daí foi. Eu tenho essa doença boa. Foi que eu continuei escrevendo e quero escrever sempre, que escrever é o meu movimento existencial. Então, foi assim que eu parti pra literatura. Eu não havia proposto, só ousei fazer o primeiro livro, porque eu tinha que dar o troco. Eu sou uma pessoa que dá muito troco, sabe? Não engulo coisas, assim e até na minha cidade tem dias que eu não sei se me admiram ou se têm medo de mim, porque eu realmente não consigo me calar diante de injustiças. Eu falo mesmo. Eu me lembro de um dia, eu já tinha livros publicados e eu fui num Banco assinar uma papelada não sei das quantas e eu cheguei lá pra assinar, o moço veio com aquele negocinho pra tirar a minha impressão digital. Daí eu saí, fui pra casa, peguei meus livros e mostrei pra ele. Por que razão eu teria que ser analfabeta? Pra ele teria outra razão? Não. Entendeu? Então, assim: um dia também fui comprar, não faz muito tempo, um quilo de filé mignon pra fazer uma comida lá pras crianças. Crianças que eu falo são meus homens de mais de quarenta anos. Eu falei: “Me dá um quilo de filé mignon”. A mulher falou pra mim: “É caro”. Falei: “Então, me dá quatro quilos” (risos) E aí deu quatro quilos, preenchi um cheque de um mil reais, dei pra ela. Ela falou: “Mas e agora?” Eu falei: “Problema seu, eu estou pagando”. Depois vim em casa e falei: “Senhor Deus, só falta não ter dinheiro lá no Banco”. (risos) Mas deu certo. Então, eu acho que tem coisa que não dá pra levar pra casa, sabe? E são exemplos que eu conto, porque eu quero muito que a mulher negra tenha coragem, o ser humano negro tenha a coragem, tenha garra, porque nós precisamos disso, pra viver dentro desse racismo estrutural que é agora, porque antes, de velado, de super velado, das coisas ditas nas entrelinhas, estava mais ou menos. Agora a gente vê aí essa coisa absurda de não termos quase negros em chefias de empresa. Vemos que a maior parte das mulheres assassinadas são negras. Não dá pra dormir com isso. Não dá, sabe? Eu tenho que fazer alguma coisa enquanto posso, enquanto estou viva. E eu não estou plantando pra agora, não. Eu estou plantando pra sempre. Eu quero ser, assim, um livro para os meus netos, os meus bisnetos, crianças negras e brancas. Muita criança branca discrimina criança negra, porque já vem da família essas coisas. Então, a minha proposta é essa.
P1 – Não sei se a senhora gostaria de comentar um pouco mais as lembranças que você tinha, da escola, da época escolar.
R1 – Então, eu tinha lembrança, assim, algumas boas. Mas depois, quando eu fui vendo direitinho, eu vi quanta coisa tinha me ferido. Eu me lembro que a minha mãe, quando ia pentear o meu cabelo pra ir pra escola, puxava, trançava e falava: “Você não pode ir desarrumada na escola”. Você vê: esse excesso de cuidado, com medo do outro. E eu lembro que um dia eu falei: “Mãe, mas a Janete” – Janete era filha do administrador da fazenda – “vai desarrumada”. Daí minha mãe falou: “Mas a Janete é branca”. Entendeu? Então, mais tarde, pensando, eu vi essa questão que até a minha mãe, eu acredito, concordava com isso porque, por exemplo, ela sabia que éramos diferentes, só que pra ela era normal. Ela não captava que, pra os outros, ser diferente era ser inferior. Não é? Minha mãe não tinha essa palavra: é inferior, mas nas coisas, no dia a dia, ela, outras pessoas passavam pra gente, né? E eu me lembro de uma coisa também muito engraçada, que eu morria de vontade de comer maçã, porque maçã é linda, né? Eu não gosto de maçã hoje. Eu não sei se tem a ver. E eu tinha uma caneta que naquele tempo era uma caneta famosa, não me lembro o nome, que era do meu irmão. Mas a maçã era tão linda, que eu troquei a caneta do meu irmão pela maçã. Troquei com uma menina branca, porque a maçã era muito linda e acho que muito chique, pra mim. E eu guardei muito a maçã e ela apodreceu. (risos) Então, coisas assim que a gente vai pensando, tão pequenas, mas veja quanta gravidade! Não posso me esquecer que eu não pude ser... eu era a melhor atriz na escola e em todo lugar que eu ia, eu sempre era a melhor. Porque eu tinha, pra mim, o dever de ser melhor. Sem a consciência do racismo, a consciência aberta do racismo. E era pra eu ser... iam passar uma peça lá do Chapeuzinho Vermelho e eu era a melhor atriz, mas a professora me explicou: “Você não pode, porque a Chapeuzinho Vermelho é branca e você é negra”. E eu fiquei meio triste, mas eu concordei. Eu era negra, mesmo. Só que eu não sabia que era uma coisa pejorativa. Eu era negra, mas não era... eu tinha a cor diferente, mas não era inferior a essa pessoa. São coisas que só depois, com o tempo, você vai percebendo, né? E que hoje eu trabalho muito, dentro das possibilidades, converso muito com os meus netos - eu tenho quatro netos - sobre essa questão da percepção. Eu tenho uma neta bem negra, a Ester. É a coisa mais linda que você pode imaginar. Aliás, você já percebeu que tudo meu é lindo? (risos) E ela sofreu racismo na escola, a ponto de ter febre e não querer voltar pra escola. Então, trabalhei muito isso, fiz o maior auê e daí foi tendo um trabalho de visão interior dela. A outra neta a mãe é branca - essa casa onde eu estou agora - e o meu filho negro. Ela é linda, tem um cabelo tudo grandão, tudo encaracolado. Mas ela não gostava do cabelo dela, inicialmente. Daí, convivendo com ela, nossa família convivendo, falando sobre isso, ela se ama hoje, ela se sabe linda, né? Então, eu não posso deixar de passar essas oportunidades. Às vezes eu vou em algumas escolas, que eu fui dar palestra, eu entrei e os meninos negros, numa escola eu entrei e tinha três meninos negros e uma menina, no fundo da classe. Daí eu falei pra professora: “Por que eles sentam lá?” Ela falou: “Eu não sei, eles que escolheram”. A gente sabe que não é. Daí eu falei: “Mas eu queria perto de mim” e tal, trouxe, sentaram ali perto de mim e daí, outra vez que eu voltei pra essa escola, as crianças estavam sentadas na frente, entendeu, que eu tinha até marcado ali, direitinho, o nome das crianças. Então, é isso que nós precisamos fazer. E somos nós, até nós, mais velhos, que sangramos isso, é que temos que ensinar essa reviravolta. Mostrar o quanto podemos ser belos. Eu sou muito orgulhosa por ser líder, por ter essa possibilidade de estar passando isso, né? Eu sou uma pessoa simples, se você conviver comigo, você vai falar... já me falaram: “Nossa, essa que é a escritora Geni Guimarães?”, porque eu fico sentada no chão. Na porta da minha casa, todos os dias, às cinco horas da tarde, as vizinhas se reúnem, levam as cadeiras, eu tenho quatro cadeiras, elas levam as delas e nós ficamos ali batendo papo. Eu tenho a minha melhor amiga lá, a Jandira. Eu falo Janda. Ela é analfabeta. É de uma doçura imensa! Então, é isso que eu vivo, sabe? Às vezes eu estou assim, ela chega: “Dona Geni, eu cozinhei mandioca, tá?” Isso quer dizer que é pra eu esperar, que dali a pouco vai a mandioca. E vice-versa. Então, eu sou assim. Não preciso fazer esforço pra ser assim. Daí eu tomo, talvez, uma outra postura, quando eu tenho que dar uma palestra, passar pra o público. Mas eu sou muito assim mesmo. E gosto muito de ser assim. Sabe, eu não tenho outro jeito de ser. Eu nasci assim, vou viver assim e assim quero morrer.
P2 - Geni, ia te perguntar como foi que você aprendeu a ler, se teve alguma história e os primeiros livros que você leu, que te marcaram, assim, na sua vida.
R1 – Na infância eu li Chapeuzinho Vermelho, O Patinho Feio e o diabo a quatro. Depois eu comecei a ler Jorge Amado, porque eu trabalhava na portaria de um hospital e tinha uma biblioteca linda lá, com mil livros. E as freiras é que tomavam conta da biblioteca. Mas ninguém lia, ninguém pegava nos livros, então eu comecei a roubar livros do Jorge Amado, do José Mauro de Vasconcelos. Eu levava pra casa, lia e devolvia. Eu lembro do Meu Pé de Laranja Lima, do José Mauro de Vasconcelos, né, me encantou muitíssimo. E daí fui lendo. Aí, quando eu tomei conta, conhecimento da literatura negra, melhor ainda. Eu tinha que me informar. Saber e me informar. Eu leio muito, eu amo o escritor Cuti, nós somos amigos, compadres e leio os poemas dele, a gente conversa muito. A Conceição Evaristo, Oswaldo de Camargo, não sei se você conhece. Então, daí eu parti mesmo pra ver a literatura negra, pra estar mais informada a respeito, até, de nós mesmos, né? Que nem sempre dá pra descobrir tudo sozinho. E leio, tem um poema do Cuti que eu vivo declamando, que se chama Quebranto. Esse poema fala exatamente como nos sentimos aqui, nessa dúvida: posso, não posso? Vou ou não vou? Quem que manda, que não manda? Será que eu entro? Entendeu? Não digo todos nós, que já somos mais informados, mas a maioria da população negra tem essa dúvida sobre o que pode e o que não pode. E esse poema se chama Quebranto. Deixa eu ver se eu me lembro:
“Às vezes sou um policial que me suspeita
Me peço documentos
E, mesmo de posse dele,
Eu me prendo e me dou porrada
E às vezes sou o zelador
Não me deixando entrar em mim mesmo
A não ser pela porta de serviço
Às vezes sou meu próprio delito
O corpo de jurados
A punição me vem com veredicto
E às vezes eu sou o amor
Que me vira o rosto
O quebranto, o encosto
A solidão primitiva
Que me envolvo com o vazio
Outras, sonhos que sonhei e não comi
E às vezes eu sou uma abolição
Que me põe de supetão no espanto
A república de conchavo no coração
E, em seguida, uma constituição
Que me promulgo a cada instante
Também a violência do impulso
Que me ponho do avesso
Com acessos de cal e gesso
Chego a ser
E às vezes faço questão de não me ver
Entupido com a visão deles
Me sinto a miséria concebida
Com o eterno começo
Fecho-me o cerco
Sendo o gesto que me nego
A pinga que me bebo
E me embebedo
O dedo que me aponto
E denuncio o ponto em que me entrego
Às vezes”
Então, eu acho que esse poema nos retrata exatamente, sabe? E é um poema que eu pego, assim e vivo com ele. Eu já tenho a licença do Cuti pra declamar poema dele, ele também declama meus poemas. Ele fala muito um poema meu que se chama Minha Mãe. Então, a gente troca isso, né? Ele vinha muito em casa, eu ia pra casa dele. Agora que estamos assim, a gente só fala mesmo por celular, por mensagem, né? Mas é um poeta, assim, que eu tenho... nossa, ele pega o sentimento da gente e põe no papel. Ele é muito bom. Eu gosto muito dos trabalhos dele.
P2 – E, Geni, essa coisa que a gente percebe que você não é só uma escritora, né, mas é também uma grande declamadora, de poemas, falas.
R1 – É.
P2 – Como foi que começou essa coisa de você declamar e como era a reação das pessoas, quando você declamou os poemas?
R1 – Então, em casa, quando era acho que adolescente, minha mãe ficou muito chocada, porque eu falava sozinha. Então, ela me levou pra Dona Chica benzedeira benzer. (risos) Mas é que eu, até agora, quero decorar um poema, às vezes eu faço um poema e quero decorar e eu fico andando e falando sozinha o poema. Eu gosto muito de declamar, né? Eu não sei. Eu declamo salmos da Bíblia, entendeu? E meus poemas, eu gosto de todos, eu sou minha fã. (risos) Do livro Poemas do Regresso, mesmo. Nossa, eu me gosto demais, porque eu vejo quanta verdade. Às vezes a gente nem percebe, na hora, que colocou uma grandeza verdade no livro. Depois você vai lendo e vai percebendo que o seu eu pulou ali. Então, eu adoro declamar. Nossa, eu vou nos eventos, se deixar eu não paro mais, fico (risos) declamando.
P1 – O seu primeiro livro, Terceiro Filho, não foi?
R1 – Isso.
P1 – É um livro de poemas que você havia feito, né? Me conta como foi pra ter essa publicação, como foi publicar esse primeiro livro, esse começo aí da sua carreira literária.
R1 – Foi do jeito mais lindo possível. Nós tínhamos, eu e meu esposo, um Fusquinha, então nós vendemos o Fusca e pagamos pra fazer o livro, numa cidadezinha que tem aqui, se chama Jaú. Cidadezinha, não, já é uma cidade grande. Uma editora chama Editora Jalovi. Daí nós pagamos e fizemos o meu livro. E eu me lembro que o livro chegou quase na hora do lançamento. Então, nós ficamos sentados lá fora, eu, meu marido e minhas duas crianças, doidos, esperando, esperando e chegou, nós fomos diretos pro lançamento. Nós vendemos o Fusquinha. Então, imagina, foi nosso empreendimento! Foi uma coisa muito... eu fiquei muito feliz do meu marido concordar com isso, né? Então, daí saiu. E Terceiro Filho, porque eu já tinha dois filhos biológicos. Eu tenho dois filhos lindos, né? (risos) Ai, se você não acreditar! E daí, então, veio o Terceiro Filho, que é o livro, né? E foi meu primeiro trabalho. Depois veio, eu acho que foi em 1990 que eu lancei A Cor da Ternura, que daí foi muito bom, né? Com o qual eu ganhei o Jabuti, fui pra Alemanha, falar sobre ele. Suíça. Saí daqui, né? Porque o livro A Cor da Ternura é autobiográfico. E lá estão... eu não sei se você leu A Cor da Ternura e eu não tenho aqui. Tem um conto que chama Momento Cristalino, que foi o dia da minha formatura como professora. E foi a coisa mais... sabe, até hoje eu não consigo saber como pode ter sido tão lindo, que nós viemos a pé, da fazenda pra cidade. Os meus irmãos trocaram, quem tinha dois sapatos emprestava pro outro, camisa, nos ajeitamos em casa, viemos todos e a formatura, aquela coisa linda. Daí, quando me chamaram pra receber o certificado, minha família ficou toda em pé me aplaudindo quase meia hora! (risos) Nem ligaram pra quem estava ali, menina, foi a coisa mais linda do mundo! E não paravam de me aplaudir. Ainda depois eu que fui falar lá na frente, foi muito... aí voltamos a pé e o lindo de tudo isso foi que a gente, chegando em casa, você vai ver no livro A Cor da Ternura, o meu pai tirou o sapato e a gente foi ver, tinha uma bolha no pé dele, ele tinha colocado o sapato sem meia. Daí minha mãe falou pra nós: “Olha, venha ver o que esse homem fez”. Nós olhamos, aquela bolha. Daí ele falou: “Olha, se for preciso, eu faço tudo isso de novo”. E depois, na hora de dormir, ele estava indo pra cama, ele começou a procurar alguma coisa e eu falei: “Pai, o que o senhor está procurando?” Ele falou: “Eu estou procurando o danado do diploma, que eu quero dormir com ele debaixo do travesseiro, que é pra sonhar sonho bonito”. (choro) Então, foi assim. Foi muito bonito, muito bom. Nem sei se eu respondi o que você perguntou.
P1 – Sim. A senhora comentou do seu marido, que ele te apoiou. Como a senhora o conheceu? Como foi a formação da sua família?
R1 – Então, a gente se casou, depois tivemos dois filhos. Ele era advogado. Nossos filhos também estudaram, tudo. Depois, quando ele estava com 57 anos, nós estávamos... na verdade, eu o mandei embora da minha casa, não quero entrar em detalhe, porque eu não quero ferir da memória dele e depois que ele foi embora de casa, dali um ano ele ficou doente e daí eu queria trazê-lo pra minha casa novamente, pra cuidar. Ele foi perdendo os dedos, o pé, morreu amputado, com 57 anos. Com as duas pernas amputadas. E daí eu cuidei dele cinco anos. Foi uma coisa, assim, horrível, né, porque ele teve câncer e ele começou a tomar morfina como beber água, foi terrível. E quando ele faleceu, foi em 2003, eu entrei numa depressão profunda. Faz dois anos que eu voltei a escrever. E como eu digo num poema meu: “Estou em pé por desaforo”. (risos) E continuei. Ele foi muito bom pai. Tanto é que meus filhos são ótimos. E foi bom enquanto pôde. E foi assim. Esses 15 anos foram muito sofridos. Mas eu não nasci pra ficar no chão. Eu não aceito ficar no chão. E daí estou em pé, trabalhando outro livro de contos e, ao mesmo tempo, outro livro de poemas, porque não sei se é só prazer ou fuga ou prazer e fuga, mas eu não posso parar, não quero parar.
P1 – Mas como vocês se conheceram? A senhora ainda era nova?
R1 – É, eu me casei com 24 anos. Nós nos conhecemos na escola. A gente fazia, eu não sei se era curso normal, como é. Ele trabalhava numa cerâmica e estudava, né? Depois ele passou a trabalhar no escritório e a gente começou a namorar. Namoramos bastante tempo e nos casamos. A família dele também é muito boa, a gente tem muita amizade, até hoje. Então, nos casamos. (risos) E vivemos acho que 26 anos, ficamos casados 26 anos. E não posso dizer que foi ruim. Foi vida. Então, eu vivi o que me era proposto, né?
P1 – Eu queria saber um pouco como que foi a sua aproximação com o Movimento Negro. Queria que a senhora contasse, nos anos 80, acho que foi nessa época.
R1 – Então, foi porque uma amiga minha de São Paulo veio passear em casa e levou o Terceiro Filho, deu pro Cuti, daí o Cuti me convidou pra estar numa reunião, eu fui e logo após eu fui convidada pra dar uma palestra e fui, assim, quase morrendo de medo, de insegurança, porque só chegar em São Paulo, eu já queria e acho que quero, ainda, um pouco, morrer, porque é muita coisa pra minha cabeça. É muita gente que não conhece ninguém, sabe? Você chega no terminal, que eu ia pelo Terminal Tietê, é muita gente e ninguém vê ninguém, ninguém sabe de ninguém. Uma loucura! E daí eu fui dar essa palestra e eu lembro que eu não tinha muito o que falar, não estava acostumada, eu falei pra eles que eu não sabia falar sobre todas aquelas pessoas que eles estavam falando e que eu escrevia versinhos e daí eu declamei um poema que chama Bicho da Seda e, quando eu terminei de falar o poema, eu olhei assim, estava todo mundo em pé, me aplaudindo. Eu falei: “O que é isso?” Daí, depois que eu fui analisar direito o poema Bicho da Seda, que eu vi que realmente era bonito, mas eu declamei mais o poema, porque eu não tinha muita coisa pra falar, eu não tinha o hábito de ficar assim, palestrando. Esse Bicho da Seda diz assim:
“Eu nascia
E um certo dia,
emoção grande me causou vertigem,
mamei minha mãe na fonte
de leite fiz um verso virgem.
Dos rios mastiguei os córregos
dos sóis sorvi dourados bicos
tomei da angústia, vida fluida
e fiz um verso terno, rico.
Mas, da primeira cobra
armada em botes,
aprendi as contorções molengas
tomei da angústia, vida fluída
e fiz um verso duro, capenga.
Sou hoje colheita descoberta
dos amores de outrora nas fazendas,
extração dos capitães de mato
e dos de areia do Jorge.
Explico pois:
sou poeta, um bicho de seda que explode”
Então, esse poema me contou que eu sabia fazer poema. (risos) Esse poema me provou, né, que dava, que era possível. E daí não parei mais. Eu dei muitas palestras por aí. Tenho tido a sorte de ser muito bem entendida, muito bem aceita e estou aqui, pra você falar comigo.
P2 – Geni e qual foi, na sua vida, assim, o poema que você tem mais carinho, mais afeto? Sei que são vários, mas um que, na sua história de vida, tem muita importância, além desse, do Bicho da Seda.
R1 – “Gosto da inocência dela
Benze crianças
Faz simpatia
Reza chorando
Chora rezando
Gosto da inocência dela
Apanha rosas
Tira os espinhos
Entrega nas mãos
De meninos doentios
Conta histórias longas
De negros fugidos
No chão do país
E diz que a ida à lua
É conto de fada
Gosto da inocência dela
Crê na independência
E é tanto a inocência
Que até hoje pensa
Que acabou a escravidão”.
É minha mãe. Mas eu sou muito minha fã, eu gosto dos meus poemas. (risos) Pronto?
P2 – Não, não. Esse poema pra sua mãe, como foi que você o elaborou? Já que você o falou. E como foi a reação da sua mãe? Foi pra sua mãe que você fez?
R1 – É, foi pra ela que eu fiz. Ela falou: “Nossa, minha filha, cada história linda que você fala!” Muitas vezes eu declamei pra ela, eu declamo pro público, porque: “Olha, é tanta inocência, que até hoje pensa que acabou a escravidão”. É muito forte isso, né? É muito forte. E a minha mãe gostava dos meus poemas. Eu não lia todos, porque eu lia esses que têm um linguajar mais simples, que ela podia captar. A minha mãe era analfabeta. Então, tinha coisas, assim, que ela não conseguia sacar, mas Deus me deu o dom de trocar esse vocabulário que ela pudesse interpretar. É isso que você perguntou?
P2 – Sim. Gratidão.
P1 – Geni, e como foi receber as premiações da A Cor da Ternura? Você pode contar pra gente?
R1 – (risos) Ai, menina, se eu te conto essa história! Quando eu fui receber o prêmio Jabuti, eu ouvia falar no prêmio Jabuti, a grandiosidade do prêmio Jabuti e então eu fui lá receber. Eu fiquei assim: aquela multidão, várias pessoas recebendo o Jabuti e eu olhava e falava: “Gente, onde está esse tal de Jabuti?” Olhava, não via que as pessoas estavam sentadas na frente e daí eu fui, na hora que eu fui receber o Jabuti, eu levei um susto, porque eu achava que era um troféu enorme, assim. Sabe a sua cabeça besta, pela importância que davam, né? E daí era um coisinha assim, sabe? Daí eu falei: “Nossa, o tal do Jabuti!”. Daí, é lógico que eu repensei e vi que tamanho não é documento. Mas foi assim: eu fui sozinha, não deu... meu esposo ficou com as crianças, mas foi muito importante, porque obviamente que o prêmio Jabuti abre portas, né e a partir daí eu fui mais convidada pra palestras, viajei, fui pra Alemanha, Suíça, Áustria. Fomos eu, Cuti, Oswaldo de Camargo. Então, foi, assim, um marco, né, pra minha literatura.
P1 – Você pode contar alguma dessas viagens, das suas experiências dessas viagens, como é que foi?
R1 – Eu nunca tinha estado perto de um avião. Nunca. Daí, quando eu entrei no avião, assim, logo ali, naquela entradinha, eu não sabia que eu já estava dentro do avião, daí eu levei um susto, né? Eu quase morri de medo, porque eu falei: “Nossa, agora eu já estou aqui, o que eu faço? Eu tenho que ir”. Esse susto. As outras experiências que eu fui bastante feliz nas minhas falas, em todos os lugares, ganhei um bom dinheiro na época. E experiências, assim, eu acho que em cada lugar que você vai, que você passa, você colhe experiências e a gente recebe e dá muito da gente, né? Que é esse o meu objetivo: receber, pra o meu crescimento e dar, pro crescimento do outro. Então, assim, agora não sou deslumbrada porque viajo, porque não sei o que, não. (risos) Eu sou muito pé no chão, muito do meu jeito e eu quero ser assim, mesmo, porque é a minha raiz. Não há... se eu sei escrever, eu sei e pronto. Eu sou escritora e acabou. E eu não deixo, nunca, perder o meu foco, que é amar, procurar entender todo mundo. E eu acho que às vezes, numa frase, você aprende tanto! Num gesto você aprende tanto! Eu já contei, até, isso, não sei pra quem: um dia eu estava na cozinha lendo, à tarde, já era o horário de estar lá fora, mas eu estava lendo um trechinho da Cecília Meireles, que diz assim:
“Eu canto, porque o instante existe
E a minha vida está completa
Não sou alegre, nem triste
Sou poeta”.
Esse trecho diz assim, mas eu estava lendo, eu falei: “Eu canto, porque o instante existe e a minha vida está completa”. Daí eu ouvi: “Dona Geni, vem comer, que eu fiz frango com polenta”. (risos) Não é uma coisa incrível, assim, você sair da Cecília Meireles, pra ir comer frango com polenta da Jandira? Então, essas coisas, pra mim, eu não sei o tanto que eu sou boba, frágil ou sensível. Mas isso foi de suma importância pra mim. Eu até já escrevi sobre isso.
P1 – E sobre todas as suas palestras, comentários que a senhora ouve sobre seus livros, o que você já ouviu, que você sabe que marca as pessoas? Principalmente nós, negros, os seus livros são referências, conta muito das suas vivências. Eu queria, sei lá, que a senhora comentasse um pouco como foi saber e ouvir das pessoas o quanto os seus livros são importantes.
R1 – Então, é bom, né, ouvir, porque quando eu ouço elogios a respeito do meu trabalho, eu vejo que eu estou fazendo bem feito. Então, é bom. Nunca ninguém falou pra eu ouvir qualquer coisa que não fosse bom, bonito e belo, do meu livro. Nunca ninguém me falou. É óbvio que deve ter críticas contrárias ao meu pensamento, mas é pra isso que eu escrevo, né? É pra preencher, satisfazer. Então, é muito bom. Às vezes eu encontro com alguém na rua, aqui na minha cidadezinha e fala: “Olha, eu li tal poema seu, ai que lindo!” E eu falo: “Qual poema que é?” Daí me falam e às vezes eu não sei de cor todos os poemas, não posso declamar todos os poemas. Daí já me disseram: “Eu gostaria muito que a senhora declamasse um poema pra mim”. Daí eu falo: “Olha, me dá seu contato, chegando em casa eu ligo e declamo um poema pra você”. E eu faço isso, porque a pessoa gosta, quer. Eu acho que é um jeito de amar. Eu suponho.
P1 – E sobre as últimas obras que você publicou? Tem o Pênalti, que é infantil...
R1 – É juvenil.
P1 – Infanto-juvenil?
R1 – Juvenil.
P1 – A senhora pode comentar um pouco sobre ele?
R1 – Esse livro aconteceu assim: eu tenho os meus dois filhos, o Kiko e o Kevin. É Cristian e Kevin. E eles estavam numa partida de futebol, já eram mocinhos, porque depois cada um tomou seu rumo: o Kevin foi jogador profissional e hoje ele é assistente técnico, porque ele já passou da idade. E estava tendo um jogo e os dois jogando em times adversários. E eu me lembro que um deles fez um gol, o outro saiu do time dele e foi abraçar, sabe? Fez um gol no time adversário. Então, eu acho que o Kevin fez um gol pra cá, onde estava o Cristian e o Kiko saiu correndo e foi abraçar o Kevin. Times adversários. Então, o Pênalti é isso, que eu conto essa história que, pra questão de família, não tem barreira, né? Foi muito lindo isso. Foi muito lindo. Então, no Pênalti eu conto isso. Poemas de Regresso, que eu publiquei parece que foi em novembro, não agora, o outro, que eu lancei, se chama Poemas de Regresso exatamente por eu estar de volta, que eu fiquei um tempão sem escrever, eu havia me esquecido que era escritora. Daí, quando eu ‘acordei’, eu comecei a escrever e então fiz Poemas de Regresso. Está aí. E agora eu estou com um livro de contos e eu nem vou falar o nome do livro, que eu posso mudar, às vezes eu mudo. O de contos está quase pronto. E estou trabalhando um outro de poemas. Quando surge o poema, eu vou lá, no lugar que eu faço poema. Do contrário eu vou lá onde eu tenho o texto começado, às vezes e escrevo esse texto. E assim vou. Eu estou pensando uma hora, um dia, qualquer hora, fazer mais um infantil. Eu sou muito preocupada com a criança na escola, pra tocar nesse assunto, de modo que eles entendam. Está bom?
P2 – Geni, ia te perguntar duas coisas: uma, como é que surgem os poemas, os assuntos? Você tem uma disciplina de escrever ou as coisas que vão acontecendo na vida vão te inspirando? Como é que acontece? E como é a sua relação com a cidade? Que você disse, no começo, que a cidade ora te ama, ora te odeia. Como é essa coisa de você virando escritora, pra cidade que você mora?
R1 – Então, eu acho que mais me amam, do que me odeiam. Na verdade, é que eles não me entendem completamente. E essa coisa de fazer o poema, eu não me programo pra fazer. Às vezes eu estou assim e surge uma frase, cai uma frase na minha cabeça, eu paro, penso nela e escrevo um poema. Eu não me programo, assim: “Bom, agora eu vou sentar e vou fazer poema”. Isso não dá certo. Pelo menos não pra mim. Porque o poema, pra mim, é uma coisa que vem num salto, né? Um conto surge - por exemplo, de alguma coisa que você viu ou alguma coisa pela qual você passou – na sua cabeça. O conto você vai pegando e vai desenvolvendo através da escrita. Mas o poema vem de um salto. É uma coisa linda, assim. Vem e, a partir daquele salto, eu sento e já faço o molde do poema. É uma coisa, assim... vem como uma fome. E daí, a hora que ele vem, eu saboreio. (risos) Vem, aparece uma frase, qualquer fala, qualquer coisinha, assim, daí o poema já se faz, né? E eu nunca deixo pra depois um poema, porque a gente perde a essência. Eu. A gente... não posso falar por todos. Mas eu perco a essência do poema, se eu deixar pra depois. E às vezes nasce no meio da noite, sabe? Já aconteceu de nascer um poema, alguma coisa, assim, no meio da noite: “Não, amanhã eu escrevo”. No outro dia não é igual. E normalmente eu me levanto, vou e faço o esboço, né? Daí fica fácil trabalhar. O que mais?
P1 – Jonas, quer ir, já, concluindo? Podemos concluir ou tem mais algumas outras perguntas? O que você acha?
P2 – Eu vou fazer uma última pergunta, então, aí você pode concluir: Geni, eu sempre pergunto, assim, nas entrevistas que eu participo, essa a Wini conduziu, mas eu tive a honra de ficar escutando o tesouro que é você.
R1 – Imagina!
P2 – Mas queria te perguntar, assim, de tuuuuuudo que você vivenciou, uma experiência de um filme: se você fosse embora da Terra, quando você morresse e pudesse levar apenas uma memória, uma lembrança, qual seria essa lembrança que você levaria pra eternidade?
R1 – Nossa! São meus filhos. Posso levar mais um pouco? (risos) Meus filhos, meus netos e meus poemas. Dá licença de eu carregar a minha bagagem, né? (risos) É o que eu gostaria de ter para a eternidade. Porque eu acredito que eles me terão para a eternidade, porque eu me registro. Agora, Deus me livre! Pelo amor de Deus! Nem quero partir agora. Preciso escrever mais um pouco. Se bem que não sou eu que decido, mas... está bom?