A entrevista de Cézar Rocha Camargo foi gravada pelo Programa Conte Sua História no dia 14 de novembro de 2013 no estúdio do Museu da Pessoa, e faz parte do projeto "Aproximando Pessoas - Conte Sua História". Cézar conta uma história de superação, passando por muita dificuldade quando criança. Passou um tempo de sua infância morando em Araraquara e quando voltou para são Paulo já começou a trabalhar na área de contabilidade e foi estudar ao mesmo tempo. Hoje tem três filhos já formados e trabalhando.
Descobrindo um pai interno
História de Cézar Rocha Camargo
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 18/12/2013 por Alexandre Marino Netto
P/1 – Senhor Cesar, você pode começar falando o seu nome, o local e data de nascimento?
R – Eu nasci em São Paulo, dia cinco de março de 1940.
P/1 – Seus pais são de São Paulo?
R – É, a minha mãe e o meu pai, eles são de São Paulo, mas eles se conheceram até antes eles moraram, a minha mãe morou em Mirassol, conheceu o meu pai lá em Mirassol.
P/1 – Mas os dois nasceram na cidade de São Paulo, não?
R – Não, não, o meu pai era português a minha mãe nasceu em São Paulo.
P/1 – E o seu pai?
R – Nasceu em Portugal.
P/1 – Então vamos um pouquinho pra família do seu pai, depois a gente pega a da sua mãe. Você sabe com quantos anos teu pai veio pra São Paulo?
R – Não, não sei, porque, talvez possa ajudar, na realidade eu sou fruto de um, vamos dizer, uma aventura do meu pai, ele já era casado, ele teve relação com a minha mãe e eu nasci, então eu não tenho praticamente nenhuma, muita informação.
P/1 – Você não chegou a conviver com ele?
R – Não, assim, nunca, assim, a presença dele no dia a dia não.
P/1 – Mas você tinha encontros com ele, ele te assumiu?
R – É, até um dado momento tive tive encontros com ele, até o momento que a minha mãe ficou preocupada dele eventualmente me levar, entendeu, então ela procurou fugir dele, até convocou um advogado pra, me registrou direitinho, só em nome dela. Eu só vim a ter um contato assim com ele, mas já como adulto, pois que quando eu me casei ele, vamos dizer, fui levar minha esposa lá pra ele conhecer, e aí ele tinha visitas periódicas, ele vinha em casa, levava presente pros meus filhos. No final, vamos dizer assim, da vida dele a gente se reaproximou mas nunca tive, assim, um contato com a mulher dele, que ele era casado a mulher dele tinha um filho do primeiro casamento. Então ele, vamos dizer, assim, a presença dele pra mim, assim, eu tenho uma imagem muito antiga mesmo na minha mente, que é uma ocasião que a gente estava numa estação de trem, ele e a minha mãe e um homem que eu suponho que teria sido o meu pai. Mas depois disso acho que a gente só voltou a se ver, assim, vamos dizer assim, reaproximar mesmo, já 1980, por aí, depois que ele se reaproximou aí ele teve uma frequência, vamos dizer, ele queria ver os netos presentear os meus filhos, tudo. Mas, como se diz, eu fui criado basicamente, vamos dizer, pela minha mãe e com um grande apoio dos meus avós.
P/1 – O que o seu pai fazia, você sabe?
R – O meu pai, ele era um gerente da Singer, era uma máquina de costura famosa então ele era um, ele era viajante da Singer foi na ocasião que ele conheceu minha mãe lá no interior, e depois o último contato que ele teve na Singer, trabalhava na filial da Singer na Mooca onde eu cheguei a ir visitá-lo, tudo.
P/1 – Ele dava dinheiro pra sua mãe?
R – Não, não, a minha mãe talvez com aquela questão de se autoproteger ela evitou qualquer coisa, ele, que eu me lembre, não dava dinheiro pra ela não.
P/1 – Cesar, e a sua mãe, você morava em que bairro?
R – É, mas em que momento?
P/1 – A sua mãe mudou pra São Paulo, você nasceu aqui?
R – É, eu nasci em São Paulo a gente morou numa pensão.
P/1 – Mas então deixa eu só voltar um pouco atrás pra eu entender a história da sua mãe. Aí a sua mãe nasceu em Mirassol.
R – Nasceu em Mirassol.
P/1 – O seu pai, os seus avós paternos você não chegou a conhecer, não sabe nada?
R – Não, nunca, que era em Portugal.
P/1 – Era em Portugal. E aí a sua mãe morava em Mirassol?
R – Isso.
P/1 – O que os seus avós maternos faziam, que moravam lá?
R – O meu avô, ele tinha acho que, não sei se era uma banca no mercado lá de Mirassol e, que eu me lembre, quer dizer, não tenho muita presença, eu tenho a presença mais próxima dos meus avós já quando eu tinha uns nove anos aí eu tenho coisas bem mais próximas e fácil de expor.
P/1 – Aí a sua mãe saiu de Mirassol e veio pra São Paulo.
R – Veio pra São Paulo.
P/1 – Por quê?
R – Você imagina em 1940, uma mãe solteira era considerada uma prostituta então na realidade eu diria que foi uma fuga pra minimizar o impacto, vamos dizer, sobre os pais dela eu suponho.
P/1 – E aí ela veio pra São Paulo, ela veio com trabalho, o que ela veio fazer, quantos anos ela tinha?
R – Ufa, agora você, quantos anos ela tinha.
P/1 – Ela veio grávida pra cá?
R – Não, não, já tinha nascido, já.
P/1 – Ela veio pra São Paulo só pra te ter?
R – Não, não.
P/1 – Você nasceu em Mirassol então?
R – Não, não, a relação com o meu pai foi em Mirassol, depois aqui em São Paulo, eu nasci em São Paulo, nasci na Frei Caneca, naquela maternidade.
P/1 – Mas ela veio te ter aqui e voltou pra lá?
R – Não, não, ela não voltou, ela ficou numa pensão.
P/1 – Então ela veio grávida pra cá?
R – Provavelmente, ela veio grávida e ela ficou numa pensão que era de um casal, Elias e Júlia eram um casal, o meu tio indicou era uma pensão ali na Bela Vista, e esse casal inclusive, vamos dizer, foram meus padrinhos eles tinham um carinho especial, provavelmente pra dar um apoio pra minha mãe. Então esse foi, assim, a lembrança mais precisa que eu tenho, é de um tio meu, Romeu que sempre ajudou minha mãe e foi ele que indicou essa, Seu Elias e a Dona Júlia na pensão e é isso.
P/1 – Ela veio com trabalho pra cá ou ela procurou trabalho aqui?
R – Não, veio sem trabalho, aí o que eu me lembro também, acho que um pouco mais pra frente, é que ela ia vender de porta em porta uma farinha, que era um tipo de um leite em pó, alguma coisa assim, mas não era exatamente um leite em pó. Então ela saía com aqueles coisa, eu, me levava e ela ia batendo de porta em porta oferecendo. Então eu, vamos dizer, vivenciei assim, muita coisa assim, em termos de pessoas que te atendiam bem mesmo sem comprar, e outras que não te atendiam isso ficou muito marcado, tanto que hoje qualquer pessoa que bate na minha porta eu atendo (choro).
P/1 – Ficou muito forte porque você acompanhava ela.
R – Desculpa.
P/1 – Imagina, faz parte do processo da memória. Essa pensão ficava em que bairro?
R – Na Bela Vista.
P/1 – Você chegou a morar nessa pensão com ela?
R – Sim, sim.
P/1 – Até quanto tempo você viveu lá, quantos anos você tinha?
R – É difícil te dizer, viu, mas provavelmente até uns quatro, cinco anos mas realmente eu não saberia dizer exatamente.
P/1 – Você tem lembrança de como era a Bela Vista nessa época ou você não lembra, você era muito pequeno?
R – É, quase nada não tenho, não, eu acho que o forte, vamos dizer assim, em termos de memória, tá na época que eu fui, vamos dizer, fomos pro interior fui morar com os meus avós.
P/1 – Você, aí vocês saíram daqui e voltaram pra lá, pra Mirassol?
R – Voltamos pra lá nós, na realidade nós voltamos pra Silvânia, que é uma pequena estaçãozinha próximo de Araraquara, eu tinha um tio, Tonico, que ele era contador, solteirão. Então ele ganhou uma oportunidade de ser contador na fazenda da estrada de ferro de Araraquara e, como ele era solteiro, ele levou meus avós e eu também fui junto, isso eu já devia ter acho que uns oito, nove anos.
P/1 – Mas sua mãe foi ou não?
R – Não, minha mãe foi, mas depois ela retornou pra São Paulo.
P/1 – Aí você ficou morando lá.
R – Fiquei morando lá com os meus avós.
P/1 – Quanto tempo?
R – Ali nessa fazenda acho que foi uns dois anos e aí em 1949 nós mudamos pra Araraquara, em Araraquara tinha dois tios meus que ambos trabalhavam na Estrada de Ferro Araraquara, então eles que deram todo apoio pra essa mudança eles viram casa, tudo pros meus avós, meus avós e eu. E ali eu passei, vamos dizer, eu vivi o período mais marcante pra mim da infância, que foi dos nove aos 14 anos.
P/1 – Essa primeira fazenda, como é que ela era, que você foi morar em Silvânia?
R – Silvânia, era uma fazenda da estrada de ferro e aonde, vamos dizer, o que que era o objetivo da fazenda? Era mudas de eucalipto, porque aí você tinha o eucalipto pra formar aquelas, as madeiras da linha do trem era usado, e também pra queimar nas locomotivas. Então a estrada de ferro tinha uma fazenda especificamente pra isso, onde tinha, vamos dizer, uma espécie de um nascedouro daquelas plantas, as mudinhas, pequenas mudas que eram plantadas e que cresciam e a medida que também iam sido cortadas pra ser utilizadas como combustível pras locomotivas da estrada.
P/1 – Quais eram suas brincadeiras, com quem você brincava?
R – Bom, lá na fazenda não tinha muita coisa quer dizer, a recordação que eu tenho é que a gente tinha aí, vamos dizer, tomar leite lá no curral e tirava na hora o leite quente, a minha avó fez, mandou construir lá um forno, então fazia bolo. Então, e esse meu tio, que foi quem nos levou pra lá, ele era solteirão e quando chegava no final de semana ele ia e eu ia com ele, com uma charrete, até uma cidadezinha chamada Bueno de Andrade lá, geralmente a gente ia no sábado, ele se reunia com os amigos e ele ficava conversando, bebendo. E aí quando começava a escurecer a gente voltava pra fazenda e praticamente, e ele pegava no sono e eu vinha dirigindo lá a charrete mas o cavalo é que guiava porque realmente eu não tinha muita condição de segurar nada, ainda bem que ele era manso. Mas aí isso até, o meu tio ainda recebeu uma oferta de emprego, acho que foi pra Votuporanga e aí como eu tinha dois tios em Araraquara o Lázaro e o João, eles houveram por bem pra levar os meus avós pra Araraquara e eu como parte do casal fui pra Araraquara, isso foi em 1949.
P/1 – Como é que era a relação com os seus avós, quem que exercia a autoridade na casa?
R – Bom, pra variar minha avó, né , o meu avô, ele nunca, vamos dizer assim, ele nunca me bateu, nunca nada, ele era um homem muito severo mas a única coisa que eu me lembro, assim, que ele fez, uma medida de, uma espécie de castigo, foi que eu voltava muito tarde pra casa e já era, tava escurecendo, aí ele não permitia que eu tomasse com luz, tinha que tomar banho no escuro e gelado sem muito, não podia usar água quente mas isso era superado sem maiores problemas.
P/1 – Você sentia saudades da sua mãe, vocês se viam, como é que era?
R – Olha, talvez pelo próprio relacionamento, assim, desde a origem ter algumas interrupções circunstanciais, primeira com aqueles meus padrinhos, depois com os meus avós, a minha mãe é uma batalhadora, ela, vamos dizer, veio pra São Paulo pra tentar ver possibilidade de trabalho, tudo mais. Mas ela ficou com a gente em Araraquara lá um bom tempo.
P/1 – Mas como que era a sua relação com ela?
R – Com a minha mãe?
P/1 – Sua relação era de filho ou a sua relação de filho e mãe era com a sua avó?
R – Não, era com a minha mãe, com a minha mãe, sempre foi com a minha mãe.
P/1 – Você lembra, quando você entrou na escola, com quantos anos?
R – Bom, aí, vamos dizer, eu, tive um primeiro contato com escola, isso aqui ainda na época que a gente tava morando aqui em São Paulo foi numa escola lá na Vila Esperança na Penha, e aconteceu um fato que pra mim foi muito marcante. A escola, a escola era assim, uma, era uma sala única num andar térreo de um sobrado, então a gente ia pra lá, o detalhe também que eu me lembro, a gente usava alpargatas naquela época e aí a professora dava aula, tal, a gente ia. Aí um dia a professora fez uma apresentação, então ela colocou um pano lá no fundo da sala, a sala era pequena, um pouco maior que essa aqui, e aí passou um filme passou filme, e aí passou, dentro do contexto do filme apareceu o mar aquela imensidão tomou a tela toda. Aí o filme continuou, eu fui pra casa, mas encafifado como que colocaram toda aquela água dentro daquela sala, como foi possível isso aí no dia seguinte eu fui mais cedo pra escola pra ver aonde colocaram a água e lógico que não achei a água só tinha uma parede e depois alguém deve ter me esclarecido, eu me conformei com o fato mas realmente eu fiquei impressionado.
P/1 – E lá no interior você foi pra escola, quando você foi pra essa fazenda?
R – Foi, isso, não, depois quando nós fomos pra Araraquara foi aí que, vamos dizer, que eu dei continuidade a escola a gente foi morar num bairro que era novo na época e perto da onde veio a ser, tinha uma vila de ferroviários ali. E o grupo escolar era em frente da casa que meus avós moravam então eu atravessava a rua, já tava na escola.
P/1 – Como é que era, você tinha amigos, tem alguma professora que te marcou?
R – Ah, tem uma professora que me marcou bastante, chamava-se Elisa Torquato, ela era professora de, era, a professora era professora de tudo não era especificamente de uma matéria mas ela foi marcante a Dona Elisa Torquato. E outra também que marcou muito era a diretora, a Dona Climene que era uma senhora baixa, forte e ela pra mim é inesquecível por algumas razões. Uma das razões é que eu geralmente não fazia as tarefas assinava o boletim em nome da minha mãe e todo dia ficava na fila que ia pra diretoria, então por que ia pra diretoria? Quem não fez a lição pegava aquela fila e a Dona Climene ia passando um por um, dava um tapa na orelha, mas forte, não tinha nada de problema de atual então, aí com o tempo fui me apercebendo disso. Aí eu procurava ficar como último da fila porque quando chegava a minha vez ela falava: “Ah, você de novo aqui”, então ela praticamente nem batia mais então me liberava. E a gente, esse grupo escolar ficava ali no Fonte Luminosa, era o nome do bairro lá em Araraquara, esse bairro, ele era afastado assim um pouco do fim da cidade. A rua principal lá em Araraquara é a Rua Dois, lá as ruas eram chamadas pelo número, zero, um, dois então a Rua Dois era, a gente morava afastado ali da Rua Dois e pra gente ter acesso, entrar na Rua Dois, pra ir no comércio ou qualquer coisa, a gente tinha dois caminhos. Um que era dentro da, vamos dizer, de uma plantação pequena de eucalipto que tinha, que era pela sombra inclusive, e o outro caminho era pela avenida, debaixo de sol. Então um dia, uma tarde eu tava indo com a minha mãe pra ir pra cidade, aí de longe eu vi a Dona Climene, a diretora, que vinha vindo em nossa direção eu falei: “Puta, agora” aí eu tentei, como último recurso, convencer a minha mãe pra ir pra cima tomar sol lógico que ela não foi. Quando ela não foi aí bateu com a Dona Climene quando bateu com a Dona Climene eu falei: “To frito” então aí ela, a Dona Climene distribuiu todo o meu histórico lá de mal aluno, não fazia lição, tudo, tudo, foi terrível. Aí voltamos pra casa e minha mãe nem foi pra onde tinha que ir, levei uma surra, mas uma surra, uma surra que foi justa eu realmente achei que, achei no momento mesmo da surra que tava certo. E me tornei um santo tão santo que eu me tornei que o Dona Elisa me deu o discurso da turma na formatura pra eu fazer, a glória então fiquei, realmente foi fantástico então.
P/1 – Você ia como pra escola, a pé?
R – A pé, era atravessar a rua só a pé, acho que a gente não tinha, acho que a gente, eu não me lembro se a gente ia descalço, viu, mas isso era, o que eu me lembro, não tinha uniforme e a gente, eu não me lembro se a gente com sapato ou não, provavelmente alpargata, alguma coisa assim.
P/1 – Na sua casa vocês comemoravam, costumavam comemorar aniversário, natal, tinha comemorações?
R – Tinha, mas não propriamente na casa dos meus avós como eu comentei, nós tínhamos dois tios que moravam lá em Araraquara foi por esse motivo que a gente acabou indo pra lá, e o meu tio Lázaro, ele uma vez, ele com a esposa, que era Durvalina, eles tiveram filhos, mas infelizmente eles perderam os três filhos que tiveram. Então esse meu tio Lázaro tinha um carinho especial pelos meus avós, e sempre que, vamos dizer, natal, qualquer outra data assim comemorativa, a gente ia lá pra casa dele. Pra mim foi marcante também na infância porque essa minha tia mulher do meu tio, a Durvalina, cozinhava muito bem então o que ela fazia era uma delícia quando ele falava que ia pra casa do tio Lázaro eu adorava porque realmente era muito gostoso gratificante, pra mim como garoto então era uma beleza.
P/1 – Você tinha algum desejo assim, e a adolescência, você veio pra São Paulo?
R – É, na adolescência eu vim pra São Paulo, assim, em termos de desejo, assim.
P/1 – Você tinha vontade de morar com a sua mãe, de vir pra cá?
R – Não, não tinha uma vontade específica, não, porque ali em Araraquara era uma vida pra uma criança na minha idade, muito boa e o que eu fazia? De manhã tomava café, atravessava a rua, tava na escola, na volta almoçava, aí ia pro campinho esperar chegar alguém com uma bola e jogava bola a tarde inteira, até de noite, meu vô fazia eu tomar banho no escuro. E depois da janta a gente assistia, ouvia a novela no rádio era o Direito de Nascer e até que tinha um senhor, o Senhor Barone, que tinha uma chácara, que ele vinha da casa dele toda noite pra ouvir com a gente o Direito de Nascer. E a gente até tinha uma certa, a gente não imagina isso na época, mas a gente roubava fruta lá no sítio dele ele devia saber, mas talvez, nunca nos repreendeu, nem falou nada. E ele ia lá toda noite assistir a novela Direito de Nascer e tinha aqueles programas todos que imperava era a Rádio Nacional a Rádio Nacional era absoluta, era a Globo da ocasião.
P/1 – O que você escutava na Rádio Nacional?
R – Então, basicamente, vamos dizer, eu não tinha uma preferência, a minha atenção era sempre voltada pra ouvir a novela depois de ouvir a novela aí eu ia, saía que já era de noite. Aí a gente tinha algumas brincadeiras ali no bairro de, com menina de passa anel, uns negócios assim, tinha algumas coisas que a gente combinava pra poder beijar uma menina entendeu, mas é tudo malandragem infantil. Mas foi um período, nossa, até hoje eu tenho uma crença muito forte sobre aquele ditado que fala: “Fulano não teve infância” (pausa) (choro), quem teve uma infância boa é bom. (pausa)
P/1 – Você lembra de alguma música que tocava que você gostava no rádio?
R – De uma música mesmo? Não, não lembro, naquela faixa etária assim a gente não era muito ligado à música então o que, vamos dizer, a novela eu assistia por decorrência até dos meus avós mas eu gostava também de novela, como gosto até hoje mas música não. Me lembro que Emília Borba era, tinha ela, tinha Adelaide Chiozzo que era aquela da sanfona, que não é do seu tempo, mas não, música assim especificamente eu não lembro.
P/1 – E aí depois desse período, você ficou lá até?
R – Eu fiquei lá até, acho que foi 1950 foi o ano que o Getúlio morreu.
P/1 – Você tinha dez anos.
R – Dez anos.
P/1 – Aí você mudou pra São Paulo?
R – Aí vim pra São Paulo.
P/1 – Sua mãe te trouxe?
R – Minha mãe me trouxe.
P/1 – Como que foi essa vinda?
R – Então, ela veio pra cá, eu tenho um tio chama, meu tio Romeu, ele, vamos dizer, ele teve algumas influências marcantes na minha vida primeiro me tornou são-paulino que ele era são-paulino, ele tinha uma gravata do São Paulo, então eu fiquei são-paulino por causa do tio Romeu. E depois, quando a gente, a minha mãe veio comigo pra São Paulo, ele foi, vamos dizer, ele conhecia uma pensão ali na Rua do Carmo pensão do Seu Marins, e aí a minha mãe, nós ficamos nessa pensão. A gente morava na parte debaixo da pensão que era, tinha a pensão uns aposentos em cima e tinha embaixo também, o próprio terreno possibilitava isso e aí eu fui morar com a minha mãe nessa pensão. A gente dividia um quarto onde, vamos dizer, a gente pôs um guarda roupa virado pra lá e outro pra cá, e a minha mãe dormia de uma lado, eu dormia do outro e assim foi, aí, vamos dizer, a gente...
P/1 – Onde era essa pensão?
R – Na Rua do Carmo, perto ali da, ela começa na Rangel Pestana.
P/1 – Ela tava trabalhando na mesma coisa ou ela já tinha mudado?
R – Não, não, ela tinha mudado, ela foi trabalhar no Hospital São Lucas, que ficava na Liberdade primeiro como atendente lá, depois ela passou a ser telefonista e ela trabalhava, entrava à tarde, saía à noite e voltava tarde da noite naquela época não tinha problema nenhum.
P/1 – E você ia pra escola?
R – Eu ia pra escola e também eu arrumei um trabalho.
P/1 – Com dez anos?
R – Não, com dez anos não, o trabalho foi depois, o trabalho com dez anos foi em Araraquara.
P/1 – Você trabalhou com dez anos?
R – Trabalhei com dez anos.
P/1 – O que você fazia lá?
R – Era num bar, Bar do Anai que existe, talvez existe até hoje e que eu trabalhava como atendente normal e ele tinha uma senhora que fazia uma empadinhas eram espetaculares o que eu comia de empadinha vou te contar, viu, acho que eu mais comia do que vendia, então, mas era muito bom. Esse Anai era uma japonezão muito de bom coração eu, o único problema que eu via ali nesse trabalho era que tinha que trabalhar no domingo até a hora do almoço porque ficava no centro ali de Araraquara, e eu não podia jogar bola. Então eu, por três vezes, eu saí, o Anai foi me buscar, e na última ele falou: “Ó, não vou te buscar mais”, aí não foi aí fiquei sem emprego.
P/1 – Aí você veio a trabalhar depois aqui em São Paulo?
R – Isso, é, aí foi, depois quando nós viemos pra cá aí eu arrumei um trabalho, a gente morava na Rua do Carmo, eu arrumei um trabalho num escritório que era na Roberto Simonsen, que é a continuação da Rua do Carmo, era do lado de lá da Rangel Pestana um escritório de contabilidade e advocacia.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Acho que devia ter uns 14 14, 14 e pouco.
P/1 – O que você fazia lá?
R – Eu era office boy fazia uma coisa que eu me lembro bem, ali na, da Rua do Carmo pra Roberto Simonsen, que é do outro lado, tinha uma padaria muito grande chamada Lisboense naquela época e ela tinha uns doces fantásticos. Então toda tarefa que eu tinha, vamos dizer que eu tinha que pegar condução, eu ia a pé e com o dinheiro eu comprava doce, nunca os meus patrões fechavam, nada mas provavelmente sabiam que eu devia demorar mais. Mas eu, pra mim era fantástico não tinha problema, andava o que fosse preciso mas daí na volta parava na Lisboense e enchia de comer doce lógico que não levava pro escritório mas...
P/1 – Como é que era São Paulo naquela época, os lugares que você andava?
R – Bom, uma coisa sem dúvida era, assim, não tinha nenhuma preocupação, a menor que fosse, por você andar de dia, de noite, fosse onde fosse a gente não tinha nenhuma preocupação com assalto, qualquer coisa. Às vezes eu passava de noite, eu, vamos dizer, aquelas entregas que eu fazia lá pro Seu Maris lá da farmácia, vamos dizer, eu ia no cinema, saí ali da Rua do Carmo, ia na Avenida Ipiranga à noite, voltava, tudo, sem problema, nunca tive nenhum susto, nada disso.
P/1 – E aí você trabalhava e estudava?
R – Trabalhava e estudava, isso, estudei na, estudava na Brasil Lux na Mooca eu pegava um bonde ali embaixo da Tabatinguera e ia pra escola.
P/1 – Você estudava à noite?
R – À noite.
P/1 – Como é que foi essa escola?
R – A Brasil Lux é uma escola que fica na Rua da Mooca mesmo era e eu fiz lá o básico, depois eu fui, vim fazer o técnico na Álvares Penteado, ali no Largo São Francisco. Depois, na sequência ainda, aí já eu fui fazer a faculdade, já casado quando eu me formei eu já era casado.
P/1 – Vamos voltar. Você, quando você mudou pra cá você fez amigos, como que você se divertia?
R – Então, ali na Rua do Carmo eu tinha alguns amigos que você acaba conhecendo as pessoas do bairro, tinha um deles que chamava-se Batista que a gente jogava bola, tinha o Hélio, o irmão ele, o Marcos eles tinham uma irmã chamada Eliana que a gente chamava de Patinha. E depois esse meu amigo Hélio com a família dele se mudou pra Rua Caio Prado, aí já ficou mais complicado pra gente se, manter o relacionamento depois dali da Rua do Carmo eles foram, o pai dele foi transferido e eles foram pra Porto Alegre aí ficou, realmente a coisa se dissipou pela própria circunstância e localização. O que que eu posso te falar? (pausa) Então eu até fiz nessa ocasião em que a, esse casal e meus amigos se mudaram pra Porto Alegre, eu tinha, assim, uma certa, uma certa afeição pela irmã dele, chamava-se Eliana e a gente teve, tinha o apelido Patinha, eu até fiz uma letra não chega a ser uma música, e que eu fiz fazendo referência a essa ida dela com a família lá pro sul.
P/1 – O que você fez?
R – Eu fiz uma letra.
P/1 – Pra ela na época?
R – É, naquela época.
P/1 – Você lembra dessa letra?
R – É, eu posso tentar eu acho que é: “Vento que vem, vento que vai”, não, acho que é: “Vento que vai, vento que vem, e lá do sul não traz ninguém, a Porto Alegre, mas só um convém, é Porto Alegre onde está meu bem”, pronto.
P/1 – Você tocava, você cantava?
R – Não, só campainha.
P/1 – Você jogava bola?
R – Jogava, jogava, eu jogava, não que eu fosse bom de bola eu era muito voluntarioso e jogava assim com vontade, não tinha jogo amistoso pra mim, tudo era pra valer mesmo.
P/1 – Onde você jogava?
R – Joguei muito ali no Glicério era a chamada várzea do Glicério, que ali tinha vários campos de futebol eu joguei no parque, próprio Parque Dom Pedro, que é ali perto de um quartel que tinha ali, ainda tem, e depois vim jogar na várzea ali do Glicério mas nunca, não tinha futebol pra me tornar profissional, tentei, mas não consegui.
P/1 – Você tentou?
R – Tentei, tentei na Portuguesa não fui feliz realmente não, era só vontade.
P/1 – Quanto tempo você morou nessa pensão?
R – Nessa pensão? É difícil de estimar, assim, com qualquer precisão, acredito que tenha morado acho que uns cinco, seis anos mais ou menos.
P/1 – Até você ter 15, 16 anos?
R – É.
P/1 – Como que era morar numa pensão?
R – Olha, tudo era diferente, as pessoas eram mais amistosas entendeu, então eu tinha, a pensão no caso incluía realmente um café da manhã, almoço e janta era uma pensão completa. Mas tinha algumas mudanças de pessoas que moravam na pensão, mas a maioria era um pessoal que estava já há um bom tempo nessa pensão.
P/1 – Tinha pessoas que você lembra de lá até hoje, daquela época?
R – Então, o dona da pensão, o Senhor Marins, ele trabalhava com, assim, revenda de produtos farmacêuticos, e o meu tio Romeu, foi quem nos levou lá pra pensão, ele vendia esses produtos pro meu tio Romeu, pro Seu Marins eu aos sábados ia fazer entrega daqueles produtos. Então eu ia pra vários lugares e daí eu ganhava um dinheirinho pra à noite ir no cinema e passar o domingo, mas eu andava pra caramba acho que o lugar mais longe acho que Freguesia do Ó, puxa, e tudo a gente ia carregando peso, tudo, não tinha muita facilidade, não, mas apesar que os produtos em geral não eram pesados.
P/1 – Depois que você saiu dessa pensão vocês foram pra onde? Você já tinha, tava namorando nessa época?
R – Não, nessa época não, nessa época eu tinha aquele interesse da Patinha que eu te falei.
P/1 – Que foi pra Porto Alegre.
R – Isso, isso, (pausa) não, que a família dela foi pra Porto Alegre que depois, um bom tempo depois também eu acabei indo pra Porto Alegre.
P/1 – Você foi atrás dela?
R – Não, não, não, eu já era casado, já, tudo, não teve nada a ver, não.
P/1 – E aí você tava trabalhando como office boy, morava na pensão, e quanto tempo você ficou nessa vida?
R – É, depois, ainda morando nessa pensão, aconteceram duas coisas primeiro que tinha uns amigos que a gente jogava bola junto e os pais deles eram zelador num pequeno prédio na Rua Tabatinguera, então um dado momento eles falaram: “Olha, vagou um apartamento” e eu mudei pra esse apartamento na Tabatinguera com a minha mãe que continuava trabalhando lá no Hospital São Lucas. E eu fui trabalhar no Banco Comercial da Cidade de São Paulo era um banco que hoje acabou formando o Itaú naquela época era Banco Comercial da Cidade de São Paulo.
P/1 – Foi trabalhar do quê?
R – Fui trabalhar num setor que era que conferia aquele movimento diário, entendeu, dos correntistas débitos e créditos, uma seção chamada diário, onde a gente, vamos dizer, hoje eu recebia todo o movimento da letra A a C dos correntistas, aí aquelas máquinas grandes, eu lançava os valores todos ali. E no final de um lançamento desse movimento a gente tinha que conferir, tinha que bater débito com crédito não podia dar diferença e muitas vezes dava diferença e quando dava diferença você tinha que achar, aí você podia ficar além do horário normal até achar, que só podia ir embora com as suas contas batidas entendeu? E foi nessa seção do diário do Banco Comercial que eu conheci a Adelaide que se tornamos muito amigos mesmo, bastante amigos e acabou mais pra frente a gente vindo a se relacionar falou: “Poxa, o que que eu tenho aqui do lado eu to marcando bobeira tenho que”, aí deu certo.
P/1 – Como é que você conseguiu esse emprego no banco, você já tava estudando.
R – Já, já.
P/1 – Você tava fazendo técnico na Álvares Penteado.
R – Isso, aí foi o, então, não sei se foi uma amiga da, a Adelaide eu conheci no banco, realmente não tenho assim preciso, não, se saiu alguma informação, entendeu, que naquela época você ia até os locais, passava: “Tá precisando de alguém?” eu não me, realmente não lembro que tive nenhuma indicação pra ir lá pro banco. Eu sei que eu fui e a grande valia de ter ido foi ter encontrado com a Adelaide.
P/1 – Aí você conheceu a Adelaide lá, e quanto tempo você ficou no banco?
R – Então, eu fiquei no banco acho que mais um ano só, ou dois por aí.
P/1 – E aí você foi pra onde?
R – Philips.
P/1 – Por que você saiu do banco?
R – Eu acho que era questão de remuneração e perspectivas também.
P/1 – Mas aí você continuava morando com a sua mãe no apartamento da...?
R – Da Tabatinguera, isso, era, sim.
P/1 – E a sua mãe continuava trabalhando?
R – No São Lucas, é.
P/1 – E aí na Philips você foi fazer o quê? Já tava casado?
R – Já estava casado, não, eu não tava casado, não, casei depois.
P/1 – Você lembra do primeiro dia que você viu ela?
R – Foi lá nessa seção do diário, então é difícil (pausa), não lembro, o primeiro dia eu não lembro, provavelmente a conheci lá no banco nesse setor e o primeiro dia, assim, exatamente eu não lembro.
P/1 – E aí vocês casaram depois de quanto tempo?
R – Acho que uns dois, três anos.
P/1 – Vocês casaram na igreja?
R – Casamos na igreja.
P/1 – Como é que foi?
R – Na Igreja de São Domingos nas Perdizes.
P/1 – Como foi o casamento?
R – Ah, a gente fica totalmente foi, bom, foi ótimo por aquilo que eu te falei, a questão dos padres que fizeram restrição à minha posição lá na Aclimação.
P/1 – Como assim? Eu não sei esse episódio?
R – Não, então, na igreja lá da, que ela morava na Aclimação, na Camilo Bergenson, lá em cima, perto da caixa d’água, e eu fui lá igreja lá do bairro pra ver se fazia o casamento, aí o padre perguntou se eu era católico, falei: “Não não sou” e se eu acreditava em Deus, eu falei: “Ah, não sei, né”. Aí ele não se conformou falou: “Então eu não vou te casar aqui, não, procura outra paróquia aí que eu não vou te casar aqui”, pela circunscrição e próximo do bairro onde a Adelaide morava tinha que ser lá. Aí eu fui lá pra igreja dos padres dominicanos, São Domingos, nas Perdizes, que não fizeram nenhuma restrição e eu me casei lá.
P/1 – Como foi o casamento, quem foi, como tava na igreja?
R – Ah, é uma coisa bastante emocionante o que me chamou atenção, o tipo, acho que até nas fotografias deve ter, a Adelaide, ela fez um negócio lá, que nem um coquezinho na cabeça, alguma coisa assim, que parecia uma fada então olhando assim longe, eu falei: “Só falta a varinha mágica agora aqui pra gente se casar”. Mas é, o grande choque, assim, mas é um choque saudável foi quando nós chegamos na casa dela dos pais dela, que o Seu José, ele morava assim, vamos dizer, tinha, era um, aquelas casas antigas, tinha a janela da frente já na calçada, nem, aí tinha um portãozinho do lado e entrava, tinha mais duas pequenas casas no fundo, quem ele alugava. E quando nós chegamos, voltamos da igreja, o pessoal já estava lá mas a rua, tinha tanta gente na rua que eu achei, eu falei: “Adelaide, acho que o seu pai não abriu o portão” e ele tinha aberto o portão, tinha gente em tudo quanto era canto nossa, foi. Mas foi muito bom porque o meu sogro, ele era uma espécie de um gerente numa padaria ali na Aclimação o dono da padaria bancou tudo pra ele.
P/1 – Foi bonita a festa?
R – Pra mim (pausa) foi gratificante. Depois nós saímos e aí a gente já tinha, morava, vínhamos morar naquele apartamento da Tabatinguera.
P/1 – Com a sua mãe você iam morar?
R – Não, não, a minha mãe teve um episódio bem antes, meio paralelo o meu sogro era viúvo eu conheci a minha falecida sogra, tudo, e a minha mãe uma mãe solteira, e aí ela se, os dois se entenderam, aí teve uma situação que eu tinha que fazer o casamento num dia que não conflitasse com o deles, senão nós poderíamos ser considerados irmãos, não poderia se casar, quer dizer, foi, foi enrolado.
P/1 – Então ele era seu sogro e seu padrasto?
R – Isso, é, exatamente, meu sogro e meu padrasto, aliás, um cara fantástico, um cara simples.
P/1 – Mas aí eles foram morar juntos?
R – Não, minha mãe foi morar na casa que a Adelaide morava com o pai dela e ela veio morar comigo no apartamento da Tabatinguera. É, na noite de núpcias, que a gente tava procurando se, sei lá, se encontrar ali um dado momento toca a campainha do prédio, eu desço, eu tive que descer aí me aparece a minha cunhada com a bandeja de docinho pra eu levar pra viagem eu queria matar ela tudo bem, a intenção foi boa.
P/1 – Você passou a lua de mel aonde?
R – Ah, aí tem circunstâncias outras, que é muito abrangente, eu tive fases na vida em que eu tive problemas, vamos dizer, com o joelho, aí conheci um senhor na Mooca, o Seu Augusto, que ia lá, como ele me arrumou o joelho, eu como, achando o mínimo que eu podia fazer, eu ia aos sábados na casa dele porque todo sábado depois das duas, três horas ele atendia muitas pessoas, filas e filas de pessoas, problema de coluna principalmente. E eu ficava como assistente dele e eu aprendi alguma coisa então eu também, depois de algum tempo, algumas pessoas, o próprio zelador do prédio onde eu fui morar com a Adelaide, o Seu Pedro, a gente fazia uma massagem pra ele e as pessoas se sentiam melhor. Então aquilo que eu aprendi com o Seu Augusto eu dei praticidade e pratiquei por um bom tempo, mas depois parei não sei te dizer exatamente, assim, porque parei, mas, vamos dizer, casado e tudo mais, fica mais complicado.
P/1 – Mas com a lua de mel você ia relacionar alguma coisa, que eu perguntei.
R – Ah, então, nessa época que estava atendendo pessoas eu conheci a dona, uma senhora chamada Dona Lili, que ela era mulher de um corretor famoso na época, era Mesquita o sobrenome dele, ele era um dos grandes corretores. E ela tinha um problema de artrose nos joelhos e eu fui durante muito tempo massagear lá os joelhos dela, tudo mais e aí como um gesto de gratidão ela (pausa) nos deu a chave da casa dela em Campos do Jordão, com direito a uma governanta pra cuidar das coisas. Foi fantástico acordar de manhã, aquele cheirinho de pão saindo do forno entendeu, foi maravilhoso.
P/1 – Aí você continuou sua vida na Tabatinguera?
R – Sim, casei, aí moramos na Tabatinguera.
P/1 – Você tava trabalhando aonde?
R – Eu estava trabalhando acho que na Philips do Brasil.
P/1 – E a sua mulher trabalhava, continuava no banco?
R – Continuou no banco até o nascimento do nosso primeiro filho o Ricardo.
P/1 – Que foi quando, em que ano?
R – Em 67 casei em 66, em 67.
P/1 – Como foi ser pai do primeiro filho?
R – (pausa) É uma realização muito grande e ele nasceu na Beneficência Portuguesa e enquanto eu esperava junto comigo tinha uma senhora também que a filha dela tava também pra ter nenê. Então os dois naquela expectativa aí dali a pouco veio a enfermeira me avisar que já nasceu, tal aí é, comecei a chorar (pausa) eu essa senhora (choro) começou a chorar também, aí nasceu o filho da filha dela e choramos de novo. Foi um vale de lágrimas eu sou muito chorão (choro).
P/1 – E aí voltaram com o bebezinho pra casa, você continuou na Philips.
R – Isso.
P/1 – E aí a sua mulher fazia como pra cuidar da criança e voltar a trabalhar?
R – Então, aí ela saiu do banco ela saiu, a decisão foi cuidar do filho e ela saiu do banco.
P/1 – E aí depois de quanto tempo vocês tiveram outro? Você tem três filhos, não é isso?
R – Tenho três filhos.
P/1 – Aí o, é Ricardo?
R – Ricardo.
P/1 – O Ricardo é o mais velho, nasceu em 67, depois nasceu quem?
R – A Mônica em 1970 e o Rogério em 72.
P/1 – Eles têm quantos anos hoje?
R – O Ricardo, a Mônica é de 70.
P/1 – Ah, não precisa é só fazer a conta. O que eles fazem hoje?
R – Bom, a Mônica é professora por formação, professora de Educação Física e trabalha no Gol de Letra o Ricardo é publicitário, trabalhar lá na ESPN e o Rogério tem uma pequena produtora trabalha com vídeo, essas coisas.
P/1 – Você criou os três nesse apartamento da Tabatinguera, você chegou a mudar, como é que foi?
R – Não, não, mudamos, mudamos aí da Tabatinguera a gente foi pra Vila Matilde na Vila Matilde que o meu sogro tinha um sobradão lá grande e a gente foi, ocupou um, eram quatro apartamentos, dois embaixo, dois em cima a gente foi num apartamento debaixo. Era um prediozinho, tinha mais duas casas no fundo e tinha um quintal enorme também ali no conjunto.
P/1 – Aí você criou os três filhos lá?
R – Isso, o Ricardo nasceu na Tabatinguera, a Mônica já nasceu lá e o Rogério também.
P/1 – Como é que era criar os três filhos, você tava estabilizado financeiramente, você tava trabalhando aonde?
R – Bom, vamos dizer, boa parte já com os três todos, eu trabalhava na Philips tava dentro do contexto Philips, Philips pra mim foi uma firma fantástica.
P/1 – Você fez carreira lá, você foi trocando de cargo, como que foi?
R – Foi, até um certo momento, depois tive problemas dentro da empresa, eu trabalhava na área de contas a pagar você processa tudo que os fornecedores te mandam. Aí eu fui convidado pra ir pra crédito e cobrança tinha, na filial de São Paulo e eu fui substituir um cidadão que era o chefe do crédito e cobrança em São Paulo, chamado Xavier que foi ser gerente da filial toda de São Paulo toda. E lá eu tive dificuldades, não, assim, funcionais mas de colocação, de abordagem com esse meu novo chefe o Xavier, o que culminou com um evento relacionado a um cliente em Ribeirão Preto, aonde esse cliente estava devendo um valor acumulado alto pra Philips e o Xavier então falou: “Você vai lá e se não receber protesta ele”. Eu fui pra Ribeirão Preto, cheguei vi, aí eu em vez de protestar-lo eu fiz um acordo com ele, ele re-parcelou, tudo mais, eu fiz um acordo com ele, aí quando eu cheguei em São Paulo, nossa, o Xavier quase, só faltou me matar. Então eu não me arrependi do que fiz e aí ele disse que na primeira oportunidade me mandava embora então aí eu cheguei em casa aquela noite, falei: “Ó, Adelaide, a situação é essa, tal, tal, acho que vou pedir a conta vou voltar amanhã lá, pedir a conta”. Aí no dia seguinte fui no departamento pessoal, que o chefe era o Roberto, que jogava bola com a gente, e falei: “Ó, Roberto, já sabe que o Xavier não dá certo e eu vou embora” e: “Você vai pedir a conta?”, “Eu vou”, “Não faz isso, tal, tal”, “Não, não eu vou pedir a conta, pode fazer as contas aí”. Encerrou o dia no dia seguinte chego lá, no elevador encontro com o Seu Danilo, que era o administrador da Philips: “Eu sei que você desentendeu lá com o Xavier, tudo mais, eu não posso interferir (pausa), que história é essa, você pedir a conta?” (pausa). Bom, aí ele falou, e a Adelaide tava grávida da Mônica nessa ocasião, grávida já no nono mês, por aí, ele falou: “Vai lá fala com o Roberto, você vai (choro), você não vai pedir a conta, (choro) a Philips vai pagar tudo”, (pausa) paternidade, tudo o que eu tinha direito. (pausa) Por isso que até hoje só compro lâmpadas Philips, foi uma empresa.
P/1 – Aí você trabalhou lá até se aposentar?
R – Não, não.
P/1 – Você acabou saindo? Eu não entendi, você pediu demissão e não voltou atrás?
R – Não, ele ia me mandar embora, não, ele me forçou eu pedir a demissão daí quando eu encontrei com o Seu Danilo ele falou: “Não, tudo bem, você pediu a demissão, mas vai lá, nós vamos considerar como você tá sendo demitido, nós vamos cobrir o nascimento da sua filha, né”.
P/1 – E depois de lá você foi trabalhar aonde?
R – Aí eu acho que eu trabalhei numa empresa, eu trabalhei numa empresa que era de revenda de equipamentos elétricos, entendeu? Daí depois de um bom tempo, eu tinha um cunhado, tenho um cunhado que trabalhava numa empresa de auditoria e aí ele me informou que estavam precisando de, recrutando profissionais, que auditoria, ela tem, vamos dizer, já os profissionais experientes e tem o que ele chamam de Junior que é o iniciante. E eu, como vinha da indústria, já tinha alguma experiência aí o meu cunhado me indicou pra Arthur Young, que era uma multinacional de auditoria e eu fui pra lá. E fui empregado como semi sênior que já uma etapa de alguém que tem experiência e lá trabalhei muitos anos fui muito feliz, e o tipo de trabalho também muito gratificante que você trabalha com normas bem claras do que deve ser feito, como deve ser feito. E foi em função da própria Arthur Young que eu acabei também indo pro escritório da Arthur Young em Porto Alegre e depois, quando voltei pra São Paulo...
P/1 – Aí você mudou pra Porto Alegre com todos os filhos?
R – Com todos os filhos.
P/1 – Saiu da Vila Matilde.
R – Pra Porto Alegre.
P/1 – Como foi essa mudança?
R – Ah, bom, a mudança foi muito boa que a gente morava na Vila Matilde, era um sobrado próprio, tudo, mas simples e lá, você viu as fotos. Lá em Porto Alegre a gente, vamos dizer, a Arthur Young me deu toda a liberdade: “Você vai lá, você vai pra lá, vai lá ver uma casa que querem morar” e não fizeram nenhuma restrição. O sócio encarregado da minha ida pra lá não fez nenhuma restrição, mas surgiu reações internas de um colega de trabalho que tinha sido gerente lá em Porto Alegre, mas quando ele foi as condições que foram dadas a eles foram muito inferiores a que eu recebi, mas eu não tinha culpa me foi ofertado aquilo, então eu só podia agradecer. E a casa era ótima, o local era ótimo, eu conhecia já os clientes de lá, entendeu, as famílias se aproximaram tinha cliente que morava em Esteio Esteio é como Santo André aqui pra nós e foi uma estada muito boa. Os filhos, no quarteirão de trás, os filhos, tinha um clube, a gente ficou sócio, os filhos voltavam da escola e iam pra lá, foi um achado realmente uma etapa muito feliz.
P/1 – Quanto tempo você ficou lá?
R – Eu fiquei dois anos, que era o período previsto mesmo.
P/1 – Aí você voltou?
R – Voltei.
P/1 – Pra Vila Matilde?
R – Pra, não, não foi pra Vila Matilde, foi pro Jardim Consórcio, que tinha um colega de trabalho, chamado Duncan Willians, que era inglês, casado com uma brasileira, que ele tinha uma casa ali no Jardim Consórcio.
P/1 – Onde que é Jardim Consórcio?
R – Jardim Consórcio é ali na, como é que eu vou te falar ali? Você pega a Avenida Interlagos, entendeu, fica a esquerda, assim, da Vila Joaniza, Jardim Consórcio entendeu? E ele ia ficar esse tempo lá então nós ficamos nessa casa dele foi uma coisa conveniente pros dois, aí os filhos estudaram ali em escola próxima. Aí quando chegou a época que ele tava voltando com a esposa nós começamos a procurar casa no bairro, de preferência, porque a gente se identificou bem ali. E aí foi que encontramos essa casa onde eu moro até hoje que foi, assim, uma coisa muito marcante porque a casa ainda tava semi-acabada mas aí a gente foi na imobiliária, a gente, eu digo, eu e aminha mulher e as condições, a gente não tinha as condições pra comprar, principalmente em função da limitação do financiamento bancário. Mas de qualquer forma nós fizemos uma proposta aí falou: “Bom, paciência a gente tem que, não deu essa, vamos ver”, aí, pra nossa surpresa, acho que alguns dias depois ou um mês depois o dono da imobiliária nos chamou falou: “Olha, o proprietário aceitou a sua proposta, né”. Foi uma noite inesquecível porque nenhum dos dois conseguiu dormir (pausa) e aí a gente foi lá conhecer a casa, ainda tava por terminar esperamos e aí moramos lá até hoje.
P/1 – Como é que era o bairro naquela época, o Jardim Consórcio?
R – Consórcio, é um bairro bem classe média mais pra uma classe média simples do que outra coisa, o Jardim Consórcio fica do lado esquerdo de quem vai pela Avenida Interlagos eu moro atualmente do lado direito na Djalma Bento, que é mais próximo, assim, de comércio. Tem um supermercado mais ou menos próximo, na entrada da rua tem uma fábrica de brindes brindes típicos, se eu não me engano, e depois tem o grupo escolar que é aonde os meus filhos estudaram, que era atravessar a rua e chegar lá. Foi lá que eles tiveram aula com a Janete aquele professora de Português, que é a senhora que tá com a gente.
P/1 – Que é a sua atual esposa, não?
R – É, na realidade nós somos, vamos dizer assim, ela mora na casa dela, eu moro na minha casa.
P/1 – Por que, você ficou viúvo, o que aconteceu?
R – Eu fiquei viúvo, eu fiquei viúvo.
P/1 – Quantos anos tinham os seus filhos?
R – Ah, agora você me apertou.
P/1 – Eles já eram criados?
R – Já, já, todos já eram criados felizmente todos muito bem criados felizmente.
P/1 – Sua esposa faleceu do quê?
R – Câncer.
P/1 – E aí essa casa é onde você mora até hoje?
R – Onde eu moro até hoje.
P/1 – Onde você conheceu a Janete?
R – Então, ela foi professora dos meus filhos mas acho que eu não, a lembrança que eu tenho é que eu acho que eu encontrei com ela no supermercado do bairro, e tal, tal, não sei o que, aí trocamos telefone e tal. Aí não sei se foi eu ou se foi ela, alguém, um telefonou pro outro e fomos no cinema aí começou aí a gente foi se identificando e a gente tá até hoje cada um no seu lar.
P/1 – Quanto tempo faz que vocês tão juntos?
R – Eu acho que uns dez anos, acho.
P/1 – Você, dessa consultoria que você tava lá, você voltou pra São Paulo, você continuou trabalhando no mesmo lugar?
R – Não, depois teve uma época que eu passei a trabalhar por conta criei uma empresa chamada Camargo, Camargo Auditores e graças aquele relacionamento que eu tinha ainda com o, quando na empresa de auditoria. Mas com o tempo também isso vai mudando, os anos vão passando e, vamos dizer, hoje eu não tenho mais nenhum cliente e todo, vamos dizer, um apoio pros meus filhos assim, qualquer coisa que eu possa ser útil pra eles.
P/1 – Você conseguiu se aposentar?
R – Sim, me aposentei, me aposentei.
P/1 – Pelo INSS?
R – Isso, pelo INSS e também recebi o direito da minha falecida esposa da Adelaide então na realidade tenho a minha aposentadoria e tenho o dela é o que realmente assegura a sobrevivência e apesar também que eu sempre fui muito, assim, preocupado com o futuro. E desde a época que a gente, aliás, que foi ela até quem me sugeriu, a Adelaide, no tempo lá do Banco Comercial de comprar ações aí eu comprei, começamos a comprar ações do banco, naquela época o Banco Comercial e daí fui montando uma carteira de ações é hoje o que me dá a sustentação. É uma sustentação, que a questão de remuneração das empresas, ela não é mensal, tem remunerações trimestrais ou semestrais então você precisa administrar bem as contas pra não ter nenhum problema. Então eu tenho isso eu recebo a minha aposentadoria e a da Adelaide e cada dois, três meses recebo alguma coisa das ações foi o que me deu condição pra manter ávida que eu tenho aqui hoje, que eu acho que é muito boa. Tenho casa própria, não pago aluguel, tenho um carrinho simples, mas anda e sei lá, e dá pra, vamos dizer, comprar um presente pros filhos, pros netos quando necessário então eu sou um sortudo.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Hoje? Ichi, bom, sempre tive, assim, um presente de, vamos dizer, eu vou viver até os 80 anos então sempre pra mim foi, assim, uma coisa muito clara então dentro das minhas limitações o que eu posso dizer pra você é persistir e continuar sendo útil não só pra sua família diretamente, mas também pra um terceiro ou terceira. Então coisas assim, por exemplo, eu mantenho, talvez não tivesse necessidade plena de ter uma empregada regular, de segunda a sexta-feira, mas eu mantenho porque essa senhora começou com a Adelaide e todos esses anos juntos agora a filha dela até vai se casar, é uma reciprocidade que a gente acha. Mas no mais é isso, a realização já aconteceu das principais contas, filhos, netos netos é uma dádiva porque você acostuma eles mal e joga pros pais agora, os filhos não, você fica ali pegando firme.
P/1 – O que você achou dessa experiência de contar a sua história de vida pro Museu da Pessoa?
R – É, eu não me sinto muito qualificado, assim, pra uma avaliação mais precisa mas de qualquer forma, vamos dizer, pra quem presta a coisa, eu to me sentindo, assim, muito bem, é uma coisa que você faz esses retrospectos todos que são, sei lá, realmente eu to tendo uma sensação boa. Isso tá um pouco também aliado, que eu comecei, recém comecei a escrever, tentar escrever a minha história, cuja coisa pronta que eu tenho é só o título que é “Cidadão Comum”. Eu to, vamos dizer, eu to procurando escrever assim, eu me lembro de uma época, vamos dizer, dos dez aos15, então é isso, aí depois dos 40, mesmo que salteados eu to procurando registrar pra depois retornar e tentar dá uma ordem não sei se eu vou conseguir, mas eu vou tentar então eu acho que é isso.
P/1 – A gente queria agradecer a sua bonita entrevista, obrigada.