Antonio Lisboa menciona o fato de sua mãe ter sido professora informal das crianças do local em que nasceu. Ele próprio foi alfabetizado em casa, pelas irmãs, e só mais tarde, já no Distrito Federal, passou a estudar em escolas regulares. Fez o curso de Geografia e tornou-se professor. Filiado ao SINPRO-DF, logo envolveu-se na militância sindical. Entrou na rede pública em 30 de abril de 1986 e, no dia 1º de maio, uma assembleia decretou greve dos professores. Começou ali a sua trajetória de lutas.
Desafio para as novas gerações
Autor:
Publicado em 26/01/2022 por Wini Calaça
Entrevista de Antonio Lisboa
Entrevistado por Luiz Egypto
01/04/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV016
Transcrito por Aponte
0:00
P/1 – Bom dia professor! Eu gostaria que o senhor começasse dizendo, por favor, o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R – O meu nome é Antonio de Lisboa Amâncio Vale, eu nasci no sertão cearense, no município de Tauá, num sítio no município de Tauá, no sertão dos Inhamuns do Ceará, em 12 de agosto de 1957.
0:47
P/1 – O nome dos seus pais, por favor?
R - Meu pai Agostinho Amâncio Ferro, minha mãe Raimunda Amâncio Vale.
1:00
P/1 - Qual era a atividade do seu pai?
R - O meu pai era produtor rural, pequeno produto rural, mas mesmo de agricultura familiar, era agricultor familiar.
1:16
P/1 - E a sua mãe?
R - A minha mãe também, agricultura familiar e dona de casa.
1:30
P/1 – Qual era a agricultura que o seu pai praticava com mais assiduidade?
R - Nós como eu disse, nós somos do sertão cearense, isso no século passado, então meu pai produzia, minha família produzia agricultura de subsistência, o arroz, o feijão, criava alguns animais, carneiros, cabritos, galinhas e plantava milho também, e era a partir daí que a nossa família tirava a sua subsistência, uma típica família de agricultores familiares do sertão nordestino, com suas dificuldades todas, enfim, era isso, um pequeno produtor, um agricultor familiar do sertão do Ceará. Sertão semiárido do Nordeste.
2:33
P/1” Apenas um, eu conheci meu avô paterno, a minha avó materna faleceu a minha mãe tinha, acho que seis meses de idade, então a minha mãe foi criada pela minha tia mais velha, irmã mais velha dela. E depois o meu avô materno também faleceu, antes de eu nascer, e a minha avó paterna também. Então eu conheci apenas o meu avô paterno, e faleceu eu tinha nove anos, oito para nove anos, mas eu me lembro bem dele.
3:16
P/1 - E você lembra dos nomes dos avós, dos quatro avós?
R - Meu avô paterno chamava-se Benedito, não sei o nome completo, Benedito Ferro, a gente até tem uma história, a minha avó materna chamava-se Jardelina, o meu avô materno chamava-se João, inclusive porque meu irmão tem o nome dele, e a minha avó materna, que essa que faleceu quando a minha mãe tinha seis meses de idade, chamava-se Maria.
4:10
P/1 - Qual era a história que se contava do seu avô, que o senhor se referiu aí de passagem?
R – Então, da parte da minha da minha mãe, o meu avô ele vem de uma... Existe até um livro de que no início do século XIX, eles teriam vindo da região da Andaluzia, ou mesmo do Sul de Portugal, então vieram três irmãos, tem um livro sobre isso, três irmãos vieram para o Brasil e foram eles que trouxeram, digamos assim, a família Vale para o Brasil. Então um teria ficado no Ceará, o outro teria ido para o Rio de Janeiro, e outro teria ido para Minas Gerais, se não me engano, isso no início do século XIX, final do século XVIII. E o meu avô paterno, materno, ele também era agricultor familiar, também produzia agricultura de subsistência como acontece até hoje lá no interior do sertão cearense, a minha avó materna, também dona de casa. No caso do meu avô paterno, ele era artesão, além de agricultor familiar ele era artesão, já naquela época produzia muitas coisas, arreio para animais, porque a gente tem que imaginar isso, como eu disse no século, na virada do século XIX para o século XX, e ele era, portanto como disse, além de agricultor familiar, no caso dele tinha uma pequena fazenda e também, além disso, ele era artesão. As mulheres naquela época tinham a sua... A principal tarefa das mulheres era cuidar da casa, cuidar da família, as famílias eram sempre muito grandes e, portanto, a tarefa que sobrava para as mulheres muitas vezes era como disse, ajudar na colheita, no plantio, de cuidar dos animais e também cuidar da família. A minha mãe no caso, ela chegou a ser professora, tanto meu pai quanto minha mãe eles eram autodidatas, foram autodidatas, e a minha mãe na juventude dela chegou a ser professora, alfabetizadora naquela região, naquele momento, naquela época não havia professor concursado, não havia rede pública de ensino, não havia nada, na verdade as pessoas iam se alfabetizando, quando conseguiam se alfabetizar, a partir de uma pessoa que era filha, geralmente filha de uma família amiga, e que muitas vezes os fazendeiros contratavam que geralmente era uma adolescente, para poder ir também alfabetizando os filhos dos vizinhos, da vizinhança dos sítios vizinhos. Então é um pouco isso, de um lado eu tenho uma origem muito ligada ao campo, à produção agricultura familiar e tem essa coisa, de que meu avô paterno era também artesão, minha mãe chegou a ser professora nessas condições, de início, da primeira metade do século XX, ela era autodidata e acabou sendo também por algum tempo professora das crianças da região, não havia nenhuma presença do estado naquele momento, naquela época, em termos de serviço público.
8:23
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Tenho, na verdade nós somos oito, seis mulheres, uma faleceu de covid agora no ano passado, e dois homens, e eu sou o mais novo, na verdade eu sou o que se chama de raspa de tacho. Eu nasci já quando, enfim, por acaso, para você tenha uma ideia, a diferença entre eu e meu irmão que é o próximo, é de oito anos, entre o meu irmão e eu também nasceu uma criança, uma menina, que faleceu também recém-nascida, então nós somos oito, éramos até recentemente, seis mulheres e dois homens, sendo que eu sou o mais novo, na verdade como eu disse eu nasci por acaso, eu acho que eu sou um acaso da vida na verdade, não era para ter nascido não, minha mãe tinha 44 anos quando eu nasci e meu pai 49, isso ainda no finalzinho dos anos 1950. Nasci de parteira, minha mãe quase morreu essas coisas todas.
9:42
P/1 - As crianças tinham obrigações na casa, sua mãe dava obrigações domésticas à garotada, tinham tarefas a cumprir?
R – A certamente, todas tinham, todas as crianças tinham. Que geralmente eram, ou cuidar dos mais novos, no meu caso eu fui cuidado por todas as irmãs, porque quando eu nasci as minhas irmãs... A minha irmã mais velha casou no ano em que eu nasci, eu tenho uma sobrinha que na verdade é da minha idade, aliás, tenho alguns sobrinhos que eu até os tratos como irmãos, porque são da minha idade, então nós crescemos juntos. E todas as tarefas eram ou ajudar a cuidar dos mais novos ou ajudar na casa mesmo, até mesmo ajudar na roça, então todos eles tinham a obrigação de ajudar no trato da sobrevivência. E o meu irmão também, ele trabalhava na roça até os 18 anos, então estudava, trabalhava, mas tinha que ajudar na casa, porque nós éramos oito, o sítio era muito pequeno, que dizer, não é que fosse muito pequeno, mas em função de você naquela época não tinha... Primeiro que não tinha nenhum tipo de ajuda governamental, zero, e também porque como a gente sabe, como vocês sabem, o sertão cearense sofre muitas vezes com a estiagem, secas e tal, então tudo isso gera até hoje, naquela época gerava muito mais, uma dificuldade muito grande para produzir, criar condição para que as famílias pudessem sobreviver. Agora eu como nasci bem depois, eu acabei não tendo, eu praticamente não tinha nenhuma, aliás, eu fazia atribuições, mais como diversão, tem a coisa da criação mesmo, ou seja, nunca tive nenhum tipo de obrigação, tive uma infância absolutamente tranquila e tal.
11:59
P/1 – Como é que essa garotada se divertia, quais eram as brincadeiras favoritas?
R – Eu não sei, porque assim, a gente, as brincadeiras imagino que fossem, bonecas para as meninas, sinceramente eu não me lembro, porque quando eu nasci elas já eram moças. E o meu irmão brincava sei lá, naquele tempo não havia muitas brincadeiras, na verdade brincar com os animais, não sei, sinceramente não sei, não sei exatamente quais eram as brincadeiras que eles tinham na infância. Eu na verdade, por exemplo, embora pequeno eu sempre gostei muito de animal, meu pai tinha cavalo, então eu gostava muito de tocar os animais com ele, essa coisa né. Muitas vezes ia para a roça com ele, importante a gente dizer que não chegava a ser trabalho infantil, porque o trabalho infantil ele é quando a criança é obrigada a trabalhar, então eu ia me divertir, participava, um pouco isso, tive uma infância, uma criança de roça, não tinha brinquedos como se tem hoje, não havia rádio, não havia televisão.
13:34
P/1 – E sua primeira escola professor? Qual foi a sua primeira escola?
R – Eu também fui alfabetizado pelas minhas irmãs. Assim como a minha mãe que foi autodidata e que acabou virando professora, as minhas irmãs todas estudaram, inicialmente com a minha mãe, foram alfabetizadas pela minha própria mãe e depois elas viraram também professoras, nessa condição, incialmente, elas eram, digamos assim, pessoas de fazendas, até mesmo famílias amigas que moravam relativamente próximos, pediam ao meu pai e minha mãe, para que uma delas pudesse ir lá, e aí eles faziam uma turma de criança de alfabetização, aí elas alfabetizavam. Eu fui alfabetizado nessa condição, eu aprendi a ler e escrever dentro de casa. Bom, depois disso, duas das minhas irmãs, viraram de fato professoras, a segunda mais velha, hoje ela mora em Fortaleza é professora aposentada. Ela estudou, se formou, fez mestrado, essa coisa toda e virou professora universitária. E tem uma outra, que também virou professora do Estado do Ceará, isso no finalzinho da década de 60, chegou a ser professora. Aí já havia por parte do Estado alguma iniciativa no sentido de contratar professores, ela virou professora. Mas o fato é que eu fui... Até a minha quarta série eu estudei, quarta série naquela época, que continua a mesma coisa, o quarto ano do primário, até o meu quarto ano primário eu estudei com as minhas irmãs. Aí eu vim para Brasília, quando eu vim para Brasília já me matriculei no quinto ano. Aí foi que eu fui para uma escola, uma escola regular, por assim dizer, mas desde a alfabetização até o quarto ano primário eu estudei com as minhas irmãs.
15:45
P/1 - O que motivou a vinda para Brasília? A família inteira veio para Brasília, como é que foi essa história?
R – Então, o motivo foi o de sempre, a migração do sertão, das famílias sertanejas para as grandes cidades, que nós temos até hoje, contar um pouco assim. O meu bisavô, meu bisavô paterno, ele era uma pessoa, lá para o século XVIII, sei lá, ele era considerado um homem muito rico e naquele tempo riqueza, obviamente, até hoje de certa forma é, mas naquele tempo riqueza no sertão, sertão nordestino, no semiárido nordestino, era medido pela quantidade de terra que as pessoas tinham. Então meu bisavô tinha muita terra, meu bisavô paterno. E eu até contava muito isso para os meus alunos, quando ia falar dessa questão da reforma agrária, da estrutura agrária brasileira. E eu contava uma história, e ela é verdadeira, meu bisavô tinha muita terra, mas ele teve 32 filhos com duas mulheres, e na verdade não foi uma e depois outra, ele tinha uma mulher, a esposa dele, mais um amante, de cada uma teve 16 filhos. E a minha avó paterna, ela era filha da amante do meu bisavô, um dos 16 filhos do amante do meu bisavô e acabou recebendo uma parte da herança em terras, então ele dividiu. Eu costumava dizer para os meus alunos, ele tinha muita terra, mas ele acabou dividindo toda a quantidade, a extensão de terras que ele tinha, dividiu por trinta e dois, então a minha avó recebeu um trinta e dois avos das terras do meu bisavô. Só que a minha avó, mãe do meu pai, teve nove filhos, então ela teve que dividir um trinta e dois avos que ela havia recebido, por nove, então meu pai recebeu um nono do um trinta e dois avos da minha avó. E teve mais oito filhos, então não tinha jeito, ou seja, não tinha como sobreviver, então a saída foi vim para Brasília, porque nos sinceramente não tínhamos a menor condição de sobreviver, porque a divisão das terras foi exatamente isso. Um cara que era rico que dividiu por 32, um dos 32 dividiu por mais nove, e esse nono teria que dividir por mais oito, então para mim não sobraria nada, pra mim e para os meus irmãos, é uma história engraçada. Mas isso é uma realidade, nós na verdade fomos o que chamava naquela época de retirantes. Agora também tinha uma preocupação que era questão da educação, como eu disse a minha mãe, meu pai era autodidata, tanto um como outro, aprenderam a ler sozinhos e sempre foram, buscaram a leitura, essa coisa toda. E tinham a preocupação também com a educação dos filhos, então além das questões relativas à estrutura fundiária que nós nos metemos, também havia uma preocupação com a educação, então foi por isso que nós viemos para Brasília. Quase todos, com exceção de uma irmã que ficou, já era casada, que é essa que depois virou professora da educação básica, depois professora universitária, que mora no Ceará até hoje, não veio para cá, todos os outros vieram para Brasília.
20:06
P/1 - E como é que foi a viagem de Tauá para Brasília? E que Brasília vocês encontraram aqui?
R – Primeiro a viagem foi muito engraçada, porque naquela época, eu me lembro, isso foi dia 20 de janeiro de 1970, e a gente, não havia, por exemplo, digamos, linhas regulares de transporte, transporte aéreo nem pensar naquela época, até porque não tínhamos dinheiro para pagar o transporte aéreo, se hoje é caro, imagina naquela época, mas não havia uma linha regular, linhas regulares de transporte terrestre do sertão para Brasília, então às vezes sai um ônibus por semana, dois por semana, um a cada 15 dias, dependia da quantidade de passageiros, de passagens que eles vendiam. Então eu me lembro que nós saímos de lá no dia 20 de janeiro, das terras do meu pai, e aí fomos parando, paramos numa cidade chamada, que era uma cidade importante no interior do Ceará que chama Crateús, depois fomos para o interior do Piauí, eu sei que nós chegamos aqui em Brasília dia 3 de fevereiro, ficamos 13 dias para chegar aqui em Brasília. Chegamos aqui no dia 3 de fevereiro, era um sábado de carnaval, e assim, era Brasília naquela época, 1970, muito diferente do que é hoje, mas já com a estrutura, digamos assim, espacial que nós temos hoje. Então já havia o Plano Piloto, não sei se você conhece bem aqui, já havia o Plano Piloto de Brasília, a Catedral, os prédios, os principais monumentos, uns já estavam construídos, outros estavam em construção, e as cidades satélites, as mais antigas já existiam. Então nós chegamos aqui, fomos morar no Gama que é uma cidade satélite aqui. Antes disso, só explicar, nós viemos todos para Brasília, mas não viemos juntos, o meu pai veio aqui em 1968, para olhar e tal, nós tínhamos já muitos parentes aqui, nós somos uma família grande, especialmente a família da minha mãe, e que tinham vindo para construção de Brasília. E ele veio aqui para olhar e tal, em 1968, quando foi em 69, início de 69, meu irmão e duas das minhas irmãs vieram. Então esses três vieram antes, um ano antes. Compraram uma casinha no Gama, que é uma das cidades Satélites de Brasília, então quando nós chegamos, já fomos para o Gama, para essa casinha. Era uma dessas casas populares, na época o sistema publico de habitação produzia. A cidade era muito diferente do que é hoje, mas ela tinha já o seu arranjo espacial.
23:25
P/1 – E como é que era essa casa onde vocês foram morar? Você pode descrever a distribuição dos cômodos?
R – Essa é outra história engraçada, porque no sítio do meu pai nós tínhamos uma casa, ele construiu uma casa simples, mas muito boa, espaçosa, então tinha 5 quartos, 2 salas, então todo mundo tinha, todo mundo dormia em rede é verdade, até hoje muita gente ainda dorme, mas enfim, era uma casa grande, espaçosa, tipo casa de fazenda, digamos assim. E quando a gente veio para Brasília, essa casa era uma casa de zero quartos, então o tamanho da casa era o tamanho do meu quarto, por exemplo, que eu tinha uma criança. Então eu lembro que eu entrei, sábado à noite vi aquela coisa assim, bom, isso deve ser a sala, sai procurando o resto da casa e não tinha mais o restante da casa. Então imagina aquele monte de gente numa casa de zero quartos. Mas enfim, são essas coisas né.
24:43
P/1 – E como é que o senhor deu seguimento aos seus estudos, já instalado no Gama?
R – Então assim, isso foi em fevereiro de 1970, já no início, a primeira atitude que as minhas irmãs... Também tem uma outra coisa para explicar, o meu pai ficou no Ceará em 1970, porque ele precisava cuidar das terras e tal, ele só mudou depois para Brasília em 1971, depois de vender as terras, a propriedade. E aí a minha mãe veio com a gente, depois ela voltou um tempo para lá ainda. Mas a primeira medida que as minhas irmãs tomaram foi me matricular numa escola aqui da rede pública. Então eu passei a estudar, isso em 1970, fiz a quinta série, depois, naquela época você ia até a quinta série, depois vinha o chamado ginásio, que era o primeiro, segundo, terceiro ano ginasial. E aí fez a quinta série, me lembro que que estudava, a gente chamava até bem recentemente aqui em Brasília, no “horário da fome”. Como não havia escola para todo mundo, para a demanda, então você tinha três turnos aula, três turnos durante o dia 7h às 11h, de 11h às 2h e de 2hs às 17h, eu me lembrava que estudava no horário intermediário, entrava às 11h da manhã. No ano seguinte eu fui para uma escola que acabou sendo a escola que eu fiz toda a minha educação básica, que é a principal escola do Gama, Escola Pública do Gama, a mais famosa, aí estudando de manhã. Mas já a partir de 72 eu passei a estudar à noite, então desde do que seria hoje a sétima série, desde os 13 anos eu estudei a noite, sempre, porque precisava trabalhar e tal, então um pouco isso, mas sempre, nunca parei de estudar.
27:14
P/1 – Algum professor ou professora que tivesse marcado a sua lembrança?
R – Certamente, além das minhas irmãs, que as que mais marcaram minha lembrança, eu inclusive tinha uma irmã, tinha não, tenho, que foi uma das que viraram professoras, ela era muito exigente, era uma professora muito exigente, e ela exigia, isso ainda lá no Ceará, ela exigia que eu fosse, eu tinha que ser o melhor aluno da sala, porque era o irmão dela. E aí a gente estudava numa vila que ficava perto das terras do meu pai, algo como 12 km, então nós íamos toda segunda-feira cedinho, ou no domingo, passávamos a semana, elas dando aula e eu estudando, então passava a semana inteira e eu ficava desesperado para chegar na sexta-feira para voltar para o sítio, então muitas vezes eu fazia, tinha prova geralmente na sexta-feira, eu sabia a prova inteira, mas não queria responder todas as questões, para poder acabar logo para poder voltar, algumas vezes eu fiz isso, eu me acordo isso, eu ficava tão desesperado para voltar para o sítio, que eu não tinha paciência para responder a prova. Então respondia aquilo que era suficiente e vazava, mas a minha irmã era muito exigente, então ela ficava, uma das minhas irmãs, porque eu estudei primeiro com uma e depois com a outra, então elas são as professora mais marcante que eu tenho são as minhas irmãs. Depois a minha professora, a professora Deusulita , que foi a minha primeira professora em Brasília, ela também tinha, era engraçado, porque ela também era de uma família grande, que tinha acabado também de chegar em Brasília, só que nós tínhamos chegado vindos do Ceará, e eles tinham vindo do interior de Minas Gerais, e as famílias acabaram ficando conhecidas, eu virei amigo dos irmãos dela, então é a professora mais marcante, fora as minhas irmãs. E tem também um professor, esse eu não me lembro do nome dele, professor de matemática que me reprovou em matemática, isso foi 1974, 75, isso eu já estava de noite, 74 eu acho, que era esses professores autoritários, felizmente isso hoje é muito pouco, mas ainda existe, que aquela mania de você estabelecer poder sobre o aluno pelo conhecimento, mas aí eu acabei sendo reprovado em matemática, mas eu não me lembro sinceramente, lembro da reprovação, mas não me lembro do nome dele, fora isso não tive assim, depois na Universidade, faculdade tal, claro, mas desse período um pouco isso.
30:46
P/1 - O que é que o garoto Antônio queria ser quando crescesse?
R – Rapaz, primeiro a minha mãe queria que eu fosse padre, porque as famílias tradicionais, famílias religiosas no nordeste, famílias grandes, tinham que ter um padre, isso acho que até hoje ainda tem um pouco essa cultura, claro que muito menos, minha mãe queria que eu fosse, nunca tive, digamos assim, tendência para isso. Mas assim, no interior, eu queria ser, sei lá, músico, meu bisavô paterno também era músico, o pai do meu avô paterno era músico também, eu queria ser músico, tocador de sanfona, porque era o instrumento que eu conhecia lá, clarineta, coisa parecida, essas coisas de criança, motorista de caminhão. Mas aí quando eu vim para Brasília, você tem aquela coisa, menino com 12 anos, me apaixonei pelo futebol, queria ser jogador de futebol como qualquer criança, qualquer menino daquela idade. E depois passei a estudar, eu queria fazer geologia, quando comecei a entender as coisas, queria fazer geologia, mas infelizmente não fiz, até porque naquela época a Universidade de Brasília não tinha curso noturno, os cursos noturnos da UnB foram já agora no finalzinho da década de 90, então eu não tinha como fazer geologia, porque tinha que trabalhar. Então eu acabei virando professor, mas também, um pouco isso, eu na verdade, a minha relação com magistério já foi já depois de adulto, apesar de vir de uma família como disse de professoras e tal.
33:09
P/1 – O senhor disse que estudava à noite por conta da necessidade de trabalhar, qual foi o seu primeiro trabalho?
R – Na verdade eu comecei, o meu primeiro trabalho foi trabalho na rua, eu fui vendedor de picolé, vendia picolé, naquela época não era como é hoje, que você tem Kibon, essas coisa, eram pequenas sorveterias que existiam aqui, no país inteiro eu imagino, mas especialmente aqui em Brasília tinha muitas, eram pequenas sorveterias que faziam picolés artesanais e as crianças, os meninos, passavam para vender, isso foi a partir de 1971, eu tinha 13 anos, 71, 72, eu vendia todo dia, já estudava à noite e vendia picolé durante o dia. Eu costumo brincar que eu era um ótimo vendedor de picolé, porque naquela época, por exemplo, os meus livros eu comprava com o recurso, com o lucro que eu tinha vendendo picolé. Depois aos 14 anos eu fui trabalhar no antigo Jumbo, que é da rede Pão de Açúcar, eu era empacotador do Jumbo, a minha carteira profissional, a minha primeira carteira profissional foi assinada eu tinha 14 anos. Então já desde os 14 anos que eu passei a ter trabalho formal, digamos assim. Então trabalhei no antigo Jumbo, por dois anos e meio, depois eu fui demitido, tinha um pouco de rebeldia já naquele momento, imagina isso durante a ditadura, depois fui demitido, fiquei um bom tempo desempregado, já aos 17 anos e tal, depois fui servir a aeronáutica, e por ai vai. Mas o fato e que eu comecei como vendedor de picolé, e depois, já com 14 anos, eu tive emprego formal, carteira assinada, essa coisa toda, tanto é quando eu fui me aposentar, sobraram eu que uns 2500 dias de trabalho formal, eu até costumo brincar com meus amigos, dizer que eu vou botar na bolsa e oferece no mercado aí, quem quiser se aposentar eu ofereço 2500, 2700 dias que sobraram da minha aposentadoria, eu não tinha idade para isso.
35:41
P/1 - E como é que deu a sua aproximação com magistério, qual foi a química que o fez se aproximar da sala de aula?
R – Então, na verdade assim, como eu disse, o meu primeiro, digamos assim, a profissão que primeiro me alentou, digamos assim, o que eu pensava em fazer, foi fazer Geologia, mas como eu disse, naquela época não havia, acho que nem hoje há, a certos cursos das universidades públicas que só tem durante o dia, portanto os filhos dos trabalhadores não conseguem fazer até hoje, muitos deles. O de Geologia, por exemplo, a UnB naquele tempo não tinha curso nenhum, então ou você estudava na universidade pública, dava um jeito de se virar, ou não estudava, no meu caso eu não tinha como parar de trabalhar, até porque eu também ajudava em casa, na manutenção da casa, todas as minhas irmãs, meu irmão, todos tinham empregos com salário muito baixo, naquela época. Aí eu queria fazer Geologia, mas não tinha como fazer, falei: bom, o quê eu vou fazer? Sempre gostei dessa história de minérios, essa coisa toda, da natureza, espaço, vou fazer geografia e depois eu viro professor, um pouco isso. Aí fui e fiz vestibular para geografia. Foi a partir daí que eu virei professor, logo depois eu me formei, fiz concurso, aí depois deixei os empregos que eu tinha e optei por ser professor.
37:42
P/1 - Como se deram as suas primeiras aproximações com movimento social? Como é que essa aproximação se deu?
R –Então, como eu disse, o meu pai ele foi fundador do sindicato, eu não me lembro se ele chegou a ser dirigente, mas ele foi fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais no município de Tauá, lá no Ceará, o presidente do sindicato era meu tio, isso eu tinha o quê? Eu era, como eu disse, eu nasci meu pai já era um homem virando 50 anos, e eu me lembro muito pouco disso. Mas meu pai sempre teve uma, digamos assim, tanto o meu pai, quanto a minha mãe, tiveram sempre uma visão, digamos assim, arejada da realidade social. Então a primeira coisa foi isso, eu sou filho de um agricultor, mas um agricultor que tinha, digamos assim, participação no sindicato, fundou o Sindicato dos Trabalhadores e tal. E eu sempre tive naturalmente, sei lá, como eu brinquei com você, uma certa rebeldia, então quando eu trabalhava no Jumbo, na rede Pão de Açúcar, isso era o que? 74! Nos estávamos no meio da repressão, e obviamente que eu não sabia do que acontecia na repressão, e se havia pessoas sendo presas, desaparecendo, torturadas, mas sim, tinha uma certa, a forma como os chefes nos tratava, essa coisa toda, eu acabava meio que me revoltando, e acabei sendo demitido, eu tinha nessa época 16 anos. Aí depois eu fui, como eu disse, fiquei um ano e pouco desempregado. Eu tinha um cunhado que vendia roupa na feira, nessas feiras livres, eu ajudava a vender. Aí fui servir à aeronáutica, fiquei um ano na aeronáutica com soldado. Depois eu sai, e fui trabalhar na Infraero, essa empresa de administração de aeroportos aí, até hoje, fiquei 8 anos na Infraero, de 78, 7 anos e meio mais ou menos, a empresa era uma empresa paramilitar naquela época, porque todos os gerentes, diretores, presidentes, todos eram militares da reserva, da aeronáutica, brigadeiros, coronéis, essa coisa toda, e a gente, enfim, havia, especialmente as camadas mais baixas da empresa, civis, e também naquele momento a gente, que dizer, começava a sentir, porque as pessoas não participam e tal. Foi onde começou, por exemplo, nós fundamos a Associação, naquele tempo não podia funda Sindicato, isso era 70, início dos anos 80, antes da Constituição ainda, não havia possibilidade, a empresa era uma empresa estatal, não podia abrir sindicato a gente criou a Associação dos Servidores. Então foi a primeira relação que eu tive com os movimentos sociais, naquele momento. Eu saí daí Infraero porque quis depois, mas eu não fui demitido, de um lado porque eu fazia naquela época um trabalho muito especializado, um trabalho técnico muito especializado, eu trabalhava nessa questão de tarifas aéreas, cálculo de tarifas aéreas, que naquele tempo era tudo feito manualmente, seja, quanto é que um avião paga quando tá voando, quando pousa, quando embarca um passageiro, essa coisa toda. Então eu fazia um trabalho técnico muito especializado, que pouca gente sabia fazer, e também eu tinha um chefe, que era um coronel reformado, coronel aposentado da aeronáutica, mas um cara absolutamente arejado gostava de escrever, eu também naquela época já escrevia alguma coisa, eu nunca era promovido, mas também não fui demitido. Então foi lá que eu comecei efetivamente a trabalhar com, digamos assim, ligado a alguma coisa coletiva. Ao mesmo tempo estudava à noite na faculdade, tinha participação, nunca fui membro, dirigente, diretor do centro, na época era diretório acadêmico. Mas eu sempre participava, ajudava os colegas, porque os meninos, as meninas, a minha companheira inclusive participou, todos eles eram, assim, quem militava mais dentro da direção do movimento estudantil, eram estudantes que tinham tempo né, geralmente estudantes que não trabalhavam. Porque o movimento estudantil até hoje... Naquela época exigia muito, muito tempo, então eu nunca tive um cargo de dirigente do movimento estudantil, mas sempre participei, digamos dando apoio participava das reuniões, contribuía, era como eu digo dos meus colegas, eu era a base deles naquela época. Então foi um pouco isso, um pouco no trabalho, na Infraero, no início dos anos 80 e também na faculdade.
44:07
R - E no momento em que assume o magistério como atividade principal, já se aproximou do SINPRO imediatamente, ou foi um processo mais lento?
R – Não, eu me aproximei, eu não diria que eu me aproximei do SINPRO imediatamente, mas eu me filiei, eu entrei no dia 30 de abril, que eu entrei na rede pública, no dia 30 de abril de 1984, e no dia primeiro de maio teve uma assembleia que decretou greve. Eu já fui diretamente para a greve, então eu já entrei, eu e vários outros, a minha geração acabou produzindo muitos líderes aqui no sindicato, líderes sindicais. Mas eu me lembro que eu entrei no dia 30 de abril, fui me apresentei na escola, isso era uma sexta-feira se não me engano, aí no dia primeiro de maio, que era um sábado, teve uma assembleia que decretou a greve. E eu já entrei na greve também, não fui nessa assembleia. Porque também tem outro detalhe que eu acabei não dizendo, nesse entre sair da Infraero e virar Professor, eu trabalhei numa empresa comercial, de propriedade da família da minha companheira, o meu sogro me chamou, e eu fiquei trabalhando lá um ano e meio, sendo que um ano só lá e meio ano, perdão, meio ano só lá, e um ano combinando, durante o dia eu trabalhava na empresa comercial e à noite eu dava aula. Então quando foi em 1986, eu resolvi deixar a empresa e assumir o magistério, mas eu fiquei um ano e meio trabalhando, aliás um ano trabalhando, trabalhava numa empresa comercial, dava aula à noite. Então nesse período eu não tinha, digamos assim, esse um ano eu não tinha muita participação no sindicato, eu ia às assembleias quando eram aos sábados à tarde, porque sábado de manhã eu trabalhava na empresa, quando as assembleias eram nos sábados à tarde eu ia, e claro, ajudava na escola, estudava a noite com os professores do noturno. Aí foi quando eu deixei a empresa e virei professor é que eu comecei, digamos, a atuar, mas foi muito depois, mas o fato é que eu me liguei no sindicato já de imediato, como eu disse, entrei em um dia no outro dia já entrei na greve.
47:01
P/1 - E como é que o senhor se tornou uma liderança nesse processo? Como é que deu-se esse caminho até ter um cargo formal na diretoria?
R - Foi relativamente rápido, porque como eu disse em 87, em 1987, eu passei já no ano de 1987, eu passei... Perdão, eu dei uma informação errada, seu nome é?
47:47
P/1 – Meu nome é Luiz.
R – Desculpa Luiz, desculpa! Então Luiz, me falhou a memória aqui. Eu entrei na rede pública em 1986, eu tinha falado aí 84, perdão! 1986, então durante ano, seis meses, de abril a dezembro de 1986, aí corrigindo as informações, de abril a dezembro de 86 eu trabalhei, foi esse período, eu trabalhava durante o dia em uma empresa privada, uma empresa de distribuição de materiais de segurança industrial, essa coisa toda e a noite eu dava aula. Aí quando foi em dezembro de 86, eu me afastei da empresa, quando sai de férias me afastei da empresa e voltei em 1987 já para assumir o magistério. Assumir com exclusividade o magistério, isso foi em 1987, tinha havido a greve de 86, que como eu disse eu fiz a greve, mas não tive atuação na greve, atuação, digamos assim, militante na greve, porque eu trabalhava, tinha outro emprego. E aí em 87 surge, eu entro já no processo de, enfim, nós tivemos naquele ano de 87 uma greve muito forte. E aí eu já estava exclusivo na rede, já entrei nos movimentos, fazia os piquetes, participava das assembleias, eu na verdade, aí já não era no Gama, estava lá em Ceilândia ia nas assembleias regionais, entrei no comando de greve da Ceilândia, enfim, eu entrei nesse processo todo. Então quando, ou seja, terminou a greve eu já era uma pessoa conhecida no movimento, relativamente conhecida no movimento, especialmente na cidade de Ceilândia, que é até hoje a maior cidade do Distrito Federal, que tinha o maior número de escolas, eu já terminei a greve de 87, em maio de 87 eu já era relativamente conhecido, já era um militante, foi à greve de 1987, que digamos assim, que me iniciou efetivamente na direção do movimento. E aí quando foi em 88, eu fui eleito na assembleia para membro da comissão de negociação, que é uma tradição do nosso sindicato, então já fui eleito em voto da assembleia para comissão de negociação, e já falava nas assembleias, já negociava com o governo, já fazia parte da comissão que negociava com o governo. E quando foi em 89 houve a eleição do sindicato, e eu entrei na chapa vencedora, na verdade aqui sempre tem mais uma chapa, naquela época foram três chapas, três chapas, então eu entrei na chapa que venceu as eleições. E aí um pouco isso, então é uma coisa que aconteceu de forma natural, eu acho, mas, ou seja, porque eu desde o início de 87 que eu comecei a militar, então teve uma greve, fui fazer a greve, fui ajudar no piquete, na greve, falava nas assembleias regionais, depois, enfim foi um caminho natural. Então quando foi em 89 eu entrei.
51:33
P/1 – O senhor entra para a direção do sindicato no momento em que o SINPRO decide por uma reforma estatutária e sai daquele esquema presidencialista de direção para uma direção colegiada, como é que foi esse processo? O senhor participou disso?
R – Então, eu inclusive na assembleia, isso foi se não me engano, 15 de fevereiro de 1989, que houve a assembleia que decidiu mudar o estatuto para decisão colegiada, e foi uma assembleia muitíssimo tensa, porque havia um setor de vários companheiros e companheiras, que eram contra a transformação do esquema presidencialista em colegiado. E aí na hora da votação, então foram três defesas pela mudança do estatuto, e três contra a mudança no estatuto, eu fui um dos três que defendeu o colegiado. Então esse é um momento marcante para mim, porque eu estava, estive no meio exatamente, no meio da disputa, me lembro que foi eu, um companheiro que hoje não é professor mais, chamava João Carlos, depois ele virou dirigente do sindicato também, depois saiu, trocou a carreira, no poder judiciário eu acho, e a própria companheira Lúcia Carvalho, que era a presidente então, que depois virou deputada, eu acho que você até já entrevistou ela. Essa questão da mudança, eu estava no olho do furacão, fui um dos três que defendeu a mudança na assembleia, primeiro uma assembleia muito tensa.
53:42
P/1 - Decisão tomada, como é que essa decisão se refletiu na prática, ali no trato com a base, nas mobilizações subsequentes, como é que ela se refletiu?
R – Na verdade naquele tempo, nós, eu acho que a gente precisa entender colocar isso no contexto histórico. Nós estamos ali no final da década de 80, nesse caso, finalzinho da década de 80, início da década de 90, o movimento sindical vinha ainda numa ascensão muito forte, que vem lá do final da década de 70 com as grandes greves do ABC, da organização da CUT. Então a gente queria mexer na estrutura sindical e nós entendíamos que acabar com o presidencialismo dos sindicatos, digamos assim, era democratizar efetivamente o sindicato. Depois essas coisas acabaram demonstrando que a realidade não é bem essa, que não é só o colegiado, que você não precisa necessariamente criar um colegiado para transformar um sindicato, para que o sindicato seja democrático. Mas a gente naquele momento achava o seguinte: olha, mais pessoas, que dizer, você trabalha num colegiado você horizontalizado as decisões, você dá mais oportunidades à que novas lideranças apareçam, e que os debates sejam mais horizontais e, portanto, ter uma relação mais próxima com a categoria. Então o nosso sindicato foi o primeiro sindicato que eu me lembre, eu estou tentando aqui buscar na memória, mas tenho quase certeza disso, foi o primeiro sindicato que aprovou a direção colegiada. E talvez seja a mais horizontalizada das direções colegiadas que eu conheço no país. Isso evidentemente que gerou muita polêmica, até hoje gera, porque tem muita gente até hoje que não entende como é que não tem... Que você não tem um presidente ou uma presidenta gerou muita polêmica na base da categoria, mas acabou sendo, se transformando numa realidade, que veio até hoje. É fato também que naquele momento a direção colegiada, a motivação da defesa do colegiado, claramente era um pouco isso, a gente querer mexer com a estrutura do Sindicato, da estrutura sindical que vinha, e até hoje tem muitas delas, que vinha ainda do modelo do Ministério do Trabalho, do horizontalizado preestabelecido pela Justiça do Trabalho, de como os sindicatos deviam ser organizados. Mas é claro também que havia outros interesses, interesses políticos de lideranças que achavam, olha, se a gente colocar no colegiado aqui tem espaço para todo mundo, se não tiver, só tem vaga para Presidente uma, isso permeável também nas discussões, mas o objetivo principal foi esse, foi tentar horizontalizar e democratizar, e a relação com a categoria foi um primeiro momento uma polêmica, depois acabou-se se concretizando. E fato que depois, nas eleições seguintes, foi em fevereiro de 89, quando foi em maio houve a eleição, então a chapa, a direção rachou. O pessoal que havia defendido a manutenção do presidencialismo montou uma chapa, e o pessoal que havia defendido a mudança para colegiado montou outra. Agora esse racha não foi pela mudança do estatuto, na minha opinião, pode até ser que os companheiros tenham essa opinião. O racha foi por conta das divergências mesmo, as disputas internas que havia dentro do sindicato. Então foi um pouco isso, pode ser que alguém até ache que o racha da diretoria na eleição seguinte, foi 3, 4 meses depois, tenha sido causado pela mudança no estatuto, mas não acredito que tenha sido isso, esse racha já vinha por conta das disputas mesmo que havia divergência e tal, dos interesses de cada um, ou digamos assim, da estratégia que cada campo tinha para categoria.
59:00
P/1 - De todo modo o senhor permanece na direção do sindicato por quantas gestões ainda?
R – Então, eu fiquei de 89 a 92, e aí de novo, naquele momento, os rachas na diretoria, especialmente nesse setor nosso, cutista, era comum. Então eu fiquei de 89 a 92, e aí a direção que se elegeu em 89 que eu estava que, portando já era um racha da direção de 86 a 89, rachou de novo. Aí nós novamente tivemos um racha, aí fizemos uma nova disputa, e a chapa em que nós, eu estava, que nós construímos, venceu as eleições. Então eu fiquei de 89 a 92 o primeiro mandato, ai o grupo racha, 92 a 95 uma nova direção, já com a composição dividida. Aí eu saí em 95 e voltei só em 2001, fiquei seis anos fora do sindicato. Voltei 2001 e fiz mais três mandatos, 2001 a 2004, 2004 a 2007, 2007 a 2010, então sai da direção do sindicato em 2010, 11 anos atrás.
1:00:32
P/1 – Esse interregno ai de seis anos, o que o senhor fez durante esse tempo?
R – Então, nesse interregno de seis anos eu acabei... Bom, eu voltei em 95, eu voltei para sala de aula, voltei para Ceilândia, dava aula em duas escolas. Naquela época o governo de Brasília era o governo do PT, na época o governador o Cristovam Buarque. Então em 95 eu saio do sindicato e volto para a sala de aula, quando foi em 96 eu fui convidado para ir para governo, para ir para administração, que é uma espécie de prefeitura nomeada aqui em Brasília, para a administração regional de Ceilândia, aqui as cidades satélite, as cidades não têm prefeito, tem administradores nomeados pelo governador. Aí eu fui convidado para ir trabalhar na administração de Ceilândia, no primeiro momento eu não queria de jeito nenhum, mas eu tenho uns amigos, até falo para eles, que eles acabaram criando as condições para que eu não pudesse rejeitar, e aí eu fiquei de março de 96 até maio de 97, março não, abril de 96 até maio de 97 na administração de Ceilândia, como chefe de gabinete. E aí quando foi em abril de 97 o governador me nomeou para ser o administrador de outra cidade, a cidade de Sobradinho, isso é uma coisa engraçada, porque ele me nomeou sem me consultar, inclusive. E aí eu fui para Sobradinho, fiquei com administrador de Sobradinho de abril de 97 até o final do mandato em dezembro de 98.
1:02:46
P/1 – Professor, eu queria uma reflexão sua exatamente sobre esse episódio, como é que se dá no âmbito da luta sindical, quando se está se debatendo, se está combatendo um governo aliado, digamos assim, como foi o caso de Cristovam, como foi o caso do Agnelo Queiroz, como é que se dirige a luta sindical num momento como esse?
R – Então, eu acho que esse é um dilema, uma polêmica, que muitas vezes você tem que trabalhar no fio da navalha, porque assim, a CUT, o sindicalismo que nós defendemos, ele é baseado em dois princípios básicos, na independência econômica, financeira e na autonomia a partidos, ou governos, ou seja, então quando você se depara com um sindicato, estando num sindicato, e o governo um governo que você ajudou a eleger, passa a ser, digamos assim, é uma situação em que você tem que trabalhar com muita clareza, de qual é o papel do governo, qual é o papel do partido político, qual é o papel do sindicato. Então parte-se do princípio seguinte, eu parto do seguinte princípio, quando você, por exemplo, eu tenho uma militância partidária, sou filiado a um partido político, mas quando eu estou dirigindo o sindicato eu não posso colocar em prioridade os interesses do partido que eu participo ou do governo que eu ajudei a eleger. E quando você olha para a categoria na assembleia, ali você tem pessoas que são do mesmo partido que você é, pessoas que são do partido diferente, pessoas que são, enfim, que não são de partido nenhum que é a grande maioria, então esse é um dilema, digamos assim, eu digo dilema para facilitar o entendimento, mas na verdade o dirigente tem que ter clareza sobre isso, do papel dele como dirigente, de papel dele como militante político. E aí muitas vezes a, digamos assim, exageros de um lado e de outro, ou seja, a tendência, o correto é você dizer o seguinte... Tudo bem, eu cheguei na minha época, antes de sair do sindicato, eu cheguei até a declarar, me lembro do jornal, saiu no jornal, uma polêmica. Eu ajudei, trabalhei muito para eleger o governo, mas se for necessário fazer greve, nós vamos fazer greve. Isso já gerou uma grande polêmica e tal, e acabou que a gente não fez, ainda comigo no sindicato, no começo do governo, nos fizemos um acordo, não chegamos a fazer greve. Muito bem, tentando entrar na discussão, você precisa ter muita clareza do que são os interesses da categoria que você representa, e quais são os interesses do governo, e nesse sentido a obrigação do sindicalista e defender os interesses da categoria que ele representa, essa é a obrigação, porque ele se propôs a isso. Agora o que você não pode e, muitas vezes ocorre, de um lado, e isso aconteceu muito, hoje já acontece menos, é de um lado o governo que sabe que o dirigente sindical é do partido do governo, tentar de dentro do governo, digamos, orientar a ação sindical, isso é um absurdo, mas existe! E de outro lado, também é um absurdo, mas existe, aqui ali, não é que seja uma coisa natural, é que o dirigente sindical por alguma razão resolve tentar, digamos assim, resolver questões político-partidárias por meio do sindicato. Então isso não pode acontecer, o que você deve ter e o seguinte: olha, eu faço greve num governo que seja do meu partido, eu faço luta, não vou chamar de greve, eu luto pelos interesses da categoria de um governo que é do meu partido, da mesma forma que eu faço luta pela minha categoria num governo que é adversário ao meu partido, tá certo? De outro lado, eu negocio, eu busco diálogo com governo cujo partido é o mesmo meu, da mesma forma eu busco diálogo com o governo cujo partido é inimigo, adversário de classe do meu. Então a questão do dirigente sindical, ele pode ter sua opção partidária, pode e deve ter sua opção partidária, mas ele não pode misturar o papel de militante partidário, com o papel de dirigente político, então a gente muitas vezes vê, até por falta de clareza, ou certos dirigentes que assim: se o governo é contra, é um governo adversário da nossa posição política, então nós temos que fazer, enfim, nós temos que tratá-lo como inimigo. E se o governo é do nosso partido a gente tem que aliviar, ou ainda, tentar resolver os problemas internos do partido via sindicato. Então é uma coisa delicada, mas isso tem a ver com a própria essência do movimento, do sindicalismo que a gente defende que é o sindicalismo independente e autônomo, separando o que é uma coisa de partido, com o que são os interesses da categoria. Porque a categoria não é de partido nenhum, a imensa maioria não é de partido nenhum. E o que deve orientar a luta sindical é a pauta, a pauta de reivindicações da categoria, seja para o governo da esquerda, seja do governo que é seu aliado, que é do mesmo partido que o seu, seja para o governo que é do partido adversário, coisa parecida. Então essa é a clareza que a gente tem que se exercitar sempre para não cometer esses erros, como disse, nem transformar a luta política que muitas vezes é dentro do partido para categoria, nem aliviar para o governo, que nós somos sindicalistas, eu sou do PT, porque eu tenho que aliviar o PT? Não! Eu como dirigente sindical tenho que entregar a pauta, “é isso que nós queremos”, vamos dialogar, se for preciso fazer greve, faz! Como foi feito todas as vezes. Assim como fizemos com outros também. Então é um pouco isso!
1:10:09
P/1 – O senhor deixa o sindicato em que circunstância, para fazer o que exatamente?
R – Primeiro vamos voltar a 2001. Quando eu saio em 1995 do sindicato, da diretoria do sindicato, eu não pensava de jeito nenhum em voltar a ser dirigente sindical, ou seja, dirigente com cargo, um cargo na direção do sindicato. Eu pensava assim, já dei minha contribuição, vou continuar contribuindo, mas ir para dentro do sindicato eu não quero mais, isso foi em 1995. Aí passei pelo governo, voltei para dar aula. Nesse período de 1995 a 2001 o sindicato entrou numa crise profunda, rachou de novo, em 1998 durante a greve que foi no governo do Cristovam, nessa greve eu estava no governo, eu era administrador, como eu disse, da cidade de Sobradinho. E houve uma greve, uma greve muito difícil, que ao meu ver, digamos assim, muito mal construída por parte de um lado, e muito mal recebida por parte do governo, porque tem isso também, muitas vezes o governo acha que porque as pessoas são militantes do partido do governo tem que ir, como eu disse, tem que levar em conta que não pode prejudica-lo, o que não tem nada a ver, o sindicato tem que fazer a luta dele, e o governo tem que governar, como diz meu amigo, Jacy Afonso, sindicato é para “sindicatiar”. Então foi uma greve muito ruim, isso gerou novamente um racha na diretoria, chegaram a expulsar, numa assembleia absurda, nove dirigentes da categoria, nove diretores do sindicato, que isso é um trauma que acontece até hoje. Então isso gerou uma crise profunda no sindicato. E aí quando foi em 2001, muita gente me procuro, para dizer assim: você tem que voltar, tem que construir uma chapa que seja para retomar, reconstruir a unidade da categoria e tal, então eu e mais vários outros companheiros, companheiras, montamos uma chapa em 2001 e vencemos as eleições, da então diretoria. Então foi um pouco isso, isso em 2001, mas como eu disse, não era minha intenção inicial voltar para o movimento sindical, ser dirigente sindical. Já em 95 quando eu sai, mas aí voltei 2001, eu falava assim, vou ficar um mandato, aí foi 2004 novamente a pressão, “fica aí e tal”, fiquei mais um mandato, aí fiz mais um mandato que foi até 2010, nesse ínterim, e eu ainda fui candidato a deputado em 2002 e 2006, mas assim, eu sempre achando que em algum momento era o momento de sair. E aí eu saí em 2010, mas nesse processo todo eu acabei indo para a CUT nacional também, fazer política para a área internacional da CUT, e eu acabei já saindo do sindicato, já como diretor, como dirigente da executiva nacional da CUT, onde estou até hoje.
1:14:05
P/1 - Muito bem professor, eu queria uma reflexão sua a respeito do seguinte, quais o senhor considera os maiores desafios colocados para o SINPRO hoje, nas circunstâncias que nós vivemos?
R – Eu acho que existem desafios muito fortes pelo movimento sindical como um todo, no mundo inteiro. Quais são esses desafios? Os grandes desafios do movimento sindical do mundo inteiro. É entender as mudanças que a produção capitalista sofreu, sofreu não, promoveu ao longo do final do século XX, até agora os anos 20 do século XXI, ou seja, aquele modelo de produção que nós tínhamos no século XX, em que um lado tinha um contrato de trabalho, seja na CLT, via carteira profissional, com garantias, fundo de garantia, aposentadoria, seja no serviço público a partir de um concurso público, garantindo aposentadoria, direitos, etc... Esse modelo ele sofre mudanças enormes no final do século XX para cá. Então hoje você tem milhões e milhões de trabalhadores informais, milhões e milhões de trabalhadores que são chamados entre aspas de empreendedores individuais, milhões e milhões de trabalhadores que embora estejam no serviço público não são concursados e, portanto não tem os direitos que os trabalhadores concursados têm. Então existe uma mudança para pior, mais uma mudança muito grande, nas relações de trabalho no mundo, mas especialmente no Brasil. Aí veio reforma previdenciária, a reforma trabalhista, os ataques aos sindicatos, tudo isso gera uma situação em que movimento sindical tem que estabelecer. Primeiro tem esse grande desafio, que é se conectar, por assim dizer, com esse novo trabalhador, que muitas vezes, muitas vezes na quase totalidade deles é um trabalhador altamente explorado, seus direitos que a nossa geração teve, muitas vezes tem, mas que não conseguem enxergar isso. Esse é um grande desafio, se conectar com esse novo trabalhador, entendendo que ele precisa, que esse trabalhador precisa se organizar, ter o apoio do sindicato, mas entendendo também como dirigente sindical que é preciso ter o novo tipo de relação com esse trabalhador, em que o sindicato seja mais, que eu chamo de sindicato total, ou seja, que o sindicato não se preocupe não somente com salário no fim do mês, mas que ele entenda que o trabalhador ele também é um ser humano, com todas as suas as suas contradições, que ele tem relações culturais, religiosas, familiares, comunitárias e que o sindicato precisa entender isso. Portanto esse é o grande desafio do movimento sindical, ou seja, entender que o mundo mudou para pior, mas mudou e que, portanto a gente precisa entender que esse novo trabalhador não tem o mesmo olhar, muitas vezes o trabalhador é um sofredor, tem trabalho precário e acha que é um empreendedor é o que a gente vê hoje em grande parte. “Ah, eu sou empreendedor”, empreendedor coisa nenhuma, empreendedor da precarização. A outra questão no caso do SINPRO, nós avançamos muito, nosso sindicato avança muito, eu conheço os movimentos sindicais do mundo inteiro, mas assim, nós avançamos com relação às questões de gênero, nosso sindicato foi o primeiro sindicato no Brasil a criar uma política para debater a equidade de gênero, foi o primeiro sindicato a garantir, digamos assim, a paridade entre homens e mulheres na sua direção, foi o primeiro sindicato a debater e colocar no seu estatuto os debates sobre racismo, combate ao racismo, à questão da sexualidade também, lembro isso foi em 2003 quando a gente aprovou isso, então nós avançamos muito. Estamos hoje com um grande desafio, que é com relação à juventude também, ou seja, envolver as juventudes no movimento sindical é um enorme desafio, porque muitas vezes as juventudes que são fruto desse processo de mudanças que vem da produção capitalista, que vem junto do neoliberalismo, acabam estando muito próximas do empreendedorismo, o que não é empreendedorismo, do individualismo, enfim, do que eu me resolvo. Portanto a um grande desafio, que é envolver a juventude, as novas gerações para dentro do sindicato, cada vez mais, e obviamente a defesa do serviço público, da educação pública, do serviço público como todo. Esse momento de pandemia mostrou duas coisas, primeiro que acho que a pandemia de um lado ela descortinou o mundo injusto que já vinha, como exploração, trabalho precário, retirada de direitos, enfim, a pandemia serviu para descontinuar o mundo injusto que tinha. De outro também serviu para mostrar para muita gente que o serviço público é que dá garantia de condições de vida para as pessoas, ou seja, muito engraçado, a gente vê na televisão na imprensa pessoas que detonavam o Sistema Único de Saúde, agora tomando vacina com a pessoa que está com o jaleco do SUS, e isso vai ser o grande desafio nosso para o pós pandemia, que mundo a gente quer para depois da pandemia, porque o sistema capitalista, as grandes transnacionais, as big techs, as farmacêuticas, vão querer o mundo em que eles tenham cada vez mais dinheiro e cada vez mais pobreza, mais desigualdade. E nós vamos ter que fazer o contrário, mudar o serviço público e no nosso caso a educação pública, porque ela que dá condição de oferecer educação às grandes maiorias da população. A educação privada ela existe, sempre existiu, não há problema que ela exista, mas ela não pode ser uma obrigação, ela não pode ser uma alternativa única para as pessoas. Investir no serviço público, investir nos direitos dos trabalhadores, investir na educação pública, são os desafios que a gente tem por aí, fora esses de se conectar com esse mundo louco que a gente vive.
1:21:43
P/1 - Perfeito professor! Por falar em juventude, vamos imaginar a situação em que o senhor está diante de um jovem ou de uma jovem que decidiram serem professores, o que o senhor diria para eles?
R – Eu diria para eles primeiro que, enfim, que eles façam da profissão deles algo que transformem as pessoas, que procurem transformar um pouquinho as pessoas, que procurem melhorar um pouquinho a vida das pessoas, acho que esse é o primeiro objetivo, tá certo? Ou seja, vá lá, seja professor e entenda que você é professor, escolheu essa profissão para transformar, para ajudar a transformar, melhorar o mundo, melhorar a vida das pessoas, das crianças e dos jovens que você vai atender, essa é a primeira coisa, a segunda que eu diria para eles é assim, não deixe de participar ativamente da vida dos profissionais de educação, e aí pode ser ativamente participando do sindicato, pode ser ativamente estudando, se preparando para ser um formador, formador dos próprios colegas, acho que é isso, entender que ele tem um desafio, que ele tem uma tarefa pela frente, uma responsabilidade pela frente que é melhorar o mundo, melhorar a vida das pessoas, daquelas crianças e jovens que eles atendem e entender, não deixar de participar ativamente da vida coletiva, ou seja, nós somos uma profissão, somos uma categoria profissional e nós temos que entender as nossas relações e participar das nossas relações, dos nossos debates, das nossas vidas, não fugir dá luta.
1:23:43
P/1 - Professor sem lhe pedir nenhum exercício de futurologia, como é que o senhor enxerga o futuro da educação no Brasil?
R – Olha, eu acho que tem uma coisa que nós precisamos entender e nos preparar para ela, preparar não, nos preparar diariamente, que é a questão do uso das novas tecnologias, ou seja, o mundo, como eu disse, mudou, avançou do ponto de vista especialmente, enfim, de um lado da concentração de riqueza e de renda, do aumento das desigualdades, aumentou também em função do avanço tecnológico, um absurdo o que nós vivemos hoje, em todos os âmbitos da vida humana. Então esse sem dúvida nenhuma, educação, assim como a saúde, serviços de medicina, todos eles serão cada vez mais, digamos assim, serão cada vez mais ligadas ao uso das novas tecnologias, eu fico pensando, por exemplo, quando eu comecei a 30 anos, na verdade mais de 30, as condições que nós tínhamos naquela época e hoje, então hoje são enormes desafios para os professores. Vamos entender uma coisa, por exemplo, eu lá no início, nós chegávamos, o professor chegava lá na escola utilizava seu material didático, seu livro, etc... Ele tinha um poder natural sobre os alunos por conta do conhecimento que era muitas vezes, digamos assim, limitado a aos professores, ou até mesmo da forma como o conhecimento era publicado. Hoje você chega numa sala de aula as informações que muitas vezes você tem o aluno também tem, então muda completamente a ação, a atuação do professor, portanto o futuro da educação no Brasil, no mundo inteiro ela vai sofrer isso. O segundo é que nós a partir do que aconteceu recentemente aqui no Brasil, obviamente que é uma preocupação muito grande, é fato que nos aprovamos o Fundeb, é fato que a gente garantiu isso no ano passado, a aprovação do financiamento garante uma sequência, digamos assim, da melhoria da educação pública, mas isso depende também do poder do Estado, do poder público, então eu não sei dizer, entendeu. Eu acho que será o futuro da educação no Brasil, lateral a uma conexão muito com o uso dessas novas tecnologias, mas também a necessidade de uma grande organização e de uma mobilização permanente para garantir a educação para a maioria das pessoas, que a tendência, se depender dos interesses públicos, poder público, de boa parte dos governantes é diminuir cada vez mais a educação para oferecer para minorias e não para imensa maioria da população. Então eu acho que a nossa luta é isso, entender a educação como resultado também, digamos assim, um ator dentro das mudanças que o mundo passa e entender que a nossa luta tem que ser sempre para garantir educação para todos, tomara que a gente chegue lá.
1:27:57
P/1 - Professor já encaminhando para o final, eu queria recuperar um pouco a parte pessoal, qual a sua atividade hoje?
R – Então, hoje eu sou o responsável pela área internacional da CUT, eu sou secretário de relações internacionais da CUT, eu estou nessa área internacional já desde quando eu saí do sindicato, na verdade desde 2009, antes de sair do sindicato eu já atuava também, combinando as nossas agendas, com o trabalho da área internacional da CUT, que passa por cooperação, passa por debates nos fóruns multilaterais. E então até 2012, eu esqueci de falar isso, de 2004, isso é um dado importante, talvez seja interessantes, de 2004 a 2012 eu dei aula no sistema penitenciário aqui em Brasília, então eu fiquei oito anos trabalhando no sistema penitenciário aqui, até 2010 era dirigente do sindicato, a partir de 2009 eu era dirigente de sindicato, mas também tinha um cargo na área internacional da CUT, e ao mesmo tempo dando aula. Então quando foi em 2012, falei: não tem mais jeito. Porque surgiram muitas viagens, os colegas me substituíam, mas ai chegou uma hora que não dava mais para conciliar. Então de 2009 até hoje eu cuido da área internacional da CUT, sou secretário de relações internacionais da CUT, além disso, eu sou o membro que representa os trabalhadores brasileiros no Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho, também desde 2014, e estou terminando o meu segundo mandato, são mandatos de três anos como representante dos trabalhadores brasileiros na OIT. Então é isso, concilio.
1:30:09
P/1 – É casado, tem filhos?
R – Tenho duas nestas inclusive, uma nasceu tem 15 dias. Sou casado, tenho dois filhos homens, um é casado já, tenho duas netas, o outro é solteiro, é isso.
1:30:28
P/1 - Professor eu estou satisfeito, eu queria saber se há alguma coisa que o senhor gostaria de ter dito e eu não te estimulei a dizer?
R – Não, eu acho que não, na verdade assim, foi muito boa a nossa conversa, porque geralmente essas conversas passam diretamente pelo dia a dia da luta, então eu acho que abordamos tudo, talvez as greves, mas aí tem tanta gente que foi entrevistado, nos fizemos tantas greves. Uma vez em uma assembleia
eu tenho mais de 1000 dias de greve, eu não sei, eu acho que passei uns 1000 dias de greve, nesses 1000 dias eu dirigi uns 800 dias ou mais, então tem muitas histórias também das greves, mas aí seria mais uma hora e meia de conversa.
1:31:31
P/1 - Quer contar uma história em especial?
R – Eu vou contar a história da greve de 2002, da greve de fome, que a gente fez 54 dias de greve e depois a gente, enfim, foi uma negociação, o Governador era o Joaquim Roriz, negociações muito complicadas, e aí o governo resolveu nos enfrentar e a gente não cedeu, aí teve uma hora que o governador viajou, então a secretária Eurides Brito também viajou e deixou aí, tipo assim, deixa eles se virarem que eu tenho mais o que fazer. E aí a gente fez algumas... Primeiro fizemos uma ocupação no Congresso Nacional, tudo no mesmo dia, a gente levou uma série de militantes para o Congresso Nacional, ocupamos o Salão Verde e enquanto toda imprensa, todo o aparato, todo mundo estava, digamos assim, com foco no Congresso Nacional, que os professores tinham ocupado o Salão Verde do Congresso Nacional, a gente ocupou a Catedral no mesmo momento. E aí fizemos uma greve de fome dentro da catedral, durou se eu não me engano 48 horas, que foi a primeira, depois outras pessoas fizeram em outros momentos, então talvez tenha sido, tem muitas histórias, mas essa talvez tenha sido a mais tensa. Depois nós tivemos até greves mais longas, mas essa era porque, enfim, o nível de tensão era muito grande. E aí a gente tinha já um terceiro passo, mas o fato a ser aplicado que era naquele momento, a gente tinha contato, eu nunca contei isso para ninguém, nós tínhamos, eu até brinco com as pessoas, eu não vou contar nunca qual seria o próximo passo, porque talvez a gente precise, mas na verdade naquele ano 2002, era um ano, digamos assim, que as redes sociais e que as ligações de internet, elas começavam a ter força, então o plano era mais ou menos, o seguinte: tudo bem, a gente ocupa o Congresso Nacional, e aí todo mundo vai achar que se conseguir nos tirar de dentro do Salão Verde do Congresso Nacional, a gente não tem mais como continuar a greve, então a gente ocupa o Congresso Nacional, mas na hora que eles conseguiram tirar a gente de lá, a gente já vai estar dentro da Catedral. Aí fomos para a Catedral, então quando, “a o Congresso”, mas espera ai, as pessoas ocuparam a Catedral também, aí foi isso, gerou uma comoção muito grande, porque como é que vai fazer greve de fome dentro da Catedral de Brasília. E aí o passo seguinte eram os contatos que eu tinha, que a gente tinha feito no Vaticano, entendeu? Se não render nada aqui, nós vamos atrás, a ideia era criar de fato uma comoção nacional em função disso, mas acabou que funcionando. Então o governador Roriz voltou de São Paulo, a secretária que estava nos Estados Unidos tratando da saúde, não voltou, mas autorizou à negociação, o Arcebispo entrou na negociação, e a gente acabou saindo com uma proposta para encerrar a greve naquele momento. Mas essa é uma história, tem muitas outras, mas essa me veio na cabeça aqui agora, essa questão do contato do Vaticano estou contando agora, porque uma pessoa, duas sabem disso.
1:35:44
P/1 – Obrigado! De todo modo, como o senhor se sentiu participando dessa entrevista? Como é que o senhor avalia essa conversa?
R – Luiz, eu costumo brincar, hoje nem tanto, porque eu estou tão afastado da categoria, primeiro porque antes da pandemia eu ficava muito tempo fora do país, quando não era fora do país era em São Paulo, então eu tenho estado muito distante da categoria, nos últimos 6, 8 anos especialmente. Então já não é mais, mas eu costumava brincar nas assembleias, ou mesmo nas escolas, porque as pessoas acham que eu nasci no sindicato, “eu não nasci no sindicato, nasci lá no sertão do Ceará”. Porque a minha vida adulta, digamos assim, a minha vida profissional, tem uma ligação, são mais de 30 anos, ou seja, quando eu entrei no sindicato, na diretoria do sindicato em 89, então tem 32 anos, antes disso, os dois anos anteriores também, então assim, a minha vida adulta, a minha vida política toda foi dentro do Sindicato dos Professores, por isso que eu brincava, e brinco, tem gente que acha que eu nasci no SINPRO, de certa forma, eu não diria que eu nasci no SINPRO, mas eu me criei do ponto de vista político, como militante, como dirigente político no SINPRO, os professores, o nosso sindicato, são isso, então contar as histórias do SINPRO, me envolver com as coisas do SINPRO, sempre me dar muito prazer, eu adoro isso! E acho que a conversa foi muito boa.
1:37:35
P/1 – Muito bom professor, para fechar eu queria que o senhor nos dissesse, quais são os seus sonhos?
R –Cara, eu sou uma pessoa, primeiro eu sou uma pessoa realizada no ponto de vista do que eu escolhi fazer na vida, eu me sinto absolutamente feliz, eu fiz escolhas, muitas vezes nem escolha, eu fui levado a fazer certas coisas, as vezes eu digo assim: eu não sou tão inteligente, mas dou muita sorte. De um lado fiz escolhas que me realizaram, escolhi fazer coisas que me realizaram como ser humano e, portanto eu sou uma pessoa altamente realizada pelas escolhas que eu fiz, e pelas oportunidades que a vida me deu, por exemplo, só para contar uma história. Eu virei dirigente internacional numa situação absolutamente ao acaso, eu estava, vou contar essa história Luiz, não se se você vai aproveitar ou não, mas de qualquer forma. Isso era julho de 2008, nos estávamos de recesso aqui em Brasília, eu já naquele momento, já dizia para todo mundo, eu não fico mais no sindicato, o mandato ia até 2010, não fico mais, não fico mais, não fico mais, não quero mais essa coisa, eu vou cuidar, enfim, vou estudar, fazer outras coisas na vida, não vou fugir da luta política, mas não quero mais ser dirigente sindical. Ai a companheira Rejane, que você, acho que você já entrevistou, que é professora, que é presidente da CUT aqui, chegou pra mim, “Lisboa é o seguinte, tem um seminário internacional em São Paulo, você não quer ir não?” “Não Rejane, não quero, não tenho dinheiro, não tenho nada.” “A não, a gente faz uma vaquinha aqui, eu dou um jeito aqui, ao invés de eu ir você vai pela CUT, vai representando a CUT.” Falei tá bom, estava de recesso aqui, tá bom, vou nesse seminário, fui, seminário num hotel ai em São Paulo. Aí era um seminário internacional, e eu sempre gostei muito da geopolítica, por assim dizer, sempre li muito, sempre estudei muito, as disputas geopolíticas, relações internacionais, as relações de governo, as guerras e tal. Estudo as histórias das guerras desde as guerras romanas, enfim, e aí eu vou para o seminário, de repente, que negócio legal, é um ambiente que eu não conhecia, porque eu sempre fui dirigente aqui, embora soubesse que tinha uma importância, mas eu sempre me dediquei muito ao sindicato, eu viajava muito pouco, ia muito pouco nas atividades nacionais, estava muito aqui centrado em Brasília. Aí fui para o seminário, a Rejane me mandou para ir representando a CUT, eu fui, eu nem dinheiro tinha, aí chego lá, estou lá assistindo o seminário, passa o Jacy Afonso, que é um companheiro, hoje é presidente do PT aqui de Brasília e que na época era Dirigente Nacional da CUT, falou assim: Lisboa você tem passaporte? Falei: tenho! “Não, porque tem uma viagem para Genebra, você podia ir.” “O que eu vou fazer em Genebra?” “Tudo bem, um negocio ai parárá.” Aí da umas duas horas, passa o João Felício, que foi presidente da CUT, pra mim o principal líder sindical nos últimos 30 anos. Passa assim, “Lisboa, você tem passaporte?” “Tenho!” “Você vai fazer uma viagem para Genebra, vai representar a CUT em Genebra.” “O que eu vou fazer em Genebra?” “Tem um evento lá sobre um comércio e você vai.” “Tá bom, eu vou!” Aí voltei para Brasília, tirei visto, naquela época ainda precisava de visto, ai fui par Genebra, fiquei lá uma semana, mas enfim, é outra história, o movimento sindical tem outros espaços em que a gente pode atuar. Então foi nisso que eu virei então o Dirigente Sindical Internacional, eu nem sei qual foi a ultima pergunta, eu acabei viajando aqui, desculpa!
1:42:37
P/1 – Perguntava sobre os seus sonhos.
R – Assim, muito bem! Pergunta sobre os sonhos... Então eu acabei virando isso! Os meus sonhos hoje, eu pretendo ficar nessa vida mais uns 4, 5 anos e se tiver com saúde, nessa vida louca, hoje mais louca ainda, porque é dentro de casa... Pretendo ficar mais uns 4, 5 anos e pretendo depois disso, digamos assim, oferecer, enfim, aquilo que eu acho que acumulei como ofereço até hoje, as pessoas me chamam eu vou para fazer debate e tal. Estou escrevendo também, estou escrevendo um livro espero lançar ele, talvez no final do ano que vem, pretendo escrever, um pouco isso, e cuidar das minhas netas, acho que é um pouco isso.
13:43:43
P/1 - Livro sobre o que professor?
R - Eu tenho, muita gente me pede pra... É um pouco sobre isso, sobre as disputas globais, sobre o movimento sindical internacional, sobre os polos multilaterais, como o mundo que eu enxergo hoje, então é um pouco isso, as pessoas me cobram muito dois tipos de livro, um livro de conteúdo, sobre isso, um livro de memórias, então eu estou escrevendo um pouco sobre isso, espero que daqui um ano, um ano e meio ele esteja pronto. E eu tenho outra ideia de um segundo livro, então é um pouco isso, tentar levar para as pessoas as experiências que eu tive no movimento sindical nesses anos todos.
1:44:37
P/1 – Perfeito professor! Eu só tenho a lhe agradecer muito a disponibilidade do seu tempo, as boas histórias que o senhor nos contou, e agradecer dizendo que foi um prazer ouvi-lo, e certamente será muito útil para nós, para o nosso trabalho esse seu depoimento. Muito obrigado!
R – Até mais Luiz, também da uma alô a Wini, ao Alisson e dizer que foi ótimo! Eu desejo muito sucesso no trabalho de vocês, no sindicato tem história demais, tem muita coisa, tem uma trajetória lindíssima e nos temos muito orgulho de ter construído esse sindicato. Eu quando estava no sindicato, uma coisa que umas duas vezes aconteceu, ou talvez até mais, você passar na rua e as pessoas, “olha o cara do SINPRO”. Aí outro dizia assim, “pô, esse cara é poderoso”, a gente a gente construiu um sindicato lindo, que é um poder para a cidade, é um espaço da cidade, não é só dos professores, o SINPRO é um ator importante que nós conseguimos construir, a nossa categoria, e para nossa cidade, para o Distrito Federal como um todo, nos orgulha muito.
1:46:04
P/1 – É compreensível, muito compreensível! Muito obrigado! Um bom dia!