De Minas para o mundo: fragmentos de uma epopeia feminina
Autor:
Publicado em 14/11/2021 por Danilo Eiji Lopes
Entrevista de Olga Simbalista
Entrevistada por Torigoe / Daniela
18/05/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número FUNAS_HV013
Transcrito por Aponte
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P1 - Olga, por favor, você pode me falar o seu nome completo, a cidade que você nasceu e em que data, por favor?
R - É um prazer estar aqui com vocês, meu nome completo, eu sou conhecida como Olga Simbalista, mas meu nome é Olga Cortes Rabelo Leão Simbalista, nasci em Belo Horizonte, 7 de março de 1947. Um dia antes do dia internacional da mulher.
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P1 - E Olga, por acaso, seus pais te contaram como é que foi o dia do seu nascimento ou como é que foi a gestação, alguma coisa desse tipo?
R - Não, infelizmente não, a única coisa que eu consegui de mamãe foi a hora do nascimento, para saber o meu ascendente no horóscopo. Eu, por acaso, sou pisciana, com ascendente em peixes.
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P1 - Você se interessa por astrologia?
R - Eu acho muito interessante. Eu já vi que grandes pensadores da antiguidade não tomavam decisão, sem antes fazer uma análise da situação do horóscopo, principalmente os Generais chineses.
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P1 - Conta uma coisa, qual que é o nome da sua mãe?
R - Vera e meu pai Jair.
01:52
P1 - Como é que é a sua família por parte de mãe? Qual é que a proveniência deles? O que eles faziam?
R - Tem duas origens, pelo lado materno, eles são oriundos do Vale do Paraíba, em Minas Gerais, um trecho de Minas Gerais, de fazendeiros de café. Em uma localidade chamada Angustura. E a origem da família da minha mãe, girou em torno de uma fazenda denominada Boa Vista. Pelo lado paterno, a família da minha mãe é oriunda do Serro e Diamantina. E aí o meu bisavô, de Diamantina, era um professor de grego e Latim, é uma coisa assim, meio inusitada. E depois eles mudaram para Belo Horizonte, e minha mãe já nasceu em Belo Horizonte. O meu avô, João Corrêa Rabelo, se casou com Maria Guilhermina Teixeira Cortes. E minha mãe, Vera, é filha única deles. Pelo lado do meu pai, eu sei muito menos, porque papai teve 14 irmãos, e a minha avó ficou viúva muito cedo. Eles moravam nessa ocasião, em Pirapora. Tanto ela como meu avô, Oscar Froes Leão, eram professores. E ela ficou viúva e teve que carregar essa família toda. Ela era Froes, Maria Froes, e o meu avô, Oscar Leão, eles casaram, tiveram esses filhos. E depois ela foi para Belo Horizonte, onde meu pai conheceu a minha mãe. Se casaram, tiveram duas filhas, perderam um filho entre eu e a minha irmã. E hoje somos duas, eu e a minha irmã, Vera Aparecida Leão Mendes, casada também com engenheiro, Arnaldo Peixoto. E é mais ou menos um resumo da ascendência.
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P1 - Olga, você nasceu em Belo Horizonte, então, você é irmã mais velha ou mais nova?
R - Sou a mais nova, minha irmã mais velha é 6 anos mais velha do que eu. Eu estou com 74, ela fez 80 a duas semanas atrás, dia 28 de Abril.
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P1 - Me conta como é que são as primeiras lembranças que você tem, assim, da sua infância, da sua vida, se você puder puxar isso, de onde elas são, quais são as situações?
R - Olha, eu tenho lembranças muito remotas, lembranças de menos de um ano, me lembro da aparência de uma pessoa, devia ser uma ama, uma babá que me carregava. E ela tinha umas argolas enormes, e eu tentava agarrar essa argola, eu acho que é a memória mais antiga que eu tenho. E depois, na minha infância, eu lembro de praticamente tudo, tudo, eu fui criada numa casa em Belo Horizonte, que tinha um quintal muito grande, e que faz parte, assim, da minha da minha memória afetiva. Por outro lado, eu passava cerca de 3 a 4 anos nessa fazenda da família da minha avó materna, que também me marcou profundamente. Essa Fazenda, da minha avó materna, era uma fazenda de café, e ela tinha um tanque de lavar o café. Eu não sei se vocês já viram o processo de colheita e tratamento do café, o café depois de colhido ele é peneirado, tirava um pouco das folhas né, o café era arrancado com a mão junto das folhas, e depois ele era levado para um tanque, esse tanque era uma piscina, para lavar, tirar, deixar na superfície as folhas e pedacinhos de madeira, depois, o café propriamente dito, eles escoava em um declive bem grande, cerca de 20 m, ia secar em um local do tamanho de um campo de futebol, que a gente chamava de terreiro de cal. Ele ficava ali secando, ele ia sendo mexido, todo dia, duas vezes por dia, e depois levado para o engenho, onde ele era descascado e ensacado e comercializado. Na minha infância, o café daquela região já estava em plena decadência, e eu assisti uma coisa muito triste, que era os funcionários do Banco do Brasil indo às fazendas, contar os pés de café existentes, e pagar para eles serem arrancados, para subir o preço do café no mercado internacional. E a qualidade do Café do Vale do Paraíba, não era considerado de boa qualidade, foi quando começaram a plantar em São Paulo, Paraná, um café de qualidade melhor. Então, eu assisti a esse crime, receber dinheiro para arrancar pé de café. A parte da minha infância nessa fazenda foi uma coisa muito Marcante, e uma das cenas, assim, que eu me lembro, é que a gente usava esse tanque de café no verão para nadar, era nossa piscina. E eu era uma pirralha de 2 anos e via todo mundo pulando, minha cunhada brincando, uma certa hora eu levantei, eu me lembro dessa fala, eu falei: agora sou eu! E pulei, mas eu não sabia nadar, afundei. De repente eu vi aquela imagem cheia de bolhas e mãos me puxando. Essa cena me marcou muito, e, acho que no dia seguinte, minha mãe começou a me ensinar a nadar. E eu muito cedo aprendi a nadar, mergulhar, eu tenho uma afinidade enorme com a água, até hoje. Também, sou pisciana com ascendente em peixes, água para mim é tudo. E a minha vida em Belo Horizonte, também, foi uma vida muito alegre, muito, livre, leve, solta, gostava muito estudar, sempre fui muito boa aluna. E tive uma infância muito, muito feliz, com amigas que eu cultivo até hoje. Eu morava em um local em Belo Horizonte, chamado bairro Funcionários, na Rua Piauí, e a rua era residencial, eu tinha várias amigas com as quais eu convivo até hoje. Ontem, inclusive, foi aniversário de uma delas. E a gente criou laços mais do que familiares, éramos, assim, muito livres, jogávamos futebol, todo tipo de brincadeira que se tinha naquela época. Eu parei de jogar futebol na rua, aos 13, 14 anos, quando eu comecei a me interessar por namorados. E os namorados passavam lá e me viam jogando futebol, e não queriam nada comigo, “ela joga futebol”. Então eu soube de um comentário desses e parei de jogar futebol. Mas era um local muito gratificante, jogava pente alto, tinha uma rede de vôlei que a gente estendia na rua, quando os carros passavam, que eram raros, a gente mandava dar uma volta e eles davam a volta. Tínhamos um clube na garagem da minha casa, onde tinha uma mesa de ping pong e a garotada de longe ia pra lá, era um local muito alegre. Hoje em dia eu tenho muita pena dos meus netos, que não podem ter uma vida como a que eu tive, minha infância foi maravilhosa.
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P1 - Vamos, então, falar um pouco mais sobre isso? Me descreve como é que é essa casa, ela existe ainda? Você consegue me descrever ela?
R - Olha, a casa em que eu nasci, ela estava localizada em um terreno muito grande, com 20m de frente e 60m de fundos, e eu vivi nela até os 11, 12 anos. Depois meu pai construiu uma casa do lado, essa casa antiga era da minha avó e do meu avô, Maria Guilhermina e João Rabelo, meu pai construiu uma casa no local da garagem, e eu passei a minha adolescência nela, morei nela, inclusive, depois de casada. E eram duas casas, numa região que se tornou muito valorizada, praticamente centro da cidade, e as duas casas foram tombadas e não puderam ser derrubadas, exploradas imobiliária. Minha mãe ficou muito triste, ela chegou a comentar, ela comentar o seguinte, que ela dormiu rica e acordou pobre, porque não podia mais vender o terreno, a única vantagem, que se teve na ocasião, foi deixar de pagar IPTU, mas graças a Deus, as casas foram conservadas, e a cerca de 5 anos atrás, uma construtora, uma Imobiliária fez uma proposta família, a família é minha irmã, eu, e os respectivos maridos, para construir um edifício residencial, mantendo as duas casas na fachada. Eu vou até, depois, mandar uma foto para vocês que é muito linda, as duas casas vivas. Uma delas, eles transformaram em um pub, a outra, em p,ortaria e o prédio lá no fundo, e as duas lindas casas da infância preservadas, só o patrimônio histórico de Belo Horizonte.
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P1 - Então, eu fiquei com curiosidade nisso, me fala o seguinte, elas foram preservadas pelo que? Pelo projeto arquitetônico, pelo território, pelo terreno? E como é que era, vamos dizer assim, digamos que você entrava na casa da sua infância, se você pudesse me descrever como que era os cômodos da casa?
R - A casa, elas foram, elas entraram para o patrimônio, dentro de um critério que não ficava muito, não era claro, não tinha uma regra definida. A casa em que eu nasci tinha um valor histórico arquitetônico, sem dúvida alguma, ela foi construída nos anos 20, pouco tempo depois da relação de Belo Horizonte, um sobrado de 2 andares, não tinha laje, era todo o piso de madeira, a outra não, a outra era uma casa dos anos 60 do século passado, e o critério de tombamento era tão estranho, que as casas do lado que a gente morava foram todas tombadas, do outro lado da rua ninguém foi tombado. Por exemplo: meu marido morava a três quadras da minha casa, a gente se conheceu adolescente, a casa dele ficava muito mais central do que a nossa, também não foi tombado, ficava praticamente na avenida principal de Belo Horizonte, não foi tombado. Então, as razões a gente não entende, mas eu pessoalmente acredito, acredito não, tenho certeza, a casa antiga onde eu nasci precisava ser tombada, ela é uma relíquia, ela mostra um tempo muito importante da história de uma cidade que foi planejada, desenhada, e feita a transferência de Ouro Preto para lá. Esse local onde os funcionários públicos receberam casas padrão para ali morar, essa nossa não é dessas casas padrão, mas hoje em dia existem ainda várias, eram casas de um andar, maiores ou menores dependendo do grau de importância do funcionário, foi processo muito semelhante o que aconteceu em Brasília com os apartamentos funcionais, isso aconteceu em Belo Horizonte, e as pessoas oriundas de ouro pretos, funcionários que foram para essa nova capital, todos eles receberam casas neste bairro de Funcionários, o qual abrigou o Palácio de Governo do Governo do Estado de Minas, na Praça da Liberdade, cercado de prédios muito, muito bonitos, que alojavam as Secretarias de Estado, essa região hoje está toda tombada e esses prédios, dessas secretaria, transformados em museu, em centros artísticos, vale a pena conhecer, indo a Belo Horizonte, a praça da Liberdade, muito, muito bonita.
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P1 - Me conta uma coisa então, Olga, como é que era o dia a dia na sua casa, na sua infância, vocês tinham uma rotina? Como é que era o dia a dia com o seu pai e com a sua mãe, como é que é?
R - A minha família levava uma vida um tanto peculiar, porque meu pai era coletor estadual, coletor Estadual era aquela pessoa que chefiava a coletoria da cidade e recebia os impostos estaduais, ele morou, antes de ir se mudarem efetivamente para Belo Horizonte, ele morou em três locais, o primeiro foi Brumadinho, que é a localidade onde hoje está o Museu Inhotim. Mas que naquela ocasião não tinha nada, nada, nem estrada. Tinha um trecho Ferroviário que ligava à Belo Horizonte, era um local abandonado e minha irmã morou com eles, ela recém nascida. Depois eles foram para uma outra cidade chamada Jaboticatubas, minha irmã pequena, e a terceira Matozinhos, que hoje faz parte da grande Belo Horizonte. Essa eu fui morar com eles durante 2 ou 3 anos, e minha irmã nessa ocasião, minha irmã que é 6 anos mais velha do que eu, ela ficou em Belo Horizonte, na casa da minha avó. Quando papai foi transferido para Belo Horizonte, nos moramos na casa dos meus avós até que papai construiu a outra casa da nossa. E foi muito bom eu ter parado porque eu lembrei de uma coisa muito interessante, que é o seguinte, meu avô João Correia Rabelo, eu o conheci ele estava semi-paraplégico, ele teve um derrame e paralisou a perna esquerda, ele tinha dificuldade de locomoção. E quando chovia muito, ou alguém ficava doente, a gente ia brincar na cama de vovô e vovó, e ele, às vezes, nos presenteava mostrando um armário que ele tinha coisas queridas dele, ele colocava na cama para gente brincar. Ele era caçador de codorna em Perdiz, então ele tinha uns apitos para levar para caçada para atrair as aves, eu achava aquilo muito bonito, e tinham várias outras coisas. Mas tinham duas coisas que nos atraiam muito, uma era uma caneta de ouro e coco, ela era toda trabalhada, e tinha um escudo de uma cobra símbolo da medicina, aquele símbolo da medicina. E tinha uma outra coisa, também, muito interessante, que era uma caixa, um estojo, que quando você abria ele tinha um veludo azul muito bonito, e várias peças, compasso, tira linhas e tal, uma coisa típica de engenheiro. Engenheiro usava aquilo para fazer, desenhar as plantas, vocês não devem nem saber direito o que é isso. E vovô falava assim: essa caneta de ouro, vai ser para minha neta que estudar medicina, e esse estojo Queer, que é a marca do estojo, muito famosa até hoje. Vai ser para minha neta que estudar engenharia. E a minha irmã mais velha, toda cheia de coisa, falou assim, “a caneta é minha, eu vou estudar medicina”. Então sobrou o estojo, a caixa Queer, daí eu falei, “então eu vou estudar engenharia, para ganhar essa maravilha”. Bom, vida que segue, vovô faleceu, depois eu volto para contar uma coisa da minha vida que foi muito marcante. Que foi um acidente que eu tive, um acidente rodoviário que minha avó morreu e eu estava com ela, enfim, depois eu volto. Mas vamos voltar para a história do estojo. Então, anos depois, minha irmã arranjou um namorado, que a família achava uma coisa fantástica, que era um engenheiro, professor, da Universidade de Minas Gerais. Ficaram noivos e se casaram. E quando eles se casaram, a minha avó pegou a minha caixa Queer, e deu de presente pro meu cunhado. Então, minha irmã, que não estudou medicina, ganhou a caneta e o meu estojo Queer. Mas aquela meta de estudar engenharia, ela esteve presente na minha vida, talvez, desde os sete anos. Quando me perguntavam: O que você vai fazer quando crescer? Eu falava assim: eu vou ser engenheira. Não tinha a menor dúvida, aquilo já estava gravado, meu DNA já tinha esse símbolo. Bom, então, era aquela vida, acordar, tomar café da manhã, café, leite, pão, manteiga e queijo minas, às vezes tinha uma geleia, principalmente geleia de jabuticaba feita em casa, uma quantidade de pé de jabuticaba, corria para aula de manhã, voltava, o almoço em torno de meio-dia, arroz, feijão, bife e uma verdura, raramente salada, muita sobremesa, as acho que três e pouco da tarde tinha um café de novo, com pão comprado na hora, café, pão, manteiga, jantar às seis e pouco, às vezes um chá, vovó tomada chá antes de dormir, vida que seguia. Meu avô morreu eu tinha 8 anos, não vi o enterro, porque eu estava de hepatite, imobilizada durante um mês, eu era uma criança muito agitada, muito dinâmica, e quando um dia estava indo para escola, segundo ano primário, minha mãe viu que estava diferente, ela virou pergunta assim, “o que que é que você tem?”, eu falei, “Eu estou muito cansada, eu queria levar meu colchão para escola” ela falou, “essa menina tá doente, porque levar o colchão para escola…” aí foi eu estava doente, cheguei em casa com o olho todo amarelo, e na época hepatite era tratada como medicamento, corte total de toda e qualquer gordura, repouso absoluto, e quando vovô morreu eu estava nessas condições e não vi o falecimento. Já o falecimento da minha avó foi uma coisa muito traumática, depois que o vovô morreu eu fui dormir na cama com ela, e foi uma experiência linda, porque toda noite ela contava uma história, ou uma história de fadas e tal, ou uma história da vida dela. Ela com 5 anos, eu acho que foi 5 anos, foi interna numa escola em, não me lembro se Petrópolis ou Juiz de Fora, ela foi interna em duas escolas diferentes, uma criança de 5 anos de idade, tinha que pentear o cabelo sozinha, vivia sozinha, só nas férias é que ia para casa. Ela, então, me contava essas histórias, contava histórias muito engraçadas, minha avó era muito engraçada. A gente era, eu passei a ter uma ligação com ela que eu nunca tive com a minha mãe, e a gente viajava muito, passeávamos juntas, todo mês, quando ela ia receber a pensão do meu avô, ela me levava, a gente pegava o dinheiro, ela me levava nas lojas americanas, eu tomava um… era um milk-shake que na época chamava ice-screen, com um wafer com mel, então, todo mês tinha aquilo, e aquilo para mim era a coisa mais deliciosa do mundo. Quando eu estava com 13 anos, vovó recebeu o convite para o casamento de uma sobrinha lá em Juiz de Fora, e nós fomos de ônibus, ela e eu, e esse ônibus sofreu um choque frontal com um caminhão numa reta, alta velocidade, o ônibus e caminhão desmantelaram, eu devo ter desmaiado, eu dormia no colo da minha avó, devo ter desmaiado, quando eu voltei não tinha praticamente ninguém mais dentro do ônibus, exceto os mortos, que estavam todos localizados daquela fileira de cadeiras que nós estávamos para frente, todos mortos, inclusive da minha avó, e eu sobrevivi, quando eu coloquei a mão na testa, eu tenho uma cicatriz aqui que hoje ela é muito pouco visível, eu coloquei a mão na testa meu dedo ficou preso ali dentro. Aí levantei, eu consegui sair, o ônibus virou um bagaço de ferragem. Saí, tinha um padre, pedi para o padre ir lá abençoar a minha vó, ele chegou, olhou para ela, e falou: essa não tem mais jeito. Isso me marcou muito, suficiente para eu abandonar a igreja muitos anos. Outra coisa que me marcou muito, é que eu estava ferida e, todos os feridos foram acudidos num caminhão de carne, naquela boleia, caminhão que transportava carne, todo sujo de sangue, com pedaços, restos de carne, um cheiro horrível. Eu toda suja do meu sangue e, aquele sangue. Fomos para um hospital em Barbacena, me costuraram e tal, nesse meio tempo minha família foi avisada, e foram me buscar à noite. Que a gente saiu de manhã de Belo Horizonte, para chegar antes do almoço em Juiz Fora. E a partir dessa data, eu nunca mais comi carne vermelha, eu passava longe de açougue, quando eu sentia aquele cheiro, eu tinha uma repulsa e colocava a mão na testa, isso me marcou muito. Minha adolescência foi triste! Mas vida que segue. Fui depois fazer o cientifico no Colégio Estadual de Minas Gerais, paraíso na face da terra, o colégio mais bonito que já se fez no Brasil, ou talvez no mundo. Projeto do Niemeyer, uma quadra inteira, em que cada prédio representava um símbolo da escola. As salas de aula ficavam em cima de uma régua, suportada por pilotis, a caixa d´água ficava em cima de um giz, o auditório um mata-borrão solto no ar, a sala de administração era borracha, e aquilo tudo aberto, não tinha muro, não tinha cerca, ele está lá até hoje, é lindo, imperdível! E o mais fantástico do colégio, era o seguinte, você entrava a hora que quisesse, saia a hora que quisesse, não tinha caderneta de controle, você podia fumar na aula. Eu tinha colegas, namorados, que assistiram aula de mãos dadas na carteira, entrava e saia a hora que quisesse. Não podia fumar maconha e nem levar pau, se fosse reprovado era jubilado. Então ninguém queria ser reprovado. E no fim do científico, do clássico, todo mundo passava direto para o vestibular. Eu passei direto para engenharia, para buscar o meu estojo kerne, e todos passaram, um paraíso. Eu fiz vestibular de engenharia, mas sempre tive uma veia para arte, desde o ginásio eu pintava, desenhava. Eu resolvi também fazer vestibular para Belas Artes, na escola Guignard. Fiz, passei, e durante um ano eu fui levando as duas juntas, mas os horários de aula coincidiam, eu tinha que matar aula de um, de outro. Quando chegou perto do fim do ano, isso foi em 1966, eu estava muito mal na engenharia, pela primeira vez na minha vida escolar, porque eu gostava muito mais da Belas Artes. A gente tinha aula ao ar livre, no Parque Municipal, desenho livre, escola Guignard, ela era um esqueleto de um edifício, o piso era terra, quando chovia a gente subia as pernas, porque era o puro barro. Mas era um paraíso. Mas quando eu vi a minha situação na engenharia, e eu convivendo um ano com meus colegas que eram artistas, eu gostava de arte, eu não era artista. Aí eu falei, olha, é muito melhor ser uma engenheira medíocre, do que ser uma artista medíocre. Então abri mão da Guignard, meti as caras no livro, e passei na engenharia e abandonei a minha vida artística, mas eu adoro arte até hoje. Eu já visitei museus pelo mundo afora, tenho uma coleção enorme de quadros, esculturas.
33:31
P/1 – Você estava vivendo em Belo Horizonte, num período que havia um grande politico brasileiro, de origem de Minas, o Juscelino Kubitscheck, fala-se muito desse período, parceira dele com o Niemeyer, isso era uma coisa que os mineiros viviam, se orgulhavam? Qual era a relação que se tinha nessa época, como esse clima do Brasil indo para a frente?
R – Olha, Juscelino foi uma pessoa que entrou no coração de todos os mineiros, e posteriormente de grande parte dos brasileiros. Era uma pessoa de uma cordialidade, tinha uma simpatia, invulgar. Ele era Diamantina, muito amigo do meu avô, dos irmãos dele, moravam próximos e foram para Belo Horizonte mais ou menos na mesma época. E Juscelino formou em medicina, morava há cerca de três ou quatro quarteirões dessa casa em que eu morava. E quando ele foi eleito Prefeito, eu tinha um tio, Ajax Rabelo, que tinha uma construtora, e que foi o companheiro de infância dele em Diamantina. Ele então pegou Ajax Rabelo, para ser o engenheiro dele na prefeitura. E esse Engenheiro foi quem basicamente construiu a lagoa da Pampulha, e todo aquele Acervo do Niemeyer, da igreja da Pampulha, da Casa de Baile. Um conjunto que passou para o patrimônio histórico, da cidade, que é conhecido no mundo todo. Principalmente a igrejinha da Pampulha, que é um projeto do Niemeyer, com aquela via crucies do Portinari. Você conhece? É muito bonito, é maravilhoso, a gente acompanhava. Juscelino frequentava muito a casa do tio Ajax, eu me lembro uma vez, que a gente foi lá para chupar jabuticaba, eles estão conversando, eu passei, Juscelino me pegou e sentou na perna dele, eu fiquei quietinha ali, não sabia direito quem era. Mas anos depois, quando eu viu que era Juscelino, que foi aquele que me colocou no colo, eu mantive aquilo na memória. Era muito querido, uma pessoa de uma simpatia, uma jovialidade. Foi feito governador. Como governador fez coisas importantíssimas, ao estado, uma das mais importantes foi a criação da companhia energética de Minas Gerais, Cemig, a mãe de Furnas, onde tudo começou. Então ele criou a Cemig, ele estatizou o sistema de suprimento de energia, tanto a parte de geração, como a de distribuição. Que eu acredito que era do grupo canadense Canambra, em Belo Horizonte, companhia de força e luz de Minas Gerais. E fez estradas, fez coisas maravilhosas para o estado, com uma projeção nacional muito grande, porque Minas de um salto quântico, nesse período, Juscelino começou com a prefeitura. E isso pavimentou um palanque que resultou na eleição dele como presidente da república, num momento grandioso do país, com aquele programa de metas, 50 anos em 5, que realmente aconteceu. E foi nesse contexto que Furnas nasceu. Furnas foi uma das grandes obras de Juscelino, no governo do Brasil. Que dizer, a maior de todas foi Brasília, depois a questão da implantação das montadoras de automóvel, as grandes rodovias, e Furnas que o governador de Minas, Francisco Vieira, não queria que fosse feito, que ele dizia que Minas não era a caixa d'água do Brasil. O objetivo de Furnas foi criar um grande reservatório com a produção de uma quantidade de eletricidade impensável, que era praticamente o que o Brasil consumia, para abastecer os mercados de Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, através de uma malha de transmissão, com dimensões que não existiam naquela época. Esse reservatório, esse local da construção de Furnas, ele foi descoberto, descoberto não, identificado com o potencial que ele realmente tem, por um engenheiro da Cemig, chamado Francisco Noronha, que depois foi presidente da Cemig. Visitando uma fazenda próximo à cidade de Passos, no sul de Minas, de propriedade do José Mendes Júnior, que era um empreiteiro, proprietário da construtora Mendes Júnior. Ele estava lá passeando, quando foi visitar as corredeiras de Furnas, como elas eram chamadas. E viu que ali tinha um potencial hidráulico estupido. Voltou e na Cemig ele foi conversar com a diretoria, é um dos diretores, o Doutor John Cotrim, resolveu visitar essas corredeiras, para ver, e ficou também impressionado. E o projeto entrou dentro da Cemig, vamos explorar aquilo. Um projeto foi feito lá, eu tenho até uma foto, de todas as hipóteses de aproveitamento, e depois eu vou até mandar para vocês, que eu acho que isso é dá maior importância, e eu tenho isso no meu escritório no centro. O projeto, essa lâmina que eu tenho, é uma planta, ele era tudo escrito em inglês, então deviam ser consultores, provavelmente canadenses, que nessa época estavam com muita consultoria aqui no Brasil. Ou canadense ou americano, em inglês eu acho que não era. E então, esse projeto estava pronto nas pranchetas da Cemig, quando o Juscelino foi eleito presidente. O ministro do planejamento dele, Professor Lucas Lopes, que inclusive foi presidente do BNDS, na época BNDS. Colocou na carteira a construção deste empreendimento, e chamou para chefia-lo o engenheiro John Cotrim. De origem inglesa, mais que foi criado aqui no Brasil, uma criatura invulgar, e que eu tive o privilégio de trabalhar com ele, escrevendo esse livro, um livro que a gente, Malhães, Salmito e eu, que fizemos todo o levantamento. E resultou nesse livro, que conta a história do empreendimento. Vocês tiveram acesso a ele? Vale a pena, conta a história da construção do empreendimento. Doutor Cotrim tinha a intenção de escrever um segundo volume, depois, contando a história da empresa que foi criada, Furnas Centrais Elétricas S.A. Isso infelizmente não aconteceu, mas vocês estão inclusive preenchendo, talvez essa lacuna. E eu considero essa pesquisa, esse trabalho do Museu da Pessoa, uma coisa muito importante, no caso específico de Furnas. E é interessante, que o meu primeiro contato com Furnas, ainda em Belo Horizonte, no governo Juscelino, que aquilo era muito comentado. E nessa ocasião, eu não havia entrado ainda para a universidade, eu estava cursando o curso científico, mas a gente já ouviu falar em Furnas. Eu me formei no científico, com aquela ideia de fazer engenharia, fiz, junto com a Belas Artes, depois continuei a engenharia. E no terceiro ano de engenharia, eu me casei, com meu marido atual, com quem estou casada, na próxima semana faço 54 anos. E nos então nós casamos. Quando eu estava no quinto ano de engenharia, nasceu meu primeiro filho, Luiz Simbalista Neto. Meu marido é Eduardo Otávio Aleixo Simbalista, advogado e jornalista, o que causava maior comoção na faculdade de engenharia, uma engenheira namorando um advogado, um estudante de direito, era um absurdo aquilo, eles viviam me repudiando por isso.
43:50
P/1 – Por que era repudiado?
R – Ele ia me buscar na faculdade, meu namorado então, era vaiado, quase apedrejado. É muito interessante, porque quando eu fiz vestibular para engenharia e passei, as pessoas da minha família me falavam assim: Olguinha não faça isso, se você estudar engenharia você não vai se casar. Os homens não gostam dessas coisas. E mais, a faculdade de engenharia de Belo Horizonte, de Minas Gerais, ficava localizada na rua do Guaicurus, que era o centro do Meretrício da cidade. Moça de família não ia lá. Então juntava essas duas coisas, eu passei a ser uma coisa meio estranha na sociedade mineira. Me casei em 68, em 70 nasce meu filho, Luiz Simbalista Neto. Tem esse nome, porque no dia que ele nasceu, olhei para carinha dele, “é a cara do meu sogro, de Simbalista”. Que foi o que fez nosso parto, eu dei o nome dele, e ele nasceu num quarta-feira. Meu marido era jornalista, do Jornal do Brasil, da sucursal Mineira, e terça-feira ele fazia plantão, e eu normalmente ia com ele para estudar. E naquele dia eu fui, comecei a sentir assim uma dor de barriga, aí voltamos para casa, deitei. E aquela dor de barriga, começou a ficar assim, cada 10 minutos, 5 minutos, tal. Aí ele ligou para o pai dele, olha tá acontecendo isso, ele falou, corre para o hospital. Aí fomos para o hospital, e ele nasceu às 5:30 da manhã. No dia 13 de maio, semana passada, ele fez 51 anos. E aí ele nasceu numa quarta-feira, às 5:30 da manhã, no sábado eu fui fazer prova, cheia de pontos, maluca, mulher maluca, interna. E passei a levar a vida normal, assim como, quando eu fiquei grávida, fiquei grávida, não veio a menstruação, estou grávida. Aí barriga começou a crescer, um belo dia, eu já devia estar com uns 5 meses e meio, ou 6. Meu sogro virou para mim, e falou assim, “quem é seu médico”? Eu falei, “eu ainda não tenho”. Ele era ginecologista, ele falou, “amanhã no meu consultório, cedo”. Aí fui! Mas não tinha preocupação, quando for nascer eu arranjo um médico, cuido de mim. Então eu filho nasceu na quarta, no sábado eu fiz prova, vida que segue. Me formei no final do ano, 1970, engenharia elétrica. Aí aconteceu um fenômeno muito interessante. 1970, o Brasil vivia o auge do milagre econômico, os engenheiros formavam, e já estavam praticamente todos contratados. As empresas iam fazer concurso, dentro das universidades, principalmente na área de Engenharia. O Brasil estava crescendo, a 2 dígitos o PIB. O país crescia 12% ao ano, 13%, parecia a China. Aí começou a confusão. Eles iam, faziam os testes e tal. Aí teve uma grande multinacional, para qual eu fiz concurso, e que, uns 20 dias depois deu o resultado de quem tinha passado, e não tinha nenhuma mulher, 3 fizeram o concurso. E eles então disseram assim: olha, esse ano nós não vamos contratar nenhuma mulher, porque nós temos uma política de RH, de contratar 1 ano. E o ano passado, tinham duas tão boas, tão boas, que nós contratamos as duas. Então esse ano não vai ter mulher na IBN. Uma dessas duas contratadas foi diretora na Inglaterra. E por ai foi... Cemig, a entrevista... Há, teve uma fabrica de cerveja, que não contratava mulher, porque não tinha sanitário feminino. A Cemig não contratava, porque engenheiros tinham que viajar muito, “e qual o problema de viajar muito”? Normalmente, mais de uma, então vai um engenheiro e uma engenheira, “qual o problema”? “E que normalmente esses engenheiros são casados com umas mulheres muito ciumentas, então vai dar problema, então a gente prefere não contratar mulher”. Isso era o Brasil de 1970. Até que eu soube que existia um local, em Belo Horizonte, que eles contratavam engenheiros físicos e químicos, mas só isso. Através de um concurso que se pedia conhecimentos de cálculo, de física e de língua estrangeira. Esse lugar se chamava Instituto de Pesquisa Radiativas. Eu nunca tinha ouvido falar em átomo, em radiativo. Mas só porque tinha um concurso, com 3 coisas que eu dominava, Na época eu falava francês muito bem, inglês razoável, hoje eu me comunico preferencialmente em inglês, quando estou fora do país. Mas naquela época eu falava francês muito bem, porque a gente estudava francês no colégio 4 anos, eu fiz aliança francesa. Então fiz, passei, fiz um estágio probatório, janeiro, fevereiro. Passei também no estágio. E fui contratada como pesquisadora, para fazer um mestrado com uma bolsa de estudos, equivalente ao salário inicial de engenheiro da Cemig. E fui trabalhar no segundo lugar mais fascinante que eu conheci na vida, que era o instituto de pesquisa radioativo, muito parecido com o meu Colégio Estadual, não tinha cerca, eram vários prédios, as pessoas mais Geniais que eu já conheci na vida, tudo doido, mas cada um mais inteligente que o outro. Professor, aluno, um mundo que eu não sabia que existia. Quando eu tive contato pela primeira vez com física quântica, eu não conseguia dormir, que aquilo era um negocio tão maluco, tão maluco. É até difícil eu descrever, mas eu fiquei sem dormir, era uma coisa que não estava escrito no eu ideário. Eu achava que como engenheira formada eu sabia tudo. E descobri que eu não sabia nada. E descobri pessoas que conheciam um admirável mundo novo, que mudou completamente o rumo da minha vida, que me abriu portas no mundo inteiro. Lá foi a primeira vez que eu tive contato profissional com Furnas. Eu como chefe do laboratório de Termo Hidráulica, era um laboratório que tinha várias instalações, que tratavam com temperatura, pressão, vazão. E nós tínhamos a capacidade de aferir equipamentos com padrão laboratório, porque os instrumentos de medição eles tem que ser, em empresas eles tem que ser aferidas com uma certa frequência. E no caso de usina nuclear, os instrumentos tem que ser aferidos com um padrão laboratório. E Furnas naquela ocasião, não dispunha de uma aferição padrão laboratório, para os medidores de pressão. E eles ouviram falar que tinha um laboratório de termo hidráulica no Instituto de Pesquisas radioativas, que tinham padrão laboratório. Então foi feito um contato, o pessoal do laboratório lá de Passos, fez um contrato conosco, para ferir os medidores de pressão. E eu, se não me engano, a cada 6 meses, ia uma perua levando aquele monte de instrumento, a gente aferia, eles pagavam. Era coisa fantástica, laboratório vendendo serviço. E a gente aferia os aparelhos, e mandava de volta. Aquilo foi motivo de muito orgulho para mim, como chefe desse laboratório. E vida que segue. Um belo dia... Há, antes disso, houve a assinatura do acordo Brasil-Alemanha, para cooperação técnica no setor nuclear. E os institutos de pesquisa, nessa ocasião foi criada a Nuclebrás, e esse instituto onde eu trabalhava, mudou de nome, ele deixou de ser Instituto de Pesquisas Radioativas, para ser o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, hoje conhecido como CDTN, em Belo Horizonte, tá lá. E foi tomada uma decisão, que alguns projetos, eram 5 mais ou menos, todo o pessoal de nível superior envolvido. Porque lá só podia trabalhar gente de nível superior, como mestrado ou doutora. Eles teriam que fazer uma especialização na Alemanha. E para fazer uma especialização na Alemanha, e aproveitar bem isso, teriam que aprender a língua alemã. Eu estava na lista. Então nós fomos inscrito no (54:42...), um curso de alemão. Durante 5 meses nos tínhamos 8 horas de aula por dia, a cada dia tínhamos que decorar um diálogo, de uma lauda inteira. O que é certo, é que foi lavagem cerebral, no fim de 5 meses, eu saí de lá falando alemão fluentemente. Eu tinha decorado 76 diálogos, eu sabia todos de cor, quando aparecia uma palavra assim, eu falava, eu conheço! Isso apareceu na lição tal, na linha tal. Eu tenho uma capacidade de decorar escrevendo, é a minha maneira, eu sempre estudei assim, eu sou analógica, e na outra encarnação eu fui traça, porque eu adoro papel, minha vida sem papel. Então aqui, estou conversando com vocês, estou anotando, estou marcando tudo. Fiz esse curso, no ano seguinte, 1977 fui fazer um estágio na Alemanha, num centro de pesquisa chamada (55:57...). Era um centro de pesquisas nucleares, que desenvolveu o reator nuclear, o reator nuclear não, o navio Nuclear Ottawano, era um navio comercial, o segundo navio comercial nuclear, e que anos depois foi desativado, porque ele não era competitivo. O reator ocupava um espaço tão grande no navio, que o espaço para carga era pequeno, e ele deixou de ser competitivo. Por isso, e por também, uma série de portos não aceitarem o navio nuclear atômico. Então passou ele e o Sabana, que era também americano, foram aposentados. Hoje em dia a Rússia está voltando a fazer esse tipo de embarcação, com reator nuclear, para abastecer locais com dificuldade de fornecimento de eletricidade, principalmente no mar do norte. Eles pegaram os reatores, que a Rússia desenvolveu para navios quebra-gelo, você sabe o que é navio quebra gelo né? E alojaram num navio menor, para ele chegar numa determinada localidade, se conectar com sistema de transmissão e produzir eletricidade. Então isso ainda CDTN, fui para Alemanha, aprendi muito, muita coisa boa, muita coisa ruim também. E voltei, fui para Alemanha e deixei dois filhos com o meu marido. Que eu não queria ir, foi ele que me incentivou, foi muito duro, mas aprendi muito. E foi meu primeiro passo no exterior, foi muito difícil, nossa, chorava à noite. Foi quando eu aprendi a tomar vinho, eu passava no supermercado, comprava uma garrafa de vinho rosé doce, levava para o quarto, tomava, e puf, capotava. Mas aí, voltei e tal. E em 1980, meu marido nessa época não trabalhava mais no jornal do Brasil, ele era diretor regional da TV Globo Minas. E ele foi convidado para vir para o Rio, para fazer o Jornal Nacional. Convite do Armando Nogueira. E ele me perguntou, “você topa”? Eu falei, “eu topo”! E ele veio em dezembro para o Rio, ficou uns dois, três meses, e em fevereiro nós mudamos para o Rio de Janeiro. Fevereiro de 1981, ano em que a gente se mudou, fomo morar num apartamento no Leblon. E eu fiquei encantado com o Rio de Janeiro. Fui transferida para trabalhar na Nuclebrás, num lugar maravilhoso, que eu nunca tinha ido, que era a Avenida Presidente Wilson, no prédio, um prédio enorme, moderníssimo, da Academia Brasileira de Letras. E eu descobri o centro do Rio de Janeiro, eu achava aquilo a coisa mais bonita do mundo, metrô recém inaugurado, cada loja maravilhosa. O ano da graça de 1981, eu vim para o Rio. Em Minas eu sempre acompanhei esportes em geral, futebol em Minas eu torcia para o Clube Atlético Mineiro, galo forte vingador. E no Rio, por analogia de camisas, torcia para o Botafogo e em São Paulo também por analogia, eu torcia para o Santos. Todo Atleticano tinha essa cartilha né. E cheguei no Rio, no ano da graça de 81, e eu descobri que acontecia uma coisa fantástica no Rio aquele ano, eu chegava no trabalho, uma alegria, rindo, pulando e tal. O Flamento tinha ganho mais um troféu, e aquilo me contagiou. Eu morava numa rua chamada João Lira, que era uma espécie de quartel-general da torcida do Flamengo na zona sul, e era festa quase todo dia. Até que o Flamengo ganhou o campeonato mundial, em 1981. E eu não tive a menor dúvida, troquei a minha camisa listrada, por uma camisa listrada horizontal, rubro-negra. O que me dá muita alegria até hoje. Ontem comprei a camisa do octacampeonato do Flamengo, linda, branca com aquela... E aqui estou. E vim trabalhar na Nuclebrás, tive até uma carreira de sucesso. Em 75, ou 76, 75, 75 não, 85, 75 eu estava em Minas. Eu fui feita superintende geral de planejamento da empresa. Você ser mulher superintende era uma... E trabalhei muito, viajava muito. E em 1988, foi criado um grupo de trabalho, interministerial, chefiado pelo Conselho de Segurança Nacional da Presidência da República. Para fazer um análise das atividades nucleares no Brasil, principalmente da Nuclebrás, porque a Nuclebrás já estava no segundo ano consecutivo, de patrimônio líquido negativo. Nós trabalhamos nisso, durante uns 3 à 4 meses, com reuniões em Brasília. Tinha representante da Comissão Nacional de Energia Nuclear, de todos os institutos de pesquisas, da Eletrobras, da Petrobras, do Ministério do Planejamento, do MME, do DIDAE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, que se transformou na Agência Nacional de Energia Elétrica. Trabalhamos para dar uma solução para questão dos problemas do setor nuclear. Que nessa época existia também, um chamado programa paralelo. Estava sendo tocado em São Paulo, na USP, pela Marinha, no centro tecnológico da Marinha. E trabalhando esse período todo, paramos, fizemos relatórios. Relatório sobre cada segmento, sobre fábrica de equipamentos pesados, sobre fabricação de combustível, sobre usinas nucleares. Deixamos aquilo, até que um belo dia, fomos surpreendidos com um decreto-lei, cheio de decretos. O decreto-lei é o equivalente hoje a medida provisória, só que ele tinha força de lei, ele não tinha que ser votado, ele já era lei. Em que acabava com a Nuclebrás, transferia as usinas nucleares para Furnas. E uma série de outras providências. E as pessoas criaram, com CNPJ da Nuclebrás, as Indústrias Nucleares do Brasil, para cuidar da fabricação do combustível nuclear. Eu como era planejamento, era assim um animal anfíbio, não era de nenhum desses segmentos. E acabei indo para Furnas, em 1988. E essa pressa toda, depois a gente ficou sabendo, foi em função da promulgação da Constituição cidadã de 1988. Que era uma revolução, entre outras coisas, acabava com decreto-lei. Então fazer aquela revolução, com aquela constituição que entraria em vigor naquela ocasião, era impossível. Evidentemente que o Conselho de Segurança Nacional, sabia de Constituição, mais que os constituintes. Então, aquele estudo que começou, se não me engano, foi em abril ou maio, eles já sabiam que isso tudo já estava previsto. E que sendo o setor nuclear, um setor estratégico para o país, segurança nacional, aquilo tinha que está arrumado, para não explodir. Que iria explodir. E assim fui para Furnas Central Elétrica S.A. A partir dessa grande mudança institucional, fui trabalhar na diretoria de produção termonuclear, na qual eu fiquei até 89, ou 90. Quando é que o Collor tomou posse? Acho que foi em 89. Quando Furnas passou a ser presidida, não mais por pessoas oriundas do setor elétrico, principalmente da Cemig, que era filha da Cemig. E o escolhido para presidir Furnas, foi o ex-ministro de transportes, Professor Doutor, Eliseu Resende, foi meu professor de cálculo, uma das pessoas mais Geniais que eu conheci na vida. E quando ele foi para lá, foi 89, ele me chamou para ser assessora dele, para orientá-lo na questão nuclear, que era uma questão que ele desconhecia completamente. Fiquei trabalhando com ele, foi um dos período profissionais mais gratificantes da minha vida. Até que, com a cassação do Collor em 92, o Itamar Franco, que era amigo carnal do Doutor Eliseu Resende, o indicou para presidência da Eletrobras. Ele então iria para Eletrobras, e convidou duas pessoas para irem com ele. O chefe de gabinete dele, o Doutro Hugo Magon, e eu, como assessora, cheguei na Eletrobras com o Doutro Eliseu. E chegando lá, nos tivemos uma surpresa muito grande. E que presidente da Eletrobras, não podia ter assessor. O Presidente podia ter um chefe de gabinete e um consultor jurídico. Então ele criou esse cargo de assessor para mim, eu fui o primeiro assessor de presidente da Eletrobras. Quase 20 anos depois, eu voltei para trabalhar com outro presidente da Eletrobras, como assessora, para cuidar do financiamento de Angra 3. E o presidente tinha mais de 15 assessores, foi um choque pra mim. Então trabalhamos lá, num projeto que nunca se viu isso acontecer. Foi um projeto de lei, para equacionar uma inadimplência crônica do setor elétrico. Setor elétrico estava numa crise, que ninguém pagava ninguém, estava falido, por uma série de vícios da legislação. É muito engraçado, porque Furnas era uma geradora e trazia responsável pela venda de energia de Itaipu. E o grande comprado de Furnas, eram duas empresas de São Paulo, a CESPE e a CPFL, ambas pertencentes ao governo de São Paulo. Então o presidente de Furnas, na ocasião dessa inadimplência, Doutor Camilo Pena, ex-ministro de Indústria e Comércio, falou o seguinte, “se São Paulo não nos pagar, nós vamos cortar o suprimento, dessas empresas paulistas”. Tudo bem! Aí levou a questão para a justiça, essa intenção de cortar, para a justiça autorizar. Eu não me lembro quem era o juiz, mas ele pediu para que Furnas mostrasse os contratos, para ver se aquilo era válido, se não era... Dr. Camilo falou assim, “não tem contrato, as empresas do setor elétrico funcionam numa espécie de condomínio, com regras acertada a cada ano pela Eletrobras, através de 2 comitês, um de operação do sistema, e o outro de implantação de projetos”. “Se não tem contrato, como é que você vai fazer isso? Vai ser preso! Você não pode, é uma questão de segurança nacional, artigo 21 da Constituição, das competências da União e tal”. Então não se cortou a luz de São Paulo. Mas o problema foi só crescendo, crescendo, quando Dr. Eliseu chegou na Eletrobras, ele falou, “nós vamos resolver isso, nós vamos fazer um projeto de lei, que vai consertar tudo isso”. Começamos a trabalhar no final de outubro, e no dia 5 de março do ano seguinte, 93, a lei 8631, que fez todo esse acerto de contas do setor. Acabou com uma série de coisas, inclusive com remuneração garantida. Estava aprovado na Câmara, no Senado e com um decreto feito. Nos, eu estou falando isso, um plural majestade, porque eu participei disso o tempo todo. Mas o trabalho genial foi feito por Eliseu Resende. Teve um período que eu ficava só fazendo telefonema para pessoal da câmera, explicando o que era o projeto, para gente levar e ser aprovado, e foi na Câmara e no Senado. Eliseu Rezende conseguiu aprovar um projeto de lei, que fez um encontro de contas para acabar com esse individamento, e o tesouro de uma certa forma similar isso, no valor de 26 bilhões de dólares, em 1993. Você extrapola isso para hoje, isso vai dar uns 300 bilhões de reais, o valor desse acerto de contas, feito por essa lei 8631. O nosso querido Presidente foi chamado pelo Presidente Itamar Franco, para ser Ministro da Fazenda. E ele aceitou, foi, até me chamou para ir. Mas essa aventura eu não topei, fiquei lá na Eletrobras mais um pouco. E no fim do ano, quando minha sessão, porque eu fui emprestada de Furnas, para a Eletrobras. Eu então voltei, e fui trabalhar na diretoria financeira. Fiquei lá alguns anos, e nesse meio tempo, o Doutor Eliseu Resende, que chegou para chefiar o Ministério da Fazenda, ele teve um acidente de percurso, ele foi negociar com os banqueiros americanos a dívida externa brasileira, e esteve lá uns dias, e na saída do hotel, ele saiu, e um ex assessor dele, que trabalhava então para Odebrecht, pagou a conta de hotel dele. E foi o maior barato. Ele teve que pedir demissão, porque o Itamar era intransigente com essas coisas. Pediu demissão do Ministério da Fazenda, a carta de demissão dele é linda, linda, linda, tem um trecho que ele fala assim: nunca tive um pé de café se quer. Quando foi aniversário dele, eu comprei um pé de café, coloquei no vaso e mandei para a casa dele. O que é certo é que saiu do Ministério da Fazenda, entrou o chanceler Fernando Henrique Cardoso, com um pensamento, que hoje nega, neoliberal. Resolveu privatizar o setor elétrico, fez um grande estudo, chamado projeto recebe, que é a reestruturação do setor elétrico brasileiro, para privatizar as empresas. Foi contratada uma consultoria internacional, um empresa inglesa, chamada (1:14:41...), que desenhou o modelo dessa privatização, em que as empresas deveriam ser divididas em geração, transmissão, e se a parte de geração fosse muito grande, dividir em várias empresas. Para Furnas, foi separado o seguinte: uma empresa de transmissão e três de geração. Uma no centro-oeste, uma no sudeste, a outra no sul, uma coisa assim. E aquilo para ser implementado, essa privatização, ela tinha uma restrição, exatamente desse artigo 21 da constituição, que diz o seguinte: compete a união, uma série de coisas, defesa nacional, impressão de moeda, papá, fornecimento de energia elétrica. Sendo que nesse caso, a Constituição de 88, introduziu o seguinte, diretamente, ou através de concessões, autorizações ou permissões. E esse mesmo artigo 21, ele tem um inciso 23, que diz o seguinte: que o setor nuclear é competência exclusiva da união, não podendo ser privatizado. Então, aquele grande movimento, que resulto na privatização, não só do setor elétrico, isso da telefonia, de vários outros segmentos. Ele esbarrou no setor nuclear, e as usinas nucleares estavam dentro de Furnas. Então, chegaram à conclusão, que para viabilizar a privatização, teria que tirar as atividades nucleares de dentro de Furnas. E foi então, cogitado cria uma empresa, que hoje se chama Eletronuclear, usando o CNPJ de uma empresa de engenharia, chamada Nuclebras Engenharia Nuclear, Nuclem, que tinha 25% de ações dos alemães, e 75% dos brasileiros. E foi feito um grande arranjo, para transferir as atividades nucleares de Furnas, para essa empresa. Isso demorou a sair, cada dia tinha um mandado de segurança, uma determinada coisa. Até que em agosto de 97, conseguiu-se. Eu não queria que isso acontecesse, eu queria que o setor nuclear continuasse em Furnas, porque eu achava que Furnas era uma empresa com uma pujança suficiente para segurar um setor nuclear, que era um setor novo, incipiente, e que não era auto-sustentável. Mas não foi o que aconteceu, a empresa foi criada, e eu fui para ela. Para ser superintendente de planejamento, fiquei lá muito tempo, nessa ocasião eu passei a ser consultora da Agência Internacional de Energia Atômica, para formulação de cenários energéticos e nucleares no mundo. E nessa ocasião, passei a ir a Viana, uma vez por ano, no mês de Abril ou Maio, para reunião desse grupo, com representantes de várias regiões, eu era representante da América Latina. Tinha representante da América do Norte, da Ásia, da Europa, eram seis representantes, eu trabalhei nisso durante 11 anos. Até que as coisas... Angra 2 entrou em operação, salvou o racionamento que houve em 2001, de virar um blackout, que ela entrou com 1350mw, ali na veia, trabalhou maravilhosamente. Furnas ganhou dinheiro com essa energia de Angra 2, fantástico, que a gente vendeu para ela, a um valor que dava para sustentar a Eletronuclear, mas o mercado disparou, e ela vendeu no mercado por um valor quase 10 vezes maior. Então foi rios de dinheiro para Furnas. Angra 2 funcionou tão bem, que abriu espaço para a tomada de Angra 3. E ai começaram trabalhos, aprovações aqui, acola. E quando a coisa começou a deslanchar, tinha um problema de financiamento para Angra 3. Quem conduziu o processo era Eletrobras, e a Eletrobras não conhecia o setor nuclear. Então o presidente da Eletrobras, o Zé Antônio Muniz, pediu para a Eletronuclear emprestar uma pessoa para ajudar nessa elaboração desse financiamento, e eu fui, voltei para Eletrobras, a qual eu tinha sido assessora do presidente, voltei assessora do presidente. E trabalhei lá de 2009, 2010, 2011. Quando a diretoria de Furnas mudou e assumiu a presidência o presidente Flávio Decat de Moura, o qual eu fui caloura, na Universidade Federal de Minas Gerais. Ele era um ano na minha frente. E foi presidente da Eletronuclear, um irmão. Então ele me chamou para ir trabalhar com ele, na área de planejamento. Então eu sai da Eletrobras, o financiamento de Angra 3 já estava praticamente todo equacionado, parte com o BNDS, para com bancos estrangeiros e parte com a Caixa Econômica Federal, não me pergunta como, mas sim. Fui para Funras, fiquei lá de maio à agosto, quando então, foi feito uma grande reformulação na empresa, com carta branca da Dilma. Dilma deu carta branca para o Flávio Decat mudar tudo ali, porque aquilo havia ser tornado um antro de desvio de dinheiro, de um certo deputado federal, que presidiu a câmera. Então a empresa estava numa situação horrorosa. Ele então me chamou para ser diretora de uma coisa que não existe no setor elétrico, de novos negócios e participações. Para criar empresas, as chamadas de sociedades de propósito específico, as espécies, a gente fazia parcerias com empresas, outras, do setor privado ou não. E agregar um ativo a Furnas, na área de geração, e na área de transmissão, porque existia um decreto que não permitia Furnas conseguir financiamentos do BNDS, para ela como líder. Então foi criada essa diretoria, para criar essas SPS, que já existiam, nas quais Furnas sempre teria papel minoritário, 49% e o sócio 51%. Nessa ocasião, Furnas detinha 22 SPS. Quando eu sai em 96, Furnas detinha 81 SPS, a maioria delas de projetos eólicos na região nordeste, Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia. Foi uma experiência fantástica, uma das coisas que marcou muito essa minha passagem na diretoria de Furnas, foram as negociações, contatos com empresas chinesas. Que logo no primeiro mês, em setembro, outubro, nos chamaram para ir lá, para gente assinar um memorando de entendimento, para trabalharmos juntos. Eu fui conhecer a China achando que fosse chegar num país, cheio de gente de roupa cinza andando de bicicleta. Quando cheguei no aeroporto levei maior susto, nunca tinha visto nada tão bonito. Andando em Pequim do aeroporto, era ros ros, era os carros mais bonitos, prédios mais maravilhosos que eu tinha visto na vida. Tanto que quando eu voltei da China, dessa primeira viagem, eu fui três vezes a China. E passei em Frankfurt, era a city da Europa, eu falei, “gente, isso aqui é uma roça”. Porque a China era um negócio maravilhoso. Ficamos lá uns 10 dias, para assinar um memorando para trabalharmos juntos em geração eólica e hidroelétrica, que era hidrelétrica, é a vocação de Furnas. A China, quando construiu a mega Usina de Três Gargantas, ela veio ao Brasil, para aprender com os técnicos, com os engenheiros que construíram Itaipu, todo o nohau, e principalmente do sistema de transmissão e corrente contínua. Essa Usina de 3 Gargantas foi uma coisa que eu visitei, mas antes dessa visita, que dizer, negociamos muito, muitas negociações, muito demoradas, muito complicadas. Nós fomos a Mongólia, Mongólia interior, no norte da China, para visitar um parque eólico, que usava a tecnologia que nós iríamos fazer a parceria para Furnas utilizar. Uma viagem inesquecível, interior da China. Um canteiro de obras atrás do outro, cidades pequenas, com casas antigas sendo derrubadas, e Minha Casa Minha Vida sendo construídas, assim, as dúzias. Chegamos na Mongólia interior, um outro país, completamente diferente, pessoas completamente diferentes. Fomos visitar o tal parque, visitamos! A sede da empresa, primeiro, tivemos uma reunião, visitamos. E chegamos muito tarde, já com escuro, quando nós fomos subir lá no local, para pegar nosso material da reunião, não tinha luz no parque. Porque o sistema de transmissão tinha caído, nos tivemos que subir escada de lanterna na mão. E voltamos para hotel, fomos recebidos majestosamente, como todos os locais que a gente foi, um jantar maravilhoso. Uma cidade completamente diferente de tudo que você possa imaginar. De manhã acordamos com uma feira na porta do hotel, todo mundo vendendo tudo, batata, cebola, uma alegria. Voltamos, viemos por uma estrada perigosíssima, estreita, que transportava caminhões de carvão, para abastecer as térmicas a carvão. Naquela ocasião a China construía 6 usinas térmicas a carvão por semana. E já existia esse desafio de gerar mais por hidráulica, eólica, por uma questão de saúde pública. Os grandes centros, Pequim, a terceira vez que eu fui à China, você não conseguir enxergar, era só poeira de carvão, fumaça de carvão. Bom, voltamos, depois fomos visitar Três Gargantas, lá no interior da China, a maior barragem do mundo, maior que Itaipu, quase 40%. Mas não produz a energia toda que Itaipu produz. Porque é um projeto que foi feito com três objetivos, o principal objetivo era a regularização daquele rio, que inundava cidades, matava gente, o segundo objetivo era a navegabilidade desse rio, para escoamento de produção, e o terceiro objetivo produção de eletricidade, um montão de eletricidade. O projeto é uma coisa que você não consegue imaginar, com eclusas para navios para entrarem e transportar aquele muro barragem. Um sistema de levantamento de navios menores, de até 150 metros, por meio de um elevador, que leva menos de meia hora. O navio vem, chega, pega o elevador, sobe, coloca ele lá em cima, das coisas mais fantásticas. E uma região que era muito pobre, e que com os investimentos, com agregação de comércio e tal, estava explodindo em termos de crescimento. Voltamos, voltamos para o Brasil, passamos em Frankfurt na volta, ei falei que aquilo era uma roça. E depois fomos mais duas outras vezes, para negociar esse memorando. Aí já tinha, na terceira viagem, eles já tinham agregado a EDP, eletricidade Portugal. Que eles haviam comprado no pacote, e eles queriam entrar conosco no sistema de transmissão do Belo Monte. Isso uma empresa chamada Strait Bridg, que é a empresa de transmissão e distribuição da China. É uma empresa maior do mundo, a maior empresa do mundo, e que tem 1 milhão, 1 milhão não, o número de funcionários dela, é um negócio maluco, não sei quantos são. Bom, é a maior empresa do mundo. Veio para cá, fizemos sociedade com ela, no sistema de transmissão de Belo Monte, Furnas com Strait Bridg do Brasil. Que eles vieram para o Brasil, ocuparam um prédio maravilhoso na Avenida Presidente Vargas. A outra empresa que veio, era a empresa de geração de energia elétrica, com a qual nós fizemos parcerias em empreendimentos eólicos e hidroelétricos. Quando chegou em 96, por uma série de problemas, pessoais, familiares, eu tomei a decisão de parar, tinha ficado cinco anos em Furnas, e resolvi parar por demandas pessoais, familiares. Parei de ter carteira assinada, continuo trabalhando, em pelo menos umas cinco organizações, mas de forma de voluntária. É certo uma que é a, Confederação Nacional do Comércio, eu faço parte do Conselho técnico, esse eu recebo por reunião. As outras não, as outras eu pago, e pago com muito prazer, para trabalhar. No Clube de Engenharia, conselho, diretora, na Associação Comercial, no Instituto Ilumina e na Associação Brasileira de Energia Nuclear. Então são locais que eu me dedico, com muito prazer, com muito afinco, mas toda vez que eu tiver um problema, uma demanda pessoal, eu priorizo aquela demanda, é só. E guardo no meu coração, essa marca, com muito carinho. Nunca fui tão bem recebida num lugar, como em Furnas, meu coração continua lá. Senti muito abandono do escritório central, dos prédios da Rua Real Grandeza, que aquilo era uma cidade, vários prédios, muita gente. Quando eu fui para lá, em 88, Furnas tinha quase 13 mil empregados. Não no escritório só, mas no todo, é isso foi reduzido a cerca de 3 mil. E os escritórios começaram a ficar ociosos. Porque os prédios não pertenciam a Furnas, eles pertenciam a Fundação Real Grandeza, a Fundação de assistência dos funcionários. Então, o ano passado, foi tomada de decisão, fecharam. E foi uma coisa muito triste, porque o bairro de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, vivia em função de Furnas. Restaurantes, lojas, salão de beleza, agências de automóvel, tudo girava. Cartório, tudo girava em função das atividades de Furnas. Então junto com a sede, Botafogo perdeu um pedaço de si. E hoje eu estou aqui conversando com vocês, falando de Furnas, com uma alegria no coração enorme, enorme. Os olhos enchem de lagrima. É com muito prazer. E acho muito bonito, uma entidade denominada, Museu da Pessoa, se dedicar a Furnas. Eu acho que vai ser um acervo muito grande, para Furnas e para o Museu. Eu agradeço muito essa oportunidade que vocês me deram, de estar aqui, falando sobre esse tema, que é um pedaço do meu coração. Muito obrigada!
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P/1 – Imagina Olga, muito obrigada você! Me conta uma coisa, como é que foi ser diretora em Furnas? Você foi a primeira diretora mulher, ou existiram outras antes?
R - Eu gosto muito desse tema Mulher. Eu fui a primeira e única diretora mulher de Furnas, de uma certa forma, que é uma empresa de engenheiros, muito machista, causou um certo frisson. Mas olha, me receberam de braços abertos. Uma coisa que eu esqueci de te contar, quando eu estudava engenharia, com a turma de 70, tinha eu de mulher. Meus colegas me tratavam assim, como se eu fosse uma rainha né. Inclusive fiquei grávida, de barriga grande, não cabia na carteira, foi muito engraçado. E naquela ocasião eu falava assim: eu vou me comportar muito bem nessa vida, para que na próxima encarnação, Deus me traga homem. Porque a vida para os homens e muito melhor, muito mais fácil. Pensei assim durante muito tempo, e em 1992, na época da Rio-92. A Associação Comercial do Rio de Janeiro criou o conselho de Meio Ambiente, e eu fui convidada para participar. Participei, a gente fez um trabalho fantástico, esse conselho conseguiu viabilizar, aquele Fórum das ONGs no aterro do Flamengo. Isso foi uma marca assim, porque esses encontros das Nações Unidas, eles sempre foram muito fechados, chapa branca. E ali não, criou-se uma conferência paralela. E que deu muito mais audiência do que a conferência oficial. E nesse Conselho da de Meio Ambiente da Associação Comercial, eu conheci uma pessoa invulgar, a engenheira Clara Steinberg. Que era uma das primeiras engenheiras, formadas no Rio de Janeiro, dona de uma empresa chamada Cervenco, o qual ela e o marido eram os donos, ele o presidente, ela vice-presidente. Ela dizia o seguinte: quando a gente criou a empresa, quem ia ser presidente era eu, Jacó só pensava em diretório acadêmico, mas quando a gente foi levar para a Junta Comercial, que a mulher ia ser presidente, eles falaram, “não, mulher não pode ser presidente”. Então Jacó foi ser presidente. Clara era uma mulher que tinha uma visão social, uma coisa fora do comum. Ela foi a pessoa que criou o conceito do playground nos edifícios residenciais, eu acho que do mundo. Porque ela falava, “gente é um crime crianças não terem rua para brincar, e ficarem trancadas em apartamentos pequenos”. Então ela criou o conceito do playground. Uma outra coisa também que ela criou, lá na... Não foi ela quem criou, ela foi uma das criadoras. Foi uma entidade chamada Banco da Mulher, não sei se você já ouviu falar nisso. O Banco da Mulher é um ONG, ligada a uma ONG internacional, chamada World Bank. Ligada as Nações Unidas. Que é uma entidade para o fortalecimento da mulher. Naquele ano internacional da mulher, muitos anos atrás, essa entidade foi criada, baseado num conceito, de um economista, banqueiro, chamado Muhammad Yunus, de Bangladesh, mais conhecido como banqueiro dos pobres. Que criou um conceito de emprestar, centavo de dólar para mulher pobre em Bangladesh, para ela produzir coisas, artesanatos, e vender sem pagar agiota. Que ele descobriu que uma mulher, lá em Bangladesh de manhã, catava bambu, passava no agiota, pegava menos de 1 dólar, tecia cestos, vendia, voltava, e pagava o agiota com juros de um dia. E uma pequena fração era para o sustento da prole, da família. Ele era professor universitário, eu acho que ele era professora na Universidade da Califórnia, quando Bangladesh ficou independente, ele voltou. Eu não sei se ele foi ser Ministro, ou reitor de Universidade. O que é certo, é que nessas andanças dele, ele viu isso, e falou, “isso é um absurdo! Eu preciso achar uma forma de levar dinheiro para essas pessoas”. E criou um conceito, não só de levar o dinheiro, mas de ensinar as mulheres, o valor do dinheiro. E a gestão de atividades. Agora isso tudo num país islâmico, em que mulher não podia conversar com homem presencialmente. Então as reuniões eram feitas assim, num campo, com um lençol separando homens de mulheres. E ele então criou, o Grameen Bank. Não sei se você já ouviu falar. Se não ouviu, procura sabe. E foi criado então, no ano das Nações Unidas, essa entidade, que é o Grameen Bank, que tinha... que criou, subsidiarias. E no Brasil, o banco da mulher nasceu na Associação Comercial, com esse objetivo exatamente. De financiar, ensinar, o valor do dinheiro, até para as mulheres saberem precificar seu produto, porque tem isso, você faz, vende, mas não sabe quanto custou aquilo. E ajudar na comercialização. Esse banco foi criado, esse banco cresceu, ele passou a ter seções regionais, de Manaus a Pelotas. Tinha inclusive, uma no Rio de Janeiro. E nessa época, em 92, no ano da Rio-92, eu conheci Clara, que era a presidente do concelho do Bando da Mulher. E ela me chamou para ajuda-la na seção do Rio de Janeiro, que estava nascendo, fazer o estatuto e tal. Eu estava craque em fazer lei, porque eu tinha trabalhado na lei do Eliseu Resende. Então fui lá para o Bando da Mulher, e fiz o estatuto, regimento interno. E comecei a conviver com essas mulheres. E descobri um admirável mundo novo, que me deu mais vontade de ser homem na próxima encarnação. Nesse Banco da Mulher, eu fui, passei a ser conselheira, depois fui para a sede, como conselheira, diretora, vice-presidente, presidente, e assim fomos. Eu fui vice-presidente, quando a presidente era a Juíza Denise Frossard, não sei se você já ouviu falar. Aquele que prendeu os bancários do jogo do bicho aqui no Rio. Uma pessoa fantástica! Depois eu fui presidente, ficamos lá muito tempo. Mas o governo do presidente Lula, a quem eu respeito, tenho admiração. Criou uma figura financeira chamada Crédito Consignado. E esse crédito consignado, de uma certa forma, começou a engolir atividades das nossas regionais do banco da mulher. E uma delas, a maior, de maior sucesso, entrou num processo de inadimplência. Ela tinha financiamentos do BNDS, para fazer esse crédito, a rolagem do caixa para esses financiamentos. Ela ficou inadimplente, e o conselho superior da sede, teve que arcar com essa inadimplência. E nós diretores, presidentes e tal, tivemos que bancar esse rombo. Eu paguei uma parte grande, cada uma pagou igualmente, mas foi um dinheiro grande, não foi dinheiro pequeno não. E a gente chegou à conclusão, que trabalhar com dinheiro, em ONG, sem uma dedicação exclusiva, profissional, não dá. Então em 2005, nós começamos a fechar o banco, nós temos uma patente, Instituto Nacional de Propriedade Industrial. E a nossa Regional de Pelotas, quis continuar sendo a sede. E acho que ainda continua fazendo esse trabalho. Mas essa minha atividade no Banco da Mulher, me deixou muito gratificada, e muito orgulhosa de ser mulher. Nesse período eu comecei a ler muito, sobre mulheres na profissão. Li um livro fantástico chamado “The First Sex”, de uma antropóloga americana, chamada Helen Fisher, o primeiro sexo. E ela leva a moral nossa lá para cima, e diz que a mulher que é o primeiro sexo. Aquela história de Simone de Beauvoir, que é o segundo sexo. E é o primeiro sexo por quê? No momento da fecundação, o embrião, todo embrião é feminino. Ele para ser masculino, o cromossoma tem que se deslocar e fertilizar um cromossoma Y, que é o que dá origem aos homens. Aprendi muita coisa. Ela falando, como é que a mulher fala 8000 palavras por dia, homem fala só 4000. Mulher sabe quando o interlocutor tá mentindo, pela cara dele. Mulher na reunião presta atenção em todo mundo, homem fica olhando para o teto, coisas muito divertidas. Eu até escrevi uns artigos sobre isso. E quando eu fui para Furnas, eu fui com essa bagagem de primeiro sexo. Mas não tive problema nenhum, pelo fato de ser mulher, fui a primeira, e até hoje não teve nenhuma outra, que eu saiba, tenho certeza! Eu acompanho o dia a dia de lá até hoje, cheio de zap na minha caixa. Então eu acho que a sua primeira pergunta, está longamente respondida.
1:47:19
P/1 – Sim! E como é que foi para você? O que foi que você sentiu? O que você pensava? Nossa, fui a primeira diretora de Furnas, como é que foi isso para você?
R – Não me causou espécie não, eu já tive desafios na vida muito maior do que esse. E lá eu fui tão bem recebida, que não causou espécie não, nem lembrava que era mulher. Reuniões só com homem. Mas eu fui criada assim na universidade, eu nunca parei para pensar assim, “ah, eu sou mulher, cheia de homem em volta”. Então isso nunca me causou espécie. E o pessoal gostava muito de ter uma mulher na diretória, tinha uma série de assuntos, que eles não levavam para presidente, diretor, não, levava para mim, porque sabia que eu ia abrir um caminho, pelas vias femininas, sabe.
1:48:20
P/1 – E nesses anos todos, quem você acha que te marcou bastante em Furnas? Me fala um pouquinho do Eliseu Rezende, por exemplo?
R - Eliseu Rezende era uma figura invulgar. Ele era professor de cálculo, na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Belo Horizonte, e foi fazer um doutorado, em matemática na universidade de Nova York. Fez esse doutorado e terminou o doutorado com medalha de ouro, de (1:49:03...). Diploma lindo, com aquela medalha de ouro, que ele andava com ele, nas salas onde ele trabalhava, ele pregava aquilo, como que diz assim: eu não sou qualquer um não. Mas era uma pessoa, de uma delicadeza, de uma habilidade. E o que mais me impressionou nele, foi o seguinte. Quando ele chegou em Furnas em 89, ele não sabia nada do setor elétrico, ele era um especialista em transporte. Porque quando ele voltou de Nova York, para a escola de Engenharia, ele foi chamado, se não me engano, pelo Governador Magalhães Pinto, para ser diretor do DER, Departamento Estadual de Rodagem. E assim foi, e foi crescendo nesse setor de transportes, criou uma empresa chamada Geipot, que era uma estatal de projetos de transporte. Foi ser Ministro de Transportes, do governo Geizel, acho que sim. Mas nunca tinha trabalhado no setor elétrico. Ele entrou em Furnas, e começou a gerir a empresa, ficou lá de 89 a 92, dois anos e meio. Quando saiu de lá, era a pessoa que mais entendia de Furnas e de seus negócios. E uma coisa que eu aprendi com ele, que me causava surpresa, ele não tomava nenhuma decisão importante, sem chamar o contador da empresa, para ver o impacto daquilo no futuro de Furnas. Para mim contadora era coisa mais assim, secundária, nunca levei contabilidade a sério, tive até dificuldade de estudar contabilidade. Mas eu via que o Doutro Eliseu, não tomava uma decisão se quer, sem ouvir o contato. Que na época era um profissional chamado, Paulo Ralf, que depois foi até para a Eletronuclear. E aprendi muita coisa. A falibilidade, que era a pessoa mais agradável, ele era educado, ele não levantava a voz. Tinha um diretor que ele odiava. Porque no inicio da montagem de Furnas, ele queria ser o presidente, e o Itamar, que era vice do Collor, falou, “não, Furnas eu quero colocar o presidente”. E colocou o Doutor Eliseu. Esse diretor era uma pessoa, caráter meio dubio. Eu fui vitima até de um certo assedio, certo não, total. E ele saia para almoçar, tomava muito vinho, fumava charuto. Chegava atrasado nas reuniões de diretoria, com a boca cheia de fumaça, soprava na cara do Doutro Eliseu, que fingia que não tinha acontecido nada. Esse era o homem. E ele, de uma certa forma, foi quem desenhou o plano real. Nesse pequeno período de 2 meses e pouco, da mesma maneira que ele desenhou a solução para a inadimplência do setor elétrico, ele desenhou isso que foi o plano real, do governo Itamar. Todo mundo fala que o plano real foi do governo Fernando Henrique, não! Itamar era uma pessoa, muito interessante. Então esse era Eliseu Resende, e que faleceu, me fez uma perda muito grande. Fui no enterro dele em Belo Horizonte, mas continua vivo, eu as vezes até sonho com ele, muito bom.
1:53:19
P/1 – E tem mais algum funcionário, algum companheiro seu de Furnas que te marcou? Que você gostaria de registar aqui, de falar como foi trabalhar com essa pessoa?
R – Olha, muita gente. Os profissionais do setor nuclear de Furnas eram pessoas assim, excepcionais. Eles foram catados a dedos, os melhores, mandados... Não, primeiro eles foram mandados para o CDPN, onde eu trabalhava, na área de Termo Hidráulica, para fazer uma espécie de mobral nuclear. Saber o que era radiação, o que era isso, o que era quilo. E tiveram aulas em diversas divisões, departamentos, daquele centro. Eu inclusive, cheguei a dar um pequeno curso para eles, sobre a questão de Termo Hidráulica, escoamento bifásico. Eram pessoas excepcionais, que depois foram fazer curso nos Estados Unidos. E só os que passaram, foram admitidos para trabalhar na Usina de Furnas. De um modo geral, eles eram provenientes da Usina de Santa Cruz. Uma usina térmica a óleo. E eram criaturas excepcionais. O Sérgio Guimarães, Pedro Figueiredo, que foi diretor de Furnas Nuclear e depois da Eletronuclear e Presidente dela até. Uma confusão ai, proveniente da Lava Jato, mas que ele não estava envolvido. Ele cometeu um equivoco, de um investigado pela Lava Jato, que teve a sala lacrada pela policia federal. Chegar lá e pedir a ele, pelo amor de Deus, que ele tinha uns exames médicos dentro da sala, que ele precisava, que ele estava com um problema de saúde muito sério. O presidente, Pedro Figueiredo, chamou o pessoal da auditoria, chamou os advogados, para o cidadão ir lá, pegar aquilo e sair. O que aconteceu? Foi demitido porque violou uma área reservada pela policia federal. Como se fosse cumplice do outro. Bom, também é uma pessoa excepcional. Pessoas excepcionais também, eu conheci na área de planejamento de Furnas. E o pessoal que hoje eu convivo no Instituto Ilumina. Instituto Ilumina - Instituto de Estudos Estratégicos do Setor Elétrico. Que eu passei a ser diretora a partir de 2019. A gente tem reunião semanal, 3 horas de reunião, quinta de manhã. Esse que eu falei, que nunca caiu. Pessoas que tem uma visão, de energia, de eletricidade, uma coisa invulgar. Se um dia você quiser fazer um trabalho bonito, eu sugiro isso. E atualmente, a gente está fazendo um trabalho, muito relevante, que é a questão da privatização da Eletrobras. Eu vou ser sincera, eu sei que Furnas está engajada nesse processo. Mas nós, inclusive eu, acreditamos que uma empresa desse tipo, não pode ser privatizada. No mundo inteiro, os países comunistas, socialistas e capitalistas, usinas hidrelétricas, não são passadas, vendidas para iniciativa privada. Nos Estados Unidos, grande parte delas é operada pelo exercito americano. Por vários motivos, é um setor estratégico. Você gerenciar a água, a navegação, a produção, o gerenciamento do sistema. Que o gerenciamento do sistema elétrico brasileiro, principalmente agora, com essas intermitentes eólicas e solar, que na hora que não venta, que não tem sol, não tem energia. Quem está complementando, são as hidrelétricas com os seus reservatórios. E tem mais, essa empresa eles estão avaliando em função do balanço. Essa empresa e as suas subsidiarias, valem muito, muito mais, atualmente. Em função de duas coisas, primeiro o sistema de transmissão, do sistema Eletrobras, que é quase 60% dos sistema de transmissão do país. Isso ai, com o advento da tecnologia 5G, vai valer ouro. E outro coisa, os lagos dos reservatórios, que são enormes. Eu não sei se você já pegou um mapa mundi, assim de tamanho A0, mapa mundi geográfico. Você enxerga o reservatório de sobradinho, o reservatório de Furnas. Eles tem uma dimensão assim, tamanho desses reservatórios. Esses reservatórios agora, com o advento da produção de eletricidade fotovoltaica, que os preços estão caindo, ainda tem subsídio. Você colocar esses painéis, em cima de reservatório, o espelho d´água desses reservatórios, você vai ter uma coisa fantástica. Primeiro, a empresa que é dona do reservatório, ela não vai ter que alugar terra para colocar isso, não vai ter impacto ambiental. E a energia produzida, já vai direto para o sistema de transmissão da usina. E na hora que não tiver sol, você abre o seu reservatório. Então você vai ter uma produção constante. Isso vale uma fortuna. Isso não esta sendo contabilizado no valor da Eletrobras. Além disso, tem uma serie de outras coisas. Por exemplo, o Roberto Araújo, que é presidente, foi fundador desse Instituto Ilumina, que ele detalha, que a questão do modelo mercantil, que depois que você privatizar, eles vão vender isso para eles mesmos. Bom, mas eu achava até que isso não devia ser comentado. Então eu tenho me dedicado muito a isso, muito mesmo. A medida provisória 1031 está para ser aprovada, trata da descapitalização da Eletrobras. E eu tenho me dedicado muito a isso. Que mais? Esqueci até qual era a pergunta.
2:00:54
P/1 – Me conta um pouquinho sobre o perdido de Furnas Nuclear, enquanto ela...
R – Ah, vc tinha me perguntado sobre pessoas invulgares né? Eu comecei a falar da área de operação, depois eu falei da área de planejamento. Mas a pessoa, talvez mais invulgar de Furnas, tenha sido Jhon Cotrim, o autor desse livro, ou eu diria, o dono de Furnas. Eu tive o privilegio de trabalhar com ele durante quase... Não era todo dia não, era alguns dias, algumas horas da semana. Quando eu estava na diretoria financeira de Furnas, para levantar toda essa história de Furnas e escrever esse livro. Ele era uma pessoa invulgar. Inclusive do ponto de vista pessoal, porque... Não, isso aqui não é bom falar não, mas ele era diferente, ele tinha um comportamento sexual muito diferente, que naquela época, uma pessoa como ele, era como ser mulher em Furnas, diretora. Mas nunca... Era uma pessoa invulgar. Outra pessoa que também marcou muito, foi o presidente que me levou para lá, o Flávio Decat. Uma pessoa empreendera, uma negociador fantástico. Furnas era cheio de pessoas maravilhosas. Eu fiquei falando, eu vou esquecer de alguém, num tá legal.
2:02:42
P/1 – É meio injusto essa pergunta, porque fica muita gente de fora, naturalmente né.
R – É! É igual quando você chega assim, para fazer uma apresentação para uma plateia enorme e começa, fulano de tal, beltrano de tal, tal, tal, tal. E esquece do seu maior suportador, querido e amigo, que tá lá na ultima fileira.
2:03:04
P/2 – Queria volta no Doutro Cotrim, porque estamos encontrando poucas pessoas que conviveram com ele. Aí eu gostaria que você descrevesse um pouco mais essa relação no trabalho, vamos tirar essa outra parte. E descrever um pouco essa relação, porque ele foi uma pessoa muito importante na empresa.
R – Eu diria que ele não foi importante, ele foi o pai de Furnas. Foi ele que criou Furnas, foi ele que fez tudo de importante de Furnas. Depois que ele saiu, pouca coisa importante foi feita. Inclusive, atividade nuclear, foi ele que levou para Furnas. Porque ele falava: uma empresa como Furnas, tem que liderar essa tecnologia nova. Do ponto de vista pessoal, ele era uma pessoa muito (2:04:09..), muito bravo. E as pessoas tinham muito medo dele. E quando eu fui... Eu não trabalhei diretamente com ele. Quando eu fui para Furnas em 88, ele já tinha saído, ele estava em Itaipu, era diretor de Itaipu. Então, eu fui ter contato com ele, no comitê (2:04:40...) Que ele foi quem criou o comitê Brasileiro, desse Conselho Mundial de Energia. Ele que era membro disso na Europa, e criou o comitê brasileiro. E ele sempre foi o Presidente do Conselho Honorável. E tinha uma sala em Furnas, para ele, com todo acervo desse Conselho. Ele tinha um assistente, que era um engenheiro, o Malhães, tinha um outro que trabalhava lá também, o Salmito, duas secretárias e um continuo. E ele ia lá, praticamente, todos os dias da semana. E por acaso, ficava no mesmo andar da Diretoria Financeira de Furnas. E eu comecei a ter contato com eles, conversando sobre nuclear, sobre energia e tal. Um belo dia, ele perguntou se eu não queria trabalhar num projeto com ele, para escrever a história de Furnas. Porque ao longo da minha vida também, eu fui professora, orientei 8 teses de mestrado. Uma coisa que eu fazia muito bem era fazer levantamento bibliográfico, para fazer um trabalho. E ele viu que eu tinha essa agilidade, então me chamou para trabalhar. Era aquele grupo do comitê, e eu de sapo. Trabalhamos muito tempo, eu aprendi muito com ele. Olha, só comparo com ele, professor Hervásio de Carvalho. Hervásio Guimarães de Carvalho, que foi presidente da Kine, que se vocês quiserem a gente pode conversar sobre ele. Foi o primeiro PHD em energia nuclear do mundo. Meu amigo pessoal e uma pessoa maravilhosa. E o Dr. Cotrim, ele era uma pessoa invulgar, muito culto, sabia tudo de engenharia, do diabo a 4, sabia de tudo. De arte, de museu, de livros. Quando ele descobriu que eu gostava dos livros que ele gostava, aí ele começou a me tratar com um certo carinho, ele era muito, muito, duro. E quando a gente conversava e eu falava de Usinas Térmicas, ele virava e falava assim: minha filha, eu sou engenheiro de água fria, não entendendo nada de água quente, vamos mudar de assunto. Não entendia nada de usina térmica, ele só entendia de usina hidráulica. Mas era uma pessoa fantástica, fantástica, capacidade de percepção de coisas muito na frente. Inclusive das corredeiras de Furnas, que ele viu que aquilo era uma preciosidade. Mas eu não convivi com eles. Eu tive muito contato com o Francisco Noronha, que depois foi presidente de Furnas e foi quem viu pela primeira vez as corredeiras. Que ele era amigo pessoal do meu marido, então eu convivi com ele. E aprendi muito também sobre esses antecedentes de Furnas, com o Dr. Noronha. Que mais de Dr. Cotrim. E como eu disse, eu convivi com ele num ambiente completamente diferente do ambiente profissional de Furnas. Então eu conheci a pessoa, admirável, admirável. Muito bravo, ele descompunha a gente por qualquer bobagem que a gente fizesse. E gostava muito de um charuto. Eu me lembro que uma vez a gente foi almoçar, num restaurante lá no Flamengo. Porque naquela época podia fumar. Ele então acendeu o charuto e tal. A gente pegou um táxi para voltar, e ele guardou o charuto no bolso, aceso. O charuto começou a pegar fogo, gente, foi uma cena patética, teve que pegar o extintor.
2:09:05
P/1 – Como é que foi para você, resgatar um pouco dessa história de Furnas junto com o Jhon Cotrim? Tem alguma passagem da história de Furnas que te chama mais a atenção, que te prendeu mais? Tanto que você viveu, tanto que contaram para você.
R – Olha, viver eu não vivi isso, eu não vivi isso. Furnas foi inaugurada no governo Kubitschek, que eu estava no primário. Eu ia votar no Juscelino se ele fosse JK 65, mas até então não tinha titulo de eleitor. Eu não acompanhei a construção, tudo que eu aprendi dessa construção, foi fazendo isso aqui, principalmente ouvindo os relatos dele. Eu não me lembro de nada assim que tenha me marcado muito, foi o conjunto. O que me marcou mais eu já toquei aqui duas vezes, foi a descoberta das corredeiras, isso foi o que me marcou mais. E depois tem uns filmes, que a Daniela deve conhecer, da construção. E mostra exatamente isso, e tem um modelo reduzido da Usina, eu não sei se ele ainda existe, mas tem um filme do Jatobá. Jatobá era o grande narrador de documentários no Brasil, sobre a construção de Furnas, é muito bonito, muito bonito.
2:10:48
P/1 – Me fala um pouquinho dos prédios da Real Grandeza, como que era o clima? O que havia lá para os funcionários? Como que era o dia a dia ali?
R – Aquilo ali como eu disse, era uma cidade. E os prédios, eles foram projetados com um padrão de qualidade, de primeiro mundo. Basta dizer o seguinte, as janelas eram de vidro duplo, com a persiana correndo dentro dessas duas camadas. As divisórias, eram todas de madeira de lei, de modo geral, outras eram de uma formica que nunca estragava. Então era um local maravilhoso. E existia o andar da presidência, era o 16º andar, e existia no 17º, um salão enorme, que era o local de almoço da diretoria e dos mais iguais. Que eram superintendentes e chefes de departamento. Furnas, a casta, a divisão de casta lá era uma coisa fantástica, pior do que na Índia. Eu me lembro que quando eu fui trabalhar lá em 88, que tinha um elevador para os mais iguais, que eram esses que frequentavam o 17º. Um dia esse elevador abriu, os mais iguais entraram, e um deles, meu amigo, virou e falou assim: você é minha convidada. Eu não sabia que tinha isso no mundo, mas Furnas era assim. Espaços enormes, uma acomodação. Tinha no manual de, não sei se era pessoal, ou de administração, o desenho, cada pessoa pelo nível hierárquico, o espaço físico que poderia usar. Então o diretor tinha uma sala enorme, com não sei o que, uma entrada com 3 ou 4 secretarias, 4 assistentes. Quando eu cheguei para ser diretora, eu peguei uma sala dessas. Eu fiquei horrorizada com a quantidade de coisas que tinha naquele espaço, e as pessoas para me paparicar. Eu falei: isso aqui é um latifúndio improdutivo. Uma das coisas que o Flávio Decat fez, foi acabar com essas salas de diretoria, levar todos diretores para o andar da presidência. Em salas pequenas, com portas abertas, todo mundo se falando o tempo todo. Porque naqueles latifúndios improdutivos, se eu tinha um problema de finanças, eu tinha que pedir para a secretária, para ligar para a secretária do diretor e pedir para ele marcar uma hora para eu ir lá, conversar com ele. Isso em pleno século XXI. O Bradesco a 50 anos, trabalhava com a diretoria toda em torno de uma mesa, Furnas não. Então esse era o clima. Então, para cada posição, você tinha direito de um tamanho de sala, um tamanho de mesa, um número de cadeiras, mesa de reunião ou não. E isso assim, naquela gradação. Tinha o pião que não tinha nada, não tinha, todo mundo em Furnas tinha tudo. Mas isso com a ida do Flávio Decat para Furnas, Furnas mudou muito, uma quebra de paradigma. Ter um problema financeiro, levantar, entrar na sala do Niemeyer com o papel na mão, e falar, “Niemeyer o que é isso aqui”? Na mesma hora resolvia, voltava, as vezes nem agradecia. Então isso foi uma quebra de paradigma. O ambiente de Furnas era quase que de uma corte. O prédio não tinha um luxo de detalhes, mas tinha uma infraestrutura fantástica. Em termos de arquitetura. Furnas tinha os blocos, bloco A foi o primeiro a ser construída, era onde fica a diretoria, depois o bloco B, que era um bloco para o pessoal da operação, depois construíram o bloco C, que era o maior de todos, depois o bloco E, que era do despacho de cargas. E um monte de casinhas de agregados. Então era uma cidade. Tem uma lenda urbana, que um dia um senhor do interior, estava andando ali pela Real Grandeza, procurando um endereço e tal. E parou lá na porta de Furnas, olhou aquela coisa, e falou assim: nossa, o que é isso? “É Furnas, empresa, produz eletricidade”. Ai ele virou para o guarda, “e quantas pessoas trabalham ai”? O guarda falou assim, “nem a metade”. Uma lenda, nem a metade. Era gente de mais.
2:16:31
P/2 - Eu queria saber da sua indicação a pessoa do ano da ONU? Essa sua relação com a ONU que eu acho tão bonita. Essas premiações...
R – Eu acredito que foi muito em função, de ser mulher, diretora em Furnas. E do meu passado como militante da causa das mulheres, que não tem os privilégios de outras. No meu trabalho voluntário no banco da mulher. Que em qualquer lugar que me perguntava sobre questão de ser mulher, profissional e tal. Eu nunca deixei de levantar essa questão do Banco da Mulher, que eu acho que foi uma coisa muito importante na minha vida, na minha cabeça e no meu comportamento. Foi uma indicação que ela nasceu de Furnas. Porque o Brasil mandou uma série de pessoas, eu acredito até que a Margarete, que é diretora financeira da Itaipu, também recebeu. Foi uma coisa que me deixou muito honrada. Mas a indicação partiu de Furnas, eu acho que foi a Ana Cláudia que indicou. Não tenho certeza. Não, passou pela diretoria e tal. Mas eu acho que tem um dedo grande da Ana Cláudia.
2:19:15
P/1 – Esse período de Furnas Nuclear, como é que Furnas recebeu essa área? Você viu isso acontecendo, como é que recebeu essa responsabilidade da energia nuclear no Brasil? Como é que foi o período que Furnas tinha energia nuclear?
R – Eu vivi diretamente, muito pouco dentro de Furnas, esse período. Eu acompanhei, por exemplo, o fato de Furnas ter sido escolhida para construir e operar, a primeira usina nuclear brasileira, que foi Angra 1. Como a consequência do milagre econômico. O milagre econômico, como a gente falou, ele trouxe taxas de crescimento econômico de dois dígitos. E o consumo de eletricidade é maior do que, era naquela época, maior do que o crescimento da economia. Então era vislumbrado, que o potencial hidráulico brasileiro... O Brasil então vivia em função de usinas hidráulicas. Que o potencial existente ia se esgotar, e não ia existir uma coisa para substituir, num volume necessário. Então, o chamado plano 90 da Eletrobras. A Eletrobras fazia o planejamento do setor, através de planos decenais. E o plano 90, pegava o período de 1990 até 2000. E viu que ia precisar de usinas nucleares, de pelo menos 8, naquele período. Isso nos anos, eu acho que 70, final dos anos 70. Então para as pessoas saberem que era uma tecnologia complexa, que precisava ter um “norral”, para lidar com ela. Então resolveram comprar a primeira usina, para trazer experiência para o país. E a empresa escolhida foi a empresa do setor elétrico, que tinha mais capacidade tecnológica, competência. Empresa essa, que era Furnas Centrais Eletricas. Essa decisão foi tomada no final dos anos de 1970, o contexto da Eletrobras. Então tomou-se a decisão de construir essa primeira usina. Ela foi comprada nos Estados Unidos. A empresa Westinghouse, que era, e ainda é, até hoje, a maior fornecedora de reatores nucleares do mundo. Apesar até de hoje praticamente produzir muito pouco. Naquela época era a mais, a que tinha melhor performance, foi uma boa escolha. Uma discussão muito grande na época, se devia ser aquele tipo de reator, se não devia ser um reator água pesada. O que é certo é que foi comprada. Furnas começou a construir. Não foi uma empreitada de sucesso, ela demorou ficar pronta, ela estourou orçamento, ela entrou em operação, e vivia ligando e desligando, recebeu o codinome Vagalume. Usina Vagalume, que piscava, ascendia, piscava, ascendia. Até que, com a criação a Eletronuclear... Porque em Furnas o nuclear era uma espécie de uma Geni. Eles gostavam mesmo, era de hidráulica. A diretoria de produção termonuclear era mal vista, não tinha prioridade orçamentária. E quando nuclear foi para uma empresa que só cuidava disso. Nuclear era e é o cobusineses da Eletronuclear. Aí a empresa começou a se dedicar a Angra 1, para ela melhorar a performance. Trocou-se os geradores de vapor. E depois dessa troca dos geradores de vapor, Angra 1, está funcionando redondo. É uma das melhores do mundo e, diga-se de passagem, em 2020, a usina que foi considerada a melhor produtora de eletricidade do mundo, foi Angra 2. Com um fator de desempenho acho que de 99,4%. Foi a campeã de desempenho. Isso é fruto de estar numa empresa, no qual, a geração nuclear é prioridade. Só fazem isso, estão fazendo muito bem. Então, sair de Furnas, para o setor nuclear, no primeiro momento, foi muito ruim. A médio e longo prazo foi ótimo. Porque passou a ser prioridade zero na empresa, e não prioridade 15 como era em Furnas.
2:24:42
P/1 – Você já me deu a pista que o seu marido morava perto de você, mas como foi conhecer ele? Quando você conheceu ele? Quando foi que começou o namoro?
R – Começou... Naquela época, todo namoro, de uma certo forma, começava nas horas dançantes. Que eram reuniões em casa de famílias, se colocava discos na eletrola, dançava-se, convidava as pessoas, dançava-se, tomava-se cuba livre. Não tinha nem salgadinho, nada disso, servia coca-cola ou cuba livre, e a gente ficava dançando. Naquela época moça não encostava em homem, mas na hora dançante, você segura a mão, você encostava o rosto. E era assim que os namoros nasciam. O meu mais ou menos nasceu assim. Porque a gente era da mesma tribo né. Tinha um cinema também perto, que era um cinema do colégio Arnaldo, que era muito divertido, passava filmes antigos, porque era mais barato. Mas a gente também tinha uma paquera lá nesse cinema. E foi assim que a gente se conheceu, a gente se namorou, a gente se noivou, a gente se casou. Temos dois filhos maravilhosos. O mais velho, Luiz Simbalista Neto, que eu já falei do nascimento dele, que é médico. E a minha caçula que Renee Leão Simbalista Kovacs, que é engenheira de alimentos. Ela formou em Viçosa, na Universidade de Viçosa, fez mestrado lá, fez doutorada na USP, lá na área da saúde, na casa do Climatério. Ela fez uma tese muito bonita, sobre a importância da linhaça na menopausa. Foi um trabalho, lindo, lindo. E pra fazer isso, ela abriu 3 frentes diferentes, o conhecimento da linhaça, o conhecimento da área médica, do Climatério. E aprendeu fazer pão, lá no sindicato dos padeiros. Você conhece? Aí em São Paulo. Ela ia para lá uma vez por semana fazer pão de linhaça. Ela é cigana, ainda é. Conheceu num bloco de carnaval, em Santa Tereza, aqui no Rio, um francês, chamado Antonin Kovacs, e se namoraram. Ele levou ela pra a França com ele e tal. Ai um belo dia, nasceu uma Luiza, que tem 11 aninhos, Luiza Kovacs. 40 dias depois, nasceu um outro neto aqui no Brasil, Pedro Pimentel Simbalista, também agora com 11 anos. E 3 anos depois, nasceu o Kovaquinhos, Jacques Kovacs, em Macaé, Rio de Janeiro. E agora eles estão morando na França, ele trabalha em Mônaco, na ESPN. Ela é... tem aquela empresa Holandesa, a nave mãe da Lava Jato, lembra? Que ele trabalha em Mônaco, nessa empresa, e a família, eles moram em Nice, fica 30km de lá, no sul da França. Uma cidade muito bonita, meu Deus, como é linda. E a pandemia, não deixa vê-los pessoalmente. Tem o Pedro aqui também, que eu tenho visto pouco, em função da pandemia. Adoro meus netos, nunca pensei que existisse nada no mundo, algo como ter neto. Um dos motivos que me fez sair de Furnas, foi que a minha neta Luiza, quase morreu, de uma apendicite supurada em Macaé. E quando eu fui para lá, e senti aquilo, eu falei: gente, eu tenho uma preciosidade nas minhas mãos, e eu estou me dedicando tão pouco a essas pessoas. Pouco depois o meu marido apareceu com câncer, e aí eu falei: não! Melhor coisa do mundo são os meus, principalmente os pequeninhos. Eu tinha também dois netos de quatro patas, o mais velho faleceu, sofri muito. E a outra agora, tá tomando champanhe com queijo francês, está em Nice. Todos os dois vira-lata, um achado na lata de lixo, e a que mora, agora na França, ela foi encontrada no centro do Rio, na praça Paris, na Glória, e o nome dela é Glorinha. E os meninos chamam de Gogoia, nasceu na praça Paris, foi morar na França. Então essa é a minha linda família. Meu marido, o melhor marido do mundo. Que marido nenhum que eu conheço... Eu acho que seu eu não fosse casado com ele, eu não era casada mais. Mas o que ele me deu de suporte, tudo da minha vida, principalmente na minha vida profissional. A minha ida a Alemanha, eu não ia, ele falou: você tem que ir! “Mas eu vou deixar dois filhos aqui”? Ele falou: eu cuido deles! E cuido evidentemente melhor do que eu. Minha mãe foi morar lá em casa. E é isso! Esse admirável mundo elétrico. Mas eu sou uma mulher atômica.
2:31:51
P/1 - Tem alguma diferença entre ser mãe e ser avó?
R - Completamente diferente. É aquele jargão, a avó, por exemplo, se eu tivesse que cuidar dos meus netos, como eu cuidei dos meus filhos, eu não tenho força física para isso, passar noite em claro e tal. Mas em compensação, o coração está livre de uma série... está mais purificado. Então você ama plenamente, você tem tempo de amar de uma forma diferente. Os filhos para mim, era quase como se fosse um empreendimento que eu tinha que colocar operacional e funcionar bem. Amava e amo até hoje, mas o neto é diferente, porque eu não tenho que colocar eles para funcionar, eu só quero paparicar, eu quero dar presente, eu quero comprar coisa que eles gostem, é diferente, é lindo. Deixa eu mostrar meus 3 aqui. Eu tenho porta retrato deles, do dia que nasceram, com 3 anos e depois com 8. Aqui é com 3 anos, a Luiza, essa aqui nasceu em Paris, que teve o problema, quase morreu. Esse aqui é o Pedro, que é aqui, carioca, e que é uma paixão. E aqui o Jaquito, o mais safado de todos, o caçula. Jacques Covacs. Então são as paixões da minha vida.
2:33:48
P/1 – E Olga, como é que você enxerga o seu futuro? Tem algum plano ou não? Como é que tá?
R – Essa pandemia, ela mexeu muito com a gente. E todo dia, eu sou chamada, 3 a 5 vezes, na televisão, de idosa. Já tive covid, em dezembro. Meu marido teve muito mal, chegou a ser internado, duas vezes. Já vacinei. Hoje em dia a coisa que eu mais quero e voltar a ver os meus netos que estão lá fora, que eu não consigo. Graças a Deus, tem uma tal de uma tecnologia, que nos trouxe whatsapp. Eu falo com eles, as vezes duas vezes por dia, vejo eles brincando no parque, fazendo dever de casa. Eu as vezes falo mais com eles, do que com o Pedro que mora aqui no Rio, na Barra. Mas o Pedro ainda vejo, final de semana. Pego, beijo, agora já pode beijar né. Eu vejo o futuro, o seguinte: desde a infância que eu não fazia festa de aniversário, eu deixei de gostar. Quando eu fiz 60 anos, eu resolvi fazer uma festa para mim. E todo mundo que eu encontrava, eu chamava para a minha festa. Minha casa ficou entupida, tinha mais de 100 pessoas. Quando chegou no 70, eu fiz de novo festa. Aí um amigo, que você até devem conhecer, secretário de energia, o Altino Ventura. Ele falou assim: Olga, você é muito doida, única mulher que eu já vi, fazer festa de 70 anos. Eu falei: Altino, espera a de 80. Vai ser muito melhor. Então eu estou programada para ir levando a vida. Eu ando de bicicleta todo dia, eu nado quase todo dia. Gostei mais de viver depois quer fiquei velha, do que antes, principalmente adolescência. Minha adolescência não foi boa. Minha neta um dia, virou para mim e falou assim: vovó, quantos anos mamãe tinha quando você ficou velha? Eu falei: essa é pergunta de prova final de pós doutorado. “Foi a tanto tempo que eu nem me lembro mais”. Quantos anos mamãe tinha, quando você ficou velha?
2:36:47
P/1 – Como é que foi contar um pouquinho da história hoje?
R – Foi muito gratificante. Eu nunca fiz analise, terapia, nunca fiz. Mas eu sempre falei dos meus problemas, para a pessoa que tivesse mais perto de mim, sempre. E me faz muito bem, sinto que é uma terapia. Teve uma ocasião que eu tive depressão, isso foi em 2002, eu tive dengue, foi um monte de coisa atrapalhada, tinha parado de fumar, menopausa. E a coisa que mais me ajudou, e que eu não escondia de ninguém, eu falava: estou com depressão. Eu chorava o dia inteiro. Não parei de trabalhar. E usava as pessoas que estavam em volta de mim, para me aliviar. Consegui sair dela, respeito muito. Tenho pavor da depressão, que é a pior doença do mundo, pior coisa. Eu tinha um amigo, que teve depressão, um dia ele virou para mim, e falou o seguinte: ter depressão e estar condenado à vida. A vida é um fardo. Daí tanto suicídio de pessoas que sofrem de depressão. A vida é um fardo. E não pode ter nada pior do que a vida ser um fardo. Hoje eu vejo a vida com muita alegria. E enquanto eu puder, vamos em frente. Não tem planos não, eu não sei, acho que não está na hora de fazer planos. Quero continuar vivendo do jeito que eu estou vivendo. Tendo as minhas ONGs, meus amigos. E a minha família que a coisa mais importante que eu tenho. Conhecer pessoas como vocês. Gente, passar uma manhã assim, conversando, falando, contando coisas tão engraçadas pra mim.
2:38:57
P/1 – Tem alguma pergunta que eu não fiz? Alguma coisa que você gostaria de falar, antes da gente terminar.
R – Acho que não! Se vocês pensarem alguma coisa depois, me contata. Eu vou mandar umas fotos para vocês.
2:39:12
P/1 – Com certeza, com certeza! A gente agradece muito.
R – Eu achei um foto minha outro dia, do 4º ano primário. A época da formatura. Formatura essa, que o Juscelino foi paraninfo. E eu formei em primeiro lugar, ele me deu a medalha. Eu esqueci de falar isso.