Da informática para música
Autor:
Publicado em 14/11/2021 por Danilo Eiji Lopes
Entrevista de Carlos Miziara
Entrevistada por Torigoe / Daniela
23/04/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número FUNAS_HV004
Transcrito por Aponte
00:00
P/1 - Oi Carlos, vamos lá, a primeira pergunta ela é padrão. Qual o seu nome completo, data de nascimento e onde você nasceu, por favor?
R - Meu nome completo é Carlos Pinto Miziara, eu sou do signo de câncer 24 de junho de 1947, sou natural aqui do Rio de Janeiro.
00:37
P/1 - Carlos, você nasceu em que Hospital, você sabe? Os seus pais te contaram a história de quando você nasceu, alguma coisa desse tipo?
R - Sim, eu nasci na Tijuca, no hospital Gafrée Guinle, na época ele tinha, hoje em dia já não tem mais, maternidade, mas na época tinha, na década de 40. Basicamente é isso, hospital Gafrée Guinle, aqui na Tijuca, no Rio de Janeiro.
01:11
P/1 - E você tem irmãos Carlos, como é essa escadinha?
R - Sou eu e mais dois irmãos. Eu sou o mais velho, eu tinha um irmão que faleceu há uns 5 anos atrás, com 66 anos, e tem um irmão mais novo, que foi, inclusive, comissário da Varig internacional durante 30 anos. Já aposentado, inclusive.
01:38
P/1 - E qual é o nome deles, Carlos?
R - O falecido é Eduardo Miziara e o mais novo é Roberto Pinto Miziara.
01:51
P/1 - E seus pais te contaram porque que eles escolheram esses nomes, Carlos, Roberto?
R - O meu nome, dos meus irmãos eu não tenho muita notícia não, mas o meu nome foi homenagem a um grande amigo do meu pai, Carlos Pifano, que era trabalhava com ele há muitos anos, e que frequentavam muito minha casa tal, era muito amigo do meu pai de longa data. Então foi em homenagem a ele, Carlos.
02:22
P/1 - Fala um pouquinho para mim do seu pai, o nome dele, a profissão, como que ele era?
R - O meu pai era um camarada muito inteligente, sabe, era um pequeno gigante, ele tinha 1,48m de altura, era um camarada que teve poliomielite cedo, mas se recuperou, ele mancava um pouquinho, sabe, mas uma cabeça fantástica. Infelizmente, faleceu muito cedo, aos 47 anos. Ele era diretor de uma empresa multinacional, na época muito estressado, fumante inveterado, mas não queria muito se cuidar não. Mas como pai era um camarada fantástico, eu convive mais com ele né, ele gostava muito de futebol e eu acabei caminhando por essa coisa, botafoguense roxo, eu sou flamenguista, ele nunca entendeu isso, porque ele me levava Maracanã para assistir jogo do Botafogo, o Garrincha acabava com flamengo e eu insisti ser flamenguista. Na década de 70, só, ele já tinha falecido, foi quando eu fui a forra né, que o Flamengo surgiu com time muito bom, com Zico companhia, aí eu comecei a me vingar das derrotas do Botafogo. Mas ele era um camarada muito bacana, eu convivi pouco com ele né, por que ele faleceu precocemente, convivi mais com ele do que meus irmãos, porque eu tinha 19 anos quando ele faleceu. Ele me acompanhava para jogar bola, eu jogava bola e ele adorava, curtia muito, dava muita força. Cheguei a treinar no Flamengo por indicação dele, ele tinha um amigo que era o diretor do Flamengo, fui até selecionado, mas a minha mãe achava que futebol não ia dar em nada não, o negócio era estudar, e aí tinha um confronto né, o treino era de manhã a aula de manhã, então eu acabei. O Brasil acabou perdendo um grande craque. É isso, ele era um pai muito presente, morreu muito jovem, deixando eu e meus irmãos, aí a coisa pegou né, porque embora ele fosse um diretor de empresa, naquela época você não... Ganhava-se muito bem, mas gastava-se muito, não se pensava muito no futuro. Então, quando ele faleceu, não deixou nada, não tinha um apartamento, não tinha nada, deixou uma pensão para minha mãe, aí a gente teve que ir à luta realmente, foi quando eu comecei realmente a trabalhar.
05:16
P/1 - Calos, qual é o nome completo dele, só para registrar?
R - Nagib Miziara, o meu avô paterno ele era Libanês.
05:30
P/1 - Me fala um pouquinho então, pegando esse gancho, da família do seu pai, eles têm uma ascendência libanesa? Eles vieram para o Rio de Janeiro, é isso, como que é essa história?
R - Isso, isso, a minha avó, mãe do meu pai, ela veio de Minas, conheceu o meu avô aqui no Rio, e tiveram seis filhos, o meu pai era o segundo da família né. E minha avó tinha uma pensão aqui em Botafogo, uma mulher muito batalhadora sabe, com muita vontade de trabalho, e criou esses três filhos de uma forma bem coerente, bem bacana. Era família classe média baixa, não chegava a ser classe média normal. Mas os tempos eram outros, você podia ter seis filhos tranquilamente, criar os filhos sem muito problema, sem muito atropelamento, e ele era o segundos da linhagem dos filhos, tinham duas mulheres e 4 homens.
06:56
P/1 - E o seu avô, você sabe a história do seu avô? Como ele veio para cá, como foi?
R - Olha, a história do meu avô é um pouco nebulosa, porque se perde um pouco, eu não tenho muita informação não. Ele veio, ele migrou para cá praticamente sozinho né, tinha alguns parentes aqui, mas distantes, eu não sei muito bem essa história, foi quando ele conheceu minha avó. Ele faleceu, também, precocemente, ele deve ter morrido, mais ou menos, com 60 e poucos anos, teve um infarto e faleceu. Ele era um comerciante, tinha uma loja aqui no Rio. Não tenho, assim, muita informação dele não, porque na verdade os meus tios, todos, já faleceram né, não tem mais nenhum vivo, dos seis filhos todos já faleceram, então a história se perde um pouco no tempo, não tem muita informação. Eu tenho informação da época que eu convivi com eles, mas historicamente, lá traz. Outro dia, eu entrei no Google para saber a origem da família Miziara e tal, você descobre muita coisa, muita coisa aqui que aparece, alguns tios que eu me lembro da minha infância e tão, mas a história toda, com detalhe e tal, é meio difícil porque a família também, os ramos da família são muito grandes. Tem muito Miziara em Uberaba, em Barretos, no rio tem pouca coisa, mas o grosso mesmo é mais Uberaba, Uberaba tem muitos parentes meu, tem primos que eu, de segundo, terceiro, quarto grau, que eu não tenho a menor ideia. A pouco tempo eu estava no evento apareceu uma garota, Miziara. Eu perguntei, eu sou seu parente e tal, de onde você? Poxa, ela falou de uma cidade que não tinha a menor ideia, não conhecia ninguém, não tinha a menor referência do que era, sabe, e ela falou você meu parente, eu falei sou, anota aí que eu sou seu parente, deixa pra lá.
09:10
P/1 - Agora, vamos para o outro lado da sua mãe, qual que é o nome completo dela?
R - A minha mãe é Vera Pinto Miziara. A minha mãe faleceu tem exatamente três anos, aos 94 anos de idade. Ela morreu de velhice, ela ficou velhinha realmente. Tinha muita saúde, não tinha problema nenhum de saúde, morreu por velhice mesmo, as coisas foram parando né. A minha mãe já é de da cidade de Campos, no estado do Rio de Janeiro. Ela tinha três irmãs, três irmãs e mais um irmão do segundo casamento da minha avó. Então eles vieram, a minha avó, engraçada, essa história é interessante, a minha avó tinha um, lá na década de 20 mais ou menos, tinha um armazém de Secos e Molhados, lá em Campos, e o filho do marido dela, do primeiro casamento, ele se meteu em algumas encrencas lá de jogo, não sei o que, o cara quebrou o velho, quebrou velho, ele tinha que pagar todo mundo, então a família foi destruída, e essa minha avó juntou todos os filhos veio para o Rio, tentar a vida aqui. Eram três mulheres, 4 mulheres e 1 homem, o homem era o mais velho, que era meu padrinho, o Villar. E batalharam muito aqui no Rio, sabe, a minha mãe, muito nova, com 14 anos, foi trabalhar numa fábrica de, um laboratório, fazer comprimidos, essas coisas e tal, tá operada né. E o meu tio foi servir o exército, quase foi para guerra, foi um drama terrível. E aos pouquinhos foram se arrumando, foi quando minha mãe conheceu meu pai através de um amigo em comum, e acabaram se apaixonando e tal, e se casaram na década de 40, em 1945. Minha mãe era muito humilde, uma pessoa muito humilde, muito bonita e a família foi se ajustando. As irmãs se empregaram, meu o meu tio virou um caixeiro-viajante de sucesso, viajava o Brasil todo, comercializando coisas, e é isso, a partir daí, foi casamento com meu pai, nascer os três filhos.
12:16
P/1 - E você sabe um pouco mais sobre como que eles se conheceram, você falou um pouquinho, mas eles contaram?
R - O meu pai trabalhava nessa multinacional, e essa multinacional, de vez em quando, nas férias de final de ano, eles promoviam os bailes, que era muito comum naquela época. E o meu tio, irmão da minha mãe, namorava uma moça que trabalhava nessa empresa do meu pai, aí numa dessas numa dessas festas, ele levou minha mãe para um desses bailes, aí foi quando eles se conheceram. A minha mãe reclamava muito, falava que o meu pai é muito feinho sabe, porque a minha mãe, também, não era alta, minha mãe tem 1,50m, meu pai tinha 1,48m. Então, minha mãe era muito bonita, e meu pai não era nem um galã, sabe, mas aí, uma vez eu conversando com ela, eu falei, mas mãe a senhora era tão atraente e tal, como é que a senhora foi casar com um homem até meio feio e tal, ela falou, ah meu filho, seu pai era muito simpático, um camarada muito legal, compensava, toda a feiura dele compensava com a delicadeza e o amor que ele dedicou a mim durante muito tempo. Era história muito bacana. Aí meu pai, ela falava assim, seu pai, a gente ia para os bailes, seu pai já tá carro, dava carona para gente, aquela coisas muito bacana. Eu falei, aí não teve jeito né, se apaixonou né minha mãe, ela falou, não teve jeito, durou muito tempo.
14:04
P/1 - Carlos, ela, pelo que você tá contando eles tiveram filho muito cedo, ou pelo menos, a sua mãe, é isso?
R - Sim, a minha mãe era de 1924, eu nasci em 47, ela tinha vinte e poucos anos né, naquela época tinha-se filho muito cedo, aí vieram 3 de uma vez logo.
14:57
P/1 - No começo que você lembra das coisas, onde vocês moravam? Como que era casa?
R - Eu tenho recordações, com quatro, cinco anos mais ou menos, a gente morava no Grajaú, que é um bairro aqui no rio, na rua Araxá, até uns anos atrás, eu tive vontade, eu me lembrava exatamente onde era a casa, entrada de uma vila, eu peguei o carro e foi lá visitar, quer dizer, eu vi a vila, estava um portão trancado e tal, engraçado que a gente tem uma noção de que é uma vila enorme. Só que você era pequeno, você quando cresce, você olha assim, aquele espaço pequeno, “gente eu andava de bicicleta por aqui, como é que eu conseguia?” E isso, que eu me lembro, eu devia ter uns 4, 5 anos. Eu me lembro de um cachorro que eu tive uma vez a carrocinha pegou, eu fiz o maior escândalo, um tio meu teve que dar uma grana para o cara soltar o cachorro. Tenho boas lembranças disso. Aí depois dessa casa, a gente foi morar aqui em Botafogo, na Rua General Góes Monteiro, perto ali do Rio Sul, Edifício Marajá, ficamos ali alguns anos. Eu estudava no colégio anglo-americano, aqui na praia de Botafogo, em 1956, com nove anos, meu pai foi transferido para São Paulo, para administrar uma fábrica que tinha em São Paulo do grupo. E ficamos em São Paulo durante seis anos, mas o meu sonho era sempre voltar para o Rio, minha mãe também, minha mãe não gostava de São Paulo. Embora tivesse uma qualidade de vida até boa, mas o rio fazia muita falta, para mim principalmente. Eu vinha de férias para cá, então via meus primos, achava o máximo. Aí quando foi em 1962 meu pai retornou para o Rio, para administrar outra parte do da empresa. E ele ficou aqui até 1966, em janeiro de 66, quando infelizmente ele faleceu. Aí a história já começa, daí para frente, sem ele, nos quatro, eu, minha mãe e meus dois irmãos.
17:35
P/1 – Carlos, você tem alguma passagem, alguma coisa que te marcou que você se lembra dessa influência na Vila ou em Botafogo?
R – Olha, na vila muito pouco, porque eu tinha 4, 5 anos, eu me lembro desse lance do cachorro que eu contei para você. Eu começando a andar de bicicleta, eu perambulando ali... Engraçado que as imagens da igreja que tem ali na praça, perto da Rua Araxá, tudo eu me lembro muito bem. Botafogo eu me lembro de tudo, que já tinha 8, 9 anos, da escola educação física, ali atrás do Canecão, eu ia lá jogar bola. Meu pai levava, por exemplo, morava num apartamento grande, ele levava um projetor de cinema, de 16 mm, para passar filme para gente. Ia muito a praia, meu pai juntava todo mundo, levava para praia em Copacabana, que ela do lado. E a casa sempre cheia, minha mãe é cozinheira de mão cheia, fazia uma comida árabe como ninguém, então final de semana, os tios, os primos, estavam sempre lá em casa. Era mais ou menos essa rotina, não fugia muito disso não.
19:02
P/1 – Como era você com os seus irmãos, nessa época na infância? Vocês se davam bem, brigavam, como que era?
R - O meu irmão do meio, a gente brigava muito. Porque era muito próxima, eram 3 anos de diferença, o outro não, o outro já era muito pequeno. Mas engraçado que a gente gostava de coisas completamente diferente, eu adorava esporte e esse meu irmão detestava. Transpirar não era com ele. Então a gente tinha amigos comuns, mas a coisa era mais dentro de casa mesmo, fora ele tinha os amigos dele e eu tinha os meus amigos. Em São Paulo a gente conseguiu ter alguns amigos comuns, mas aqui no rio, nessa época não. Porque ele era mais caseiro, ele gostava mais ficar em casa, e eu já barbarizava, já saia, atravessava aquelas ruas ali, meu pai nem sabia, meu pai tomava um monte de cuidados com a gente, e nem sabia, com 9 anos, 8 anos eu já ia para a rua e fazia uma série de coisas. Ele ficava mais em casa, mas a relação dele comigo, era muito tranquila, nunca tivemos problema não.
20:21
P/1 – O que você gostava de fazer nas ruas do Rio, em Botafogo, nessa época?
R - Olha, eu tinha uma bicicleta. Meus pais não sabiam, achavam que eu estava no prédio brincando, andando de bicicleta. Eu saia de bicicleta, entrava ali naquele túnel do Pasmado, aquele que vai para Copacabana. Tinha bonde naquela época, uma vez eu quase fui atropelado por um bonde, eu calculei mal para atravessar, levei uma bronca de um monte de gente. Eu ia muito ali, na escola educação física, essa que eu te falei, que era na Universidade Federal, aonde era o Canecão, que dizer, nem existia o Canecão na época, só como referência. Que ali tinha um campo de futebol maravilhoso, que até hoje, e era apaixonado por futebol, sempre fui. Então eu ia lá assistir os jogos, de vez em quando batia uma bolinha e tal, brincadeira de garoto. Tinha uma casa vizinha do prédio, que tinha uns amigos, a gente ia lá para brincar, coisa que hoje não tem nada a ver. Hoje as crianças ficam em no videogame, pó! No celular, na época a gente jogava bola de gude, pião, jogava carta, fazia castelo de cartas, inventava alguma coisa. Televisão não existia, televisão começava 6 horas da tarde, não tinha televisão durante o dia. E ia estudar, o estudo tomava muito tempo, eu estudava na parte da tarde, quer dizer, praticamente eu tinha a manhã para brincar, muito pouco e fim de semana que a coisa acontecia com mais regularidade.
22:10
P/1 - Vocês ouviram muito rádio nessa época? E o que vocês ouviam?
R - A minha era dona de casa, ela ouvia rádio o dia todo, ficava o dia todo o rádio ligado. O meu pai tinha uma vitrola. Vitrola, hein! Ele adorava duas coisas, ele gostava de ópera, que ninguém aguentava aquilo, ele tinha uns discos enormes, de 78 rotações, de Mario Lanza, que era um cantor lírico na época, até coisa de Caruso, ele colocava aquilo para tocar, a gente se trancava no quarto, os caras berrando lá. Mas tinha uma contra partida, porque ele tinha também, discos de Frank Sinatra e Nat King Cole. Isso aí já me chamava atenção, gostava das melodias, aquelas Big Bands dos anos 40, 50. Mas a minha mãe ouvia rádio o dia todo, Rádio Nacional, Rádio Mayrink Veiga. Foi quando eu comecei a conhecer, bem no início, ngela Maria, Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, minha mãe é apaixonado por Nelson Gonçalves, que era um cantor que tinha um vozeirão. E a coisa fluía mais ou menos assim, era mais música brasileira mesmo que a gente ouvia, porque ela deixava o rádio ligado o dia todo. Aqueles programas de auditório, César de Alencar, Ary Barroso, mais ou menos isso.
24:04
P/1 - Vocês gostavam de cantar esses sambas canções? Tem algum que te marcou dessa época?
R - Engraçado que eu sempre tive vontade de cantar, eu só vim cantar 60 anos depois. A minha e minhas tias gostavam muito de Nelson Gonçalves, e meu pai gostava do Jamelão. Jamelão cantava uns sambas bacanas, samba-canção, e era disco, você ouvia muitos discos. A empresa que meu pai era diretor, ela era dona inclusive, da fábrica de discos Continental, então tinham um casting enorme de artistas. Então ele levava caminhões de disco para casa, a gente ouvia discos o dia todo. A minha mãe no rádio e a gente na vitrola, tocava aqueles 78 rotações, pequenos, e era basicamente música brasileira. Meu pai à noite, quando ele colocava o Frank Sinatra, ninguém podia tocar no disco, era uma coisa intocável, era de ouro aquilo. Ele colocava num lugar, se ele visse fora, já dava uma bronca, “quem é que mexeu no meu disco?” Aquilo ali era...
25:31
P/1 – E vocês acompanhavam jogo de futebol pelo rádio?
R - Eu acompanhava pelo rádio, e na época alguns jogos já eram transmitidos pela televisão, raros, eram raros, muito depois foi proibido. Mas na década de 50, mais ou menos 55, 56, alguns jogos eram transmitidos. Mas era mais rádio mesmo, eu me lembro muito bem, na Copa de 58, já em São Paulo, o meu pai ouvindo rádio comigo, era um rádio de ferro, que dava choque, tinha uma antenazinha com um fio desencapado, que você tinha que botar a mão nele, aquela estática o tempo todo. O jogo lá na Suécia, copa do mundo, o locutor parecia que estava dentro de uma tempestade, aquele chiado enorme, quando era gol você não entendia, o cara gritava Gol, não sabia se era da Suécia, se era do Brasil, era um rolo, era impossível, era mais ou menos assim, “auurblllllalalalal”. Você não entendia “tongas”, você precisava dar um tempo para saber o que era. Isso comparado à hoje, que você tem via satélite, uma imagem perfeita, um som perfeito, até o que a gente está fazendo aqui, isso era impensável há alguns anos atrás. Então era basicamente isso, a gente ouvia muito rádio. Mas quando a transmissão era de fora, era impossível, era uma coisa terrível. Mas no dia a dia, futebol aqui no Maracanã, qualquer coisa era pelo rádio mesmo, ou então ia presencialmente, assistir o jogo.
27:36
P/1 - Você lembra a primeira vez que você foi num estádio? Que jogo que foi? Como é que foi?
R - Lembro perfeitamente. Flamengo e Botafogo. Eu tinha um tio que era fluminense roxo, tentando me convencer a ser tricolor. E meu pai botafoguense, então falou: vamos assistir um jogo bom hoje, primeira vez que você vai ao Maracanã. Aí eu fui, quando eu entrei, é uma imagem que eu tenho até hoje, quando eu entrei assim na arquibancada, naquele túnel da arquibancada, olhei assim o gramado, gente eu fiquei maravilhado, estava no céu. Foi 3 X 0 para o Botafogo. Aí quando eu estava saindo, meu pai falou: e aí meu filho? Gostou né? “Gostei, gostei daquele vermelho e preto. Ele: como aquele vermelho e preto? Você viu o Garrincha jogar? Você viu o Didi jogar? Falei: não, eu gostei do Dida! Dida era um jogador do Flamengo, que era tipo Zico na época, simpatizei com aquilo. Aí ele nunca me perdoou. O meu irmão mais novo é botafoguense, influenciado por ele. Eu, teve uma época, que eu estava em dúvida, eu falei: gente, eu gosto do Flamengo, mas o Botafogo. Aí eu fui na casa de um tio meu, cunhado da minha mãe, o Júlio, que morava ali no Riachuelo, aqui no subúrbio do rio. Quando cheguei lá, ele tinha um quadro do Flamengo na parede, com o time formado, tinha sido campeão. Aí olhei e tal, ele pegou, me convence, “esse aqui é o melhor time”. Na hora de ir embora ele me deu o quadro. Quando cheguei em casa com quadro, meu pai, não tinha como ir contra, “tudo bem, vai lá”. Mas ele foi a forra, porque enquanto ele foi vivo, o Flamengo nunca ganhou do Botafogo. Ele me levava para o Maracanã, e um detalhe, é uma coisa que eu faço até hoje, eu acima de tudo, eu não sou um fanático por clube, nada disso, eu sou flamenguista, isso não me incomoda de jeito nenhum, perdeu, perdeu, dane-se, eu gosto de futebol. Meu pai de vez em quando falava, assim: filho, vamos ao Maracanã. Aí eu falava: mas quem vai jogar hoje? “Vasco e Fluminense.” Mas eu não sou Vasco, nem Fluminense, o senhor também não”. “Não filho, vamos lá assistir futebol”. E é uma coisa bacana, quem gosta do jogo, não necessariamente precisa só torcer para o seu time. Claro que a gente pega, corneta um pouquinho os outros times para ganhar certos campeonatos, mas o futebol em si, é mágico né. Eu adoro isso até hoje, de vez em quando tem jogo bom, esses jogos da Champions League, por exemplo, eu assisto todos, sem exceção.
30:36
P/1 - Me conta um pouquinho, como que era o Maracanã nessa época? Quantas pessoas cabiam? Como que era o clima no jogo?
R - O Lucas, é uma coisa mágica. Eu passei, eu tenho momentos no Maracanã, que eu converso até com alguns amigos meus da época, que dizer, pessoas que eu conheço hoje da minha idade. A minha primeira grande experiência no Maracanã, foi 1963, era a final do campeonato carioca, com fla-flu, que foi 0 X 0, e o Flamengo foi campeão. Pela imprensa, tinham 205 mil pessoas no estádio. O Maracanã, ele foi feito, segundo consta, para 200 mil pessoas. Hoje ele cabe 80. Eu me lembro direitinho, que eu estava sentado na arquibancada, estava eu, minha prima Leila, com Osvaldinho meu primo e meu tio Gabriel. Onde eu estava sentado, na arquibancada, entre a arquibancada que eu estava e o degrau da frente, tinham três caras deitados entre nós dois, tinha um cara deitado para cá, um cara deitado para lá. A coisa insuportável, abarrotado. A outra experiência foi 1969, Brasil e Uruguai, que era classificação para Copa de 70, que tinha 180 mil pessoas, também estava maior sufoco, mas eu estava na cadeira. Eu estava na cadeira, mas estava em pé na cadeira, porque as pessoas, estava todo mundo em pé, enfim. Nunca passei sufoco não, mas era muito bacana, porque você... Eu cansei de ir Maracanã com 140, 130, 120 mil pessoas. E o jogo ao vivo gente, é outro... Hoje você vê muito melhor em casa, porque você vê com o replay de várias câmeras, de vários ângulos, mas o jogo ao vivo, o clima ali, você assistindo ao vivo, era fantástico. E tive muito boas experiências no Maracanã, nunca passei sufoco não, sempre tive muita tranquilidade de assistir os jogos. Às vezes para entrar, para entrar aquele tumulto e tal. Em 2009 eu estava com a minha filha, para assistir o jogo do Flamengo com o Grêmio, não abriram os portões na hora certa, aí invadiram lá, quebraram as catracas. Mais nada que chegasse a incomodar.
33:25
P/1 – Tem algum outro jogo que te marcou, que você possa comentar sobre o placar, como é que foram os jogadores?
R - Eu estava no jogo do Santos com o Milan, 1963 eu acho. O Santos foi bicampeão mundial, foi aqui no Maracanã. Santos vinha muito jogar aqui no Rio. Então a final do mundial era Santos e Milan, tinha sido 4 X 2 lá em Milão e o segundo jogo era aqui no Maracanã. O jogo estava 2 X 0 para o Milan, caiu uma chuva indescritível, o Santos empatou o jogo, e virou o jogo. Foi uma das noites mais fantásticas, que eu vi em termo de futebol, porque a gente achava que era impossível virar aquele jogo. E outra coisa que marcou muito, eu estava no dia que o Pelé fez o milésimo gol no Maracanã. Eu trabalhava numa empresa, na Ultragaz, eu saí cedo, fui para o Maracanã, comprei o ingresso para assistir o jogo, sempre fui fã do Pelé. Pelé era o maior ídolo que eu tinha no futebol, e testemunhei aquele fato. Teve muitas passagens, com o flamengo mesmo, outros jogos emocionantes. Mas isso me marcou muito, esse lance do Santos ter virado o jogo, 4 X 2, sido campeão mundial. Quer dizer, teve um outro jogo depois que ele acabou ganhando de 1 X 0. E o dia que o Pelé fez o milésimo gol, aquilo foi inesquecível realmente.
35:13
P/1 – Você se lembra como que foi esses gols do Santos em cima do Milan? Quem marcou?
R – Lembro! Lembro sim, o Pelé não jogou esse jogo, porque o Pelé estava machucado. O Pelé era o maior jogador do mundo na época. Esse jogo foi 4 X 2, o Pepe que era ponta esquerda do Santos, ele chutava muito forte, ele fez dois gols. O Almir que substituiu o Pelé, fez um gol e o Lima, que depois tornou-se cunhado do Pelé, fez outro gol. Me lembro bem! Aliás, em termos de memória, aquela minha memória lá atrás, ela é muito boa, eu tenho coisas que eu me lembro... É capaz, que eu não me lembre do que eu almocei ontem, mas a coisa mais antiga, eu tenho, eu guardo aqui no fundo do cérebro, muito bem guardado.
36:15
P/1 – Por que você acha que se lembra tão bem disso?
R – Acho que vivi muito tempo isso, e a coisa ficou. Ai a gente vai ficando mais velho, acho que a coisa mais recente, você acaba, talvez não dando muita importância. Filme por exemplo, eu tenho aqui atrás, você está vendo aqui? É parte da minha videoteca, eu tenho 1200 filmes, em DVD. Um tempo fui apaixonado por cinema. Quer dizer, isso é até um exagero, porque hoje você nem precisa ter o DVD em casa. Hoje você acessa pelo google, pela internet. Mas aí eu tinha uma coleção, que eu fui comprando, fui comprando, acabei, acho que agora eu parei, não cabe mais aqui em casa. Então essa memória mais lá atrás, acho que fixa melhor, acredito, é mais por aí.
37:16
P/1 - Você falou que o seu pai projetava filmes, era dentro da sua casa, é isso? Ele tinha essa paixão, comprou um projetor? O que ele passou para vocês verem nessa época, você se lembra?
R - Na verdade ele não comprou projetor não. Essa empresa que ele trabalhava. Que era a multinacional, ela tinha vários segmentos, e um dos segmentos, eles chegavam a produzir cinema também. Então eles tinham um estúdio lá, e tinha equipamento, eu me lembro que era 16mm. Ele levava umas comédias para a gente se ver. Mas projetava em casa, ele pegava e levava para casa, colocava lá, tinha uma sala grande em casa, levava uma tela, projetava. Projetava comédias americanas da época, Anjos de cara suja, uns grupo bem antigos, Os Três Patetas, essas coisas, o Gordo e o Magro, essas coisas que ele projetava para gente lá. Filme sonoro, tinha muito filme sonoro, claro que falado em inglês. Inglês sem legenda, mas a gente curtia, era mais comédia realmente.
38:31
P/1 – Vocês iam em cinema? Nessa época no Rio, tinha cinema de rua?
R – Tinha! Eu ia muito ao cinema com a minha avó. Minha avó paterna, eu me lembro do primeiro filme que eu assisti no cinema, foi Pinóquio, desenho, e o segundo filme que eu assisti, foi 20 mil Léguas Submarinas, que ela me levava. Ela curtia muito, eu ia muito ao cinema com ela, mesmo depois de algum tempo, eu assisti alguns filmes com ela. Mas os primeiros dois filmes que eu assisti, foi exatamente esse, o Pinóquio que era o desenho, e o Vinte Mil Léguas submarina. Ela me levava variavelmente eu ia no cinema com ela. Minha mãe, cheguei aí com a minha mãe. Meu pai não, meu pai nunca foi ao cinema.
39:28
P/1 – Carlos, o que sua mãe cozinhava que vocês adoravam?
R - Comida árabe, a comida árabe da minha mãe, era fantástica. Ela era uma cozinheira de mão cheia, de todos os sentidos. Mas a comida árabe que ela fazia, que ela aprendeu com a minha avó, até hoje na família as pessoas sentem falta. Eu tenho uma prima que é uma senhora cozinheira, que mora no Espírito Santo, seguiu muito o que a minha mãe fazia. Mas do trivial, ao mais sofisticado, ela era fera na cozinha realmente, e não comia. Engraçado que ela não comia, ela fazia e não comia, era impressionante, não experimentava. O quibe, por exemplo, ela fazia, “experimenta aí, tá bom?” A gente que dava opinião, ela mesmo não comia, impressionante.
40:28
P/1 - Me conta um pouco como é que foi se mudar para São Paulo? Como que era a cidade de São Paulo nessa época? Onde vocês foram morar? Era muito diferente do Rio?
R – Era muito diferente. Primeiro clima, eu cheguei lá estava muito frio. No fomos morar numa casa maravilhosa, uma casa de dois andares, com dois quintais maravilhosos. A situação do meu pai, ela era boa, a gente tinha um nível de vida muito bom, classe média alta. Tinha carro na garagem, tinha bicicleta, tinha televisão. Na minha rua, poxa, em 1956, tinham três televisões, para você ter ideia. Uma era lá em casa, os vizinhos iam lá assistir televisão. Aí eu comecei a jogar bola, ali no Parque do Ibirapuera, onde tinha um time, fiz amizade com as pessoas. Tinha muitos descampados por ali, tinha umas chácaras, no bairro do Paraíso, tinha umas chácaras enormes, que hoje não existem mais. A gente brincava por ali. Eu me lembro que eu passava a tarde pela chácara, passava por dentro da chácara, arrancava cenoura do chão, e saia comendo, isso é inimaginável. Tinha uns córregos, a gente jogava bola perto dos córregos lá, quando acabava o jogo, a gente ia no córrego beber água. Hoje se um garoto fizer isso aqui num córrego, ele morre em 3 segundos. Agora, era diferente, totalmente diferente do Rio. No Rio era coisa mais descontraída, era praia, era parque. Em São Paulo, onde a gente morava não tinha. Tinha essa facilidade, que tinha muitas chácaras ali em volta. Hoje para você ter uma ideia, onde eu morava passa Avenida 23 de Maio, que é uma via famosíssima ali, não tem mais chácaras. Depois a gente se mudou para o bairro do Jardim Paulista, numa outra casa. Era mais amizade mesmo de amigos mais próximos de casa, a gente jogava bola na rua, jogava bola nos terrenos baldios, mas era muito diferente do rio, o clima era muito frio. Eu estudava num colégio de padres, Colégio Santo Alberto, ia de manhã para lá. Basicamente isso, não tinha não tinha nada... Foram 6 anos que eu morei em São Paulo, até meu pai retornar em 1962.
43:32
P/1 – Como que era você na escola, Carlos? Como é que era os seus professores nessa época no Rio e em São Paulo? Como que era a educação ali?
R – Olha, no rio eu tinha 6 anos, quando entrei no Anglo Americano. Eu não me lembro bem assim como é que era. Era um pré-primário. Eu comecei a estudar mesmo em São Paulo, em São Paulo eu entrei nesse colégio de padres, era colégio só masculino, eu me lembro bem que tinha... Tem coisas boas para contar, tinha um padre, o Frei Luiz, ele dava seis matérias. Ele dava português, matemática, ciência e tudo mais. E uma coisa que eu me lembro bem, que eu tiro vantagem até hoje, que modesta parte eu escrevo bem, eu tenho facilidade para escrever. E eu devo isso muito a esse Padre, porque ele fazia o seguinte, ele chegava na sala e falava assim, “olha só, eu vou dar um tema para vocês escreverem uma redação, uma redação de 10 linhazinhas, coisa boba”. Aí falava lá o tema, aí no dia seguinte, ele pegava um dos alunos, ia para o quadro, aquele quadro enorme, e o cara colocava no quadro negro a redação, coisa curta. Aí ele vinha e começava analisar o que estava escrito. Então ele pontuava, ele acentuava, ele modificava, “olha aqui, aqui você podia, ao invés de fala assim... você começou isso aqui com ç, não existe isso, aqui tinha uma vírgula.” Isso foi durante anos, todo dia tinha isso. Você aprende a escrever de qualquer jeito. Quando ele terminava, ainda fazia uma análise sintática, “esse aqui é objeto direto, esse aqui é um sujeito, onde está o predicado?” Olha, um professor fantástico, que marcou muito minha vida, durante dois anos estudei com ele, nesse colégio, sensacional. Eu fiquei 3 anos nesse colégio, até a gente voltar para o Rio. Aí quando voltei pro Rio, já estava no ginásio.
46:00
P/1 - Você voltou para o Rio você tinha quantos anos?
R – E tinha 14 anos, 62 mais ou menos, 14, 15 anos.
46:12
P/1 - Como é que foi tocar a vida de volta no Rio?
R – Foi muito legal! Foi muito legal, porque voltei para aquilo que eu queria, sempre fui muito apaixonado pela cidade do Rio de Janeiro. Aí fui estudar ali no Largo do Machado, morava ali perto e fui estudar no Educandário Ruy Barbosa, onde fiz grandes amizades. Outro dia encontrei um camarada no futebol, que me conheceu dessa época, para você ter ideia, qual o nome dele, eu seu apelido, vou lembrar. Aí meus irmãos estudavam lá, os meus primos estudavam lá, a minha avó paterna mandava no colégio, porque o meus tios estudaram lá. De vez em quando, quando surgir alguma coisa lá, uma vez eu fui expulso da sala, deu um rolo danado. Aí fui na diretoria, professor chama, acho que era um dos donos, pegou e falou: o senhor está suspenso dois dias! Aí na hora que eu estava descendo a escada, ele falou assim: olha só, não chama a Dona Adélia aqui não, que ela não vai mandar nada aqui. Porque ela chegava lá e botava para quebrar. Aí poxa, meus tios estudaram lá, meus primos. A gente pegava... Interessante que você pegava, usava um livro um ano, no outro ano era o mesmo livro, então o meu primo passava para mim, eu passava para o meu irmão, meu irmão para o meu outro irmão. E fiz muitas amizades lá. Acabei estudando o ginásio todo e o científico todinho lá, estudei lá durante 7 anos, basicamente até acabar o cientifico. Quando foi em 1966, eu terminei em 67. Em 66 meu pai faleceu. Aí foi quando mudou toda vida, aí eu tive que arrumar um emprego, primeira coisa, que eu era o mais velho, de três irmãos. Eu falei, vou arrumar um emprego. A minha a minha avó, muito dinâmica... Meu pai tinha trabalhado com Paulo Egídio Martins. Paulo Egídio Martins era Ministro de indústria e comércio, depois ele veio a ser governador de São Paulo. E era amigo do meu pai. Aí a minha avó me pegou pelo braço e me levou à noite, aqui na praça Mauá, pediu para secretaria para falar com Paulo Egídio, ela falou: a senhora tem hora marcada? “Não, a senhora diz que a Adélia Miziara que quer falar com ele”. Em dois minutos o cara estava lá fora, “pois não dona Adélia?” “O meu filho faleceu, sabe como é que, eu estou aqui com o meu neto, ele está precisando trabalhar, ele tem 19 anos”. O cara na hora deu um cartãozinho para mim, eu fui lá no departamento, eu fui contratado. Era contrato, não era admissão, para trabalhar no MDI, departamento Nacional de Marcas e Patentes, Instituto Nacional de Marcas e Patentes. Fiquei lá durante 3 anos. Aí começa a minha a minha saga em Furnas. Antes disso, antes disso, eu sai do ministério, tentei trabalhar... Fui para São Paulo, que um tio meu estava precisando de alguém de confiança, para trabalhar lá com ele, mas eu fiquei um mês lá, e não gostei não. Aí voltei para o rio, e fui trabalhar numa empresa de exportação de café, José Ribeiro Tristão. Eu tinha um tio que tinha trabalhado lá, me indicou, peguei trabalhei lá durante três anos. Aí o marido da minha tia, ele era fiscal do INSS, ele foi a Furnas para fazer uma inspeção. Chegou em Furnas ele foi lá no departamento pessoal, aí conversando com o chefe do departamento pessoal, ele falou assim: vem cá, vocês admitem pessoas aqui? Na época não tinha concurso. “Admitimos sim, estamos precisando sempre”. O escritório aqui na Real Grandeza era novo, tinha acabado de sair da cidade, dois prédios grandes. “É, porque eu tenho um sobrinho, ele trabalha na empresa, mas aqui parece ser legal”. Aí o cara deu um cartãozinho para ele. Aí fui lá fazer uma entrevista. Fiz a entrevista o cara gostou, mandou fazer uma redação, eu me lembro que ele deu o tema, na época existia festival internacional da canção, “vou te dar um tema, você escreve, você faz uma redação”. “Faço!” Um dia depois ele me chamou de volta, “olha, eu gostei muito da sua redação, você se importa de fazer outra”? “Não!” “Pode fazer um tema livre, o que você quiser.” Eu peguei e fiz, fia a entrevista e tal, três dias depois me ligam, dizendo para eu fazer exame médico, que eu ias ser demitido na semana seguinte. Que dizer, em menos de 10 dias eu fui admitido em Furnas, olha que loucura. Fui trabalhar numa área administrativa, dentro do departamento que cuidava de transmissão de linha, mas era parte administrativa. Fiquei ali durante cinco anos. Aí em contato com os amigos lá dentro, sempre jogando futebol tal, um amigo meu que era da informática, falou assim: escuta, vem trabalhar com a gente aqui na informática. Informática paga-se muito bem e você tem um ritmo de vida diferente. Aí eu fiz um curso de programação, fui lá, fiz um estágio, fui transferido. Foi a melhor coisa que eu fiz gente, era um ambiente excelente, a informática na época bombava, as pessoas achavam as pessoas da informática assim, fora de série. Fiquei lá durante muitos anos, muitos anos. Mas não era muito minha área não, sabe, a minha área sempre foi mais comunicação, embora eu tenha me formado em administração. Em Furnas eu prestei vestibular e passei para administração. Eu queria jornalismo, mas era seis meses depois, acabei fazendo administração. E fiquei lá, mas eu queria mesmo era... Eu já fazia filmes, fazia fotografia, trabalhava com Super 8, pesquisava, sempre fui apaixonado por cinema e fotografia. E fiquei lá um bom tempo, na informática.
53:46
P/1 – Os anos 50, 60 no Brasil foram anos bastante turbulentos politicamente, e como é que isso estava na vida das pessoas? Estava na vida de vocês, na sua? Como que era isso para vocês?
R - Eu não sentia muito essa mudança, que o rio na verdade, o rio ele era... Acontecia tudo aqui, quando ele era Capital Federal. A minha ex-mulher fala uma coisa que é verdade, criaram Brasília, bem no centro lá do país, que é para as pessoas não reivindicarem, porque é tudo longe. Aqui no Rio já era diferente, aqui no rio, aqui no Palácio do Catete, camarada ia lá, batia na porta, o próprio Getúlio Vargas, acabou por pressão, acabou se suicidando, porque a pressão é muito grande. Então nessa época, até 1960, quando criou Brasília, eu morava em São Paulo, eu não tinha muita posicionamento político, não. Quando eu vim para o Rio, com o golpe de 64, eu morava na Rua Gago Coutinho, do lado do Parque Guinle, onde o Jango estava lá aquartelado. Eu acordei no dia 31 de março, tinha um monte de caminhões de lixo na minha porta, tudo estacionado. E um tanque em frente para a minha casa, lá no final da rua. E quando houve o golpe. Aí o Jango que era o presidente, saiu dali e tal, e se mandou. No começo foi muito bom, porque o Brasil era uma zona, estava uma coisa horrorosa, você tinha greve todo dia, faltava tudo, faltava luz. Tinha relacionamento de luz em 64. Você chegava em casa 20h, acabava a luz na cidade toda, por bairros, ficava 1, 2h sem luz, depois voltava, isso era todo dia. Quando houve o golpe militar, o golpe de 64, eles arrumaram, eu acho que eles arrumaram a casa, porque estava muito zoneado. O setor elétrico é um caso bem típico, investiu-se muito nisso. Por um lado organizou, mas por outro houve aquela luta armada e tal. Eu não discuto muito isso, porque eu acho que os dois lados tem seus erros. É um regime de exceção, que no começo eu achava válido, mas que depois se prolongou além daquilo que podia ser. Mas eu acho que teve muita coisa boa, que resolveu. Que eles conseguiram fazer. Depois voltou, houve a Anistia, um monte de pessoas que voltaram. A democracia realmente foi reestabelecida. Mas eu acho que a gente não tem uma história boa não, sabe. A coisa melhora, depois piora, chega numa situação como está hoje, indefinida. No Brasil pensa-se muito politicamente, não se pensa para o país. Então fica difícil! Fica uma briga enorme aí da Imprensa contra o governo, o governo contra a imprensa. E Governador e STF, essas coisas, parece uma torre de babel, ninguém se entende, parece que não tem interesse de melhorar a coisa. E a gente está numa situação crítica, a coisa é mundial, mas no Brasil a coisa é bem perigosa. Mas posicionamento político assim eu nunca tive não. Sempre fui um cara apolítico, nunca gostei de política e sempre defendi quem tem interesse de fazer a coisa pelo país. A pouco tempo, só para ilustrar, aquele ator, o Arnold Schwarzenegger, ele foi a Furnas um tempo atrás, foi patrocinada aí um negócio dele. Aí ele estava dando entrevista, ele falou assim, que ele recebeu de herança um monte de obras para terminar, do antecessor dele, que era do outro partido. Ele terminou todas elas, e que ele estava deixando outras obras para o sucessor, que também era de outro partido. Quer dizer, o cara pensou em comunidade, o cara não tá pensando... Porque se fosse outro, “vou inaugurar isso daqui, não tá pronto não, mas eu vou inaugurar”. Como já aconteceu aqui no Rio várias vezes, os caras inauguravam o viaduto sem está pronto, para terminar. Então é mais ou menos isso.
59:37
P/1 - Carlos quando você foi crescendo e tal, você, seus primos, o pessoal da sua idade. Vocês começaram a namorar, como é que era isso na época?
R – Olha, era muito difícil sabe. Porque a gente tinha muito interesse nas garotas, mas as garotas faziam um jogo duro, que você não tem ideia, era impressionante. Para namorar... As garotas eram muito frescas, tinham medo de tudo. Quem se dava bem nesse grupo, eram as empregadinhas, aquelas empregadinhas toda serelepe, que topavam tirar um sarro, dar uns beijinhos. Mas as garotas de colégio, de rua, elas tinham medo de enfrentar os garotos. E os garotos cheio de tesão, 14, 15 anos, todo empolgado, mas era difícil. Quem namorava, era coisa dificílima, “o fulano tá namorando”. “Tá namorando? Como é que conseguiu isso?” Era bravo, a gente penava para ter um relacionamento. O que acontece eu, por exemplo, eu com 16 para 17 anos, eu saí com os primos, a gente foi para um bas-fond, ali na Rua Alice, onde tinha lá uma casa das meninas, iniciou-se ali, não tinha como, era muito difícil realmente. Tinha livros, aqueles livrinhos, Carlos Zéfiro, era um cara brasileiro, que fazia umas revistinhas de sacanagem, mas com umas histórias absurdas. A playboy na época, não tinha no Brasil. Eu tinha um tique comprava Playboy, você abria uma página da Playboy, aparecia o bumbum da mulher e o peito, não vai aparecia mais nada, tudo meio escondido, não tinha nenhum nu frontal, não tinha texto mais ousado, não tinha nada disso. A coisa era muito reprimida. Filme, pó filme, quando aparecia um peito na tela, se aparecia, sumia, você ficava para outra sessão, para ver de novo aquela cena. Muito reprimido, o sexo era muito reprimido.
1:02:24
P/1 – Imagina ainda na ditadura. Como é que era o acesso a isso?
R - A censura na época ela era muito imbecil, ela censurava música, censurava cinema, revista, jornal. Cinema tinha coisas absurdas, por exemplo, até um cara que eu não gosto, o Pasolini, um diretor Italiano. O cara fazia um filme lá, aí não passava, porque eles achavam que aquilo ali, era do proletariado, não sei o que, umas babaquices. Eu me lembro do filme, eu vi no Veneza aqui, Laranja Mecânica. Laranja Mecânica tem uma cena no palco, tem uma mulher que ela está nua dançando, de longe. A censura pegou no sexo da mulher aqui e colocou uma bolinha preta. Onde ela ia bolinha seguia atrás gente. Eu vi esse filme, gente. Olha só a que ponto chegou. Mas teatro também, teatro era proibido de tudo, qualquer coisa. As músicas do Chico Buarque, por exemplo, Gilberto Gil. Estava vendo uma entrevista do Chico a pouco tempo, ele não podia falar trabalhador, ele tinha que mudar o nome da coisa, era uma coisa muito imbecil. As artes ficaram muito prejudicadas nessa época, você não via, o cinema, você queria ver um filme. Eu não gosto, mas aquele Último Tango em Paris, foi parar, não pode passar, proibido, o filme é horroroso, mas nego inventar alguma coisa. Música principalmente, festival de música, os artistas foram muito censurados nessa época, se motivo nenhum, bobeira, baboseira.
1:04:32
P/1 - E vocês viram esses festivais de música de 66, 67?
R - O festival internacional eu vi duas vezes aqui no Maracanãzinho, muito bacana. Eu vi quando, aquela Luciana com a Evinha, ganhou o festival, e tinha uma moça Americana, Ivy, que foi vaiada espirituosamente pelo público, e depois tornou-se um sucesso internacional, com vários cantores. Era uma festa! Mas ali era como se fosse um jogo de futebol, sujeito torcendo para música. Mas era bacana, era muito legal, mexia com a cidade, mexia com o país. Festival internacional era muito bacana, tinha uns caras muito bons. Acompanhei o festival da Elis Regina na Ecelso, quando ela ganhou com Arrastão, logo que ela surge. Milton Nascimento, no Festival Internacional, cantando Travessia e Morro Velho, muito bacana. Wilson Simonal que era um fomento, fantástico, um cantor extraordinário.
1:06:00
P/1 - Vocês se juntavam para ir assistir, ou viam pela TV? Você tinha torcida, era isso?
R - Eu fui duas vezes, mas eu assisti muito pela televisão. Não, não tinha torcida não, a gente comentava muito no dia seguinte, o que tinha achado. Quando houve aquela 1º festival de renome, que teve aqui, foi o da Record, quando apareceu Disparado e a banda, então discutia-se muito, o que era melhor, se era a banda, ou Disparado, aquelas coisas, torcendo, as pessoas torcendo. Mas isso acontecia em São Paulo, a gente via pela televisão. Essa música Disparada para mim, com Jair Rodrigues, pra mim é uma das coisas mais fantásticas da música Brasileira. É uma música, interpretação, tudo dele é muito bom. Então tinha isso, as pessoas torciam, mas não tinha esse fanatismo, você sair correndo no dia seguinte para comprar o disco, “já saiu o disco?” Ai você saia, era um compacto simples, você ia lá para comprar aquilo, tocava em casa o dia todo, ficava ligado no rádio para ver se ia tocar, tinha muito movimento, era bem movimentado. A Bossa Nova no auge, Tom Jobim.
1:07:25
P/1 - E como é que era ir a praia nessa época? O que vocês gostavam de fazer? Como é que vocês se vestiam?
R – A moda dos anos 70 era horrorosa, aquela coisa psicodélica. Usava cabelo aqui no ombro, eu tenho umas fotos, que eu olho assim, falo, não é possível que sou eu. Aquela calça boca de sino, cabelo comprido, roupa colorida. Se colocasse uma camisa era mais florida, parecia um turista da Flórida. Eu não era muito chegado a praia não, nunca gostei muito de praia não. Meu negócio era mais jogar bola realmente, eu jogava bola sábado, domingo às vezes. E eu ia muito a cinema, gostava muito de cinema, aqui no Largo do Machado tinha um cinema, que trocava de filme a cada três dias. Então de três em três dias eu estava lá assistindo, passava filme brasileiro, umas chanchadas antigas, Oscarito, Grande Otelo, umas coisas muito interessantes. E tinha umas festinhas noturnas, não era muito de beber, nessa época eu não bebia, comecei a beber socialmente com 30 anos, trinta e poucos anos. Mas na adolescência não bebia não, nem cerveja, o negocio era refrigerante mesmo. Frequentava os bailes, festa de 15 anos. Não dançava, não tinha muito jeito para dançar, ficava lá batendo papo, então era mais isso, não tinha uma vida social muito... Na época não existia uma vida social muito badalada. Estudava-se muito.
1:09:25
P/1 - Fumavam muito nessa época?
R – Fumava! Eu cheguei a fumar. Eu com 25 anos mais ou menos, eu comecei a fumar, meu irmão fumava, meus amigos fumavam, ai você começas. Mas quando completei 32 eu parei, até porque eu sempre gostei de praticar esportes, então estava prejudicando, ai falei: isso aqui não vai levar a nada não. E só à guisa de informação, esse meu irmão que faleceu, ele era fumante inveterado, desde os 14 anos, arrumou um câncer na língua, em função de cigarro, operou, passou um ano, não resistiu. Tinha problemas coronarianos, uma série de coisas. Mas eu fumei muito pouco.
1:10:21
P/1 – E como que era esses jogos de futebol que você jogava? Que posição você gosta de jogar? Como é que era essas peladas na época? Você foi quase profissional, né? Chegou a ir para o Flamengo...
R – Cheguei a treinar no Flamengo, fui selecionado. Tinha campeonatos amadores aqui, muito legais, de vários bairros aqui, tinham times muito bons. O time que eu jogava, que era aqui da zona sul, era um time muito respeitada, a gente ganhou vários campeonatos. Eu jogava no meio do campo. Eu era muito eclético, por exemplo, eu sempre joguei futebol de campo, não gostava de futebol de salão, porque eu fui criado em futebol de campo, o espaço. No dia que eu fui jogar futebol de salão eu me senti apertado, parecia que eu estava em cima de uma cama, aquela coisa apertada, o futebol de campo é mais expansivo. Aí um amigo meu, me chamou para jogar na praia. “Na praia, na área?” Aí eu fui jogar, poxa, não conseguia ficar em pé. Quando era garoto, gostava muito de ser goleiro, de vez em quando eu jogava no gol. Aí eu falei, quer saber de uma coisa, aqui é fofo, eu vou jogar no gol. Aí fui jogar no gol, no time de Copacabana. Passaram-se uns meses, o cara me convidou para jogar na seleção de Copacabana. Eu era o reserva, porque o goleiro mesmo, o Brandão, era um goleraço. “Você vai ser o reserva do Brandão”. Eu tinha uma facilidade enorme de agarrar na praia. Mas o meu negócio era Campo. Aí joguei em campo, nesses campeonatos que tinha aqui regionais. A gente ia pelo subúrbio do Rio, jogar uma série de campeonatos. E depois, onde eu joguei mais, foi exatamente em Furnas. Furnas eu peguei a seleção de Furnas, fui campeão olímpico, teve três olimpíadas, ganhei duas olimpíadas, vários campeonatos, eram campeonatos bem organizado. E tinha campeonatos do SESI. Furnas chegou a ser pentacampeão dos jogos do SESI, pegava Embratel, Petrobras, essas empresas grandes. E eu cheguei a jogar na seleção durante muito tempo. Parei um tempo depois, porque era domingo de manhã cedo, era um sacrifício danado, você não podia ir para noitada no dia anterior. Mas sempre gostei muito de jogar futebol. Jogo até hoje, tem uns coroas aí que joga futebol comigo, todo sábado e quarta-feira.
1:13:10
P/1 - E nesse futebol que você jogou, teve algum jogo, alguma passagem que você se lembra bastante?
R – Ah, tem muita coisa, muita história gente. Aconteceu de tudo! Agora mais recentemente, esse futebol veterano que a gente joga, é a partir de 40 anos, que dizer, 40 anos a pessoa jovem. Eu tenho 73, para jogar com cara de 40, mas compensa, você acaba compensando pessoa mais velha, com pessoal mais novo. Mas o interessante é que tinha um jogador, seu Armando, que o apelido dele era “meu querido”, ele chamava todo mundo de meu querido. Quando ele faleceu, ele jogava com a gente, ele tinha 86 anos, jogava nada, ele ficava lá na banheira tal. Ele veio para o Brasil, o pai dele tinha muito dinheiro lá em Portugal, ele veio para o Brasil e começou a investir em carro de corrida, na década de 40, década de 50. Aí ele dizia que correu com o Fangio no circuito da Gávea e tudo mais. E ele com 83 anos, ele arrumou uma namorada, um dia chegou... Isso é história ligada ao futebol, não diretamente do futebol. Mas é interessante... Um dia chegou um oficial de justiça, na casa dele, com um papel intimando ele. “Mas o que é?” “O senhora vai fazer um exame de DNA.” “Eu?” Ele nem sabia o que era DNA. Aí ele pegou, chamou o filho dele, que tinha 60 e poucos anos, que era advogado. “Meu filho o que é isso aqui?” Ele falou: pai, isso aqui... O que o senhor aprontando aí? “Eu? Não aprontei nada!” Aí foi para a justiça, ai chegou lá, tinha lá uma reclamante, uma moça lá de 40 anos, sei lá. “Essa aí é a reclamante, o senhor lembra dela?” Ele dava em cima de tudo que era empregadinha da região, ele tinha vários imóveis. Ele olhou, “não, não me lembro.” Aí chegou lá tal, o juiz, “o senhor conhece?” “Não, não me lembro.” “Conhece sim, a gente se relacionou algumas vezes.” “Eu não me lembro.” Aí o juiz, “o senhor se importa de fazer um teste de DNA? “Não, de forma alguma.” Positivo! Eu falei: meu querido, e aí? Ela queria dois salários mínimos, eu dei! Eu falei: mas e a criança? “Não, como é que eu, com 83 anos vou me afeiçoar a uma criança? Mesmo sabendo que é meu filho. Eu tenho um filho de 68, daqui a pouco eu estou morrendo”. Resultado, para acabar o papo, morreu num motel na Lapa, em cima de uma mulher. Comia muito, era um cara grutão, comia demais, a gente falava com ele, “mas o meu querido, você está indo lá, você toma um azulzinho?” “Não, não tomo nada!” Mas ele era grutão, comia de mais. Deve ter almoçado alguma coisa, deve ter ido transar lá, com 86 anos, deve ter tido uma congestão. E o mais engraçado é que um dia, a TV Bandeirantes, foi lá para fazer uma reportagem sobre... Porque é o grupo de pelada mais antigo do Rio, esse grupo, GPSO, Grupo de Peladas 6 de outubro. E foi fazer uma matéria, inclusive com ele, que era o cara mais velho. Na hora que os caras estão filmando, ele faz um golaço lá, eu lançou a bola para ele, ele joga por cima do goleiro, coisa raríssima, tenho isso até hoje aqui guardado. Então no futebol tem muito mais histórias de pessoas, como essa que eu contei para você, do que propriamente o jogo em si. Já joguei em favela. A gente saindo correndo de cidade do interior, porque os caras querem dá porrada na gente. Aconteceu de tudo, mas essa talvez seja a mais interessante, meu querido.
1:18:03
P/1 - Você fez muitos amigos jogando bola?
R – Muitos, muitos! Para você ter uma ideia, esse camarada, esse cara que eu encontrei a pouco tempo, ele jogou bola comigo no colégio em 67. Olha só, encontrei com ele tem 5 meses. Tem um amigo meu, o Ari, que eu conheço, ele está com 70 e poucos anos, eu conheço ele há 14 anos, amigo de infância, jogando bola. O Roberto também. Tenho vários amigos de mais de 50 anos que eu conheço, jogando bola. E de uns tempos para cá, nesse grupo que eu frequento a 20 anos, também, já fiz grandes amizades. Em Furnas, fiz muitos amigos jogando bola também, além do trabalho. Futebol une muito as pessoas, é muito legal.
1:19:07
P/1 - Antes de você entrar em Furnas, enquanto você estava trabalhando em outras empresas. Você tinha algum sonho... Eu quero ser tal coisa?
R – Não, não! Quando meu pai faleceu, a minha era estudar medicina, eu queria estar medicina. Achava maior barato cirurgião e tudo mais. Mas aí poxa, com o falecimento do meu pai, a coisa mudou totalmente. Porque a gente passou a depender única e exclusivamente do nosso trabalho, aquela vida mais tranquila acabou. Porque ele tinha um salário enorme, mas com a aposentadoria que ele deixou para minha mãe não dava. Aí o negocio era trabalhar. Tanto que eu parei os estudos, durante muitos anos, em função de trabalho, porque eu queria me formar. Eu fui me formar em 1983, meu pai faleceu em 66, quer dizer, eu passei 16 anos até me formar. Mas não dava para estudar Medicina, fui estudar administração, porque eu trabalhava em Furnas, se eu tivesse um diploma de curso superior, poderia até melhorar o meu salário. Mas também por formação, ter uma formação. Mas não deu certo. Então eu deixei a coisa me levar, não tinha assim muita pretensão, não sabia realmente o que eu queria não. Estava trabalhando, quando fui trabalhar em Furnas, achei que era um trabalho bom, uma empresa boa, gostava muito, admirava muito. Mas não tinha muita pretensão. Como falei anteriormente, a minha vontade sempre foi na parte de comunicação, eu fazia meus filmes, super-8, fazia vídeos, filmava casamento, fazia essas coisas. Mas por hobby propriamente, do que por necessidade. Também por necessidade, porque dava grana. Fazia fotografia um pouco. Mas eu queria trabalhar mesmo na área de comunicação. Que futuramente, na história que a gente está contando, aí a coisa apareceu mais tarde, finalmente.
1:21:51
P/1 – Carlos, você entrou em que ano em Furnas?
R - Novembro de 1971.
1:21:59
P/1 - E nessa época, qual que é a imagem que Furnas tinha? Que as pessoas pensavam, falavam sobre essa empresa?
R – Olha, Furnas em 1971 era pouco conhecida. As pessoas não tinha muita noção do que era, pelo menos aqui no Rio. Existe aqui no rio, aqui no Alto da Boa Vista, a Estrada das Furnas, você conhece? Aí você falava... “Você trabalha aonde?” “Eu trabalho em Furnas.” “Lá na estrada das Furnas?” “Não!” “O que é Furnas?” “Furnas e uma empresa, que tem tantas usinas...” Mas as pessoas não tinham conhecimento até pouco tempo, para te dizer a verdade, eu briguei muito em Furnas, lá na área que eu trabalhava, porque as pessoas achavam o seguinte: vamos fazer, as pessoas sabem o que é Furnas. “Não, as pessoas não sabem.” Aí uma vez eu estava no almoço, com um pessoal que estava discutindo isso, num restaurante ali perto de Furnas. Aí eu falei: não, as pessoas não sabem não. Que ver? Chama o garçom aí. A gente comia lá a anos. “Fulano, o que é Furnas?” “Furnas é uma empresa né, ligada a Light.” Ai chamei o gerente que conhecia a gente a 20 anos, ele inclusive trabalhava lá para Furnas, ele fornecia almoços, jantares. “O que é Furnas?” “Furnas é um empresa aqui...” “Não é isso!” As pessoas não sabem. Mas isso era por culpa da comunicação de Furnas, que não faziam uma propaganda na televisão, não fazia, as pessoas pouco conhecia, ou seja, ainda hoje ela é pouco conhecida, calcula a 40 anos atrás. Hoje mesmo, Furnas tem 22 usinas, tem 90 subestações, atua na região sudeste, na região norte, na região sul, as pessoas não tem conhecimento. Só tem conhecimento quando apaga a luz, quando apaga a luz, o cara, “quem é?” Aí liga para Light, aí a Light, foi Furnas. Isso é tranquilo, tranquilo.
1:26:06
P/1 – Como que era trabalhar em Furnas nos anos 70? Como era a cultura da empresa, a relação das pessoas?
R - Era muito tranquilo, muito tranquilo, produzia-se muito. Quer dizer, eu trabalhava na área administrativa, o meu departamento, ele tinha varias subestações subordinados a ele. Então você tinha dentro do departamento um mini pessoal, que você controlava mais ou menos umas 400 pessoas, das subestações. E era tudo centralizado no departamento pessoal, dentro do escritório central. Olha, era tranquilo, o salário era bom, a relação era boa, a chefia era tranquila. Você tinha promoções, você tinha 16 salários anuais, tinha distribuição de dividendos. Olha, em termos de emprego, trabalhava-se muito, era muito valorizado. Era o sonho de trabalho de todo mundo, eu quando cheguei lá fiquei maravilhado. Até a hora de sair, até quando sai, não tenho nenhuma queixa contra Furnas, nada, nada. Nunca atrasou um dia o pagamento, você era... Como todo lugar, tem suas mamatas. Tinha uma coisa muito política, de vez em quando tinha uns cara que surgiram lá para ser assessor do presidente, aquelas falcatruas, até pouco tempo isso ai existia. Era cargo politico. Mas em termos de emprego, eu me realizei muito, principalmente quando eu fui para área de comunicação. Eu descobri uma empresa, que só me deu satisfação, fiz trabalhos maravilhosos. Toda parte da memória da empresa, eu participei, tem coisas assim, emergências, por exemplo, quando cai torre, você vai, isso ai é história para a gente contar, daí para frente. A informática nessa época 1996, foi quando eu fui ser programador, era programador cobol. Ela era o coração da empresa, você tinha um IBM-360 lá, que era um computador de última geração, que ocupava um andar inteiro. O meu laptop que tá aqui hoje, eu acho que ele tem mais memória do que aquele computador que tinha lá, num andar inteiro, o próprio celular. Era o coração da empresa, pelo seguinte, tudo era informática, tudo era informatizada, os programas todos, de pagamento, da parte toda de engenharia. Tinha assim, mais ou menos uns 30 analistas de sistemas, tinham mais de 40 programadores, a gente trabalhava diuturnamente. Tudo dependia da informática, tudo, pagamento principalmente, era impressionante, tudo informatizado. E eram os salários mais altos. O pessoal da informática era considerado uma casta, são geniais, um absurdo, não era bem isso. Mas era o início, tudo dependia muito da informática, tudo, tudo. Com o tempo a coisa foi piorando mais. Piorando em termos de ficar mais dependente de informática. Tinha coisas que você fazia manualmente, que de repente, o cara, não, isso aqui nós vamos informatizar. Era uma pessoal muito competente, então funcionava muito bem.
1:30:29
P/1 – Então de 71 a 96 você estava no administrativo?
R – Isso, isso! Aí de 76 até 88, eu fiquei na área de informática. Foi quando surgi em 88, uma pessoa que eu conhecia, que trabalhava na área de documentação e comunicação, sabia que eu fazia filmes em VHS, surgiu um trabalho para fazer aqui no estado do Rio, sobre mapeamento para uma usina que eles iam construir. Aí o cara me chamou, para saber se eu podia fazer um trabalho para eles. Eu gostei, era tudo que eu queria. Aí ele me convidou para trabalhar lá. Eu fui lá no cara da informática, conhecia, “tem um convite aqui para trabalhar num lugar que eu adoro, acho que tem tudo a ver comigo”. Aí acertei tudo, e foi quando eu fui em 1988, parti para a comunicação.
1:31:45
P/1 - Eu ouvi errado, eu ouvi que você tinha entrado na informática em 96, é em 76?
R – É em 76 e fiquei até 88.
1:32:00
P/1 – Essa época que você entrou, houve um transição de analógico para começar a informática? Como que era antes de ter computadores e tal, como é que funciona a empresa?
R – Olha, no começo eu não tinha muito acesso a isso, mas já existia folha de pagamento, algumas coisas eram tudo informatizado. A partir de 1980, mais ou menos, não, 83 surge a microinformática. Aí começa uma briga dentro da empresa, porque as pessoas achavam que a microinformática ia substituir o mei frame. Então surgem os camaradas, “não, eu vou fazer um programinha aqui, que vai resolver essa minha parte aqui”. Então teve uma briga muito grande, porque o DDS, que era o departamento de desenvolvimento do sistema, ele era o único que desenvolvia os sistemas, e ele tinha todo o protocolo. Você vai desenvolver um sistema, você tem que registrar aquilo, você tem que documentar aquilo, tudo mais, que é para fazer a manutenção. E as pessoas achavam que não, você tinha um microcomputador lá, “vou fazer um programa aqui, que vai controlar aqui o bebedouro da usina tal, isso aqui é coisa minha”. Começou uma briga terrível. Teve um chefe da informática que bateu de frente com isso, ia virar uma bagunça, cada um ia ter um sistema, não tinha acesso a todo mundo. E essa parte do analógico para o digital, isso na verdade é até mais recente, não tem muito tempo. Isso tem uns 10 anos, mais ou menos, que começou a coisa a surgir mesmo. Hoje por exemplo, eu até acho que hoje, em função do que você tem. Tem muito programa antigo, que ainda roda lá, está sendo atualizado e tal. Mas já tem muita coisa que não é feito especificamente pela informática. Deve ter aberto um pouquinho para você ter um controle mais interno, seu, que não seja para empresa toda, acredito eu. Mas foi uma evolução muito grande realmente. Você vê o próprio celular... Primeiro celular que eu comprei 1994, mal falava. Hoje o que você menos faz no celular, e falar com as pessoas, ligar para as pessoas. Isso é um computador, você tem acesso a tudo, impressionante.
1:35:09
P/1 - Me conta uma coisa, antes de você ir para comunicação, Carlos. Você já tinha tido alguma algum contato de viajar ou de conhecer outros funcionários que fossem da área de engenharia, de operação?
R – Não, muito pouco. Quando eu trabalhei na informática, eu não viajei nesse tempo todo, de 76 a 88, eu nunca viajei. Na área administrativa, eu cheguei a ir a dois lugares, visitar uma subestação, visitar uma usina, para fazer alguma coisa. Mas muito raro, não teve nada assim de importância. Fui cuidar mais uma parte burocrática. Fiz a visita a subestação, fiz a visita a usina. E na informática também não, só depois na área de comunicação, que aí extrapolou, aí eu conheci o sistema todo.
1:36:22
P/1 - E quando você foi nessa Usina, ainda no administrativo, você se lembra como foi, como é que você achou de visitar uma usina? Qual foi?
R - Foi a usina de Furnas. Eu fiquei impressionado, porque eu não tinha ideia do tamanho, você via em fotografia tal, você via aquelas coisinhas, quando você vê pessoalmente, é um mundo, eu fiquei impressionado. E você sente um orgulho muito grande, eu me lembro que eu senti orgulho, “eu trabalho numa empresa que tem um negócio desse aqui.” E isso era uma das usinas, era majestosa aquilo, muito bacana, impressiona.
1:37:08
P/1 – E aí então você foi para a área de comunicação social, é isso? O que você foi fazer lá de início? Me diz como é que foi seus primeiros dias nessa área?
R - Eu conhecia o João Marcos, que esse rapaz que cuidava dessa área de comunicação, quer dizer, ele era na verdade departamento de documentação, ligado a área de comunicação. Então ele tinha todo um acervo, de vídeos principalmente e fotografias. Ele já estava a muito tempo na empresa, Furnas alugava equipamento para gravar determinado eventos, principalmente eventos de engenharia. Você ia fazer, por exemplo, alguma coisa numa subestação, aí ele ia com o cinegrafista, alugava equipamento, ele ia, ficava lá algum tempo daquilo, gravava e guardava. Então o João Marcos era responsável por todo o acervo que Furnas tinha, coisas históricas, ele tinha, por exemplo, uma entrevista com o diretor que foi comprar o terreno, onde está a Usina de Furnas, o camarada deu uma entrevista. Ex diretores já falecidos, presidentes, ele tinha tudo isso em U-matic, para você ter uma ideia. E ele preservou isso durante muito tempo. Aí ele me convidou para trabalhar com ele, que ele fazia exatamente isso, a gente fazia uns vídeos de documentação e tudo mais. Aí quando eu cheguei lá, eu falei assim: o João, vamos fazer alguma coisa aqui no escritório central, por exemplo, tem um centro telefônico aqui. Olha só, centro telefônico, tinham 10 telefonistas que recebiam lá, hoje não tem nenhuma. “Tem o centro telefônico aqui, vamos fazer um vídeo sobre isso.” “Porra, legal!” A gente alugava equipamento, fazia, começou a fazer. Depois foi fazer um vídeo sobre um convênio com a Funabem, que tinha uns garotos da Funabem que iam para lá para prestar serviço. Depois teve um vídeo que era sobre o lançamento de cabo, de linha de transmissão. Aí começamos. Depois eu fui fazer um filme sobre Centro de Treinamentos, aí foi quando eu fui a várias usinas de Furnas, fazer várias tomadas, a gente roteiriza isso e fazia. E foi seguindo, era meio a fórceps, porque a gente não tinha equipamento, equipamento U-matic, muito pesado, tinha que alugar. E fiquei ali durante 2 anos. Aí começam os problemas, tinha uma supervisora que se achava. Tudo que eu e o João bolava, ela queria cortar, queria cortar porque não sei o quê, porque isso não dá certo. Eu tenho um vídeo que eu fiz, sobre uma usina de Furnas, que é Marimbondinho, que é de 1929, ela estava completando 80 anos, já estava parada, eram duas turbinas, eu fui lá entrevistei o cara que construiu a usina, olha só em 1929, o cara tinha 80 e tantos anos. O operador de usina, foi um trabalho muito bacana. Ela queria detonar o troço, achou que estava muito... Choromingo, que não precisava passar tanta emoção. Botar coisa em tudo. Aí chegou um momento que eu bati de frente com essa mulher, não dá! Mas o chefe achava ela o máximo, aí eu peguei e saí. Saí, fiquei à disposição do RH um tempo, para voltar, pensando em voltar para informar. Nesse ano surge o plano Collor, aí eu fiz umas contas, eu falei quer saber de uma coisa, acho que aqui Furnas já era, o que eu queria fazer me cortaram, eu vou entrar num plano aí. Aí conversei com o chefe, “o plano aqui a gente tem que dispensar algumas pessoas”. Falei: qual a ideia? Porque eu estou sem função. “A gente dispensa, você tem interesse?” “Diante do que tá acontecendo eu tenho.” Eu quero ir embora, porque eu vou pegar o que eu tenho de grana, da Fundação, eu vou pegar tudo, eu vou viajar para os Estados Unidos, vou comprar um equipamento e vou montar uma produtora para mim. Foi o que eu fiz, peguei isso, fui para os Estados Unidos, montei, comprei equipamento, trouxe, montei uma produtora. Fiquei com essa professora durante 10 anos, fazendo todos os trabalhos que você pode imaginar, ganhei rios de dinheiro, ganhei muita grana, compensou tranquilamente. Fazia o que eu queria, escolhia o trabalho, viajava, viajei o Brasil todo, conheço praticamente todo Brasil. Fiz contrato com várias empresas, olha foi um achado. Aí quando chegou em 2005, não 98, surgiu o Presidente da República, o Itamar Franco fez um decreto, anistiando todo o pessoal que tinha sido demitido de Furnas. Aí eu peguei e me vi no direito, eu já sai não foi numa boa, quem sabe, eu sempre tive um amor muito grande pela empresa, quem sabe eu posso voltar, mas eu voltaria para o mesmo lugar. A pessoa já não estava mais lá. Aí entrei com pedido, quando foi em 2003, me readmitiram uma nova admissão. Aí eu já conhecia o camarada, aí já era diretamente na área de comunicação, conhecia o chefe, que tinha sido amigo meu a muitos anos. Virei para ele e falei assim: o Rizzo, eu estou voltando, só tenho um interesse, se eu voltar para comunicação eu volto para Furnas, senão tiver chance eu não volto não, eu continuo aqui na minha produtora. “Não, vem sim, estou precisando”. Aí meu querido, aí começou uma saga, aí que a coisa deu certo mesmo, durante 18 anos, fiz coisas maravilhosas.
1:44:16
P/1 - Me parece que você lá atrás, você e o João foram pioneiros nessa área, queriam fazer coisas que as pessoas não entendiam, não queriam, era isso mesmo.
R – Isso! O João infelizmente faleceu em 2013, ele teve um problema sério, ele perdeu um filho com 27 anos, quando o filho morreu, ele morreu junto. O João era um cara parceiro, eu não posso falar muito dele não, se não me emociono muito. Um camarada desprovido de maldade, um camarada parceiro, amigo, competente, um roteirista fantástico, uma das pessoas mais iluminadas que eu conheci. Ele preservou muita coisa, na minha sala, antes de eu sair, eu tinha lá tudo que o João fez. A minha ideia era exatamente transformar isso, digitalizar isso, mas não tive muito tempo, que não tinha muito apoio lá da última chefia. A Dani sabe dessa história toda. Eles guardaram isso em algum lugar lá dentro de Furnas, eu não tive tempo de resgatar. Tanto que eu até perguntei para Dani, onde é que anda esse material. Que eu poderia até, sem nenhum ônus, participar disso, sabendo que vocês estão cuidando dessa parte, da memória. Eu me ofereceria para ajudar nisso, achar esse material e digitalizar. Porque, por exemplo, a gente tem toda a obra de Simplício, desde o começo até o fim, aqueles túneis de 6km de extensão tudo registrado, e coisa mais antiga. Então o João Marcos era o cara que preservou isso durante muitos anos, e era um cara além do tempo, ele pensar muito parecido comigo, eu pensava muito parecido com ele. A gente queria fazer vídeos, quando tinha uma comemoração a gente ia lá, fazia entrevistas, fazia uma série de coisas. Ele foi o cara mais importante da comunicação nessa área, infelizmente ele faleceu em 2012, ou 2013. Ele se aposentou, foi embora, mas deixou um legado muito bacana, que eu consegui de alguma forma preservar.
1:47:15
P/1 - E lá em 88, na sua primeira saída, o que vocês pensavam? O quê que vocês falavam entre si? Qual que era a intenção? Qual que era o espirito desse projeto de vocês?
R - Eu tenho uma coisa comigo que combinava muito com o João. Algumas pessoas dizem que é nostalgia, mas não é nostalgia não, acho que é bom gosto. Da gente preservar as coisas, o cinema para mim, desde garoto é uma coisa mágica, porque é uma coisa que aconteceu, que você tem aquele registro e que você pode voltar naquele tempo, isso aconteceu. Quando você vê um filme do Charles Chaplin, por exemplo, aquilo aconteceu e aquilo por sorte está registrado, você revive aquele momento. Então essa preservação de imagens, essa preservação do passado, eu acho muito bacana você rever. E a gente pensava exatamente nisso, poxa, vamos fazer coisas aqui, que daqui a 30, 40 anos, vai ser história, as pessoas que vem logo depois, vão saber. Se as pessoas puderem ver, é legal. Então a gente bolava 1000 coisas. A gente só não fez coisas melhores, mais coisas, exatamente em função, porque a gente não tinha equipamento. O equipamento era alugado, câmeras grandes, aqueles gravadores que você tinha que ter um cara para acompanhar você, não dava para fazer com VHS, que dizer, até dava para registrar, mas não com qualidade, você perdia muito em qualidade. Quando eu aceitei esse convite em 88, eu fui com o meu equipamento, porque Furnas não tinha nada. Eu tinha uma VHS de última geração tal, trabalha com umas fitas super novas. Então não tinha nada, a gente só consigo comprar equipamento em Furnas, mesmo quando eu voltei em 2003, eu usava o meu equipamento sem ônus nenhum, sem problemas nenhum, eu queria era fazer. Só em 2005 que Furnas comprou equipamento, que a gente insistiu com cara, com o chefe, que a gente falou: o senhor, gasta-se R$100.000,00 por mês, só alugando equipamento, a gente pode gastar R$ 20.000,00 e comprar equipamento. E o cara, “legal, vai nessa!” Então a intenção nossa na época, lá atrás, era exatamente essa, tanto minha, quanto do João, era criar um acervo, criar um acervo e mostrar a história da empresa, ele tinha o mesmo pensamento que eu.
1:50:05
P/1 – Será que tinha também uma intenção de mostrar para os funcionários coisas que eles não sabiam e para fora também?
R – Exatamente! Quando a gente fez os primeiros vídeos dos eventos que tinham, por exemplo, o centro telefônico, Marimbondinho, que estava completando 80 anos, o Centro de Treinamento. O que a gente fazia, na época não tinha como você colocar no site da empresa, não tinha site. Você, quando tinha um evento no auditório, com presidente, todo mês tinha. No começo a gente jogava o vídeo, para as pessoas tomarem conhecimento do que aquilo era uma forma um pouco devagar de mostrar, mas mostrava. Ultimamente, por exemplo, a gente fazia transmissões do auditório para todas as áreas, então quando a gente jogava um vídeo lá importante, todo mundo via. Mas nessa época não tinha como fazer isso. A gente mandava uma fita VHS para subestações, usinas, lá para o chefe tomar conhecimento.
1:51:36
P/1 - Então você voltou nos anos 2000 para empresa?
R - 2003/2003, eu acho que era o governo Lula.
1:52:10
P/1 – Qual que era seu cargo, sua função quando você voltou? E como é que foi voltar para a empresa anos depois?
R – A minha produtora, nos últimos anos eu tinha um sócio. Aí eu passei minha parte para ele, no começo ainda tentei ficar, mas era impossível. Primeiro que você tem que estar presente, uma coisa sua não adianta você botar na mão do outro, porque não dava muito certo, e eu não tinha tempo. Aí voltei em 2013, eu voltei como assessor técnico, que era minha a minha função anterior, a mesma função. E eu fui trabalhar exatamente com o João Marcos, voltei a trabalhar com João Marcos que já estava lá, com aquele acervo todo pronto e fazendo exatamente a ideia que a gente tinha. A gente gravava palestras no auditório, a gente saía para fazer... Inventava algum roteiro novo para fazer e começamos basicamente aquilo que estava lá atrás de sonho começou a ser feito. Só que aquilo que eu te falei, a empresa não tinha equipamento, a gente continuava alugando. Mas depois começou a facilitar, porque surgiram as câmeras digitais, câmeras pequenas com qualidade. Eu tinha duas câmeras digitais, que eu fazia sem problema nenhum. Até que em 2005 a gente comprou equipamento e montou, aí compramos computadores para trabalhar na linear, começou afazer a toda a produção lá dentro. Eu comecei a fazer locução, que eu tinha curso de locução, fazia apresentação, mestre de cerimônia, era roteirista junto com o João, enfim. Aí começou a história, aí de 2003 a 2019, quando eu sai, foi produção aos borbotões mesmo.
1:54:28
P/1 – Como é que essa área de vocês era acionada? Onde vocês iam normalmente?
R - O que acontece, a comunicação ela tinha vários núcleos, você tem eventos, imprensa, fotografia, que ficava separado de vídeo, eu era vídeo, tem web e tem a parte gráfica. Então as demandas chegavam normalmente para o pessoal de eventos, e o pessoal de eventos fazia contato com a gente para fazer alguma coisa, dentro desse evento. Mas independente disso a empresa também tinha um canal de serviços, que o sujeito, por exemplo, queria fazer um vídeo sobre... O último que eu fiz era sobre segurança de barragem. Aí o cara mandava um e-mail para mim, direcionada a área de vídeo, dizendo que queria fazer um vídeo assim, assado. O cara vinha na minha sala, ou eu ia lá encontrar com ele, a gente conversava e viabilizar o projeto. O penúltimo que nós fizemos foi “Escada de Peixe”, aqui na oficina de simplista, trabalho muito bacana que eles tinham lá também que a gente documentou. Então chegava de várias maneiras, chegava pela imprensa, chegava por eventos, chegava diretamente para gente. Tinha muita demanda que às vezes a gente não dava nem para atender todo mundo, tinha muita coisa, muita coisa.
1:56:09
P/1 – E que história e essa de que caiu a torre a gente tinha que ir lá. Como é que era isso?
R - Isso era um dos trabalhos, mais fantástica que eu trabalhei na minha vida. A primeira vez que eu fui... Eu sempre tive vontade de acompanhar uma emergência, não tive tempo. Eu cheguei acompanhar, por exemplo, era uma coisa muito bacana que era manutenção em linha viva, você não desliga a torre, o sujeito sobe lá com o equipamento, afasta lá o cabo, troca lá alguma coisa e tá funcionando a linha, nunca teve um acidente isso. Emergência me chamava muito atenção, porque o seguinte, a primeira vez que eu fui, foi ótimo, caíram 9 torres no Paraná, uma atrás da outra. Só que o circuito é paralelo, caiu aqui Itaipu, e aqui não caiu, eles ficam distante. Então não acontece nada aqui, não tem apagão não tem nada, o sistema é todo interligado. O Brasil hoje, se cair a linha aqui do Rio, deixar de vir de Angra, por exemplo, aí vem outra linha que vem de São Paulo, vem de Itaipu, enfim. Aí eu pensava o seguinte, poxa, cai 9 torres no Paraná e não acontece nada, ninguém toma conhecimento. E ninguém sabe o que que acontece quando cai nove Torres. E ai o que eu fiz, eu peguei e partir para lá. Só que o seguinte Tiago, as torres não cai aqui na Avenida Paulista, ai na avenida Paulista. Elas caem no interior lá para dentro, longe das estradas. Aí você chega no Paraná, pega um carro em Foz do Iguaçu, pega um Jeep, o cara vai, anda duas horas para chegar nas Torres que caíram. Quando chega lá, no dia seguinte, já tem 300 pessoas prontas para levantar a torre. Então você tem toda a logística, de Campinas vem as torres desarmadas, de um outro lugar vem os cabos, da Usina de Furnas vem um caminhão cheio de ferramentas, tudo que é necessário, enfim. Monta-se uma cidade naquele local ali, 300 pessoas. Então você tem logística de comida, ferramenta, pessoal, tudo que você precisar, as barracas. É uma coisa de guerra gente, parece uma guerra, operação de guerra. Chuva, você está no lamaçal, você está num terreno de barro, os caminhões, os carros 4 X 4, Jeeps, chega tudo lá. Então envolve 300 pessoas, de repente você começa, os soldadores começam desmontar as torres, que estão no chão toda retorcidas. Aí vem um guindaste, leva pra lá. Na hora do almoço são lugares inóspitos, a comida chegava na hora do almoço de helicóptero, as marmitas, 300 pessoas comiam. Não sai uma discussão, tem lá o engenheiro, tem o peão, tem não sei o que, todo mundo da opinião, não sai um discussão, aos pouquinhos, isso leva 15 dias. Começa a montar as torres, começa montar, vai subindo, vai subindo. Você tem tempo para documentar tudo isso, tempo para entrevistar as pessoas, tudo mais. Quando você volta para o Rio está tudo pronto, as 9 horas torres foram içadas, o sistema voltou ao normal, tem um helicóptero lá a disposição, você faz um sobrevoo, enfim, fica um filme maravilhoso, que você tem tempo para documentar tudo. Quando você volta para o Rio, as pessoas perguntavam, “onde é que você anda? tá sumido!” “Fui no Paraná, fui documentar, caíram nove torres.” “Você foi aonde, você foi a Foz do Iguaçu?” “Fui!” “Se foi ao Paraguai comprar umas muambas?” Meu, caíram 9 torres, você devia ter me perguntado porque que não apagou a luz aqui. Então isso era uma coisa que a gente tinha que mostrar. De repente, agora mais recentemente, o que a gente fazia, pegava montava esse vídeo e mandava para todo mundo. Tinha evento em algum lugar, mostra lá a torres que caíram. Eu fui a mais ou menos umas 15 emergências dessas, essa de nove foi a pior, mas fui com duas, com três, com uma torre que quebrou, sempre teve alguma coisa para fazer. Então a preocupação nossa, era mostrar para as pessoas, porque aquilo ali acontece, é um evento da vida. Você tem as lixeiras, você não vê nada que nego joga fora, na hora de comer, tá ali, tem lixeira, tem o negócio lá para passar no rosto, o hidratante, o filtro. É uma operação de guerra, que é assim invejável. E eu graças a Deus tudo isso documentado, isso aí é muito legal.
2:02:08
P/1 - E nessas ocorrências você ficava o tempo todo com os trabalhadores, os engenheiros? Você dormia lá?
R – Isso! Normalmente fica fora, pega uma cidade mais próxima, que fica 1 hora, 2 horas, depende do local, pega um hotelzinho lá, aluga. Aí quando dá 5 horas da manhã, o cara bate na tua porta, se você não tiver acordado, ele pega o carro e vai embora. Você dorme cedo, morto de cansaço. O cara pega, duas horas de estrada, mais uma hora de terra, chega no local, começa a trabalhar. É aquilo que eu falei, você tem tempo para mostrar tudo com cuidado, com detalhe, porque a coisa demora. Demora 5 dias, 10 dias, 15 dias. Então você fica a mercê disso, aí você mostra do começo até o fim, fica muito bacana. Mas é pedreira, você fica mal alojado, chuva. Teve uma então, que era só lama, a última que eu fiz era só lama. A Dani, por exemplo, tem uma filmagem minha, a Dani atolou, caiu num buraco lá, ela pedindo para eu salvar, “espera aí, antes deixa eu te filmar, depois eu vou te buscar”.
2:03:42
P/1 - Conta para gente então, algumas passagens, algumas histórias que marcaram durante essas ocorrências?
R - Tem muita coisa bacana, gente. Não acontece nada diferente não, a coisa flui muito naturalmente. A primeira vez que eu fui... Porque são tornados que derrubam torres, então a primeira vez que eu fui, a gente fez um sobrevoou, tinha uma plantação de eucalipto, que no meio tinha um rombo, o tornado chegou ali, saiu voando eucalipto para tudo quanto é lado. Telhados de fazendas que voam longe. Entrevista que a gente faz com os caras, os cara apavorados, bem caipira, falando com aquele sotaque bem caipira, “o negocio passou aqui levou tudo”. Mas assim interessante em emergência, nunca aconteceu nada significativo não. Graças a Deus nunca aconteceu um acidente, que dizer, uma vez aconteceu um acidente, mas sem muita consequência. Claro que já aconteceu uma vez, aqui no estado do Rio, tem uma morte, uma caçamba caiu, uma coisa meio esquisita. Mais uma vez lá em Marimbondo, numa emergência... Eu, por exemplo, capacete o tempo todo, capacete, uma série de procedimentos, que você não pode passar de baixo da torre, as vezes gente abusava um pouquinho para pegar uma imagem melhor, mas os caras sempre vigiando. São duas ocasiões que eu vou te contar, uma é essa, o camarada estava trabalhando aqui e tinha um cara em cima, aí a ferramenta, que é uma ferramenta pesada, despencou lá de cima, bateu na cabeça do cara, que estava com capacete, ele de cinto, o impacto foi muito grande, ele desmaiou, mas ficou pendurado, estava com o sinto de segurança. Rachou o capacete do cara aqui, troço terrível. Aí o cara voltou a si. Se tivesse sem capacete, ou sem o cinto preso, teria morrido. A primeira vez que eu fui, eu queria fazer uma tomada, de cima da torre, porque o cara já ia botar a linha. Aí eu perguntei pro cara, “escuta, eu queria subir na torre, porque está muito longe, a minha lente não chega lá, eu queria botar ali, a 3 metros do cara, o cara botando o isolador.” Aí o amigo um amigo meu lá de Jacarepaguá, falou para mim: eu vou te arrumar o cinto, mas acontece o seguinte, o cara não vai deixar você subir, você tem que dar um jeito de combinar ai com chefe alguma coisa, porque a segurança aqui é brava. “Bota o sinto em mim!” Aí cheguei lá, o supervisor de segurança, “o senhor tem autorização para subir?” “Olha só, segunda vez que me perguntam isso, acabei de descer daquelas duas torres lá, eu estou autorizado.” “A o senhor já usou, já passou?” “Já, já subi...” Então tudo bem, pode subir”. Aí eu fui! Aí vem o cara, eu estou subindo com a câmera, botando lá o cinto e tal. Levei mais ou menos uns 15 minutos, 20 minutos, para chegar lá aonde eu queria, daqui a pouco no meio do caminho, estou ouvindo um negócio assim, tec, tec, tec, era o cara subindo, o cara parecia o Homem Aranha, o que ia fazer o negócio. Passou por mim assim, a uns 20 por hora. O cara em 1 minuto subiu, eu levai quase meia hora. Mas aí fiquei ali, numa posição legal, poxa, peguei umas imagens, loucura. Da outra vez me penduraram num guindaste, com uma caçamba também, não queriam deixar, pó, tudo pela imagem. Mas vale a pena, vale a pena, da para fazer coisas muito bacanas. Acidente mesmo, grave, graças a Deus, nunca aconteceu nada.
2:08:52
P/2 – Você lembra de algum caso de inauguração de Usina? De alguma coisa bacana com controlidade?
R – Mas ai o Dani, tinha uma inauguração no Espírito Santo, estava eu e Juliana. A Juliana fazendo as imagens e eu entrevistando as pessoas. Aí tinha uma tal de Carla, que era assessora do Lula, ela não queria deixar a gente... A gente estava com crachá para entrar em qualquer lugar, e ela não deixava, “não pode”. “Mas como não pode? Eu sou de Furnas, aqui eu tenho crachá, eu sou autorizado a entrar em qualquer lugar.” “Mas eu não quero!” Aí eu vi uma grade, eu falei para Juliana, você fica aqui, que eu vou pular a grade, você me da o equipamento, que eu vou pelo outro lado. Aí ela ouviu, ela falou assim: se o senhor fizer isso, o senhor vai ser preso. Eu falei: quem é que vai me prender? Ela falou: o presidente. Eu falei: a minha filha, você tá difícil de falar contigo. A mulher era um saco, todo lugar que a gente ia, perturbava a gente, não deixa a gente fazer nada. “Não pode entrar onde o presidente está com uma câmera.” Me enchendo o saco!
2:10:18
P/1 - E Carlos, como que é o perfil dos funcionários, dos técnicos que você conhece em campo? Como é que são essas pessoas? Como é que era entrevistar eles?
R – Olha, são pessoas extraordinárias, poxa. A Dani foi comigo algumas... A Dani, por exemplo, se apaixonou por um monte deles lá, um monte de figuras, poxa. Pessoas super simples e de uma competência incrível, incrível. A gente fez muita amizade, com muita gente. Os camaradas quando vinham aqui para o Rio, a gente não sabia como trata-los, pessoas assim, muito tranquilas, extremamente competentes na área deles, dando aula para gente de simplicidade, olha, não conheci nenhum assim, chato, que cara chato, não, de forma alguma, era um tratamento nota 10, é impressionante, impressionante. Pessoal do Sul, a maioria do Sul, pessoal de São Paulo, interior de São Paulo, muito tranquilo, muito tranquilo. O que a gente pedia eles estavam sempre prontos para atender, muito legal.
2:11:32
P/1 - Você se lembra de alguma figura, em específico, ou de algumas, que você se lembra, que você gostava mais?
R – Olha, tem um camarada lá em Foz do Iguaçu, ele já se aposentou, acho que é Derly, ele era... Logo no começo, a primeira vez que eu fui, fiquei impressionado, porque na emergência, você tem que quebrar um monte de galhos né. E o Derly era assim, ele de repente, ele falou assim: me acompanha aqui, que o camarada quer que eu compre não sei quantos quilos de carvão. “Tá, aonde é que você vai arrumar carvão aqui?” O cara saia de carro, daqui a pouco aparecia ele com carvão. “Olha eu estou precisando de uma pedra, pedra britada, não sei o que, assim, assim, assado e lenha não de quantos.” Ai o Derly, daqui a pouco aparece. Gente, o cara resolvia todos os problemas, tudo era só... Uma vez eu me lembro, que o camarada pediu para ele, um remédio, que o Sui, estava com dor de dente. “Tem um minuto?” “O que é um minuto?” “Um minuto e o nome do remédio, que tem um operador aqui, o camarada aqui está com dor de dente.” Eu falei, bom esse aí ele não vai conseguir, não tem farmácia aqui, não tem nada. Passou assim uns 40 minutos, estava o Derlu lá, com a porcaria do remédio na mão. Gente, ele se virava. Da outra vez tinha que arrumar uma mesa, para colocar na barraca, para fazer uma reunião, porque não tinha nenhuma uma mesa, tinha um monte de cadeiras, estava precisando de uma mesa para colocar os mapas de montagem das torres. “Preciso de uma mesa.” Aí a gente estava perto de Foz do Iguaçu ali, ele foi até Foz do Iguaçu, passou na porta, na frente uma casa, ele olhou assim na varanda da mulher, tinha lá uma mesa grande. Ele pegou, parou, tocou a campainha, “a senhora pode me alugar essa mesa?” “Alugar para que meu senhor?” “Eu estou precisando, só aqui de Furnas, tal, essa mesa cabe exatamente. Quanto a senhora aluga?” Alugou a mesa. Pegou, botou no caminhão e levou a mesa para emergência, para fazer a reunião. Esse cara era o máximo, ele resolvia todos os problemas, tudo, tudo, incrível, do menorzinho, até o maior. Acho que é Derly, eu vou tentar lembrar o nome dele.
2:14:00
P/2 – Era Dorly!
R – Dorly, Dorly, exatamente, figura, figuraça.
2:14:07
P/1 - Eles contavam histórias para você? De onde eles vieram? O que eles faziam? Você ouvia essas coisas deles?
R – Não! Eles eram muito simplórios, eram trabalhadores de linha, um o outro que a gente tinha um contato maior, pessoal aqui de estado do Rio. Como é que é o nome Dani, daquele que o filho dele foi estagiar lá?
2:14:44
P/2 – Léo. José Leonardo.
R – O Léo era gente finíssima. Aqui do estado do Rio. Tinha o Dorly, tinha o pessoal todo de linha, lá de Foz do Iguaçu. Pessoal de Furnas, que levava o caminhão, com todos os equipamentos, eles eram muito tranquilos, muito competentes.
2:15:14
P/1 – E como era pra você, viajar para esses lugares no meio da natureza? Você é um cara que gosta disso? Você se impressionou com alguma algum retrato natural que você viu durante essa ocorrência?
R - Para mim era muito natural viajar, não tinha problema nenhum. Embora eu seja muito urbano, ir para um lugar assim muito tranquilo, eu não gosto não, fico 1, 2 dias, aí fico com saudade desse tumulto aqui. Mas o bom é que eu trazia coisas muito bacanas sabe. Eu tenho uma experiência, uma vez numa emergência, a gente estava tomando café, era um vale, bem cedo. Aí de repente, olhei assim, tinha umas torres, e no vale, tinha uma bruma, uma nevoa assim, ocupando bem baixo. Eu peguei a câmera, comecei a fotografar, gente, foi as melhores fotografias, que eu tirei na minha vida, parece que as torres estão nascendo assim da nuvem. Eu tenho até aqui em casa, uma sequência delas. Que eu fiz mais para botar inveja, na Dani e no Lins, eu disse pra eles, que se eles quisessem podia dizer que foi eles que fizeram, sem problema nenhum. Olha, ficou, muito bacana, muito bacana. E mesmo em vídeo, tem um final de um vídeo, que eu falei para o Lins assim: Lins, olha só, o sol vai cair atrás daquela torre ali, vamos para lá. Ele estava todo cheio de coisa, “não, tá muito longe”. “Vamos embora, deixa de ser preguiçoso.” Andamos assim, uns 2 km para chegar no momento certo. Ele tirou cada foto, eu fiz umas imagens, gente, fantásticas, fantástica. Quando a gente foi fazer eólica também, a gente caminhou um tempão no pôr do sol, as eólicas rodando lá, e a gente fez umas imagens. Tem muita imagem bacana, muita coisa bacana. A Dani também, Dani fez coisas fantásticas de fotografia.
2:17:41
P/1 - Você conheceu o Brasil todo praticamente, então viajando...
R – A sim, já conhecia antes. Quando eu tinha a produtora, eu conheci o Brasil quase todo. E por Furnas, eu deixei de ir, usinas das 21, 22 usinas, eu deixei de conhecer umas 3 só, as outras todas eu conheci.
2:18:04
P/1 - Vocês registraram construções também, de empreendimentos? Qual te marcou mais?
R - Q que mais me marcou foi Simplício. Simplício eu comecei desde o começo, porque Simplício é uma Usina totalmente diferente de tudo que você pode pensar, ela tem uns canais, ela tem uns túneis subterrâneos, que depois são cobertos por água, trabalha tudo debaixo d'água. Tem túnel assim, do tamanho do Rebouças, da boca do Rebouças, só que é 4 vezes maior que o Rebouças, tem 6 km de extensão. A água passa por ali, para jogar até a Usina, e tem todo um trabalho de piscicultura, tem todo um trabalho engenharia, dentro das rochas. É uma usina que a gente tem tudo documentado. Inclusive eu acompanhei uma equipe americana, em 2006 eu acho, não, 2010. Era “Mega Construções”, era um programa do Discovery, que o caras vieram aqui só para fazer esse documentário, eu cheguei acompanhá-los. Acompanhei e fazia junto com eles, muito bacana. Esse trabalho de Simplício, é exemplar.
2:19:34
P/1 - Você gosta de viajar. Ficar esse tempo todo fora, como é que você se senti?
R - Me sinto bem, não tem problema não, é um desafio, você vai atrás de coisas novas. Toda viagem, você sem traz material novo, o legal é isso, você traz muito material, que aproveita de uma forma excepcional. Eu gosto de viajar, gosto de conhecer lugares novos. Emergência é meio pesado, porque não tem nenhuma novidade, mas o fato de você trazer imagens legais. Porque toda emergência, eu fiz umas 15, não tem nenhuma igual, é impressionante, não tem nenhuma igual.
2:20:24
P/2 – Conta como a gente fazia as aéreas?
R – As aéreas, gente, loucura. A primeira aérea que eu fiz, com o João e com o comandante Aragão, piloto sensação. O Aragão era um cara desligado, piloto, e queria voar, a gente viajava com ele, ele inventava, “temos que ir não sei para onde”. Ele não conseguia ficar no chão, e era um monomotor. E ele gostava de uísque, de manhã ele já tomava um uísque. Aí ele levantava voo e falava assim: já estamos em emergência, só temos um motor. Pousei fora da pista com ele, o João uma vez vindo de Serra da Mesa, ele teve que pousar numa fazenda, porque ele se perdeu, e ele insistindo que não estava perdido, o João Marcos falou para ele: o Aragão, olha só, você está perdido? “Não, que perdido pó, sou um velho lobo do ar.” Aí tudo bem. E a tempestade chegando, ele falou: eu vou pegar aqui, eu vou para Brasília por aqui. O João: mas está negro aqui, você vai entrar aqui? Ele perdeu o rádio, um rolo danado. Aí o João não deixou, aí falou: Aragão desce num pista, olha ali uma pista de rolamento, uma estrada, desce ali, você está perdido. “Não estou perdido, você está enganado.” Passou uns 5 minutos, ele virou, “onde será que está aquela pista, hein?” Aí o João, “você está perdido Aragão!” “Estou ligeiramente desorientado.” Resultado, descemos numa fazenda de um cara, na hora que a gente desceu, prendeu o avião no chão, pegou equipamento todo, caiu um dilúvio. Fomos para a fazenda do cara, de noite a gente pegou um ônibus, que a gente ia para Brasília, porque tinha que voltar para o Rio. E o Aragão ficou lá na fazenda do cara. O Aragão falava assim: amanhã a gente vai embora, vai acabar. Ele ficou uma semana, hospedado na fazenda do cara, tomando o uísque do cara, dizendo que no dia seguinte estava livre. E outras coisas, a gente saia, a Dani foi comigo e com Lins, a gente depois melhorou um pouco, começou a gravar com cênica, que é bimotor, só que tinha que tirar a porta. Então a gente não podia sair de qualquer aeroporto, você tinha camuflar. Então a gente ia aqui para o estado do Rio, para Baóba, tirava a porta, levantava voo, fazia as filmagens. Olha, era uma mão de obra danada. Trepidava a bessa o avião, ficava exposto, a gente não podia usar o cinto, que eu ficava ajoelhado na porta, o João botava a mão assim no cós da minha calça, e ficava me segurando assim, e eu ia embora. Aventura, aventura, mesmo. A Dani também participou muito de voo.
2:23:55
P/1 - Carlos você ficou muito tempo, ou algum tempo, nos blocos centrais da Rua Real Grandeza?
R - Eu trabalhei nos três blocos de Furnas. Quando eu comecei, eu trabalhei no sexto andar do bloco B, depois quando eu fui para informática, eu fui para o segundo andar do bloco A, e depois na informática também, fui para o terceiro andar do bloco C. E ultimamente voltei, fiquei no quarto andar do bloco B, quer dizer, conheci os três blocos.
2:24:44
P/1 – Explica para a gente como que era cada um deles? Se você puder descrever para gente.
R - Os prédios de Furnas, eles são abertos, os andares são como se fosse um campo de futebol, ele aberto. Então lá dentro, você pega e faz as divisórias, as únicas coisas que existem são os banheiros, então ele é todo modular, você monta da forma que você quiser. Você pode fazer uma sala grande, pode fazer uma sala pequena, pode dividir de várias formas, é muito funcional, é tremendamente funcional, todos eles. É fácil de trabalhar, depois que cada um recebeu seu computador, criou-se as baias, então uma coisa ficou bem mais fácil de trabalhar. A nossa área, por exemplo, comunicação, era uma coisa aberta, com as baias dividindo só por setor, mas sem paredes. Eu, por exemplo, a minha área tinha um box, uma sala separada, porque a gente fazia locução, fazia edição. Então tinha que de alguma forma ter silêncio, mas o resto era tudo aberto, era muito funcional. O auditório era muito bom para eventos, tinha toda uma estrutura para a gente fazer gravações no auditório, transmissão para as áreas regionais, era muito bacana.
2:26:23
P/1 - O que mais havia de estrutura lá, vocês almoçaram por ali, tinham coisas para os funcionários fazerem, dentro e fora do trabalho, como é que era?
R - Você tem um refeitório muito grande, que atende a muitos anos, desde 1972. Tem um comércio muito bom em volta, tinha né, porque a gente não está mais lá, o pessoal não está mais lá. Tinha uma academia de ginástica, que podia ser usada, não muito bem montada, mas dava para fazer. O auditório era muito bom, apresentações de coral de Furnas, que o pessoal cantava, tinham festivais, que eram realizados lá, de música, enfim, era tranquilo, era uma cidade que você... Tudo próximo, os restaurantes próximos ali, as instalações eram muito boas.
2:27:44
P/1 - Como é que era essa vida interna da empresa? Olimpíadas, festivais de funcionários...
R - A gente chegava a promover algumas coisas, mas quem promovia mais diretamente isso, era uma área social, era APA, eles promoviam a cada dois anos um festival de música, e outros festivais também. O auditório de Furnas vivia lotado com eventos. Eu participei várias vezes de festival, festival de música, que era a cada dois anos. Tinha a eliminatória nacional, aqui nas áreas regionais, tinha do escritório central, depois juntava todo mundo, vinha aqui para o Rio, podia ser aqui no escritório central, algumas vezes até fora do escritório central. Teve final de festival ali no Escala Rio, depois teve aqui na aeronáutica, ali perto da Praça 15. Mas teve muito festival que terminou dentro de Furnas mesmo. Eram eventos fantásticos, que tinha uma receptividade muito boa dos funcionários. Tinha campeonatos internos de futebol. Tem campos de futebol lá em Jacarepaguá, em outras subestações, eventos sociais tinha muita coisa. Tinha um centro cultural debaixo do bloco A e que tinham exposições, apresentações, coquetéis, uma série de coisas, era bem dinâmico.
2:29:47
P/1 – Me fala um pouquinho dessas olimpíadas, como é que funcionava? Eliminatória você falou, você jogava o futebol lá, é isso?
R – Olimpíadas, gente. 1980 surgiu a primeira Olimpíada. Então era o seguinte, a área que eu trabalhava, de informática, tinha pouca gente, então você jogava futebol de salão, futebol de campo, basquete, vôlei, saltava em altura. Tinha pouca gente, então caro inventava, “você faz o quê?” “Há, eu corro.” “Então você vai correr, mas assim que você acabar de correr vai ter o futebol de salão ali, você tem que estar lá”. E por incrível que pareça, era de DPDI, era a presidência, que a informática era ligada a presidência, DPDI que teve que juntar duas diretorias. E ganhamos as Olimpíadas, impressionante, no cômputo geral. Nós tínhamos um jogador de tênis que era semiprofissional, o cara ganhou. O futebol foi o segundo lugar, o basquete a gente ganhou, então no total, a gente ganhou de dois pontos de outras diretorias. E teve outras, mas eu jogava tudo, jogava basquete, que nunca tinha jogado, jogava vôlei, também não tinha jogado, jogava futebol, futebol de salão. A gente inventava um monte de coisas. E era super concorrido, muito legal. Ia ali para a escola de educação física do Exército, na Urca, tinha final de basquete, de vôlei, tinha torcida, era impressionante, mexia com a empresa mesmo, como mexeu. As Olimpíadas parou depois de um certo tempo, mas o tempo que ela durou, que ela se apresentou, mexia realmente com todo mundo, as pessoas iam para assistir, muito bacana.
2:31:45
P/1 – Como é que era jogar com superintendente, diretor, dava canelada mesmo?
R – A meu filho, isso ai é uma história muito longa. Tem uma história que é muito boa, que eu vou contar para você. Eu nunca senti nada diferente, para mim é o seguinte, o chefe é lá dentro da empresa, fora da empresa ele é um cara como outro qualquer, não tinha essa. Tinha algumas pessoas que ficava, “pô, chefe”. Tem uma história dentro de Furnas, que é muito interessante. Tinha um jogador de basquete, profissional do Brasil, chamado Marquinhos, década de 80, seleção Brasileira, ele tinha um irmão, o Paulão. O Paulão tinha 2 metros e 10 e jogava basquete pelo Vasco, e era funcionário de Furnas. Aí um dia, numa dessas Olimpíadas, o Paulão era do meu time, o Paulão era o time, você dava a bola para ele, ele ia lá, andava e fazia a cesta assim, nem pulava. Aí eu fui jogar, tinha que jogar basquete, tinha que completar, eu estou ai dentro, eu pegava a bola, jogava para o alto, o Paulão pegava. Aí foi para a final, Paulão ganhou o jogo, e tal, a diferença foi pouca, porque o outro time era muito bom, mas o Paulão que resolveu. Aí na hora de dar medalha, pegaram, o Paulão era da DP, e o time que perdeu era da DT. Aí pegaram o diretor da DT, para entregar as medalhas para o pessoal da DT, o diretor era o, vou lembrar o nome dele. Aí o cara veio botar as medalhas, estava perfilado, os dois times, a DP aqui e a DT aqui, Moraes Mendes Júnior, o nome do diretor. Um senhor tinha 60 e poucos anos, ei lá. Aí ele vem, vai colocar a medalha, quando chegou no último cara, ele virou para o último cara que ele conhecia, que era o Ivan Devoto, e o Paulão estava do lado assim, virou, na hora de colocar a medalha no Ivan, ele falou assim: como é que vocês perdem para esse time de bosta aí? Pó malandro! Paulão, que era um cara meio estourado, pegou o cara por aqui, pelo colarinho, levantou, e falou assim: escuta, bosta é você! Quero lembrar você, o seguinte, isso aqui não é Furnas não, e eu só não te dou umas pancadas, porque você é um velho, caquético, maluco pelo visto. Aí soltou o cara no chão. Aí as pessoas, vai dar merda, vai dar uma merda. Presidente de Furnas era o Licínio, dia seguinte Paulão é chamado na diretoria. Aí ele todo preocupado, “pô, o que eu fiz, o cara me ofendeu né”. Chegou lá estava o Mendes Júnior sentado, o Licínio mandou o Paulão sentar, aí virou para o Paulão e falou assim: Sr. Paulo, meu diretor que dirigir umas palavras para você, eu te chamei aqui, porque ele vai, a meu pedido, te pedi desculpas. Show de bola né. O cara todo humilde, “pó, desculpa”. Essa é uma história boa né. E tem uma outra história, que aconteceu também, posso contar? O presidente de Furnas, o fundador de Furnas, Doutor Cotrim. Quando eu entrei em Furnas, ali no bloco A, tinha um elevador privativo, para os diretores, tal. Aí na hora que a porta vai fechar, chega uma recepcionista, recepcionista usava uma roupa meio alaranjada, troço chamativo. Ela entra correndo no elevador, e fala para o cabineiro: oitavo, oitavo, por favor, estou atrasada. Aí o cabineiro virou e falou: a senhorita me desculpe, mas a senhora pode pegar o outro elevador? “Não, não, vamos embora, o que está esperando? Vai descer? Não vai subir, eu quero o oitavo andar.” Acontece que a senhora não pode andar nesse elevador. Tinha um camarada assim do lado. Ela virou e falou assim: quem não pode andar de elevador é esse senhor aqui, que está fumando aqui dentro. Aí o elevador subiu, subiu, deixou ela no oitavo andar, passou 10 minutos, ela foi chamada lá no décimo sexto. Aí foi lá, aí entrou na sala, aquela sala enorme, estava o senhor que ela falou que estava fumando no elevador, atrás da mesa, ele falou: senta ai minha filha. Você sabe quem sou eu? Ela falou assim: olha, eu acho que o senhor deve ser muito importante, pela sua sala, pela sua postura. Eu sou o presidente de Furnas, João Cotrim. Ela toda. “Olha só, eu vou te dar aqui um encarte, que tem minha fotografia e de todos os diretores, você como recepcionista, empregada de Furnas, você precisa conhecer os diretores, você não pode fazer o que você fez. E outra coisa, eu fumo onde eu quiser, eu fumo charuto, não é proibido, eu posso fumar charuto em qualquer lugar, você está descansada.” Mas diz que tratou bem, tratou num boa, tranquilo. Ele era um cara muito legal. “Pode ir para o seu lugar”.
2:37:58
P/1 – Tem alguma outra que você se lembre, que as pessoas sempre contam?
R – E eu lembro bem dessas duas. Essas duas marcaram muito. Mas tem várias histórias gente, tem muita coisa assim, lembrar agora o que aconteceu comigo, com algumas pessoas, a Dani pode ser que lembre. Mas tem coisas maravilhosas, têm histórias fantásticas, cada um tem uma história para contar, não tem menor duvida.
2:38:53
P/1 – Você pode contar uma que te marque?
R – Tem uma coisa muito emocionante, não sei seu eu vou conseguir contar. O João Marcos, esse cara marcou muito a vida de todos nós na comunicação. Uma vez o João Marcos, tinha um camarada que trabalhava com a gente, o Eugênio, a mãe dele morava lá no nordeste, e o Eugênio não tinha um salário muito bom. Pegou, pediu para o João Marcos, pro João Marcos, eu não sei se foi para emprestar um dinheiro para ele, ou ser avalista no banco. Porque ele queria trazer a mãe dele lá do nordeste. A mãe dele ia pegar um ônibus, vinha para o Rio, depois voltava de ônibus, uma pedreira. E ele não tinha como pagar essa passagem. Aí o João pegou e falou assim: não, não, eu vou te emprestar, ou vou ser seu avalista, não sei o que. “Mas me dá os dados aí, o nome da sua mãe, CPF, não sei o que, tal, que eu vou dar um jeito, eu vou te ajudar, a gente vai buscar lá na rodoviária.” Tá bom. Aí o Eugênio deu os dados para ele e tal, a data que ela vinha, que ele ia comprar a passagem. Uma semana depois, o João chamou o Eugênio na sala, e falou assim: olha, tá tudo certo para sua mãe vim. “Não, eu tenho que comprar a passagem”. O João pegou assim, passagem de avião, ida e volta. O Eugênio, “passagem de avião, minha mão nunca entrou num avião”. “Vai entrar, pela primeira vez.” “Mas eu não tenho como te pagar isso.” O João, “e quem é que falou que você vai pagar isso. Você não quer ver sua mãe, que você não vê a 10 anos, deixa ela vir, porque que ela vai ficar sacudindo num ônibus, tá aqui.” Pó, o cara desmanchou. O João era assim, de graça, sem nenhuma demagogia. Eu fiquei sabendo disso, eu espalhei para todo mundo. Porque ele falou para o Eugênio não falar para ninguém. “Não, mas eu vou falar.” Isso não existe gente. Essa é uma das histórias, mas tem outras tantas, que a gente podia pensar ai. Essa é a mais emocionante talvez.
2:42:11
P/1 – Fora o João, teve algum outro funcionário que te marcou na sua trajetória em Furnas? O que foi muito importante para você ter chegado aonde você chegou?
R - Eu tinha eu tinha alguns exemplos em Furnas. Eu tive um gerente, Eduardo Burlar, que era o gerente da Informática. O Eduardo Burlar era o seguinte, ele era o gerente da informática, lá na década de 70, 80, superintendente. Foi o cara mais incrível que eu conheci, em termos de administração. Ele era gerente da informática, ele não sabia nada, absolutamente nada de informática. Ele sabia gerir pessoas, ele colocava as pessoas certas no lugar certo, sem beneficiar ninguém porque era amigo, nada, ele tinha pouco contato com as pessoas. E ele resolvia todos os conflitos. Qaundo tinha um conflito grande, com usuário, ou alguma coisa lá dentro, ele chamava as pessoas, “senta aí, que tá pegando?” “Tá pegando isso assim.” “Faz assim, assim, assim, tá legal?” “Tá!” Tchau! Era um exemplo de gerente, cara competente, é como eu disse, ele nunca passou no andar do computador, mas. Outro gerente também, na informática, o Rito, que substituiu lá o meu chefe, que era um cara também muito professor, um camarada muito competente, muito tranquilo, que era exemplo para todo mundo.
2:44:00
P/1 - Me conta uma coisa, você participou desses festivais de talentos de Furnas?
R – Sim, sim, participei! 2006 eu me meti a besta, e fui participar para cantar pela primeira vez. Não fui classificado, cantei mal à beça, estava nervoso. Aí no segundo festival, dois anos depois, eu falei assim: gente, eu tenho que ir, eu tenho vontade de cantar, eu vou cantar, vai acontecer alguma coisa. Aí eu dei sorte, porque era um festival, que era um festival meio miscelânea, você podia cantar, você podia declamar, podia da cambalhota, podia saltitar, fazer qualquer coisa. É essa que eu vou! Aí como eu trabalho com edição, com vídeo, eu falei: eu vou cantar, vou fazer um dueto com Frank Sinatra, vou cantar New York New York. Aí eu coloco umas cenas que eu filmei Nova York, tenho um acervo enorme, jogo na tela umas imagens de Nova York, canto. Na segunda parte eu tenho umas gravações do Sinatra, vídeo, coloco ele cantando, depois eu entro cantando junto com ele. Deu certo, fui classificado em primeiro lugar no festival do escritório central e segundo lugar no geral. Pô foi maior sucesso, aconteceu. Só fui segundo lugar, porque o cara que foi o primeiro, que era um guarda, que era trompetista, o cara deu um show. Mas foi assim um máximo. Aí daí para frente, eu peguei o gostinho, as pessoas gostavam do que ouviam, eu gostava de cantar. Comecei a me apresentar em eventos dentro de Furnas, fora de Furnas, ai fui curtindo isso. Aí terminou agora, me apresentei em vários lugares. Aí terminou agora esse ano, que eu entrei no The Voice Mais, e cantei duas músicas. Na primeira apresentação as quatro cadeiras viraram, na segunda, de três, escolheram dois. Aí eu não fui escolhido, mas a minha apresentação foi boa. Dizem que foi injustiça, eu não posso falar isso, porque eu estava concorrendo com a mãe do Alexandre Pires, dizem que ela não cantou nada, mas o cara classificou ela. Mas tudo bem. Mas a primeira apresentação foi o máximo, eu recebi 5.000 WhatsApp, Instagram 10.000, as pessoas falando, até proposta de casamento eu tive, para você ter uma ideia. Mas era uma senhora de 88 anos, que dizer, não dá para levar em consideração. Muito bom!
2:46:56
P/1 – Por que você cantou Frank Sinatra em Furnas?
R - Primeiro porque eu sou fã do Frank Sinatra e das músicas dos anos 40, 50, aqueles arranjos. Eu tenho todos os arranjos, eu gosto muito, além de ser fã do Frank Sinatra, eu gosto das músicas que ele canta. Mas eu não canto só Frank Sinatra. Eu canto Sinatra, mas pela oportunidade de impressionar. Mas eu canto MPB, canto bossa nova, eu sou eclético. Só não canto sertanejo e hip-hop, essas coisas. Mas bossa nova e samba canção, essas coisas, eu canto, eu gosto, muito legal!
2:47:40
P/1 - E nesses dois anos, você ficou se preparando, você ficou treinando?
R – É, fui montando o vídeo, treinando, vendo o que seria legal. Me identifiquei realmente, achei que eu tinha chance. Mas como hobby, não estava levando a coisa muito a sério. Mas pelo menos... Já fui até contratado por dois lugares para cantar, essa pandemia acabou um pouco com a gente. Eu já tinha engrenado aí, quatro apresentações, 2 em hotéis, e 2 em clubes. Recebendo, hein! Estou famoso, falei para a Dani. Eu vou ficar insuportável.
2:48:25
P/1 - Lá no The Voice, você escolheu que canção para cantar, Carlos?
R - Eu cantei The Days of Wine And Roses, foi na primeira apresentação, aí na segunda apresentação. A primeira foi fantástica, os caras viraram com 10 segundos de ter cantado. Na segunda eu era obrigada a cantar uma música brasileira, aí eu cantei uma música dos anos 70, Para Você, do Silvio César, uma música muito legal, teve uma repercussão boa, fora, todo mundo achou o máximo. Mas o cara não me escolheu. Mas foi legal, como experiência valeu a pena, era um concurso né. Você corre o risco de ser escolhido, ou não. Mas eu fiquei satisfeito com a apresentação. Todo mundo ficou satisfeito, uma pena. Eu gostaria de ter ficado, porque tem todo um glamour de você ter participado. Você vai lá para o Projac, você ensaia, você conhece as pessoas, é muito show, muito show.
2:49:28
P/1 - Como é que foi a sua experiência de ir para lá? Você geralmente são treinados com esses artistas, que estão lá, é isso?
R – Não, não! Você não tem contato nenhum com os artistas, é impressionante. Você fala com o produtor musical. Em época de pandemia, a coisa é feita, foi feita assim, tudo via digital aqui. Pelo celular, você mandava a música, eles faziam um arranjo, mandava para você com um guia, você se apresentava. Aí num domingo eu fui para lá, aí na segunda-feira você ensaia, e na terça você grava. É tranquilo, tranquilo, é emocionante, é muito bacana. A primeira apresentação, você fica uma pilha, você está lá naquele ambiente. Mas o contato com as pessoas é só na hora de cantar. Eu tive muito elogios, poxa, a Claudia Leite me elogio à beça, que dizer, elogiou à beça, mas elogia todo mundo também né. Eu fico imaginando o cara com 80 anos chegar lá, e aí ninguém vira, e fala assim: olha, você tem futuro, continue assim. Via frustrar o cara! Daqui uns 10 anos, quem sabe. (risos) Mas foi bom, foi uma experiência muito bacana.
2:51:00
P/1 – Você se importa se eu pedir para você cantar um trecho de alguma música que venha na sua cabeça?
R – Não, não tem problema nenhum. Eu já fui um cara muito tímido, hoje em dia eu não sou mais não. Eu posso cantar um trechinho desta, quando me apresentei, The Days of Wine And Roses, a capela né? (catando...) por ai.
2:51:51
P/1 – Você pode cantar ela pra mim, inteira. Você consegue de cabeça?
R – Claro, posso cantar. Posso botar um acompanhamento aqui... agora vai.. (cantando...) Fizeram em cantar.
2:54:34
P/1 – Parabéns Carlos!
R – Ficou bom?
2:54:39
P/1 – Ficou lindo! Achei que você ia fala, não vou conseguir, falei muito já.
R – (risos) não, perfeito! Para cantar tudo vale. E muito bom canta, gente. Eu demorei muito para cantar na minha vida. Eu tinha vontade, mas tinha medo de enfrentar as pessoas.
2:55:02
P/1 - Da onde surgiu essa vontade de voltar a cantar então, Carlos?
R - Eu Sempre tive vontade, mas aí, é como eu falei, eu tinha receio, nas pessoas... a minha filha canta a beça, minha filha mais velha, “pai, você tem que cantar, você cantarola de vez em quando aí, eu gosto da sua voz.” A minha ex-mulher me empurrava, vai cantar, você não tem que ter medo, não.” Aí eu ficava assim, meio tímido. Aí quando surgiu esse festival em Furnas, eu vou criar coragem, eu vou lá, vou cantar, vou ver o que dá. Primeira vez não deu muito certo, por falta de experiência. Mas a segunda eu me preparei e funcionou. Aí teve uma terceira vez que eu fui classificado, uma quarta vez, eu cheguei a participar de quatro festivais. É gostoso cantar, gostoso ver que as pessoas gostam do que você canta. Musicas legais, é muito bacana, é gostoso, uma terapia.
2:56:10
P/1 – Carlos, você se casou 2 vezes, 3?
R – Eu estou no terceiro casamento. Eu casei a primeira vez em 1978, foi uma coisa assim meio tempestiva, paixão, coisa assim. Casei com uma pessoa muito legal, mas no fundo no fundo, com o passar do tempo, não tinha muito a ver comigo não, nem eu com ela. Eu tenho um filho, Guilherme, que tem 40 anos, que é um cara fantástico, professor de Comunicação Empresarial. Têm mais de 100 mil seguidores nas redes sociais, um cara muito competente. Aí esse casamento durou pouco mais de um ano. Aí eu me separei numa boa, sem problema. Aí casei de novo, num casamento que durou 27 anos, eu tenho duas filhas, a Renata e a Júlia, 34 e 32 anos. Formada já, a minha filha mais velha está indo morar na Espanha agora, que ela é cidadã espanhola. A minha ex-mulher, o pai era espanhol, então elas pegaram a cidadania. E a Renata, minha filha mais nova, está pensando em viajar pelo mundo, trabalhou na Globo durante 10 anos, na área de RH, ela é formada em administração. Mas cansou, encheu o saco, era muito explorada, não tinha horário. Ai resolveu agora, quando acabar essa pandemia, vai aventureira. Vai para a Austrália, vai fazer um monte de coisa maluca. E agora eu tenho um relacionamento a quatro anos, com a Regina, que é o grande amor da minha vida. Uma boa!
2:58:15
P/1 - Como é que ser pai, Carlos?
R - Ah é muito legal! É pesado, muita responsabilidade, para ser um bom pai você tem que ter muita responsabilidade. Mas os frutos vem com o tempo. Eu tenho três filhos fantásticos, resolvidos, muito tranquilos, um grande orgulho que eu tenho deles.
2:58:44
P/1 – Você se lembra do nascimento da sua primeira filha?
R – Gente, o nascimento da minha primeira filha é uma aventura. Porque a minha ex-mulher, a Célia, ela queria ter um parto normal, a princípio. Aí tal, chegou o dia, a Júlia ia nascer tal, beleza. Vamos para o hospital fazer o parto. Na hora do parto, a Júlia não queria vim, ele aparecia, voltava. Aí ela começou a ficar muito cansada, e o médico, o obstetra, ficou preocupado, porque a Júlia era muito grande, tinha passagem, mas a minha mulher cansou. Cansou de tanto fazer força, aí estava demorando muito, aí o médico, falou: olha só, cesariana, não vai dar para tirar não, a criança vai começar a entrar em sofrimento, a mãe está cansada. Aí o anestesista veio, deu uma peridural nela, botou na maca, e foi direto para o centro cirúrgico. Eu junto, “vamo bora”, entrou no elevador, desceu, entrou no centro cirúrgico, e eu junto. Aí o anestesista, dava anestesia, o médico mexia na perna dela, e ela falava que estava sentindo, injetava anestésico, mexia na perna, estou sentindo. Não estava entendendo nada. Aí o médico pegou, o anestesista levantou, o cateter tinha saído das costas dela, estava anestesiando o colchão. Aí o cara falou: soltou aqui! “Não tem tempo, não! Apaga ela.” Aí pegou aquela máscara, botou, geral, aí ela apagou. Aí tirou a Júlia, a Júlia já começou dando trabalho. O pior que ela queria assistir o parto, ela queria ter um parto normal, receber a criança. A sorte gente, é que o médico, o doutor Murfone, era um cara muito tranquilo, um cara legal, tranquilão, ele fez tudo isso, com a maior naturalidade. Mas foi uma coisa pesada, mas que teve um final feliz. Dá para contar história.
3:01:34
P/1 - Você sente saudades de Furnas? E ao mesmo tempo, o que você pensa do seu futuro?
R – Olha, saudade eu sinto, lógico que eu sinto, mas nada que me incomode. Porque hoje eu tenho uma vida muito tranquila, eu hoje faço aqui os meus arranjos, eu tenho um maestro, amigo meu, eu bolo uns arranjos com ele, na parte musical. Eu jogo meu futebol, toda quarta e todo sábado, encontro com meus amigos, que dizer, atualmente eu só estou jogando, não estou encontrando. Porque a pandemia não deixa. Ontem eu fiz a minha segunda vacina, a segunda dose. Eu me ocupo o tempo todo, eu não tenho nenhum problema de solidão, nada disso, depressão, não tenho a menor ideia do que seja isso. Eu sempre me ocupo. Saudade eu tenho dos amigos, do papo, do trabalho, mas é só saudade, não é nada. Alguns amigos eu ainda continuo tendo, a gente se encontrar, Petit comitê. Quando acabar isso, tenho certeza que vou encontrar mais pessoas. A vida é isso, eu acho que por enquanto está muito tranquilo. Eu acordo relativamente cedo, 7h30, 8h eu acordo. Vou academia terça e quinta, jogo meu futebol quarta, do uma caminhada na Lagoa, as vezes vou de bicicleta. A coleção de filmes aqui, de vez em quando eu revejo alguns filmes. Compra alguns filmes novos, vejo pelo Netflix. Tem muita coisa para fazer. Ainda tenho muito que caminhar ai. Nenhum plano assim extraordinário não, mas a minha mulher, por exemplo, atualmente, ela está desde janeiro em Recife. Porque ela é reitora de uma Universidade, lá no interior de Recife, ela trabalhava aqui, e teve que ir para lá, porque o patrão dela pediu para ela coordenar isso, que é uma faculdade nova, estava precisando. Ela vai passar um ano, até o final do ano. Ela vem agora em maio, em julho eu vou para lá, para passar as férias dela. Depois ela vem definitivamente para cá, para a gente continuar. Essa distância boa, que dá saudade.
3:04:46
P/2 – Mizi, tem alguma história engraçada do pessoal da TI?
R – Tenho sim! Tem um camarada lá, o Chico Aira. Chico Aira era um torcedor do Fluminense. Deixa eu lembrar bem essa história. Ele fez o seguinte, ele estava num jogo do Fluminense, aí conheceu um torcedor lá da Young Flu, que era um torcida do Fluminense. Ai batendo um papo com cara, não sei o que. Ele chegou em Furnas, e falou assim: pô, eu conheci um cara da Young Flu, o camarada disse para mim, que ali na churrascaria Gaúcha, um vez por semana, o Horta... O Horta era o presidente do Fluminense, que era um juiz, um cara famosíssimo. “O Horta de vez em quando almoça com esse pessoal lá.” E ele perguntou para mim, se eu gostaria de um dia ir lá almoçar com o Horta. Falei: claro pô! Contou essa história para gente, passou um tempo, só tinha canalha lá. Aí liga um camarada para ele, ele disse o nome do cara, “o Francisco, tudo bem? Aqui é o Fulano, lá da Young Flu, tudo bem?” “Tudo bem!” “Olha só, a gente vai fazer um almoço agora na Gaúcha, amanhã, a partir do meio-dia, você está afim de ir?” “Claro, estou dentro!” “Vamos marcar, o Horta vai chegar mais ou menos uma hora, mas chega lá meio-dia, que eu vou estar lá também, você pode ir já pedindo lá o que você quiser, a gente assim que chegar, vai um grupo grande, eu te apresento o Horta, ele tem aí umas contratações novas para fazer no Fluminense...” Aí ele chegou pro pessoal e falou: amanhã eu vou almoçar com o Horta. “Aonde pô?” “Lá na churrascaria Gaúcha, se vocês quiserem, vocês também podem ir lá.” Tudo bem, aí juntou uma gangue, de 10 pessoas, chegamos antes na churrascaria, falamos com o metre. Olha só, tem um maluco que vai chegar aí, ele vai dizer que veio almoçar com o Francisco Horta, você faz o seguinte, você reserva uma mesa grande pra ele, deixa ele pedir o que ele quiser. A gente vai estar aqui do lado, é tudo mentira, ele está crente que vai acontecer isso. Aí ele chegou lá, daqui a pouco chega o Chico. “Aonde é a mesa?” “Pois não!” Passou pela nossa mesa, falou assim: olá plebe, tudo bem? “Tudo bem!” Sentou lá, a gente está comendo, está pedindo, tomando chopp, comendo. E nada dos caras aparecerem. Acabou tudo, ele ficou lá. “Pô Chico, cadê?” “Deve estar atrasado, não sei o que.” Aí acabou almoçando. Foi tudo para Furnas, quando chegou em Furnas, no dia seguinte, encontraram o Chico. “Chico, é ai, o que houve?” “Vocês perderam, vocês foram embora, chegou a diretoria toda do Fluminense lá, conheci o Horta.” “Deixa de ser mentiroso, seu cascateiro, você AINDA gastou uma grana lá, seu otário.” Mas tem uma melhor que essa lá. O Hélio queria comprar o carro de um camarada lá, o Tinoco, era um Puma conversível, que era o máximo na época. Aí ele virou e falou assim: quanto é que é o carro? “É tanto!” “Então tá aqui o cheque, me dá o documento aí, que eu vou assinar, que eu vou registrar no DETRAN.” Aí pegou, assinou, vendeu, pegou o cheque, trabalhavam juntos né. Olha só a inocência das pessoas, passou meia hora, um amigo nosso liga para o Hélio, “seu Hélio Magalhães?” “É, pois não?!” “Seu Hélio, aqui é do DETRAN!” “Pois não!” “O senhor comprou um Puma, placa tal..” “Comprei de um amigo meu aqui.” Eu queria dizer o seguinte, o senhor vai ter que apresentar aqui na décima DP, porque esse carro é roubado.” Que dizer, ele nem se tocou, porque ele só tinha assinado. “O que? Roubado? Um momentinho... Tinoco, que sacanagem é essa Tinoco? O carro é roubado.” “Eu não tenho nada com isso não, você comprou, já tá vendido. Quem é?” O cara do DETRAN, tá aqui falando comigo.” Gente, ele sustentou isso durante uma meia hora, até que chegou... “O Hélio deixa de ser imbecil, o documento tá aqui, como é que o DETRAN vai ligar para você?” E esse cara mesmo, o Hélio, a Fundação, a Fundação de vez em quando, ela sorteava uns brindes lá. E não era como hoje, que via internet. Então tinha uma circular, o sujeito pegava uma circular e escrevia lá, foi sorteado no dia tal, um som não sei o que... Aí aquilo circulava nos departamentos, a circular chegava atrasada, você recebia na sua mesa, você assinava lá com o seu nome, “fulana ganhou não sei o que”. Aí um dia pegaram lá, foi sorteado uma televisão... Fizeram uma xerox, alteraram tudo e botaram o nome dele. Aí quando chegou na mesa dele, foi ver tal, “ganhei aqui uma televisão”. “Pô que legal, que bacana!” “E onde que pega isso?” “Lá na Fundação, você tem que ir lá.” Aí foi um amigo nosso com ele. Chegou lá, “eu vim aqui buscar uma televisão.” O cara, “pô meu amigo, tem certeza? Isso aqui já foi entregue.” “Como já foi entregue?” O cara pagou maior bronca. “Como já foi entregue? Vocês entregaram o que eu ganhei para outra pessoa?” “Não, pera aí, o senhor foi vitima de uma sacanagem! Isso daqui já foi entregue, isso daqui não é original.” E tinha outras muitas dessas, um monte dessas. Lá só tinha canalha, ninguém prestava.
3:11:48
P/1 – Como é que você ver a importância de Furnas e o que você acha que ela pode deixar de legado para as novas gerações?
R - Eu sempre fui apaixonado por Furnas, desde o primeiro momento que eu cheguei lá. Furnas é uma empresa apaixonante. Nos dois períodos que eu trabalhei. Quando eu sai lá na década de 90, é que eu tinha um objetivo muito grande, de criar uma coisa minha. Mas aquilo ficou muito forte dentro de mim. Quando eu voltei, eu fiquei com uma satisfação maior ainda. Primeiro que é uma empresa fantástica, uma empresa que praticamente ilumina o país, 120 e tantas Usinas, Estações. Eu tenho uma paixão muito grande pela empresa, foram 35 anos trabalhando nela. Poderia ter sido mais, se eu não tivesse saído, eu teria 40 e tantos anos, meio século trabalhando na empresa. Ela só me deu alegrias, eu saia de casa com a maior satisfação para trabalhar. O meu trabalho não tinha rotina, meu trabalho era tremendamente dinâmico, não tinha coisa repetitiva, a gente editava, criava em cima das edições, tinha 1000 formas de você mostrar um vídeo, com depoimentos variados, com imagens variadas. Enfim, eu fui muito feliz em todos os aspectos. Fiz amizades maravilhosas, que eu espero levar para o resto da minha vida. Eu fico um pouco em dúvidas com relação ao futuro de Furnas. A Eletrobrás em si, eu não tenho muito conhecimento, da Road. Eu acho que a Roas, teve uma época que tinha muita coisa, muita empresa que era deficitária, que Furnas segurou a onda da Eletrobrás. Não sei como está hoje. Sou contra a privatização, sou totalmente contra, porque eu acho até que as empresas do setor elétrico elas melhoraram muito na questão de gestão. Tenho ciência de que uma empresa enorme, que tem um serviço primordial para a população brasileira, e espero que continue sendo bem administrar daqui para frente, tomara, não vamos deixar acabar.
3:15:31
P/1 - Como é que foi contar um pouquinho da sua história hoje?
R - Olha Lucas, foi muito bom, foi muito bom! É legal, porque eu relembrei muitas coisas aqui, que estava lá escondida, muita coisa escondida lá no fundo da minha memória. Me abri para vocês, contar a história da minha vida, muito bacana ter a oportunidade de mostrar isso para você. E relembrar para mim mesmo. Gostei muito, gostei muito da participação, não esperava tanto não, sério mesmo, pensei que ia ser uma entrevista bem mixuruca, mas foi uma coisa bem... Muito bacana e muito bem direcionada. Agradeço muito a vocês.
3:16:23
P/1 – Imagina Carlos, eu que fico honrado de poder ouvir a sua história. Você ter falado tão aberto, com pessoas que você não conhece, enfim. Eu que agradeço! Muito obrigado você!
R - Obrigado Lucas!