Valderina Xavier nasceu no dia 21 de junho de 1964, na pequena cidade de Mucambo, interior da Bahia. Filha de pais agricultores, passou por muita dificuldade financeira em sua infância. Via seus pais tirando do prato deles para dar de comer aos filhos. Sua família migrou por diversas vezes em busca de condições melhores. Valderina hoje é agente comunitária de saúde e nos conta sobre sua trajetória, antes de se tornar ACS, e de como seu trabalho faz a diferença em comunidades carentes. Um trabalho que escolheu para que as crianças que atende não tenham que sofrer pelo que ela já passou.
Abifarma 50 anos: Indústria Farmacêutica e Cidadania (ATD)
Cuidando de quem precisa ser cuidado
História de Valderina Xavier de Souza
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 01/02/2005 por Museu da Pessoa
Nome do Projeto: Abifarma - 50 anos
Depoimento de Valderina Xavier de Souza
Entrevistada por Cláudia Leonor
Local de Gravação: Padre Bernardo
Padre Bernardo, 24/04/1997
Realização Museu da Pessoa
Entrevista APD_HV009
Transcrição: Luciana Tosetti
Revisão: Gustavo Kazuo
P - Eu vou pedir pra você repetir seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Meu nome completo é Valderina Xavier de Souza, eu nasci em 21/06/ 64. Sabe, nasci na cidade de Mucambo, cidade não, é corruptela. Interior da Bahia.
P - Como era essa cidade?
R - Assim, lá pode contar as casinhas. Rua de casa mesmo tem duas ruas. Porque o ano passado, em 96, eu tive a oportunidade de voltar lá na Bahia e conhecer. Porque quando eu saí de lá eu estava com seis anos de idade e nunca mais tive a oportunidade de retornar. Então lá é uma cidade pobre, sabe, nasci numa cidade pobre. Inclusive eu fiquei até conhecendo a casa onde eu nasci. (riso) Cidade pobre, mesmo. Muito carente, muito carente, mesmo. Eu lembro assim, na minha infância lá na Bahia, eu tenho recordação, sabe, porque eu saí de lá muito nova. Mas você sabe, as coisas boas marcam e as ruins também ficam marcadas pra sempre. Assim, eu lembro que a gente passava muita necessidade. Às vezes o meu pai e a minha mãe deixavam de jantar pra dar aquele alimento pra gente, pra gente não dormir com fome. Às vezes a gente dormia até com fome. E a noite meu pai tomava rapadura com água e açúcar, e a gente tomava, pra aguentar no outro dia. No outro dia de manhã fazia aquele chá, a gente comia com farinha, pra poder aguentar. Aí meu pai pegou, veio pra Brasília, trabalhar em Brasília, e deixou minha mãe e eu lá na Bahia e meus outros irmãos. Aí, trabalhando aqui, ele escrevia, mandava dinheiro, minha mãe comprava e pagava com o dinheiro que ele mandava. Minha mãe também trabalhava na roça. E eu assim, como era mais velha, eu cuidava dos meus outros irmãos. Aí, meu pai achou por bem a gente vir embora, todo mundo pra cá. Porque lá, realmente, não dava.
P - Como chamavam seus pais?
R - Meu pai chama José e minha mãe chama Benita.
P - Que dia eles nasceram, você sabe?
R - Meu pai nasceu 24 de janeiro de 38. E minha mãe nasceu 18 de dezembro de 33.
P - E por quê que ele resolveu vir pra Brasília?
R - Meu pai resolveu vir pra Brasília porque lá a gente estava passando fome, na Bahia, nessa época. Uma carência muito grande. A gente passava fome! E lá também não tinha trabalho. Meu pai não tinha como trabalhar.
P - Ele trabalhava com lavoura?
R - Meu pai mexia com lavoura. E ele veio pra Brasília trabalhando assim, qualquer serviço que pintasse pela frente ele fazia. (riso) Não empatava um tipo de serviço. Aí ele mandava o dinheiro e um dia ele chegou, escreveu... Quando eu era pequena, eu assim, eu era sapeca. Tinha um padrinho lá, professor e ele tinha uma máquina de datilógrafo, e um dia eu dormi sem janta, com muita fome, aí eu peguei, fui na casa do meu padrinho, e falei assim: “Ah, o senhor podia escrever uma carta pro meu pai. Porque, ah, essa noite eu quase morri.” Ele falou: “Mas, por quê?” Eu falei: “Fome! Escreve uma carta pro meu pai pra ele vim embora buscar a gente, porque eu não aguento mais ficar aqui.”, aquilo, as lágrimas descendo, sabe? Aí tudo bem, meu pai me escreveu. Com quatro dias que meu pai recebeu a carta ele foi buscar a gente, aí nós viemos embora pra cá. Aí a gente ficou em Brasília uns quinze dias, na casa de um amigo. E a gente procurou, meu pai procurou uma fazenda. Nós fomos pra fazenda. Com oito anos eu comecei a ir pra escola. Aí ficava assim, meu pai morava um ano numa fazenda, que tinha escola, outro ano ia pra outra fazenda, que não tinha escola, mexendo com lavoura. Tudo foi muito difícil. A minha infância foi muito marcada e eu vendo aquele sofrimento, não só comigo, mas com as outras pessoas, as outras crianças também da minha idade, menino de escola e tudo mais. Então foi muito difícil. A gente morou em vários lugares. Moramos em Goiânia, sabe, moramos numa cidade perto de Goiânia, nós fomos pra Mato Grosso. E tudo assim muito difícil. A gente foi crescendo, nós fomos crescendo, eu e meus outros irmãos, e meu pai achou por bem que nós tinha que fazer pelo menos a quarta série. Porque como que vai criar os filho sem saber ao menos fazer o nome. Aí a gente morou numa fazenda vizinha, perto aqui de Padre Bernardo, que é município, chama Fazenda Alegria, e lá eu fiz a quarta série. Fiz a quarta série, casei muito nova, também. Quando eu casei, eu tinha catorze anos de idade. Casei muito nova, mas, graças a Deus, eu estou com dezoito anos de casada, eu estou muito bem, né? (riso)
P - (riso)
R - Aí na Fazenda da Alegria a gente mudou pra outra fazenda, a Vargem Dourada, de lá a gente veio pra cá por causa da minha filha. Eu falei: “Eu não quero passar pra ela o que eu sofri”. Porque embora - coitado o meu pai não é culpado - mas só porque a gente tem que tomar as providências, tem que procurar melhorar. A gente nunca, porque a gente está num lugar que é ruim, a gente vai continuar lá? Não, vamos procurar a melhorar. Aí a gente veio pra cá e aqui eu arrumei trabalhando de doméstica. Eu trabalhei três anos de doméstica e a minha filha na escola. Trabalhando, comprei um lote e construí um barraco. Tem três quartos, tem sala, tem cozinha, tem banheiro, tem uma área de serviço, tem uma área de frente, tem despensa nos fundo, sabe, pra guardar os bagulho, e a minha filha estudando. Aí quando foi, a minha patroa viajou e eu sempre assim, lá onde eu moro, o Setor Oeste, é um bairro muito pobre, sabe? E eu sempre assim, desde a minha, quando eu comecei a pensar o que eu já tinha passado, eu falei: “Gente, eu tinha que arrumar um jeito de ajudar essas crianças também, porque é tão triste.”, eu assim, marcada, ficou marcado pra sempre. Eu falei: “Podia ter um jeito de eu ajudar essas crianças. Mas como eu vou ajudar? Eu não posso ajudar, eu não tenho como ajudar, porque eu também trabalho ganhando salário: “Não tem como ajudar essas crianças.” Mas sempre que eu via uma criança na rua, começava a ver criança, gosto dos velhinhos também. Porque eu tenho um grande amor pelas pessoas idosas, tenho um grande amor por eles. Aí um dia a minha patroa viajou, foi pra Minas, e surgiu a seleção do agente comunitário de saúde. Aí eu falei: “Vou fazer”. “Vou fazer. De repente, é a minha vez.” Só que eu nunca tinha ouvido falar no PACS [Programa de Agentes Comunitários de Saúde], vi lá na Prefeitura, fui lá fiz a inscrição, dia da prova fui, fiz a prova. Só porque eu fiquei no segundo lugar, e eu pensei que não mais ia ter chance pra mim, e continuei no mesmo serviço que eu estava. Quando foi em maio, que agora vão fazer dois anos, sempre que tem festa de pecuária. E uma menina que é Secretária de Saúde, me falou assim: “Valderina, é pra você comparecer na Prefeitura com todos os documentos.” Eu falei: “Por quê que eu tenho que ir na Prefeitura?”. Ela falou: “Não, porque você fez uma prova, fez um concurso?” Eu falei: “Fiz dois concursos, mas não passei de nenhum. Infelizmente não passei de nenhum.” “Não, você passou em um!” “ Não, não passei, não.” “Passou. Vai lá que é pra você começar a trabalhar.” Eu falei: “Ah, mas eu não acredito numa coisa dessa!” Pra mim foi surpreendente. Aí quase não dormi a noite, assim, alegre. Porque eu e ele mudar de serviço e eu ter uma oportunidade de ajudar aqueles que estavam sofrendo igual eu sofri quando eu era pequena. Aí eu fui pra Prefeitura. Chegou lá, pediu os documento tudo, e eu tinha os documento que pediu. Aí eu conversei com a minha patroa, também ela não foi fora. Aí eu comecei a trabalhar. Isso foi numa terça-feira, quando foi na quinta-feira eu já tava trabalhando como agente de saúde.
P - (riso) Certo. Vamos voltar um pouquinho, que eu queria perguntar algumas coisas ainda.
R - Vamos.
P - Quando você saiu de Mucambo, e veio pra Brasília com a sua família, como foi esta viagem? Vocês vieram como?
R - De caminhão. Meu pai falava assim que era pau de arara. Caminhão lonado porque não tinha como pagar passagem de ônibus, ficava mais caro. Então veio esse caminhão e ficava mais barata a passagem, pro meu pai e pra minha mãe, porque nós não pagava passagem na época, nós não pagava, mas tinha que fazer alguma coisa pra comer, pagar as dívida que o meu pai tinha feito com alimentação assim pra nós mesmos. Quando as coisa arrochava mesmo, ia lá, comprava um pouquinho, esperava ele mandar o dinheiro. Às vezes demorava mandar o dinheiro. Aí pagou as dívidas todas, e a gente veio embora, porque as coisa que a gente tinha veio tudo assim dentro de um baú como se dizia. Porque não tinha nada, não tinha cama, não tinha armário, não tinha nada mesmo. Nós viemos de pau de arara.
P - E vocês chegaram direto em Brasília? O que você lembra que ficou de imagem de Brasília?
R - De Brasília eu lembro assim que a gente foi pra casa de um amigo do meu pai, então a gente não foi bem recebida também. É só tristeza, só tristeza. Não ficou nada marcado assim. De bom, não. Só tristeza.
P - E da cidade? Vocês chegaram numa cidade grande como essa, cheia de coisas, o que você achou?
R - É diferente. Eu achei assim que a gente podia melhorar. Vamos supor, eu já pensei logo na parte de alimentação: “Aqui é diferente. Aqui o pessoal é todo mundo rico”. Porque a gente não conhecia nem carro. Ó, melhor falar pra você, a gente não conhecia nem fogão a gás. A gente não conhecia nem fogão a gás. Então eu já pensei assim logo a parte da alimentação. Pensei: “Aqui a gente vai crescer, pode ajudar o meu pai. A gente vai melhorar aqui.” Mas só porque não deu, né? Porque morar em Brasília, naquela época, o pai com uma mãe e os três filhos, pagar aluguel. Não tinha condição de pagar aluguel. Minha mãe não tinha como trabalhar pra ajudar meu pai. Só ele, só, pra pagar aluguel e comprar alimentação. Ia ficar mais apertado pra ele. Então não teve como a gente ficar em Brasília, nós teve que ir pra fazenda.
P - Aqui de Goiás?
R - Aqui de Goiás. Região de Padre Bernardo, mesmo. Município de Padre Bernardo. Nós fomos pra fazenda. Aí a gente ficou na fazenda. Moramos lá, muito difícil. Aí tinha uma escola assim que a gente gastava duas horas pra chegar na escola. Meu pai matriculou, a gente ia animado, né?
P - Vocês iam a pé?
R - A pé! De a pé. Porque não tinha assim bicicleta, nem cavalo, nem nada. Tinha que ser de a pé, mesmo.
P - Você e seus dois irmãos?
R - Meu irmão. Porque minha irmã era pequenininha. Não tava ainda na idade de ir pra escola. Eu e mais meu outro irmão. Porque essa outra irmã minha tinha ficado com a mãe dela. Aí eu estudei. E naquela época era assim: as professoras ficavam três meses e iam embora, não queriam ficar, porque o lugar era muito difícil, realmente. A professora pra morar lá, elas não queriam ficar pra morar.
P - Era escola da fazenda?
R - Da fazenda. Mas sempre aqui do município de Padre Bernardo. Escola da fazenda. Então a gente ficava assim. Aí meu pai falava assim que tinha que ir pra uma fazenda que tinha condição pra gente estudar. Porque pra vim pra cidade não dava também. Não dava porque a gente não tinha assim situação financeira. Nada, nada mesmo. Naquela época era assim: o patrão fornecia até colher pra depois que colher, vender pra pagar pro patrão. Aí a gente ficava de fazenda em fazenda. Eu morei também em Trajanópolis. Morei dois anos em Trajanópolis.
P - Trajanópolis?
R - Trajanópolis. Dois anos em Trajanópolis. E depois a gente foi pra essas outras fazendas. E de lá eu fiz a quarta série, na fazenda e vim embora pra cidade. Casei. Casei com catorze anos. (riso)
P - Como você conheceu o seu marido?
R - Na fazenda. Lá na Vargem Dourada. Quando eu ia pra escola tinha que passar em frente a casa. E era caminho. Era caminho, e eu assim, entusiasmei. Criança demais, ele estava com vinte e um anos, eu com catorze. E comecei a namorar escondido do meu pai. (riso)
P/1: Por quê?
R - Porque meu pai era bravo. Era bravo. Falava assim de namorar, nossa! Aí namorei, meu pai falou assim: “Ó, o negócio é o seguinte: aqui em casa, namorou tem que casar. Se não for pra casar, nada de namorar.” Aí eu casei. Casei, graças a Deus até hoje eu vivo com o meu marido. Nunca deu problema no meu casamento. Graças a Deus! Estou com dezoito anos de casada, nunca deu problema no meu casamento. Agora fica assim, ele mora na fazenda e eu fico aqui. Às vezes, ele vem todos os dias, dá pra vim todos os dias. E quando está assim, o serviço mais apertado, ele vem fim de semana. E eu fico com a minha filha aqui na cidade.
P - E ele trabalha fazendo o quê?
R - Ele é tratorista.
P - Como ele chama?
R - Antônio. Ele é tratorista na Fazenda Vargem Dourada. Aí a gente leva a vida assim. E eu sempre trabalhei. Tem dez anos que eu trabalho direto, sem direito a férias, sem nada. Porque a gente conseguiu comprar o lote, construir uma casa com o serviço de nós dois. Nós dois trabalhando, economizando, e construiu um barraco, um barraco, melhor falando. Porque a gente já pensava no futuro da menina. Porque ele não teve oportunidade de estudar também, porque ele veio do Ceará, e lá também é difícil. Lá no Ceará ele não teve oportunidade de estudar. E eu já tive oportunidade de fazer a quarta série. Aí a gente conversando, eu falei pra ele: “Eu não quero passar pra ela, pra nossa filha, o que a gente sofreu. Vamos procurar sempre uma coisa melhor. Porque a gente não tem condição, mas a gente indo pra cidade eu vou continuar trabalhando”, porque na fazenda eu também trabalhava.
P - O que quê você fazia?
R - Eu era cozinheira. Cozinhava pra uns vinte a trinta peões de fazenda.
P - Nossa!
R - É, só serviço pesado. Trabalhava o dia todo sem direito a férias, nada. Assim, direto, diretão, mesmo. Pra poder conseguir uma coisa melhor porque ficou na minha infância ficou muita coisa marcada. Se eu falar pra você que ficou alguma coisa marcada pro bom, eu estou mentindo, sabe? Só tristeza, só tristeza.
P - Mas vocês brincavam?
R - Brincava.
P - Com os seus irmãos? Quais eram as brincadeiras?
R - Ah, a gente era assim tão pobre que não tinha nem condição de comprar boneca. Enrolava um sabugo num pano e ali que eram os nossos brinquedos. Brincava assim. Aí, quando eu tinha treze anos, aí ajudei meu pai na roça. Eu falei assim pro meu pai que o meu sonho era ter uma boneca. Queria uma boneca. Aí a gente estudava de manhã e de tarde a gente ia pra roça, ajudar o meu pai capinar. Aí capinava. Aí meu pai pegou e me deu uma boneca e deu um carrinho pro meu irmão. Aquilo pra nós foi uma coisa que a gente nunca teve oportunidade, de ter, de adquirir. Aí foi o meu primeiro brinquedo.
P - Quantos anos você tinha?
R - Doze anos. Com catorze anos eu ainda brincava de boneca. Porque eu não tive oportunidade, quando era criança de brincar. Não tinha oportunidade! Porque assim eu era mais velha, e tinha que cuidar dos outros. Porque a minha mãe também teve um parto de gêmeos, e eu sendo a mais velha eu tinha que ajudar em casa. Eu, com sete anos de idade, eu já fazia os serviços de casa. Eu já tinha a responsabilidade de uma dona de casa. Porque os pais da gente criaram a gente assim muito rígido, mesmo.
P - E como foi a educação religiosa?
R - Nenhuma. A gente não ia pra igreja, não ia pra lugar nenhum. Eu vim conhecer a Bíblia eu estava com uns vinte anos. Eu comprei uma Bíblia. Morava numa fazenda onde as freiras iam celebrar a missa junto com o padre. Aí eu falei: “Gente, eu tenho que saber alguma coisa. Por que como é que uma pessoa não conhece a Bíblia, nem nada?” Aí comecei a estudar a Bíblia, e eu achei que a gente tinha que seguir um caminho, tinha que ter uma religião. Igual assim, um animal bruto, lá no campo, sem religião nenhuma. Aí assim que eu conheci a Bíblia.
P - Aí você começou a frequentar a Igreja?
R - Comecei a frequentar Igreja. Eu fui em duas igrejas, só porque eu não gostei de nenhuma das duas, não. Aí, nessa que eu estou tem seis anos que eu estou nessa igreja.
P - Como é que chama?
R - Congregação Cristã no Brasil.
P - E a sua filha também frequenta?
R - Também frequenta.
P - Seu marido?
R - Não, meu marido, não. Ele não vai, mas também não é contra. Só eu e minha filha. Só nós duas que vamos.
P - Certo. Voltando pro PACS, agora, você estava falando que ficou em segundo lugar, continuou trabalhando em casa, aí passou um tempo, você estava numa festa, e te falaram que você tinha que ir...
R - É, uma festa de pecuária que tem todo ano aqui na cidade. Aí chegando lá a menina me falou assim que eu tinha que ir na Prefeitura com todos os documentos. Eu até assustei. Eu falei: “Poxa, eu paguei meu IPTU. Está tudo em dia”.
P - (riso)
R - “Que, Valderina, calma, não é bem assim, não”. Eu falei: “O que você quer dizer, então?”. Ela falou: “Não, você fez um concurso.” Eu falei: “Eu fiz dois concursos, mas não passei em nenhum, não.” “Passou, um você passou.” “Não, disse que eu fiquei em segundo lugar, mas eu não fui chamada até agora.” Ela falou: “Não, mas é por isso mesmo que você tem que ir”.
P - Como ela ficou sabendo?
R - Na Prefeitura. É porque a primeira colocada desistiu. Ela desistiu, ela não ficou, acho que ela não ficou nem um ano no programa do agente comunitário, e desistiu. Aí eu falei: “Então agora chegou a minha vez”. Eu não dormi a noite, assim, toda entusiasmada. Porque uma coisa assim que eu sempre tive desejo de fazer é ajudar, sabe? Eu falei é uma oportunidade que eu vou ter de ajudar as crianças pra não crescerem igual eu cresci, entendeu? Assim, porque criança, desde a infância dele, eu acho que ele tem que crescer com alegria, com educação de casa com alegria. Igual eu cresci assim, já cresce uma criança revoltada. Porque sem apoio, sem carinho, já cresce uma criança revoltada. Eu falei: “Chegou a minha vez, agora. Minha oportunidade de ajudar fazer uma coisa que eu sempre tive vontade”. Aí a minha patroa até falou assim pra mim, quando eu avisei pra ela e ela falou assim: “Mas aqui você ganha um salário. Lá você vai ganhar mais?” “Não, segundo o que eu li lá no contrato é um salário”. “Mas então por que você vai sair da minha casa. Aqui você ganha até mais”, porque assim ela me ajudava com alguma coisa. “Porque eu vou fazer uma coisa que eu sempre desejei fazer”. Ela falou: “Mas o quê?” “Ajudar as pessoas”. “Mas como você vai ajudar? Você não tem nada, você não tem dinheiro”. “Não é só com dinheiro que a gente ajuda as pessoas, não”.
P - Você falou isso pra ela?
R - Falei pra ela: “Não é só com dinheiro que a gente ajuda as pessoas, não. Tem outras formas de você ajudar as pessoas sem dar dinheiro, sem dar roupa, sem dar calçado”. Aí ela falou: “Tudo bem, já que você quer sair”. Aí eu peguei e saí. Saí assim sem direito a nada, né, porque fui eu quem quis sair. E comecei a trabalhar.
P - E você já sabia o que era o Programa do Agente Comunitário?
R - Não, eu não sabia, porque a gente fez a prova e a gente nem sabia como é que ia fazer a entrevista da prova. Porque assim, tem uma prova escrita e tem uma entrevista. Eu fiz essa prova escrita, e não sabia e fiz a entrevista também. Só porque eu vi as meninas assim comentar que tinha que ir de casa em casa, conversar com as pessoas, orientar crianças, idosos, todo mundo. E ter assim cuidado naquilo que a gente ia fazer. E é uma coisa que eu gosto, sabe? Às vezes, se você for analisar assim que você está trabalhando por causa do dinheiro que você recebe, não, eu faço esse trabalho pelo amor, sabe, com carinho. Porque pelo salário, não dá. Você já pensou, R$ 112,00, você trabalhar oito horas por dia. Você, eu mesma, saio de casa oito horas. Eu levanto cinco horas da manhã, cuido da minha casa. Porque a minha filha estuda, ela está fazendo a sexta série, ela tem doze anos, está fazendo a sexta série. Então, menino que está fazendo a sexta série, ele tem muito trabalho de escola pra fazer. Se eu for deixar a casa pra ela, ela vai cuidar da casa e a escola fica onde? Então é uma coisa que eu quero ajudar ela nessa parte porque eu não tive oportunidade e eu quero passar pra ela. Aí eu cuido da minha casa de manhã, minha filha acorda seis horas, seis e meia está arrumando pra ir pro colégio. Porque eu moro no final da cidade, fica lá no setor oeste, do outro lado. Aí eu cuido da casa, quando é dez pras oito eu saio pro serviço. Saio pro serviço e quando é meio dia eu retorno pra casa. Aí eu vou e faço, às vezes sobra resto de janta, a gente come, esquenta e eu faço a janta. Sabe, faço a janta e não faço o almoço. Às vezes, quando eu estou muito cansada, eu cuido da casa no horário que eu chego de meio dia, até as duas eu cuido da casa. E no sábado eu lavo as roupas. Lavo as roupas e dou uma faxina assim, mais ou menos. (riso) Porque eu já estou cansada.
P - Dá uma geral.
R - Mas se fosse assim pelo salário que a gente ganha, ninguém ficaria. Você pode olhar: eu tenho dois anos que eu estou nesse programa de agente comunitário de saúde. Tem colega de serviço que desistiu, porque elas tinham esperança de melhorar: “Vai melhorar, vai melhorar”. Ela acha assim que ia ter uma remuneração de salário pra nós, esperou, esperou, não saiu, desistiu. Não, eu nunca vou desistir, sabe, porque eu faço o trabalho que eu gosto. Trabalho com criança, trabalho com os idosos, trabalho com gente de toda a natureza. Bato de porta em porta. Vamos supor, onde a polícia não entra, eu entro.
P/1: (riso).
R - Onde a polícia não entra, eu entro.
P/1: É mesmo?
R - É! Sabe, a gente enfrenta causo muito difícil. Olha, lá no meu setor eu sempre ia na casa de uma mulher que a criança era desnutrida. Então a gente tem que dar mais atenção para a criança desnutrida. Às vezes eu ia até três vezes na semana lá. Aí sempre eu chegava lá, estava aquela mulher triste: “Mulher, mas você não pode ser assim. Tem que ser alegre, tem que mostrar pros seus filhos a alegria de viver. Senão você vai passar, transmitir pras suas crianças só tristeza, só tristeza.” Porque ficou marcado no meu coração, ficou uma coisa marcada. Aí um dia assim eu falei: “Eu tenho que conquistar essa mulher pra eu saber o que está acontecendo na vida dela. Porque às vezes é uma coisa que eu posso ajudar e ela está sofrendo”. Aí um dia eu cheguei na casa dela e falei assim: “Olha,...” Eu nem vou citar o nome dela porque eles continuam morando na cidade.
P/1: Fica à vontade.
R - “Olha, mas o que quê está acontecendo com você?” Ela começou a chorar. Eu falei assim: “Não, não chora não, não fica triste, não. Vamos conversar. Olha, se eu puder te ajudar, eu vou te ajudar”, sabe? “Eu estou pra ajudar mesmo. Eu estou pra servir vocês, no que eu puder. E o que não puder a gente procura.” Aí ela falou: “Olha, o negócio é o seguinte: eu estou quase separada do meu marido, sabe? O meu marido às vezes nem dorme mais em casa.” Eu falei: “Olha, mas é a tal coisa que eu falei pra você, entendeu? Você está despenteada. Toma um banho. Ajunta esse cabelo. Você gosta de usar batom, usa. Passa um batom. Quando chegar a tarde, toma um banho, lava esse cabelo, passa um batom, troca de roupa, passa um perfume.” “Mas eu não tenho batom, não tenho perfume.” Eu falei: “Vamos dar um jeito”.
P - Vamos arrumar.
R - É. “Você trabalha nas casas de família?” “Trabalho.” “Então vamos arrumar um serviço pra você.” “E as crianças?” “Não, nós damos um jeito pras criança também.” “Mas como, Valderina, que você vai fazer com as minhas crianças? Onde você vai deixar minhas crianças?” “Na creche.” Fui lá, conversei com a coordenadora da creche, sabe? Ela pegou as crianças, até o desnutrido ela pegou, sabe? Só que tinha duas que ela não pegou, porque era uma de seis e outra de sete. A creche pega de cinco anos abaixo. Aí fui lá na creche, conversei, colocou as crianças na creche, fui na casa de uma mulher de um vereador, conversei com ela pra ver se ela não conhecia alguém que tava precisando de uma pessoa pra trabalhar. Ela falou: “Eu estou precisando.” Aí eu contei a história pra ela. “Não, manda ela pra cá”. Aí, mudou, menina. Engordou, colocou uma dentadura, porque ela não tinha dente. Era banguela. Mudou. Aí, eu voltei na casa dela de novo, porque aí já não precisava mais ir na casa dela mais assim direto. Porque trabalhava e as crianças estavam bem cuidadas na creche. Aí quando foi um fim de semana eu cheguei na casa dela: “E aí, como é que está?” Ela falou: “Minha filha do céu, mas aquele conselho que você me deu foi uma bênção que caiu do céu”. Eu falei: “O que aconteceu, menina?” Aí já vi o sorriso dela: “Mudou, o meu marido mudou por completo”. “Mas por que mudou?” Ela falou assim: “Não, eu chego aqui já não é mais aquele. Não dorme mais na rua, sabe? Tem um tempo disponível pra mim e pras crianças. E eu também agora sou uma pessoa feliz. Valderina, primeiramente eu agradeço a Deus, segundo você. Porque se não fosse você a gente já estava separado”. Então uma coisa que eu tinha vontade de fazer, e tive assim essa oportunidade. Porque, vamos supor, se eu não tivesse chegado lá pra dar o conselho, tava separado, o que ia ser dessas crianças? Ou tinha que morar com o pai dela, ou com o pai do marido dela. Ou o marido arrumava outra esposa. E sempre quem tem paciência com o filho é a mãe.
P - E a criança que estava desnutrida?
R - Recuperou o peso, porque eu faço aquele, a gente fez o curso de alimentação alternativa, eu aprendi a fazer farelo de arroz, de mandioca, de casca de ovos. E eu faço, sabe, e forneço pra mãe.
P - Você faz na sua casa?
R - Faço no Abami, porque o fogão do Abami é fogão industrial. Então é grande. Aí eu faço quantidade. Eu faço até dez quilos de farelo de arroz, vou na máquina, porque aqui eles vendem. Mas como assim, eu mostro meu trabalho pros moço lá da máquina, eles: “Não, então eu não vou vender pra senhora, não. Eu vou dar o farelo pra senhora”. Pego o farelo, e preparo o farelo, e passo pra mãe o farelo.
P - O que que é “Abano”?
R - Abami é onde assim as criança aprende. Tem umas mulheres lá só pra ensinar a bordar, as meninas. Os menino trabalha com artesanato. É isso. Aqui na cidade tem.
P - E você que teve a ideia de ir lá naquele fogão industrial?
R - Foi. Eu conversei. Na época a gente tinha assistente social. Eu conversei com a assistente social, porque eu falei: “Pra mim não vai dar. Pra mim fazer, vai. Mas vai gastar muito o meu gás.” Ela falou: “Não, vai lá no Abami. Você vai e prepara lá no Abami.” Aí eu vou, e preparo lá no Abami e distribuo pras mães. Inclusive pras crianças desnutridas. Rapidinho essa menina pegou peso, ganhou peso, através do leite também que a gente dá. Tem o leite aqui da cidade que a gente distribui. Nós não damos, a gente distribui o leite.
P - (riso)
R - Nós distribuímos o leite, que é o SISVAN [Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional] que fornece o leite. A gente distribui o leite toda terça-feira, e orienta a mãe, como dar o leite, como dar o farelo e a casca de ovos e o pó de mandioca, folha de mandioca também. Assim essa criança, rapidinho, ganhou peso. Não só ela, mas como as outras crianças. No meu setor, eu tenho, o mês passado eu cadastrei 390 famílias. Dessas 390 famílias, eu tenho onze desnutridos. Onze crianças desnutridas. Com menos de um ano, eu tenho três.
P - Como você sabe que está desnutrido?
R - Eu peso. Eu saio com balança. Tem a mochila também que a gente ganhou. Tem a mochila, coloca a balança dentro da mochila, coloca uma pasta com os papéis e os cartões da criança. Eu separo oito cartões de crianças e oito fichas, e vou. E peso as crianças. Aí eu sei que as crianças estão desnutridas e encaminho elas primeiro aqui pro posto. Eu não falo que a criança está desnutrida pra mãe. Porque tem mãe que se você falar que a criança está perdendo peso, tem mãe que gosta.
P - Por quê?
R - Pra ganhar o leite. Entendeu? Tem mãe que gosta.
P - Porque só ganha o leite quem tem criança desnutrida de seis meses a um ano e nove meses. Porque ele fica dois anos e três meses no programa do leite. E tem mãe que acha assim, que a gente orienta: “Olha, mãe, não deixa o seu filho desnutrir”. “Mas como eu não vou deixar?” “Mãe, não dá mamadeira, não dá bico quando a criança nascer. Dá o peito na hora certa. Não fique com preguiça de dar o peito pra criança, amamentar a criança na hora certa”. Tem mãe que não dá. A criança chora, ela pega o bico na boca da criança. Aí a criança vai chupando, chupando aquele bico. Quando ele entra em desespero, que está com fome mesmo, a mãe vai lá, dá um pouquinho de peito. Tem mãe que tem vergonha de dar o peito pra seus filhos.
P - Vergonha?
R - Vergonha. Porque no meu setor tem acontecido caso assim, de mãe não querer dar o peito pra criança, e eu chamar a supervisora, porque na época era supervisora, e a gente ir lá junto, e essa supervisora também conversar com a mãe a respeito do leite materno. Então, tem mãe que tem vergonha de dar o peito pra criança. Quando elas dão o bico, é porque eles acham que dando o bico a criança vai parar de chorar. Chupa o bico e vai parar de chorar. Mas pelo contrário. A criança que mama o bico, ele vai engolir ar, é ar. E outra coisa, a criança que mama o bico, o bico cai no chão, tem mãe que não tem o cuidado de lavar o bico. O bico passa em qualquer lugar. Vamos supor, entra no ônibus, o bico passa no ombro de uma pessoa, passa na cadeira que todo mundo senta. Então, ali vai o que, a criança vai por aquele bico com micose na boca. Aí o que acontece? Vem uma diarreia, a mãe não sabe por que. Vem a mamadeira também, mamadeira, não? O povo fala assim: “Você é uma agente atrevida”, tem gente que fala.
P - Por quê?
R - Porque o agente de saúde ele é tipo uma formiga. Ele entra, onde eu falei pra você, o agente de saúde entra onde nem a polícia entra, o agente de saúde entra. Porque você conquista aquela família. E através de você conquistar aquela família, você tem liberdade dentro da casa dele. E você tem acesso onde as outras pessoas não tem. Você tem acesso. (riso) Eu pego a mamadeira, destampo e mostro pra mãe: “Olha, mãe, o que você deixa. Dá um cheiro pra você ver, no bico da mamadeira”.
P - (riso)
R - “Mas realmente! Está cheirando ruim mesmo. Mas está lavado. Eu fervo o bico, mas não adianta. Não adianta.” Eu acho assim que bico de chupar e mamadeira só é bom só pra quem fabrica, que ganha dinheiro. Mas pras crianças, mesmo... (riso) Pras crianças, mesmo... E tem mãe que acha assim que é vantagem criança que mama mamadeira. Engorda. Tem menino que é sobrepeso. A mãe acha que é vantagem ter um filho de, vamos supor, ter um filho de cinco meses, e ele está pesando oito quilos. “Ah, meu filho está bem demais.” Mas ela esqueceu que aquela massa que ela está dando pra ele não está fazendo bem pra criança. Vamos supor, de repente, ele tem até um enfarte, porque está gordo demais e tem mãe que não reconhece isso aí. Acha que a criança está gorda, está sadia. Às vezes um magrinho tem mais resistência que aquele gordo. Tem mais resistência que aquele gordo. Então, assim, é difícil trabalhar com a comunidade. Mas, aos poucos, a gente vai conquistando. Porque a gente tem que fazer, aonde eu falo pra você, esse trabalho de agente comunitário de saúde tem que fazer com amor e com carinho. E ter dedicação. Se você for fazer pelo salário que você ganha, você não permanece. Igual tem muitas que começou e desistiu, pede demissão. Porque elas acham assim: “Vou ganhar melhor”. É só de eu chegar na casa, fazer uma ficha e tudo. Mas, não. Você tem que ter carinho com as pessoas.
P - Você lembra o seu primeiro dia de trabalho?
R - Lembro.
P - Como é que foi?
R - Ah, o meu primeiro dia de trabalho eu bati na porta e eles não quiseram abrir a porta pra mim. Aí me deu uma tristeza: “Meu Deus, será que esse povo não está vendo? Eu quero ajudar. Não, mas não tem nada, não. Um dia eu vou conseguir entrar dentro dessa casa.” Aí o homem ficou bravo, sabe assim, já pôs política no meio, porque sempre época de político, eles acham assim: “Já vem pedir voto, já vem pedir voto.” E eu quis mostrar pra ele que não era aquilo que eu queria. Aí bati na outra casa, me recebeu muito bem, sabe? Foi na casa de uma senhora, que mora sozinha. A senhora me recebeu muito bem: “Ai, que bom ter vocês aqui agora. Uma coisa que a gente não tinha. Vai poder contar com a ajuda de vocês”. “Olha, o que eu puder fazer, pra ajudar a senhora, eu vou ajudar. Não prometo que eu vou dar nada pra senhora. Mas assim o que eu puder fazer pra ajudar a senhora, a senhora pode contar comigo. Pode ir na minha casa, se não for dia de serviço. Pode ir na minha casa. A senhora pode contar comigo. Só se eu não estiver na minha casa pra mim não poder socorrer a senhora na hora que a senhora precisar.” Então, na primeira porta que eu bati eu não fui recebida. Mas na segunda porta que eu bati, né, eu fui bem recebida. Se eu não dou duro, eu não saio de lá, da casa da senhora. Eu tinha feito a visita só pra ela. Então, o primeiro dia de trabalho foi muito difícil, assim. Mas só porque agora eu não tenho mais dificuldade no meu trabalho. Eu já sei onde eu entro, onde eu saio, já conheço assim a comunidade. Sei o dia que a dona de casa está de bom humor, eu sei o dia que ela está de mau humor. Eu sei como que eu vou chegar nela o dia que ela está de bom humor. Eu sei como que eu vou chegar nela o dia que ela está de mau humor.
P - Quantas famílias você visita, mais ou menos, por dia?
R - Oito famílias.
P - E quanto tempo você fica na casa de cada família?
R - Uma hora. Tem dia que não dá pra você visitar as oito famílias. Porque eu pego uma casa de uma família bem carente. Aí eles sentem tão bem com a visita do agente, porque o agente de saúde ele tem que ter amor. E outra coisa também, o agente de saúde, no dia que ele levantar que ele está achando que não está bem, é melhor que ele não saia de casa pra trabalhar. Por que como que você vai trabalhar, você vai falar pra pessoa, sendo que você está?...
(PAUSA)
P - Valderina, como foi seu treinamento?
R - Eu não tive... (PAUSA) A agente de saúde que tava entregando os papéis pra mim que me deixou até um pouco amedrontada.
P/1: Por quê?
R - Diz ela que tinha que enfrentar, que era difícil demais. Colocou muita dificuldade. Mas eu falei: “Eu não vou desistir”. Porque eu tenho que conhecer o trabalho. Como que eu vou desistir assim logo nos primeiro dia. Colocou assim um monte de coisa, dificuldade, que o pagamento dela tinha atrasado, não sei o que tem, sabe? Colocou muita dificuldade. E já vinha falando que o pagamento tinha atrasado, que o serviço era difícil demais, que eu não ia continuar. Às vezes nem ia continuar. Eu falei: “Não, eu vou tentar.” De repente eu vou fazer uma coisa que eu gosto de trabalhar com criança e trabalhar com os idoso. Porque, realmente, eu faço o trabalho que eu gosto, entendeu? Um trabalho assim que eu sempre desejava a fazer e agora eu tive oportunidade. Depois de trinta e tantos anos, eu tive uma oportunidade de ajudar as mães, de ajudar as crianças carentes. Na minha área é um bairro pobre. Então eu tenho oportunidade de ajudar as crianças, sabe? Às vezes você ri com as mães, às vezes você chora. Porque elas começam a contar aquela situação. É tão lamentável que você acaba chorando junto com as pessoas também. Mas esse é o trabalho do agente de saúde, sabe? Ele tem que rir com os que riem e chorar com os que choram também. E outra coisa, a gente tem que ter, o agente de saúde ele tem que ter uma ética profissional. Ele tem que considerar:- “Eu sou uma profissional”, então ele tem que ter ética profissional. Então a gente tem que levar assim, senão... Se eu chego numa casa, converso com uma dona de casa, ela tem aquela confiança, tem aquela consideração, aquele respeito, e começa a contar a vida dela pra mim, eu chego numa outra casa e vou contar pra outra vizinha? Não, esse não é o trabalho do agente de saúde, sabe? O agente de saúde assim, ele não pode permanecer nessa área de serviço. Ele não está no lugar certo. Então, o agente de saúde, ele tem que ter ética profissional.
P/1: Quando você começou, já existia o Posto?
R - Já existia. Só porque não tinha CD, não tinha acompanhamento de gestante. Aí veio uma supervisora pra cá, Osielita, sabe, a Osielita é uma pessoa muito boa, muito amada por nós. Então ela falou assim, porque a gente falou: “Só uma visita, só uma visita, a gente só vai visitar, só vai falar, e o que nós vamos mostrar pro povo, do nosso trabalho? O povo vai ficar até assim, nem vai querer receber a gente mais em casa. Essas meninas vem, vem, falam, falam, e não tem resultado?” Aí a Osielita falou assim: “Não, no Posto agora vai, a gente vai montar uma sala de CD, acompanhar as crianças de zero a 5 anos, e a gestante e também verificar PA”. Aí a gente encaminhava o pessoal pra cá. E ela também vê pressão.
P - PA é pressão?
R – Pressão [Arterial], né? Então a gente orientava o pessoal pra vir pra cá. E o pessoal gostou de conhecer o nosso trabalho. Hoje... E outra coisa também que ela tinha muita vontade que tivesse era uma sala de curativo. Então, não foi possível, na época dela, não teve essa sala de curativo. Mas agora já tem. Quer dizer, uma coisa assim que ela falou, e considerou assim e hoje já tem uma sala de curativo aqui. Então aqui tem a sala de curativo, tem o CD, tem a sala de vacina, tem a sala do PACS. Então já melhorou bastante. Eu considero assim, através do nosso trabalho, porque se nós não estivéssemos trabalhando, batalhando em cima disso aí também não tinha.
P - Vocês encaminham as pessoas pra cá?
R - Encaminhamos, nós encaminhamos as pessoas pra cá. Se na minha área tem uma pessoa que está com um ferimento feio eu encaminho pra cá pro Posto. As crianças eu encaminho pra cá. Aquelas pessoas que falam que é Chagas, que tem pressão alta, eu encaminho todo mundo pra cá, pro Posto de Saúde.
P - Quais são os problemas mais sérios que você tem na sua área? Doença, desnutrição? O que tem de mais sério?
R - Bom, assim, falou em doença, tudo se torna sério. Mas o mais sério assim, que eu acho, é a desnutrição. Desnutrição. O mais sério assim. Eu considero um caso muito sério. Porque, inclusive, até esse mês passado, eu fiquei muito triste, muito chateada, porque morreu uma criança no meu setor desnutrida. Mas a desnutrição no laudo do médico ficou em quarto lugar. Até hoje eu tava conversando com a Biá, que trabalha aqui no Posto também, ela é enfermeira, aí ela falou assim pra mim: “Olha, Valderina, eu vi que você ficou muito triste, muito chateada, porque morreu uma criança na sua área.” Mas ela foi me explicando: “Olha, a desnutrição ficou em quarto lugar. O fato mesmo da criança ter morrido não foi a desnutrição. Ele morreu com infecção respiratória”. Uma criança de um ano e sete meses. Eu acompanhei a gestação da mãe. A mãe nunca tinha feito um pré-natal. Fez o pré-natal na gestação dessa criança. Eu vi a criança nascer. E sempre orientando a mãe. Com quatro meses de idade, a criança desnutriu. Mas por quê? Por falta de cuidado das mães. Assim, as mães não dão mais importância. Porque uma criança de três meses, tem que viver 24 horas ao lado da mãe. Pra mamar só o peito. A mãe sai, sai de noite, deixa a criança sozinha. Aí a criança, com um ano e sete meses vem a falecer. Pra mim foi um caso assim dos piores, dos mais tristes, sabe? Eu entrei em desespero, descontrolei mesmo. Confesso pra você que eu descontrolei. Porque morreu uma criança na minha área, com desnutrição. Mas foi só uma criança nesse período que eu estou trabalhando.
P - Dois anos?
R - Dois anos.
P - E agora você falou que está com onze crianças...
R - Desnutridas. Mas deixa eu mostrar pra você. Porque antes eu ficava só no setor oeste. Então agora eles fizeram umas casinhas da “Xis”, como eles falam aqui. Lá chama Conjunto Habitacional Nove de Maio. Então foram cem famílias pra lá.
P - Aumentou o seu setor?
R - Aumentou o meu setor. É por isso que eu estou com 390 famílias cadastradas.
P - Você?
R - Com 390 famílias cadastradas.
P - Você atende essas 390?
R - Não atendo porque eu não dou conta. Sabe como é que eu faço? Eu faço naqueles casos mais sérios, onde tem recém nascido, onde tem gestante de peso baixo, as obesas também eu vou, sabe? E vou nos recém nascidos. Não dou conta. Não dou conta de cobrir essa área toda, sabe? Porque você vê, não tem gente. Você sabe com quantas crianças eu estou de zero até quatro anos e meio? Só meninas eu estou com 103 meninas. E 86 meninos. Sabe? E isso que não tá cadastrado. As outras famílias que as casas ficam vazia. Porque veio do setor oeste, pra esse conjunto, da cidade inteira, sabe? Da cidade inteira foi tudo pra lá. Então, quer dizer, cresceu muito de família. E cresceu muito os números de desnutridos. Porque eu estava só com três desnutridos na minha área. Então veio o pessoal das cidades, dos setores todo foi pra lá, por isso que aumentou o número de desnutridos.
P - Valderina, essa alimentação alternativa que você prepara, como ela é misturada na alimentação normal?
R - Olha, eu falo pras mães assim, elas falam: “Mas ele não vai comer isso aqui.” “Não, não vai comer puro. Olha, mãezinha, puro não. Se ele mama na mamadeira, mingau, coloca no mingau. Se na hora que ele vai almoçar, mistura no feijão. Nem precisa a criança ver que você tá misturando coisa diferente, porque ele não é ruim”. Então eu recomendo assim pras mães, misturar na comida. Igual à folha de mandioca. A folha de mandioca ela é verde. Então se colocar só no arroz a criança vai ver, está verdinho. Coloca no feijão que a criança nem vai perceber que ela está comendo uma coisa diferente, porque não dá gosto. O pó da casca do ovo também. Coloca no leite que a criança nem vai perceber, porque ele é branco, cada um arruma um jeitinho. E o farelo de arroz também. Coloca no feijão que a criança nem vai perceber. Assim, eu recomendo pras mães. Olha, eu mesmo que preparo, sabe, passo pras mãe, arrumo um vidro de maionese, ou senão eu vou no armazém, compro daquele saco pequeninho que é baratinho, é um real 200 gramas de saquinho, e coloco, e coloco a data que foi fabricado e passo pras mães, senão acaba as mãe dando uma coisa vencida pras crianças, e pode fazer mal. E outra coisa também o farelo de arroz, ele dá quando ele está vencido.
P - Quanto tempo dura?
R - Olha, eu falo pras mães assim: “Pode deixar até três meses.”, sabe? Eu não mando elas deixarem mais porque eu posso fazer uma coisa que não vai custar nada pra mim. O pessoal da máquina me dá o farelo d’água. O Abami fornece o fogão industrial. Eu faço. Então uma coisa assim, tudo eu estou ajudando as crianças. Em tudo eu estou ajudando as crianças. Eu faço com todo prazer. Tiro só um dia pra preparar. Vou lá na máquina, peço. À tarde volto, vou pro Abami, preparo. Porque tem que colocar na peneira, passar várias vezes até sair a palha do arroz e ficar só farelo mesmo. E torro. Então, pra mim, assim, eu não acho que é trabalho. Faço com muito amor, sabe? E tenho bom resultado. Porque na minha área mesmo eu só tinha três crianças desnutridas. Agora aumentou, porque vieram outros de outros setores.
P - Certo. E em termos de doença, quais são as doenças mais recorrentes?
R - Diarreia, a diarreia. Porque a criança dá diarreia e você ainda orienta a mãe a fazer o soro caseiro e dar. Tem muitas mães que falam que dá, mais elas não dão.
P - Por quê?
R - Porque você sabe que não dá, porque eu falei: “Gente, as mães falam pra mim que dão o soro caseiro. A minha ficha pergunta quantas crianças tomaram o soro caseiro. As mães fala pra mim que dão. Mas pra eu ver se ela deu mesmo ou não eu tenho que ter um resultado. Eu vou lá hoje a criança está com diarreia. Eu vou amanhã ela está com diarreia, então ela não tomou o soro caseiro.” Eu faço, eu mesma faço. Preparo. Eu vou na casa da mãe, a gente tem as colherinhas. Eu preparo o soro, vou lá cedo, dou o soro, vou lá à tarde, dou o soro. Olha no segundo dia eu já tenho um bom resultado. A criança não cortou a diarreia de uma vez, mas diminuiu. Por isso que eu falo que as mães não dão o soro caseiro. Nem todas. Tem umas que dão, mas tem umas que não dão.
P - E vocês tem que orientar essas mães?
R - Tem que orientar. A gente orienta as mães pra darem o soro, sabe?
P - E por que quê você acha que elas não dão?
R - Porque você vai no primeiro dia a criança está com diarreia, no segundo está com diarreia, no terceiro está com diarreia, aí eu vou e faço o soro. “Mãe, então vamos fazer. Vamos ver se ele vai tomar agora”, sabe? Mas tem mãe que fala: “Ah, mas ele não gosta.” Eu falo: “Muda o sabor do soro.” “Como que eu vou mudar o sabor do soro?” “Mãe, pega uma folha de capim erva cidreira e ferve ela sem açúcar, não vai colocar açúcar, não. Aí você vai mudar o sabor. Não vai mais ter aquele gosto de água. Vai ter um sabor de capim erva cidreira. Pega a canela, cozinha a folha de canela...”, porque aqui tem pé de canela, né? “As mãe que não tem condição de comprar o saquinho, vai no vizinho, pede a folha de canela, ferve sem açúcar, e faz o soro, vamos mudar o gosto do soro. Então assim as criança vai e toma.”
P - Onde você aprendeu essas coisas todas, de disfarçar o gosto da alimentação alternativa?
R - Comigo mesmo. Essa ideia é minha. Porque as mãe falam: “Meu menino não toma o soro, porque é ruim”. Então vamos, se folha de canela não faz mal pra ninguém, então não vai fazer mal pra criança também. Se ela com açúcar não faz mal, então com uma pitadinha de sal ela também não vai fazer mal. A folha de capim erva cidreira não faz mal pra ninguém, com mais uma pitadinha de sal não vai fazer mal pra criança, porque a gente faz até remédio. Faz chá pra gripe, tudo. E alimentação também. Sabe por quê? A gente tem que criar. A gente tem que criar. Se você for só esperar os outro passar pra você, acaba você ficando só naquilo ali. Você tem que criar. Então isso que eu fiz e passo pras mãe, e tem dado certo. Tudo tem dado certo.
P - E como foi o recebimento dos equipamentos que vocês receberam? Como é que chegou aqui a notícia de que vocês iam ter mais coisas pra trabalharem?
R - Sobre as bicicletas?
P - É.\
R - Ah, sei. Quando a Osielita estava aqui, ela falou assim: “Vai ter uma reunião em Goiânia, e eu vou escolher duas agentes pra ir comigo.” Aí ela me escolheu. Eu e outra da zona rural. A gente foi pra Goiânia, chegou lá teve uma reunião. Inclusive tinha até o governador, estava lá. Aí colocaram a bicicleta lá na frente, uma mochila, aí falou assim, falou até o nome do moço lá da Abifarma que ia doar a bicicleta, não lembro o nome dele agora no momento. Então aquilo pra nós foi uma surpresa. “Vai desenvolver mais o nosso trabalho.” Então, se eles está doando a bicicleta é porque o nosso trabalho está sendo valorizado. A gente está desempenhando o trabalho. Então pra nós foi muito bom. Porque eu moro no final da cidade, pra vim aqui no Posto pra buscar material, você vê, vai gastar de meia hora. Eu saio de lá, venho pra cá, saio daqui, vou pra lá. Não, de bicicleta eu faço rapidinho. Esse percurso é rápido. E a bicicleta pra mim foi bom demais. Ó, tinha um senhor na minha área que morava sozinho. Então, ele desgostou, trabalhava o dia todo, e chegava tarde e ficava em casa. Aí ele desgostou e um dia ele bebeu veneno, sabe? Bebeu veneno. E eu passei e vi assim, achei estranho, e fui lá olhar. Cheguei lá ele tava lá quase morrendo. Aí chamei mais vizinho, peguei minha bicicleta e se mandei pro centro da cidade. Cheguei aqui no centro da cidade, arrumei carro e trouxe ele pro hospital. Quer dizer, se eu não tivesse essa bicicleta na hora, ele poderia ter perdido a vida. Se eu tivesse de a pé, até eu chegar e pedir socorro, ia ser tarde demais. Outro senhor também na minha área, que ele teve assim começo de enfarte. Aí eu fui lá e ele tava passando muito mal. Aí eu dei uma massagem assim em cima do peito esquerdo dele, sabe? Falei assim: “Vocês fica aí que eu vou procurar um carro.” Peguei a bicicleta novamente, arranjei um carro e ele foi socorrido. Quer dizer, se eu fosse fazer isso tudo de a pé. Vamos supor, a bicicleta pra mim foi um tipo de salva vida. (riso)
P - (riso) Antes você fazia tudo a pé?
R - Tudo a pé. Era muito cansativo, muito cansativo, mesmo. Uma bicicleta assim ajudou a gente demais. Demais mesmo. Pra nós é como se fosse um carro. Digamos assim, um carro.
P - E os outros equipamentos, como é que foi? Vocês receberam outros?
R - Recebemos junto com a bicicleta, a gente recebeu a mochila, o boné e o jaleco, sabe? Pra mim um blazer. (riso) Tenho muito orgulho de vestir esse jaleco. Eu não ando sem uniforme na rua, porque o agente de saúde que não gosta desse colete aqui, então ele não gosta da profissão, né? Por que como que vai divulgar um agente de saúde sem uniforme? Ele tem que estar uniformizado. Então eu ando direto com o meu jaleco. Pode olhar que ele tá até um pouco desbotado, mas eu ando direto com o meu jaleco. A gente recebeu jaleco, recebeu um termômetro, um... Como é que chama o nome daquele outro?
P - Um cronômetro respiratório?
R - Cronômetro respiratório, nós recebemos. E o jaleco, o boné e a mochila, nós recebemos, no dia da entrega da bicicleta.
P - Como foi essa entrega? Foi aqui?
R - Foi aqui. Foi no Clube. Aí tinha o Prefeito, junto com os vereadores. E fizeram a entrega das bicicletas. A gente foi pra Brasília, tinha uma festa lá também. A gente embora que a gente chegou atrasado. Não pegamos nada da festa. Era o dia da entrega das bicicletas lá pra trazer pra cá. E a gente já foi de ônibus, trouxe as bicicletas no ônibus da Prefeitura. Depois teve a entrega das bicicletas aqui. A gente tirou até retrato. Cada um recebendo a sua bicicleta. Pra nós foi uma festa!
P - E o pessoal da sua área, o que eles acharam? Teve uma mudança?
R - Teve uma mudança.
P - O que quê aconteceu?
R - Depois que eu comecei a trabalhar?
P - De uniforme, bicicleta. O que quê aconteceu?
R - Aí já começou a me ver de outra forma. Por que antes eu ia o quê? Com uma roupa normal mesmo. Aí de uniforme eles já começaram a valorizar o meu trabalho. “Realmente o trabalho dela está sendo valorizado. Olha ganhou bicicleta, ganhou roupa pra trabalhar”. Então assim, eles têm um grande respeito por mim, na minha área, sabe? O que eu posso fazer por eles também, eu não meço distância. Outra coisa também que eu quero falar pra você, nós não tem assistente social, nós está sem assistente social. Lá na minha área, eu faço o papel de assistente social, sabe? Se precisar de ir no Promotor, eu vou, se precisar de ir na juíza, eu vou. E sou bem recebida. Coloco o meu boné, coloco a minha jaqueta e vou embora. (riso)
P/1: (riso)
R - Igual tem benefício pras pessoa deficiente, né? Então as pessoa se acham em dificuldade pra ir num médico, tem que ir pro delegado assinar, tem que pedir a enfermeira pra assinar, não! Rapidinho eu faço. Por quê? Eu tenho a bicicleta. (inaudível)
P - Quantos agentes tem aqui em Padre Bernardo?
R - Aqui em Padre Bernardo tem uma no setor leste. Era duas, uma desistiu. Tem uma no setor sul. Tem uma no centro, uma na Vila Maria, uma no setor oeste, que sou eu, e uma no setor Divinópolis. Quer dizer, então são seis, né?
P - Seis.
R - Seis agentes de saúde. Eram sete, mas uma desistiu. Eram sete.
P - Se você fosse mudar alguma coisa na sua vida, você mudaria o quê?
R - Como assim?
P - Pessoal, profissional?
R - Ah, eu assim, até agora, eu nem sei, sabe? Porque eu acho assim que está tão bom onde eu estou trabalhando, mas eu não sei te responder agora. (riso)
P - (riso) Tá ok! E qual é o teu sonho? Você tem um sonho? O que quê você gostaria de fazer, de realizar?
R - Assim trabalhar na área de saúde mesmo, sabe? Que é uma coisa assim que é você estar ajudando as pessoas. A pessoa que trabalha na área de saúde, que trabalha com amor, está ajudando as outras pessoas, sabe? Ele está ajudando. Não só assim de saúde, mas como conversar, sabe? Você conversar, você orientar. Às vezes a pessoa está passando uma dificuldade por falta de esclarecimento. Você vai, esclarece as pessoas. E as pessoas acabam se informando e te valorizam o trabalho, valorizam o seu trabalho, e acatam aqueles conselhos que você passa e melhoram também. Porque o agente de saúde está ali naquela área pra melhorar. Não pra deixar as coisa pior. Pra melhorar. Assim, se a gente fosse ver o salário que a gente ganha, a gente não trabalhava. Porque 112 reais. Agora você me fala, o que quê a gente faz com 112 reais? Igual eu estava trabalhando em casa de família. Eu ganhava muito mais. Mas só porque eu estava fazendo assim, e gosto também, gosto de trabalhar em casa. Mas não era bem uma coisa que eu queria fazer. Porque eu sofri muito na minha infância e eu acho que a gente tem que ajudar as pessoas. Ajudar não é você pegar um dinheiro, uma roupa, um calçado e ir lá levar pra uma criança, não. Às vezes um dinheiro, um brinquedo, pra uma mãe que tá chorando, você não sabe o porquê que ela tá chorando, não vai resolver o problema dela. De conversar você resolve o problema dela, sem dar nada pra ela. Pra uma criança também, sabe? Uma criança, às vezes, ele está lá, naquela tristeza, você chega, conversa com a criança e você acaba assim passando aquela coisa boa pra criança, e ele se sente feliz e você também. É o que acontece no meu trabalho, na minha área. Então eu faço um serviço que realmente eu gosto. Gosto de fazer.
P - Que bom! Valderina, a gente vai acabar a entrevista aqui agora, Eu agradeço muito a sua ajuda, a sua atenção. Obrigada mesmo
.
R - Obrigada. Eu também agradeço. Obrigado mesmo, por tudo.