Identificação e infância, passada em cafezais do interior paulista. Mudança para Campinas e o curso de Enfermagem. O trabalho em hospitais de São Paulo. Volta a Campinas e o ingresso na Santa Casa de Misericórdia. A montagem do Hospital das Clínicas de Barão Geraldo. A infância com os irmãos e os lugares onde a família fazia compras. As viagens de trem e o período do grupo escolar. As primeiras experiências de trabalho, no comércio e, também, no comércio atualmente. O desenvolvimento de Campinas e do bairro Barão Geraldo. O comércio na região e o ramo de produtos hospitalares.
IDENTIFICAÇÃO
Sou Maria Marilene Rogante. Nasci em Catanduva, São Paulo, em 23 de janeiro de 51.
FAMÍLIA
Meu pai é Luis Rogante, minha mãe Maria Catelã. A minha família é de origem italiana. Meus avós são imigrantes e ficaram na região de Araraquara, para onde meu pai também foi depois. A família do meu pai, meus avós, foram para Dobrada e da minha mãe também. Os dois imigrantes italianos, dos dois lados. E sempre trabalhando em fazenda, na agricultura. Era assim a vida deles, naquela época. Até que meu pai mudou para Catanduva. Foi convidado. Tinha uma grande máquina de beneficiamento de café que eles exportavam café e tinha muito fluxo com trem, através de trem, naquela época. Era outra realidade bem diferente da de hoje. Hoje, essa máquina até existe, uma máquina bem grande, imensa lá em Catanduva, mas está deteriorada e fechada. Eu acho que a família decretou falência, alguma coisa assim, mas meu pai se aposentou trabalhando nessa máquina. Não tenho lembrança de meus avós. Eu tenho só as histórias deles. Tenho uma baciada de irmãos (risos) Uma baciada de irmãos. Nós éramos em nove. Agora perdi uma irmã e somos em oito. A maioria deles, das mulheres, foram ser donas de casa. Algumas conseguiram estudar e trabalhar em outras coisas. (emoção) É que lembro a infância, mexe. Faz tanto tempo que a gente não fala e não relembra, é incrível. Meus irmãos, alguns deles trabalharam na agropecuária também, outros foram para São Paulo tentar uma vida melhor, conseguiram trabalhar. Um irmão meu trabalhou na Gessy Lever, o outro foi ser caminhoneiro e os gêmeos conseguiram se formar: um é farmacêutico. Eu consegui me formar, sou enfermeira e tenho uma irmã que é administradora. Os demais todos se deram bem, embora a gente tenha uma origem muito humilde, mas eles conseguiram, todos os nove, ser trabalhadores. Seguiram a mesma filosofia de trabalho do meu pai, de trabalho, dedicação, honestidade. E acho que é isso que mexeu agora porque nós somos... Nós éramos em 11 e não conheci dois que tinham morrido antes de eu nascer e agora recente eu perdi uma irmã. Mas todos e todas são trabalhadores e estão levando uma vida bacana, normal, com sobrinhos, família, etc., a família crescendo cada vez mais, se multiplicando.
MIGRAÇÃO
Eu vim para Campinas em 1972. Eu trabalhava e estudava. Sempre em colégio público. Me formei, naquela época, no científico. Tentei fazer uma faculdade, eu queria ser enfermeira, mas a gente não tinha formação. Em 1970, você não tinha informação do que existia em São Paulo, onde existiam as faculdades. Eu sabia que em São José dos Campos tinha uma escola técnica de enfermagem. No ginásio onde eu me formei, vi num mural que lá tinha esse curso técnico e eu entrei em contato. Eu queria fazer o técnico em enfermagem. Eu trabalhava, nessa época, já me formando, não tinha o que fazer lá em Catanduva, fui fazer uma faculdade de matemática lá em Bebedouro. Eu fiz seis meses de matemática, trabalhando numa loja de cristais e pratarias, num comércio lá de Catanduva. Eu estava embrulhando um cristal no jornal, para ficar bem firme, e olhei o jornal que era recente. Estava: “Campinas abre faculdade de enfermagem”. Foi onde eu tomei conhecimento. E que os três primeiros colocados, ganhariam bolsa. Eu fui a segunda. Então, eu vim pra cá, fiz a faculdade com bolsa, durante esses quatro anos, me formei na PUC de Campinas, assim que a faculdade abriu. Sou da primeira turma da faculdade de enfermagem de Campinas.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Recebi um convite pra trabalhar no Hospital das Clínicas em São Paulo e eu queria também fazer outros cursos de aperfeiçoamento. Na época, ainda não tinha mestrado nem doutorado, era mais curso de especialização. Logo depois, surgiram na USP, os cursos de mestrado e doutorado, mas aí eu já tinha partido para as especializações. Eu fiz especialização em médico cirúrgico; fiz no São Camilo, administração hospitalar. Depois saí do Hospital das Clínicas, por convite, para trabalhar na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Depois que conheceram meu trabalho, o Oswaldo Cruz ficou interessado e me convidaram para ir pra lá, pra UTI do Hospital Oswaldo Cruz. Eu acabei pulando de um hospital para outro no intuito mesmo de conseguir ganhar experiência profissional. Eu também tinha interesse em retornar para Campinas; eu não queria fazer a minha vida em São Paulo. O Hospital Oswaldo Cruz até fez proposta para eu ir para a Alemanha, para me interar e ficar mais anos lá com eles, mas eu já tinha feito a opção: o meu marido é de Campinas, já conhecia, meu namorado e depois eu decidi mesmo, prestei concurso público na Unicamp, lá na Santa Casa de Misericórdia. Ainda a turma falava: “Você vai sair daqui de São Paulo e vai segurar os pilares da Santa Casa.” Eu falei: “Não é bem assim. A gente pode estar também modificando toda essa história” Eu vim com bastante experiência profissional porque eu já tinha passado na unidade de choque, pronto socorro lá do Hospital das Clínicas de São Paulo, e mais as experiências nesses hospitais particulares. Fiquei aqui na Unicamp. Na época, a Unicamp ainda não tinha faculdade de enfermagem. Em 78, eles abriram a faculdade de enfermagem, começaram em 79. Eu tinha duas possibilidades: ou ficar na assistência ou ir para a docência. Eu escolhi ficar na assistência. Quando eu cheguei aqui era outra realidade, diferente de São Paulo, era tudo muito pobre, a enfermagem não tinha normas, não tinha rotinas, não tinha procedimentos, cada um fazia uma coisa. No Hospital das Clínicas, a maior parte da minha experiência profissional foi na área de terapia intensiva. Aqui faltava método para cuidar do paciente, aquilo me assustava muito. Eu comecei a descrever todas as técnicas de enfermagem, tanto as básicas quanto as especializadas, para poder treinar os funcionários. Eu fiz com esse intuito, de ajudar a enfermagem a ter uma normatização dos procedimentos. Eu fiz dois livrinhos, pela própria Unicamp, para servir como treinamento: “Procedimentos Especializados” e “Procedimentos Básicos”. Fui me envolvendo cada vez mais com essa assistência e menos querendo docência, porque tinha alguma coisa que fazer na assistência, não parava aí. Em 86, a gente veio pra Barão Geraldo, no Hospital das Clínicas. Trabalhei desde a fundação do hospital, ajudei a organizar o hospital desde ver a planta física, propriamente dita, que a gente era chamada para dar opinião de fluxo de pessoal, fluxo de roupa, fluxo de lixo, alguma opinião em central de material esterilizado, centro cirúrgico que compunha uma unidade do paciente. Eu ajudei a planejar toda essa parte de fluxo e de material, de equipamentos do hospital, com foco na UTI. Assim foi a minha vida até me aposentar no HC. Trabalhei em várias áreas de administração e depois, no final, fiquei na assessoria de recursos materiais na superintendência do Hospital das Clínicas. Eles viram que a enfermagem tinha que cuidar da administração desses produtos e equipamentos, tinha que dar uma assessoria para a superintendência nessa área, que não tinha padronização de materiais. E isso foi feito na unha também. Na época, não tinha nada. Por exemplo, seringa, agulha, tudo o que você possa imaginar desde uma atadura até um equipamento, não tinha nada descrito, nada padronizado. Vinha produto de tudo quanto é canto e você era obrigada a comprar aqueles produtos sem qualidade. Eu fiz toda a padronização, a descrição desses produtos, vendo sempre a parte técnica legal, da Anvisa, do Ministério da Saúde, Inmetro, enfim, toda a parte de legislação, todas as RDC, portarias. Fazia essa parte de assessoria nas compras de todos esses produtos até me aposentar. Me aposentei e falei: “O quê eu vou fazer agora?” Entrei em desespero porque a gente nasceu trabalhando, é complicado você parar e eu gosto muito da enfermagem. Eu falei assim: “Eu sempre sonhei com...” Quando puseram uma loja de produto hospitalar no centro, eu falei assim: “Um dia também eu vou colocar uma loja de produtos hospitalares.” Eu gostava muito dessa coisa que envolve o paciente. Eu não fui a primeira que colocou a loja lá, foi um rapaz que montou a loja e eu falei: “Não é possível, o rapaz teve a mesma idéia que eu Eu estava esperando aposentar para colocar, como que ele me vem na minha frente?” Eu fique arrasada Fiquei muito chateada. Fui conversar com ele: “Ah, senhora, isso daqui não dá dinheiro, não dá nada, eu vou vender a loja.” Eu falei: “Eu compro” (risos) Comprei a loja, me aposentei e estou tocando a lojinha, mas com o objetivo maior de cuidar da parte ergonômica da saúde do trabalhador, propriamente dita, da parte ergonomia e dos dispositivos para idosos. Mas aí você vê que a realidade é outra, não tem como você só focar nisso. O Brasil ainda está muito atrasado nesse aspecto da saúde do trabalhador; tem muita coisa para fazer, muito dispositivo para ajudá-los a trabalhar melhor, a não se acabar muito porque é coluna, todas essas doenças que são repetitivas; a enfermagem faz muito peso, carrega, faz muita força. Seria o ideal, a gente estar empregando algum dispositivo no Brasil. Mas não consegui ainda não Só lancei a idéia e fiquei mesmo naquele trivial que é o comércio de produtos hospitalares.
INFÂNCIA
Tenho uma lembrança muito boa da infância. O meu pai era uma pessoa muito especial. Ele sabia tirar leite de pedra. Ele tinha, para nos sustentar - ele tinha sempre o como garantir o conforto da família, o básico – uma cabra, que ele tirava o leite, dava leite para gente. A gente tinha horta, pés de fruta. Eu morava próximo ao centro da cidade, a minha casa ficava entre o rio e a estrada de ferro e nesse pedaço tinha bastantes árvores, tinha tudo para dar o sustento da família. Ele tinha a criação de porcos, de galinha e a horta. E eu lembro da minha infância muito feliz, muito Não sei andar de bicicleta, não sei (risos) Os meus irmãos sabem. Tinha uma bicicleta para os nove; as meninas ficavam de fora. Eu nem sei se as outras minhas irmãs sabem andar de bicicleta. Os meus irmãos sabem. (risos) Mas foi uma infância maravilhosa. Eu me lembro eu ia a pé até o grupo escolar. Lá eu tinha tratamento dentário, tinha os professores e, naquela época, eu já falava para minha professora do primeiro ano, que eu queria ser enfermeira. Eu tenho uma lembrança muito boa, a minha infância foi muito boa, minha mãe também sempre dedicada, costurava, fazia todas as nossas roupinhas, a roupa de um passava para o outro e assim vai; o sapato de um passava para o outro. Mas a gente tinha o básico, não no sofrível. A gente não era miserável. Era pobre, mas não era aquele pobre miserável, por quê? Porque o meu pai com todo esse bando de filho, conseguia ter tudo isso planejado, que dava alimentação pra gente, tinha o porco, tinha a carne, tinha a banha, não tinha geladeira, mas tinha as latas de banha com as carnes que eles punham no meio, tinha lingüiça pendurada, tinha um cômodo que era só para deixar essas carnes virarem secas, ficarem depurando lá na conserva, sei lá, nos varaizinhos. A necessidade de alimentação, graças a Deus, ninguém teve por causa dessa sabedoria do meu pai. O meu pai sabia como fazer no meio de nada. Até conseguir juntar o dinheirinho, construir uma casinha pra gente com dinheiro dele. Mas eu acho que era porque a gente estava numa cidade do interior e meu pai sabia como fazer com as coisas naturais do ambiente. O que tinha ele tirava do ambiente mesmo, que era verdura, era inhame, era cenoura, mandioca, enfim, a gente tinha tudo na nossa mesa, tinha tudo. Tinha a galinha, não tinha carne de vaca que era difícil, mas porco, galinha, carneiro; ele tinha carneiro, ele tinha criação e plantação de tudo. A minha infância foi boa, foi legal acompanhando meu pai, ele torrava café em casa, no torrador, não comprava café. Ele tinha pé de café, ele debulhava - que ele tinha experiência também de lá -, deixava secando. Ele trabalhava muito para prover o nosso sustento. Tinha um armazém aonde você ia e o meu pai falava: “Não quero caderneta.” Eu lembro que ele não aceitava comprar e pagar depois. Ele tinha que comprar o arroz, o feijão - porque as outras coisas, ele tirava do próprio quintal -, alguma coisa ou outra, um tomate, alguma outra coisa que não dava lá na terra. Era o básico dos secos e molhados, da lojinha, do empório, que ele pegava; era arroz e feijão mesmo. O açúcar, ele comprava, mas acho que eram essas três coisas básicas. O armazém era uma coisa simples, de duas portas que tinha os sacos de café, os sacos de estopa de café, esses sacos com arroz, com feijão. Tinha lá as latas de óleo. Eu lembro muito vagamente do que tinha. Tinha alguns poucos enlatados, acho que mais sardinha. Ou tinha aquelas sardinhas secas com sal, para vender, os bacalhaus. Tinha a lingüiça. A gente fazia passeio, às vezes, de trem. Os meus irmãos, a gente falava: “Vamos até São José do Rio Preto de trem?” Então a gente juntava lá um dinheirinho e ia. Os meus irmãos trabalhavam vendendo frutas. Tinha irmão que antes de ir pra São Paulo tentar a vida, o que eles faziam? Eles trabalhavam com frutas, verduras no mercado municipal. Algumas coisas que o meu pai colhia do quintal. Eles vendiam ovos também nesse mercado. E aí quando eles juntavam alguma coisa, a gente pegava ou ia até São José do Rio Preto, ou ia no máximo até Santa Adélia e voltava, nunca fomos até São Paulo. Pra gente já era outro mundo. E acho que nenhum deles nunca foi até São Paulo até a maioridade. A gente só ficava naquele pedaço. Do trem a gente até acostuma com o barulho. Porque a minha casa ficava no meio, entre a linha do trem e riozinho, o rio São Domingos. Era o barulho que tinha. Você sabia que era o horário de você acordar, que tal trem significava que você teria que ir dormir. E, no início, não tinha nem energia elétrica. Aquele farol do trem quando chegava... Tinha um galpão grande, próximo, que era um barracão de café, e a gente fazia cineminha enquanto o trem passava. Fazia teatro, enfim, a infância da gente era isso aí. Das raízes do bambuzal, a gente fazia casinha, dividia o quarto. Brinquedo, nós não tínhamos, era muito difícil, então, era uma boneca de pano com carrinho, meus irmãos faziam algum carrinho, meu pai fazia, pra eles, com madeiras. A gente tinha um carrinho de rolimã. Um dia, o meu pai fez uma charretinha pra gente, uma carrocinha. Ele tinha um, acho que, um carneiro que puxava. Eu nem lembro se era cabrito ou carneiro. Puxava um pouquinho só, pra gente se divertir. Comprava aqueles sacos – ô, comprava – aqueles sacos que a gente punha nos barrancos pra descer, enfim, nadava. Era só mais essa coisa da natureza mesmo. Uma infância bem diferente de hoje. Hoje a tecnologia, a molecada que tem, é uma coisa impressionante. Os meus filhos, o que tiveram, em relação a mim? Nem foto, eu tenho de infância, que a gente não tinha mesmo. Eu acho que o meu pai nem se preocupava em tirar foto, tirou foto dos dois últimos filhos que eram gêmeos, os demais ninguém tem foto de criança. A preocupação era só garantir a sobrevivência da família mesmo.
FORMAÇÃO
Fiquei muito feliz de ir pra escola. Tenho boas lembranças. Era Grupo Escolar São Francisco, do bairro São Francisco, lá próximo. Eu lembro que tinha professora que passava pra ver quantas crianças havia e tinha que ir pra escola. Quando me chamaram, “ela já tem que ir para escola”, eu fiquei toda feliz. Eu lembro que a gente não tinha nem lápis de cor. Era o caderno e o lápis; eram os nossos instrumentos básicos de escola. Lembro bem da minha professora primária, lembro de tudo e foi tranqüilo. Eu tinha os meus irmãos, na época, que fugiam da escola, não iam e vinha o inspetor, pegava e levava de volta. Tinha um que dava um trabalho violento, não gostava de estudar, mas os demais não. Todos nós íamos pra escola. Lá tinha assistência odontológica, eu lembro bem que eu fazia os meus tratamentos dentários lá. Aí eu fui pra uma escola profissionalizante, a escola industrial que tinha aberto lá. Eu falei: “Ah, eu quero ir nessa escola” Tinha exame de admissão, na época, eu prestei, entrei nessa escola. Porque lá você aprende outras coisas, tinha a área de culinária e para os meninos tinha mecânica. Mas eu sempre fui para a área de biologia, eu dissecava, empanava gato, dissecava sapo, sempre gostei mesmo dessa área de biologia. Acabei nem me aperfeiçoando na culinária. Saí dessa escola, que eram três anos, e fui para a Barão do Rio Branco que era o ginásio estadual de Catanduva. Ginásio Estadual Barão do Rio Branco de Catanduva. Lá eu fiz os três anos e o científico. Aí eu me formei e fui fazer a faculdade de matemática. Imagina Não tinha nada a ver comigo, mas era o que tinha e eu não queria ficar parada, eu queria fazer alguma coisinha. Mas aí logo eu descobri a enfermagem e vim pra cá.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
A gente tinha que trabalhar. A minha mãe - ela era um sarrinho - reunia no final do mês todos os filhos e falava: “Ó, gente, a gente tem tudo isso de conta pra pagar.” Então, todo mundo trabalhava, nem que fosse pra vender laranja, mas a pessoa saía pra vender laranja. Eu trabalhava numa loja, comecei dando uma ajuda, fazendo cafezinho, organização da loja, pra depois eu ser caixa; fui crescendo. A minha mãe sentava e falava: “Olha, nós gastamos ‘x’. No mês que vem, vai ter que gastar menos.” E ela falava: “Gente, gasto é que nem unha, cresce sempre, a gente tem sempre que cortar” Eu falo essa frase nas aulas que eu dou porque ela sempre falava isso e é uma verdade. E todo mundo tinha que colaborar em casa de alguma forma, nem que fosse um pouquinho, mas tinha que dar, ou mesmo se virar pra pagar os seus estudos. Era tudo com o trabalho da gente. Se a gente quisesse estudar, a gente tinha que trabalhar e pagar os estudos. Eu gostava muito do comércio. Quando eu fui trabalhar nessa loja, nossa Logo eu já estava vendendo. Eu gostava dessa parte de comércio. Acho que nasceu até lá essa coisa de comércio, a gente não puxa as idéias, mas agora, conversando com vocês, talvez seja até isso: foi uma coisa que veio pra mim na infância, uma oportunidade de trabalho que eu gostei demais, na época. Eu gostava desse contato com o público. Eu gosto muito da loja, por exemplo, agora que eu sou aposentada, de estar podendo passar algum conhecimento meu, de conforto para o paciente, tem diversas formas para você aliviar aquela pessoa doente. Tanto é que eu atendo. Na loja, você me vê no balcão o tempo inteirinho, atendendo a população. Eu não fico na administração da loja. Eu sou atendente porque se não, eu acho que eu não tenho objetivo. Se você não se relaciona com as pessoas, não passa aquilo que você sabe para as pessoas, então não tem porque continuar trabalhando. Eu tinha esse sonho do comércio, de colocar alguns dispositivos que aliviassem um pouco, ajudassem os idosos e o trabalhador de enfermagem. Vem uma pessoa que está debilitada ou com o parente debilitado, não sabe o que amenizar aquela dor ou quais os cuidados que deve ter, então aí eu já oriento: “Olha, faça isso, faça aquilo.” O comércio não deu dinheiro não. Nem sei se vai dar. Eu estou chegando à conclusão que é muito sofrível porque você além de ter todos os impostos – o que é um absurdo - você tem que ter o funcionário, um, pelo menos. Dois, nem pensar Porque você não consegue pagar dois funcionários. Além disso, você tem que comprar, você paga caro, você paga tudo com nota. Meus clientes estão na universidade. Isso é sazonal. Na época de férias, você não vende. Por isso eu acho difícil progredir. Pode ser que progrida pela disponibilidade de materiais, se a gente conseguir ter preço ou pelo atendimento. Pode até ser que cresça a população de Campinas, de algum lugar que venha a comprar lá. Se ficar só com a população da Unicamp, o comércio não prospera.
CIDADES / CAMPINAS / SP
Eu fiquei impressionada, quando cheguei aqui. Catanduva era pequena e aqui, na época, eu acho que tinha quase 300 mil habitantes, uns 200 e poucos mil habitantes. Era muito grande pra mim. Eu achava lindo Não tinha shopping ainda. Aquele comércio, a Rua Treze de Maio, a estação do trem... Quantas vezes eu não vim de Catanduva pra Campinas com o trem Aqui foi um impacto muito grande na minha vida. A gente descobrindo que o mundo era grande, que eu tinha que fazer muitas coisas, que não era só Catanduva, o meu mundo era muito maior que Catanduva. Aí que eu fui conhecendo, viajando, pra Santos, pras praias, fui até a Bahia num congresso de enfermagem. Aí que eu fui descobrindo o mundo porque enquanto eu estudava, eu também fazia bico. A gente vivia de bico na vida, trabalhando, você também tinha que se sustentar de alguma forma. Eu cobria as férias de uma enfermeira da DuPont, ganhava um salário de uma enfermeira e com esse dinheiro, eu conseguia até viajar. Fiz congressos, na Bahia, em São Paulo, então consegui me virar, pagar a minha estadia aqui com a ajuda de uma irmã, também.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Eu percebi que o comércio de Campinas se baseava mais naquele centro. Isso nos anos 70. Eu não lembro o nome de uma loja, mas eu gostava de uma loja que eu comprava umas blusinhas, porque a gente vivia mais com uma calça jeans e quase não comprava... Era mais uma blusinha e outra que eu ia nessa Treze de maio. A Marisa não existia. Eu lembro do Bongo, que era uma loja que tinha tudo, desde brinquedo até utensílios domésticos, tipo um magazinezinho, tinha talheres, tinha panela, pratos, aviamentos, enfim, tinha tudo nesse Bongo. Eu lembro que ficava lá na Treze de Maio. Tinha o Mappin, lembro do Mappin, mas eu não entrava porque eu só achava bonita, a loja muito linda, mas não comprava. Depois veio o Eldorado, supermercado Eldorado.
MORADIA
Eu morava aqui no centro. Morei em diversas repúblicas no centro de Campinas quando era estudante. Depois que eu casei, já estava em situação melhor, já era uma profissional e tinha a minha casa. O primeiro bairro foi aqui no Jardim Bonfim. Depois fomos para o Auxiliadora e depois, quando o hospital mudou para Barão Geraldo, fomos para lá. A gente foi antes até. Acho que fomos em 84, pra Barão Geraldo e de lá a gente não saiu mais. Adoro Barão Geraldo, é a minha vida
UNICAMP
Eu acho que o comércio de Barão Geraldo vive da universidade. A universidade trouxe pra Barão Geraldo professores, muitos professores que se formaram lá, trouxe mais conhecimento. Eu acho que Barão Geraldo era nada, era mato. Hoje com a vinda dos professores morando lá em Barão Geraldo é que progrediu muito, veio bastante comércio, não tinha nada, tinha uma casa de carne, uma feirinha, uma lojinha de roupa, a farmácia. Hoje virou uma cidade com a influência da Unicamp. A Unicamp mudou a vida de Barão Geraldo. Eu acho que daqui a pouquinho se transforma numa cidade. O que tem de aluno Imagina se tinha casinha, república de aluno? Agora você vê um comércio, essa república de alunos. Lá mesmo onde que eu pus a minha loja, não tinha nada, era mato. Onde tem a Cirúrgica Cristal hoje, era só mato. Hoje tem lá Espaço Branco, têm restaurantes, mas é tudo graças à Universidade. A população ganhou com isso. O que a Unicamp e o hospital trouxeram para população foi fora de série Faz grandes cirurgias, de grande complexidade. Só trouxe benefício pra Campinas. Não só pra Barão Geraldo, pra Campinas, pra toda região e pra muitos outros estados que não tem o recurso que a universidade tem. Eu falo que Unicamp é uma mãe. Minha filha estuda lá. Faz Engenharia de Alimentos. Eu falo que ela sempre estudou no quintal de casa, que ela estudou no Rio Branco, hoje faz a faculdade lá, conseguiu e tem projeto Fapesp que ajuda com bolsa. A universidade dá muita coisa pra quem quiser aproveitar dela, pra quem tiver a capacidade de chegar até ela também. A milha filha, por exemplo, usufrui uma coisa que eu nem pensei, eu não conseguiria nunca usufruir, no passado; a gente não tinha essas oportunidades. Ela dá essa formação estupenda, gratuita. Eu acho que Campinas só se beneficiou com a universidade. A Unicamp é uma referência em tudo, em tudo. Na tecnologia, nas faculdades de engenharias, quantas coisas se desenvolveram? Antes era intra-muros, agora a Unicamp virou extra-muros, está desenvolvendo muitas pesquisas. Antes ficava só na gaveta, mas agora não. No hospital, nem diga. Você vê transplantes. Os indivíduos, na minha época, morriam, essa população morria antes de chegar ao hospital. Hoje não. A Unicamp virou centro nacional de referência. É muito forte e vai continuar sendo porque lá tem bons profissionais, excelentes docentes, que se dedicam. Agora, até quando o governo vai conseguir bancar tudo isso, a gente nunca sabe. As universidades públicas têm que existir para girar toda essa máquina que é o Brasil. Se não eu acho que a gente ficaria mais pra trás ainda. Todo comércio ali de Barão Geraldo gira em torno da universidade. Só, puramente, em torno da universidade.
COMÉRCIO DE BARÃO GERALDO
Eu investi e não sei se eu vou ter retorno financeiro. Eu teria que ser uma empresária mais audaciosa. Eu tinha que ter mais força, ser um pouquinho mais jovem ou ter mais condições financeiras para tentar divulgar mais esse comércio além daquele meio da Unicamp, porque Barão Geraldo mesmo não vive da loja, vai pra cidade. Não conhece o comércio de Barão de Geraldo. O povo de Barão Geraldo não sei se pensa que é mais caro, então vai para o outro centro da cidade. E o centro da cidade é forte nesse ramo de produtos hospitalares, tem várias cirúrgicas; tem uma cirúrgica que o cara tem três lojas. Ele é empresário e começou desde a década de 70, vendendo lá. Então, Campinas habituou com esse comércio. Eu procuro, por exemplo, ter preço competitivo. O mesmo preço que a cidade tem dos produtos a não ser que eles comprem - eles compram, às vezes, de batelada e eu compro um pouco menos, mas o que eu consigo de dar de preço naquele produto eu tento chegar perto, menos ou igual ao preço de qualquer outro comércio lá de Campinas. Eu converso com os outros lojistas e eles falam dessa dificuldade, que o povo de Barão Geraldo não privilegia o comércio de Barão, vai buscando preço menor ou qual outra qualidade. E lá Barão Geraldo tem agora qualidade, têm várias lojas, vários supermercados. A gente consegue atender esse cliente em todos os aspectos. Se a gente não tem o produto, a gente vai buscar esse produto pra esse cliente, não era motivo dele também sair. Eu consegui fazer bastante coisa, coloquei um site na internet de Barão, “Barão em Foco”. A lojinha está lá. E fora o atendimento personalizado, tenho bastante experiência nisso. Minha experiência, eu trouxe para esse comércio, eu tento transmitir isso para os meus clientes. Tenho um funcionário que estou treinando. Qualificando uma pessoa. Quer dizer, esse comércio está servindo, dando oportunidade pra outras pessoas, parece que faz a diferença, é uma sementinha aqui, outra ali. Então, de todo jeito, onde você se entusiasma, vai ficando.
PRODUTOS
Um dos produtos mais vendidos na minha loja é colchãzinho caixa de ovo. Densidade 33 que é preconizado pelo Hospital das Clínicas. Depois vem os ortopédicos, talinha que a pessoa já está arrebentada, vai lá por tala porque tem dor na mão, virou o pé, bota de proteção. Mas é isso. E aí na parte pra domicílio, colchão e talas, os produtos ortopédicos mais. Produtos ortopédicos e de prevenção de úlcera, de pressão, que são os colchões, as almofadinhas que a gente tem diversas no mercado. E para os alunos, que a gente tem os estetos, o esfígmo, o aparelho de pressão que eles vêm muito atrás, pincinhas básicas. Esse é o forte, mas eu vendo tudo o que pedirem: “Eu quero um cardioversor.” Eu sei onde comprar, eu vou, vendo sem problema nenhum. Mais esse trivial: luvas, etc.
LIÇÕES DO COMÉRCIO
Eu gosto muito. Acho muito bom, muito gostoso esse relacionamento. É claro que tem sempre aquele cliente que já chega te dando pontapé, vem te agredindo. Eles te tiram o chão aquele dia, te derrubam. Tem gente que vem grosso mesmo, falando com a gente. É uma coisa que você não acredita que no comércio tem esse tipo de pessoa. Acho que vem com algum problema sério e joga em cima de você, mas é muito pouco, graças a Deus Tem muito pouco indivíduo assim, a grande maioria gosta, você explica. Uma cadeira de banho: “Quantos quilos a pessoa pesa?” Então vai levar o produto certo pra casa. O andador: “Quantos quilos a pessoa pesa? Ah, então tem que ser esse tipo de andador.” A muleta, como regula, quantos centímetros tem que ficar abaixo da axila. Então essa orientação: “Não, a bengalinha não é desse lado que você tem que andar, usar é do lado oposto.” Todas as orientações, desde como usar uma bengala. Eu acho que os indivíduos saem de lá satisfeitos. Ou no cuidar de ferida: “Como está a pele do seu parente?” “Ah, assim, assado.” “Olha, então, você faz assim, assado, trata dessa forma.” Então você dá pra ele algumas referências, dicas de como cuidar, do melhor tratamento pra aquele paciente acamado. Ele sai muito satisfeito. E, além disso, eu tenho um grupo de pessoas que eu conheço do hospital que eu dou para ser cuidadoras, com quem não tenho nenhum vínculo financeiro comigo. São pessoas que foram amigas, que trabalharam a vida inteira e hoje são aposentadas, então, são cuidadoras e desenvolveram outras cuidadoras, treinaram. Então, eu falo: “Olha, tem fulana, beltrana que sabe cuidar direitinho.” Elas vão pra casa dessa pessoa, depois a pessoa volta pra agradecer. Eu acho que essa forma de informação para o cliente, esse atendimento é muito importante. Não adianta você ter o produto e ter um monte de atendente lá e vender. Eu acho que se eu mantivesse o comércio, se eu não puder um dia dar esse atendimento, eu acho que contrataria uma pessoa que conseguisse dar esse atendimento. Porque é muito importante a pessoa ver pelo menos o tamanho de luva que vai usar: “Ah, eu não sei o meu tamanho, se é P, M ou G?” Então, desde como usar uma luva, desde como dar um banho naquele paciente acamado, qual o melhor produto pra aquele paciente acamado. Esse atendimento é personalizado; na minha loja é personalizado. Não abro mão desse atendimento personalizado. Caso contrário eu deixo o comércio. (risos)
DESAFIOS DO COMÉRCIO
O maior desafio é a concorrência. Se você compra mil luvas é um preço; se você compra 500 é outro preço. Então, é a concorrência. Eu acho que tem que ter pesquisa de preço, mas não aquela pesquisa desleal. Eu acho que espaço tem pra todo mundo; tem que ser ético nesse aspecto e você percebe que alguns não são. Outra coisa, muitos produtos que não tem registro no Ministério da Saúde, eu não compro. É outro desafio no comércio de produtos hospitalares. Tem muita coisa sem registro que vem por outros meios, chega até a sua porta, é assustador. Então é complicado demais. Você tem que saber o que comprar, tem que ser tudo com registro e isso é outro desafio. É você não cair nessas armadilhas do mundo cinza. Eu falo mundo cinza. É um desafio você seguir sempre.
CIDADES / CAMPINAS / SP
Campinas era pequena, tinha lá a Santa Casa, alguns pacientinhos que a gente atendia, a universidade também não tinha tantas faculdades, era bem menor, tinha só medicina, algumas outras. Aquilo evoluiu muito. Campinas cresceu tanto quanto a universidade que é um mundo. Campinas virou uma cidade muito grande, com centros de referência como a Unicamp, faculdades, hospitais de referência, a PUC, a Unicamp, o Mário Gatti, enfim, Centro Médico Samaritano, o Vera Cruz. Cresceu demais, virou uma coisa imensa. Cresceu até mais que a universidade, mas eu acho que isso é a tecnologia mesmo que vem e traz esse desenvolvimento. Esse shopping imenso, o Dom Pedro que a gente falava que era o Piscinão de Ramos, na época. Tem tudo lá, tudo prático. Essa via Dom Pedro que tem vários supermercados, Carrefour, Galeria, Makro, Atacadão, Vila Nova. Então Campinas ganhou muito comércio, cresceu. Eu acho que esse pólo aqui da Dom Pedro virou um centro mesmo; acho que é pelo fluxo que vai pra tudo quanto é parte. A cidade enriqueceu muito. Campinas está enriquecendo e ganhando com esse comércio todo. Condomínios, você não tinha. Agora têm muitos condomínios. A violência aumentou, é claro. Na época do Chico Amaral, veio muita gente pra Campinas sem ter nada, sem ter estrutura, sem ter emprego e aí virou banditismo, cresceu a violência e hoje está difícil segurar. Você vê na loja lá, uma coisa que me decepciona muito, o roubo. O cara chega, compra de você, você ingênua no comércio, você vende pra ele, você pega o cheque, você dá nota fiscal e ele não te paga. Então, o primeiro furo que eu tive foi de 2 mil e 800 reais. O cara veio e comprou. Outra decepção muito grande: um aluno foi, esses dias lá, cara de aluninho, você atende, expliquei, queria um adipômetro: “Ah, muito caro.” Fiz um preço menor pra ele, ele me deu um cheque fraudado. Então você se decepciona com isso, você fala: “Meu Deus do Céu, a violência está entrando dentro da minha loja.” Esses dias fui demonstrar um esteto pra um grupo de estudantes e sumiu um. Você vê que até dentro do comércio, a violência está invadindo a sua loja, por bandido ou por gente que se passa por aluno. É uma coisa que deixa a gente super chateada porque a única coisa que você tem que fazer num cheque fraudado é fazer boletim de ocorrência e foi o que eu fiz. Quem sabe um dia... Ou protestar aquele cheque. Mas fica tudo na impunidade.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Minha loja é um pequeno comércio. Consegui colocar só uma máquina de Master Card. Não coloquei o Visa porque a maquininha pega 4% de cada produto que você vende, mais o que você paga dessa máquina. Teria que ter um controle de estoque melhor porque aí o funcionário não tinha como te passar a perna. Quem está no shopping tem mais fiscalização, acho que deve ter. Acho que o pequeno comerciante sofre muito nessa parte de violência por roubo.
LIÇÕES DO COMÉRCIO
A gente tem que ter um suporte. Quem vai colocar uma pequena empresa tem que ter uma infra-estrutura melhor pra se garantir um tempo até progredir ou ter algum mecanismo que favoreça um pouco o pequeno empresário, para que ele sobreviva daquele negócio que ele tem. Eu vivi o outro lado da população. Por exemplo, lá no hospital era um mundo protegido, a universidade protege a gente em todos os aspectos, financeiro, legal, de conhecimento, ela te proporciona tudo enquanto você é funcionário. Então é muito rico, é muito boa aquela coisa de você estar sempre aprendendo, estudando, vendo a tecnologia melhorando cada dia mais, a ciência. Enfim, é um mundo em transformação constante. Fora disso, no comércio, você é responsável por aquele pedacinho seu, arca com todas as partes legais, você é responsável por sua parte legal, você é responsável por aquele seu funcionário, você é responsável pelo seu produto. Antes onde eu trabalhava, na universidade, eu era responsável sim, mas tinha a proteção da instituição. Agora, lá fora, você tem que se virar, você tem esse impacto. De início até me assustava, parecia que eu não sabia nem andar - para falar a verdade -, porque tudo você tinha que pensar: “E a parte legal disso? Como tem que ficar? Como vamos tratar esse aspecto?” Quando entrou um produto sem registro falei: “Meu Deus do Céu Eu, uma enfermeira que falo que um produto tem que ter isso e isso, eu mesma comprei um produto que veio... Acreditando...” Aí você tem todo aquele trabalho com aquele produto, com aquele fornecedor, você tem que cortar. É um impacto que não te faz bem num primeiro momento. Depois você vai vivenciando as necessidades daquela sua clientela, vai se ambientando naquele mundo e que aquele mundo acaba fazendo a sua parte, o seu cliente, aquelas pessoas que entram em contato com você no dia-a-dia vão te trazendo outras experiências. Você não tem aquele negócio todo de bandeja, tudo como a Unicamp me dava. Por outro lado, as pessoas também te trazem conhecimento. Do ponto de vista de contato com o ser humano é tão bom quanto o que eu vivenciei no hospital. Há pouco tempo, um catador de papelão, de material pra reciclar - ele e a filha fazem esse trabalho – e tem a mãe que estava doente, diabética, com outros problemas de saúde. Ele foi, juntou um dinheirinho pra comprar um aparelho de glicemia. Ele quis aprender como funcionava. Eu falei: “Mas quem vai fazer essa glicemia? Ou o senhor ou a sua filha terão que aprender a fazer essa glicemia capilar. Vai lavar a mão que é o senhor mesmo que vai aprender.” Com muita dificuldade, eu consegui que ele aprendesse a manusear a máquina pra fazer a glicemia. Fiz os exames dele e deram muito alterados também, a glicemia dele. Falei: “Olha, o senhor também é um diabético. O senhor vai ter que procurar ajuda urgente.” Aí ele fala: “Ah, eu tenho uma ferida no pé.” Eu falei: “Essa ferida do pé que não cicatriza?” “Dois anos”, ele falou pra mim. “Então, o senhor precisa procurar assistência.” Aí ele voltou, falou que estava em tratamento, que realmente, graças a minha paciência ele descobriu uma coisa que ele pode tratar porque senão ele poderia estar se complicando muito mais, ter a perna amputada. Isso me marcou bastante. E outras coisas, tipo pessoas que vêm comprar aparelho de pressão, você ensina como faz, como ver a pressão. Você não só vende o aparelho como você ensina e orienta. Pressão alta, o indivíduo estava com a pressão alta: “Olha, procura o médico.” Vai lá como curioso, quer comprar o aparelho - às vezes, nem compra - vão e percebem que tem hipertensão. Ou uma senhora que não tinha condições também que eu cheguei a ir na casa dela ensinar, isso daí me marcou também. Depois teve o retorno da família, a melhora dessa cliente.
MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS
Eu acho esse projeto muito importante. Eu fiquei muito contente quando vocês me convidaram. Fiquei orgulhosa porque eu pensei assim: “Eu vou poder contar alguma coisinha do comércio que vai servir pra alguém estudar mais e dar mais ajuda para o pequeno comerciante.” Eu acho que isso que vocês estão fazendo é bárbaro. Eu fiquei contente, muito feliz de dar essa entrevista. Não sei qual que vai ser o meu desfecho no comércio. Tenho certeza que essa entrevista e de outros vão poder ajudar os pequenos comerciantes de Campinas ou de outras cidades ou de outros estados. Por que não? Acho um trabalho maravilhoso você deixar sua vivência porque cada um tem a sua. Então podendo registrar de alguém, de um ou de outro, ajuda você a resolver outros problemas, de como melhor desenvolver ou parar para pensar um pouquinho mais. Acho que você, às vezes, nem pára para pensar, o dia-a-dia deixa a gente tão... Vocês falaram da minha infância, eu comecei a chorar porque há quanto tempo eu não falava de minha infância... Serve como reconhecimento de um trabalho e como ajuda para outros. Acho que é a mão divina que faz a gente ter uns encontros assim. A gente não entende o porquê das coisas. Vamos continuar (risos)
Memórias do Comércio - Campinas (MCCAMP)
Cuidado pessoal
História de Maria Marilene Rogante
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 06/08/2008 por Museu da Pessoa
P/1 – Então para começar a senhora poderia me dizer o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Maria Marilene Rogante. Nasci em Catanduva, São Paulo, em 23 do 01 do 51.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Luis Rogante, minha mãe Maria Catelã.
P/1 – E qual que é a origem da sua família?
R – A minha família é de origem italiana, né? Eles vieram, os meus avós são imigrantes, né, e ficaram lá na região de Araraquara onde que depois o meu pai foi, a família do meu pai, meus avós, foram para Dobrada e da minha mãe também, os dois imigrantes italianos tanto dos dois lados. E sempre trabalhando em fazenda, né, enfim na agricultura. Era assim a vida deles naquela época. Até que meu pai mudou pra Catanduva, né, e onde foi convidado, tinha uma grande máquina lá de beneficiamento de café, né, que eles importavam, exportavam café. Não importavam não exportavam, né, café. E tinha muito fluxo com trem, através de trem naquela época, era outra realidade bem assim diferente da de hoje. Hoje essa máquina até já existe, né, uma máquina bem grande, imensa lá em Catanduva mas está deteriorada e fechada, né? Eu acho a família decretou falência, alguma coisa assim. Mas meu pai se aposentou trabalhando nessa máquina.
P/1 – Agora a pouco a senhora falou dos seus avós: quais lembranças a senhora tem dos seus avós?
R – Nenhuma. (RISOS) Nenhuma porque quando eu nasci todos eles já tinham morrido os quatro, né? Então eu não tenho, eu tenho só as histórias, né, deles mais.
P/1 – E a senhora tem irmãos?
R – Ah, uma baciada! (RISOS) Uma baciada de irmãos. Nós éramos em nove, né, agora perdi uma irmã somos em oito.
P/1 – O seu pai trabalhava com o beneficiamento desse material agrícola e tal. E os seus irmãos, eles trabalharam nesse ramo também, como é que foi? Como é que foi a infância?
R – Ah, os meus irmãos...
PAUSA
P/1 – Tá, então a senhora me falou que tem, que são os irmãos.
R – Os irmãos, né, eles vários deles trabalharam em, não, pera aí. A maioria deles das mulheres foram ser donas de casa, né? Algumas conseguiram estudar e trabalhar em outras coisas. É que lembro a infância, né, mexe. Faz tanto tempo que a gente não fala e não relembra, é incrível, né? E os meus irmãos alguns deles trabalharam na agropecuária também, outros foram pra São Paulo tentar uma vida melhor, conseguiram trabalhar, um irmão meu trabalhou na Gessy Lever, o outro foi ser caminhoneiro, e os gêmeos conseguiram se formar: um é farmacêutico, eu consegui me formar, sou enfermeira e tenho uma irmã que é administradora. Os demais todos se deram bem, né, nenhum, embora a gente tenha uma origem muito humilde mas eles conseguiram, todos os nove, ser trabalhadores, né? Seguiram a mesma filosofia de trabalho do meu pai, né, de trabalho, dedicação, honestidade. E acho que é isso que me mexeu agora porque nós somos, nós éramos em 11 e não conheci dois que tinham morrido antes de eu nascer e agora recente eu perdi uma irmã. Mas todos e todas, né, são trabalhadores e estão levando uma vida bacana, normal, né, com sobrinhos, famílias etc e tal.
P/1 – Família crescendo cada vez mais.
R – Cada vez mais se multiplicando, se multiplicando.
P/1 – Bom. E a senhora nasceu em Catanduva e morou lá até quanto tempo? Pra quando a senhora veio pra Campinas?
R – Eu vim pra Campinas em 1970, né? Não, eu vim pra Campinas em 1972. Eu trabalhava, eu fazia, eu estudei sempre em colégio público. Aí eu trabalhava, fazia, me formei, né, naquela época era o científico. Aí tentei fazer uma faculdade, eu queria ser enfermeira mas a gente não tinha naquela época informação, em 1970 você não tinha formação. Informação, né, do que existia, enfim, em São Paulo, onde existiam as faculdades, né? Eu sabia, pra você ter uma idéia, a existência de faculdade de enfermagem eu não sabia da existência de nenhuma, eu sabia que em São José dos Campos tinha uma escola técnica de enfermagem. Então eu através do ginásio onde eu me formei, né, que eu vi um mural, né, escrito que lá tinha esse curso técnico e aí eu entrei em contato, eu ia fazer o técnico em enfermagem. Aí eu trabalhava nessa época já me formando, não tinha o que fazer lá em Catanduva, fui fazer uma faculdade de matemática lá em Bebedouro. Eu fiz seis meses de matemática e trabalhando numa loja de cristais e pratarias num comércio lá de Catanduva. Aí eu tava embrulhando um cristal, um produto no jornal, né, pra ficar bem firme e olhei o jornal era recente e tava: “Campinas abre faculdade de enfermagem”. E foi onde que eu tomei conhecimento, né, e os três primeiros colocados ganhariam bolsa, eu fui a segunda. Então eu vim pra cá, fiz a faculdade com bolsa, né, durante esses quatro anos, me formei e na PUC de Campinas que foi assim que a faculdade abriu, né? Sou da primeira turma da faculdade de enfermagem de Campinas. E aí então me formei, tive um convite pra trabalhar no Hospital das Clínicas em São Paulo e eu queria também fazer outros cursos de aperfeiçoamento, na época ainda não tinha mestrado nem doutorado era mais curso de especialização. Logo após surgiu na USP os cursos de mestrado e doutorado, mas aí eu já tinha partido pras especializações, eu fiz especialização me médico cirúrgico, eu fiz também lá no São Camilo administração hospitalar. E fiquei nesse meio tempo, depois saí do Hospital das Clínicas por convite, né, pra trabalhar na UTI lá do Hospital Albert Einstein em São Paulo. Aí também depois que eles me conheceram meu trabalho, né, aí o Oswaldo Cruz já ficou, naquela época, interessada no meu trabalho, me convidaram pra ir pra lá pra UTI também do Hospital Oswaldo Cruz. E eu acabei pulando de um hospital pro outro no intuito mesmo de conseguir ganhar experiência, né, profissional. E foi que eu, e eu também tinha interesse de retornar pra Campinas, eu não queria fazer a minha vida em São Paulo, Hospital Oswaldo Cruz até fez proposta pra eu ir pra Alemanha, né, pra se interar e ficar mais anos lá com eles, né? Mas aí eu já tinha feito opção, o meu marido é de Campinas, né, já conhecia, né, meu namorado e depois eu decidi mesmo, prestei concurso público na Unicamp, é lá na Santa Casa de Misericórdia. Ainda a turma falava pra mim: “Você vai sair daqui de São Paulo e vai segurar os pilares, né, da Santa Casa”. Eu falei: “Não é bem assim, a gente pode tá também modificando toda essa história!”. E eu vim com bastante experiência profissional que eu já tinha passado na unidade de choque, pronto socorro lá do Hospital das Clínicas de São Paulo, né? Mais as experiências nesses hospitais particulares. Então eu fiquei aqui na Unicamp eu tive a possibilidade, na época, que a Unicamp ainda não tinha faculdade de enfermagem, em 78 eles abriram a faculdade de enfermagem, começaram, né, pra 79. Aí eles queriam, eu tinha duas possibilidades: ou ficar na assistência, ou ir pra docência. Eu escolhi ficar na assistência que quando eu cheguei aqui era outra realidade de São Paulo, né, era bem tudo muito pobre, muito sem... A enfermagem não tinha normas, não tinha procedimentos, cada um fazia uma coisa. E aí eu fui pro, fiquei na assistência do Hospital das Clínicas sempre a grande maior parte da minha experiência profissional foi na área de terapia intensiva. Aí dada a igo... Assim, a falta de método pra cuidar do paciente, né, aquilo me assustava muito. Eu comecei a descrever todas as técnicas, né, de enfermagem tantas as básicas quanto a especializada, aí consegui pra poder treinar os funcionários, né? Então eu fiz nessa época com esse intuito, né, de ajudar a enfermagem a ter uma normatização dos procedimentos, eu fiz dois livrinhos pela própria Unicamp pra servir como treinamento, né, que é Procedimentos Especializados e os Procedimentos Básicos, né? E isso foi, eu fui me envolvendo cada vez mais com essa assistência e menos querendo mesmo docência sempre, né, porque sempre tinha alguma coisa que fazer na assistência, não parava aí. E depois, em 86, a gente veio pra Barão Geraldo no Hospital das Clínicas. Aí, como eu falei pra vocês, eu trabalhei desde a fundação do hospital, né, então eu ajudei a organizar o hospital todo desde de ver a planta física, propriamente dita, que a gente era chamada pra dar opinião de fluxo de pessoal, fluxo de roupa, fluxo de lixo, né, alguma opinião em central de material esterilizado, centro cirúrgico que compunha uma unidade do paciente. Então eu ajudei a planejar toda essa parte de fluxo e de material propriamente dito, de equipamentos do hospital, e sempre focando mais mesmo no início o geral, depois, sempre com foco na UTI mesmo, sabe? E assim foi a minha vida até aposentar no HC. Fui, trabalhei em várias áreas de administração e depois no final eu fiquei na assessoria de recursos materiais na superintendência do Hospital das Clínicas. Então eles viram que a enfermagem tinha que cuidar da administração desses produtos e equipamentos, né, tinha que dar uma assessoria para a superintendência nessa área, que não tinha padronização, né, de materiais. E isso daí a gente foi feito na unha também, na época não tinha nada também. Por exemplo, seringa, agulha, tudo que você possa imaginar desde uma atadura até um equipamento não tinha nada descrito, nada padronizado. Então vinha produto de tudo quanto é canto e você era obrigada a comprar aqueles produtos sem qualidade. Então aí eu fiz toda a padronização, fiz a descrição desses produtos, né, vendo sempre a parte técnica legal, né, da ANVISA, do Ministério da Saúde, INMETRO, enfim, toda a parte de legislação, todas as RDC, portaria. E fazia então essa parte de assessoria mesmo nas compras de todos esses produtos até me aposentar no final. Aí me aposentei e aí falei: “O quê que eu vou fazer agora, né?” Entrei em desespero porque a gente nasceu trabalhando, então é complicado você parar e eu gosto muito da enfermagem. E eu falei assim: “Eu sempre sonhei com...” Quando puseram uma loja de produto hospitalar no centro eu falei assim: “Um dia também eu vou colocar uma loja de produtos hospitalares” eu gostava muito dessa coisa que envolve o paciente. E quando colocou, eu não fui a primeira que colocou a loja lá, né, foi um rapaz que montou a loja, eu falei: “Não é possível, o rapaz teve a mesma idéia que eu!” Eu falei que “eu estava esperando aposentar pra colocar, como que ele me vem na minha frente!” Eu fique arrasada! Fiquei muito chateada mesmo. Aí eu fui conversar com ele, ele falou assim: “Ah senhora, isso daqui não dá dinheiro, não dá nada, eu vou vender” eu falei: “Eu compro!” (RISOS) Comprei a loja, me aposentei e tô tocando a lojinha, né, mas com o objetivo maior de cuidar da parte ergonômica da saúde do trabalhador propriamente dito, da parte ergonomia e dos dispositivos para idosos. Mas aí você vê que a realidade é outra, não tem como você só focar nisso, não vai, o Brasil ainda está muito atrasado nesse aspecto da saúde do trabalhador, né? Então tem muita coisa pra fazer, muito dispositivo assim pra ajuda-los a trabalhar melhor, a não se acabar muito porque é a coluna, né, é todas essas doenças que são repetitivas mesmo, a enfermagem faz muito peso, carrega, faz muita força. Então seria o ideal mesmo a gente tá empregando algum dispositivo no Brasil. Mas não consegui ainda não, viu, eu só lancei a idéia e fiquei mesmo naquele trivial que é o comércio de produtos hospitalares. Eu tenho alguma coisa nesse aspecto, tento vender a idéia mas é um ou outro que aceita ou que adere, enfim.
P/1 – Dona Maria, então. Eu vou só fazer uma salta pra trás na história da senhora ainda. A senhora, pelo que a senhora falou foi uma infância meio difícil, né, eram muitos filhos etc e tal.
R –Era bastante.
P/1 – E como é que é crescer... Eu digo isso porque a minha família também era grande tenho três irmãos, mas os meus pais são filhos de famílias com 12 ou oito irmãos também.
R – (RISOS) Certo.
P/1 – Como que era a infância no meio de tantos irmãos e como era o bairro e a cidade onde a senhora morava naquela primeiro momento? Que lembranças a senhora tem disso?
R – Ah eu tenho uma lembrança muito boa, né? O meu pai era uma pessoa, como eu digo pra você, não é porque ele já morreu mas é muito especial mesmo. Então ele sabia tirar leite de pedra, né? Ele tinha, pra nos sustentar, ele tinha sempre o como garantir o conforto da família, o básico. Ele tinha a cabra que ele tirava o leite, dava leite pra gente, né, e a gente cresceu num ambiente muito... Tinha horta então a gente tinha muito pés de fruta, eu morava tipo assim próximo ao centro da cidade, a minha casa ficava entre o rio e a estrada de ferro e o rio. E nesse pedaço aí era muito rico então dava pra, crescia tinha bastante árvores, tinha tudo pra dar o sustento da família, né? Ele tinha a criação de porcos, de galinha, então, e a horta. E eu lembro da minha infância muito feliz, muito, não sei andar de bicicleta, não sei (RISOS), os meus irmãos sabem mas eu não tive que tinha uma bicicleta que era pros nove, né, então eu sempre fiquei, as meninas ficavam de fora. Então eu nem sei se as outras minhas irmãs também não sabem andar de bicicleta, os meus irmãos sabem. (RISOS) Mas foi maravilhosa, sabe assim? Eu me lembro eu ia a pé até o grupo escolar, lá eu tinha tratamento dentário, né, tinha os professores e naquela época eu já falava pra minha professora, primeiro ano, que eu queria ser enfermeira, né? Então eu tenho uma lembrança muito boa, a minha infância foi muito boa, minha mãe também sempre dedicada costurava, fazia toda as nossas roupinhas, né, a roupa de um passava pra outro e assim vai, de um passava pra outro. Mas a gente tinha o básico não no sofrível, sabe? A gente não era miserável, era pobre mas não era assim aquele pobre miserável, por quê? Porque o meu pai com todo esse bando de filho ele conseguia ter tudo isso planejado, né, que dava alimentação pra gente, né, tinha o porco, tinha a carne, tinha a banha, não tinha geladeira mas tinha as latas de banha com as carnes que eles punham no meio, tinha lingüiça pendurava, tinha um cômodo que era só pra deixar essas carnes virarem seca, ficarem depurando lá na conserva, sei lá, nos varaizinhos. Então quer dizer que necessidade de alimentação, graças a Deus, ninguém teve por causa dessa sabedoria do meu pai. Que o meu pai, como eu disse pra você, ele sabia como fazer no meio de nada, você entende? E até conseguir juntar o dinheirinho construir uma casinha pra gente com dinheiro dele, né? Você vê, então ganhando o que ganhava na época. Então é... Mas eu acho que era porque a gente tava numa cidade do interior e meu pai sabia como fazer com as coisas naturais do ambiente.
P/1 – O que tinha a mão, né?
R – O que tinha ele tirava, né, do ambiente mesmo, né, que era verdura, era inhame, era cenoura, mandioca, enfim, a gente tinha tudo, né, na nossa mesa tinha tudo. Tinha a galinha, não tinha carne de vaca que era difícil, né, mas o porco, a galinha, carneiro, né, ele tinha carneiro. Então ele fazia criação e plantação de tudo isso aí. A minha infância foi boa, foi legal acompanhando ele fazer, ele torrava café em casa no torrador, né, então não comprava café. O café mesmo ele tinha pé de café, ele debulhava que ele tinha experiências também de lá, deixava secando, né, então foi tudo. Quer dizer, ele trabalhava muito, né, pra dar o sustento mas assim na própria natureza.
P/1 – E a senhora lembra de, porque obviamente tinha coisas que não dava pra ele fazer tudo ali onde vocês moravam, né? Então obviamente como é um projeto de memória também, eu queria saber se a senhora lembra de onde vocês compravam as coisas que precisava, tinha uma vendinha, armazém de secos e molhados, essas coisas?
R – Ah tinha, tinha um armazém. Um armazém que você ia lá, eles iam lá, o meu pai falava: “Não quero caderneta” eu lembro que e minha mãe, aí ele não aceitava comprar e ir pagar depois, né? Ele tinha que comprar ele comprava o arroz, o feijão, né, e acho que era mais o arroz e o feijão que ele comprava nessa área, porque as outras coisas ele tirava do próprio quintal dele, né? Alguma coisa ou outra, né, um tomate, alguma outra coisa que não dava lá na terra ele pegava mas é muito pouco. Mas o básico dos secos e molhados, da lojinha, do empório, né, que ele pegava era arroz e feijão mesmo. Porque o café ele trazia da máquina, ou tinha lá o pé também que ele punha pra secar. O açúcar ele comprava, o açúcar também ele comprava, mas acho que era mais essas três coisas básicas que eu lembro que o meu pai mandou comprar e minha mãe também.
P/2 – E a senhora lembra, assim, do armazém como era? A senhora foi...
R – Lembro, lembro. É uma coisa simples, né, de duas portas que tinha os sacos, né, de café, os sacos de estopa de café, esses sacos com arroz, com feijão. Tinha lá as latas de óleo, né? Eu lembro muito vagamente do que tinha. Tinha alguns poucos enlatados, acho que mais sardinha, né? Ou tinha aquelas sardinhas secas com sal, né, pra vender que eu lembro, os bacalhaus, aquelas coisas tudo. Tinha a lingüiça que vendia também nesse negócio. Eu não lembro bem detalhe, eu lembro mais assim o negócio mais que a gente focava mesmo que eu acho que era a compra: o arroz, feijão, o açúcar.
P/1 – A senhora falou que vocês moravam pertinho da linha do trem e pertinho de um rio, né, e que dava pra se divertir bastante.
R – Isso.
P/1 – Vocês chegavam a pegar o trem pra ir pra outra cidade, ir pra São Paulo alguma coisa assim? Tem alguma lembrança do trem assim mais antiga?
R – Tenho, né? A gente fazia passeio às vezes com trem sim, tá? Os meus irmãos, a gente falava: “Vamos até São José do Rio Preto de trem?” Então a gente juntava lá um dinheirinho e ia, fazia. Os meus irmãos trabalhavam vendendo frutas aí tinha também o mercado, né, municipal, então tinha irmão que antes de ir pra São Paulo tentar a vida então o que eles faziam? Eles trabalhavam com frutas, verduras nesse mercado, né? Algumas coisas que o meu colhia do quintal eles vendiam ovos, né, também nesse mercado. E aí quando eles juntavam alguma coisa a gente pegava ou ia até São José do Rio Preto, ou ia no máximo até Santa Adélia e voltava, nunca fomos até São Paulo não pra gente já era um outro mundo, né? E acho que nenhum deles nunca foram até São Paulo até mesmo crescer a maioridade e pegar e tentar a vida em outro lugar. Mas a gente só ficava lá naquele pedaço mesmo.
P/2 – E do trem assim o que a senhora lembra do trem?
R – Do trem? A gente até acostuma com o barulho dele, né? Porque a minha casa como eu já disse ficava no meio, né, entre a linha do trem e riozinho, o rio São Domingos. Era o barulho que tinha, que passava. Você sabia que era o horário de você acordar, que você sabia que aquele trem já significava que você teria que dormir. E no início não tinha nem energia elétrica lá então você, aquele farol do trem quando chegava tinha um galpão grande próximo que era um barracão de café, então a gente fazia cineminha enquanto o trem passava, né? Fazia teatro, enfim, a infância da gente era isso daí, tá? Não era... As raízes do bambuzal a gente fazia casinha, dividia o quarto aqui, isso, aquilo outro. Brinquedo nós não tínhamos, né, era muito difícil então era uma boneca de pano com carrinho, meus irmãos faziam algum carrinho, né, meu pai fazia pra eles com madeiras e tal. E a gente tinha um carrinho de rolimã, aí um dia o meu pai fez uma charretinha pra gente também, uma carrocinha, sabe, pra por. Ele tinha um, acho que carneiro era que puxava, eu nem lembro se era cabrito ou carneiro que ele punha ainda, mas pouquinho só pra gente se divertir um pouquinho, ele não deixava a gente fazer isso não, mas uma vez eu lembro que ele colocou um dos animais lá pra puxar. Mas aí a gente se puxava um ao outro e era o nosso divertimento era essa daí. Comprava aqueles sacos, né, ô comprava, tinha aqueles sacos que a gente punha nos barrancos pra descer, enfim, nadava. Era só mais essa coisa da natureza mesmo.
P/1 – Uma infância bem diferente de hoje, né?
R – Nó, completamente diferente, não tem nem, não tem explicação hoje a tecnologia, a molecada que tem, né, é uma coisa impressionante. Os meus filhos o que tiveram, né, em relação a mim, como eu falei pra você, que nem foto eu tenho de infância que a gente não tinha mesmo, eu acho que o meu pai nem se preocupava em tirar foto, tirou foto dos dois últimos filhos que eram gêmeos, os demais ninguém tem foto de criança, pra você ter uma idéia como que era, né, a situação, era só garantir a sobrevivência da família mesmo.
P/1 – E a senhora falou que fez grupo escolar. Como é que foi ir pra escola assim, a senhora tem que lembrança a senhora tem da escola?
R – Ai boa, muito boa, gostosa, né? Fiquei muito feliz de ir.
P/1 – Que escola, qual o nome da escola, a senhora lembra?
R – Era Grupo Escolar São Francisco. Grupo Escolar São Francisco, era do bairro São Francisco mesmo lá próximo. E eu lembro que tinha professora que passava, alguém passava pra ver quantas crianças tinham, né? E que tinha que ir pra escola. Quando me chamaram: “Não, ela já tem que ir pra escola” eu fiquei toda feliz, né? Mas era aquela coisa: não tinha bolsa, era uma bolsa que passava, até tinha uma lá que passava pra um, passava pra outro. Mas era o caderno, eu lembro, né, que a gente não tinha nem lápis de cor. Era o caderno e o lápis mesmo os nossos instrumentos básicos de escola era esse daí. Mas eu lembro bem da minha professora primária, né, lembro de tudo e foi tranqüilo. Eu tinha os meus irmãos, na época, que fugiam da escola, não ia e aí vinha o inspetor pegava e levava de volta, tinha um que dava um trabalho violento, não gostava de estudar mas os demais não, todos nós íamos pra escola sim, lá tinha assistência odontológica também nessa escola eu lembro bem que eu fazia os meus tratamentos dentários lá. E é isso mesmo.
P/1 – E depois disso a senhora fez o grupo escolar, foi pra outra escola?
R – Aí eu fui pra uma escola profissionalizante, a escola industrial que tinha aberto lá eu falei: “Ah, eu quero ir nessa escola!” Tinha exame de admissão, né, na época, eu prestei, entrei nessa escola. Porque lá você aprende outras coisas, né, aí eu sempre fui mais na área, tinha a área de culinária, enfim outras coisas, pros meninos tinha mecânica. Mas eu sempre fui pra área de biologia, então eu dissecava, empanava gato, dissecava sapo, sempre gostei mesmo dessa área de biologia, né? Enfim e acabei nem me aperfeiçoando na culinária nada. E aí saí dessa escola que eram três anos e fui pra Barão do Rio Branco que era o ginásio estadual de Catanduva também. Ginásio Estadual Barão do Rio Branco de Catanduva. Lá eu fiz os três anos, o científico. Aí eu me formei e fui pra fazer a faculdade, queria fazer faculdade onde que eu falei pra vocês, né, que não tinha nada na época, não tinha informação, onde que eu fui pra fazer matemática, imagina não tinha nada a ver comigo mas era o que tinha e eu não queria ficar parada, eu queria fazer alguma coisinha. Mas aí logo eu descobri a enfermagem e vim pra cá, foi essa a história.
P/1 – Sim. E como era essa fase, a senhora falou bastante desse período que estudou e tal, mas a senhora saía pra se divertir, tinha amigos? Como é que foi esse período?
R – Na época de estudante?
P/1 – Isso.
R – Tinha. Era trabalho, né, a gente tinha que trabalhar. A minha mãe ela era um sarrinho, ela reunia no final do mês todos os filhos, né, falava: “Ó gente, a gente tem tudo isso daí de conta pra pagar” então todo mundo trabalhava, nem se fosse pra vender laranja mas a pessoa saía pra vender laranja, né? Eu trabalhava nessa loja, comecei dando uma ajuda, fazendo cafezinho, organização da loja etc, pra depois eu ser caixa da loja, fui crescendo nisso daí. Então de início também, enfim, sempre fazendo alguma coisa, todo mundo trabalhava. E minha mãe reunia todo mundo falava: “Olha, esse mês nós gastamos”. E ainda eu dou ainda muita aula de custo/benefício pra enfermagem, né, como fiquei muito tempo nessa área, alguns aninhos aí na área de assessoria de recursos materiais, então eu desenvolvi e tinha que aprovar pra administração o custo das coisas se servia ou não servia, né, e você tem que provar pra eles os benefícios, né, e as vantagens, as desvantagens, os custos não-comensuráveis, não-mensuráveis. Enfim, eu sem óculos eu fico até meio, parece que eu não enxergo, não enxergo nem as idéias. Eu fico meio perdida mesmo. E minha mãe, eu dou sempre esse exemplo: a minha mãe sentava e falava: “Olha, nós gastamos X, o mês que vem vai ter que gastar menos” e ela falava: “Gente, gasto é que nem unha, cresce sempre, a gente tem sempre que cortar!” Então eu falo essa frase nas aulas que eu dou porque ela sempre falava isso e é uma verdade, né? E a gente, todo mundo tinha que colaborar em casa de alguma forma: financeira nem se fosse um pouquinho mas tinha que dar, ou mesmo se virar pra pagar os seus estudos depois. Mas era tudo com o trabalho da gente, não era com o do meu pai não porque não tinha condição, né, se a gente quisesse estudar a gente tinha que trabalhar e pagar os estudos.
P/1 – A senhora falou que começou a trabalhar menina ainda, né?
R – Menina.
P/1 – E a senhora já tinha uma inclinação pra trabalhar no comércio assim, já tinha uma...
R – Gostava muito. Quando eu fui trabalhar nessa loja, nossa! Logo eu já tava vendendo, né, era menor tudo mas já vendia. Eu gostava dessa parte de comércio. Acho que nasceu até lá essa coisa de comercio, a gente não puxa as idéias mas agora conversando com vocês talvez seja até isso daí, foi uma coisa que veio pra mim na infância uma oportunidade de trabalho que eu gostei demais na época, eu gostava desse contato com o público. Eu gosto muito da loja, por exemplo, agora que eu sou aposentada de tá podendo passar alguma conhecimento meu, né, de conforto pro paciente, tem diversas formas pra você aliviar aquela pessoa doente. Então, tanto é que eu atendo, na loja você me vê no balcão o tempo inteirinho, né, atendendo mesmo a população. Eu não fico lá na administração da loja não, eu sou atendente na loja porque se não eu acho que eu não tenho objetivo, se você não se relaciona com as pessoas, né, não passa aquilo que você sabe pras pessoas então não tem porquê continuar trabalhando, né? Mas eu poderia estar vivendo a minha aposentadoria hoje, né, que até dá pra viver confortavelmente, né, mas ainda eu tinha esse sonho do comércio mesmo de tá colocando alguns dispositivos que aliviassem um pouco, ajudassem os idosos mesmo e o trabalhar de enfermagem, né, como eu falei pra vocês. Aí vem uma pessoa que tá debilitada, ou com o parente lá debilitado, não sabe o que amenizar um pouco aquela dor, ou quais os cuidados que deve dar, então aí eu já oriento: “Olha, faça isso, faça aquilo”.
P/1 – Sim.
R – Eu dou uma diretriz pra aquele cuidado, então a pessoa sai satisfeita. Ainda o comércio não deu dinheiro não, viu gente, e acho que não. Nem sei se vai dar, eu tô chegando a conclusão é muito sofrível o comércio, né, porque você além de ter todos os impostos que é absurdo! Você tem que ter o funcionário, um funcionário pelo menos, dois nem pensar, né, você vê: porque você não consegue pagar dois funcionários. E além disso também dessa parte ser muito onerosa, muito onerosa mesmo... O quê que ia falar? Ah, esqueci, da parte financeira da loja, né? É sofrível, você tem que comprar, você paga caro, você paga tudo com nota, tudo é com nota. Lá onde... Na Unicamp, lá naquele centrinho da Unicamp é tudo com nota mesmo, então você vai dar nota porque a universidade. Porque o meu cliente maior é a universidade, né, são aquela população que vive lá. Então tem outra desvantagem lá: é sazonal. Na época de férias você não vende, então por isso que eu acho que é difícil progredir, pode ser que até progrida assim pela disponibilidades de materiais se a gente conseguisse ter, sabe, de preço, né, de atendimento possa até ser que cresça e a outra população de Campinas, de algum lugar venha comprar lá. Mas se ficar só com a da Unicamp o comércio não prospera por causa dessa parte, né?
PAUSA
FIM DA FAIXA 3
P/2 – Dona Marilene queria perguntar uma coisa pra senhora: quando a senhora chegou aqui em Campinas, quando a senhora veio estudar, qual foi assim a sua impressão da cidade e também do comércio de Campinas? O quê que a senhora lembra?
R – Nossa, eu fiquei assim porque Catanduva era pequena, né, e aqui quase na época eu acho que tinha quase 300 mil, já, habitantes, tinha uns 200 e poucos mil habitantes. Então era muito grande pra mim, né, e achava lindo não tinha shopping ainda, aquele comércio, a rua 13 de Maio, né? A estação do trem porque quantas vezes eu não vim de Catanduva a Campinas com o trem, né? Aqui foi um impacto muito grande na minha vida, né? A gente descobrindo que o mundo era grande, né, que eu tinha que fazer muitas coisas que não era só Catanduva, o meu mundo era muito maior que Catanduva. Aí que eu fui conhecendo, viajando, né, pra Santos, pra praias, fui até a Bahia num congresso de enfermagem, né? Aí que eu fui descobrindo mesmo o mundo porque enquanto que eu estudava eu também fazia bico, né? A gente vivia de bico na vida, né, trabalhando, então você também tinha que se sustentar de alguma forma. Então eu fazia cobria as férias de uma enfermeira da Dupont, né, já desde o início e todas as férias delas eu ganhava um dinheiro assim que acho que a Dupont, né, a Rhodia acho que me dava pra ajudar mesmo, tipo um salário de uma enfermeira na época e com esse dinheiro eu conseguia até viajar. Fiz congressos, né, na Bahia, em São Paulo então consegui me virar, pagar a minha estadia aqui com a ajuda de uma irmã também que me ajudava. E aí eu percebi que aquele, o comércio de Campinas se baseava mais naquele centro de Campinas, né?
P/2 – E a senhora lembra alguma coisa assim, a senhora falou da 13 de Maio.
R – Lembro.
P/2 – Algumas lojas que tinham na época, algum nome de loja ainda lembra?
R – Será? Eu não lembro o nome de uma loja mas eu gostava de uma loja que eu comprava umas blusinhas, né, porque a gente vivia mais com uma calça jeans e quase não comprava, era mais uma blusinha e outra que eu ia nessa 13 de maio. Quer dizer, o meu foco eu não consumia tanto, né, nem podia consumir mas era mais umas lojas da 13 de Maio que eu não recordo. A Marisa não existia não. Não lembro, eu lembro do Bongo, né, do Bongo que ainda quando, dependendo do lugar que eu morava tinha que comprar algum prato, alguma coisinha. Eu lembro de uma outra loja lá.
P/2 – O Bongo era o quê? Um mercadinho?
R – O Bongo era uma loja de, tinha tudo, desde brinquedo até utensílios domésticos.
P/1 – Um magazine?
R – Tipo um magazinezinho. Tinha talheres, tinha panela, pratos, aviamentos, enfim, tinha tudo nesse Bongo. Eu lembro que ficava lá na 13 de Maio. e eu lembro de uma loja que, não lembro o nome dela... Ah, tinha o Mappin, né? Lembro do Mappin, bem do Mappin mas eu não entrava porque eu só achava bonita, a loja muito linda, né, mas não comprava. Mas assim de nome mesmo lembro do Mappin, que mais? Tinha outra loja que agora eu esqueci o nome tipo magazine mesmo, tinha um prédio, ah esqueci o nome, não lembro o nome dela. Além do Mappin eu não lembro nenhum outro nome importante não de comércio de Campinas. Depois sim, depois veio o Eldorado, supermercado Eldorado.
P/1 – Quando a senhora veio morar aqui em Campinas a senhora morava aqui no centro ou a senhora já foi direto pra Barão mesmo?
R – Não, morava aqui no centro. Morei em diversas repúblicas no centro de Campinas, né, quando era estudante. E aí depois não, depois eu me casei, né, já tava em situação melhor, já era uma profissional. Então aí eu me casei, tinha a minha casa, o primeiro bairro foi aqui no Jardim Bonfim, depois aí nós fomos pro Auxiliadora e depois que quando eu mandei, quando o hospital mudou pra Barão Geraldo eu falei: “Ah, eu quero morar aqui!” Aí nós fomos pra lá, a minha família desde 86 que já vivia, antes de 86, né, que a gente foi antes até, acho que fomos em 84 pra Barão Geraldo e de lá a gente não saímos mais nem sai. (RISOS) Adoro Barão Geraldo, é a minha vida ficou lá, toda lá.
P/1 – A universidade, tanto a PUC como a Unicamp elas tem um peso fundamental aqui pra cidade de Campinas, e a senhora viu isso se desdobrar esses anos todos, né? A senhora tem uma vivência muito próxima, né, dentro praticamente disso. O que a senhora poderia dizer da importância da universidade pra Campinas e principalmente para Barão Geraldo por ser o bairro onde tudo isso acontece.
R – Eu acho que Barão Geraldo vive, né, o comércio de Barão Geraldo vive da universidade, né? A universidade trouxe pra Barão Geraldo professores, né, muitos professores que se formaram lá, trouxe mais conhecimento, né? Eu acho que Barão Geraldo era nada, era mato, né? Hoje com a vinda dos professores morando lá em Barão Geraldo é que progrediu muito, né, veio bastante comércio, não tinha nada, tinha uma casa de carne em Barão Geraldo, uma feirinha, uma lojinha de roupa, a farmácia. Hoje virou uma cidade, né, quase que uma cidade, tamanho. Isso tudo com a influência da Unicamp, né, que a Unicamp, enfim, mudou a vida de Barão Geraldo. E eu acho que daqui a pouquinho se transforma numa cidade que o fluxo de aluno, o que tem de aluno. Imagina se tinha casinha, república de aluno. Agora você vê um comércio, né, dessa república de alunos. Lá mesmo onde que eu pus a minha loja não tinha nada era mato também, né, onde que tem a (Cirúgica Cristal ?) hoje, era só mato. Hoje tem lá Espaço Branco, tem restaurantes, né? Mas é tudo graças a Universidade então trouxe sim, trouxe a população, a população ganhou com isso, né, que conseguiu colocar, sobreviver, né, e a grande maioria acho que a gente era de Barão Geraldo mesmo que sobrevive hoje do comércio de Barão. E a Unicamp, o hospital trouxe pra população foi fora de sério, né? Faz grandes cirurgias de grande complexidade, né? Então só trouxe benefício mesmo pra Campinas, não só pra Barão Geraldo pra Campinas, né, e pra toda região e pra muitos outros estados que não tenham o recurso que a universidade tem. Inclusive...
P/1 – Campinas é uma... Pode.
R – Não e inclusive hoje eu tenho uma filha que faz faculdade de engenharia de alimentos da Unicamp, né? Eu falo que Unicamp é uma mãe, né, porque ela faz a faculdade, eu falo que ela sempre estudou no quintal de casa, né, que ela estudou no Rio Branco, hoje faz a faculdade lá, conseguiu e tem projeto Fapesp que ajuda bolsa, outra. A universidade dá muita coisa pra quem quiser, né, aproveitar dela, pra quem tiver a capacidade de chegar até ela também, né, também tem isso. A milha filha, por exemplo, usufrui uma coisa que eu nem pensei, eu não conseguiria nunca usufruir, né, no passado, a gente não tinha essas oportunidades. E hoje, por exemplo, eu já poderia dar alguma coisa pra ela, pagando alguma e a universidade dá tudo isso pro indivíduo, dá essa formação estupenda aí de graça, gratuita. Eu acho que Campinas só se beneficiou mesmo com a Universidade.
P/1 – Campinas é uma cidade que é a segunda maior metrópole daqui do Estado, né? E bate altos números dentro do próprio país. A senhora acha que a Unicamp dentro desse contexto é uma referência? A senhora consegue ver ela como uma referência de algo?
R – Eu acho. A Unicamp é uma referência em tudo, né, em tudo. na tecnologia, se você for ver dentro da, até da faculdade de história quanto que a Unicamp já fez. Nas faculdades de engenharias, né, quantas coisas desen... Antes era intra-muros, agora a Unicamp virou extra, né, tá atingindo eu acho fora do muro, então ela tá desenvolvendo muitas pesquisas, né, que hoje é aplicável, antes ficava só na gaveta, mas agora não tem muitas coisas aproveitáveis. No hospital nem diga, né, você vê transplantes os indivíduos na minha época morriam, não chegavam, não tinha nem. Imagina, eu não tinha informação onde tinha faculdade de enfermagem, essa população morria antes de chegar no hospital. Hoje não ela ficou, com a divulgação, com a mídia, né, a Unicamp virou centro nacional mesmo de referência eu acho, eu acho ela muita forte e vai continuar sendo porque lá tem bons profissionais, excelentes docentes, né, que se dedicam. Agora, até quando o governo vai conseguir bancar tudo isso daí a gente nunca sabe, né? E a gente, a população de uma forma geral, todas essa estrutura... Mas eu acho que de tanto desperdício que há, né, no governo, etc, as universidades ainda é o que, é um dinheiro bem aplicado, né, nessas universidade eu acho, na minha opinião. Claro que deveria até sempre um retrabalho, a revenda num monte de coisa aí, no ensino, na pesquisa, na assistência, né? Mas eu acho que elas tem que existir sim pra girar toda essa máquina, né, que é o Brasil. Se não eu acho que a gente ficaria mais pra trás ainda se não fosse elas, né, que a gente já é, não tem tanta coisa assim, se acabar com essas universidades públicas: USP, Unicamp, Unesp, né, outras aí, aí seria uma tragédia mesmo eu acho.
P/1 – A senhora trabalhou boa parte da vida da senhora em hospitais, na área de enfermagem e hoje tem o seu comércio que no meio de uma fala anterior a senhora falou que era um sonho da senhora.
R – Era um sonho.
P/1 – Que era um sonho que a senhora pensava já em fazer ali em Barão a sua lojinha.
R – Sempre sempre sempre sempre sempre, sempre. Tanto é que quando eu vi a primeira loja lá eu falei: “Não é possível!” Mas o moço ainda falou: “Calma, eu não vou ficar aqui, não dá a gente não vive aqui, imagina eu tô perdendo dinheiro”. (RISOS)
P/1 – E como é tocar uma loja...
R – Em relação ao hospital?
P/1 – Isso. Em relação a um hospital e num bairro que gira em torno da universidade, né? Todo comércio ali de Barão Geraldo gira em torno da universidade.
R – Só puramente em torno da universidade. É como eu falei pra vocês é difícil, não é fácil não. Eu, se eu não tivesse uma, o meu salário de aposentada eu já teria fechado a loja, por quê? Porque é impossível você viver daquilo, né? Você não tem. Então eu investi e não sei se eu vou ter retorno financeiro não. Eu teria que ser uma empresária mais assim audaciosa, você entende? Eu tinha que ter mais força, um pouquinho mais jovem eu acho, ou ter mais condições financeiras pra tentar divulgar mais esse comércio além daquele meio da Unicamp, porque Barão Geraldo mesmo não vive da loja, você entende, vai pra cidade. Não conhece o comércio de Barão de Geraldo. O povo de Barão Geraldo não sei se pensa que é mais caro, você entende, então vai pro outro centro, vai pro centro da cidade e o centro da cidade é forte nesse ramo de produtos hospitalares, né, tem várias cirúrgicas lá, tem uma cirúrgica que o cara tem três cirúrgicas, né? Então quer dizer que ele é empresário e começou isso desde a década já de 70 vendendo lá. Então Campinas habituou com esse comércio aí, então pra ele vir até a loja eu acho que eles acham que vão entrar em prejuízo, né? E não é verdade, não é verdade. A gente, eu procuro, por exemplo, ter preço competitivo o mesmo preço que a cidade tem os produtos a não ser que eles comprem, eles compram às vezes de (batelada ?) no centro e eu compro um pouco menor, mas o que eu consigo de dar de preço naquele produto eu tento chegar perto, né, ou menos ou igual ao preço de qualquer outro comércio lá de Campinas. Mas até você, eu acho que a população de Barão sentir isso que o comércio de Campinas, que eu converso com os outros lojistas, né, e eles falam dessa dificuldade mesmo que o povo de Barão Geraldo não privilegia o comércio de Barão, vai embora de lá buscando preço melhor, né, ou qual outra qualidade. E lá Barão Geraldo tem agora qualidade, tem várias lojas lá que tem vários supermercados, então quer dizer, a gente consegue dar, atender esse cliente em todos os aspectos, se a gente não tem o produto a gente vai buscar esse produto pra esse cliente, não era motivo dele também sair. Então você percebe o seguinte: no meu comércio tenho lá os alunos que eu vivo deles, e quem trabalha lá na universidade, é como eu falei pra você é sazonal mesmo, é época. Por isso que eu não consegui prosperar ainda. Faz dois anos que eu tenho, comprei a loja em 25 de maio de 2005, ela já existia há dois anos, o rapaz lá tava desesperado pra vender, né, eu ainda, que ele não conseguia nem manter mais o pagamento do funcionário tal era a dificuldade dele. Eu ainda nesses dois anos eu consigo sobreviver pagando as minhas contas. Sobreviver não, não uso o meu dinheiro pra mim não, aumentei o estoque da loja, consegui ter um funcionário e pago todas as minhas contas, é o que eu consigo, aí eu vou tentar também mais um pouco, né? Como eu tenho outra fonte de renda então eu vou tentar mais um ano ficar no comércio se não também eu. Porque você também cansa, só ficar trocando figurinha, né, é complicado. Então você tem o ideal, mas esse ideal tem limite. Mas então eu teria que ser um pouco mais agressiva, eu acho. Mas pra você ser agressiva você precisa ter dinheiro, né, também, você tem que fazer divulgação e aí você não consegue fazer tudo. Eu consegui fazer bastante coisa, coloquei um site na internet de Barão, né, Barão em Foco tá lá a lojinha se vocês abrirem tá lá. E fora o atendimento personalizado, né, que a gente, eu participei de grupos de ergonomia do hospital, então eu tenho bastante experiência nisso, grupo de feridas. Eu fiz até um livrinho junto com as meninas sobre cuidados com feridas. DPI, equipamentos...
P/1 – De proteção individual.
R - De proteção individual eu também fiz, não existia. Então como a gente foi a pioneira, né, dentro da Unicamp e não existia nada disso. Então eu fiz também lá junto com o grupo, claro, mas eu sempre na liderança dessas coisas. Quando a gente começou a mexer, no passado, com ventilação mecânica a gente não sabia nada, né, de ventilação mecânica. Eu fiz as primeiras coisas escritas também sobre ventilação mecânica. E por último na superintendência quando eu fiquei nessa assessoria de recursos materiais eu fiz a padroni... Escrevi como um enfermeiro deve fazer a padronização e a qualificação de produtos hospitalares, né, toda a parte de legislação, tudo que ela precisa conhecer mesmo pra padronizar um produto, um livrinho pequenininho, né? Mas eu deixei isso também lá. E isso, essa experiência toda eu trouxe pra esse comércio, né, eu tento transmitir isso pros meus clientes, e como eu disse pra você eu não fico na administração, eu fico no balcão porque nem tenho funcionário, tenho um funcionário então não dá, sou eu e ele. E esse funcionário não tem experiência nenhuma do ramo então eu tô treinando também, né, tô tentando formar. Ele trabalhava, pra você ver, ele trabalhar lá na guarita do HC onde dá os panfletinhos. Aí um dia eu dei carona pra ele, ele tava falando que era ruim a profissão tal e tal, eu falei: “Tô precisando de um funcionário, se você quiser, né? Eu te treino” então to treinando, quer dizer, eu tô qualificando uma pessoa também. Quer dizer, esse comércio tá servindo também, né, tô dando oportunidade pra outras pessoas, parece que faz a diferença, né, é uma sementinha aqui, outra ali. Então de todo jeito onde você se entusiasma vai ficando, mas se eu dependesse pra viver do comércio, da minha loja, eu teria fechado, já teria abandonado.
P/1 – Qual o produto que mais sai lá da loja da senhora?
R – Um dos produtos é colchãzinho caixa de ovo, né? Densidade 33 que é preconizado lá pelo Hospital das Clínicas que tem mesmo a função, né, de proteção de úlcera de pressão. É um colchãozinho que mais sai, é o produto que mais sai. Depois vem os ortopédicos, talinha que a pessoa já tá arrebentada, vai lá pra tala porque tem dor na mão, virou o pé, bota de proteção. Mais é isso. E aí na parte pra domicílio, né, colchão e talas, né, os produtos ortopédicos mais. Produtos ortopédicos e de prevenção de úlcera de pressão que são os colchões, as almofadinhas que a gente tem diversas hoje aí no mercado. E pros alunos, né, que a gente tem os estetos, o esfígmo, né, o aparelho de pressão que eles vem muito atrás disso, picinhas básicas, né? Então meu forte lá hoje é isso daí. Mas eu vendo tudo, o que pedirem pra mim “Eu quero um cardioversor” eu sei onde comprar, né, eu vou, vendo sem problema nenhum. Mais assim mais esse trivial: luvas, né?
P/1 – E qual assim, a senhora trabalhava numa área, trabalhou a vida inteira com enfermagem que é uma área que você tem que ter muito cuidado com o próximo, né, cuidar da saúde das pessoas. Hoje você trabalha com um comércio que também é ligado a isso. Como que é a relação com o cliente? Como é que é lidar com a pessoa, ainda mais com a bagagem que a senhora tem?
R – Olha, eu gosto muito. Eu acho assim muito bom, muito gostoso mesmo esse relacionamento. É claro que tem sempre aquele cliente que já chega te dando pontapé, sabe? E vem te agredindo, eles acham que você é simplesmente sei lá o que lá naquele balcão. Eles te tiram o chão aquele dia, sabe, te derrubam. Tem gente que vem grosso mesmo falando com a gente, é uma coisa assim que você não acredita que no comércio tem esse tipo de pessoa que acho que ele vem com algum problema sério e aí ele joga em cima de você. Mas é muito pouco isso daí, graças a Deus! Tem muito pouco indivíduo assim, a grande maioria gosta, você explica. Uma cadeira de banho: “quantos quilos a pessoa pesa?” Então vai levar o produto certo pra casa, você entende? “Ah não, então esse não dá”. O andador, “quantos quilos a pessoa pesa? Ah, então tem que ser esse tipo de andador.” A muleta como regula, né, quantos centímetros tem que ficar abaixo da axila, né? Então essa orientação eles saem, “Não, a bengalinha não é desse lado que você tem que andar, usar é do lado oposto.” Todas desde como usar uma bengala eu acho que os indivíduos saem de lá satisfeitos, você entende? Ou no cuidar de ferida “Olha, como que tá a pele do seu parente?” “Ah, assim, assado.” “Olha, então você faz assim, assado, trata dessa forma.” Então você dá pra ele algumas referências, dicas de como cuidar, melhor tratamento pra aquele paciente acamado. Ele sai muito satisfeito. E além disso eu tenho um grupo de pessoas que eu conheço lá do hospital que eu dou pra ser cuidadoras, você entende? Eu não tenho nenhum vínculo financeiro comigo não. São pessoas que foram amigas lá, que trabalharam a vida inteira e hoje são aposentados então são cuidadoras e desenvolveram outras cuidadoras, elas desenvolveram, treinaram. Então eu falo: “Olha, tem fulana, beltrana que sabe cuidar direitinho.” Então elas vão pra casa dessa pessoa, depois a pessoa volta pra agradecer, você entende? E eu acho essa forma de informação mesmo pro cliente, esse atendimento é muito importante, né? Não adianta você ter o produto e ter um monte de atendente lá e vender. Eu acho que se eu mantesse o comércio, se eu não puder um dia dar esse atendimento eu acho que contrataria uma pessoa que conseguisse dar esse atendimento, você entende? Porque é muito importante a pessoa ver pelo menos o tamanho de luva que vai usar, você entende? “Ah, eu não sei o meu tamanho, que tamanho que é, né, é P, M ou G?” Então desde como usar uma luva, né, desde como dar um banho naquele paciente acamado, qual o melhor produto pra aquele paciente acamado. Então esse atendimento é personalizado que eu dou na minha loja personalizado. E é a coisa que eu quero continuar fazendo até enquanto durar, não abro mão desse atendimento personalizado não. Isso aí, caso contrário eu deixo o comércio. (RISOS)
P/1 – Tá bom. Quais os... A gente está entrando na parte final da entrevista. Quais foram os maiores desafios que a senhora enfrentou no comércio, já nesse tempinho com a loja?
R – A concorrência. (RISOS) A concorrência, nossa! É assim, como eu falei pra você, se você compra mil luvas é um preço, se você compra 500 é outro preço. Então é a concorrência. Os outros, muito lojistas, sabe, pesquisando sobre o seu preço. Eu acho isso muito estranho, eu acho que tem que ter pesquisa de preço mas não aquela pesquisa desleal, sabe? Você percebe assim que não é uma coisa muito positiva essa pesquisa, né? Eu acho que espaço tem pra todo mundo, né, então tem que ser ético nesse aspecto aí, você percebe que alguns não são, né? Outra coisa: muitos produtos que sem registro no Ministério da Saúde eu não compro, né, é outro desafio no comércio de produtos hospitalares, tem muita coisa sem registro que vem pros outros meios, chega até a sua porta, é assustador. Pra você ter uma idéia até (estetolítimo ?) falsificam, né, que é um esteto é uma jóia, né, esses (estetolítimo ?) são supér fidedignos tem gente falsificando. Então é complicado demais. Então você tem que saber o que comprar mesmo, né, porque tudo com registro é outro desafio. É você não deixar cair nessas armadilhas, né, do mundo cinza, né? Eu falo mundo cinza. É um desafio, então você seguir sempre. Por isso que eu falo que é difícil a gente vencer no comércio, se você quiser ser muito certinho é meio complicado.
P/1 – A senhora viu a fundação do hospital aqui, né, viu o hospital quando ele tava na planta, a senhora comentou comigo ali fora. E é uma fase importante pro crescimento de uma cidade ter um hospital próprio, né? Como a senhora via Campinas naquele momento, e como a senhora vê Campinas hoje?
R – Ah, o gigantismo, né, é outra realidade. Quando eu era, Campinas era pequena, tinha lá a Santa Casa, alguns pacientinhos que a gente atendia, a universidade também muito tinha tantas faculdades, era bem menor mesmo, né, tinha só medicina, algumas outras. Aquilo evoluiu muito. Campinas acho que cresceu tanto quanto a universidade, né, que é um mundo, Campinas virou uma cidade muito grande, né, com centros de referência com a Unicamp, faculdades, hospitais de referência, a PUC, a Unicamp, o Mário Gatti, né? Enfim, Centro Médico Samaritano, tem o Vera Cruz hoje, então cresceu demais, naquela época não tinha nem o centro médico, né? Campinas virou um gigantismo, né, virou uma coisa assim imensa mesmo. Cresceu tanto quanto a universidade ou até mais que a universidade, mas eu acho que isso é a tecnologia mesmo que vem e faz esse desenvolvimento todo desenfreado, esse shopping imenso, né, Dom Pedro que a gente falava que Piscinão de Ramos na época. Mas hoje você vê que não é o Piscinão de Ramos, tem tudo lá, tudo prático. Essa via Dom Pedro que tem vários supermercados, Carrefour, galeria, Macro, tá Atacadão, Vila Nova, né? Então Campinas ganhou muito comércio, né, cresceu. E eu acho que esse pólo aqui da Dom Pedro virou um centro mesmo, acho que é pelo fluxo, né, que vai pra tudo quanto é parte da cidade enriqueceu muito, né? E Campinas está enriquecendo com isso daí, tá ganhando com esse comércio todo aí. Condomínios, você não tinha antes condomínios agora tem esse, muitos condomínios. A violência aumentou, é claro. Veio na época do Chico Amaral veio muita gente pra Campinas sem ter nada, sem ter estrutura, sem ter emprego aí virou banditismo, aí cresceu a violência e hoje tá difícil de segurar. Você vê na loja lá, uma outra coisa que me decepciona muito foi roubo: o cara chega, compra de você, você ingênua no comércio, você vende pra ele, você pega o cheque, você dá nota fiscal e ele não te paga. Então primeiro furo que eu tive foi de 2 mil e 800 Reais, o cara veio e comprou e lá se foi mesmo com nota e com cheque. Outra decepção muito grande um aluno foi esses dias lá, cara de aluninho, né, então você atende como se fosse um aluno normal, expliquei queria um adipômetro, “Ah, muito caro, ta ta ta”, fiz um preço bem menor pra ele, ele me deu um cheque fraudado. Então você se decepciona com isso, você fala: “Meu Deus do céu, a violência está entrando dentro da minha loja, né?” Esses dias fui demonstrar esteto pra um grupo de estudantes sumiu um. Então você vê que até dentro, foi a grande decepção pra mim com o comércio foi a violência mesmo invadindo a sua loja, né, por bandido ou por gente que se passa por aluno, não sei se são alunos mesmo que a gente não tem como provar, né? Então é o outro, é uma outra decepção do comércio é isso daí que você acaba perdendo bastante dinheiro, por isso talvez que a coisa não vire tanto também porque você tem bastante esses roubos, né?
P/1 – Sim.
R – É uma coisa que deixa a gente super chateada porque é a única coisa que você tem que fazer num cheque fraudado é fazer boletim de ocorrência, foi o que eu fiz, fazer um boletim de ocorrência, quem sabe um dia, né? Ou protestar aquele cheque, né? Mas fico tudo na impunidade.
P/1 – O comércio da senhora é um comércio diferenciado, né?
R – Você vê.
P/1 – É uma loja de instrumentos de material cirúrgico.
R – De produtos médicos hospitalares, né?
P/1 – Isso, produtos médicos hospitalares, não é que nem um supermercado, não é que nem uma quitanda. Então a senhora se relaciona também com outras lojas fora da cidade? Como a senhora... A senhora deve ter uma visão específica desse segmento também, né? Como a senhora vê o comércio fora de Campinas assim?
R – Então, eu falo da minha lojinha lá que é uma lojinha, tá? É um pequeno comércio. Eu acho que eu não teria todos esses traumas, né, se eu tivesse uma infra-estrutura melhor, tivesse câmera, tivesse como consultar o cheque. Tivesse, você vê eu consegui colocar só uma Master Card, não coloquei o Visa porque a maquininha pega 4% de cada produto que você vende, né, mais o que você paga dessa máquina, absurdo isso daí, né, essa porcentagem que a gente dá pra essas, em relação a essa tecnologia do comércio. Então teria que ter um controle de estoque melhor porque aí o funcionário não tinha como te passar a perna, né, mas você não tem. Então tem muitos comércios super organizados de produtos médicos hospitalares e eu acho que pra você ter o meu comércio é uma lojinha mesmo como eu digo um pequeno comércio sem infra-estrutura. Pra você eu vejo se tem remédio, por exemplo, se você entra na internet você vê Cirúrgica Passos, eles tem todo o amparo, não sei se eles tem esse problema de roubo mesmo com todo esse amparo mas pela conversa é bem menor, eu acho que pelo volume meu deve ser maior pra quem tem esse infra-estrutura toda, você entende? Quem tá lá no shopping, por exemplo, o shopping tem mais fiscalização, né, então eu acho que deve ter mas não assim como tá tendo num comércio pequeno sem infra-estrutura. Eu acho que o comerciante, o pequeno comerciante eu acho que sofre muito essa parte de violência por roubo, sabe? Que é o que tá acontecendo lá comigo. Eu acho que os outros lojistas devem ter o mesmo problema que eu. Agora os grandes, você vê, lá na cidade que eu conheço alguns lojistas eles não tem o que eu tenho lá em Barão, né, de aluno se passar, tem alguns mas não no volume que eu já tive pra ter dois anos a loja, você entende? E por ser tão pequeno o comércio. Então o bandido acho que sabe aonde ir, né, procura os pequenos, sabe que não tem infra-estrutura então vai mais nesse pequeno comércio onde a pessoa não consegue sobreviver. Eu acho que deve ser isso daí, sabe? Eles são mais espertos que a gente, mas tem produtos, tem lojas que progride. A Cirúrgica Fernandes começou vendendo numa banquinha, hoje ela é uma empresa que distribuiu pra esse Brasil todo. A (Rimedi ?), a (Embramac ?), né? A Cirúrgica Passos. Mas eles tem uma infraestrutura fora de série, né, de entrega, de distribuição de grande quantia é diferente de quem tem uma portinha só pra vender no balcão, né, atender quem entra na loja. Então você tem que ter outro ramo, tem um que é o do distribuidor que consegue atender na porta mas distribui via on line ou via pacotes mesmo para o Brasil inteiro. Ou a gente que é pequenininho que fica lá só atendendo no balcão mesmo. Eu acho que é muito difícil alguém progredir só atendendo no balcão, tem que avançar se não não progride, ou se não fica naquilo, né?
P/1 – O que a senhora acha do SESC está investindo nesse projeto de Memória do Comércio?
R – Eu acho muito importante. Eu fiquei muito contente quando vocês me convidaram, eu fiquei até orgulhosa porque eu falei assim: “Eu vou poder contar alguma coisinha do comércio que vai servir pra alguém estudar mais, você entende, e dar mais ajuda pro pequeno comerciante, né?” Que deve ter, com isso daí tem quem, como chama que dá apoio pras micro empresas?
P/3 ? – SEBRAE.
R – O SEBRAE, né? Eu acho que eles teriam que ter uma pesquisa. O SEBRAE ele dá um bom suporte pra gente, eu acho sabe? Foi fantástico. Eu acho que isso que vocês estão fazendo é bárbaro porque vai fazer com que o SEBRAE ou outras, o próprio prefeito, o próprio governo vai estudando o quê que pode melhorar pra esses pequenos comerciantes, né? Eu falei assim: “Eu, graças a Deus, estou numa situação privilegiada mas e outros? Que vem tentar na raça, né, achando que vai ganhar, né, que vai sustentar uma família e se quebra” como foi o cara que pôs a primeira loja, né? Então a gente tem que ter um suporte, quem vai por uma pequena empresa seja ela menor que for tem que ter uma infra-estrutura melhor, né, pra se garantir com um bocado de tempo até progredir ou ter algum mecanismo aí que favoreça um pouco o pequeno empresário pra que ele sobreviva daquele negócio que ele tem, né? Porque se você for certinho pra comprar com nota, pagar nota aí é muito complicado a situação.
P/1 – Tá.
FIM DO PRIMEIRO CD
P/1 – Então, meio que fechando a entrevista já, que lições maiores a senhora tirou pra sua vida dessa vivencia no comércio, dessa trajetória toda da senhora?
R – Eu vivi o outro lado da população. Por exemplo, lá no hospital era um mundo protegido, né, a gente vive, essa universidade protege a gente em todos os aspectos, né, financeiro, legal, de conhecimento, ela te proporciona tudo a universidade enquanto você é funcionário lá. Então é muito rico, é muito bom aquela coisa que você tá sempre aprendendo, estudando, vendo aqueles a tecnologia melhorando cada dia mais, né, a ciência. Enfim, é um mundo constante, né, em transformação constante. Agora, fora disso você, fora daquele emprego seguro que você tem você é responsável por aquele pedacinho seu, não que você não era lá, tá? Mas você arca com todas as partes legais, você é responsável por sua parte legal, você é responsável por aquele seu funcionário, você é responsável pelo aquele seu produto. Antes onde eu trabalhava não, a universidade, eu era responsável sim mas tinha a proteção da universidade. Agora, lá fora, lá fora não você tem que se virar e você tem esse impacto, né, que você de início até me assustava parecia que eu não sabia nem andar pra falar a verdade, porque tudo você tinha que pensar: “E a parte legal disso? Como tem que ficar? Como que nós vamos tratar esse aspecto?” Quando entrou um produto sem registro falei: “Meu Deus do céu! Eu, uma enfermeira que falo que um produto tem que ter isso e isso, eu mesma comprei um produto que veio, né, acreditando”. Aí você tem todo aquele trabalho pra, com aquele produto, com aquele fornecedor, né, você tem que cortar. É um impacto assim que não te faz bem não em primeiro momento, tá? Mas depois você vai vivenciando as necessidades daquela clientela sua, né, e fica, você vai se ambientando naquele mundo e que aquele mundo acaba fazendo a sua parte, o seu cliente, aquelas pessoas que entram em contato com você no dia-a-dia vai te trazendo outras experiências. Você não tem aquele negócio tudo de bandejada, tudo assim como a Unicamp me dava, né, eu falo tudo de mão beijada, né? Lá não, as pessoas também te traz conhecimento, você passa esse conhecimento e você busca, você paga às vezes pelo conhecimento, né? Por exemplo, você vai querer fazer algum curso, então na universidade você conseguia às vezes ajuda pra esse curso, agora não, você vai fazer um curso, você vai num congresso, é você que vai bancar, é você que vai, né, ser responsável por sua saída, pros dias que você vai deixar aquele seu comércio sem ninguém, né, com um funcionário só não sem ninguém. Então é esse o impacto que lá tinha uma infra-estrutura, você tinha gente pra te substituir, né, e fora não às vezes é você só, então você fica com o celular que nem eu desliguei, “Nossa, o meu funcionário vai precisar de alguma coisa não vai poder atender meu cliente lá direitinho que eu desliguei o celular”. Mas é mais esse aspecto aí. Mas do ponto de vista de contato com o ser humano é tão boa quanto eu vivenciei no hospital, né, desde. É que você tem muito relacionamento. E esse relacionamento...
P/1 – Alguma história marcante dessas relações com a pessoa, com o cliente?
R – Teve várias. Olha...
P/1 – Formou amizade?
R – Agora pouco tempo um catador de papelão, né, de material pra reciclar e ele e a filha dele fazem esse trabalho e ele tem a mãe que tava doente, tava diabética e tá com outros problemas de saúde e ele foi juntou um dinheirinho pra comprar um aparelho de glicemia. Então ele foi, ele quis aprender como. Eu falei: “Mas quem vai fazer essa glicemia, o senhor ou a sua filha vai ter que aprender a fazer, né, essa glicemia capilar na sua mãe.” Aí eu falei: “Vai lavar a mão, vai lavar a mão que é o senhor mesmo.” Eu percebi que ele tinha bastante jeito, “O senhor vai aprender” “Tá.” Com muita dificuldade eu consegui ele manusear a máquina e fazer a glicemia. E aí que eu fiz os exames dele deu muito alterado também a glicemia dele, então eu falei pra ele: “Olha, o senhor também é um diabético, então o senhor vai ter que procurar ajuda urgente”. Aí ele fala: “Ah, eu tenho uma ferida no pé”, eu falei: “Essa ferida do pé que não cicatriza” dois anos ele falou pra mim “então o senhor precisa de procurar assistência”. Aí ele voltou, ele falou que já tava em tratamento, que realmente, né, graças a minha paciência que eu tive com ele ensinar e fazer ele aprender o negócio e fazer o exame, ele descobriu uma coisa que ele pode tá, né, se tratando porque senão ele poderia tá se complicando muito mais, ter a perna amputada, outra coisa assim amputada. Mas essa coisa me marcou bastante sim e outras coisas mais tipo assim: pessoas que vem comprar aparelho de pressão, então você ensina como faz a ver a pressão mesmo, você não só vende o aparelho, o que eu falei pra, o nosso atendimento, o meu atendimento por isso que eu gosto é personalizado, então você ensina. A pressão alta, né, o indivíduo tava com a pressão alta então: “Olha, vamos ver mais vezes, aí já procura o médico, etc.” Vai lá como curioso mesmo que quer comprar o aparelho às vezes nem compra, né, mas talvez eles já até sabem disso daí vão e percebem que tem uma hipertensão aí, né? E muitas coisas assim, por exemplo, de cuidado que você pode tá ajudando, né, essas pessoas como cuidar mais de uma pessoa debilitada na cama, isso daí me marcou muito uma senhora que não tinha condições também que a gente, que eu cheguei até ir a casa dela ensinar, isso daí me marcou também. Depois teve o retorno da família dela mesmo, né, a melhora dessa cliente mas foi basicamente isso daí mesmo.
P/1 – Sim. E o que a senhora achou de dar esse depoimento? O que a senhora achou dessa entrevista?
R – Ah, como eu disse pra vocês desde o primeiro contato eu já fiquei contente, né, eu fiquei muito feliz de dar, não sei qual que vai ser o meu desfecho no comércio, né? Até claro eu quero que progrida, né, óbvio, como qualquer um quer mas eu acho que eu tenho certeza que essa entrevista outros pesquisadores vão ver, né, e vão poder tá ajudando os pequenos comerciantes de Campinas ou de outras cidades, né, ou de outros estados por que não, né? Mas eu acho bárbaro isso daí, um trabalho maravilhoso que parece que não tem resultado mas tem resultado sim, né, que é uma coisa que você deixa aí, é uma vivência sua que ninguém, que cada um tem a sua, né? Então podendo registrar de alguém, de um ou de outra faz, eu acho que isso daí ajuda, ajuda a você resolver outros problemas, né, de como tá melhor desenvolvendo. Ou eu mesmo parar pra pensar um pouquinho mais, acho que você às vezes nem pára pra pensar, né, o dia-a-dia deixa a gente tão. Você vê, vocês falaram da minha infância eu comecei a chorar porque quanto tempo eu não falava de minha infância, né, serve como terapia isso daqui também (RISOS). Como terapia. Enfim, como terapia, como reconhecimento de um trabalho e como ajuda pra outros que vem aí, né?
P/1 – Então era isso, muito obrigado, viu!
R – Eu que agradeço, nossa! Só tenho que agradecer mesmo, é muito... Pra mim significa porque eu gosto de viver as coisas mesmo, né? Puxa vida, acho que é a mão divina que faz a gente ter uns encontros assim, né? A gente não entende o porquê das coisas, né? A gente até queria tá entendendo mas, entender pra quê? Vamos continuar! (RISOS)
P/1 – É isso aí.
P/2 – Obrigada.
P/1 – Obrigado.
R – Eu agradeço.