Identificação. Descrição da trajetória de sua família, especialista em relojoaria e descendente de italianos. As brincadeiras de infância no centro de Campinas, onde sua família morava. O bonde da cidade e os locais onde sua família fazia as compras da casa. Desafios sobre como conciliar a carreira de engenheiro e continuar à frente do comércio da família. Detalhamento das viagens que realizava com a família. A história da loja, o desenvolvimento de sua atividade, e os desafios da profissão. O desenvolvimento urbano e comercial de Campinas e as possibilidades do comércio virtual.
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Gil Chinellato, nasci em Campinas em 30 de setembro de 1957.
FAMÍLIA
Meu pai é Gilberto Chinellato e minha mãe é Maria Terezinha Darros Chinellato. Minha família é italiana. Por todos os lados, meus ancestrais são italianos. Convivi com os quatro avós e me lembro muito bem deles. Do meu lado paterno, meu avô Ângelo é um grande relojoeiro, muito capacitado e um grande gravador de jóias, de troféus, taças. Ele tinha uma linda letra. Eu me lembro muito bem dele fazendo esses trabalhos. Do lado da minha mãe, meu avô materno, também italiano nato - o típico italianão, torcia pelo Palmeiras - viveu como todo imigrante, viveu no campo. Veio da Itália pequeno, foi pra roça, depois veio pra cidade. Fez a vida dele na cidade. Meu pai é comerciante, já vindo do meu bisavô, que chegou da Itália e se estabeleceu como comerciante. Depois o negócio continuou com o meu avô e meu pai cresceu no comércio. Meu bisavô, o Luigi Chinellato veio da Itália com os filhos. Veio no final do século 19, em 1880 e alguma coisa; 86, se eu não me engano. Ele veio pra cá, foi para as fazendas, como todo mundo. Mas já vinha de vivências dele na Itália, de trabalhar como comerciante e começou a vender relógios. Não em Campinas, mas na região de Cordeirópolis, Limeira que é aqui pertinho. Ele veio pra Campinas com o filho mais velho, montou a primeira loja que foi a Relojoaria Chinellato, em 1921. Meu avô é um dos mais novos da família. É uma família grande e começou o negócio. Na verdade, foi com o Pedro, o filho mais velho, que meu avô trabalhava e depois ele se associou, em 1942, com outro comerciante, também descendente de italianos, de Mogi Mirim, que tinha uma relojoaria lá, que é o Ricardo Cop, da família Cop. Se uniram e formaram a Cop & Chinellato. Montaram a relojoaria Omega, que até hoje existe. A Omega era no centro da cidade. Eles compraram uma relojoaria na frente da Relojoaria Suíça e ficaram com as duas lojas. O prédio da Omega foi demolido pra construir outro prédio, um edifício. Eles mudaram e a relojoaria Omega ficou no lugar da Suíça, na Rua Conceição, no centro. Ali que meu pai e meu tio - irmão do meu pai - começaram, já pequenos, a trabalhar juntos. Dali, cada um montou o seu negócio: meu pai montou a Gilberto Chinellato e meu tio montou a Toni Jóias. Tudo ali muito próximas uma da outra. Nessa hora, meu avô desfez a sociedade. Isso já foi em 1950. Meu pai montou a loja em 1953 e meu avô manteve a sociedade até 60 e tantos. Ficou mais de 20 anos com a sociedade, praticamente de irmãos, com o Cop, que é como se fosse um grande irmão pra ele. Ele saiu dessa sociedade pra ajudar os dois filhos nos dois novos negócios, nas duas novas lojas. A outra Chinellato, que abriu em 1921, que era do outro irmão do meu avô, também durou 75 anos; fechou em 1996. E a Toni Jóias do meu tio fechou um tempo depois. Nós estamos até hoje. Depois da morte do meu pai, a minha mãe assumiu o controle da empresa e estamos aí, tocando até hoje. Tenho uma irmã que chegou a ter atividades no comércio, mas hoje ela não trabalha mais com isso. Ela mora em São Paulo e tem outras atividades.
INFÂNCIA
Nasci no centro da cidade. Até os oito anos, eu morei no centro ou próximo do centro. A minha vida era por ali. Brincava nas praças e havia bonde na época. Eu curtia muito aquilo lá. E depois, mais tarde, já adolescente, fui pra São Paulo estudar, fazer faculdade de Engenharia. Quando eu voltei, nós já não morávamos mais no centro. Morávamos em um bairro mais afastado. Eu morava em frente à praça onde sempre teve a Igreja do Carmo. Todos os meninos da minha idade brincavam ali na rua. É um pouco diferente do que é hoje: saía pra rua, brincava, empinava pipa, jogava bola, andava de bicicleta. Fazia a igreja de palco para as nossas brincadeiras de esconde-esconde, no meio dos bancos. O padre e o sacristão nos conheciam. Minha infância era por ali. Era tranqüilo, tinha um ponto de táxi na frente de onde eu morava e nós éramos amigos dos taxistas, de todos os senhores, eles gostavam de nós, nós brincávamos com eles.
TRANSPORTE
Eu lembro que com nove ou dez anos de idade eu estudava na Escola Alemã Rio Branco, que era perto do Viaduto Cury. Não era muito perto da minha casa. Eu ia cedinho pra escola, meus pais me levavam, e muitas vezes eu voltava de bonde. Pequenininho, com oito, nove, dez anos de idade eu voltava de bonde da escola. Hoje acho meio perigoso, eu não confiaria um filho meu de nove anos, em um bonde sozinho, mas na época era tranqüilo. A gente se empoleirava naquilo e vinha. E era gostoso, vinha brincando, vinha com os amigos.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Eu lembro que eu ia cortar cabelo em um magazine, como tem hoje a C&A, e dentro tinha um barbeiro infantil lá. Nós cortávamos o cabelo dentro da loja. Era Casa Regente, na Rua Costa Aguiar. Era um magazine antigo, tinha um barbeiro no meio da loja. Eu me lembro que na praça em frente de onde eu morava, tinha um armazém de uns irmãos portugueses, lógico e eles eram muito meus amigos. Nós brincávamos dentro do armazém: corria, entrava, saía de dentro do armazém, ia ao depósito, pegava caixa de papelão. E lá era o nosso mercado. Não tinha supermercado, então era um mercadinho de bairro.
VIAGENS
Eu tinha parentes em São Paulo - primos e tios - e nós viajávamos para passeio com os meus pais. Eu também ia, às vezes, com os meus pais buscar taças, troféus para nossa loja. Íamos nas indústrias trazer material e íamos de carro.
EDUCAÇÃO
Estudei no Colégio Rio Branco, que é uma escola alemã, do primário até a quarta série. Depois fui para o Colégio Pio XII, que é uma escola que pertence a PUC [Pontifícia Universidade Católica] de Campinas. Terminei o colegial lá. De lá eu fui para São Paulo fazer faculdade. Eu quis estudar Engenharia. Me formei, voltei pra Campinas e montei o meu escritório de Engenharia que eu mantenho até hoje; já está fazendo quase 30 anos. Eu faço projetos de estruturas, mas eu não podia deixar de dar continuidade na loja, porque é uma empresa que já está há mais de 50 anos. Estamos tocando e eu acho que tem que continuar.
VOCAÇÃO PARA O COMÉRCIO
Não sei se eu tinha vocação para o comércio. Eu sei que nós vamos fazendo, aprendendo, se envolvendo e acaba criando gosto pela coisa. Todo negócio eu acho que é assim, não só o comércio. O negócio em que você se envolve tem os seus atrativos, você acaba se envolvendo mesmo com vontade. Eu ia pra loja, ajudava, fazia alguns servicinhos internos... Sempre fiz, nunca parei, mas nunca pensei que eu iria continuar o negócio. Minha idéia era estudar alguma coisa qualquer e tocar uma carreira independente. Em parte consegui também porque eu consegui os dois negócios, as duas coisas. São dois “Gils”. Uma linguagem pra cada coisa. Eu tenho horários distintos, não resolvo assuntos de uma atividade no meio dos negócios da outra. São coisas bem distintas.
JUVENTUDE
Como todo adolescente, nós fazíamos muita coisa: festinhas de amigos, em festinhas de não amigos, vivíamos assim. Quando eu comecei a fazer programas com os amigos não tinha muita coisa. Campinas cresceu depois nesta atividade de lazer pra adolescente, pra jovem, quando as universidades PUC e Unicamp se instalaram e começaram a crescer também. Aumentou, vieram muitos estudantes, mas quando eu comecei a fazer programas não tinha muita coisa. Ia, às vezes, para os clubes tradicionais da cidade que tinham as festinhas, os bailinhos e outros eventos. Havia muitos cinemas bons no centro da cidade. Hoje não tem mais nada no centro, mas nós freqüentávamos muito o cinema. Viajei sozinho, com amigos, depois de 17, 18 anos, nos finais de semana, principalmente para a praia. Antes eu viajava com a família. Íamos pra praia, viajava de carro. Naquele época não se viajava de avião, eram viagens de carro pra praia, para o Rio de Janeiro, para o interior, ia pra onde dava.
TRANSPORTE
Fiz algumas viagens de trem. Eu peguei um trem para o litoral, pra Itanhaém. Ele saia de Campinas, passava por São Paulo, descia a serra. Era uma viagem bonita. Houve uma época em que fui escoteiro e fazíamos umas viagens de trem pra acampar. Isso com 15 anos, 14 anos. Eu peguei trem pra São Paulo, também, algumas vezes. O trem era engraçado. O que ia pra Santos, descia a serra e depois pegava a Praia Grande até Itanhaém; era um trenzinho antigo, tudo de madeira. Os vagões de primeira classe eram todos simples e os de segunda classe eram com bancos duros, de madeira. Havia vagões melhores, mas eu lembro que era bem antigo. A viagem era muito divertida. A parte da serra era muito bonita. Eu gostava porque era tranqüila, era um passeio.
CIDADES / SÃO PAULO / SP
Eu nunca me adaptei a São Paulo durante os cinco anos de faculdade. Eu gostava, tinha muita coisa legal, nós fazíamos muita coisa diferente, aproveita muito a cidade, mas a vida... É uma cidade boa, uma cidade grande, uma metrópole, tinha de tudo, mas eu não gostava de ficar lá. Tanto é que todos os fins de semana eu voltava para casa correndo.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Depois da faculdade, quando voltei, eu comecei a auxiliar na loja, a fazer alguma coisa. Não atuei assiduamente não. Eu me dediquei à Engenharia, à minha área. Estudei mais um pouco, me especializei e fiquei na Engenharia. A loja eu fui continuando. Eu ficava mais um pouco à distância, supervisionando a empresa. Eu achava que eu tinha um conhecimento bom pra palpitar em tudo e eu ficava gerenciando de longe. O segredo é vender o que nós fazemos; tem que saber vender o seu peixe. Por mais capacitado que nós sejamos, por melhor engenheiro que eu seja, eu tenho que saber vender o meu produto. E nós sentimos isto na loja, vemos como é o relacionamento com o cliente, com as pessoas e vamos aprendendo. Sem dúvida, influencia muito também no meu relacionamento com os clientes do escritório de engenharia porque também é uma venda como no comércio. Meu pai já tinha falecido, minha mãe assumiu o comando da loja e, apesar de a loja ter funcionários muito antigos, com mais de dez anos de casa, a gente que toca a empresa. Tem que ser a família que comanda, minha mãe continua comandando. Só que ela vai ficando com mais idade e nós falamos: “Olha, está na hora dela parar. Chega, vamos dar ordem pra passar pra outra geração.” Muito embora ela não queira. Ela continua, está com 76 anos e ainda vai todo dia na loja. Eu estou administrando, me envolvendo mais por conta disso, mas está na hora da renovação.
OFÍCIO DE GRAVADOR
Quando o meu avô veio trabalhar com o irmão mais velho na Relojoaria Chinellato, ele foi aprendendo. Era novinho e foi aprendendo gravação, ourivesaria, conserto de relógio. Todo serviço interno de uma empresa, ele foi aprendendo. E ele se transformou num grande gravador. Ser gravador é um trabalho meio artístico, gravar no metal com um burilzinho é um trabalho artístico. Ainda hoje eu estava conversando com o pessoal da Omega e eles falaram: “Seu avô foi o melhor gravador que existiu na cidade” Relojoaria e joalheria sempre têm gravação: o nome da pessoa no relógio, as jóias gravadas eram feitos à mão, com o buril. Isso é antigo, vem de 1930, por aí. Meu pai quando montou a empresa em 1953, ele já era gravador também de jóias. A gravação de troféus é o mesmo trabalho. Se você pegar uma peça de metal grande e gravar um texto qualquer é a mesma coisa. Então o meu pai montou a loja que tinha além de relógios e jóias a parte diversificada com prêmios e homenagens, que são troféus, taças, medalhas, placas, essas coisas que envolvem gravação. Eles usaram o conhecimento que eles tinham de gravação.
CHINELLATO
A loja foi mudando com o tempo. Depois de uns anos aboliu o relógio. Ficou a parte de jóias, presentes e coisas assim. E a parte de prêmios e homenagens. Quando alguém quer homenagear alguma pessoa e não tem idéia do que fazer, lembra de nós: “Vamos ver o que eles tem lá.” Ou então o cara imagina uma coisa super maluca: “Quem será que faz isso? Vamos lá na Chinellato ver se eles resolvem o nosso problema.” Aparece sim muita coisa maluca, muita coisa diferente que nós temos que quebrar a cabeça pra conseguir transformar em um produto. Nós desenvolvemos também. As pessoas vêm com uma idéia e nós tentamos transformar essa idéia em um prêmio, em uma homenagem. Tem coisas engraçadas. Ainda esses dias, chegou uma pessoa, mandou um desenho de um troféu que é uma letra “i”; o pingo do “i” tem que estar flutuando no ar. É isso que eles querem. É uma peça de metal, um “i” de metal e um pingo. Se colocar um aramezinho segurando o pingo já fica feio... É lógico que não dá pra fazer um pingo flutuando, mas nós temos que dar uma solução que mostre o pingo fora do “i”. Eles não têm idéia de como fazer, eles querem que nós resolvamos. Buscar soluções, alternativas que dêem esse efeito e que satisfaça. Aí já entra até um pouco da engenharia: eu tenho que dar uma de engenheiro para construir o troféu.
CLIENTES
Nós temos duas lojas. Na parte de jóias é aquele cliente, aquela senhora que vai, o pessoal que passa e vai comprar uma jóia, vai, escolhe e tal. É um público diferente da clientela de prêmios e homenagens, que são empresas, associações, clubes e coisas assim. São perfis bem diferentes de clientes. Nós vendemos para os dois, tanto que nossa empresa é separada: pra cá é uma coisa e pra lá é outra. Mas a jóia sempre manteve; é uma tradição que se mantém e a parte de homenagens e prêmios aumentou muito. A cidade cresce, tem muitas empresas e uma demanda boa, tem aumentado muito.
OFÍCIO DE OURIVES
Nós temos ourives na loja. É um trabalho que continua a mesma coisa. A confecção de uma jóia, a reforma de uma jóia é exatamente isto, é um trabalho artesanal. Mantemos isso. Tem bastante procura, continua tendo, isso é uma coisa que tem se mantido estável ultimamente. Nós revendemos e nós criamos. Às vezes, o cliente imagina um anel, por exemplo, vem com uma foto, um desenho e pergunta: “Dá pra fazer?” E a gente: “Dá, o ourives desenvolve isso.” Esse é o trabalho do ourives: criar também e não só reformar e consertar. Quando a pessoa quer uma coisa que não existe pronta, industrializada, nós fazemos. O ourives desenvolve, cria a peça como o cliente quer. Mas só por encomenda: “Eu quero uma peça assim, assim, assado.” Eu falo: “Dá, dá pra fazer.” Caso contrário, temos as jóias que nós revendemos, que é uma linha padrão que só pode escolher, não tem muita opção de mudar. Já aconteceu de fazer uma peça repetida pra outros clientes, mas é difícil, a não ser que seja uma pessoa muito famosa que apareça com essa jóia. É difícil divulgar. Mas já aconteceu. A pessoa fez, depois vem um parente: “Eu quero uma igual. Quero uma parecida assim, assado.” Às vezes, acontece, mas de lançar uma linha ou aquele modelo virar uma moda, não. É difícil.
VENDAS
Nós vendemos um sonho, vendemos um desejo para a pessoa, não vende só uma peça. Nossos funcionários têm que ser capacitados, treinados pra compreender isso do cliente. Uma mulher vai lá e busca ficar bonita, não busca uma jóia, não quer comprar uma jóia, ela quer ficar bonita com aquela jóia. Tem que ter esse sentimento, tem que sentir o cliente, o que ele gosta, sentir o que ele está sentindo pra poder resolver a emoção dele. Isso é certa psicologia de vendedor, é uma estratégia de vendedor. Tem que ter. No nosso negócio é mais a mulher. Tanto pra si própria como pra presentear. É a mulher que vai. Vão muitos homens também; vão mais pra comprar e dar pra esposa. No tempo que eu dedico à empresa eu participo na parte de retaguarda. A resolver um pingo no “i”, por exemplo. Eu deixo o pessoal vendendo lá porque esse pingo no “i” ninguém vai conseguir resolver (risos). Tem coisas muito estranhas, pessoas que querem inventar, vêm com umas idéias mirabolantes e que nós acabamos não gostando. Fica feio, não é um negócio bonito, não é um negócio agradável. Mas nós fazemos. Às vezes para o que o cliente está precisando, para o que ele está imaginando, aquilo realmente é o ideal; nós é que não estamos enxergando que aquilo vai funcionar. Então embarca na idéia, discute, coloca os prós e os contras: “Se fizer assim fica melhor, se fizer assim fica pior.” Nós tentamos entrar em um consenso com o cliente e criar uma coisa que lhe agrade. Tentamos usar da experiência do negócio pra resolver da melhor forma a idéia do cliente. Já chegou, há pouco tempo, alguém quis uma estatueta do Oscar de cristal. É complicado fazer um Oscar de cristal. Tem que ter um molde, uma forma. É uma coisa que nós não dominamos. Não dá para fazer um Oscar de cristal. Consultei muita gente. Porque o que nós não conseguimos resolver, tem que ajudar o cliente a ver quem é que resolve. Existem empresas no Sul, em Santa Catarina, que trabalham com cristais, com vidros, eu falei: “Procura esse pessoal lá. Quem sabe eles não têm uma idéia para isto.” Nós encaminhamos.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
O comércio transformou-se muito. Eu vejo uma separação muito grande, não só em Campinas como em todas as cidades grandes. É uma separação muito grande entre comércio mais popular e o comércio para as classes mais altas, que se constituem em shoppings. E o centro da cidade vira um comércio mais popular, ou o comércio mais específico, como o que temos. Você vai para o centro e você encontra muitas lojas populares e comércios específicos. Coisas que não dependem muito de localização. Nós vemos isso. Antigamente, eu lembro que eu passeava pelo centro da cidade e aquelas lojas chiques eram todas lá junto com as lojas populares. Era uma mistura. Também não existia tanto contraste como hoje, tanta diferenciação. O degrau era menor. Hoje o degrau é maior.
SHOPPING CENTER
O sopping afetou o comércio, mas não no nosso caso. É uma área muito específica. A parte de jóias que seria mais afetada, nós não sentimos, nós estamos em uma área de grande concentração de bancos, escritórios de advocacia, de gente que trabalha em escritório e nós atendemos esse público. E na parte de homenagens independe de shoppings, é uma coisa mais específica. Onde nós estivermos, o público vai. As empresas que serviam uma clientela de classes mais altas e não foram para shoppings, começaram a ter dificuldade. Porque as classes mais altas não freqüentam mais o centro. Vão direto para o shopping, tem carro, pega o carro e vai para o shopping. As empresas que trabalham com esta clientela e não foram para o shopping ou para uma área nobre da cidade que não seja o centro, sentiram, muitas fecharam. O comércio se espalhou. Em Campinas nós vemos o Cambuí, que é uma área residencial, é um bairro residencial como os Jardins de São Paulo. Tem muito comércio, tem comércio de elite. É muito próximo do centro, o comércio do centro se expandiu e este lado do Cambuí ficou uma área nobre. Nós percebemos isto.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
A relojoaria Omega, que é onde meu avô começou, continua até hoje, com os filhos desse sócio do meu avô. Eles estão tocando. Eles têm uma história que se confunde com a nossa. Eles começaram em Mogi Mirim, vieram para cá, se associaram com o meu avô e depois de um tempo, a geração seguinte, que foi a do meu pai, se ramificou para um lado e ele se ramificou para outro, como eles estão até hoje. Hoje mesmo conversei com ele sobre esse projeto de memória e ele achou interessante a idéia. O antigo sócio do meu avô, os dois, eram como irmãos. Eram dois grandes amigos, muito íntimos. E os filhos são como se fôssemos primos, nós sempre tivemos muito bom relacionamento. Na nossa região, no nosso miolinho ali, que eu tenho mais contato, não sobrou quase ninguém antigo do comércio. Tem o Seu Aníbal, que tem a Refrigeração, ele deve estar com mais de 50 anos ali também, uma casa de geladeiras, faz serviço de geladeiras, de refrigeração; é o mais antigo ali da região. O que eu me lembro é que tinha há muito tempo a Casa Picoloto que agora foi para shopping, mas é muito antiga também.
VENDAS
Na parte de jóias, Dia das Mães, Dia dos Namorados e final de ano é quando se vende mais. Na parte de homenagens, também. Nos finais de ano acontecem os maiores eventos, quando há um boom, mas homenagem é uma coisa que vai regulada, tem o ano todo.
MODERNIZAÇÃO
Nós modernizamos e foi muito bom. Nós temos muito retorno através da internet e é muito bom porque é uma empresa de mais de 50 anos. Pelo menos na nossa região ela é bem tradicional e conhecida. É uma empresa honesta, as pessoas confiam. Pelo menos os antigos que acompanharam. E nós tentamos passar esta imagem na internet. Realmente eu acho que ela é passada. Porque a internet atinge o Brasil inteiro. Uma pessoa que está no Norte do país vai procurar empresas como a nossa e vê: “Essa aqui tem 50 anos.” Vê alguma coisa ali que sente um pouco. Como a pessoa não vê fisicamente a loja, não está lá presente dentro da loja, ela sente mais segurança em ver que existe uma loja muito antiga e confia um pouco mais do que numa mais nova. Não que não sejam boas, mas é que passa um pouco mais de confiança esta carga, esta tradição que nós temos. Isso é bom, tem sido bom para nós.
CHINELLATO
Ela começou na César Bierrenbach, que é a uma quadra de onde nós estamos, em 1953 e foi até 1987. De 1987 pra cá nós estamos neste endereço. Em 50 e poucos anos ela ficou em dois endereços, o que também é uma boa referência.
MOBILIÁRIO
Muda um pouco, acompanha um pouco as tendências, moderniza, mas não muda muito. A nossa distribuição física não mudou nada. Mudaram as peças, o mostruário, mas a distribuição física continuou. Não vejo por que mudar também. Também passa uma imagem de coisa tradicional, que é bom.
CLIENTES
Temos clientes que confiam em nós. Ainda esses dias nós estávamos desenvolvendo um prêmio pra uma empresa e a funcionária falou pra eles: “Eu vou te mandar uma mostra, um modelo de como vai ficar, para você entender...” “Não, não, não. A Chinellato não precisa mostrar nada, eu confio em vocês, faz do jeito que você achar melhor que está bom.” É cliente antigo que sempre procura e está satisfeito; não há porque dessa vez dar errado. E como eles, muitos são assim. Tem que se esforçar (risos) pra atender bem. Às vezes, chegam casais pra fazer aliança de bodas de ouro e que fizeram a aliança de casamento com a gente há 50 anos atrás. Voltam lá pra fazer a nova aliança. Isso é muito comum. Às vezes, vemos a mãe que leva a filha com o noivo: “Olha, aqui eu fiz a aliança com o seu pai. Agora eu vou fazer com vocês.” Isso tem muito.
PROMOÇÕES
Na maior parte das vezes as vendas andam por si só. Nós fazemos promoções, mas é esporádico.
DESAFIOS
O nosso maior adversário é o governo (risos). São os encargos. Isso é a maior dificuldade que todas as empresas hoje enfrentam. Realmente é uma carga pesada que nós temos que arcar e realmente pesa. Se não fosse tão pesada, as coisas seriam mais fáceis. Mas isso, temos que encarar como desafio. Essas são as regras, tem que seguir. Desafio mesmo são estas criações malucas que nós temos que desenvolver, às vezes. É um desafio técnico, mas como negócio não tem outra coisa não.
SUCESSO
Dedicação, trabalhar com vontade. É essa questão de tradição, de qualidade que nós sempre procuramos atingir: “Se eu sou bom no que eu faço, porque eu vou parar? Vou continuar sendo.” Isso é bom, continuar sendo bom no que eu faço. Eu faço um negócio tão bom e vou parar agora? Não. Está bom, vamos continuar. E isso faz o negócio continuar andando, não morrer.
MODERNIZAÇÃO
É normal, o negócio muda. Hoje não é a mesma coisa. Continua, mas não é a mesma loja, é tudo muito diferente. Eu lembro que antigamente meu pai estava gravando à mão, em um trabalho artesanal, artístico e punha uma placa: “Silêncio, estamos gravando”. Imagina se põe uma placa desta em uma loja hoje É um absurdo. Tinha uma época que tinha uma frase: “Não vendemos fiado, principalmente para amigos”. Quer dizer, hoje, todo mundo compra parcelado, faturado, 30 dias. Isso são coisas muito diferentes, é outra época. Ou “Não passamos preços por telefone”. Isso é uma ordem de há muito tempo atrás. Hoje você tem compra por telefone, compra por internet. O preço está na internet, não precisa nem falar.
FORMAS DE PAGAMENTO
Amigo levava uma coisa, levava outra e ia no caderninho. Esquecia de pagar - e isso é uma coisa que acontecia - e daí a placa: “Não vendemos fiado, principalmente para amigos”. Pelo menos um amigo chega e já fala: “Olha, é melhor não pedir dessa vez não, é melhor comprar à vista.” Hoje não é assim não. Hoje a pessoa pega, leva, depois recebe a cobrança em casa.
COMÉRCIO DE CAMPINAS
Ele acompanha o crescimento da cidade e como todo negócio hoje, está mais globalizado; uma empresa da cidade vende para o Brasil inteiro. E por outro lado, clientes da cidade compram no Brasil inteiro. Especialmente nesta área de prêmios, com a facilidade hoje de comunicação, de remessa de mercadoria, nós vendemos para o Brasil inteiro e o Brasil inteiro compra de nós e assim como muita gente de Campinas compra de outros lugares também, sem qualquer dificuldade. Uma loja em uma cidadezinha do interior pode crescer muito também. Vendendo para o Brasil inteiro sem ninguém saber que está em um interiorzinho, em uma cidadezinha.
VENDAS
Tem muita encomenda. Em termos de porcentagem, eu diria que é da ordem de 20%, mais ou menos, fora da região. Fora da região sem contar cidades mais próximas. É um retorno da internet. Isso é muito bom, mas também é muito ruim. Porque as pessoas de Campinas que são clientes nossas, nada impede que deixem de comprar de nós e comprem de outras empresas, de outros lugares do Brasil. É uma faca de dois gumes; é bom e ruim ao mesmo tempo. Mas pra nós foi melhor do que ruim (risos). Tem que ter qualidade. Brigamos por preço e qualidade com outras empresas, mas tentamos vender a qualidade. Se a qualidade é boa e a pessoa confia, acredita que temos uma qualidade boa, ela vai nos preferir a um outro que não tenha tanta confiança. Mesmo sendo bom, vai preferir aquele que confia. Eu compro pela internet daquela empresa que dá a impressão que vai me entregar o produto direitinho. Não compro da mais barata. Eu acho que o cliente de internet pensa assim também.
RELAÇÃO COM A ARTE
Eu tenho um escultor, um artista plástico muito conceituado, premiado, primo da minha esposa que faz esculturas para nós. O cliente quer uma estatueta, uma escultura, ele desenvolve, ele cria, fica dois, três meses esculpindo uma peça pra depois nós produzirmos um troféu. Isso o cliente tem que entender que é um trabalho artístico, uma coisa totalmente diferente. O tempo é muito mais longo do que ir a uma loja e comprar. O preço é outro, os materiais são coisas nobres e você tem que vender uma arte. E isso nós temos lá, nós vendemos a arte, tem cliente que não imagina. Na hora que você fala que vai levar dois meses, que tem um artista ficando dia e noite em cima daquilo pra desenvolver - e que isto tem um preço - o cara não quer saber: “Eu não vou pagar isso.” Não enxerga que é arte. Outros não. Outros dizem: “Isso é legal. Eu quero, é artístico.” E vai assinado, vai numerado. Nós temos que vender isso, faz parte. Um exemplo bem recente: o cliente quis uma estátua de um deus grego; ele viajou até a Grécia e não encontrou essa estátua. Ele nos mandou fotos de museus que tinham estátuas grandes desse deus, fotos, reproduções e pediu pra nós fazermos. Esse é um cliente que reconhece a arte: “Eu quero uma estátua para o meu consultório.” Desenvolveu a arte. Primeiro tem a peça inicial, tem a escultura, faz a fundição, você pode fazer quantas cópias quiser nesta fundição. E a primeira cópia se chama “prova do artista”, fica guardada ali pra nós. O cliente recebe a número dois, número três. Vai numerado. Ele vai ver o valor daquela peça. As primeiras peças tem um valor maior talvez não monetário, mas um valor emocional maior.
MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS
Eu acho muito bom. No nosso caso, se levasse mais alguns anos para acontecer esta entrevista, teria informações que eu não conseguiria dar mais, porque as gerações estão indo (risos). É muito bom manter isso, continuar. É uma coisa que não deve parar porque tudo vai mudando. Eu acho muito interessante.
LIÇÕES DO COMÉRCIO
Nós temos que trabalhar muito, trabalhar duro. Não só no comércio, mas em qualquer atividade. A vida não é uma loteria. Tem que progredir pra não afundar, tem que trabalhar duro em qualquer área. Trabalhando duro e com dedicação vai ter um retorno.
Memórias do Comércio - Campinas (MCCAMP)
Comércio premiado
História de Gil Chinellato
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 06/08/2008 por Museu da Pessoa
P1- Então, para começar, você poderia me dizer o seu nome completo, o local e sua data de nascimento?
R – Meu nome é Gil Chinellato, nasci em Campinas em 30 de setembro de 1957.
P1 – Qual o nome de seus pais?
R – Meu pai é Gilberto Chimellato, minha mãe é Maria Terezinha (Darros?) Chinellato.
P1 – Qual a origem da sua família?
R – Minha família é italiana. Por todos os lados meus ancestrais são todos italianos. Meus avós maternos e paternos, todos são descendentes de italianos.
P1 – Agora que você falou de seus avós, você se lembra deles?
R – Sim, claro. Convivi com os quatro avós e me lembro muito bem.
P1 – Que lembrança mais imediata você tem deles assim?
R – Meu lado paterno, né? Meu avô Ângelo, ele é um grande relojoeiro. Grande que eu digo é que ele é muito capacitado, um relojoeiro, e especialmente ele é um grande gravador. Gravador de jóias, gravador de troféus, taças né? Tinha uma letra... então eu me lembro muito bem dele fazendo esses trabalhos. E do lado da minha mãe, meu avô materno, também é italiano nato, é o típico “italianão”, né? Torcia para o Palmeiras e viveu aí como todo imigrante, viveu no campo. Veio da Itália pequeno, foi pra roça, depois veio pra cidade. Aí fez a vida dele na cidade.
P1 – Qual era a atividade dos seus pais?
R – Meu pai é comerciante, já vindo do meu avô, do meu bisavô, que já veio da Itália e já se estabeleceu como comerciante. Então meu pai já cresceu no comércio.
P1 – Você falou que é a quarta geração já tocando a loja, né? Então o seu avô, o seu bisavô era comerciante...
R – É. Meu bisavô, o Luigi Chinellato, veio da Itália já com filhos. Como imigrantes naquela época, no final do século XIX, em mil 1880 e alguma coisa, 86 se eu não me engano, ele veio pra cá, foi prás fazendas, né? Como todo mundo. Mas já vinha de vivências dele na Itália, de trabalhar como comerciante, e começou a vender relógios. Não em Campinas, mas em região de Cordeirópolis, Limeira que é aqui pertinho, como comerciante de relógios. Aí ele veio pra Campinas e com filho, né? Montou a primeira loja, que foi a Relojoaria Chinellato, em 1921. (Com ?) o filho mais velho, né? Meu avô é um dos mais novos da família. É uma família grande e... aí começou o negócio, né? Que na verdade foi com o filho dele Pedro, então o mais velho, que meu avô trabalhava com ele e depois meu avô se associou ao __________, que foi em 1942, com outro comerciante, também descendente de italiano, de Mogi Mirim, que tinha uma relojoaria em Mogi Mirim, que é o Ricardo (Cop?), da família (Cop?), e se (uniram?), e em 1942 e formaram a (Cop?) Chinellato, e montaram a relojoaria Omega, que até hoje também existe. Aí, isso aí em 1942, 1946, a Omega era no centro da cidade, eles compraram uma relojoaria na frente, que é a relojoaria Suíça, e ficaram com as duas lojas. Aí o prédio da Omega foi demolido para construir outro prédio, um edifício, aí eles mudaram __________ e a relojoaria Omega ficou no lugar da Suíça, na Rua Conceição, no centro. E Aí, ali que meu pai... Meu tio, irmão do meu pai e meu pai começaram, já pequenos, a trabalharem juntos ______________, e começaram a atividade deles também. E dali o meu pai e meu tio montaram... Cada um montou o seu negócio. Meu pai montou a Gilberto Chinellato e meu tio montou a (Toni?) Jóias. Tudo ali junto, muito próximo uma da outra, né? Nessa hora meu avô desfez a sociedade, isso já foi em 1950 e meu pai montou a loja dele em 1953, meu avô manteve a sociedade até 60 e tantos, quer dizer, ficou mais de 20 anos com uma sociedade praticamente de irmãos, com o (Cop?), né? Que é como se fosse um grande irmão pra ele. Aí ele saiu dessa sociedade pra ajudar os dois filhos nos dois novos negócios, nas duas novas lojas. A outra Chinellato, que abriu em 1921, que era do outro irmão do meu avô, também durou 75 anos a loja, e fechou em 1996, e a Toni Jóias do meu tio fechou um tempo depois. E nós estamos até hoje, né? Já depois da morte do meu pai, a minha mãe assumiu o controle da empresa e estamos aí, tocando até hoje.
P1 – História bonita, e grande, né? Assim, passada por muitas pessoas.
R – É.
P1 – Uma outra curiosidade minha _______, você tem irmãos?
R – Tenho, tenho uma irmã.
P1 – E ela também tá no ramo do comércio?
R – Não, minha irmã chegou a ter uma atividade no comércio, numa empresa, mas hoje ela não trabalha mais com isso. Ela mora em São Paulo e tem outras atividades.
P1 – Você é campineiro da gema, né? Nasceu aqui mesmo...
R – Isso.
P1 – E em que bairro você morava quando você era garoto? A gente queria resgatar um pouco dessas lembranças suas. Como foi a sua infância?
R – Nasci no centro da cidade (onde minha mãe?). Até os oito anos eu morei no centro ou próximo do centro, e minha vida era por ali. Nas praças, brincava nas praças e havia bonde na época, né? Eu curtia muito aquilo lá. E depois, mais tarde, já adolescente, fui prá São Paulo estudar, fazer faculdade de engenharia, aí quando eu voltei a gente já não morava mais no centro, a gente morava em um bairro mais afastado.
P1 – O que você gostava de fazer ali? Você falou que você brincava nas praças, então Campinas era uma cidade que dava pra você brincar nas praças etc e tal... Você tinha muitos amigos? Gostava de brincar com eles?
R – Sim. Eu morava em frente a praça onde hoje tem, hoje não, onde sempre teve a Igreja do Carmo. Eu morava em frente àquela praça e todos os meninos da minha idade brincava ali na rua, né? É um pouco diferente do que é hoje, a gente saía prá rua, brincava, jogava pipa, jogava bola, bicicleta. A gente fazia a igreja de palco para as nossas brincadeiras de esconde-esconde, no meio dos bancos, lá (Risos). A gente era amigo do padre, da sacristia, do sacristão e tudo mais. Então minha infância era por ali.
P2 – Naquela época então Campinas era bem...
R – Era tranqüilo, tinha um ponto de táxi na frente de onde eu morava e a gente era amigo dos taxistas, (de todos os senhores?), a gente era amigo __________, eles gostavam da gente, a gente brincava com eles.
P1 – Você falou agora pouco do bonde. Você chegou a pegar um trem aqui de Campinas? Você tem alguma lembrança do trem daqui de Campinas?
R – Tenho, mas do bonde. O bonde urbano, né? Eu lembro que com nove ou dez anos de idade eu estudava numa escola alemã, Escola Alemã Rio Branco, que era perto do viaduto, Viaduto (Curry?), que não era muito perto da minha casa, né? Eu ia cedinho para a escola, meus pais me levavam e muitas vezes eu voltava de bonde. Então, pequenininho, com oito, nove, dez anos de idade eu voltava de bonde da escola. E é um transporte... Eu hoje acho meio perigoso, eu não confiaria em um filho meu de nove anos, né? Num bonde, sozinho, né? Mas na época era tranqüilo, a gente se empoleirava naquilo e vinha. E era gostoso e vinha brincando, vinha com os amigos.
P1 – Você acompanhava sua mãe quando ela fazia com... Você tem uma irmã só, né?
R – Tenho uma irmã.
P1 – Vocês acompanhavam sua mãe quando ela ia fazer compras? Você tem lembrança do comércio de Campinas quando você era criança?
R – Tenho, tenho lembranças da minha mãe, _____________. Eu lembro que eu ia cortar cabelo numa loja, numa magazine como tem hoje aí as CIAs da vida ou coisas assim, uma loja que dentro tinha um barbeiro infantil lá. A gente cortava o cabelo dentro da loja (Risos).
P2 – E você lembra o nome da loja? Da magazine...
R – Casa Regente, Casa Regente na Rua Costa Aguiar. Era um magazine antigo, tinha um barbeiro no meio da loja.
P1 – Nossas, sinal dos tempos assim, né? Como as coisas vão mudando. E onde vocês compravam os gêneros alimentícios, assim, tipo os itens de consumo da casa, você tem alguma lembrança disso?
R – Eu me lembro nessa praça, em frente onde eu morava, tinha um armazém. Um armazém de uns irmãos portugueses... Lógico, né? (risos), e eles de mim era muito amigos, a gente brincava dentro do armazém, a gente corria, entrava, saía de dentro do armazém, ia no depósito, pegava caixa de papelão, e lá comprava... Era o nosso mercado. Não tinha supermercado, né? Então era um mercadinho de bairro mesmo, que na época era o armazém.
P1 – Você falou que chegou a ir para São Paulo para fazer faculdade. Antes disso vocês vinham para São Paulo, você tem lembrança de ir para São Paulo nessa fase da sua infância?
R – Tenho. Eu tinha parentes em São Paulo, primos, tios e a gente viajava prá passeio com os meus pais. Eu ia muito prá São Paulo com os meus pais às vezes buscar taças, troféus prá nossa loja, né? Às vezes eu ia junto, criança pequena, eu ia nas indústrias trazer material.
P1 – E vocês iam como?
R – Ia de carro.
P1 – E você estudou onde aqui em Campinas? No Colégio Rio Branco que você falou...
R – No Colégio Rio Branco, que é uma escola alemã, onde estudei o primário, até a quarta série, depois eu fui pro Colégio Pio XII, que é uma escola que pertence a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, e terminei o colegial aí na Pio XII. De lá eu fui pra São Paulo fazer faculdade.
P1 – Existiu em algum momento dessa fase uma expectativa - porque você é a quarta geração de uma família que já está bem estabelecida neste ramo - de que você trabalhasse já no comércio. Existia alguma expectativa da família?
R – Da família não, nem minha (risos). Eu quis estudar engenharia, me formei em São Paulo, voltei para Campinas e montei o meu escritório de engenharia que eu mantenho até hoje, já está fazendo quase 30 anos que eu mantenho o escritório e faço projeto de estruturas, mas eu não podia deixar de dar continuidade na loja, porque a gente é uma empresa que já está há mais de 50 anos aí, estamos tocando e conseguindo tocar e eu acho que tem que continuar. Enquanto estiver gente para continuar, vai continuar.
P1 – E você sentia alguma inclinação para o comércio ou não? Não tinha expectativa, e inclinação, você acha que tinha?
R – Não sei se eu tinha. Eu sei que a gente vai fazendo, vai aprendendo, vai se envolvendo e acaba criando um pouco de gosto pela coisa. Todo negócio, eu acho, não só o comércio, o negócio que você se envolve, que tem os seus atrativos, você acaba se envolvendo mesmo com vontade. Mas eu não tinha inclinação não.
P2 – Nem quando você era criança, adolescente, você ia para loja com o teu pai...
R – Ia sim, mas nunca imaginava... ia, já ajudava, já fazia alguns servicinhos internos lá, sempre fiz, nunca parei, mas nunca pensei... Minha idéia era estudar, alguma coisa qualquer e tocar uma carreira independente. Em parte consegui também, né? Consegui os dois negócios, as duas coisas.
P1 – Hoje o Gil engenheiro se confunde com o Gil comerciante?
R – Não. São dois Gils (risos).
P1 – Uma linguagem prá cada coisa?
R – Uma linguagem prá cada coisa, eu tenho horários distintos, não resolvo assuntos numa atividade... no meio dos negócios e vice-versa. São coisas bem distintas.
P1 – E crescendo aqui em Campinas, como foi a sua juventude? Lembra de você saía, ia pra festas, bailes...
R – Claro, como todo adolescente. A gente fazia muita coisa, divertia, aproveitava. Foi crescendo, né? Começava em festinhas de amigos, em festinhas de não amigos e a gente vivia assim.
P2 – E na época em Campinas tinha o que para a juventude? Era bailes, era...
R – Quando eu comecei a fazer programas com os amigos não tinha muita coisa não. Campinas cresceu nesta atividade de lazer prá adolescente, prá jovem quando as universidades PUC e Universidade de Campinas (UNICAMP) começaram a crescer também, né? Começou a aumentar, a vir muito mais alunos. Mas quando eu comecei a fazer programas não tinha muita coisa. A gente ia às vezes pros clubes, né? Pros clubes tradicionais da cidade que tinham as festinhas, os bailinhos __________ e festinhas nas casas de amigos e tal.
P2 – E cinema?
R – Tinham muitos cinemas bons no centro da cidade. Hoje não tem mais nada no centro, né? A gente freqüentava muito o cinema.
P1 – E nessa época você já viajava sozinho? Ou você já viajava com a família?
R – Não. Viajei sozinho, com amigos assim, só depois de 17, 18 anos pra cima. Aí fiz algumas viagens, não só viagenzinhas pra praia nos finais de semana, mas viagens maiores eu também fiz.
P2 – Mas antes disso você ia com a sua família?
R – Antes eu viajava com a família.
P2 – Prá onde vocês iam?
R – A gente ia prá praia, viajava de carro, né? Viajava-se de avião, aquelas viagens de carro que ia prá praia, pro Rio de Janeiro, ia pro interior, ia pra onde dava. Eu viajava com a família, papai, mamãe e irmã.
P1 – E nesse meio tempo você chegou a viajar de trem alguma vez assim? Daqui de Campinas...você chegou a pegar essa fase do trem?
R – Fiz algumas viagens de trem, eu peguei trem pro litoral, prá Itanhaém, saia de Campinas, passava por São Paulo, descia a serra. Era uma viagem bonita que hoje ainda acho que tem. Turística, não sei. Mas tinha essa viagem que eu fiz algumas vezes ali. Numa época que eu fui escoteiro, né? E como escoteiro a gente fazia umas viagens de trem, eu ia acampar lá, e tal, uns programas assim. Isso aí com 15 anos, 14 anos, a gente fazia umas viagens assim. Eu peguei trem pra São Paulo também algumas vezes.
P1 – E como era a viagem? Como era o trem?
R – O trem bem era engraçado. O trem que ia pra Santos, descia a serra e depois pegava a Praia Grande até Itanhaém era um trenzinho antigo, tudo de madeira. Os vagões de primeira classe eram todos simples e os de segunda classe eram todos bancos duros, de madeira. Tinha vagões melhores na época, mas eu lembro que era bem assim... Antigo.
P1 – E o trajeto, a viagem em si, era tranqüila?
R – Era muito divertida. A parte da serra é muito bonita. Era uma viagem bonita, eu gostava. Mas era tranqüila, era um passeio.
P1 – Passando essa fase, você se formou no Pio XII, que é um colégio que é da PUC também e daí você foi estudar engenharia em São Paulo. Como foi essa vivência lá em São Paulo? De repente você, nascido e criado aqui em Campinas, se vê numa cidade tão grande quanto Campinas. Como foi isso?
R – Foi bom e ruim. São Paulo é terrível, né? ______ Campinas era uma cidade mais tranqüila, eu nunca me adaptei a São Paulo, em cinco anos de faculdade eu nunca me adaptei àquela cidade. Eu gostava, tinha muita coisa legal, a gente fazia muita coisa diferente, a gente aproveita muito dentro da cidade. É uma cidade boa, uma cidade grande, tinha de tudo. Mas a vida... eu não gostava de ficar lá. Tanto é que todos os fins eu voltava pra casa correndo.
P1 – Você tinha uma raiz muito forte aqui (risos).
R – (Risos).
P1 – Aí você formado voltou pra cá?
R – Isso.
P1 - Foi aí que você começou a atuar no comércio?
R - Aí eu comecei a auxiliar na loja, fazer alguma coisa. Não atuei assiduamente não, eu me dediquei à engenharia né? À minha área, estudei mais um pouco, me especializei e fiquei na engenharia. E a loja eu fui continuando. Eu ficava mais um pouco à distância, supervisionando a empresa, né? Eu achava que eu tinha um conhecimento bom prá palpitar em tudo e eu ficava gerenciando de longe.
P1 – Isso já é no seu escritório de engenharia?
R – É.
P1 – Em um escritório de engenharia você presta serviço, mas ao mesmo tempo é como se fosse um comércio, porque você vende um produto feito, uma necessidade do seu cliente.
R – Sim, tem que vender o que a gente faz.
P1 – E como você enxerga isto? De repente uma coisa auxiliou a outra? Uma vivência de uma coisa acaba auxiliando a outra?
R - Eu acredito que sim. Porque tem que saber vender o seu peixe, né? Por mais capacitado que a gente seja, por melhor engenheiro que eu seja, eu tenho que saber vender o meu produto. E a gente sente isto na loja, né? A gente vê como é o relacionamento com o cliente, com as pessoas, e isso aí a gente vai aprendendo. Isso aí, sem dúvida, influencia muito sim, no meu relacionamento com os meus clientes do escritório. É uma venda, como no comércio.
P1 – Eu rememorando agora um pouco da sua trajetória, você falou que tudo começou vendendo relógios, né? E já se faziam gravações nos relógios? Ou era só a venda do relógio?
R – É, bom, eu não peguei essa época (risos). Tem mais de cem anos. Eu não sei como que era, isso foi com o meu bisavô. Eu não sei se já se gravava, acredito que sim. Mas quando o meu avô veio trabalhar com o irmão mais velho na Relojoaria Chinellato, ele foi aprendendo, foi novinho e foi aprendendo gravação, ourivesaria, conserto de relógio. Todo serviço interno de uma empresa dessa ele foi aprendendo. E ele se transformou em um grande gravador. Ser gravador é um trabalho meio artístico, né? Gravar no metal com um burilzinho é um trabalho artístico. Ainda hoje eu estava conversando com o pessoal do (Cop?) da Omega (e eles falaram?) “ Seu avô foi o melhor gravador que existiu na cidade!” né? Então começou, mas relojoaria e joalheria sempre tem gravação, ganhava muitos “lucros” _____ o nome da pessoa no relógio, as jóias são gravadas, tudo feito à mão, com o buril. Então isso aí já é antigo, isso aí vem de 1930, por aí.
P1 – E quando a gente chega nos troféus é uma mudança relativamente sutil, né? Porque de repente temos o relógio... Eu estava pensando na entrevista mesmo, um pouco antes de vir pra cá, o relógio hoje em dia ele, com tanta questão do celular, você vê a hora onde você quiser. E hoje o valor do relógio meio que se transformou. Hoje você tem um relógio mais por ele significar alguma coisa, como uma jóia, do que propriamente prá ver a hora. Aí eu fiquei pensando como foi esse salto de passar do relógio prá outros tipos de peças similares, como o troféu, as taças (placas?) ...
R – Na verdade é o seguinte, meu pai , quando ele montou a empresa em 1953, ele já era gravador também de jóias, e a gravação de troféus é o mesmo trabalho de gravação de jóias. Se você pegar uma peça de metal grande e gravar um texto qualquer é a mesma coisa. Então o meu pai montou já a loja dele, além de relógios e jóias, já “diversionada” a esta parte de prêmios e homenagens, que são troféus, taças, medalhas, placas, essas coisas porque envolvia gravação. Então eles usaram o conhecimento que eles tinham de gravação para gravar. Então, é mais um tipo de mercadoria.
P1 – Hoje o grosso da loja, pelo que eu entendi, são as homenagens e afins. Por um acaso chega alguma demanda fora do comum assim da loja ou é sempre aquilo? Já chegou algum pedido que você falou “Nossa, isso aqui é meio fora do convencional”?
R – Ah... chega toda hora!
P1 – Porque eu imagino que uma loja que tem uma trajetória tão grande, assim, de tempo, deve ter ...
R – É, chega toda hora. A loja foi mudando com o tempo, né? Então depois de uns anos já aboliu o relógio, já não trabalha mais com relógio. Ficou a parte de jóias, presentes e coisas assim, e a parte de prêmios e homenagens que a gente faz de tudo. Então quando alguém bola em homenagear alguma pessoa e não tem idéia do que fazer lembra da gente “Ah, vamos ver o que eles tem lá”. Vou sugerir, né? Ou então o cara imagina uma coisa super maluca e (acha?), “Quem será que faz isso? Vamos lá na Chinellato ver se eles resolvem o nosso problema”. Então aparece sim muita coisa maluca, muita coisa diferente que a gente tem que quebrar a cabeça prá conseguir transformar isso em um produto.
P1 – Então vocês desenvolvem também?
R – A gente desenvolve também. As pessoas vêm com uma idéia e a gente tenta transformar essa idéia em um prêmio, em uma homenagem.
P2 – Você pode dar algum exemplo? Alguma coisa assim que...
R – Tem coisas engraçadas. Isto está acontecendo agora, nestes dias aí, chegou uma pessoa, mandou um desenho de um troféu que é uma letra “i”, e o pingo do “i” encima, só que o pingo está flutuando no ar (risos), e é isso que eles querem, né? Então é uma peça de metal, um “i” de metal e um pingo, né? Então se colocar um aramezinho segurando o pingo já fica feio, né? Essa é a idéia deles, eles querem isso. É lógico que não dá pra fazer um pingo flutuando, mas a gente tem que dar uma solução que dê essa sensação de ter um pingo fora do “i”, né? Eles não têm idéia de como fazer, eles querem que a gente resolva (risos).
P2 – Aí vocês tem que se virar...
R – É, buscar umas soluções mais alternativas, mas que dê um efeito, né? Que satisfaça.
P2 – Então vocês confeccionam também, né? Não compram só o troféu pronto...
R – Não, a gente desenvolve. Cria sobre materiais diversos, tudo. Aí já entra até um pouco da engenharia, né? A gente tem que dar uma de engenheiro aí prá construir, o troféu...
P1 – Eu fiquei imaginando isso quando você falou que era engenheiro, né? E depois, no decorrer da conversa, quando você falou que vocês desenvolviam, eu imaginei que aí que entra o engenheiro dentro da Chinellato.
R – É.
P1 – E você já tinha lá o seu escritório de engenharia, e como você se enfiou de vez dentro da loja? Mesmo sendo um negócio familiar, mesmo você já tendo ajudado quando garoto etc e tal. Quando você entrou efetivamente ali na loja prá tocar?
R – É, veja bem, meu pai já tinha falecido, minha mãe assumiu o comando da loja, e apesar de a loja ter funcionários muito antigos, mais de dez anos de casa, gente que toca a empresa, né? Tem que ter a família que comanda, né? Minha mãe continua comandando. Só que ela vai ficando com mais idade e a gente fala “Olha, ta na hora dela parar, chega, deixa que a gente... (vamos dar ordem?) prá passar pra outra geração, né?” Embora ela não queira, e ela não está querendo mesmo, ela continua, ela está com 76 anos e ainda vai todo dia na loja. Então, aí eu estou administrando, me envolvendo mais por conta disso, né? Tá na hora da renovação, né?
P1 – E uma outra curiosidade, voltando à questão do material da loja, o que sai mais hoje em dia? É a gravação? É a homenagem? O que é mais procurado? Qual é a demanda dos clientes de vocês?
R – Na verdade nós somos agora, praticamente, duas lojas em uma, né? A parte de jóias é aquele cliente, aquela senhora que vai, o pessoal que passa e vai comprar uma jóia, vai, escolhe e tal. É um público diferente da clientela de prêmios e homenagens, que são empresas, associações, clubes e coisas assim. São perfis bem diferentes de clientes, né? Nós vendemos para os dois, tanto que nossa empresa é separada, pra cá é uma coisa e pra cá é outra, né? Mas a jóia sempre manteve, é uma tradição que se mantém e a parte de homenagens e prêmios aumentou muito, né? A cidade cresce, muitas empresas, essas coisas tem uma demanda boa e a gente... tem aumentado muito.
P1 – Quando você falou dessa parte de jóias, me veio a imagem de um oleiro, vamos dizer assim, é aquela imagem de um artesão mesmo que está ali, trabalha a jóia. É um trabalho que demanda muita paciência e um conhecimento específico, né? Porque não é a mesma coisa que, sei lá, talhar na madeira, ou talhar em qualquer outro produto. Ou seja, exige um conhecimento específico. E ao mesmo tempo, isso me remete àquele tipo de loja do começo do século: a pessoa que trabalha ali, sozinha... você acha que vocês ainda mantém um resquício disto?
R – Mantém, nós temos ourives lá, e continua a mesma coisa, né? Uma confecção de uma jóia, uma reforma de uma jóia é exatamente isto, é um trabalho artesanal. Mantemos isso sim.
P2 – E tem bastante procura por esse tipo de coisa? Confecção de jóia, conserto...
R – Tem, continua tendo, isso é uma coisa que tem se (mantido estável?) ultimamente.
P2 – E vocês também fabricam as jóias e vendem? Como é? Compram pronto? Fabricam?
R – Não, nós revendemos e nós criamos, às vezes o cliente imagina um anel, por exemplo, vem com uma foto, um desenho, “dá pra fazer?” “Dá, dá pra fazer”, o ourives desenvolve isso. Esse é o trabalho do ourives, né? Criar e também... não só reformar e consertar. Ele cria também.
P2 – Eu estou te perguntando assim: só encomenda, a pessoa vai lá e pega, ou se vocês fazem peças, assim...
R – Faz, exatamente, quando a pessoa quer uma coisa que não existe pronta, industrializada, a gente faz. O ourives desenvolve isso aí, ele cria a peça como o cliente...
P2 – Mas fazer peças, assim, ele não tem uma produção de peças pra vender na loja?
R – Não, não é uma indústria.
P2 – Só por encomenda?
R – Só por encomenda “eu quero uma peça assim, assim, assado”, eu falei “Dá, da pra fazer”, aí ele vai e faz. Caso contrário, tem as jóias que nós revendemos, que aí é uma linha padrão que a gente só pode escolher, não tem muita opção de mudar.
P1 – E já surgiu essa idéia, desse caso mesmo: a pessoa chega e encomenda uma peça “ Olha, eu quero isso, isso e isso”, que a peça acabou pegando, que vocês acabaram tendo que fazer ela de novo pra outros clientes. Tipo: alguém viu, gostou, pediu também, ou elas são sempre muito pessoais?
R – Já aconteceu sim, mas é difícil uma peça que você... a não ser que seja uma pessoa muito famosa que apareça com essa jóia. É difícil divulgar assim, né? Mas já aconteceu, a pessoa fez aí vem um parente “Eu quero uma outra igual” “ Eu quero uma parecida assim, assim, assado”, às vezes acontece. (Mas?) de lançar uma linha, ou aquele modelo virar uma moda, não, isso aí não, né? É difícil.
P1 – Querendo ou não, trabalhar com jóias é também trabalhar com a emoção das pessoas. Porque a jóia se torna um presente, e o presente marca o momento. Como é trabalhar com isso?
R – É, isso aí, a gente vende um sonho, vende um desejo para uma pessoa, não vende uma peça, né? Então os nossos funcionários tem que ser capacitados, treinados para compreender isso do cliente. Um cliente busca... Uma mulher vai lá e busca ficar bonita, né? Não busca uma jóia, não quer comprar uma jóia, ela quer ficar bonita com aquela jóia. Tem que ter esse sentimento, tem que sentir o cliente, o que ele gosta, sentir o que ele está sentindo prá poder resolver a emoção dele. Isso aí é uma certa psicologia de vendedor, é uma estratégia de vendedor. Tem que ter.
P1 – Você falou que a mulher, mais do que comprar uma jóia, ela quer se sentir bonita com essa jóia. Quem compra mais, é a mulher ou é o homem? Quem é o foco da jóia? Na sua opinião, a experiência detrás do balcão.
R – No nosso _____ é mais a mulher. Tanto pra si própria como pra presente a mulher é que vai. Vai muitos homens, os homens vão mais pra comprar pra dar pra mulher, né?
P2 – Você participa desta parte de vendas?
R – Muito pouco. O tempo que eu me dedico à empresa eu participo na parte de retaguarda ali, né? Resolver um pingo no “i” é um problema que eu tenho que resolver. Eu deixo o pessoal vendendo lá porque esse pingo no “i” ninguém vai conseguir resolver, né?
P1 – E fica quebrando a cabeça com o pingo no “i”, literalmente.
R – É, vamos fazer.
P1 – Você falou do pingo no “i” de novo e me veio à mente: já surgiu algum pedido de uma peça que você fala assim “não, isso aqui é estranho demais!”? Em qualquer segmento da loja, tanto em uma jóia quanto em uma homenagem, teve algo que você falou “ Isso é muito fora do comum” ?
R – Não, tem coisas muito estranhas, né? Não fora do comum, mas pessoas que querem inventar, vêm com umas idéias mirabolantes e que a gente acaba não gostando. (Às vezes?) fica feio, né? Não é um negócio bonito, não é um negócio agradável. Mas a gente faz, né? Faz, dá uma melhoradinha porque a gente adora, né? Porque você imaginou aquilo, né? Às vezes para o que ele está precisando, para o que ele está imaginando, aquilo realmente é o ideal, a gente que não está enxergando que aquilo vai funcionar. Então a gente embarca na idéia, discute, põe os prós e os contras, “Se fizer assim fica melhor, se fizer assim fica pior”. Então a gente vai ficar tentando entrar em um consenso com o cliente e criar uma coisa que agrade o cliente. A gente tenta usar da experiência do negócio prá resolver da melhor forma a idéia do cliente.
P1 – Alguém já chegou com uma idéia que você falou assim: “Ah não, é impraticável, não dá”. Ou vocês sempre deram um jeito?
R – Já chegou, há pouco tempo alguém quis uma estatueta do Oscar de cristal. É complicado fazer um Oscar de cristal. Tem que ter um molde, uma forma, não sei. É uma coisa que a gente não domina. Não dá pra fazer um Oscar de cristal. Aí consultei até muita gente aí... Porque o que a gente não consegue resolver, a gente tem que ajudar o cliente, ver quem é que resolve isto, né? Aí existem empresas no Sul, em Santa Catarina, que mexe com cristais, com vidros, então eu falei “Ó, procura esse pessoal lá, quem sabe eles não têm uma idéia para isto, né?” Então a gente encaminha.
FIM DA PRIMEIRA PARTE (Track 2 do CD)
P1 – Vamos voltar de novo à sua trajetória pessoal. Você viveu toda sua vida aqui em Campinas, foi pra São Paulo, falou que não se adaptou à loucura da cidade grande e voltou pra cá. Você sentiu diferença em Campinas quando você chegou de volta?
R – Não porque eu não abandonei Campinas, eu sempre continuava aqui. Aliás, aprendi até a gostar de São Paulo, eu vou muito para São Paulo, procuro fazer programas por lá e tal. Mas Campinas mudou, em cinco anos estudando fora, mudou. Mas eu vinha direto na cidade, né? Acompanhei isso aí sem sentir, sem perceber.
P1 – Você acha que nesse tempo todo você, como eu falei agora pouco, brincando até, você é um campineiro da gema. Você acha que o comércio de Campinas se transformou muito nesses anos?
R – Ah, se transformou, né?
P1 – Qual a maior transformação que você notaria?
R – Eu vejo uma separação muito grande, não só Campinas, eu acho que todas as cidades grandes, uma separação muito grande entre comércio mais popular e o comércio mais prá classes mais altas, né? Que se constituem em shoppings, né? E o centro da cidade vira um comércio mais popular, ou o comércio mais específico, né? Ou o que a gente tem. Então você vai para o centro e você encontra lojas muitas lojas populares e comércios específicos. Coisas que não dependem muito de localização. A gente vê isso. Antigamente eu lembro que eu passeava pelo centro da cidade, aquelas lojas chiques eram todas no centro, junto com as lojas populares. Era uma mistura. Acho também que não existia tanto contraste como hoje, tanta diferenciação assim, né? O degrau era menor. Hoje o degrau é maior e as classes sociais se dividiram dessa forma. Acredito eu, eu imagino, né?
P1 – Quando surgem os shoppings aqui em Campinas chegou a afetar o comércio no centro e isso chegou a afetar vocês de alguma forma?
R – Não, no nosso caso, não. Como eu disse, é uma área muito específica, né? A parte de jóias que seria mais afetada nós não sentimos... nós estamos em uma área de grande concentração de bancos, escritórios de advocacia, sabe? De gente que trabalha em escritório assim, e a gente atende esse público. E na parte de homenagens, independe de shoppings, é uma coisa mais específica, como eu falei. Onde nós estivermos é onde que o público que a gente vai.
P2 – Não atinge a você, mas o que você acha dos shoppings pro comércio em geral, naquele momento. Houve uma mudança no centro? Sei lá, o pessoal saiu, fechou...
R – As empresas que serviam uma clientela de classes mais altas e não foram prá shoppings, começaram a ter dificuldade. Porque as classes mais altas não freqüentam mais o centro. Vão direto pro shopping, tem carro, pega o carro e vai pro shopping. Então as empresas que trabalham com esta clientela e não foram pra shopping ou para uma área nobre da cidade que não seja o centro, sentiram, muitas fecharam, né? Eu acho que sim.
P2 – O comércio também se espalhou? Você falou agora em área nobre da cidade. O comércio também se espalhou para outras áreas então?
R – Se espalhou, né? Em Campinas a gente vê aí o (Cambuí?), que é uma área residencial, é um bairro residencial. É como os Jardins de São Paulo, né? Tem muito comércio, tem comércio de elite, né? É muito próximo do centro, o comércio do centro se expandiu e este lado do (Cambuí?) ficou uma área nobre. A gente percebe isto.
P1 – Vocês estão ali, localizados no centro já há vários e vários anos. Então vocês já viram o comércio do entorno se transformar. Que lojas você citaria que seria uma boa fonte pra uma entrevista do projeto de pesquisa? Que outras lojas você acha que valeria a pena entrevistar? Você falou que tinha a loja de um tio, primo...
R – Então, eu acho que a relojoaria Omega, que é onde meu avô começou, qual ele criou consórcio, continua até hoje, com os filhos desse sócio do meu avô. Eles estão tocando a relojoaria Omega e eu acho que é uma boa. Porque eles têm uma história que confunde com a nossa, né? Eles começaram em Mogi Mirim, vieram pra cá, associaram com o meu avô e tal. E depois de um tempo a geração seguinte, que foi meu pai se ramificou para um lado e ele se ramificou para outro, como eles estão até hoje. Então, acho que é uma boa.
P1 – Vocês mantém laços ainda?
R – Sim, claro. Hoje mesmo conversei com ele sobre isso aqui e ele achou interessante a idéia. O antigo sócio do meu avô, Ricardo (Cop?), os dois eram como irmãos. Eram dois grandes amigos, muito íntimos. E os filhos, como se nós fôssemos primos, né? Então (nós sempre tivemos?) muito bom relacionamento.
P1 – E continuando ali o que ele perguntou: quais as lojas que você lembra que permaneceram até hoje, que são lá da tua infância que hoje ainda existem na cidade.
R – Então, por exemplo, na nossa região, no nosso miolinho ali, que eu tenho mais contato, não sobrou quase ninguém, tem o Seu Aníbal, que tem a (refrigeração?) ele deve estar com mais de 50 anos ali também, numa casa de geladeiras, fazer serviço de geladeiras, de refrigeração, é o mais antigo ali da região. Fora dali eu não vejo muita...
P2 – Eu penso assim, por exemplo, lojas que você comprava quando era criança. Sapatos, relógio, roupa em tal loja, você lembra de alguma que ainda permanece até hoje? Se mantém...
R – Eu não me lembro. O que eu me lembro é que tinha há muito tempo a Casa (Picoloto?) que agora foi pra shopping, né? Mas é muito antiga também. De roupas, de sapatos, a gente era cliente desde pequeno e ainda hoje existe. Mas não tem muita coisa não. Que eu me lembre...
P1 – E por trabalhar, assim, por... Que nem agora pouco eu fiz essa referência, né? De que vocês trabalham com a emoção das pessoas. Por um acaso vocês têm datas específicas que tem um “boom” de venda, um momento especial do ano, alguns momentos assim.
R – Na parte de jóias é aquele normal, dia das mães, dia dos namorados e final de ano, né? É quando se vende mais jóias. Na parte de homenagens, também. Final de ano acontecem os maiores eventos aí e é quando dá um “boom” maior. Mas homenagem é uma coisa que vai regulada o ano todo e dá um “boom” no final do ano.
P1 – Então, entrando agora no outro eixo da entrevista, o que você poderia dizer da trajetória da sua família? Principalmente... Me enganei na pergunta, desculpe. Deixa eu reformular ela. Eu vi que a loja tem um site, hoje em dia a internet está muito presente... Igual você falou, tem que saber vender o seu peixe, né? Agora pouco. Como é trabalhar em uma loja que ela começou com todo o formato pessoal, tem ali um ourives que trabalha artesanal, ali isoladinho, sentadinho, entrar na era da informática? Como é ter este suporte?
R – Pra nós foi muito bom. A gente tem muito retorno através da internet e é muito bom porque a gente é uma empresa de mais de 50 anos, e pelo menos na nossa região ela é bem tradicional, fica conhecida, então... É uma empresa honesta, vamos dizer assim, as pessoas confiam, né? Pelo menos os antigos que acompanharam... E a gente tenta passar esta imagem na internet. Porque internet atinge o Brasil inteiro. Tenta passar essa imagem e realmente eu acho que ela é passada. Então, uma pessoa que está no norte do país vai procurar empresas como a nossa e vê lá “ Ah, essa aqui tem 50 anos”, vê alguma coisa ali que sente um pouco mais... Como a pessoa não vê fisicamente a loja, não está lá presente né? Dentro da loja, ela sente mais segurança em ver que existe uma loja muito antiga e confia um pouco mais do que uma coisa nova que tem muita coisa por vir, muita coisa nova vindo por aí. Não que não sejam boas, mas é que acho que passa um pouco mais de confiança esta carga, esta tradição que a gente tem. Isso é bom, tem sido bom pra gente.
P1 – Você falou agora pouco da questão física do lugar, a loja está situada no mesmo endereço há quantos anos?
R – Ela começou na César (Berrenbach?), que é há uma quadra de onde nós estamos aí, em 1953, e foi até 1987. De 1987 pra cá nós estamos neste endereço. Então em 50 e poucos anos ela ficou em dois endereços, né? E não sei, talvez isto seja bom também, uma referência, talvez seja bom.
P1 – E a disposição física da loja, ___________. Ela se transformou muito com o tempo? Você falou, acaba criando uma relação afetiva dos clientes, vira uma referência. Mas a disposição física, sei lá, o tipo de mostruário, isso mudou muito?
R – Muda um pouco, acompanha um pouco as tendências, moderniza e tal, mas não muda muito. A distribuição física nossa não mudou nada. Mudou peças... Mostruário sim, mas a distribuição física não mudou em nada, continuou. Isso não vejo por que mudar também. Também passa uma imagem de coisa tradicional, né? Acho que também é bom.
P1 – Em 50 anos vocês conseguiram desenvolver clientes fiéis? Vocês tem clientes que vão, voltam...
R – Sim, tem clientes que confiam na gente. Ainda esses dias aí a gente estava desenvolvendo um “prêmiozinho” lá, para uma empresa, e a funcionária falou “ Eu vou te mandar uma mostra, um modelo de como vai ficar, (pra você entender?)...” “ Não, não, não Chinellato não precisa mostrar nada, eu confio em vocês, faz do jeito que você achar melhor que está bom.”. Quer dizer (tá bom, então vamos fazer?), então é cliente antigo, né? Que sempre procuram, estão satisfeitos então não há porque dessa vez a gente mancar com eles, heim? Aí não pode ______________________ (risos) pra atender bem, né?
P2 – E na parte de jóias, também têm clientes fiéis?
R – Tem. Às vezes chegam casais lá, pra fazer aliança de bodas de ouro, que fez aliança de casamento há 50 anos atrás, volta lá pra fazer aliança de bodas de ouro. Isso aí é muito comum.
P2 – É bacana esta parte, né? Justamente aquilo da emoção (risos)
R – É, às vezes a gente (vê?) mãe, que leva a filha com o noivo, né? “Olha, aqui eu fiz a aliança com o seu pai, agora eu vou fazer a de vocês”. Isso aí tem muito lá.
P1 – E esta questão da aliança, vocês trabalham a gravação da aliança também?
R – Também.
P1 – É muito comum ainda as pessoas colocaram nome, data...
R – Sim, é. Direto.
P1 – Vocês trabalham com algum tipo de promoção? Alguma coisa assim do tipo pra loja, ou ela segue aquele formatinho, vamos dizer assim, que anda por si só?
R – Na maior parte das vezes anda por si só. A gente faz sim promoções, a gente faz também. Mas é esporádico. Mas tem sim, tem também. ______________ a gente faz uma.
P1 – Quais os maiores desafios que você enfrentou trabalhando no comércio? Como a gente falou agora pouco, né? Eu queria saber se o Gil engenheiro entrava na área do Gil comerciante, né? E quais os maiores desafios que você enfrentou nessa área?
R – Acho que o maior adversário nosso é o governo (risos). São os encargos, isso aí eu acho que é a maior dificuldade que todas as empresas hoje enfrentam. Realmente é uma carga pesada que a gente tem que arcar e isso aí realmente pesa. Se não fosse tão pesada as coisas seriam mais fáceis. Mas isso (a gente tem que?) encarar como desafio, né? Essas são as regras, tem que seguir estas regras. Então é isso daí. Desafio mesmo são estas criações malucas que a gente tem que desenvolver às vezes. É um desafio técnico, né? Mas como negócio não tem outra coisa não.
P1 – Na sua opinião, qual é o segredo pra ter um estabelecimento que dure tantos anos assim no mercado? Assim, um ponto de vista estritamente pessoal.
R – É, eu acho que dedicação, sabe? Quando começa a trabalhar com vontade, ver a coisa ________, essa questão de tradição, de qualidade que a gente sempre procura atingir é uma coisa que “Pô, se eu sou bom no que eu faço, porque que eu vou parar, né? Vou continuar sendo...”. Isso é bom, né? “Continuar sendo bom no que eu faço. Eu faço um negócio tão bom e vou parar agora? Não. Tá bom, vamos continuar.” E isso aí faz o negócio continuar andando, não morrer, né?
P1 – Como é você entrar na loja, sabendo que você já é a quarta geração de uma coisa que carrega tanta história?
R – (Risos). É normal, eu não vejo desta forma não. O negócio muda, né? Hoje não é a mesma coisa. Continua mas não é a mesma loja, é tudo muito diferente. Eu lembro que antigamente meu pai estava gravando à mão, em um trabalho artesanal, meio artístico, vamos dizer assim, e punha uma placa “Silêncio, estamos gravando”. Imagina se põe uma placa disto em uma loja hoje, é um absurdo, né? Tinha uma época que tinha uma frase “Não vendemos fiado, principalmente para amigos”. Quer dizer, hoje todo mundo compra parcelado, faturado, 30 dias, (não sei o que?). Então isso são coisas muito diferentes, né? É outra época.
P1 – Totalmente. Essa de “Silêncio,estamos gravando” a gente tem que adotar em um museu, assim.
R – “Não passamos preços por telefone”. Isto é uma ordem há muito tempo atrás. Hoje você tem compra por telefone, o pessoal compra por telefone, compra por internet. O preço tá na internet, não precisa nem falar.
P1 – Caem os costumes e surgem outros.
R – É, exatamente.
P1 – Você falou esta questão da placa, né? “Não vendemos fiado, principalmente para amigos”. Existiu algum tipo... Isto surgiu devido a prática do dia-a-dia mesmo na época do seu pai ou alguma coisa assim do tipo? Ou é mais aquela placa de loja mesmo?
R – É uma coisa que... Eu não sei, eu sei que acontecia, né? Amigo leva uma coisa, leva outra, vai no caderninho, né? Aí esquece de pagar, né? Isso é uma coisa que acontecia, então com uma placa dessas pelo menos um amigo chega e já fala “Olha, é melhor não pedir dessa vez não, é melhor comprar à vista.”
P1 – Intimida (risos).
R- É, mas hoje não é assim não, hoje a pessoa pega, leva, depois recebe a cobrança em casa.
P1 – Como você percebe o comércio de Campinas e da região de Campinas hoje em dia? Porque você deve se relacionar com outros comércios, você tem fornecedores... Como você percebe este comércio de Campinas? Você acha que ele é esfervecente?
R – Não sei dizer muito sobre isso não, acho que ele acompanha o crescimento da cidade, e como todo negócio hoje, está tudo mais... Pessoas falam em “globalizado”, mas uma empresa da cidade vende pro Brasil inteiro, né? E por outro lado, clientes da cidade compram no Brasil inteiro. Então, especialmente nesta área de prêmios, com a facilidade hoje de comunicação, de remessa de mercadoria, a gente vendo pro Brasil inteiro e o Brasil inteiro compra da gente e assim como muita gente de Campinas compra de outros lugares também, sem qualquer dificuldade. Então eu acho que uma loja em uma cidadezinha do interior pode crescer muito também. Vendendo pro Brasil inteiro sem ninguém saber que está em um interiorzinho, em uma cidadezinha.
P2 – Você falou que vende para o Brasil inteiro. Você tem muita encomenda de fora de São Paulo?
R – Tem, tem muita encomenda.
P2 – Qual é esta proporção na sua loja?
R – Em termos de porcentagem, eu diria aí, não é muito grande, mas tem coisa de 20%, mais ou menos, (fora?) da região. Fora da região, né? Porque a região aqui, sem contar cidades mais próximas, né?
P2 – E isto foi depois que você passou a vender pela internet?
R – Foi.
P2 – É um retorno da internet?
R- É. Mas é o que eu falei. Por outro lado, isso é muito bom, mas também é muito ruim. Porque essa mesma pessoa, as pessoas de Campinas que são clientes nossas, nada impede deles deixarem de comprar de nós e comprar de outras empresas de outros lugares do Brasil. Então é uma faca de dois gumes, né? É bom é ruim ao mesmo tempo. Mas pra nós foi mais bom do que ruim. (Risos).
P2 – Isso te obriga, de repente, a manter um padrão de preço e de qualidade equiparado em nível de Brasil. Vocês pensam assim desta forma?
R – Qualidade, né? A gente briga por preço e qualidade com outras empresas. Mas a gente tenta vender a qualidade, né? Se a qualidade é boa e a pessoa confia, acredita que a gente tem uma qualidade boa, ela vai preferir nós do que um outro que não tenha tanta confiança. Por exemplo, mesmo sendo bom e não confia, então vai preferir aquele que confia. Eu compro pela internet assim, eu compro daquela empresa que dá a impressão que vai me entregar o produto direitinho. Não compro da mais barata. Eu acho que o cliente de internet pensa assim também.
P1 – Quando a gente pára prá pensar no seu ramo de trabalho, a gente vê que se funde muito com a arte. Neste país que a gente vive parece que as pessoas acham que a arte é algo que possa ser vendido. Como você encara isso assim, principalmente sendo que você vende algo que muitas vezes o cliente almejou muito tempo. Que é um trabalho que demanda tempo, paciência, trabalho. Como é pra você essa relação?
R – Eu acho que... Um exemplo, eu tenho um escultor, um artista plástico muito conceituado, premiado, primo da minha esposa, e ele faz esculturas pra nós, né? Então o cliente quer uma estatueta, uma escultura e ele desenvolve, ele cria, fica dois, três meses esculpindo uma peça pra depois a gente produzir um troféu daquilo lá. Isso aí, o cliente tem que entender que é um trabalho artístico, uma coisa totalmente diferente. O tempo é muito mais longo do que ir em uma loja e comprar, o preço é outro, os materiais são tudo coisas nobres, e você tem que vender uma arte, né? E isso a gente tem lá, a gente vende a arte, tem cliente que não imagina, né? Na hora que você fala que vai levar dois meses, que tem um artista ficando dia e noite encima daquilo lá (desenvolver?), e isto tem um preço, o cara não quer saber “Ah, eu não vou pagar isso.” Não enxerga que é uma arte. Outro não, outros “Ah, isso é legal, eu quero é _________ artístico e tal”. E vai assinado, vai numerado, vai tudo... A gente tem que vender isso, né? Faz parte, tem isso lá.
P1 – Você falou que vai assinado, numerado, isso é por ignorância minha, não repara, mas existe uma certificação, tipo “Essa peça foi feita pra fulado de tal”, alguma coisa assim específica?
R – Olha, um exemplo bem recente: o cliente quis uma estátua de um Deus Grego, que ele já viajou até na Grécia e não encontrou esta estátua. Aí ele nos mandou fotos de Museus que tinham estátuas grandes desse Deus, fotos de produções assim, e pediu pra gente fazer. Esse é um cliente que reconhece a arte, né? “Pô, eu quero uma estátua pro meu consultório.” Aí desenvolveu a arte, né? Primeiro tem a peça inicial, tem a escultura, aí faz a fundição, aí você pode fazer quantas cópias quiser nesta fundição. E aí a primeira cópia se chama “prova do artista”, fica guardada ali pra gente. Aí o cliente recebe a número dois, número três. Vai numeradinho. Então ele vai ver o valor daquela peça. E por ser as primeiras peças vai ter um valor, talvez não monetário, mas um valor emocional maior, né?
P1 – Eu falei isso porque eu fui na Pinacoteca uma vez e eu li lá um texto, tem escultura do Rodin lá, etc e tal. Eu fiquei lá e falei “Nossa, mas tem uma peça do Rodin aqui? (Mas?)” “Não, como a peça é escultura, eles mantiveram o molde inicial e fizeram outras cópias que estão todas espalhadas pelo mundo”.
R – É isso aí, é assim mesmo.
P1 – Agora já entrando na parte final da entrevista, o que você acha do Sesc está investindo em um projeto de memória deste tipo que a gente está fazendo agora?
R – Eu acho muito bom. Eu acho que, por exemplo, no nosso caso, se levasse mais alguns anos para acontecer esta entrevista, tinha umas informações aqui que eu não conseguiria dar mais, porque as gerações estão indo, né? (Risos). Então eu acho que é muito bom manter isso, continuar. É uma coisa que não deve parar porque tudo vai mudando. Eu acho muito interessante. É história, né?
P2 – E que lição de vida você tirou da atividade do comércio? Prá você.
R – Lições de vida? Bom, eu só acho que a gente tem que trabalhar muito, trabalhar duro. Não só no comércio, mas em qualquer atividade. Não é uma loteria a vida, a gente tem que, prá progredir, prá não afundar, tem que trabalhar duro em qualquer área. Isto aí, trabalhando duro e com dedicação, vai ter um retorno.
P1 – E o que você achou de fazer esta entrevista hoje?
R – Interessante, muito bom. Gostei.
P1 – Então era isso, acabou.
R – Obrigado.
P1 – De nada, eu que agradeço. Muito bom.