Júlio Maria Noia Miranda nasceu no munícipio do Iúna no Espírito Santo no ano de 1950. Conta brevemente sobre sua infância até passar a trabalhar na Itaipu Binacional. Na Usina de Itaipu, foi Gerente de Recursos Humanos e o funcionamento do ambiente de trabalho no qual estava inserido.
Identificação
Sou Júlio Maria Noia Miranda, nasci em Pequeá, Município de Iúna no Espírito Santo, em 29 de novembro de 1950.
Família
Meu pai chamava-se João Fernandes Miranda e minha mãe Ester Noia de Miranda. Meu pai mexia em fazenda de café e milho me Minas Gerais. Minha avó, mãe da minha mãe, faleceu há pouco tempo tem até hoje fazenda em Espírito Santo. Meu pai é natural de Minas, ali da divisa com o Espírito Santo, uns 3 quilômetros da divisa. Então é por isso que confunde também um pouco Espírito Santo e Minas.
Infância
Eu saí do Espírito Santo em 1960 quando minha mãe faleceu. Então nós éramos uma família de dez irmãos. Entre 1960 e 1962 eu morei na fazenda da minha avó no Espírito Santo. Eu tinha 9 anos quando ela faleceu, com 12 anos, em 1962, eu fui morar no Rio de Janeiro na casa de um tio onde eu fiquei até 1965. Foi quando surgiu a oportunidade no Rio de Janeiro e eu fui trabalhar na Rede Tupi de televisão. Depois eu fui trabalhar na Brahma, na área de pessoal onde eu fiquei 6 anos, aí surgiu a oportunidade e eu vim em 1966 para trabalhar em Foz de Iguaçu, em Itaipu.
Itaipu
Primeiras impressões
As primeiras vezes que eu ouvi falar em Itaipu foi no início, na televisão, a respeito da construção e surgiu essa oportunidade porque um cunhado do meu irmão que morava em Brasília, trabalhava na Embratel e meu irmão foi convidado para ser gerente de Recursos Humanos em Itaipu e como ele estava muito bem na Embratel me indicou pra vir no lugar dele. Isso porque eu trabalhava na Brahma nessa mesma área, então surgiu esse convite, essa oportunidade e eu vim pra cá. Pra mim foi um desafio muito grande, uma oportunidade imensa de um novo desafio, de uma nova atividade.
Dia-a-dia do trabalho - dificuldades
Quando eu cheguei aqui o desafio foi maior por causa das peculiaridades da binacionalidade de Itaipu, que era uma empresa binacional no país e com legislação trabalhista diferente do que eu estava acostumado na Brahma no Rio. Em Itaipu existe os protocolos de relações trabalhistas que foram negociados entre os dois governos e foi feita uma legislação de pessoal específica para Itaipu. Então fomos a fio até aprender aquilo ali, estudar, ler toda essa parte. É, existe uma legislação própria de Itaipu na área de pessoal, que é diferente da legislação brasileira, tem algumas coisas que ela segue de CLT mas tem coisas que são especificas do Protocolo de Relações de Trabalho de Itaipu. E isso vale tanto pro Brasil como pro Paraguai. Foi uma lei feita por juristas brasileiros de renome para ser aplicada para os dois povos, quer dizer, para os empregados brasileiros e paraguaios que aqui trabalhassem pro projeto. Como a lei do Paraguai era uma e do Brasil era outra, criou-se uma legislação própria. Foi o professor Délio Maranhão e doutor Arnaldo Suscekind que escreveram essa legislação e foi aprovada pelos dois países, pelas altas partes contratantes para aplicar àqueles empregados, trabalhadores que trabalhassem dentro de Itaipu que é uma área binacional tanto do Brasil como do Paraguai. É única no país.
Foz do Iguaçu
Primeiras impressões
Olha, eu sempre havia morado com a minha família e Foz do Iguaçu, por ser de cidade do interior eu já tinha assim uma... Tanto é quando eu sai do Rio de Janeiro, eu morava em Copacabana e foi um espanto pros meus colegas: “Você vai pra cidade do interior, você vai largar isso aqui, a praia?” Eu falei: “Não, eu já tenho um certo conhecimento porque a minha família era do interior.” Mas foi uma mudança muito grande porque você sai de uma Capital, você sai de um grande centro com cinema, com teatro e de repente vai pra uma cidade que na época tinha em torno de 20 mil habitantes. E de repente, só em Itaipu em 1978, 1979, trabalhando tinha 45 mil pessoas. Quer dizer, essa cidade não oferecia pra aquelas pessoas, pra aqueles trabalhadores que aqui estavam que eram verdadeiros desbravadores não oferecia muito recurso. Tanto é que nós moramos na Casa de Hóspedes de Itaipu, com vários colegas meus, eu fiquei um ano solteiro. O meu colega de quarto praticamente há cada 15 dias era uma pessoa diferente, aqueles que vinham e não suportavam, não sujeitavam ficar aqui, pessoas como eu que tinha um nível de estudo chegavam aqui e não agüentavam realmente, não suportavam e iam embora.
Alojamento
Essa Casa de Hóspedes era um hotel, porque é o seguinte: Itaipu construiu alojamentos aqui dentro, tinha milhares de pessoas alojadas, solteiros e como eu também era solteiro e tinha um pessoal de nível mais elevado, uma graduação, fomos colocados nos hotéis da cidade. Então foi um hotel que foi alugado que se chamava Casa de Hóspedes, eram os funcionários de nível de Itaipu solteiros, então eu morei nesse hotel lá.
Vida de barrageiro
Olha, uma coisa muito interessante é que você passa a fazer amizades porque a gente sempre estava em contato com engenheiros, médicos, arquitetos e a cidade de repente foram construídas 2 mil casas no conjunto A, 300 no conjunto B e você via a cidade sendo transformada de um momento para o outro. Era uma transformação total e a gente convivendo com essas pessoas, era um verdadeiro desbravamento de uma cidade do interior, era uma coisa que eu não havia ainda presenciado, foi um momento muito gratificante.
Foz do Iguaçu
Primeiras impressões
Olha, a gente tinha um sentimento porque quando eu entrei pela primeira vez em Itaipu que me explicaram o que seria Itaipu, que eu fiz as primeiras entrevistas no Rio, no início eu não quis vir porque eu tinha estado em Foz do Iguaçu, fiz uma entrevista fui aprovados, mas não gostei. Isso porque no Rio de Janeiro tinha saído da praia com 40 graus e cheguei aqui era mês de abril e a temperatura estava menos três, então foi um choque muito grande. Então eu falei: “Não, com esse frio que está aqui por dinheiro nenhum eu venho.” Então foi uma longa negociação até que eu aceitasse essa vinda pra cá, mas a partir do momento que eu aceitei eu falei: “Bom, agora tem que aceitar.” Foi uma parte mesmo difícil, esse período inicial.
Itaipu
Dia-a-dia de trabalho
A minha atribuição no início era Gerente de Recursos Humanos, então eu cuidava da parte de toda movimentação de pessoal: admissão, demissão e benefícios. Gerenciava a parte de benefícios que na época era tudo junto dentro de uma unidade que chamava Unidade Operativa de Pessoal. Essa unidade cuidava de recrutamento e seleção, admissão do pessoal, movimentação e registros e benefícios como escola, transporte, saúde, fora a parte de transporte em gerais. Mas a minha área cuidava especificamente da movimentação, registro, admissão e benefícios, os benefícios de saúde que chamava Pan, que era o reembolso daquelas despesas que por ventura a empresa não fornecesse e nós poderíamos fazer fora que nós fazíamos o reembolso, nós cuidávamos dessa parte. Eu era contratado direto pela Itaipu. Nós tínhamos uma empresa que chamava CAEB, Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras, e nós éramos empregados da CAEB colocados à disposição de Itaipu. Depois em 1985, ainda na minha gerência, quando eu estava ainda no Recursos Humanos – que eu sai em 1990 -, em maio de 1985 a Itaipu criou o quadro próprio e ela deu a opção para os empregados que quisessem sair da CAEB e entrar no quadro próprio de Itaipu, todos entraram, todo mundo deixou porque era definitivo, um emprego definitivo. No primeiro ano solteiro a gente trabalhava das 7 da manhã de segunda a sábado até 10, 11 horas da noite quase todos os dias. Primeiro que a cidade não tinha muito o que oferecer, na Casa de Hóspedes onde eu morava na cidade toda naquela época em 75, 76, 77 só pegava um canal de TV era preto e branco só passava filme de bang bang e saia do ar ás 10 horas da noite, então era uma aventura. Cinema na cidade só tinha um, quando eu casei fim de 1976 eu trouxe a esposa pra cá ela relutou muito foi uma dificuldade muito grande pra ela ficar, hoje ela adora a cidade mas foi um sacrifício muito grande porque na época não tinha carro, pegava um ônibus só tinha um cinema na cidade e pra você ir assistir o filme se ele atrasasse 5 minutos eu tinha que sair do filme 10 minutos antes dele terminar. Antes tinha que ver quem estava assistindo o filme pra eu perguntar no dia seguinte como tinha terminado o filme porque eu não podia assistir o final, então era uma verdadeira odisséia. Acompanhei toda a construção porque como eu trabalhava na parte de Recursos Humanos, de parte pessoal, então eu era responsável pela parte de ponto do pessoal, de férias, de acidentes, ocorrência de acidente, então eu participei de toda construção.
Momento marcante
O momento marcante da construção em si foi quando a gente chegou aqui e não imaginava a grandeza que seria Itaipu, porque a gente via aquele mundo de gente trabalhando mas você olhava assim era mata, muita mata, tratores entrando e abrindo aquilo tudo. Eu lembro de alguns episódios, um por exemplo, na primeira auditoria em 1976, após o trabalho o auditor falou assim: “Júlio, agora eu gostaria de conhecer...” selecionou 20 elementos, 20 empregados que ele gostaria de fazer, ver pessoalmente pra poder confirmar que aquelas pessoas eram empregados, então nós levamos 2 dias pra poder localizar todos esses empregados dentro da mata, alguns dentro dos buracos da Usina, que tinha que chegar e ele dizia assim: “Ah, eu não desço.” “Bom, se você quiser ver ele tem que descer”. Um deles estava num poço que foi escavado na margem direita que era um poço de medição, fizeram um poço que descia abaixo do nível do rio pra ficar fazendo medição de infiltração de rochas e esse empregado tava lá embaixo: “Olha, você tem que pegar uma gaiolinha, você tem que descer pra você encontrar ele lá embaixo porque ele está lá.” Então ele desceu encontrou a pessoa e falou que foi a pior auditoria que tinha feito na vida dele.
Causos
Tem várias histórias engraçadas, vou contar uma delas, eu só vou omitir o nome da pessoa porque eu não tenho autorização dela pra colocar o nome. Em 1976 eu cuidava já da área de pessoal e teve um colega que parece que na noite anterior ele era guarda de segurança, ficou muito amigo meu depois. Na noite de folga ele bebeu um pouco tomou uns vinhos a mais e veio trabalhar no turno da madrugada logo em seguida e durante o horário de trabalho deu sede nele e ele foi escalado naquela noite pra cuidar do paiol de explosivos, então existia um local ali próximo dentro de uma mata próximo da barragem de rocamento, que era um paiol de explosivos onde era guardada toda a dinamite, os explosivos que eram usados pra dinamitar as rochas que nessa época estava abrindo-se o canal de desvio e tinha muito trabalho em rocha e explosão. As explosões eram feitas sempre nas trocas do turno sempre às 7 horas da manhã e às 7 horas da noite eram tão fortes que muitas vezes os globos de nossas casas na Vila caíam com a explosão de tão forte que era. Essas explosões eram na troca do turno porque tinha que evacuar toda a área, então não podia ficar ninguém na obra naquela hora dos explosivos. E nessa noite esse colega estava de serviço no paiol de explosivo e deu muita sede nele, então ele chamou pelo rádio, o pessoal da segurança e usou o código de Viga 1, Cobra 2. Ele falou: “Viga 1, Cobra 2 é fulano me mande água porque eu estou com sede” Daí 2 minutos: “Viga 1, Cobra 2 eu gostaria que mandasse água eu to com sede.” E nada. Passou 2 horas ele ligou o rádio e falou assim: “Atenção Viga 1, Cobra 2 incêndio, fogo no paiol Fogo no paiol” Apareceu uns dez carros de bombeiros e a segurança inteirinha que estava à noite foi pro local. Aí chegou lá: “Ô fulano cadê o fogo?” “Não quem está de fogo sou eu” Abriu a torneira do caminhão e começou a tomar água. Como deveria ocorrer no dia seguinte ele foi afastado da segurança, na época não se fazia demissão, mas foi praticamente demitido, ele foi encaminhado, devolvido pra área de Recursos Humanos então nessa devolução aí depois eu fiz uma entrevista com ele, verifiquei que ele tinha bastante conhecimento de contabilidade e nós aproveitamos ele na nossa área, ele foi reaproveitado, mas ele na segurança não ficou
Avaliação
Sobre a entrevista
Contar a minha história e a de Itaipu foi extremamente gratificante. Primeiro porque eu acho que Itaipu com isso aí resgata a vida, a memória da empresa, quer dizer, a memória viva poder ser contada pelos próprios colegas, pelos próprios empregados e é muito gratificante pra mim pessoalmente poder entre milhares de empregados, ter sido escolhido pra fazer parte dessa memória, é muito gratificante em meu nome e em nome da minha família muito obrigado.
Itaipu Binacional - Memorial do Trabalhador (ITA)
"Com esse frio que tá aqui por dinheiro nenhum eu venho”
História de Julio Maria Noia Miranda
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 08/11/2005 por Museu da Pessoa
Nome do projeto: Memorial do Trabalhador
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de: Júlio Maria Nóia Miranda
Entrevistado por: Claudia Leonor
Foz do Iguaçu, 28 de agosto de 2002
Código: ITA_CB011
Transcrito por: Elisabete Barguth
P1 – Vamos começar de novo a entrevista, pedindo pra você falar o nome completo, o local e data de nascimento.
R – Sou Júlio Maria Nóia Miranda, nasci em Pequeá, Município de Iúna no Espirito Santo, em 29 de novembro de 1950.
P1 – E o nome de seus pais?
R – Meu chamava-se João Fernandez Miranda e minha mãe Ester Nóia de Miranda.
P1 – E o que eles faziam assim, fala pra gente.
R – Meu pai mexia em fazenda de café e milho me Minas Gerais.
P1 – Porque Minas Gerais e Espirito Santo?
R – Porque tinha minha avó, mãe da minha mãe tem até hoje faleceu a pouco tempo, tem fazenda em Espirito Santo e meu pai é natural de Minas, porque ali é divisa, 3 quilômetros da divisa então é por isso que confunde também um pouco Espírito Santo e Minas.
P1 – E me fala uma coisa quando que você saiu de lá do Espirito Santo e veio pra Foz?
R – Eu sai do Espirito Santo em 1960 que minha mãe faleceu, então nós éramos uma família de dez irmãos, eu fui em 62 eu morei em 60, 62 na fazenda da minha avó no Espirito Santo,
P1 – Com a sua avó, você tinha quantos anos?
R – Eu tinha 9 anos quando ele faleceu, com 12 anos em 1962 eu fui morar no Rio de Janeiro na casa de um tio onde eu fiquei até 1965, quando então surgiu a oportunidade no rio eu trabalhei na Rede Tupi, na televisão e depois eu fui trabalhar na Brahma, na área de pessoal onde eu fiquei 6 anos, aonde surgiu a oportunidade eu vim em 66 pra trabalhar em Foz de Iguaçu, em Itaipú.
P1 – Como é que surgiu essa oportunidade, quais foram as primeiras coisas que você ouviu falar sobre Itaipú?
R – Eu via no inicio na televisão a respeito da construção que falava na televisão e surgiu essa oportunidade porque um cunhado do meu irmão que morava em Brasília, trabalhava na Embratel. Esse meu irmão foi convidado a ser gerente de Recursos Humanos em Itaipú e como ele estava muito bem na Embratel me indicou pra vir no lugar dele porque eu trabalhava na Brahma nessa mesma área, então surgiu esse convite, essa oportunidade e eu vim pra cá. Pra mim foi um desafio muito grande, uma oportunidade imensa de um novo desafio, de uma nova atividade e principalmente quando eu cheguei aqui o desafio foi maior por causa das peculiaridades da binacionalidade de Itaipú, que era uma empresa binacional no país e com legislação trabalhista diferente do que eu estava acostumado na Brahma no Rio, porque Itaipú existe os protocolos de relações trabalhistas que foram negociados entre os dois governos que tem uma legislação especifica de pessoal pra Itaipú, então fomos a fio até aprender aquilo ali, estudar, ler toda essa parte...
P1 – É uma legislação própria?
R – É uma legislação própria a legislação de Itaipú, na área de pessoal então é diferente da legislação brasileira, tem algumas coisas que ela segue de CLT mas tem coisas que são especificas do protocolo de relações de trabalho de Itaipú.
P1 – E vale tanto pro Brasil como pro Paraguai?
R – Tanto pro Brasil como pro Paraguai. Foi uma lei feita por juristas brasileiros de renome como o, agora me escapou o nome dele, então essa legislação foi feita pra ser aplicada para os dois povos, quer dizer, para os empregados brasileiros e paraguaios que aqui trabalhassem pro projeto, porque a lei do Paraguai era uma e do Brasil era outra, então criou-se uma lei, foi o professor Délio Maranhão e doutro Arnado Sucequinte que escreveram essa legislação e foi aprovada pelos dois países, pelas altas partes contratantes porque essa lei foi feita pra aplicar aqueles empregados, trabalhadores que trabalhassem dentro de Itaipú que é uma área bi nacional tanto do Brasil como do Paraguai.
P1 – E é única?
R – É única no país.
P1 – Me fala uma coisa, quando você chegou aqui em Foz qual foi a primeira impressão?
R – Olha, eu já havia morado sempre a minha família por ser de cidade do interior eu já tinha assim uma, tanto é quando eu sai do Rio de Janeiro, eu morava no Rio morava em Copacabana, então foi um espanto pros meus colegas “Você vai pra cidade do interior, você vai largar isso aqui, a praia aquele troço todo”, eu falei: “Não, eu já tinha um certo conhecimento porque a minha família era do interior”, mas foi uma mudança muito grande porque você sai de uma capital, você sai de um grande centro com cinema, com teatro e você entra de repente vai pra uma cidade que na época tinha em torno de 20 mil habitantes e que de repente tinha só em Itaipú trabalhando em 78, 79 45 mil pessoas, quer dizer, essa cidade não oferecia pra aquelas pessoas, pra aqueles trabalhadores que aqui estavam que eram verdadeiros desbravadores não oferecia muito recurso, tanto é que onde eu morei na casa de hospedes de Itaipú, vários colegas meus eu fiquei 1 anos solteiro aqui, o meu colega de quarto praticamente cada 15 dias era uma pessoa diferente, aqueles que vinham não suportavam, não sujeitavam ficar aqui, pessoas como eu que tinha um nível de estudo chegavam aqui e não agüentavam realmente, não suportavam e iam embora.
P1- O que era essa casa de hospedes?
R – Essa cada de hospedes era um hotel, porque é o seguinte Itaipú construiu alojamentos aqui dentro, tinha milhares de pessoas alojadas, solteiros e como eu também era solteiro mas um pessoal de mais nível, que tinha um nível mais elevado, uma graduação eles então colocaram nos hotéis da cidade, então foi um hotel que foi alugado que se chamava Casa de Hospedes, eram os funcionários de nível de Itaipú solteiros, então eu morei nesse hotel lá.
P1 – Como que era esse cotidiano, você falou que cada hora era um colega, mas como que era o cotidiano?
R – Olha, você passa a fazer amizades, é uma coisa muito interessante porque a gente sempre tava em contato com engenheiros, médicos, arquitetos a cidade você vê de repente de centenas tantas mil casas foram construídas 2 mil casas no conjunto A, 300 no conjunto B você via a cidade assim de um momento pro outro sendo transformada, era uma transformação total e a gente convivendo com essas pessoas, era um verdadeiro desbravamento de uma cidade do interior, era uma coisa que eu não havia ainda presenciado, foi um momento muito gratificante.
P1 – Júlio, as primeiras vezes que você chegou aqui no local da Usina o que você sentiu assim.
R – Olha, a gente tinha um sentimento porque quando eu entrei pela primeira vez em Itaipú que me explicaram o que seria Itaipú, que eu fiz as primeiras entrevistas no Rio, no inicio eu não quis vir porque eu tinha estado em Foz, fiz uma entrevista fui aprovados mas não gostei porque no Rio tinha saído da praia com 40 graus cheguei aqui era mês de abril e a temperatura tava menos três, então foi um choque muito grande, então eu falei: “Não, com esse frio que tá aqui por dinheiro nenhum eu venho”, então foi uma longa negociação até que eu aceitasse essa vinda pra cá, mas a partir do momento que eu aceitei eu falei: “Bom, agora tem que aceitar”, foi um parte mesmo difícil, essa parte inicial.
P1 – E assim dentro do seu trabalho que você desenvolveu, quais foram as principais atribuições suas?
R – A minha atribuição no inicio por exemplo eu era Gerente de Recursos Humanos, então eu cuidava da parte de toda movimentação de pessoal admissão, demissão e benefícios, gerenciava, cuidava da parte de benefícios que na época era tudo junto dentro de uma unidade que chamava Unidade Operativa de Pessoal, então essa unidade cuidava de recrutamento e seleção, admissão do pessoal, movimentação e registros e benefícios que tinham os benefícios, depois Itaipú deu escola, transporte, saúde, fora a parte de transporte em gerais, mas a minha área especificamente a gente cuidava da movimentação, registro, admissão e benefícios que tinham os benefícios de saúde que chamava Pan que era o reembolso daquelas despesas que por ventura a empresa não fornecesse aqui nós poderíamos fazer fora que nós fazíamos o reembolso, nós cuidávamos dessa parte.
P1 – Você era contratado da Itaipú ou do Consórcio?
R – Não, direto pela Itaipú, nós tínhamos uma empresa que chamava CAEB, Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras, então nós éramos empregados da CAEB colocados à disposição de Itaipú, depois em 1985 ainda na minha gerencia, quando eu estava ainda no Recursos Humanos quando eu sai em 90, em maio de 85 a Itaipú criou o quadro próprio então com a criação do quadro próprio ela deu a opção para os empregados que quisessem sair da CAEB e entrar no quadro próprio de Itaipú, todos entraram, todo mundo deixou porque era definitivo, um emprego definitivo.
P1 – Como é que era o seu cotidiano de trabalho assim?
R – No primeiro ano solteiro aqui a gente trabalhava das 7 da manhã de segunda a sábado até 10, 11 horas da noite quase todos os dias. Primeiro que a cidade não tinha muito o que oferecer, na Casa de Hospedes onde eu morava na cidade toda naquela época em 75, 76, 77 só pegava um canal de TV era preto e branco só passava filme de bang bang e saia do ar às 10 horas da noite, então era uma aventura. Cinema na cidade só tinha um, quando eu casei fim de 76 eu trouxe a esposa pra cá ela relutou muito foi uma dificuldade muito grande pra ela ficar, hoje ela adora a cidade mas foi um sacrifício muito grande porque na época não tinha carro, pegava um ônibus só tinha um cinema na cidade e pra você ir assistir o filme se ele atrasasse 5 minutos eu tinha que sair do filme 10 minutos antes dele terminar, tinha que ver antes quem estava assistindo o filme pra eu perguntar no dia seguinte como tinha terminado o filme porque eu não podia assistir o final, então era uma verdadeira odisséia.
P1 – Você acompanhou um pouco a construção?
R – Toda a construção porque como eu trabalhava na parte de Recursos Humanos, de parte pessoal, então eu era responsável da parte de ponto do pessoal, de férias, de acidentes, ocorrência de acidente, então eu participei de toda construção.
P1 – Qual o momento marcante pra você da construção?
R – Olha, da construção em si quando a gente chegou aqui não imaginava a grandeza que seria Itaipú, porque a gente via aquele mundo de gente trabalhando, mas você olhava assim era mata, muita mata, tratores entrando e abrindo aquilo tudo. Eu lembro de alguns episódios um por exemplo na primeira auditoria em 1976 o auditor fez a auditoria e após a auditoria o auditor falou assim: “Júlio, agora eu gostaria de conhecer...” selecionou 20 elementos, 20 empregados que ele gostaria de fazer, ver pessoalmente pra poder confirmar que aquelas pessoas eram empregados, então nós levamos 2 dias pra poder localizar todos esses empregados dentro da mata, alguns dentro dos buracos da Usina, que tinha que chegar e ele dizia assim: “Ah, eu não desço”, “Bom, se você quiser ver ele tem que descer”. Um deles tava num poço que foi cavado na margem direita que era um poço de medição, fizeram um poço que descia abaixo do nível do rio pra ficar fazendo medição de infiltração de rochas e esse empregado tava lá embaixo “Olha, você tem que pegar uma gaiolinha, você tem que descer pra você encontrar ele lá embaixo porque ele tá lá, então ele desceu encontrou o coiso e falou que foi a pior auditoria que tinha feito na vida dele.
P1 – Tem algumas histórias engraçadas que...
R – Tem varias, vou contar uma delas, eu só vou omitir o nome da pessoa porque eu não tenho autorização dela pra colocar o nome, na época em 76 eu cuidava já da área de pessoal teve um colega que parece que na noite anterior ele era guarda de segurança, ficou muito amigo meu depois, na noite de folga ele bebeu um pouco tomou uns vinhos a mais e veio trabalhar no turno da madrugada logo em seguida e durante o horário de trabalho deu sede nele e ele foi escalado naquela noite pra cuidar do paiol de explosivos, então existia um local ali próximo dentro de uma mata próximo da barragem de rocamento existia um paiol de explosivos onde era guardada toda a dinamite, os explosivos que eram usados pra dinamitar as rochas que nessa época tava fazendo, abrindo-se o canal de desvio então tinha muito trabalho em rocha e explosão, as explosões eram feitas sempre nas trocas do turno sempre às 7 horas da manhã e às 7 horas da noite eram tão fortes que muitas vezes nossas casas na Vila o globo caía com a explosão de tão forte que era a explosão.
P1 – Porque na troca do turno?
R – Porque tinha que evacuar toda a área, então não podia ficar ninguém na obra naquela hora dos explosivos então as pessoas eram retiradas. E esse colega nessa noite estava de serviço no paiol de explosivo e deu muita sede nele, então ele chamou pelo radio, o pessoal da segurança usa muito código de Viga 1, Cobra não sei o que, ele falou: “Viga 1, Cobra 2 é fulano me mande água pra mim que eu to com sede”, daí 2 minutos “Viga 1, Cobra 2 eu gostaria que mandasse água eu to com sede” e nada passou 2 horas ele ligou o radio e falou assim: “Atenção Viga 1, Cobra 2 incêndio fogo no paiol, fogo no paiol” apareceu uns dez carros de bombeiros e a segurança inteirinha que tava a noite foi pro local, aí chegou lá “O fulano cadê o fogo”, “Não quem tá de fogo sou eu” abriu a torneira do caminhão e começou a tomar água. Como deveria ocorrer no dia seguinte ele foi afastado da segurança, na época não se fazia demissão, mas foi praticamente demitido, ele foi encaminhado, devolvido pra área de Recursos Humanos então nessa devolução aí depois eu fiz uma entrevista com ele, verifiquei que ele tinha bastante conhecimento de contabilidade nós o aproveitamos na nossa área, ele foi reaproveitado, mas ele na segurança ele não ficou.
P1 – O que você achou de ter passado esse tempo com a gente e ter contado um pouquinho da sua história e da história da Itaipú pro projeto Memorial do Trabalhador.
R – Eu achei extremamente gratificante primeiro pelo seguinte porque eu acho que Itaipú com isso aí resgata a vida, a memória da empresa, quer dizer, a memória viva poder ser contada pelos próprios colegas, pelos próprios empregados e é muito gratificante pra mim pessoalmente poder entre milhares de empregados poder ter sido escolhido pra fazer parte dessa memória, é muito gratificante em meu nome e em nome da minha família, muito obrigadp.
P1 – Obrigada você.