Em sua breve entrevista, Dionísio fala de sua infância em Polignano a Mare, onde muito trabalhou no campo, colhendo e plantando. Em seguida, descreve a cidade e seus costumes, festas e tradições. Depois ouvimos sobre a morte de seus pais e sua viagem para São Paulo, onde ficaria no Brás. Diz Dionísio que veio trabalhar logo no dia em que chegou, sem sequer saber uma palavra de português. A partir daqui, nos conta sobre seus negócios cerealistas, sua empresa Diolena e seus sonhos para o futuro.
Caído de paraquedas no Brás
História de Dionísio L' Abbate
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 31/10/2016 por Lucas Torigoe
P/1 – O senhor fala pra mim o seu nome completo, onde o senhor nasceu e que dia o senhor nasceu.
R – Dionísio L’Abbate. Nascido em Polignano a Mare no dia dez do cinco de 1935.
P/1 – Qual o nome do seu pai?
R – Vitor Antônio L’Abbate.
P/1 – Ele nasceu em Polignano também?
R – Também.
P/1 – Você sabe que data ele nasceu?
R – Ih, agora não me lembro.
P/1 – Tudo bem.
R – Já faleceu faz tempo.
P/1 – E a sua mãe, qual é o nome dela?
R – Isabella L’Abbate.
P/1 – É de Polignano também.
R – Polignano a Mare também.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família? Eles são todos lá?
R – É tudo nativo lá de Polignano que eu sei.
P/1 – E eles faziam o quê, em Polignano?
R – Trabalhavam no campo mesmo. Eu trabalhei no campo também.
P/1 – A família do seu pai trabalhava no campo, fazia o quê? Plantava?
R – É, tudo quanto é semente se plantava, se colhia. E tinha arvoredo também, azeitona, amêndoa, essas coisas todas.
P/1 – E vendia?
R – Vendia, ô! Devia vender senão não dava pra viver!
P/1 – E eles vendiam essas azeitonas?
R – É, vendiam as azeitonas pra quem fabricava óleo. Amêndoa que tinha atacado depois e vendia pro exterior.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – E o que mais eles faziam, a família do seu pai?
R – Plantava batata, trigo, tudo o que era da lavoura.
P/1 – Pra comer mesmo?
R – Comer e se era demais vendia também.
P/1 – Vocês tinham muita posse?
R – Tinha bastante, tipo sítio assim, mais ou menos, um deveria dar um quilômetro, outro mais um quilômetro, mas todo dia tinha campo.
P/1 – E a família da sua mãe?
R – Também a mesma coisa.
P/1 – Mesma coisa? E você sabe como seus pais se conheceram, seu Dionísio?
R – Ah, não sei.
P/1 – Eles não contaram essa história?
R – Não (risos). Naquela época era um pouco restrito, acho.
P/1 – Ah, é?
R – Coisa íntima, sei lá.
P/1 – Eles não falavam muito assim?
R – Não.
P/1 – E como era a casa do senhor em Polignano?
R – A casa era um sobrado, embaixo tinha a carroça, animal, dormia em cima, tudo era em cima.
P/1 – Vocês moravam em cima?
R – É.
P/1 – E essa casa era de tijolo?
R – Tijolo.
P/1 – Tijolo também.
R – Tijolo de lá, né?
P/1 – Ah, é? Como é que era?
R – Mais ou menos assim, assim.
P/1 – Ah, é diferente?
R – Um metro, um metro e pouco de tijolo.
P/1 – Nossa! E como é que é a cidade lá? Polignano?
R – A cidade é toda assim mesmo, não tem. Hoje é cidade turística, tudo, é a beira mar. O ritmo de vida mudou bastante, bem pra melhor.
P/1 – Ah, é?
R – É. Hoje vai no campo, pega o trator, o carro, antes era tudo carroça com animal. Isso até 1960, não faz muito tempo, não. Hoje mudou muito, a minha cidade era 15 mil habitantes antes, hoje nas férias vira 60, 70, não dá nem pra andar.
P/1 – E você se lembra o nome da rua onde o senhor morava lá?
R – Era Via Roma, número 131.
P/1 – E como era essa rua?
R – Era uma das principais da cidade lá. Por isso acho que tinha o nome de Via Roma, devido à capital da Itália, sei lá (risos).
P/1 – E o que tem lá na cidade de Polignano? Tem uma igreja?
R – Virgem, o que não falta é igreja na Itália, né? Tinha muita igreja lá. Tinha e tem. São católicos lá, se tem outra religião eu não sei, não.
P/1 – E o que mais que tem lá nessa cidade? Vocês faziam festa?
R – Ah festa dia 15 de junho é o dia do padroeiro da cidade lá, chama São Vito. Ah, festa é o que não falta também, ainda mais religiosas, né?
P/1 – E o senhor ia nessas festas?
R – Ah, todo mundo ia, não tinha outro lugar pra ir (risos).
P/1 – E como é que eram essas festas, o senhor se lembra?
R – Tinha a procissão, ia na igreja, tudo. Depois quando acabava ia no meio da praça lá, tinha os bancos, vendia cerveja, sorvete, essas coisas. Sentava, comia, bebia. Tinha orquestra que vinha até de fora, banda de música e ficava escutando.
P/1 – O senhor gostava?
R – Eu amo! Gostava. Era atração mesmo.
P/1 – E o senhor tem irmãos, seu Dionísio?
R – Eu tenho uma irmã, mas mora aqui.
P/1 – O senhor só teve uma irmã?
R – Como meus pais faleceram cedo, a minha irmã já estava aqui e eu vim pra cá.
P/1 – O senhor veio pro Brasil com quantos anos?
R – Já faz 62 anos. Em 54 eu cheguei.
P/1 – Em 54. O que aconteceu com seus pais?
R – Faleceram. A minha mãe sei que morreu de câncer no peito, se não me engano, no pulmão.
PAUSA
P/1 – A sua mãe morreu de câncer então, foi isso?
R – É.
P/1 – E o seu pai?
R – O meu pai morreu de repente também, não me lembro o que foi.
P/1 – Mas o senhor era muito novo ainda?
R – Morreu a minha mãe eu tinha 11 anos, morreu o meu pai eu tinha 16.
P/1 – E a sua irmã veio pro Brasil por quê?
R – Porque nós tínhamos uns tios aqui, uns parentes e mandaram chamar.
P/1 – A sua irmã veio antes então.
R – Veio antes, em 49.
P/1 – E você ficou esse tempo com quem?
R – Com uma tia minha, uma irmã da minha mãe.
P/1 – E como é que foi isso daí?
R – Tudo bem, tudo normal. Tratava que nem um filho.
P/1 – E você veio pro Brasil, você se lembra como foi a viagem?
R – Eu vim de navio, passagem paga, tudo, com o imigrantes, um dos melhores navios que tinha na época também.
P/1 – Durou muito tempo a viagem?
R – Se não me engano 14 dias. Ia parando em algum porto, em alguma cidade aí.
P/1 – E você gostou da viagem, foi tranquila?
R – Ah, sim! Comia, bebia, piscina. Baile, tinha tudo a bordo.
P/1 – Tinha baile no navio?
R – É, tem orquestra, tocava.
P/1 – Ah, é?
R – Toda noite tinha. Depois da janta tinha quem ia jogar baralho, quem ia dançar, quem ia beber, fazer o que queria.
P/1 – Você se divertiu muito nessa viagem então?
R – Mais ou menos, mais ou menos. Marinheiro de primeira viagem já sabe como é que é.
P/1 – Você tinha quantos anos mesmo, desculpa, 15?
R – Não, 19.
P/1 – Dezenove já. Então o senhor já era adulto já.
R – Já era adulto.
P/1 – O senhor teve alguma namorada na Itália?
R – Não, não.
P/1 – Mas o senhor já ia dançar, bebia nessa época.
R – Beber, todo mundo lá toma vinho, o que não falta em todas as casas é vinho. Mesmo produção deles.
P/1 – E o senhor já trabalhava muito na infância?
R – Já trabalhei muito. Bastante aliás.
P/1 – Como era? O senhor trabalhava de que horas até que horas, fazia o quê?
R – Trabalhava no campo mesmo, arava, enxada. Apanhar azeitona, amêndoa, todas essas coisas que produz no campo. Não tinha dia de festa, não, só era domingo mesmo e olha lá.
P/1 – Entendi. E o senhor se lembra como foi chegar no Brasil?
R – Quando cheguei no Brasil tinha minha irmã, tinha meus tios aqui. Aliás, eles vieram até me buscar do Rio, viajaram junto do Rio até Santos.
P/1 – O senhor desembarcou no Rio de Janeiro?
R – Não, desembarquei em Santos. O navio parava no Rio e vinha pra Santos depois.
P/1 – O senhor se lembra como é que era, qual foi a sua impressão do Brasil quando você chegou?
R – A impressão é fantástica, né? Cidade grande, tudo. A nossa cidade eu falei que era 15, 16 mil habitantes. Agora só no verão lá que vira 60, 70 mil.
P/1 – O senhor diz com relação a São Paulo, né?
R – Ah sim, São Paulo. Mas mesmo Santos era uma cidade de tirar o chapéu, a beira mar, tudo.
P/1 – Era muito diferente então.
R – Muito diferente. De água pra vinho, muito bom.
P/1 – E quando o senhor chegou aqui em São Paulo o senhor foi morar onde?
R – Fui morar com meus tios aqui e trabalhar com eles também, trabalhei sete anos.
P/1 – Seus tios moravam onde?
R – Na Aclimação.
P/1 – E como era a Aclimação nessa época?
R – Era tudo assim, casa que nem aqui, mais ou menos. Tudo casa, não tinha nada de prédio, não. Casa era uma região de alto padrão.
P/1 – E qual o nome dos seus tios?
R – Vitor L’abbate e a esposa dele também era Isabel _0:12:25_ L’Abbate, um negócio assim.
P/1 – Eles trabalhavam com o quê?
R – Eles tinham filiais no interior, cereais, café, algodão, tudo. E comercialmente aprendi o que eles faziam.
P/1 – Eles moravam na Aclimação, mas eles trabalhavam lá também?
R – Não, trabalhavam no Brás, lá na rua Assunção.
P/1 – Ah, na rua Assunção. Isso foi em 54?
R – Eu trabalhei com eles de 54 até 61.
P/1 – Como que era a rua Santa Rosa e a zona cerealista nessa época que o senhor chegou?
R – Naquela época era zona cerealista mesmo, tudo sempre lotado, feirante. Naquela época não parava, não, não dava pra dar entrevista de quatro horas (risos).
P/1 – Era muito movimentado.
R – Era muito movimentado.
P/1 – Quando o senhor chegou, o senhor foi ajudar seus tios nessa firma.
R – Já fui lá, no primeiro dia.
P/1 – No primeiro dia.
R – Que eu cheguei em São Paulo, é.
P/1 – E o senhor falava português já?
R – Não! O quê, não entendia nada. Primeiro mês nem entende, no segundo mês entende e no terceiro mês já fala português. Hoje já acho que demora menos pra aprender. E a televisão ajuda muito também.
P/1 – Mas o senhor ouvia muito rádio nessa época, aqui no Brasil? Ou TV?
R – Escutava rádio, tinha televisão, tudo. Não que nem agora, mas.
P/1 – O senhor foi trabalhar no quê nessa firma?
R – Cereais, amendoim, arroz, feijão, todas essas coisas aí.
P/1 – Qual era o nome da firma?
R – Noroara.
P/1 – Noroara. E era uma firma grande?
R – Firma grande.
P/1 – E qual era o tamanho dessa firma, que era uma firma grande na época?
R – Tinha o armazém fora as filiais do interior. Lins, Valparaíso, Maringá.
P/1 – E o senhor trabalhava no quê quando o senhor chegou? O senhor era vendedor?
R – Tinha balança lá, vendia, comprava também tudo. Tudo o que era necessário vendia.
P/1 – Vocês faziam lá. E como funcionava o comércio nessa época?
R – Comércio é mais ou menos que nem hoje, né? Vinha o freguês, atendia, comprava, tirava nota, pagava e fora.
P/1 – Mas o freguês era o mesmo de quando o senhor se aposentou?
R – Todas as firmas tinha mais ou menos uma freguesia, às vezes vinha gente de fora também que pagava, levava.
P/1 – Mas eu digo assim, quem era o freguês mais comum de vocês? Era feirante?
R – Era mais feirante naquela época. Mas a gente vendia muito pra outros Estados também, embarcava mercadoria em estação de trem, enchia o vagão e mandava embora. Belo Horizonte, Rio. Hoje está cheio de caminhão, mas antigamente funcionava muito o trem, né?
P/1 – Não era caminhão antes?
R – Tinha caminhão pequeno, mas a maioria embarcava tudo na estação.
P/1 – Qual estação que era essa?
R – Tinha a estação do Brás e na Barra Funda, que mais mexia, né?
P/1 – Mas vocês levavam do armazém até o vagão.
R – Até o vagão, é.
P/1 – Como é que vocês faziam isso?
R – Pegava um caminhão, levava a mercadoria até lá e desembarcava também de vagão muita mercadoria que vinha, mandava buscar e trazia no armazém.
P/1 – E eram toneladas?
R – Toneladas, toneladas. Conforme o que o freguês comprava, né?
P/1 – E saía o quê, arroz, feijão?
R – Arroz, amendoim, feijão.
P/1 – E você se lembra como era a Noroara nessa época? Você entrava, como é que era?
R – Entrava, tinha a balança, o escritório ali em cima, carregava, despachava.
P/1 – E nos fundos tinha o armazém?
R – Embaixo tudo armazém.
P/1 – Essa balança, como é que funcionava isso aí?
R – Essa balança entrava o caminhão dentro, pesava vazio, depois carregado.
P/1 – Ah, uma balança grande então.
R – Grande, é.
P/1 – Ficava no chão ela?
R – No chão.
P/1 – Entendi. Era pra pesar já o caminhão?
R – Já o caminhão.
P/1 – Então vocês trabalhavam com muita coisa mesmo.
R – Muita coisa.
P/1 – E como é que eram as ruas nessa época? A mesma coisa que hoje?
R – A mesma coisa que hoje. Não mudou nada sobre isso, não. Só foram construídos alguns prédios, alguma coisa a mais aí.
P/1 – Sei. Nesse período que o senhor chegou na zona cerealista, quem mais que estava trabalhando muito ali na Santa Rosa, quem que eram os outros comerciantes grandes também?
R – Tinha Irmãos Labate, Labate & Scatigno também, Irmãos Fortunato. Tinha muitas firmas grandes.
P/1 – E se vendia o que mais na zona cerealista além de arroz, feijão?
R – Lá a maioria era isto aqui que se vendia mais mesmo, agora que virou mais laticínios na rua Santa Rosa, essas coisas.
P/1 – Na época era mais...
R – Era tudo cereais mesmo, não tinha nada dessa. E não parava o dia inteiro inclusive.
P/1 – Ah, é? Até de madrugada?
R – Abria sete horas, fechava quando acabava o serviço.
P/1 – E o senhor se lembra de alguma passagem, alguma história que te passou nesses sete primeiros anos de Santa Rosa, que marcou?
R – Não tinha nada que tivesse marcado, não.
P/1 – Entendi. E como era o cotidiano seu? O senhor chegava lá na loja, que horas?
R – Chegava na loja, ao meio-dia almoçava, depois uma hora voltava e ficava até quando era necessário.
P/1 – E onde você ia no Brás? Tem o Mercado Municipal, tem o Parque Dom Pedro, como é que era?
R – Ia no Mercado Municipal, ia no restaurante, na rua do Gasômetro, tudo.
P/1 – O senhor ficou até 61 lá, isso?
R – Isso.
P/1 – Por que o senhor saiu da firma dos seus tios?
R – Saí de lá porque ele falava que mais de sete anos de empregado não ia trabalhar. Apareceu uma oportunidade, arrumei um sócio aí e começamos a trabalhar.
P/1 – Quem era esse sócio?
R – Era de Valparaíso. Chamava-se Resende, agora não me lembro mais o sobrenome.
P/1 – Aí vocês abriram uma outra firma?
R – É uma outra firma. Ficamos mais quatro anos mais ou menos.
P/1 – E vendia o que essa firma?
R – A mesma coisa. Arroz, amendoim, feijão, o que precisava na época.
P/1 – Precisava muito disso na época.
R – É, precisava, comprava, vendia. Tinha muito comércio naquela época.
P/1 – E vocês ficaram quatro anos.
R – Eu fiquei quatro anos com ele, que era pra ser sócio de 50%, mas no vai e vem depois eu era 52% e ele era 48%. Ele com 48%. Eu falei: “Eu vou embora pra Itália, vamos acertar as contas”. Dei um dinheirinho e comecei sozinho depois.
P/1 – O senhor foi pra Itália depois?
R – Na Itália eu fui em 1960 depois.
Helena – Ele falou pro sócio que ia pra Itália pra poder começar.
P/1 – Ah, entendi.
Helena – Aí ele começou sozinho.
P/1 – O senhor foi pra Itália pra?
R – Só pra passear, matar a saudade e voltar em seguida.
P/1 – O senhor foi e ficou quanto tempo lá?
R – Trinta dias, mais ou menos.
P/1 – E voltou pro Brasil. Aí o senhor voltou e foi fazer o quê?
R – A mesma coisa que eu estava acostumado a fazer, né? E ainda continuo fazendo a mesma coisa.
P/1 – Mas o senhor foi pra mesma firma?
R – Não, não, abri uma outra firma depois.
P/1 – E o senhor ficou quanto tempo nessa que o senhor abriu?
R – De 66 a 71. Quatro anos também. Depois estabeleci sozinho.
P/1 – Vendendo a mesma coisa.
R – A mesma coisa.
P/1 – E nesses anos todos já tinha mudado um pouco o comércio?
R – Muito pouco tinha mudado. Agora que mudou muito, né?
P/1 – A gente vai chegar lá. Aí em 71 o senhor abriu uma firma só sua então?
R – Em 71 eu abri uma firma só minha.
P/1 – Que é a que tem até hoje?
R – Tem até hoje.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Mercantil Diolena.
P/1 – E foi vender a mesma coisa.
R – A mesma coisa.
P/1 – Mas por que deu certo dessa vez e ficou bastante tempo?
R – Porque fiquei sozinho (risos), tudo em ordem.
P/1 – Mas o senhor acha que foi porque não tinha sócio, daí deu certo.
R – É que trabalhava mesmo também, viu? Tinha um bom nome e acho até hoje também.
P/1 – E em 71 como é que estavam os negócios? O senhor achou que dava para abrir uma firma só sua.
R – Dava, por isso que abri. Um pouco de sorte, tudo.
P/1 – E onde é que foi?
R – Na Benjamim de Oliveira, que é até hoje, inclusive.
P/1 – Qual é o número lá?
R – Trezentos e vinte e dois.
P/1 – E você tinha muita gente trabalhando pra você na época?
R – Na época trabalhava sete, oito pessoas, o que era necessário.
P/1 – E como é que funciona um armazém na zona cerealista? Você pode me contar? A gente não sabe.
R – O armazém funciona a mesma coisa. Vende a mercadoria, sai. Até aí não mudou muito, não.
P/1 – Mas tem um vendedor, as pessoas carregam?
R – Tem o vendedor, vinha freguês mesmo, até hoje vem freguês lá, compra, vende.
P/1 – Mas o seu comércio é mais no atacado mesmo?
R – É. Hoje mudou bastante, é mais caixaria. Mercadoria mais importada, amêndoa. Trabalhamos com amendoim ainda. Muita caixaria hoje, nozes, avelã, uva passa, ameixas, tem muita variedade.
P/1 – Mas no começo, lá nos anos 70, o senhor trabalhava mais com produto nacional.
R – É, mais arroz, feijão mesmo. Tem amendoim que trabalho até hoje.
P/1 – E você comprava de onde esse arroz e esse feijão?
R – Onde era mais barato, Rio Grande do Sul. Estado de São Paulo.
P/1 – Mas você ia até lá buscar, como é que era?
R – Não, telefone funcionava. Ou às vezes vinham os caminhões e vendiam. E a gente vendia para outro estado também. Minas Gerais, Rio, no Brasil inteiro.
P/1 – E tinha muitos tipos de arroz, de feijão que você vendia?
R – Naquela época tinha muitos tipos de arroz, hoje arroz é um só. E feijão praticamente é um só também. Agora é arroz agulhinha e o feijão carioca. Naquela época tinha 20 tipos de feijão, uns 20 tipos de arroz, tinha de tudo quanto era estado também.
P/1 – E vocês trabalhavam com todos esses tipos de arroz.
R – Ah, todos, é.
P/1 – E quais tipos que eram, seu Dionísio?
R – Agulha,_0:27:51_, tinha muitos tipos. Arroz quebrado.
P/1 – E feijão?
R – Feijão tinha rosinha, roxinho, preto, bico de ouro, opaco, tinha diversos tipos mesmo.
P/1 – E as pessoas conheciam todos esses tipos de feijão?
R – Tudo, conheciam. Tinha um furador, ia lá ver, já sabia o que era.
P/1 – E por que tem um tipo só de arroz e um tipo só de feijão?
R – Os tempos mudaram, vem esse arroz agulhinha agora que é um tipo só e bom. E feijão, o que mais sai hoje é carioca, aprovou, né, ou rende mais, talvez, na lavoura, não sei.
P/1 – E você acha que desde quando teve essa mudança?
R – Ah, já faz uns 15 anos que mudou.
P/1 – E quem que trabalha com o senhor lá na Diolena?
R – Agora trabalha meu filho só. Meu filho tem os funcionários dele, tudo. Eu fiquei meio doente, estou um pouco afastado e ele toma conta.
P/1 – E você acha que nesses 40 anos de Diolena, onde que teve mais mudança? Em que ano o senhor acha que mudou mais o comércio?
R – Sempre foi mudando, mas de uns 15 anos pra cá que mudou pra valer mesmo.
P/1 – Mas por que mudou, o que mudou?
R – Mudou o funcionamento, feirante não tem mais, praticamente. E a gente depende tudo de gente de fora que vem pra comprar agora. E os caminhões hoje entram em tudo quanto é estado, né? Mesmo que ganha no frete fica mais barato um pouco.
P/1 – Você disse que os feirantes não existem.
R – Hoje o feirante não vai mais lá embaixo pra fazer compra, essas coisas. Eles devem ter descoberto outra fonte pra comprar. E os feirantes não são mais como eram antigamente, que eles vendiam mercadoria pra chuchu. Hoje o supermercado na verdade dominou, né?
P/1 – Ah, é? Fala mais um poucos dos supermercados, como é isso aí?
R – Supermercado hoje tem que ficar lá na fila pra ver se eles te compram, pra assinar contrato. Eu mesmo não vendo nada pra supermercado porque é muita exigência.
P/1 – Mas eles mudaram o mercado, né?
R – Ah, mudaram! Eles dominaram hoje. Eles te impõem tanta coisa, fazem aniversário uma vez por mês, tem que mandar mercadoria de bonificação. Precisa ver tudo isso aí.
P/1 – E me diz muita coisa, você passou por muita enchente na Santa Rosa?
R – Eu peguei as três maiores enchentes que deu lá.
P/1 – Ah, é?
R – Todas as vezes me arrasou também.
P/1 – Quais foram elas?
R – 1962 foi a primeira, 1966 foi a pior de todas e 1969 também. De lá pra cá, graças a Paulo Maluf ou não sei quem foi mais, nunca mais encheu lá embaixo. Não sei se enche em outro lugar, mas lá não.
P/1 – E me conta um pouco como é que foi a de 62.
R – Em 62 tinha uma mercadoria e tudo o que tinha no armazém perdi. Em 66 foi pior.
P/1 – Por que?
R – Porque a enchente foi mais e pegou mais ainda. O arroz, você molhava até oito, nove sacos ficava de pé. Agora feijão e amendoim ele enchia e caía tudo no chão. Aí caía tudo na água e tinha que jogar fora.
P/1 – E nessa de 66, quando começou a encher o senhor estava onde?
R – Em 66 eu acho que estava lá mesmo. Mas tinha um tio que morava em cima do armazém, subi lá e ficamos lá. Pra andar era só de barco mesmo. E ficou cinco, seis dias de enchente ainda.
P/1 – Mas como é que foi? Começou a chover, vocês estavam na loja.
R – Começou a chover e não parou mais. Aí começou a encher a rua, subimos e ficamos lá.
P/1 – Vocês ficaram em pânico ou não?
R – Depois devia jogar toda a mercadoria fora, esperar a prefeitura vir limpar, tudo, pra depois reabrir.
Helena – Você não ficou em pânico?
R – Em pânico a gente fica.
Helena – Você não estava comigo em 66?
R – Em 66 estava com você no carro. Aliás, acho que dormi na sua casa uma noite.
Helena – Ele não conseguiu voltar mais. Que ele morava no Brás.
P/1 – Entendi. O senhor morava lá então.
R – É.
P/1 – Em que rua o senhor morava no Brás?
R – Na rua Fernandes Silva.
P/1 – Você saía andando do armazém.
R – A gente não saía mais do armazém.
P/1 – Como é a sensação de você ter que tirar tudo do armazém e estar tudo perdido?
R – Jogava na rua, a prefeitura vinha apanhar e ia embora. Esperava os caminhões de entulho chegar pra carregar.
Helena – Qual a sensação?
R – A sensação era triste, mas não tinha outro jeito. Devia limpar mesmo porque o cheiro não se aguentava também. Começava a fermentar tudo.
P/1 – E como era pra voltar tudo do zero?
R – Voltar do zero? (risos) Rezar a Deus que te ajudava, preparava o armazém que se vinha mais enchente fazia uns cavaletes, botava tudo em cima.
P/1 – E tinha que pedir algum empréstimo, alguma coisa pra voltar? Algum amigo ajudava?
R – Não, ninguém ajudou ninguém, não. Empréstimo sempre foi caro o juros aqui no Brasil, não tinha onde puxar de graça.
P/1 – Mas como é que o senhor fez nessas três vezes pra retomar?
R – Um pouco que tinha sobrado, a gente se virava com aquilo e começava praticamente do zero novamente.
P/1 – E de onde você comprava mais o arroz e o feijão?
R – Arroz era mais do Rio Grande do Sul, feijão vinha mais do Paraná, Maringá, esses lugares todos aí.
P/1 – Eu já fiz a pergunta, mas como você fazia? Eles vinham trazer até você ou você ia comprar?
R – A gente comprava por telefone, tinha muito representante aqui em São Paulo também. Eles vinham com uma amostra, te oferecia, mandava o preço. Se eles achavam interessante vendia, senão, combinava certinho ficava, eles _0:36:44_.
P/1 – E o preço desses produtos varia muito?
R – Sempre variou muito, mas a tendência sempre foi aumentar de preço. Não é que nem agora que fica praticamente estabilizado. Mas naquela época sempre vinha subindo a mercadoria.
P/1 – E você teve muito problema com inflação no comércio?
R – E quem que não teve problema com inflação? Inclusive a inflação ajudou um pouco a ganhar mais. Não precisa se esforçar muito, aplicava o dinheiro no banco.
P/1 – E pra vender ajudava muito também?
R – Ajudava. E sabia que o preço ia aumentar e cobrava até mais que o necessário.
P/1 – Então depois que acabou um pouco a inflação no Brasil...
R – Agora pra ganhar está mais difícil, pra dizer a verdade.
P/1 – E você acha que mudou de 15 anos pra cá por que, como é que mudou? Você disse que surgiu muito laticínios.
R – Acho que a época que mudou mesmo. Porque no Brasil tinha todos esses comércios, nos outros lugares do mundo não é assim. Agora que está ficando igual os outros lugares aqui. A turma vinha, comprava, levava. Agora não, hoje tem vendedor em tudo quanto é lugar. E hoje ajuda muito telefone, internet, essas coisas todas, todo mundo está a par dos preço. Não adianta querer se fazer de malandro que ninguém é bobo.
P/1 – Você acha que a internet está ajudando?
R – Ajuda, ô! Rádio informa preço, sobe o dólar a cada cinco minutos e eles falam, baixa falam a mesma coisa.
P/1 – E antigamente vocês faziam como pra ter essas informações?
R – Esperava no dia seguinte ou depois de uns 15, 20 dias pra ser mais informado.
Helena – Mas era sempre mais barato, né, que vendia o saco. Acho que só a mãe sabe, e no saco, queriam um quilo, te davam um quilo no saquinho, não era tão caro como é agora, né? Sempre era mais barato.
P/1 – Entendi. E você disse que parece que está virando mais varejo lá, né?
R – Hoje praticamente a Santa Rosa é mais varejo mesmo.
P/1 – E você acha que isso tem a ver com os supermercados?
R – Tem. Vai no supermercado, compra um quilo de arroz, um quilo de feijão, o que for necessário, uma latinha. E antigamente pra comprar uma caixa ou um saco a turma ia lá embaixo mesmo.
P/1 – E hoje está ficando parecido.
R – Está parecido, mesma coisa.
P/1 – Mas ainda tem alguns atacados lá ou não?
R – Tem. Tem umas três, quatro firmas de atacado.
P/1 – E quando foi que começou a surgir esses laticínios, o senhor se lembra? Esses laticínios, os varejos?
R – Essa Casa Flora existia já, só tinha queijo, essas coisas. Hoje tem vinho, tem tudo o que precisa de importado. E assim tem mais umas três ou quatro casas também.
P/1 – E nesses anos todos o senhor acha que aprendeu muito com comércio ou não?
R – Sei lá se aprendemos, desaprendemos, sei que mudou bastante.
P/1 – Mas o senhor acha que no dia a dia aprendeu alguma coisa assim como, sei lá, tratar um cliente, falar com as pessoas?
R – É, tem que se adaptar no que vem vindo, o que está acontecendo. E assim a gente vai levando. Tem que esperar que o cliente vá lá também comprar.
P/1 – E o que o senhor acha que precisa ter pra ser um bom comerciante?
R – Tem que ter mercadoria pra vender, senão não adianta nada também, né? E sorte no comércio também.
P/1 – Mas você acha que precisa de mais alguma coisa? Porque só mercadoria não basta também, né, eu acho.
R – Se precisa de mais alguma coisa não sei. Se tiver dinheiro pra comprar à vista é melhor, né?
P/1 – E teve algum cliente que te marcou? Algum cliente que virou seu amigo?
R – Tem cliente que virei amigo, tem cliente que não te paga e vira inimigo. Tem que ter sorte, né?
P/1 – Teve algum cliente que te marcou mais, que você tem um carinho maior?
R – Sempre tem os bons, os ruins, tem que saber selecionar e pedir a Deus que corra tudo bem.
P/1 – Mas quem está há mais tempo com o senhor? Não precisa falar o nome, mas tem algum que está há muito tempo com o senhor, que sempre vem na sua loja?
R – Cliente muda muito, mas tem cliente antigo também.
P/1 – De quantos anos?
R – Quinze, 20 anos.
P/1 – Tem cliente que passa de pai pra filho também?
R – Também tem. Tem muito cliente que é hereditário.
P/1 – E como é que foi pra você se afastar um pouco dos negócios? Como é que foi deixar pro seu filho?
R – Eu me afastei do negócio, fiquei doente, fui obrigado a deixar. Ainda estou em tratamento, mas se Deus quiser eu vou voltar.
P/1 – Aconteceu o quê com o senhor?
R – Eu tinha um linfoma. Depois eu sarei de lá, operei o intestino e agora estou com tratamento acho que de fígado, alguma coisa parecida. Já faz um ano e meio que eu praticamente não saio do Sírio Libanês.
P/1 – E está com o seu filho agora, é isso?
R – Sim.
P/1 – Foi sempre um plano deixar pra família?
R – Deus que sabe o futuro, né? É o único filho homem também, tudo indica que ele vai ficar lá. Enquanto ele aguentar também.
P/1 – Agora vamos voltar um pouco nessa história. Eu queria que o senhor contasse como o senhor conheceu a sua esposa.
R – A minha esposa é croata e um amigo meu namorava com uma colega dela. Um dia ele veio lá no escritório, apresentou, encarei e daí começamos.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Helena.
P/1 – E vocês namoraram um tempo?
R – Uns dois anos mais ou menos. Um ano e meio, dois anos.
P/1 – Aí vocês se casaram.
R – Estamos casados até hoje.
P/1 – Quantos anos fazem mais ou menos?
R – Quarenta e nove, mais ou menos.
P/1 – Vocês vão fazer bodas de ouro, né?
R – O ano que vem é. Hoje é difícil acontecer isso, mas ainda a gente resiste, né? (risos).
P/1 – E como é que foi o dia do casamento do senhor?
R – Tudo bem, tudo normal.
P/1 – Vocês fizeram onde?
R – Fizemos num salão no Jabaquara, correu tudo normal.
Helena – Casou na igreja Nossa Senhora do Carmo.
P/1 – E vocês tem filhos?
R – Tenho, três.
P/1 – Quem são eles?
R – A mais velha chama Isabel. Depois tem o Vitor e a Paula. Temos seis netos, dois de cada filho. E agora parou.
P/1 – E me conta como foi o dia que nasceu a Isabel, a sua primeira filha?
R – Alegria, com saúde, tudo. Tudo bem.
P/1 – Você estava onde quando estourou a bolsa?
Helena – No armazém (risos).
P/1 – Você estava trabalhando.
R – Mas depois, de noite eu fui no hospital Matarazzo, Humberto Primo, não sei como chamam. Vieram tudo com saúde, graças a Deus, com toda alegria. E tudo bem até hoje. Os três casados.
Helena – Três filhos maravilhosos.
P/1 – Eles fazem o quê hoje?
R – Meu filho trabalha lá. O que ele é formado, Helena?
Helena – Economia.
R – Economia.
Helena – A menina mais velha é Administração e Psicologia. E a mais nova fez Psicologia.
P/1 – E quando nasceu o seu primeiro neto como foi?
R – A mesma coisa que nasce os filhos, muita alegria também. Não vê a hora que vem.
P/1 – Foi um pouco diferente ou foi a mesma coisa?
R – A mesma coisa, tudo bom.
P/1 – E o que o senhor acha que vai acontecer no futuro com a zona cerealista?
R – Acho que desaparecer completamente não vai, mas diminuir vai.
P/1 – O senhor acha que o comércio vai diminuir mais ainda lá?
R – Acho que diminui um pouco.
P/1 – Por que o senhor acha que vai acontecer isso?
R – É que os tempos mudaram mesmo. E hoje o que domina mesmo é o supermercado como eu falei.
P/1 – E quais são seus planos pro futuro pro senhor hoje?
R – Meus planos pro futuro? Já tenho 82 anos. Descansar, ter um pouco de saúde e esperar Deus só. Os filhos vão ter que se virar.
Helena – Sarar e voltar para o armazém, não é descansar (risos).
R – (risos) Quem sabe, né?
P/1 – O senhor quer voltar também?
R – Ah sim, em casa não dá pra ficar, não.
P/1 – Ah, é?
R – É.
Helena – Você percebeu que ele não mostra muito emoção, né? Ele sempre foi muito pra dentro. Imagina chegar no armazém e ver só água lá?
PAUSA
P/1 – O que o senhor achou de contar um pouco da sua história pra zona cerealista? Pro livro? O que o senhor acha de entrar para um livro sobre a zona cerealista?
R – Acho bom informar tudo.
P/1 – Você acha que precisa ter um livro sobre a zona cerealista, que é importante?
R – Não custa nada deixar a história. Não sei se tem mais alguma história já contada em livro.
P/1 – Esse é o problema, não tem nada escrito.
R – É, né? Então agora vai ficar pra história mesmo, né?
P/1 – Era só isso, seu Dionísio, obrigado.
R – Tá bom, obrigado vocês.