Ana Paula Gagliardi Tinoco, nascida em São José do Rio Preto, em 1964. Pai Sebastião Gagliardi, falecido, e mãe, Carmem Ramalho Gagliardi. Casada com o sócio Hermes, é mãe de Guilherme, 26 anos, Lana, 24 anos. É proprietária do Aquarela Representações Comerciais, vendas de brinquedos para a região. Cursou quatro anos intensos na faculdade de Administração de Empresas na faculdade Dom Pedro I. Fez parte do grupo de teatro Aquarela, onde foi atriz por dez anos e conheceu o atual marido. Perdeu amigos artistas para a Aids na década de 1980. Em 1987, ela e atual marido resolveram criar o Bazar Aquarela na zona sul de Rio Preto. Em 1997 vendeu o bazar e continuaram com a empresa de representação comercial de marcas de brinquedo. SOnhos para o futuro. Mensagem de esperança na pandemia.
Bazar Aquarela, histórias da Zona Sul
História de Ana Paula Tinoco
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 10/07/2021 por Ana Eliza Barreiro
Projeto Memórias do Comércio de São José do Rio Preto 2020-2021
Entrevista de Paula Tinoco
Entrevistado por Ana Eliza e Cláudia Leonor Oliveira
São José do Rio Preto, 20 de março de 2021
Entrevista MC_HV073
Transcrita por Selma Paiva
Conferida por Ana Eliza Barreiro
P1 – Então, vamos lá, obrigada. Em primeiro lugar você pode falar qual o seu nome inteiro, a sua data de nascimento e seu local de nascimento?
R1 – Meu nome é Ana Paula Gagliardi Tinoco, eu nasci em São José do Rio Preto, em 1964.
P1 - Certo. Qual o nome do seu pai e o da sua mãe?
R1 – Meu pai chama Sebastião Gagliardi, já é falecido e minha mãe, Carmem Ramalho Gagliardi.
P1 – A senhora tem irmãos?
R1 – Tenho dois irmãos: o Lécio e a Viviane.
P1 – Tem filhos também?
R1 – Dois filhos. Tenho o Guilherme, de 26 anos e a Lana, de 23, vai fazer 24 agora em março.
P1 – Ai, que bom! Vou começar falando lá da sua infância. Dos seus pais, aliás. O que a senhora sabe sobre a origem da sua família? Quem foram seu pai, sua mãe?
R1 – Meu pai, os dois moraram num sítio, na roça, vamos dizer assim. Meu pai lá pros lados de Meridiano, Fernandópolis e minha mãe pro lado de Buritama, Zacarias, ali. E eles vieram, como nos tempos que o pessoal ia daqui pra São Paulo, eles vinham das cidades pequenininhas, aqui pra São José do Rio Preto. E os dois se conheceram por aqui.
P1 – Nossa! E seus avós, eram daqui do interior de São Paulo também?
R1 - Sim. De origem eu sei que do meu pai são de origem italiana, por parte de pai e a minha vó, se eu não me engano, era portuguesa. E do lado da minha mãe não sabe-se muito, mas acredita que é de origem portuguesa também. Bem os antigos deles.
P1 – Você chegou a conhecer seus avós? Avô é tudo de bom, né?
R1 – É. Conheci, mas não tive essa coisa de avós muito de bom, porque como a gente morava aqui sozinhos, eles continuavam ainda morando, cada um na sua cidade, meu avô morreu quando eu era bem pequenininha e minha vó morando lá, a gente via, praticamente, só nas férias e pouco tempo. E eu conheci, do lado da minha mãe, a minha vó, mas assim, também, muito pouco tempo, só me lembro dela uma ou duas vezes, quando ela vinha pra Rio Preto, né, que como a gente morava só nós em Rio Preto, então toda a família, quando precisava de alguma coisa de doença, vinha pra minha casa. Então, assim, sempre a gente teve aquela correria em casa, de doente de um lado, doente do outro e eu via a minha vó praticamente só na época de doença, mesmo, né? Mas ela faleceu, eu era bem pequena, também, não consigo me lembrar muito dela, assim, não.
P1 – Mas eles sempre estavam aí, aquela coisa de família do interior, que vai (risos) pra cidade maior...
R1 – Isso. É. Que era tudo aqui pro hospital, lá não tinha todo recurso, então sempre o pessoal ficava aqui na minha casa. Isso a gente lembra bastante, que eram todos os parentes, praticamente.
P1 – É, o pessoal vem, mesmo. E o bairro que a senhora nasceu, sabe qual era?
R1 – No bairro da Imperial. Eu nasci aqui na Santa Casa, né? Mas a minha mãe morava na Imperial, o bairro chama. Bairro Imperial.
P1 – E você cresceu lá, naquela região?
R1 – Isso. Depois a gente foi pra Boa Vista, mas voltamos pro Imperial, onde nós ficamos até... eu tinha acho que 15 anos quando a gente mudou de lá. Aí meu pai, nós fomos pra Santa Cruz, que é o outro lado da cidade, assim e depois meu pai comprou uma casa que veio pro Jardim Urano, que até hoje minha mãe tem essa casa.
P1 – Bem na zona sul, né, de Rio Preto.
R1 – Isso.
P1 – Você lembra como era o bairro quando você cresceu? Como eram as ruas daquela época? Como era a vizinhança?
R1 – Nossa, a Imperial... eu cresci na Rua Imperial também, né? Era muito gostoso. Eu lembro quando a molecada jogava bola. Era bastante criança na rua que a gente morava, né? E eu lembro quando trocaram as luzes, que eram postes de madeira, com aquela luzinha fraca, amarelinha e eles colocaram esses postes novos, com uma luz branca. Nossa, aí a molecada se divertia, à noite. Jogava bola queimada, brincava o tempo inteiro, à noite era muito gostoso brincar na rua. Nossa, aproveitamos muito, muito a infância.
P1 – Teve alguma brincadeira que você lembra, mais? Que você ia pra rua e ficava lá com a molecada?
R1 – Na verdade, uma brincadeira que eu tinha, que eu gostava muito, com uma amiga minha, a Lucimara, ela tinha um fundo de quintal muito gostoso e tinha pé, árvores, né? Então, tinha pé de caju, pé de goiaba. Então, cada árvore era a casa de uma. A gente cozinhava no chão, fazia comidinha, minha mãe dava batata, cebola, ovo. Nunca comi tanta comida com cheiro de queimado e fumaça na vida, mas (risos) fazia aqueles fogõezinhos, era uma delícia, né? E aí, pra dormir, a gente subia nas árvores e cada uma tinha a casa numa das árvores. E, pra se visitar, a gente pulava de uma árvore pra outra. Essa era a brincadeira e era muito gostoso. Muito.
P1 – Nossa Senhora! Que nostalgia que dá, né?
R1 – E como dá!
P1 - E a casa da senhora, como era? Você está falando que a casa da sua amiga tinha aquele quintalzão.
R1 – Isso.
P1 – Hoje em dia já não é mais assim, né? A gente observa que as casas, os quintais são cada vez menores, né? Como era a casa da senhora na infância, lembra?
R1 – Lembro certinho. A nossa casa era de fundo, né? Só que ela não era construída, assim, reta, no terreno. Ela era de lado. Era uma casa gostosa também, sabe? Eram dois quartos, que depois a gente conseguiu transformar em três, uma sala gostosa, uma cozinha boa, depois tinha uma varanda... não era varanda, era uma garagem bem comprida, porque era de fundo, então a gente ficava em toda a garagem. Dava pra brincar bastante também, mas o gostoso da casa dela é que tinha árvores (risos) e a minha era toda cimentada, então não tinha como brincar dessas coisas, mas por isso que a gente ia, a maioria das vezes, pra lá, né? Ou se não na rua, mesmo: amarelinha, toda brincadeira... eu nunca fui muito de bola, essas coisas. Sempre tive medo da bola, eu nunca fui muito esportista, vamos falar assim. Minhas brincadeiras eram mais tranquilas, de boneca, mas a molecada jogava e a gente ficava ali, brincando, batendo papo, todo mundo junto, né? Mas foi uma fase muito boa. Muito boa.
P1 – Você tem amizade até hoje com essa sua amiga aí de infância?
R1 – A gente chora de rir quando lembra que pulava nas árvores, que comia as comidas todas enfumaçadas. Tenho amizade com ela até hoje.
P1 – Que bonito isso, né? Você lembra de alguma coisa especial com a sua mãe, com seu pai, alguma lembrança deles dessa época, que você guardou até hoje?
R1 – A gente guarda bastante lembrança. O meu pai trabalhava na Câmara Municipal, na época e então, assim, acho que como todos os pais, era um pouco mais ausente, porque saía cedo, depois vinha, só almoçava rapidinho, já voltava, tinha dia que tinha sessão, que aí ele voltava, tomava banho, ia de novo, então era mais... mas a minha mãe sempre estava presente e a gente tinha, eles tinham aqueles amigos de domingo, amigos que eram também deles, jovens e casados e com filhos do nosso tamanho, então a gente, volta e meia, ia pra casa, almoçar no domingo, passar o dia. Então, assim, eu tive uma infância muito gostosa, muito sadia, sabe? Meus pais sempre muito bacanas, sempre tranquilos. A minha mãe é mais brava, mas porque a gente ficava em casa, ela que tinha que tomar conta. Mas, assim, super muito de boa. Nas férias a gente ia visitar os parentes, então ficava uns dias na casa de uma avó, dos irmãos do meu pai e da vó também, aí voltava, arrumava as coisas e ia pra casa do outro lado, das irmãs da minha mãe e era sempre sítio, então era muito gostoso. Então, era uma época muito boa, foi muito boa.
P1 – Nossa! E o sítio, assim, você lembra como eram essas férias? Por que é uma delícia, né, quando a gente vai?
R1 – Nem fala! Era época de manga, né, mangueira, sempre tinha uma... eu sempre gostei muito de água, então sempre tinha um riozinho, alguma coisa. Então, era muito gostoso, mesmo. Aproveitamos bastante a nossa infância.
P1 – Bom. E, assim, o que o seu pai trabalhava? Ele trabalhava na Câmara? Ele trabalhava com política, alguma coisa assim?
R1 – Não, ele era funcionário público, né? Funcionário da Câmara. Ele começou num cargo baixo, pequeno, lavando, limpando as coisas na cozinha, tudo, depois ele chegou até a chefe da administração. Foi isso. Então, ele foi, aos poucos. Então, era muito serviço. E ele sério, muito sério, uma pessoa bem séria, mas muito, muito, muito gente boa, muito honesto. Trabalhou bastante.
P1 – E deixou aí esse valor pra vocês, pros seus irmãos?
R1 – Sim, com certeza.
P1 – Como, nessa época da infância, a senhora lembra da primeira escola que estudou?
R1 – Unidade Infantil Valéria chamava. Era parque infantil. Eu lembro até das professoras: a Dona Zuleica, a outra chamava Dona Tereza, se não me engano. E lá eu aprendi a escrever, né? Lembro até eu sentada nas cadeirinhas coloridas. (risos) Lembro do macarrão com carne moída da tia! Que delícia! Eu lembro do saborzinho, sabe, que eu acho que nunca mais você vai sentir aquele sabor, daquele macarrão da tia. (risos) Quem fazia era uma senhora fortinha, assim, sabe, meio brava, mas nossa, ela fazia um macarrão que eu vou te contar! (risos) Era tudo de bom!
P1 – Ficou na memória esse macarrão!
R1 – Ficou. Com certeza ficou na memória.
P1 – E você gostava de estudar? O que você gostava, mais, de matérias, disciplinas?
R1 – Eu sempre fui mais pro lado da Geografia, História, Português. Eu nunca gostei muito da Matemática. Nunca fui muito... fugi da Matemática, bastante. (risos) Gostei bastante de História, eu gostava muito; Português também. Então, eu sempre fui super boa na escola com isso. Matemática que me dava um pouquinho de uhhhhhhhhh.
P1 – E a senhora estudou até que série, mais ou menos?
R1 – Eu fiz faculdade, Administração de Empresas.
P1 – Bacana. Assim, você foi crescendo naquele mesmo bairro ou você, conforme foi ficando mais velha, vocês se mudaram? Em que época, mais ou menos, vocês chegaram aqui no bairro?
R1 – Nós mudamos da Imperial eu tinha 15 anos, porque o dono da casa pediu a casa, que o filho ia casar. Aí nós fomos pra Santa Cruz que, como meu pai trabalhava na - não sei se vocês conhecem aqui – Câmara, a gente encontrou, conseguiu uma casa que era já pro bairro, mas era bem pertinho da prefeitura. Então, assim, ficava até mais fácil pra ele ir trabalhar e voltar. Aí a gente mudou pra Santa Cruz. Ali eu fiquei quatro anos, nós ficamos lá, dos 15, aí quando eu fiz 19 anos, que nós mudamos pra cá, pro Jardim Urano, que é mais afastado da cidade, que aí meu pai...
P1 – E quando foi ficando mais moça, assim, mais adolescente, o que você gostava de fazer? Tinha algum passeio que você fazia, na época?
R1 – Olha, quando eu era adolescente, tinha o Palestra aqui, que era um clube e todo domingo chamava... como é que é? Mingau. Todo domingo tinha o Mingau, então a moçada... era Mingau, mas era assim, porque no sábado era boate, então já era dos 18 pra cima e o Mingau era pros de 12, 13, 15, até 18, né? E era uma delícia. Então, todo domingo a gente ia pro Mingau. Isso até os 16, 17. Aí depois eu mudei, como eu mudei de lá e já vim aqui pro Jardim Urano, então aí já foram outros passeios. No Jardim Urano eu tinha um... não, lá na Santa Cruz a gente tinha um fundo de quintal muito gostoso. E, na época, as pessoas de cidades pequenininhas vinham estudar... ainda a escola estadual era valorizada. Era muito valorizada. Então, gente de outros estados, que nem pertinho, Minas, assim, mandavam os filhos virem estudar em Rio Preto, em escola estadual. Então, que nem, na minha classe mesmo tinha uns sete, oito alunos de cidades... igual hoje faz com filho pra estudar fora, era na escola estadual, que era melhor do que a estadual daquela cidade deles. Então, eles faziam república pra estudar, tanto no colegial, oitava série e aí o pessoal ficava sozinho, né? Então, eles mesmo já marcavam: “Sábado tem festa lá na sua casa”. Então, os meninos levavam cuba, as meninas levavam os salgadinhos e refrigerante e lá a gente ouvia música, dançava, dava risada. Então, era assim. Foi muito gostosa essa fase, por isso, né? Porque tinha bastante gente de fora, então você brincava muito, ria muito. Foi uma fase muito gostosa.
P1 – Diversão era garantida final de semana, então?
R1 – Era. Sempre na minha casa. (risos)
P1 – Olha! Seus pais gostavam, achavam bom?
R1 – Na época meu pai não se importava, não. Era bem gostoso. Deixava tudo, sim.
P1 – Você falou da escola estadual que recebia muitos alunos. Até hoje eu acho que é mais ou menos assim. Pelo menos algumas que eu conheço, em Rio Preto. E qual era a escola que você estudava, nessa época, estadual, que tinha tantos alunos, assim, de outros lugares?
R1 – No Pio X.
P1 – Ah, sim, conheço Pio X.
R1 – Oscar Pires foi a primeira escola minha, né? Foi da primeira à oitava série. Quer dizer: estudei oito anos no Oscar, que foi, assim, uma escola muuuito boa, que me deu uma base muito boa. Depois eu fui pro Cardel Leme, que eu estudei um ano à noite e depois eu já fui pro Pio X. Aí o pessoal tinha, mesmo, bastante gente de fora. Eles montavam casa lá e estudavam, pelo menos o colegial, fora.
P1 – Nossa! E você lembra da escola, em si? Quem eram as professoras daquela época?
R1 – Lembro. Eu não lembro muito mais nome, porque eram bastante, né? No Pio X já tinha aquela mudança: quem queria mais pra Matemática ia pra um lado; quem queria mais Humanas, ia pra outro. Então, a nossa classe, a maioria na época, que eu me lembro, foi pra coisa de Matemática. Então, a classe era lotada. E a nossa classe sempre teve bem menos gente, porque aí tinha Zootecnia, uma professora maravilhosa, que ela era professora, se não me engano, do Ibilce, mas eu me lembro de bastante professoras, realmente eram bem... tanto que a gente era poucos alunos, então a gente se juntou muito, né? Então, eles falavam assim: “Tá vendo? Vocês se juntam muito, fazem festa, vocês não sei o que” - os alunos das outras classes, né? – “as professoras querem ficar dando aula, seguram vocês e nós vamos embora passear, porque a gente não vai ter aula, não sei o quê”. (risos) Era umas coisas assim, sabe? “Vocês ficam com bobeira, assim e a gente que...”, mas era tão gostoso, sabe? E os professores tratavam... como era classe pequena, então começava a ficar uma amizade gostosa, né?
P1 – Um vínculo.
R1- É, tinha vínculo. Eu lembro que tinha o pai de um menino que, na época, tinha um monte de vídeos de quando a criança... a mãe tinha a concepção, até a criança com três anos e aí a professora estava dando e ele emprestava os vídeos e a gente ia assistindo. Então, sabe, assim, era tudo meio interligado, até os pais, então ficou uma coisa muito gostosa, nessa época. Os pais com os professores conversando e um mandando uma coisa, outro... sabe? Então, foi, assim, uma época muito bacana com a escola. Então, a gente, realmente, quem estava ali, gostava de ir pra escola, entendia que aprendia, entendia que era um jeito diferenciado. Era bem bacana. Não era como você está vendo hoje, que pelo amor de Deus, né? Eles teriam que mudar urgente a forma de dar aula, pra ver se essas crianças começam a se interessar de novo, né? Porque as crianças eu acho que estão trezentos anos-luz na frente dos professores nesse sentido, de querer coisa mais rápida, mais...
P1 – Internet, né? As crianças, hoje, já nascem... não é verdade?
R1 – Já nascem sabendo. E ter que ouvir aquelas coisinhas desde... parece que é affffffffff, assim.
P1 – Vai mudando as coisas. E nessa época, assim, você já tinha vontade de fazer uma faculdade? Foi nessa época que você foi fazer Administração de Empresas?
R1 – Na verdade, na minha casa era assim: meu pai não tinha como você falar: “Não quero estudar”. Pelo menos até o terceiro colegial a gente era obrigado a estudar e, se quisesse, podia estudar no período da manhã, que ele segurava as pontas. Que a gente já sabia que tinha um monte de gente que não podia, que tinha que trabalhar, pra ajudar, né? Tanto que eu estudei, eu fiz até o terceiro colegial no período da manhã, mesmo. Mas aí a faculdade era meio opcional, mas eu já cresci de um jeito que parece que não tinha como não fazer uma faculdade, já fazia parte do plano, né? E eu lembro que até os alunos que menos iam: “Eu vou fazer uma faculdade mais simples”, alguma coisa mais, sei lá, o que tinha, porque às vezes tem as faculdades... mas ia fazer. Eu acredito que, da minha turma, ninguém saiu sem fazer faculdade. Acho que todo mundo fez. E, pra mim, já era como um continuar, né? Quando você termina a oitava, você não tem ideia - que agora não é mais oitava - de não continuar? É a mesma coisa pra mim, lá na época.
P1 – E aí você já foi, então, direto pra faculdade, teve esse incentivo. Onde que você fez?
R1 – Eu fiz na época que a Dom Pedro era uma super faculdade, porque depois, tadinho, foi degringolando. Fiz na Dom Pedro I, era uma faculdade muito boa, tive professores excelentes. Eu lembro de um professor que era juiz de Direito na época, que era maravilhoso. Ele era, assim, o mais velho de carreira. Eu lembro que ele falava isso: “Aqui em Rio Preto eu sou o mais velho de carreira e o mais novo de idade”. E as aulas dele eram, realmente, muito boas. Eu consegui até gostar um pouquinho também de Estatística, que uma professora excelente, que dava, deu até... foi muito bom. Então, assim, a gente teve aulas boas, foi uma época maravilhosa. Sem contar que foi a melhor turma da vida, né? Eu acho que quem não faz faculdade, não sabe o que é ter turma boa. Aquela turma foi assim, que a gente se juntava até nas férias, a gente estava junto, fazendo festa, bagunça, saindo, ia pra casa de um, ia pra casa do outro, todo mundo dormia na casa do outro e foi muito gostoso. Foram quatro anos assim, superintensos, né? De faculdade, mesmo. Mesmo eu não tendo morado numa república. (risos)
P1 – Depois sai, sente até saudade. Não é verdade?
R1 – Nossa Senhora! Fiquei quase em depressão pós-faculdade. (risos)
P1 – Nossa! E como era? Me conta mais dessa época da faculdade.
R1 – Não, era gostoso, era o dia que tinha as aulas mais fraquinhas, assim, a gente já se encontrava no boteco: “Você vai hoje?” “Não” “Você vai?” “Não vou, não” “Então não vai ninguém, vamos bater papo”. Aí outro dia não, ia todo mundo e fazia trabalho. Foi uma fase muito gostosa, muito boa.
P1 – Tinha algum boteco, algum lugar que vocês iam mais?
R1 – Olha, eu saindo da faculdade, passava todo dia na frente, porque a faculdade era a Dom Pedro, né, que era lá na Imperial e eu morava na Santa Cruz, então eu tinha que atravessar... e a gente vinha a pé, porque senão você tinha que pegar um ônibus que chegava até a cidade, depois outro ônibus do Centro da cidade, até lá. Quer dizer: não compensava, era muito demorado, às vezes você tinha que esperar muito e até você vinha cortando caminho, dava, mas você passava em frente do Zero Grau, que era o maior point; (risos) em frente do Chicken-in, que era uma delícia. (risos) Então, sempre você estava passando em frente de um boteco gostoso. Dependendo do jeito que estava, (risos) ali você dava uma paradinha e eu lá ia, né? Então, foi uma fase muito gostosa. Muito boa, mesmo. Uma fase inesquecível.
P1 – E o Zero Grau, hoje, fechou, né?
R1 – É. Que judiação!
P1 – Pois é.
R1 – E abriu logo na época, que eu lembro quando o Zero Grau ia abrir. Eles falaram, na época... porque o Chicken-in já tinha, né, antes do Zero Grau. E era muito gostoso também. Aí eles abriram o Zero Grau, falando que eles iam fazer pratos diferentes, com nomes de artistas, não sei o quê. Eu não sei se durou muito isso, mas você vê: até que ele durou muitos anos, porque fechou acho que ano passado, se não me engano.
P1 – Foi.
R1 – Durou muitos anos. Pelo menos uns trinta. (risos)
P1 - E a época que a senhora ia, que estava abrindo, é mais ou menos que ano? Você lembra?
R1 – Faculdade com 19 anos, então foi... eu estou ‘boa’ de cabeça agora...
P1 – (risos) Depois você fala que não gostava de Matemática, mas olha, está tirando de letra.
R1 – É 1983, 1984, mais ou menos.
P1 – Tem história, viu?
R1 – É. Nossa!
P1 – Você lembra daquela época algum show também que vocês gostavam de ir? Você, sua turma. Show, apresentação...
R1 – Tinha bastante show no Palestra, né? Mas sempre era muito caro. Então, nem sempre dava pra você ir. Na nossa época foi a fase dos festivais. Eu me lembro acho que de uns dois, três festivais, quando voltaram os festivais, que foi o Ivan Lins com a... eu não lembro agora o nome da mulher dele, mas que tinha a Amelinha. Quem mais? Aquela que cantava fininho, esqueci também.
P1 – A Miúcha?
R1 – Não, não, não. Ela cantava do passarinho. Ai, como é que chama? Ai, sei que foi uma época muito, muito gostosa. Deixa eu ver se eu me lembro alguma música mais dos festivais: “Quando... dandandan... nessa valsa triste se desenvolvesse ao som dos bandolins” é dessa época. Então, acho que nós pegamos uns dois festivais, porque teve aquele antigo, né, de quando eu era ainda, acho que criança e depois voltou com esses, que foi uns anos. Foi muito gostoso. E a gente aproveitava muito. Os meus anos oitenta eu falo que eu acho que... oitenta, noventa eu até brinco com a minha filha, falo pra ela: “Ai, tadinha de você com essas músicas da sua época”. Eu falo porque: “Olha, da minha época, meu bem, foi só Cazuza, Capital Inicial e da sua época é a bundinha de não sei quem que sobe e desce lá e não sei o que, não sei o que”, não é? Ela fica muito brava, porque ela gosta também, muito, (risos) das músicas dos anos oitenta e noventa. Eu falo: “Então, menina, você precisa ver: cada hora aparecia uma coisa melhor do que a outra e não tinha... tudo que saía era coisa boa, né?” E você agora, dá pra...
P2 – E a senhora dançava essas músicas? Ia sair pra dançar? Porque era muito gostoso.
R1 – Sim. Verdade. A gente tinha o sarau aqui, a gente dançava muito, ia nas boates. A gente não ia muito em show, não, mas em boate a gente ia bastante e tinha, nossa.... “Nanananana do you wanna dance”, aquela. O dos óculos. Eles eram super novinhos. Como ele chama?
P2 – Paralamas do Sucesso, Legião Urbana...
R1 – Paralamas do Sucesso! Isso, eu estava no comecinho da... Legião Urbana: “Eu não uso óculos, nananananinguemgar”. Ixi, dançamos muito!
P2 – Paulo Ricardo.
R1 – Nossa, Paulo Ricardo começou um pouquinho... eu já estava, assim, um pouquinho mais... que eu sei que a minha irmã é oito anos mais nova que eu e o Paulo Ricardo, na banda deles, eu lembro que ela já começou com 13, 14 anos, já era apaixonada por eles porque, realmente... mas mesmo assim, no comecinho, tudo, a gente pegou, dançou, mas mais eram esses, né? Paulo Ricardo parece que apareceu um pouquinho só mais tarde.
P2 – Um pouquinho depois, né?
R1 – Isso.
P2 – Mas tinha muita música do pop nacional, né?
R1 – Nossa! Praticamente todas as músicas eram... a gente nem lembrava música internacional, na época. Eu não lembro, assim, falar pra você: “Nossa, tinha uma época...”, que nem aconteceu nos anos setenta, que eu lembro. Setenta e pouco, que era só internacional, né? Até os cantores nacionais cantavam...
P2 – Discoteca, né?
R1 – Exatamente. Eu peguei o finalzinho da discoteca. Eu lembro. Bem no finalzinho. Depois foi mais... que também eu acho que não deixava de ser, né, porque a gente dançava muito, mas era muita música brasileira mesmo, gostosa e boa e pena que vocês não viveram isso. (risos)
P1 – Só quem viveu, viveu, né?
P2 – Eu vivi!
R1 – Eu estou falando a Ana Eliza, tadinha. A Ana Eliza é das bundinhas que sobem, que descem. (risos)
P1 – Mas eu conheço as suas músicas. A minha mãe adora essa dos sons dos bandolins.
R1 – Nossa, essa é linda! Planeta Água, que também estava no festival, é muito boa.
P2 – Tinha os Festivais da Canção, né?
R1 – Isso. Esses festivais que a gente aproveitou bastante. Esses já eram, assim, nos meus 15, 16 anos, que tinha, a gente gostava muito de ouvir e de falar.
P2 – Maravilha! Coisa boa, né?
R1 – É, foi, foi tudo muito bom, graças a Deus!
P1 – E, assim, a senhora, hoje, é uma mulher casada e a senhora conheceu seu esposo nessa época de faculdade? Como é que foi?
R1 – Na verdade, eu conheci meu marido no teatro. Eu trabalhava, terminei o terceiro colegial e comecei a trabalhar e aí a menina que trabalhava comigo falou pra mim sobre... porque antes, na verdade, eu não gostava muito de perder tempo com namorado, não. Eu achava que eu ia perder tempo, porque vai que você acha um namorado chato e não sei o que, eu não tinha paciência. Então, eu gostava mesmo era de balada, de dançar, de sentar em barzinho com os amigos, de dar risada, bater papo e conversar, sabe? Eu nunca gostei muito de ficar presa a uma pessoa só. Aí a gente começou, ela me chamou, que eles iam fazer uma reunião de um grupo de teatro, se eu queria ir. Aí eu não tinha nada o que fazer, fui. E não é que fiquei dez anos no teatro amador? Foi muito gostoso. Aprendi, assim: a minha cabeça abriu, assim, 565%. Foi, vamos dizer assim, uma girada de chave na minha vida, porque foi muito...
P1 – Nossa, a senhora também é atriz?
R1 – É, já fui. Faz tempo que não mexo mais com isso, (risos) que não faço mais nada, mas já fui. E aí a gente se conheceu lá. Ele também foi convidado, aí a gente se conheceu lá, mas depois de bastante tempo que a gente começou a namorar, mas deu certo, né? Namoramos seis anos, aí a gente já tinha parado com o teatro, porque infelizmente teatro amador é uma coisa que não te traz dinheiro e nem futuro. Te traz conhecimento, ensinamentos, mas não te traz futuro econômico e a gente precisava de alguma coisa na vida, né? Aí nós paramos, fomos trabalhar, terminei a faculdade e trabalhamos bastante. Então, aí comprei o bazar, aí foi bem corrido, aí paramos. Foi nessa época que a gente parou. Mas foram dez anos de teatro.
P1 - Nossa! E vocês gostavam de fazer o quê? Comédia, drama...
R1 – Olha, nós fizemos um espetáculo que foi muito bacana, do Ariano Suassuna, O Santo e a Porca. Foi muito bacana, trabalhamos bastante com ele, rodamos bastante festivais com ele. Ganhei até prêmio de melhor atriz! Acha que não, humpf! (risos)
P1 – Olha ela!
R1 – Mas foi, assim, muito gostoso, muito bacana. Fizemos bastante peças infantis.
P1 – Qual era sua personagem nessa peça?
R1 – O que, a Porca? Eu era a Benona, que era a tia, a irmã do... a minha cabeça vai perdendo as... do Euricão, ‘seu’ Eurico Engole-Cobra, que é aquele personagem que o Ariano tem, né, que esconde dinheiro, guarda a vida inteira e depois perde o valor. Então, eu era irmã dele. E eu, com esse papel, ganhei melhor atriz. Foi bem bacana.
P1 – Que legal!
R1 – Nós participamos de um monte de festivais também, fora de Rio Preto, fomos pra Sertãozinho, Pindamonhangaba, conhecemos Presidente Prudente, Araçatuba, bastante cidades através do teatro, nessas participações de festivais que a gente fez também. Muito gostoso.
P1 – Vocês também apresentavam pra escolas, crianças, essas coisas?
R1 – O Santo e a Porca não era um festival infantil, mas a gente chegou a apresentar o infantil pra crianças, em escolas, sim. E a gente também fez, no final de ano, a gente apresentava projetos e a gente fez bastante auto de Natal na cidade, então a gente montava à noite, a prefeitura vinha, montava o palco pra gente nos bairros e aí a gente ia apresentar. Teve bastante disso também. Foi bacana, na época.
P1 – Então, aprendeu muito nessa época. Pelo menos você guarda com muito carinho isso, né?
R1 – Mas com todo carinho do mundo, porque o teatro, eu até brinco assim, porque na época que nós fizemos teatro, era a época que começou a Aids muito forte no Brasil e morrer gente. Só amigos nossos, que a gente conhecia, foram mais de dez, na época. Perto da gente, conhecidos, né? Então, eu sempre falava assim: teatro é uma coisa muito maravilhosa, mas é muito perigosa pra quem não tem cabeça, assim. Porque ele te abre a visão de uma forma, se você destrambelhar, você vai, né, pra droga, porque a sua cabeça é uma coisa muito doida. E você vê, todos do nosso grupo não chegou a morrer ninguém, porque a gente era muito sério nisso que fazia, né? O Hermes, que é meu marido, era o diretor e ele já era mais velho, ele é cinco anos mais velho que eu, mas assim, ele sempre teve a cabeça bem séria e então ele falava: “Aqui dentro a nossa coisa é teatro, mesmo, nós vamos estudar. O que vocês quiserem ser pra fora é problema de vocês, mas vocês tomem cuidado, porque não é fácil”. Então, no aprendizado, em tudo você realmente tinha aquela cabeça, mas você sabia das coisas, dos riscos que você passava, se você fosse achar que ahnnnnnnn, pode tudo, né? Porque você acha, quando você... é muito interessante - não sei se vocês fazem ou fizeram já teatro na vida – abre sua cabeça numa liberdade que você tem, pra poder fazer... ser ator, ser reconhecido, você chegar e o pessoal vir te pedir autógrafo. Por isso que a gente entende muita gente. Você vê: a gente pequenininho, numa cidadezinha pequena, não tem teatro, você imagina na cabeça desse pessoal que tem milhões, cantores... se não se segurar mesmo e se não for muito bom de cabeça, vai mesmo. Tanto que quantos que a gente conhece, que se drogam, que já morreram por droga. Então, na época, dez amigos nossos faleceram por conta da Aids.
P1 – Nossa!
R1 – E no nosso grupo ninguém pegou, tudo muito certinho, tudo muito sério e todo mundo ama, até hoje eu tenho amiga que faz teatro, né e ama de paixão, tem a cabeça super liberal, mas está tudo certo. (risos)
P1 – Está aí, firme e forte!
R1 – Uma vida doida também, não foi uma vida tranquila. (risos) Foi uma vida animada. (risos)
P1 – Eu não sou muito dessa área, não, mas então vocês chegaram a casar em que época?
R1 – Nós casamos em 1991. Dia 28 de dezembro de 1991. A gente namorou seis anos e aí, na verdade, foi muito engraçado, porque a gente não se preocupava em casar, né? Aí, um dia, meu carro apareceu uma multa em Mirassol, cidade aqui pertinho, a gente estava indo pra lá, pra ver o que era isso, tal, que tinha acontecido e passamos na frente da igreja. Aí um falou pro outro: “Vamos lá dar uma olhadinha como é esse negócio de casar”. Olha! (risos) Paramos o carro e fomos lá perguntar. Tem igreja aqui em Rio Preto, que são aquelas igrejas famosas, que demoram um ano pra você conseguir uma vaga. Eu falei: “Bom, então a gente marca, porque vai demorar um ano e daqui um ano a gente casa”, né? Aí a moça abriu o livrinho lá, isso era setembro e falou: “Olha, vocês querem que dia de dezembro?” Eu falei: “Jesus amado!” (risos) Setembro, outubro, novembro, três meses. Aí um olhou pro outro e falou, acho que foi na pressão: “Marca lá pro dia 12 de dezembro”. Aí um olhou e falou assim: “Não, não, não. Marca pro dia 28 de dezembro, porque 12 de dezembro...” - aí a gente já tinha o bazar – “vai estar na época do Natal. Como a gente vai casar no meio da correria, trabalhando, de Natal? Vai dar tempo de nada. Então, marca pra dia 28 de dezembro”. E assim foi, menina. Tivemos que preparar tudo em três meses, uma loucura. Não sei, cada cabeça de doido! (risos)
P1 – Meu Deus!
R1 – Foi, assim, uma coisa de doido. (risos) Até meu irmão, sentamos, chegamos em casa, falamos: “Marcamos em dezembro”. Meu irmão: “Você está grávida?” Falei: “Não. Só que era o prazo que a mulher tinha lá na igreja, uai”. (risos) Era o dia que a mulher tinha lá na igreja, então nós marcamos”. E vai aí correria pra tudo, né? Mas foi muito bom, também. Não faria isso hoje, se fosse... (risos) não faria mais essa loucura. Mas nós não fizemos festa, nem nada, porque era muita gente, era apertado, estava uma época bem difícil, bem apertada, então não fizemos festa, fomos viajar, mas foi tudo certo.
P1 – E, nessa época, vocês já tinham o bazar, né?
R1 – Sim.
P1 – Como é que foi, pra vocês? Você já terminou a faculdade, já fizeram o Bazar Aquarela, né? Como é que foi esse começo?
R1 – Não. Eu trabalhava numa firma e o Hermes entrou de sociedade em um atacado de brinquedos, com um conhecido nosso, um amigo nosso. Porque ele trabalhou muitos anos no Banco Itaú, aqui em São José do Rio Preto, acho que oito, nove anos e aí teve aquela época de demissão voluntária, não sei o que e ele foi um desses que pediu demissão. Aí ele pegou e começou a viajar, trabalhar como representante comercial e apareceu essa oportunidade dele trabalhar como... dele comprar a metade dessa distribuidora de brinquedos. Aí ele entrou. Aí acho que ele ficou um ano, um ano e meio, dois anos, esse amigo quis sair, que ele já tinha um bazar e aí ele falou que estava ficando apertado pra ele, estava ficando difícil e ele quis sair. Aí o Hermes me chamou: “Vem pra cá, você trabalha comigo e a gente vai trabalhando”. A gente não era casado ainda, na época. Aí eu fiz isso: eu saí do serviço e fui pra lá, peguei meu Fgts, tudo, apliquei lá (risos) na distribuidora. Aí, dali uns tempos, a gente montou, assim, um bazarzinho, que você já tinha brinquedos, tudo, então, na frente você poderia montar e montamos. Só que, dali uns tempos, nós vimos um bazar que estava vendendo aqui no Parque Estoril, que era bem pertinho, porque isso era na Avenida Potirendaba, essa nossa distribuidora. Aí tinha aqui no Parque Estoril um bazar, a moça estava vendendo, a Suzi e nós viemos ver, um lugarzinho bacana, sabe, todo já montadinho, ela tinha acho que fazia quatro anos. Foi aí que a gente mudou tudo e tinha dois salões na época e a gente aproveitou e montou tudo aqui, num salão o bazar e no outro, a distribuidora. Aí que nasceu o Bazar Aquarela. Foi aí que a gente montou, na época. Ficou muito bonitinho, muto bacana. Praticamente o bairro todinho conhecia, né? Ficou famoso. Eu fazia sorteios no final do ano, de bicicleta. Então, assim, ficou bem famoso mesmo.
P1 – A criançada adorava?
R1 – Ixi, como gostava, viu? Tinha muito brinquedo. Aí eu fui entrando com roupas, com aviamentos, aí eu fiz um bazar bem bacana, mesmo. Bem bacana.
P1 – O que você vendia mais, lá?
R1 – Olha, eu coloquei... nossa, eu falo assim, hoje é até engraçado: ganhei muito dinheiro com fax, porque os representantes... comprei um fax, os representantes iam tudo lá, tirar cópia de pedido, pra mandar passar fax pras firmas, né? Então, era, assim, um dinheirinho bom (risos) que a gente ganhava passando fax. Aí eu pus xerox também, fazia muitas cópias, né, por dia, encadernava, tal. Vendia muito brinquedo. Natal era, assim, uma loucura, uma correria! Aí, quando a gente foi trazendo roupas também vendia bastante. O Dia das Mães também vendi muito vaso. Ia pra Porto Ferreira buscar vaso, essas coiseiras todas: cachepô, castiçal. Então, a gente ia trocando. Foi, também, uma época bem bacana, bem legal. Mas eu não tenho o que dizer que vendia mais ou menos, tudo na sua época. O que eu vendia bastante durante a semana toda sempre era o material escolar e aviamentos, né? Porque como tinha bastante costureira perto, então aviamentos a gente vendia bastante. Todos os dias tinha quem precisava de linha, botão, mas quanto a valor, eu acho que brinquedos, né? Normalmente, sempre brinquedo, mas o resto era material, que sempre precisa, né? Época de material escolar também a gente vendia bastante.
P1 – Sim. Nessa época a senhora, já tendo o bazar, a senhora foi tendo as suas filhas, né?
R1 – O Guilherme foi o primeiro. Isso foi, a gente teve o bazar, se eu não me engano em 1987, 1988, por aí. Aí, em 1991 nós nos casamos e em 1994 o Guilherme nasceu. Nós nos casamos e a gente já tinha o bazar. Aí, em 1994 que eu fiquei grávida e ele nasceu. E depois, em 1997 a Lana nasceu. Mas foi tranquilo, né? Muito tranquilo.
P1 – E aí você os levava pra ficar um pouco com você, no bazar?
R1 – Bem pouquinho, porque queria mexer em tudo. Então, quem ficava muito com eles quando eram bem pequenininhos, era a minha mãe. Aí, depois, eu coloquei numa escolinha. Tinha uma escolinha bem bacana, o pessoal bem bacana e aí eles foram pra escolinha. Ficavam - quando a Lana nasceu também, foram os dois pra escolinha – o dia todo. Mas, assim, ficavam muito de boa. Um dia, pra você ter uma ideia, eu falei pro Guilherme - hoje esse negócio de mãe que morre de culpa, porque não está ficando com o filho, porque está trabalhando, essa coisa que toda mãe tem – assim: “Hoje a mamãe vai ficar com você, porque nós vamos ver umas coisas aqui, mas você não precisa ir na escola, tá bom?” “Tá bom”. Aí mexi aqui, mexi ali, dali a pouco ele olhou pra mim e falou: “Mãe” “Ahn” “Me leva pra escola”. Falei: “Ah, mas por quê?” “Não tem nada pra fazer nessa porcaria dessa casa”. (risos) Então, eu fui obrigada a levá-lo pra escola, (risos) porque lá eles tinham os horários, os amigos, com quem brincar. Então, pra mim, eles, de escola, nunca tive problema nenhum. Então, cresceram supertranquilos quanto a isso. Eram os amigos dos donos da escola e tipo final de semana, assim, muitos finais de semana a gente ia pro rancho - meus pais têm um rancho, agora de todo mundo - com eles e a molecada adorava nadar no rio, sempre foi muito gostoso. Então, os donos da escola iam juntos. Então, virou quase que da família. Então, pra eles irem lá era a mesma coisa: tio, tia e tudo certo.
P1 – Qual era a escola que você está falando?
R1 – Faz de Conta, era.
P1 – E isso tudo lá na zona sul?
R1 – Tudo ali no Estoril. A minha mãe morava no Urano, que é do lado, mas é bem pertinho, coisa de seis quadras e a Faz de Conta era no Urano também. A Faz de Conta também era ali.
P1 – Aquela região foi crescendo, né?
R1 – Isso. Agora está bem maior, né?
P1 – Hum hum.
P2 – Paula, caracteriza essa região, onde era o bazar. Descreve pra gente como ele era, a região como era na época que você tinha o bazar.
R1 – É um bairro pobre, tá? Porque é assim: é o fundo do fundo da cidade, vamos dizer assim. Quando o Hermes nasceu, que ele era ali do Estoril, ele disse que era tudo terra, né? O povo mais pobre vai indo pros cantos da cidade. Então, era bem pobre. Se você vem, ainda tem bastante casinha bem antiga, principalmente o Jardim Urano, que a minha mãe mora. Então, são de casas antigas. Hoje, que Rio Preto está se modernizando bastante, que está melhorando um pouco, mas era simples, mas que nem o bazar, na frente foi, na época, na esquina da frente, sorveteria e agora é um bar, já faz bastante tempo. Do lado do bazar tem a Artenal, que eles mexem com coisas de vime: cadeiras, móveis, mas naturais. Desses mais naturais, não são aqueles artificiais. Faz muitos anos. Desde quando a gente chegou o bazar lá, eles já eram de lá, chama Artenal e até hoje eles estão lá. O nosso bazar eram essas duas portas, do lado era a farmácia Nova Era, tem uma farmácia e, virando a rua... então, aquele pedacinho ali era bem de comércio, né, vamos dizer assim. Depois tinha um salãozinho, que agora faz parte da farmácia, mas que era uma sorveteria - já foi bastante coisa ali – e depois uma oficina mecânica. Isso tudo na frente do Centro Social do Parque Estoril. Então, tem o Centro Social do Parque Estoril e depois tem todas as quadras na frente, que agora eles estão reformando tudo, né? E descendo a rua, assim, também tinha bastante comércio. Já foi restaurantezinho pequeno, já foi outro bazarzinho, já foi bastante salão de cabeleireiro. Então, aquela rua ali, entre a quadra e acho que a Nuno Alves, se eu não me engano, é bem comercial aquela rua ali e é do lado da quadra. Depois, no final da rua, assim, ainda tem uma rotatória, que acaba as quadras, aí era uma Padaria Rio Preto, se eu não me engano... não, como é que é? Não, Padaria Estoril, que fechou agora, há pouco tempo, mas eles continuam lá fazendo pão pra fora e outra farmácia. Então, é um pontozinho, assim, bem comercial ali.
P2 – De coisas que abasteciam o próprio bairro?
R1 – O próprio bairro. É. Que nem, por exemplo: o pessoal, como sabia... ah, e do lado dessa farmácia de baixo, também tinha o bazar de baixo. Um bazar também. O pessoal falava que era o Bazar da Paula, o Aquarela e o Bazar da Dona Adélia lá embaixo, né? Então, quando não tinha no meu, eles iam no dela; quando não tinha no dela, eles vinham no meu. E as farmácias também, essas duas, que era o Zequinha, que era o marido da Dona Adélia e em cima era a farmácia da Valéria e do Tadeu, que era a Farmácia Nova Era, que era do lado do bazar. Então, assim, a gente fez grande amizade, porque foram muitos anos, né? Só eu foram dez anos lá e eles já estavam lá também.
P2 – E aí o pessoal ia pra cidade comprar mais o quê? Eletrodomésticos, geladeira, coisas maiores?
R1 – Isso. É. O que não tinha no bairro.
P2 – Ir ao Centro pra fazer compra...
R1 – Sim.
P2 – ... era mais pra compras maiores.
R1 – Isso. Eletrodomésticos, essas coisas. Porque coisas desse jeito, de bazar, iam tudo no bazar, falavam assim: não compensa, por conta de ter que pagar o ônibus. E os preços eram mais ou menos os mesmos. Então, o pessoal realmente fazia... a gente abria ficha, né? Tinha muitas fichas das costureiras. Então, fazia ficha e aí já ia, se precisava... a gente sempre fazia promoção. Na época de material escolar a gente vendia, fazia promoção. Então, sempre você colocava um item mais barato e sempre dando promoção, sempre fazendo em várias parcelas. Então, fervia. Na época de material escolar era uma loucura, graças a Deus! (risos) Era muito bom.
P1 – Pertinho ali da escola, né?
R1 – É.
P1 – Então, a molecada gostava.
P2 – E assim: pras costureiras, o que a senhora tinha?
R1 – Eu tinha linha; zíper; botão; aqueles botões de pregar calça ou aqueles botõezinhos de pressão, que usava muito; aqueles que faz um buraquinho, que fica aquela... ilhós; tudo quanto é tipo de fitas, aquelas fitas coloridas...
P2 - ... de cetim, sianinha, renda...
R1 - ... de tudo quanto é cor e tamanho. Isso. Praticamente, na época, a gente só não tinha tecido, porque o resto, nem que fosse um pouquinho de cada coisa, você tinha de tudo, né? E, se faltava alguma coisa, você sempre estava anotando, pra assim que o vendedor passar, você já pegar pra, pelo menos... né? Então, a gente tinha bastante variedade, assim, de coisa. O Bazar Aquarela foi bem bacana, na época.
P2 – Eu não sei se a senhora já comentou, de onde vem o nome?
R1 – Olha, o meu marido tem mania de aquarela. (risos) As coisas, todas, dele são aquarelas. Então, quando a gente começou a fazer teatro, ele colocou nosso grupo, era Grupo Aquarela. Aí quando ele comprou a distribuidora de brinquedos do amigo, né, a parte dele foi Aquarela Representações Comerciais. (risos) Aí, quando foi pro bazar, virou Bazar Aquarela. Antes chamava Coisas e Coisinhas, que a moça me vendeu. Aí foi Bazar Aquarela. Então, tudo era Aquarela. A mania dele. (risos)
P1 – Mas ficou bom o nome.
P2 - Genial.
P1 – E vocês ficaram lá... é, ficou bom.
R1 – Oi?
P1 – Vocês ficaram lá até mais ou menos que época?
R1 – Olha, nós ficamos lá até... quando a Lana nasceu eu tinha uma funcionária muito boa e ela precisou sair também, então começou a ficar meio apertado pra eu tocar conta de dois pequenos, né, porque o Guilherme tinha dois aninhos, dois e pouco, dois e oito meses e a Lana, né? Aí a minha cunhada estava meio parada, isso... a Lana nasceu em 1994. Acho que foi em meados, no fim de 1994, começo de 1995, que estava muito difícil pra eu conciliar um bebezinho e o bazar e sem ela, que era meu braço direito, a Joice. Então, eu peguei a minha cunhada, como ela estava parada, ela quis pegar o bazar como... como é que eles falam? Vamos dizer assim: eu aluguei, arrendei o bazar por uns tempos, aí ela, depois, quis comprar, aí eu vendi. Mas foi uma época, essa, muito difícil, porque estava muito complicado fazer tudo, mas deu tudo certo, graças a Deus.
P1 – Mãe com criança pequena é correria.
R1 – Mas foi bom.
P1 – E aí, depois, vocês começaram a trabalhar com o Aquarela Representações Comerciais, vocês só ficaram mesmo?
R1 – É. Na verdade, o Hermes nunca parou as representações. Eu trabalhei depois, a gente montou uma outra firma com o meu cunhado, de material elétrico, mas aí não deu certo, aí nós compramos um Disque Água. Eu ficava no Disque Água e ele começou a viajar, ainda com brinquedos, né? Tanto que a gente trabalha com brinquedos até hoje. Ele começou a viajar. Aí eu vendi... ele começou a aumentar as indústrias que ele trabalhava, ele precisou... mas eu fiquei acho que uns cinco anos com o Disque Água. Aí, como começou a aumentar muito as indústrias que ele trabalhava, ele estava precisando de gente pra trabalhar junto com ele, então eu peguei, nós vendemos e eu fui trabalhar com ele. Aí, eu viajava pra um lado e ele viajava pro outro. Eu fazia a minha região e ele fazia a dele. Até hoje eu sempre vou com ele na região dele, mas a minha região muitas vezes eu faço sozinha. E é assim até hoje.
P1 – Qual região você vai, mais?
R1 – A minha região: eu faço Olímpia... daqui eu vou à Olímpia, pra lá eu vou pra Ibirá, Potirendaba, faço Catanduva, Ibitinga, Itápolis. E pro outro lado aí eu já vou com ele, né? A gente vai junto pra Araçatuba, Birigui. Pro outro lado: Fernandópolis, Santa Fé, Jales. Então...
P1 – Vocês conhecem essa região inteira, né?
R1 – Inteira.
P1 – E que brinquedos, assim, vocês mais vendem, que vocês gostam mais de trabalhar?
R1 – Olha, a gente trabalha com várias representadas, né? Tem bastante. Mas a gente, na verdade, gosta de trabalhar o brinquedo que está, assim, quando sai, na última moda, é uma delícia trabalhar, porque você chega e só pergunta: “Quantos vai desse?” (risos) A pessoa já, até, te liga: “Você vai passar quando? Eu estou precisando disso”. Porque tem fases que está difícil, é complicado. Você tem que chegar, conversar muito. Tem umas fases que meu Deus do céu, é tudo de complicado, né? Mas então, quando você tem algum brinquedo que está despontando, assim, é uma delícia! (risos)
P1 – As crianças ficam doidas.
R1 – É. Mas a gente trabalha com a indústria Líder, que ela chama, que eu não sei se você já ouviu falar no cavalinho Upa Upa do Gugu, que sempre aparece em novela. Essa indústria a gente que vende. A gente trabalhou com aquela indústria que fabricou o Louro José. Aquela época do Louro José era uma delícia! Cliente ligava pra você e falava assim: “Manda um pedido inteiro” - porque, como é indústria, tem mínimo de pedido, né? – “de Louro José”. Ai, que delícia! (risos) Você não gastar nada, só fazer - não gastar gasolina, hotel -o pedido e mandar. Então, aquela época do Louro José foi divina, né? Foi muito boa. Foi uma fase muito, muito boa.
P1 – Fazia sucesso! Era um bonequinho, não era?
R1 – Era um bonequinho que cantava, né? E tinha o grande, o médio, as coisas e a indústria acertou de mão naquele Louro José e, assim, fez um sucesso violento, a gente vendeu muito, muito, muito bem o Louro José. Muito bem. E todo mundo queria, todo mundo pedia e não caía de moda, sabe? Era uma coisa que não foi um, dois, três meses, foi uma coisa que durou mais de ano. Até no final, quando já estava baixando, que não era tanto, mas o pessoal sempre queria, nem que fosse uma embalagem mínima, mas sempre queria. Então trabalha, mas é gostoso vender. Boneca tem umas indústrias que tem um modelo; outras, outros, né? Mas o que a gente gosta de vender sempre é novidade. Se bem que no mundo não tem novidade, né, tudo é um ciclo, né? (risos) Se restaura, né? É muito difícil você ver uma novidade, assim, mas...
P1 - Mas, assim, eu lembro da época do Louro José. Aí, olha, foi da minha época essa! Mas, assim, e hoje em dia, que tipo de brinquedos você vê que está saindo mais? Mudou muito, assim, do que as crianças gostam, do que está saindo no mercado?
R1 – Olha, hoje em dia a coisa tem que ser meio que voltada pra tecnologia, né? Então, tudo que tem alguma coisa que faz alguma coisa, é sempre o que vende mais, né? Então, por exemplo: não vale mais um aviãozinho, tem que ser um aviãozinho que voa, porque um aviãozinho, dependendo, se for um que não voa, então ele tem que descer cordinha, tem que aparecer com um hominho, sabe? Então, eles têm que ficar aumentando, assim, coisas pra criança poder ter no que pensar, pra criatividade. Porque a internet já os deixa tão... já tem tanta coisa que você pode fazer no mundo virtual que, no mundo real, assim, fica mais complicado, né? É que nem eu falo assim, que quando a gente era pequeno, tudo era da nossa imaginação. Você criava um castelo na sua imaginação. Hoje você não precisa. Você bota lá no QR code, ele já mostra o seu castelo do jeito que você quer, você só entra ali e brinca, né? Na nossa época, não. Você formava aquele castelo na cabeça. Eu lembro que eu amarrava um pano na cintura, pronto, eu já era... um pano tudo rasgado, porque a mãe não ia dar pano bom, né? E você andava ali no meio do quintal, você era... o seu castelo estava formado, na sua cabeça. Hoje eles não precisam mais disso. E você sabe que eu tenho muita pena das crianças de hoje, por conta disso. (risos) Eu tenho muita pena, porque era uma coisa... nossa, você esperar... a minha mãe sempre foi uma pessoa muito criativa. Então, assim, no dia da Páscoa a gente tinha que formar uma cestinha e botar, achar, ir numa casa que tivesse grama, encher de grama e colocar uma batata dentro e pôr embaixo da cama. Isso, quem não fizesse, não ganhava o ovo. Aí você, no outro dia, acordava, a batata tinha ido embora e o ovo estava ali. Foi o coelho que... e a gente saía, mesmo, na casa de quem tivesse grama, pra apanhar, pegar a cestinha. No dia do Natal você tinha que pegar o seu sapato e pôr na porta. E a gente achava o máximo, porque ela colocava o sapato dela na porta também e quando, no outro dia, que a gente ganhava os presentes, sempre no sapato dela estava um vaso velho, uma coisa estragada e ela fazia aquele drama: “Porque esse Papai Noel não presta, porque ele é horrível, porque onde já se viu, me deu um vaso velho”. Então, pra gente era uma delícia isso, né? E eu falo que muito disso se perdeu e eu falo hoje: “Eu adorei ter isso tudo”. Dormir esperando a Páscoa não me atrapalhou em nada, nunca. Já ouvi falar que isso atrapalha. Imagina! Muito pelo contrário: me deixou uma pessoa exageradamente mais criativa, sabe? Eu falo assim: “A gente entra nos sonhos de boa”, né? Então, sempre foram muito lúdicas, as coisas, assim. Muito cheias de fantasia. A nossa vida sempre foi muito cheia de fantasia. Coisa que hoje está mais difícil, eu acredito.
P1 – Como que vai mudando, né? Como eram os brinquedos daquela época e hoje em dia, que é totalmente... nem parece que...
R1 – Exatamente. Naquela época tinha que vir da sua imaginação. Hoje eles colocam uns óculos aqui, assim, você entra num mundo virtual que alguém criou pra você. Você entra no mundo virtual, mas você não vai criar nada, quem criou foi alguém que é bom nisso, né? Mas falo que tem muita coisa que mudou, mas tem muita coisa que está mudando pra muito melhor, né? Então, também, tudo tem seu bom e seu ruim.
P1 – E agora, na pandemia, como é que funcionou - a representação que vocês fazem dos brinquedos - os negócios, nessa época?
R1 – Está bem complicado, mas a gente achou que ia ser muito, muito, muito mais difícil, mas até que não foi, não. Assim: o que acontecia? Quer dizer: foi também, porque não tem material; se tem material, não tem caixa pra entregar. Então, está escassez, assim, de matéria-prima no mercado, que é uma coisa louca, porque é plástico, vinil, então não tem. Então, foi, assim, um ano muito complicado. Mas a gente, que nem eu com os meus clientes, eu mandava, fiquei mandando o tempo inteiro: “Olha, estão fazendo isso, estão mandando aquilo” - santa, né? Aí vem a hora que a tecnologia, se não tivesse, aí que nós estávamos perdidos também, né? – “Olha que brinquedo lindo! Olha que lançamento legal! Olha que não sei o quê!” Sabe, cutucando o povo, né? E aquela coisa chata: “Vai subir a tabela, final de mês vem...” “Então vou comprar um pouquinho”. Porque a gente teve a impressão que no primeiro, segundo mês foi muito apertado, mas depois o pessoal já começou... tanto que o Dia das Crianças foi muito bom o ano passado, todos mundo todos os clientes que eu perguntei disseram que foi bom, não teve... e você vê: praticamente tudo fechado, ninguém podia entrar dentro das lojas, mas... e o Natal foi bom também. Então, ninguém perdeu. O ano passado ninguém perdeu, pelo que eu senti. Mas, assim, foi trabalhoso, porque você tinha que... nós trabalhamos, vamos dizer, três ou quatro vezes a mais, porque eu vou no cliente, eu tiro o pedido, ele: “Então é isso” “É isso? Tá bom”. E ele vai receber o pedido. Aí não: eu tenho que mandar pra ele, ele faz o pedido, manda pra mim, eu vejo se o pedido está certo, eu tenho que mandar pra ele, porque ele quer, agora, aprovar o pedido, porque não sabe, não estava junto e tem que ver as contas e não sei o quê. Então, assim: praticamente eu trabalhei três vezes a mais, nesse sentido, né?
P1 – Todo mundo está trabalhando.
R1 – É. E no sentido de: “Vamos ver, gente, o que dá pra fazer, vamos aproveitar, vamos cuidar, vai subir, não sei o quê”. Então, coisa que uma vez eu ia lá, deixava o catálogo, a gente conversava, a gente vendia. Dessa vez não deu pra fazer nada disso. Dessa vez foi só, assim, na converseira e no bate-papo e na amizade e seja o que Deus quiser! Foi complicada a coisa. (risos)
P1 – Mas está caminhando.
R1 – Está, sim.
P1 – Vocês trabalharam mais com a questão digital, né? Como é que foi?
R1 – Isso. Que nem, pra mim, eu faço isso tudo pelo celular. Então, nesse sentido, estava bem tranquilo. Quando você pega o jeito de uma coisa, fica mais fácil, né? Mas ainda a gente apanha bastante. (risos)
P1 – Pegando a manha.
R1 – É. Eu falo assim... a molecada fala: “Mãe, pelo amor de Deus”. Eu falo: “Pelo amor de Deus vocês. Eu te ensinei o mais difícil, que foi falar e andar, agora trata de me ensinar isso”. (risos) Então, aí vai. Mas foi um ano diferente, mas não foi um ano ruim, não. Foi ruim na parte, claro, da saúde, que foi um ano louco, né? Eu nunca imaginaria que eu fosse ver tudo isso. (risos) Coisa de filme, né? Hoje mesmo você anda aqui em Rio Preto, não vê uma alma viva. Você olha, assim, você não vê nada. Aí você vai naquela música lá, O Dia que o Mundo Parou. Acho que o... como ele chama?... estava certo há quantos anos, né? Nossa, esqueci o nome dele. Raul Seixas. Quem ia achar que ele ia saber falar (risos) sobre uma música que ia acontecer, né? E foi isso mesmo. E não é bom, não.
P2 – Impressionante, né?
R1 – Impressionante.
P1 – Estamos vivendo cenário de filme.
R1 – Exatamente.
P1 – Mas, assim, qual sua expectativa agora, pro futuro do seu negócio?
R1 – Olha, eu já estou quaaaaaaaaaase quereeeeeendo parar com esse ramo, agora. Já estou quaaase querendo, porque, assim: a gente descobriu, eu e o meu marido, que a gente tem vontade de morar num rancho. E a gente tem esse rancho, que é da minha mãe, dos meus irmãos e a gente vai sempre pra lá, né? E é muito gostoso. E eu falo, quando começou a pandemia, eu tenho a minha mãe de 84 anos, então a gente teve muito medo, por ela. E como não ia ter nada, então nós pegamos e falamos: “Nós vamos pro rancho e vamos ficar quanto tempo der” e nós ficamos mais de dois meses lá diretão, sem sair e a gente percebeu que realmente é muito bom: você acordar olhando pro rio, você tomar café olhando pro rio. Mesmo assim você pode trabalhar, que hoje ainda você tem condição pela internet, você estar fazendo... tanto que foi todo mundo aqui em casa: o Guilherme, a Lana. A Lana faz faculdade, o Guilherme já se formou. E o Guilherme continua trabalhando normalmente, a Lana também lá no rancho continua estudando, fazendo trabalho, porque estava tudo parado, mas tinha trabalho, tinha reunião com os professores. Então, assim, não tirou nada do que você tem de bom daqui, mas em compensação, te trouxe uma qualidade de vida que é a coisa mais gostosa do mundo. Então, nós pensamos em... já faz... isso a gente já vinha pensando, mas aí deu que realmente a gente tem muita vontade, mesmo. Então, agora, a nossa perspectiva de vida é: nós compramos agora um terreno pra fazer o nosso, né, porque esse é da família, então sempre vai um irmão, vai outro irmão, aí nós compramos lá perto um terreno pra fazer o nosso. Então, agora, a nossa vontade é construir uma casinha lá e ir pra lá e continuar fazendo menos o que a gente faz aqui, mas continuar, pra não parar, né?
P1 – Mais qualidade de vida.
R1 – Mas com qualidade de vida. Isso que a gente está pensando.
P1 – Que beleza! E lá na frente do rio?
R1 – Quarenta metros do rio.
P1 – Que delícia! Boa sorte pra vocês aí!
R1 – Então, à tarde você está muito cansada, você vai lá no rio, senta, descansa, nada um pouquinho, volta. Que nem o namorado da minha filha estava junto, eu falei: “Gente, eu nunca vi uma pessoa gostar tanto de tudo”. Então, ele ia um pouquinho, estudava, estudava, fazia uma tarefa, fazia não sei o que, ia lá, pescava um pouquinho, montava na canoa, andava um pouquinho, nadava, voltava, estudava. Sabe, assim, o dia inteiro? (risos) O dia inteiro fazendo tudo isso, eu falei: “É versátil, né? (risos) Olha que delícia tudo, um monte de coisa!” Mas é isso que eu quero agora.
P1 – Que maravilha! Cláudia, você tem mais alguma colocação, alguma pergunta?
P2 – Acho que está ótimo, eu estou adorando. A gente passou em vários aspectos importantes de Rio Preto, do comércio e eu acho que a gente está chegando no final da entrevista agora. (risos)
R1 – A louca, uma doida, né? (risos)
P2 – Oi?
P1 – Não, mas a gente adora isso. (risos)
R1 – Falo que nem uma doida.
P2 – Não, mas melhor impossível. Você fez uma bela reflexão sobre a pandemia porque acho que, acima de tudo, a gente tem grandes aprendizados. Pra nós, do projeto, também, a gente teve que aprender a trabalhar assim, né? Cada um está falando de um ponto do Brasil, do estado de São Paulo. A gente não está nas mesmas cidades. Então, a gente também aprendeu a fazer diferente, pra continuar fazendo e a gente quer, realmente, fazer melhor. Então, eu acho que quando você traz, Paula, essa noção pra gente de que foi bom, apesar de trabalhar mais, eu acho que a gente acaba, assim: são as lições, né, que a gente acaba tendo, de sobrevivência. Não sucumbir nem o negócio, nem as pessoas, né? (risos)
R1 – Exatamente.
P1 – Esperança, né? Eu queria só pra você terminar numa mensagem, deixa uma mensagem aí de toda a sua história, que as pessoas que vão estar ouvindo a sua história, que são comerciantes ou não, se você teria alguma mensagem.
R1 – Eu acredito que a gente tem que fazer de tudo pra melhorar, né? Em todos os sentidos. Em tudo que você faz, ou no comércio, ou no serviço público. Você tem que fazer o melhor de você, né? E, pro comerciante, ele tem que sempre estar com o olho lá na frente, sempre com novidades, com coisas boas, pensando em coisas boas e trazer o melhor, tanto pra pessoa, tanto no sentido material, como no moral, espiritual. Então, eu acredito que tudo que você faz com amor, você faz bem-feito. Eu acho que as pessoas têm que pensar assim: faça bem-feito, com amor, que nada acaba. Deus não deixa nada acabar. A gente achava que ia ser o pior dos piores e não foi. Um deu a mão pro outro, um ajudou o outro, todo mundo se ajudou, no final das contas e deu certo. E assim vai ser até o final, se Deus quiser vai ser até o final dessa pandemia.
P1 – Paula, obrigada.
P2 – Ô, Paula, e o que você achou, assim, de ter feito essa entrevista com a gente, deixado a sua história, a sua trajetória, a sua experiência no comércio registrada no projeto Memórias do Comércio?
R1 – Ai, foi muito gostoso, viu? A gente fica meio sem saber direito, porque quando a Ariadne veio conversar com a gente, eu falei: “A gente não sabe direito. Já faz muito tempo” “Não, tia, não tem problema. Vamos fazer, sim, que é bacana”. Falei: “Bom, então tá bom, então vamos fazer”. Aí, nem lembrava mais, porque acho que foi o ano passado que ela conversou.
P1 – Foi, mesmo.
R1 – O ano retrasado, porque acho que o ano passado...
P2 – Passado, porque a gente parou também, por causa da pandemia.
P1 – Ano passado.
R1 – Exatamente, porque, pra mim, 2020 eu tenho a impressão que não aconteceu. (risos)
P2 – O ano que não aconteceu, né?
R1 – Eu fiquei sem ver amigos mais de ano, então que nem agora, esses dias, nós vimos: “Nossa, menina, mas você não sabe disso?” “Não, faz um ano que eu não te vejo”. (risos) Então, olha que doideira, né? Aí eu fiquei meio assim, mas nossa, foi muito gostoso, bacana saber disso. Mesmo porque, assim, eu falo que você vai em alguns supermercados em Rio Preto, mesmo e você vê aquelas fotos grandes de quando Rio Preto apareceu, né? Quando era o comecinho, que não tinha nada e é tão gostoso, então eu falo: “Tudo é uma memória afetiva gostosa de você ver”. Eu ainda não era nascida, mas você vê aquelas coisas antigas e é gostoso, assim como é gostoso a nossa época, que a gente já está aí, pra quem for lá pra frente ver: “Nossa, olha como eram as coisas daquela época. Olha como foi”, né? Então, tudo faz parte da história da cidade, da história da gente.
P2 – Maravilha! (risos)
P1 – Muito bom ouvir isso, viu? Você sabe que a nossa história, quem constrói a história da cidade é a gente, então, cada pedacinho, as nossas histórias, é muito importante a gente estar gravando, a gente estar valorizando. Então, é isso. Quero te agradecer muito em nome do Museu, do Sesc.
R1 – Obrigada vocês! Foi um papo gostoso.
P1 – Foi um papo muito bom, muito feliz com a entrevista, tá bom?
R1 – Muito obrigada!
P1 – Depois eu vou entrar em contato com você, vai um rapaz pra pegar algumas fotos, algumas memórias, algum documento, alguma embalagem, alguma coisa especial pra você, uma foto, pra gente estar registrando e colocar no nosso portal. Pode ser?
R1 – Tá bom. Eu vejo alguma coisa.
P2 – Mas a gente vai digitalizar e devolver, tá?
R1 – Não, beleza. Eu vejo alguma coisa que eu tenho, separo.
P2 – Separa aí umas cinco, sete fotos, tá?
R1 – Tá bom, pode deixar.
P2 – Documento, se você quiser, pessoal, do comércio, da família. Aí você fica à vontade, tá bom?
R1 - Legal, pode deixar. Separo, sim. Muito obrigada!
P2 – Paula, super obrigada, adorei te conhecer, obrigada por ter participado do projeto. Por ajudar a gente a levar também o nosso trabalho em frente.
R1 – Obrigada vocês. Legal.
P2 – Tá bom, obrigada. Bom sábado! Tchau, tchau.
R1 – Tchau, tchau.
P1 – Tchau!
P2 – Tchau, Ana! Tchau, Tiago! Até daqui a pouco. Tem mais.
P1 – Até daqui a pouco.
P2 – Tem mais uma.