Infância em São José dos Campos. Descrição de São José dos Campos. Comércio de Secos e Molhados. Entrada no comércio. Educação. Chegada do ITA e do CTA. Rixas com os iteanos. Casamento. Mudanças no ramo de comércio.
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Antonio Carlos Peneluppi, sou nascido aqui em São José dos Campos mesmo, em 8 de outubro de 1943.
FAMÍLIA
Meus pais são Victório Peneluppi e Dinorah Alves Peneluppi. Meu pai era comerciante. Meu pai é descendente de italianos e minha mãe de portugueses. Quem chegou primeiro ao Brasil foram meus avós, por parte de pai. Eles chegaram no fim do século XIX, mais ou menos em 1892. Vieram direto para a região do Vale do Paraíba, para Pindamonhangaba. Eles chegaram com dois filhos, e aqui tiveram mais sete filhos. Ficaram pouco tempo em Pindamonhangaba e depois vieram aqui para São José dos Campos. Se instalaram no bairro de Buquira e lá trabalhavam em lavoura. Os filhos ajudavam. Daí eles mudaram para o bairro dos Pinheiros, que hoje é Urbanova. E ali lidavam com a terra. Os filhos, aos poucos, foram vindo para a cidade, comprando alguma coisa na cidade, ou senão vindo para o comércio, como foi o caso do meu pai, de outros tios também que vieram. E iniciaram aqui na cidade o comércio, comércio de... Era muito comum na época o comércio de armazém, que vendia secos e molhados. E meu pai iniciou nesse ramo de secos e molhados. Minha mãe também ajudava, na época, que foi muito difícil pra eles. Para você ter uma idéia, vinha vinho importado e eles tinham que engarrafar o vinho para vender. Então era assim, começou assim. Meu pai nasceu aqui, no bairro de Buquira. Que é... quem vai para Campos de Jordão, é aquela estrada de Monteiro Lobato ali, que tem o bairro de Buquira.
MORADIA
Nasci em 43, na mesma rua que tem a loja. Porque eu morava na esquina e a loja era logo após a esquina, na rua Coronel Monteiro com a rua Sete de Setembro. Hoje é o calçadão. E foi muito boa a minha infância. Foi muito bom ali na rua. Na própria rua a gente jogava bola, a cidade era muito tranqüila. Na época, a rua era de terra, depois fizeram calçamento de pedras e ficou assim por muito tempo.
EDUCAÇÃO
Estudei aqui mesmo. Primeiro foi o Grupo, o Grupo Escolar Olímpio Catão, depois eu passei para o Instituto São José. Estudei no Olavo Bilac também. É... tinha todo um... era obrigatório o uso de uniforme. Na época, era muito, era uma exigência da época: você tinha que ir de uniforme. Do Grupo, por exemplo, era camisa branca, e parece um... A gente não usava calça: garoto era só calça curta, calça curta azul. E do Instituto São José era calça cáqui e camisa branca. Ia para a escola a pé. Tudo era perto. Tudo a pé aqui. Você não precisava de condução, porque o clube era perto, tudo era perto. O cinema ficava em frente à minha casa, ali na rua Coronel José Monteiro, em frente à loja. O cinema Paratodos. Era o primeiro cinema. Depois tinha o Cine São José, que era na esquina, na esquina ali da rua mesmo com a rua Quinze.
FAMÍLIA
Tenho irmão, nós somos em... Faleceram dois, nós éramos pra ser sete, somos cinco. E também tenho um irmão de criação, nós criamos - meus pais criaram - um garoto.
INFÂNCIA
Anos 50. Bom, eu me lembro que a criançada só brincava. Era muita brincadeira, a gente tinha essa obrigação da escola, e a gente ficava sempre inventando brincadeiras quando era pequeno. Brincava muito na rua. Eu gostava muito de jogar bola, joguei muito futebol, então brincava dessas brincadeiras, de pega-pega. Nós tínhamos o jardim também, ali perto de casa, e a gente ia sempre para o jardim, ou para um campinho de futebol, que era ali na avenida São José. Não tinha avenida, a rua São José parava ali, mais ou menos onde era o posto de gasolina. E ali tinha um campinho, também, de futebol, a gente ia pra lá, então a vida da gente era essa: era praticar esporte. Praticar esporte, mas não que houvesse um incentivo dos pais, os pais até tinham que brecar um pouco a gente: “Ô, vocês só ficam aí brincando...”, essas coisas. Hoje já é diferente, os pais incentivam porque não tem locais apropriados e, na época, a gente jogava na rua. Quando passava um carro, parava, passava o carro, continuava jogando, então era assim. A gente gostava muito de caçar passarinho também, tinha o banhado ali, a garotada ia muito caçar passarinho.
CIDADES
São José dos Campos No banhado não tinha nada, ninguém, não tinha essas moradias que tem hoje lá, essas - hoje existe um pouco de moradia - , lá não existia nada. Só tinha a linha do trem, que os pais da gente ficavam um pouco preocupados com esses negócios de trem, e tal. Mas a gente ficava assim, brincando mais. Uma vida mais tranqüila, não tinha violência, a gente não pensava nesse problema de violência. A gente ouvia mais história de assombração, quando a gente era pequeno. Tinha muita história ali porque o cemitério é ali perto. É perto ali de onde a gente morava, e tinha muita história sim, brincadeiras, e a gente escutava muita conversa dos pais, dos tios. Então, sempre existia uma historinha ou outra de assombração, de não sei quê, de cemitério. Tem uma que eu lembro muito bem: é quando teve um cara que morreu dentro do cemitério, porque ele foi lá, apostou com um amigo que entraria lá e ia pregar um prego no túmulo, então ele chegou lá e pregou a capa dele. No ele pregar o prego, a capa - ele estava com uma capa de chuva - pregou junto. E na hora que ele foi sair assim, ele achou que tinha sido uma assombração que tinha prendido ele, então ele, de susto, morreu. Então, existiam essas histórias assim, a gente ouvia muito essas brincadeiras. A gente cismava. Tinha uns que falavam assim: “Não, eu vou pular no cemitério...”, e tal, “à noite”, e apostava, pra pular. Tinha essas brincadeiras. A gente ouvia essas histórias realmente; mas fazia as brincadeirinhas também da gente.
JUVENTUDE
Ah, a juventude foi mais assim de festinhas, de bailinhos. Existiam muitos bailinhos. Ou, senão, era na Associação Esportiva São José, era no Tênis Clube. O Tênis Clube tinha o salão que... Mas as brincadeiras dançantes, que eles falavam, eram na Associação Esportiva São José. Na minha época eram... A Associação ficava ali perto da igreja. Era grande, não existia o Santa Rita ainda. Era um clube que tinha o salão principal... o salão de festa, que seria onde tinha os bailes. Então a gente, todos os domingos, tinha as brincadeiras dançantes e tinha os bailes também. E ali mesmo, na rua Quinze ali, ali perto da Associação, tinha o Esporte Clube São José, que era um pouco mais popular, e a Associação era um pouco mais classe média, e o Tênis Clube também. Então a gente ia muito em baile. Minha juventude foi assim, de festa, de baile, ou senão tinha muito em casa de família também, tinha essas festinhas, que sempre eram brincadeiras dançantes que viravam festa de família. Na minha casa não tinha. Meus pais já não eram muito de fazer esse tipo de festas. Mas eu me lembro que as moças da época, aqui - tinha vindo o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] pra cá, a engenharia - , então elas faziam muito, a gente brincava que as moças queriam casar com os garotos do ITA, porque é uma formação boa, tal, esses negócios. Então, as famílias das moças faziam muitas festas assim, bailinhos, pra chamar os iteanos. E eles vinham pra dançar, eles iam lá pra conhecer as moças daqui da cidade. O pessoal do ITA morava lá dentro. Eles tinham que vir pra cidade, porque não tinha nada pra fazer lá no ITA. Lá tinha os bailes, também, deles, que eram os bailes que eles faziam assim, durante o ano. Mas a maioria das festas, das coisas que aconteciam, eram na cidade, eram nos clubes. Então as moças também, a maioria da cidade, do centro. Eles vinham pra dançar e pra paquerar. Quer dizer, não existia nem esse termo, “paquerar”, na época. Então, vinham pra cá para a cidade pra conhecer as moças, e as moças eram interessadas neles mesmo; uma que eram de fora, eram diferentes. A gente conhecia quem era do ITA porque a cidade era tão pequena que a gente conhecia todo mundo. É a mesma coisa quando chegava uma garota de fora: a gente sabia que era de fora, então a gente já ia dar em cima porque era menina de fora, e tal... Bom, mas esses, os garotos do ITA, eram assim de diversas regiões do Brasil que vinham pra cá, como vêm até hoje. Era um curso dificílimo de a pessoa entrar, até hoje é difícil, uma escola de primeira linha. Então, existia uma rixa com isso. Às vezes, a gente tinha que entrar de penetra nas festas, porque a gente nem convidado era. Então a gente entrava de penetra e daí tinha brigas, existia muita briga, muito ciúmes, os rapazes daqui tinham um pouco de ciúmes dos meninos do ITA. Então tinha muita briga, existia muita briga, mas sem essa: sempre briga de tapas, nunca houve assim uma violência maior. Então quando a gente ia também no CTA [Centro Técnico Aeroespacial], eles revidavam, pegavam a gente lá. Porque tinha as moças que moravam, que vinham de fora também. Daí, a gente que apanhava. Então tinha muito isso aqui, mas era tudo na brincadeira.
LAZER
A gente dançava muito, eu fui da época do..., eu vi nascer o rock. Foi o lançamento, esse pessoal todo do rock, rock and roll depois. Então, me lembro uma vez que passou um filme sobre rock, nossa, foi assim uma coisa de outro mundo na cidade. E para ir nesses bailes tinha que se arrumar. Não existia roupa pronta. Você tinha que mandar fazer. Então, você tinha que ter alfaiate, você tinha que ter costureiro pra fazer uma camisa. Você ia na Casa Confiança, comprava tecido e mandava fazer as roupas. Desde pequeno minha mãe mandava eu me virar. Então, nesse ponto, eu mesmo já escolhia... Desde garoto, já escolhia minhas roupas. Então a gente mandava, tinha um alfaiate que fazia, por exemplo, para ir num baile tinha que ir de terno, não entrava sem ser de terno, de jeito nenhum. E os bailes de debutante, na época, tinha que ser de smoking, então qualquer garoto assim, da época, classe média, tinha um smoking, tinha um smoking em casa, mandava fazer. Porque ele sabia que tinha dois, três, quatro bailes por ano que tinha que ser de gala, smoking, e outros de terno. Então você tinha terno, você tinha que ter smoking. O menino de quinze, dezesseis, dezessete anos tinha essas roupas. E era assim. Eu acho que roupa pronta, mesmo, só tinha uma marca me parece, assim, de jaqueta, de camisa. Mas o resto você tinha que mandar fazer tudo. Agora, meia, essas roupas mais íntimas você tinha pra comprar.
CIDADES
São José dos Campos Então, eu me lembro, tinha ali, na rua Quinze, tinha algumas lojas ali, a Casa Confiança, que além de vender as roupas esporte tinha tecidos e essas roupas íntimas. Sapato tinha quase loja especializada. Quem vendia esses tecidos, ou vendia essas roupas, vendia também o calçado. Mas começou, acho que foi na década de 40, não, de 50, sim, de 50, 50 e pouco começou. Pouco, uma ou duas lojas, eram muito poucas lojas. E tinha uma coisa: a pessoa aqui do interior tinha pouca informação. A pessoa que tinha um poder aquisitivo um pouco melhor ia pra São Paulo fazer compras, ia pro Rio, porque daí você trazia novidades que você não encontrava no interior. Então, a maioria das pessoas que tinham assim um certo poder aquisitivo iam pra São Paulo ou Rio de Janeiro pra fazer essas compras, para trazer novidades. Você ia lá, você via moda, a moda entrando, e aqui demorava pra chegar, as coisas eram tão atrasadas que demorava.
TRANSPORTE
Ia para São Paulo ou para o Rio de ônibus. O pessoal ia muito de ônibus, usava muito o ônibus. Meu pai já tinha carro, na época, mas eu, por exemplo, se quisesse ir, teria que ir de ônibus. Ia pela Dutra. A Dutra tinha uma via só, não duas, era uma via só, na época.
LAZER
O horário dos bailes, a gente saía assim, sete horas, oito horas, ficava na festa até às onze horas e depois voltava. Tinha hora pra começar e tinha hora pra terminar, sempre tinha hora pra começar e pra terminar. Para você ter uma idéia, sabe que eu não tinha a chave de casa? A porta ficava aberta. Minha casa era um sobrado que ficava ali na esquina, ali onde é a Coronel Monteiro com a rua Sete, e era um sobrado porque embaixo era uma loja que meu pai tinha feito e alugava o salão. Então a porta ficava aberta, a gente entrava, subia a escada, daí meus pais sempre falavam: “O último que chegar fecha”. Geralmente, quem chegava mais tarde mesmo era eu. Então eu já sabia que era eu que estava chegando mais tarde, por causa das meninas. As minhas irmãs eram mais novas, não, tinha uma dois anos mais velha que eu, mas não chegava tão tarde como a gente que era... o homem sempre chegava mais tarde. Tinha isso, né? Tinha horário para as moças, e tinha horário para a gente.
TRANSPORTE
Tinha o trajeto do ônibus que a gente conhecia, quando a gente ia para as festas em Jacareí. Tinha o lugar certo pra apanhar o ônibus, mas tinha também o lugar que a gente já sabia que o ônibus passava, que era o trajeto dele. Então, se a gente não pegava na rodoviária, pegava no trajeto, numa esquina qualquer, ele parava. Não tinha assim ponto: você mandava parar, ele parava, pedia pra parar.
CIDADES
São José dos Campos São José começou a crescer realmente depois que o CTA veio pra cá. Daí começou: depois do CTA, começaram a chegar as indústrias, uma atrás da outra. A cidade teve um boom muito grande, começou a crescer muito, e perdeu um pouco sua identidade também, né? Por crescer muito nessa época... O comércio mesmo, você tem dificuldade pra ver quem é da terra mesmo. Tem pouquíssimo, comércio mesmo, comerciante que é nascido e criado aqui. A não ser agora, essa turma mais jovem, mas os mais velhos era mais difícil. É que começou a chegar muita indústria e, às vezes, você sendo da cidade, você não percebe certas coisas. Você não, você se acomoda, a pessoa não enxerga, vem uma outra pessoa com uma outra visão, então o que aconteceu com São José dos Campos foi mais ou menos isso: gente com outra visão chegava e via a carência de certas coisas na cidade, e montava. Pra você ter uma idéia, teve um prefeito aqui que trouxe o supermercado Pão de Açúcar; cedeu um terreno para o Pão-de-Açúcar - você imagina, ceder um terreno pra eles virem pra cá para montar o Pão-de-Açúcar E as Lojas Americanas também. Na idéia dele, desse prefeito, ele achava que o comércio aqui, pelo crescimento rápido que estava tendo a cidade, não ia conseguir acho que... atender esse pessoal todo que estava vindo de fora. Então eu tenho a impressão que era isso. Não foi um crescimento lento. Porque, quando é um crescimento mais lento, as próprias pessoas da cidade vão percebendo que a cidade precisa disso, precisa daquilo... Foi muito rápido. Eu acho que na década de 60, assim, foi muito rápido. O CTA acho que veio pra cá no começo de 50, no fim da década de 40, começo de 50, não sei. E daí pra frente começou a crescer muito, depois veio a Embraer ainda pra cá - a Embraer veio mais tarde, bem mais tarde - , mas é isso. Casa Diamante, lembro. Na Casa Diamante eles tinham mais ou menos o que a gente trabalhava também, sabe, um pouco, mas eles eram um comércio bem mais, era um comércio muito bom a Casa Diamante; tinha presentes, brinquedo, sabe, tinha muitos presentes, e era uma loja muito boa, e ficava ali na rua Quinze.
FAMÍLIA
O meu tio também, quando ele foi, ele fez a mesma coisa que o meu pai. Quando ele veio pra cidade, que ele montou loja também, começou com armazém, tal, depois ele começou com eletrodomésticos, então foi uma das primeiras lojas de eletrodomésticos, então ele foi um dos primeiros a vender televisão. Quando a televisão veio para São José dos Campos, foi na década de 50, eu me lembro que ele deixava a televisão ligada e fechava a loja, não é bem fechava, deixava com aquela, era uma, como se fosse uma grade na porta, e as pessoas ficavam assistindo, e ficavam assim muitas pessoas, tudo assim vendo, à noite, sabe, ele deixava ligado. Deixava assim, na parte da noite até o horário de umas dez horas assim, vamos dizer, e as pessoas ficavam assistindo na rua porque não tinha televisão. Então eu me lembro que ele começou, foi um dos primeiros a começar a vender televisão aqui em São José dos Campos. A loja dele ficava ali também, na rua Coronel Monteiro com a rua Quinze, ficava na esquina. Chamava JB Peneluppi. Ele trabalhava com geladeiras, a marca Frigidaire, só existia essa também na época, e a televisão era Admiral, só tinha essa também, não tinha outras marcas. Eu me lembro, não tinha assim uma grande quantidade de marcas, mas eu me lembro dessas.
COMÉRCIO
Meu pai veio e montou a loja. Foi em 1923. Ele começou alugando um ponto comercial na rua Sete de Setembro, que hoje é o calçadão. Depois ele teve a oportunidade de comprar o ponto dele mesmo, e comprou uma casa, e ao lado da casa tinha o salão que era da loja, que é até hoje, onde é até hoje. Mas antes ele teve no calçadão. Ele começou com secos e molhados, que chamava na época. E daí, como vendia de tudo, vendia enxada, vendia de tudo, até ele vendia louças, vendia violão, essas coisas, pandeiro, vendia tudo, era muito diversificado na época. Eram poucos itens, então dava pra você diversificar, não tinha esse negócio de lojas especializadas que tem hoje. Então, o que botava pra vender, vendia. Foi assim, aos poucos, foi muito difícil pra ele, porque o movimento também era muito devagar naquela época. Então com muita - eles eram muito econômicos - , então eles foram fazendo economia, foram crescendo aos poucos. E as pessoas também, você tinha uma facilidade muito grande pra comprar as coisas. Não existiam juros, ninguém falava de juros. Eu me lembro que o meu pai falava que quando ele comprou ali onde é a loja, o cara queria ir embora daqui de São José, o dono ali do imóvel queria ir embora, e ele sabia que meu pai estava interessado, ofereceu para o meu pai, e meu pai falou assim: “Olha, eu não tenho dinheiro pra comprar isso aí, isso é muita coisa”, e tal, “Não, mas, Victório, você paga do jeito que puder...”, que não sei quê, que isso aquilo, “que eu preciso ir embora”. Então a pessoa se desfazia, então meu pai assumiu uma dívida, mas sem pagar juros, você entende? Aos poucos ele foi amortizando essa dívida com essa pessoa, e conseguiu comprar o imóvel. Porque depois, ele, com a reserva que ele tinha do comércio, que ele já tinha há muito tempo, conseguiu comprar esse imóvel. Eu me lembro dos primeiros terrenos que eu comprei aqui em São José: também não tinha juros, eu pagava por mês, então a economia que a pessoa fazia, o pouco que ele fazia de economia, ele ia pagando. Não é como hoje: você compra alguma coisa você tem que pensar, ninguém te vende nada sem cobrar o juro. E às vezes tinha uma certa inflação. O que acontecia? Passava um tempo, aquilo já não era aquele valor, o valor caía. Mas a inflação era pequena naquela época. Mas existia inflação. Com os fornecedores tinha uma confiança muito grande, que existia entre as pessoas, assim. Existia uma confiança muito grande. Meu pai conhecia os fornecedores mesmo, conhecia o dono. Por exemplo, eu me lembro que meu pai, as compras que ele fazia, ele sabia quem era a pessoa, o dono, conhecia, sabe? Tinha essa relação de conhecer, um conhecer o outro. Hoje, você, por exemplo: eu compro alguma coisa lá para a minha loja hoje eu nem sei de quem eu estou comprando, nem sei, é diferente. Mas naquela época não. Meu pai, eu me lembro que ele comprava muito do Gabriel Gonçalves, que era um atacadista em São Paulo, ele conhecia o dono. Ele até, na época, ele teve uma idéia até muito boa, tal, mas até não fui, devia ter ido trabalhar em São Paulo com esse pessoal. Que já era um comércio mais evoluído, então meu pai falou comigo se eu gostaria de trabalhar lá com eles, pra pegar uma experiência melhor. Mas eu acabei não indo, fiquei por aqui mesmo. Até depois eu me arrependi, porque eu acho que teria aprendido muita coisa. Então ele conhecia as pessoas. É interessante hoje, que eu vou comprar de alguma firma de São Paulo, de outro lugar assim, eles: “Ah, tua firma aqui é número seis...”. Quer dizer, é interessante. Sempre foi Casa São José. Acho que é em homenagem à cidade. Meu pai vendia de tudo: vendia as coisas pra pesca e atendia essa parte rural, que eram as coisas para a lavoura, inseticidas, trabalhava com formicidas, inseticidas. E foi modificando aos poucos, porque o mercado... Começou o pessoal a ficar mais concentrado ali, em tipo de armazém, mais no mercado. E ali ele começou, daí começou com material de construção, tinha também, vendia material de construção, e foi diversificando, daí foi entrando tintas, essas coisas. Mudou para material de construção mais ou menos na década de 40, por aí, 40 e pouco. Porque eu já me lembro que eu morava na minha casa e o quintal dava pra a loja, tinha uma entrada do quintal, e a gente passava pra loja. Então, como eu de pequeno me lembro, já nessa época, na época que eu nasci, já estava assim mais ou menos, mais com material de construção. Foi na década de 40. Antes era, vendia assim esses cereais, essas coisas, trabalhava até com vinho, era como armazém mesmo, que chamava. Você vendia ali chapéu de palha, você vendia essas coisas pra roça, e mantimentos. Já existia loja de material para construção. As pessoas já construíam, nessa época já existia. Devia ter em outros lugares ali, devia ter outra loja, outros lugares ali que eu não me lembro. Assim: me lembro depois que eu fiquei maior, daí eu me lembro, mas é que foi pedindo aquilo, o comércio ele foi mudando porque ele viu esse segmento. E daí começou a entrar outras lojas. Tinha o Depósito Brasil, que vendia material de construção; ali no centro mesmo, tinham outras. Tinha essas lojas de hidráulica que tinha o próprio encanador, mas especialização não existia na minha época. Tanto no meu ramo, como em outro ramo qualquer, não tinha especialização. Os fornecedores eram todos de São Paulo. Fornecedor era só de São Paulo, a gente só comprava de São Paulo. Existia muita coisa importada também. As ferramentas eram todas importadas na década de 40, 50. Depois que entrou, depois de 64, que entrou o governo militar, proibiu a importação, então já não podia importar nada. Então nós ficamos vinte anos assim. Tinha os importadores, que eram todos de São Paulo, e a gente fazia essas compras dos importadores. Então tudo era importado, não existia nada. Pra você ter uma idéia, vamos dizer, o tênis, hoje o pessoal conhece como tênis, a gente conhecia como keds, por quê? Porque o keds era importado, era marca americana, era Keds: “O cara está de keds”, “vai usar um keds, vai só usar pra ficar esporte”. Então as ferramentas eram de origem alemã, inglesas, americanas, tinha de todo lugar, da Europa... Agora, o material de trabalho rural era fabricado aqui. Mas também era de alguma indústria que veio de fora e começou a fazer aqui. Do Vale não tinha nada. Não tinha indústria nenhuma. As fábricas eram em São Paulo. Era tudo importado. De trem vinha muito cimento, essas coisas mais pesadas. Agora, essas miudezas vinham de caminhão. Passava caminhão nessa antiga Rio - São Paulo. Era uma estrada de terra, como a estrada que ia pra Caraguatatuba, era de terra, tudo de terra, passava carro, mas com dificuldade. Meu pai foi mudando aos poucos. Acabou com esse arroz, feijão, essas coisas todas. E quando ele comprou esse outro imóvel, ele já veio com essa mudança, então partiu mais pra essa parte de ferragens. Porque hoje, a loja é casa de ferragens. Não é bem material de construção, porque eu não vendo, só vendo mais acabamento, coisas assim, coisas menores, mais miudezas; não vendo azulejo, tijolo, cimento, essas coisas eu não vendo. Quando comecei a trabalhar, meu pai já estava nesse segmento só de ferragens, na década de 50, 60 ele já começou com ferragens mesmo, e tintas. Foi transformando. Tinha muita, existiam muitos armazéns, era mais comum do que... Porque, você vê, era a Casa Diamante, que também vendia um pouco de ferragem. Meu pai trabalhava com louça também, vendia xícara, prato, essas coisas, depois foi tirando, foi tirando alguma coisa, só deixou tintas, material elétrico e ferragem, ferramentas.
TRABALHO
Eu freqüentava a loja desde a época que eu nasci, porque a loja tinha comunicação com a casa. Desde garotinho já ficava ali perturbando. Meu pai era meio assim, às vezes ele mandava a gente varrer a loja, pequenininho: “Você tem que começar por baixo, tem que varrer a loja”. Ensinava a gente a fazer pacote. Porque tinha que fazer esses embrulhos, tinha muito isso. Não tinha tanta coisa pronta, tudo você tinha que pesar, tudo era por peso, não existiam essas embalagens que existem hoje, o produto era contado, e por peça, e por peso. A gente usava muito a balança, tudo a gente pesava, praticamente. Prego, pesava corda, todas essas coisas que a gente vendia assim, breu, essas coisas que a gente vendia tinham que ser pesadas. Não tinha embalagem como tem hoje, embalagem de um quilo. Hoje tem uma facilidade maior. Você vai comprar um prego e já tem lá. Antigamente, tinha que pesar, cem gramas, duzentos gramas. Era assim. Não existia esse controle que tem hoje, de estoque, não existia esse controle, era mais no olhômetro. Tinha o balanço anual, mas era tudo mais difícil. Hoje, a facilidade é bem maior. A gente fechava a loja pra fazer balanço, fechava uns três, quatro dias. Contava tudo, fim de ano.
CIDADES
São José dos Campos O comércio em São José fechava na hora do almoço. Tinha esse negócio. Abria, vamos dizer, oito horas da manhã, sete e meia, esse horário assim. E depois fechava para o almoço, duas horas de almoço. Fechava. Todo mundo fechava na cidade. Das onze à uma hora. Fechava ainda na época em que eu comecei, em 67. Acho que foi até 70 e pouco, 74, 75, por aí. Não tinha supermercado, naquela época. Depois é que veio.
COMÉRCIO
A disposição dos produtos era muito em caixas. Não tinha esse auto-serviço, não existia esse auto-serviço. Estava tudo em caixinhas, eram caixas de madeira, ou senão na própria embalagem, no plástico. Tinha os balcões, o atendimento, não existia isso de se servir como tem hoje, muito auto-serviço. Então era tudo em caixinhas, depois eu me lembro que eu fui pra São Paulo, peguei umas idéias, e vim com umas idéias de armário. Eu fiz na loja os armários, com a amostra na frente dos armários; na porta dos armários era aquele eucatex furado, eu colocava as mercadorias, as ferramentas, todas assim pra pessoa identificar, o funcionário ver onde estava. Então eu me lembro que implantei isso aí... Casei em 69, foi mais ou menos na época, na década de 60, logo que eu entrei na loja, quando passou para o meu nome mesmo - mudou a razão social - então eu fiz essa mudança. Me lembro que foi uma das mudanças que eu fiz ali.
TRABALHO
Eu tinha 21 anos. Meu pai estava já cansado e a gente estava meio brigado, então ele estava querendo vender a loja. Eu tive a idéia de entrar no ramo de confecção. Tinha uma costureira no bairro de Santana, e eu comecei a fazer camisa, porque não tinha nada pronto. Era uma coisa pronta que se encontrava em São Paulo, no Rio, você encontrava lojas. Então em São Paulo, você ia, tinha camiseiros lá que faziam e vendiam aquela camisa, os números. Então eu comecei nesse ramo. Tinha uns dezoito, dezenove anos, eu comecei a fazer roupa. Eu com um amigo resolvemos. Porque eu tinha essa costureira em Santana que costurava muito bem, então eu via que as pessoas falavam assim: “Pô, onde é que você arrumou essa camisa?”, e a gente não falava onde era, dizia: “Ah...”. Brincava, né, a gente falava: “Não, eu fui lá no Rio e comprei”. Então os garotos ficavam curiosos. A gente que comprava o pano aqui mesmo e mandava fazer nessa costureira E ela costurava muito bem, ela tinha umas idéias, e ela era de origem japonesa. E a gente começou com aquilo, e via que os próprios amigos começavam a se interessar, os próprios conhecidos. Eu com esse amigo começamos a fazer camisa. Por exemplo, o cara se interessava... começou assim, ele se interessava, a gente - eu sabia mais ou menos o tamanho dele - e a gente arrumou um molde na época com a costureira, e falava pra ele: “Você quer? Que cor você quer?”, “Assim, assim, assado”, “Tá, eu vou comprar”. A gente falava que ia comprar pra ele dar mais valor. Era barato, a costureira era baratíssima, então a gente comprava o pano, fazia e dava pra ele. Depois trazia pra pessoa e a pessoa ficava satisfeitíssima. Nós começamos: “Poxa vida, por que é que a gente não monta um negócio assim, né?”. E nós estávamos pra montar esse negócio, então abrimos... eu e o José Carlos Fazolo. Nós íamos abrir uma confecção. Como eu disse pra você, só tinha uma ou duas confecções na época que faziam roupa pronta. Então a gente pegava, fazia, e dizia pra eles - pra essa turminha aí - que vinha do Rio, porque se falasse: “Eu mandei fazer”, não tinha tanto valor. Nós começamos a bolar o tipo, como é que ia ser, botava um botãozinho aqui, outro botãozinho ali... E o botãozinho comprava no centro de São José. Tinha na Casa Confiança, a gente comprava o tecido lá. Por exemplo, o cara falava: “Olha, eu quero mais ou menos essa como está com você, listradinha”. Daí falamos: “Não, esse negócio do Rio, vamos montar mesmo um negócio mais certo, porque até nas lojas nós vamos vender daí, vamos partir para um negócio maior, não vamos vender no particular”. O Rio era, vamos dizer, era mais vanguarda de moda. No Rio tinha mais lançamento das coisas. E para o Rio, eu fui uma vez só. Eu ia mais pra São Paulo, mas em São Paulo também tinha muita coisa. Então você via, você ficava olhando vitrine, você via assim uma coisa, e você modificava outras. Até podia ter dado certo, não sei. Falamos com essa costureira que nós íamos arrumar mais gente, eu já até pensava num salão, já tinha arrumado, nós tínhamos arrumado tudo já pra montar isso daí. Mas aí meu pai falou com esse meu amigo: “Olha, fala para o Tonio vir aqui” - ele me chamava de Tonio - , que a gente precisava conversar. Daí, ele falou: “Olha, eu estou pra vender a loja, você tem que decidir, ou você...”. Porque ele estava já cansado, já estava há muito tempo no comércio, estava com 65 anos, ele trabalhou desde os treze anos, porque o meu pai trabalhou na lavoura, trabalhou na enxada, então a vida dele foi dura, difícil. Então ele queria desfazer, não queria mais ficar na loja, ele já tinha uns imóveis que dava pra ele viver de aluguel. Então ele me chamou, daí eu falei: “Bom, é melhor eu pegar uma coisa mais certa”, daí eu me decidi a ficar realmente. Eu tinha, vamos dizer, dezoito, dezenove anos, e ele falou: “Você fica aí um tempo, depois eu faço um acordo com você”. E fiquei com a loja, fiquei pagando por mês pra ele. Eu era o único que podia assumir, que era o homem, porque minhas irmãs eram casadas, não se cogitava, na época. Tinha meus cunhados, mas eles também tinham atividades deles, eram comerciantes também, então não tinha nada assim... Ou era comigo ou vendia. Estava nesse pé. Então eu achei melhor pegar porque eu não tinha outra opção: já tinha parado de estudar, estava meio indefinida a minha vida, então eu dei continuidade, e estou lá há mais de quarenta anos...
COMÉRCIO
Na época do meu pai vendia fiado. Eu vendia também, sempre vendemos fiado. Eu não peguei muito esse sistema de caderneta - porque tinha esses negócios - , na época meu pai já vendia, tinha as notas fiscais, a pessoa assinava, tinha uma... Mas tinha muita gente que às vezes era conhecida - existia muito isso no comércio - a gente acabava cedendo, vendendo assim, sem nenhum documento. Mas a maior parte era toda documentada. De caderneta, esses negócios, acho que eu não peguei. De marcar, de mandar marcar, essas coisas eu não peguei tanto não. Vendia a prazo, mas não existia carnê. Carnê veio depois. Era assim uma nota fiscal que a pessoa assinava, e depois você entregava a primeira via, a segunda via você ia pra receber com a segunda via. No começo, nem nota promissória existia, depois é que veio a nota promissória, que nós implantamos lá; mas no começo não, era só a nota assim e a pessoa pagava depois. Trinta dias. Não tinha esse negócio, muito, de prestação, não existia também a prestação - no começo, quando eu comecei a trabalhar, não existia a prestação - assim, comprar a prestação não tinha quase no meu ramo. Era mais assim: trinta dias no máximo.
CIDADES
São José dos Campos São José mudou muito. Porque tinha aquele pessoal que veio de fora continuou, comprava no centro. Depois, com os shopping centers, mudou o perfil dos fregueses. Tem pessoas ainda, até hoje, que vão, mas são raríssimas, mas tem fregueses desde a época do meu pai que vêm, lembram do meu pai, falam, tem umas pessoas que sempre chegam na loja ali, às vezes comentam que lembram da época do meu pai, disso, daquilo, então tem muito isso. Mas depois que entrou shopping em São José, mudou o perfil dos fregueses, mudou muito. Mudou porque o centro, não sei, ficou - o público do centro. Tem o pessoal que compra no centro, que gosta de ir para o centro ainda, às vezes vai no shopping, mais pra passear, mas compra no centro. Então tem esse público. Hoje, o material de construção ele vende de tudo; é a mesma coisa o supermercado, quer dizer, acabou aqueles magazines de eletrodomésticos, você vê que hoje o supermercado vende de tudo também. Até no supermercado tem o meu ramo lá, dentro do supermercado você encontra às vezes alguma coisa que a pessoa não acha, então vai lá. Então acontece muito isso, a pessoa às vezes vai num tipo de coisa que a pessoa às vezes não acha nesses lugares, em shopping, tal, então vão lá. Não acham em supermercado, então vai na loja pra procurar. Mas tem o público do centro, que vai para o centro, comprar no centro, e tem muitos fregueses também daquela época, mas são mais raríssimos, são mais...
COMÉRCIO
Eu tive loja no shopping também, eu tive uma experiência no shopping de dez anos. Eu fiz uma loja que minha filha - ela estava fazendo administração, a mais velha - , então até pensando nela - ela que até bolou o nome da loja, sabe, chamava-se Plug. Logo no começo do Center Vale, nós montamos a loja. Eu sei que, quando ela se formou, eu cheguei pra ela e falei: “E aí, filha, você quer pegar a loja pra você?”, e ela falou: “Não, pai, não é isso que eu quero”. Ela não ficou e eu via que o shopping também era um pouco difícil. A Plug vendia no shopping o que eu vendia no centro, só que em menor quantidade. Era uma loja pequena ali no Center Vale, loja de shopping pequena. Era o mesmo ramo. Fui para o Center Vale logo no começo. Fiquei dez anos, mas resolvi sair porque essa minha filha não quis também, e estava muito trabalhoso, eu tinha que levar a toda hora mercadoria pra lá. E espaço era pequeno, dava muito trabalho e não estava compensando o retorno, porque os encargos eram muito caros. Não existia em shopping o meu ramo de negócio. Foi uma novidade pra shopping, na época. Tanto que as pessoas elogiavam muito, gostavam do tipo da loja lá. Depois que começou a entrar essas grandes [lojas de] de material de construção dentro de shopping; mas foi muito depois, porque não existia na época, então foi uma coisa inédita em shopping, o meu ramo. A decoração era completamente diferente, era outro nome até, não era Casa São José. Era mais moderninha, por ser em shopping. E essa minha filha, daí falou: “Não, pai, eu quero estudar”, foi estudar fora. Hoje ela mora na Inglaterra, e está muito bem, graças a Deus, eu acho que foi até uma boa opção dela. Eu fazia promoção mais no shopping. A gente entrava nessas promoções. No centro, ali, até que não, algumas vezes, assim, de certas épocas do ano que exigia, a gente fazia alguma coisa, mas não era tanto. Não tinha treinamento para os vendedores. Existia muita gente da família trabalhando. Eu tive tios que trabalharam com meu pai, primos. Era muito ligado com a família, que vinha, você dava emprego para os familiares. E os funcionários também duravam muito tempo. Eu me lembro que quando comecei na loja, que passou para o meu nome, eu tive que dispensar toda aquela turma antiga porque eram pessoas de dezoito, vinte anos, quinze anos, e eu não queria começar com certos encargos altos. Porque não existia fundo de garantia naquela época, e você tinha que indenizar as pessoas. Pelo tempo de loja que eles tinham, tinham direitos adquiridos de indenização. Então o que acontecia? Meu pai não era assim de mandar as pessoas embora, eu não me lembro de ele mandar as pessoas embora. É interessante: as pessoas ficavam mesmo durante muito tempo; tinha um amigo dele que trabalhava com ele há muito tempo. E a gente quando entra quer ver sangue novo, você imagina, eu com 21 anos trabalhando com pessoas de cinqüenta, sessenta anos... A idade dos balconistas era essa, acima de cinqüenta. Eu falei: “Poxa vida, como é que um cara de 21 anos vai comandar esse pessoal que já vem com...” - eles eram pessoas boas, mas tinham os vícios de funcionários antigos, tinham horários deles... Eu tive que falar para o meu pai: “Olha, nós temos que acertar com o pessoal, e nós vamos ter que ir pagando eles aos poucos, fazendo um de cada vez, um acerto de cada vez”. Então você tinha que indenizá-los. E fui fazendo acordo com esse pessoal mais antigo. Depois que eu fiz um por um - isso demorou três anos - , quando eu entrei tinha dezoito, com 21 anos que eu terminei o acordo com esse pessoal que trabalhava há muito tempo com meu pai. Ficaram alguns funcionários mais novos, de cinco, seis anos. Fiz esse acordo com todos eles, e foi um acordo bom para os dois lados. Eu fiz mais porque eu ia pegar, a loja ia passar para o meu nome, eu queria fazer as transformações. Queria trabalhar com funcionários mais novos, mais ou menos da minha idade. Pra não ter essa diferença muito grande de idade. Então eu fiz essa mudança. Contratei um gerente - meu pai não tinha gerente. Ele já estava trabalhando ali e como ele era mais ou menos da minha idade, tinha pouco tempo de firma, dei oportunidade pra ele ser gerente. E foi indo assim. Contratei gente que eu conhecia de outros lugares, trabalhando em outros lugares, às vezes trabalhando num bar - também não tinha tanto, lanchonete não existia quase, era bar, que a gente chama. Então tinha o bar dali da frente, que eu conhecia um rapaz que trabalhou, outro por indicação, essas coisas assim. Tinha a caixa, uma caixa, a minha irmã trabalhava comigo no escritório, no começo, essa irmã mais nova. Tinha o gerente, tinha mais uns três, eram uns sete, seis. Depois eu cheguei a ter dezoito trabalhando comigo. Hoje nós temos doze funcionários. Logo no começo que a loja passou para o meu nome, meu pai se distanciou. Eu dei uma bambeada, fiquei meio inseguro no começo. A loja estava meio com pouco estoque, eu precisei fazer uns empréstimos em banco pra crescer, pra comprar mais mercadoria. E fiquei um pouco inseguro quanto a pagamento. Foi uma fase meio de insegurança, logo no começo. Eu cheguei no meu pai e falei: “Olha, pai, estou assim nessa situação, estou achando que não vai dar”. Mas ele me deu a maior força. Até nem esperava que ele fosse dar essa força pra mim. Mas foi uma coisa que eu achei muito bacana da parte dele, porque ele me deu a maior força, falou: “Não, o começo é assim mesmo, você está assim, tal, vai em frente”. Então ele me deu força nessa época. Eu pegava esses empréstimos e ia pagando, às vezes ia renovando os empréstimos, os juros também, na época, não eram como eram hoje, eram bem mais baixos. Eu fui me afirmando aos poucos. Hoje já não compro só de São Paulo. Na época, década de 60, a mercadoria vinha de São Paulo, a maioria vinha de São Paulo. E do Rio também. O frete nunca foi barato. Sempre foi em torno de 2, 3% do valor. É a mesma relação hoje, é uma coisa que não modificou, porque os encargos modificaram muito, hoje tem muito encargo. Na minha época, quando eu comecei, de uns dez anos, quinze anos pra cá que os encargos aumentaram muito, os impostos. A carga tributária hoje é muito grande para o comércio, e naquela época você conseguia melhores resultados porque o encargo era bem menor. Trabalho com cheque, cartão, com carnês. O carnê começou mais nessas lojas de eletrodoméstico. Começou muito nessas lojas. A pessoa comprava eletrodoméstico e pagava com carnezinho. No meu ramo mesmo não existia tanto, era mais essa venda com duplicata. De um tempo pra cá que eu entrei... de uns dez anos pra cá eu entrei no carnê, porque existia muito assim: presentes, loja de presentes, lojas de jóias, que tinha muito esse negócio de carnê, e ótica, mas eu entrei há pouco tempo, não faz muito tempo não. Eu vendo até hoje esses fogões à carvão, de lenha, para os sitiantes. As pessoas dizem que a comida ali tem... Vendo muitas chapas também, de fogão, chapas de ferro que eles montam; esses fogões à lenha. Ruralistas, pessoas de sítio, gostam de ter isso em casa, porque diz que a comida é diferente. Vendo panelas de ferro também, ainda tem alguma coisa de resquício daquela época. Para aprovar um crédito usava os critérios de hoje. Hoje está tudo em computador, mudei tudo. Está fazendo uns dez anos, oito anos, por aí. O estoque é informatizado, hoje. Eu acho que as coisas que eu faço de compras, e assim, são as mesmas. Apesar que naquela época tinha muita visita de viajante, hoje já não tem tanto isso. Eu compro muito por telefone, por catálogos. Naquela época ninguém mandava catálogos pra você, quando eu comecei. Compra pela internet, a gente recebe lista de preços, é mais assim. Antes, passava o vendedor, daí que você falava que aquele produto ia aumentar. Não tinha quase ilustrações de produtos como tem hoje; hoje existe mais informação do produto do que antes. Não tinha muito esse negócio de devolução, não. Hoje existe uma proteção maior, até para o consumidor, o consumidor tem uma proteção muito grande. Naquela época não existia isso. O cara comprava e não podia devolver. Acho que tudo mudou um pouco, o perfil do consumidor mudou, mudou tudo. O consumidor é mais exigente, ele conhece mais do que antigamente. Hoje ele procura mais, tem mais informação. Hoje a pessoa faz muita coisa em casa, ele está fazendo muita coisa, ele compra o produto e ele mesmo vai e faz, e coloca, instala. Antes a pessoa mandava fazer, tinha muito isso, hoje o cara já está fazendo um pouco disso, de elétrica, de encanador. Eu mesmo pensava os anúncios. Nunca fiz anúncio maior, em televisão, nunca acreditei muito. Sabe, no meu ramo assim. Eu fazia mais em jornal, no Vale Paraibano; tinha o jornal Agora também, que é daqui, na época. Fazia essas revistas de clube também. E aniversários da cidade: sempre a gente fazia alguma coisa. Mas eu nunca fui muito de fazer publicidade em rádio, desses negócios não. A Casa São José abre às oito horas, e vai até às seis e meia. De segunda à sexta; sábado até a uma e meia. O treinamento dos vendedores é ali mesmo. Sempre gosto de ensinar a pessoa, e vou dando chance pra eles. Tem os mais experientes, um gerente, um subgerente que ensina, vai ensinando dentro de como você gosta de trabalhar. Porque cada um tem um modo de agir. Eu vou dando oportunidade. A pessoa entra, um garoto - eu gosto de empregar garoto novo, que nunca trabalhou noutro lugar do mesmo ramo. Eu não gosto já de pegar uma pessoa experiente, que já veio, por exemplo, uma caixa de supermercado, eu não gosto, prefiro ensiná-las o meu modo de trabalhar; e mesma coisa com funcionário também, gosto de pessoas mais novas, que querem trabalhar, e de ensinar dentro do que eu acho certo. Não sei, sempre foi assim comigo.
CASAMENTO
Minha esposa veio de fora, ela veio de Jundiaí, o pai dela trabalhava no Banespa, banco do Estado, e ela veio para morar aqui. E a gente - como eu disse - nas pessoas de fora a gente sempre ficava de olho. Então chegou uma garota de fora, todo mundo ficava de olho. Então foi o caso dela, daí nós fomos apresentados... Nós nos reunimos muito ali no jardim, ficava aquela turminha, e sempre, foi ali que uma outra garota me apresentou. E ela trabalhava ali no banco Comercial, onde é hoje o Itaú. Nós começamos a namorar. Ela estava estudando, eu estudava em outra escola. Ficamos conhecendo assim, um dia à noite que fomos apresentados, e começamos a sair e tal, e a namorar. Nós namoramos um tempinho, ficamos longe três anos, terminamos o namoro, ficamos três anos, ela teve outros namorados, eu também, e daí voltamos e casamos. Daí foi mais rápido: durante um ano nós ficamos noivos e casamos, em 69. Casei aqui mesmo, teve festa no Tênis Clube, foi muito bonita. Foi bonita, sim, porque era o casamento da gente, é sempre bonito. Foi um casamento, na igreja foi muito bonito. Foi na igreja Nossa Senhora de Fátima.
FAMÍLIA
Tenho três filhos: duas meninas e o garoto. A mais velha tem 33 anos, fez MBA [Master in Business Administration] na Inglaterra, mora lá até hoje. A primeira se formou em administração na GV [Fundação Getúlio Vargas] e a segunda se formou na São Francisco, direito, trabalhou na Embraer, agora está no [banco] HSBC, em São Paulo, na parte jurídica. E tem meu filho, que tem 26 anos, o Daniel. É Daniel, Giovana e Cristiana. O Daniel, ele se formou também na GV, administração, ele faz auditoria, trabalha na Century, está trabalhando em São Paulo no ramo de varejo, prestando serviço para o varejo. E se ele quiser, um dia, dar continuidade na loja, eu já falei pra ele... Porque a minha filha ela já tem a vida dela lá em Londres, a Giovana também, ela é advogada, ela tem um perfil de advogada, então não tem nada a ver com o comércio. E o Daniel, eu acho legal isso que ele faz, porque cada hora ele está num lugar, está numa firma. Ele ficou quase dois anos morando no Rio, porque estava trabalhando em vários supermercados. Agora ele voltou pra São Paulo, está no Carrefour, prestando serviço. Eu acho muito bom o que ele faz. Ele é meio fechadão, mas de vez em quando eu tiro alguma coisa dele, sim. Ele vê muito essa parte de segurança, está nessa, implantando essa parte de segurança nesses supermercados, então alguma coisa a gente conversa. Eu troco idéias com ele sobre isso, mas eu acho bom o que ele faz; não sei se ele vai querer dar continuidade, como foi o meu caso. Porque eu não tive opção: ou eu pego ou eu caio. Ele não, ele já teve essa opção de se formar, graças a Deus, e tem essa opção de escolha.
RELAÇÃO COM O COMÉRCIO
Eu faço compras. Engraçado isso, interessante, porque eu me lembro que eu era pequeno mesmo, e minha mãe falava: “Não, vai lá você mesmo, e você escolhe, você compra”. Como eu morava ali no centro, era fácil. Então eu tenho isso, minha mulher nem gosta de comprar as coisas pra mim, ela nem não gosta. Eu gosto de fazer compras. Gosto porque, como eu trabalhei com isso, eu ficava vendo essas coisas, eu ficava vendo moda. É difícil homem gostar disso. Porque eu tenho até paciência de ficar vendo vitrine, eu vejo com a minha mulher, vamos muito em shopping, fico vendo vitrine. Hoje em dia eu não sou muito de fazer compra, isso eu estou falando mais na juventude, mas hoje eu ganho muito, minhas filhas vivem me dando presente, então às vezes compro alguma coisa. Lógico que hoje a gente precisa menos de roupa do que quando era mais jovem. Eu vou no centro, vejo no centro, vejo no shopping se tem alguma coisa que me agrada; pode ser no centro, pode ser no shopping, em qualquer lugar.
CIDADES
São José dos Campos Mudou muito o comércio do centro com a chegada dos shoppings, mudou bastante. Porque nós tínhamos bem mais movimento, principalmente no sábado. Sábado era um movimento terrível no centro. Então, com esse negócio do shopping, o que é que aconteceu? O pessoal já não levanta cedo pra fazer compra, já levanta mais tarde, então no comércio no centro ficou muito reduzido o horário. Mas, de um modo geral, eu acho que piorou, o centro, acho que... Não sei, São José é diferente hoje. É diferente, é bem diferente, a gente não sabe mais aonde, você vê, os bairros aí estão todos crescendo, você vê o satélite, hoje é uma cidade. Então tem aquele ali que mora naquele lugar, ele não vai mais para o centro, tem tudo ali pra ele. Ficou muito bom o comércio nos bairros. Porque antes era só o centro mesmo, o comércio era no centro, o cinema era no centro, o clube era no centro, tudo era no centro. Hoje, não. Eles, aqui em São José dos Campos principalmente, eu acho que esse prefeito ele está dando uma atenção muito grande para o centro, ele fez várias melhorias nos prédios, tal, ele recuperou muita coisa, embelezou bem a cidade. Isso ajudou bastante de um tempo pra cá, mas o centro ficou muito abandonado. Uma que foi proibido construir no centro, então o que aconteceu? Os moradores... Proibido construir prédio; teve uma época que construíram alguns prédios no centro, de moradias, mas depois foi proibido. Então o que aconteceu? As pessoas foram morar nos bairros, foi todo mundo mudando, foram pra outros bairros, morando longe do centro, e com isso esvaziou um pouco o centro. Então, você vê, no centro não tem um supermercado, não tem, não é verdade? Tem certos ramos que não tem no centro. Acho que o segredo é você ter moradia no centro, pra não morrer o centro totalmente. O certo era ter dado continuidade, porque os edifícios que fizeram naquela época não foram bem pensados, vamos dizer, no problema de estacionamento. Então tinham que fazer aqueles edifícios sem o estacionamento, então o que acontece? Pararam, mas se tivesse continuado, com estacionamento, a fazer edifícios ali no centro, você vê, nós temos essa orla do banhado, ela é linda, pô Então foram construídos alguns prédios ali, mas se você enche de prédios ali, você tem aquela vista para o banhado, é outro papo, não é como você estar vendo outra construção, um outro prédio do teu lado. Então você tem essa vista toda do banhado que não tem construção nenhuma, parou. Mudou a lei de zoneamento, agora pode, mas ficou muito tempo assim, ficou vinte anos sem poder. Então nesses vinte anos o que aconteceu? A cidade espalhou bastante. Também foi bom isso, em certo aspecto, mas o centro ficou abandonado. Se não tem moradias, as pessoas não saem quase ali, não tem, virou tudo comércio. Eu me lembro, ali a rua Sete virou calçadão, a rua Vilaça tinha moradias - todas aquelas ruas transversais eram moradias. O que aconteceu? Virou ponto comercial, mas fechou o comércio, acaba. Então o centro fica vazio, então como não é... Agora, tem certas cidades do interior que você vai visitar e ainda existe isso no centro, aquele burburinho no centro, que não tem em São José. Aqui ficou muito assim.
AVALIAÇÃO
Comércio O comércio te dá muita experiência de vida. A principal, que eu acho, é a humildade, que a pessoa tem que ter, de você estar ali servindo. Mais tarde, mais velho como eu estou no comércio, você sente uma certa satisfação, não de lucro, mas de você ter reconhecimento, de as pessoas chegarem lá: “Poxa, você está aqui ainda, você...”, não sei quê, sabe, esse reconhecimento de amizade, das pessoas te reconhecerem. Você às vezes dá uma, às vezes você vê que a pessoa está querendo uma coisa, não sabe, você dá uma luz para a pessoa, o que é que ela tem que fazer, o que é que não tem. Então, essa satisfação de experiência que você adquiriu, de conhecer o ramo que eu trabalho, por exemplo, e eu pegar e servir bem uma pessoa, mesmo que às vezes eu, o pouco tempo que estou ali embaixo na loja... Mas eu sinto isso, sabe, uma certa satisfação pessoal que te dá, que eu acho que é por isso que eu não tenho vontade de abandonar o comércio. Por enquanto ainda não.
AVALIAÇÃO
Entrevista Primeira vez que eu faço isso, nunca aconteceu isso antes, nunca falei assim, acho que é a primeira vez. Mas foi bom, foi legal, porque eu acho interessante partir de vocês fazerem isso. Você que é uma coisa, você vê como é São José dos Campos: até vem um pessoal de fora pra fazer isso. Coisa que nós já devíamos ter feito também
Memórias do Comércio - Vale do Paraíba (MCVP)
Avanço do comércio
História de Antonio Carlos Peneluppi
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 11/03/2004 por Museu da Pessoa
P/2 – Então, bom dia, Peneluppi, eu queria que você começasse a entrevista dizendo para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
A – Antonio Carlos Peneluppi, sou nascido aqui em São José dos Campos mesmo, em 8 de outubro de 1943.
P/2 – E o nome dos seus pais?
A – Vitório Peneluppi e Dinorah Alves Peneluppi.
P/2 – E os seus pais, seu pai era comerciante?
PROBLEMA DE ÁUDIO NESSE TRECHO
A – Meu pai era comerciante. Eles são descendentes de, meu pai é descendente de italianos, né, e minha mãe de portugueses.
P/2 – E o nome dos seus avós você lembra? Eram italianos?
A – Meu avô chamava-se Antonio Peneluppi, e (Nezini?), a esposa, (Nezini?) Peneluppi.
P/2 – E os seus avós...
A – Meu avô era Galeano Alves Penluppi, e Dinorah Alves Peneluppi.
P/2 – E quem veio para o Brasil, seus avós, seu pai?
A – Meus avós.
P/2 – Seus avós.
A – Por parte de pai.
P/2 – E você sabe em que data eles chegaram aqui no Brasil?
A – Eles chegaram no fim do século XIX, né, mais ou menos em 1892.
P/2 – Vieram direto aqui para a região do Vale?
A – Vieram para, é, vieram direto para o Vale do Paraíba, Pindamonhangaba.
P/2 – Você tem histórias dessa época em que eles vieram?
A – Mais ou menos...
P/2 – É? Você chegou a conhecer, ou não?
A – Eles chegaram com dois filhos, né, e aqui tiveram mais sete filhos. E ficaram pouco tempo em Pindamonhangaba, depois vieram aqui para São José dos Campos. Se instalaram ali no bairro de (Buquira?), né, e lá trabalhavam em lavoura, tal, e os filhos ajudavam, e os filhos foram nascendo aqui, eram sete. Daí eles mudaram para o bairro dos Pinheiros, que hoje é Urbanova, sabe onde é Urbanova? E ali lidavam com a terra, né. E os filhos aos poucos foram vindo para a cidade, comprando alguma coisa na cidade, ou senão vindo para o comércio, né, que foi o caso do meu pai, de outros tios também que vieram. E iniciaram aqui na cidade o comércio, comércio de... Era muito comum na época, né, comércio de armazém que chamava, chamava-se armazém, que vendia secos e molhados, essas coisas, né. E meu pai iniciou nesse ramo de secos e molhados, e trabalhava, minha mãe também ajudava na época, que foi uma época muito difícil pra eles. Para você ter uma idéia, que eles até, vinha vinho importado, eles tinham que engarrafar o vinho para vender.
P/2 – É, né...
A – Então era assim, começou assim.
P/2 – O seu pai já nasceu aqui no Brasil?
A – Meu pai nasceu aqui, no bairro de Buquira, né. Que é, quem vai para Campos de Jordão, é aquela estrada de Monteiro Lobato ali, que tem um bairro de Buquira, que chama.
P/2 – E a sua infância aqui em São José, quer dizer, você nasceu em 43...?
A – 43, eu nasci na mesma rua que tem a loja, né, porque eu morava na esquina, e a loja era logo após a esquina, na Rua Coronel Monteiro mesmo, com a Rua 7 de Setembro, que hoje é calçadão, que chama, né?
P/2 – Isso.
A – E foi muito boa a minha infância, né.
P/2 – Do que você brincava na rua, tinha amigo?
A – Foi muito bom ali na rua, na própria rua a gente jogava bola, a cidade era muito tranqüila, né? Na época era...
P/2 – A rua era de terra?
A – Era de terra, depois fizeram calçamento de pedras, e ficou assim por muito tempo, é mais ou menos isso, né.
P/2 – Você estudou aqui em São José mesmo?
A – Estudei aqui mesmo.
P/2 – Todo o seu estudo foi feito...
A – Aqui.
P/2 – Em que escola você estudava?
A – Primeiro foi o Grupo, o Grupo Escolar Olímpio Catão, né, depois eu passei para o Instituto São José.
P/2 – E como é que era, tinha uniforme no Grupo?
A – Estudei no Olavo Bilac também. É, tinha todo um, era obrigatório o uso de uniforme, né. Na época era muito, era uma exigência da época, você tinha que ir de uniforme.
P/2 – Você lembra como que era o uniforme? Do Grupo, por exemplo.
A – Do Grupo, por exemplo, era camisa branca e, parece, um... A gente não usava calça, né, garoto era calça curta, calça curta azul, era assim. E do Instituto São José era calça bege, não, cáqui, e camisa branca.
PROBLEMA DE ÁUDIO NESTE TRECHO – VOLUME BAIXO
P/2 – E você ia para a escola como, você ia a pé, ou precisava de condução?
A – Ia a pé.
P/2 – Era pertinho?
A – Tudo era perto.Tudo a pé aqui, né. Era, você não precisava de condução, né, porque o clube era perto, tudo era perto. O cinema ficava em frente à minha casa, que o cinema era ali na Rua Coronel José Monteiro, em frente à loja.
P/2 – O Para Todos?
A – Para Todos, então, era o primeiro cinema. Depois tinha o Cine São José, que era na esquina, na esquina ali da rua mesmo com a Rua XV, né.
P/2 – E você tem irmãos, Peneluppi?
A – Tenho, nós somos em... Faleceram dois, nós éramos pra ser em sete, somos em cinco. E também tenho um irmão de criação, nós criamos, meus pais criaram um garoto.
P/2 – E como que era o cotidiano da sua casa, assim, conta pra gente um dia na sua casa; acordava, o que é que fazia?
A – Bom, mais ou menos assim...
P/2 – Quando você era criança, quando você era garoto. Anos 50, assim, perto de dez anos, como que era?
A – Anos 50, né. Bom, era, eu me lembro que a criançada só brincava, né, era muita brincadeira, tal, a gente tinha essa obrigação da escola, e a gente ficava sempre inventando brincadeiras quando era pequeno. Brincava muito na rua, eu gostava muito de jogar bola, joguei muito futebol, então, brincava dessas brincadeiras de pega, né, de pega-pega. Nós tínhamos o jardim também, ali perto de casa, ali na... Então a gente ia sempre para o jardim, ou para um campinho de futebol, que era ali na Avenida São José, não tinha avenida, a Rua São José parava ali mais ou menos onde era o posto de gasolina. E ali tinha um campinho também, de futebol, a gente ia pra lá, então a vida da gente era essa, né, era praticar esporte. Praticar esporte, mas não que houvesse um incentivo dos pais, os pais até tinham que brecar um pouco a gente, né? (riso) “Ô, vocês só ficam aí brincando...”, essas coisas. Que hoje já é diferente, os pais incentivam porque não têm locais apropriados, e na época a gente jogava na rua. Quando passava um carro, parava, passava o carro continuava jogando, então era assim.
P/2 – E tinha horário, assim, horário de almoço, por exemplo?
A – Isso tinha.
P/2 – Era rígido isso?
A – Tinha horário de almoço. A gente gostava muito de caçar passarinho também, tinha o banhado ali, a garotada ia muito caçar passarinho.
P/2 – Vocês desciam no banhado pra...
A – Descia ali.
P/2 – O que é que tinha no banhado, como é que era?
A – Não tinha nada, ninguém, não tinha essas moradias que tem hoje lá, essas - hoje existe um pouco de moradia -, lá não existia nada. Só tinha a linha do trem, que os pais da gente ficavam um pouco preocupados com esses negócios de trem, e tal. Mas a gente ficava assim, brincando mais, e não era... Uma vida mais tranqüila, né, não tinha violência, a gente não pensava nesse problema de violência, a gente ouvia mais história de assombração quando a gente era pequeno.
P/2 – Você lembra de alguma, Peneluppi?
A – Tinha muito ali porque o cemitério é ali na, ali perto, né? É perto ali de onde a gente morava, e tinha muita história sim, brincadeiras, e a gente escutava muita conversa dos pais, dos tios. Então sempre existia uma historinha ou outra de assombração, de não sei quê, de cemitério, né. Tem uma que eu lembro muito bem; é quando tem um cara que morreu dentro do cemitério, porque ele foi lá, apostou com um amigo que entraria lá e ia pregar um prego no túmulo, então ele chegou lá e pregou a capa dele, no ele pregar o prego a capa, ele estava com uma capa de chuva, e pregou junto. E na hora que ele foi sair assim, ele achou que tinha sido uma assombração que tinha prendido ele, então ele – de susto – ele morreu. Então existiam essas histórias assim, né, a gente ouvia muito essas brincadeiras.
P/2 – Então vocês nem chegavam perto do cemitério?
A – Não, a gente brincava. É, a gente cismava, tinha uns que falavam assim: “Não, eu vou pular no cemitério...”, e tal, “à noite”, e apostava, tal, pra pular, tinha essas brincadeiras. A gente ouvia essas histórias realmente, mas fazia as brincadeirinhas também da gente.
P/2 – E na sua juventude, como é que era São José? Aí já da juventude, o que é que você fazia?
A – Ah, a juventude foi mais assim de festinhas, de bailinhos, né, existia muito os bailinhos. Ou, se não era na Associação Esportiva São José, era no Tênis Clube, o Tênis Clube tinha o salão que... Mas as brincadeiras dançantes, que eles falavam, eram na Associação Esportiva São José. Na minha época eram...
P/2 – Aonde ficava, ela existe ainda?
A – Ficava ali perto da igreja, né, a Associação era ali perto da igreja, e o clube era ali.
P/2 – Era grande?
A – Era grande, não existia o Santa Rita ainda, né? Era um clube que tinha o salão, né, o principal era, no clube, na época, era o salão de festa, que seria onde tinha os bailes. Então a gente, todos os domingos, tinha as brincadeiras dançantes e tinha os bailes também. E ali mesmo, na rua XV ali, ali perto da Associação tinha o Esporte Clube São José – que era um pouco mais popular, e a Associação era um pouco mais classe média, e o Tênis Clube também. Então a gente ia muito em baile, minha juventude foi assim, de festa, de baile, ou senão tinha muito em casa de família também, tinha essas festinhas que sempre eram brincadeiras dançantes que viravam festa de família, né?
P/2 – E na sua casa fazia baile também?
A – Não, meus pais já não eram muito de fazer esse tipo de festas, né? Mas eu me lembro que as moças da época, aqui, - tinha vindo o ITA pra cá, a Engenharia –, então elas faziam muito, a gente brincava que as moças queriam casar com os garotos do ITA, porque é uma formação boa, tal, esses negócios. Então, as famílias das moças faziam muitas festas assim, bailinhos, pra chamar os iteanos, sabe.
P/2 – E eles vinham?
A – Eles vinham pra dançar, eles iam lá pra conhecer as moças daqui da cidade.
P/1 – Mas aonde que se encontravam, quer dizer, porque o pessoal do ITA mora lá dentro...
A – Morava lá dentro.
P/1 – Quer dizer, em que lugar de São José que havia esse encontro?
A – Eles tinham que vir pra cidade, porque não tinha nada pra fazer lá no ITA também, lá tinha os bailes também deles, que eram os bailes que eles faziam assim durante o ano, né. Mas a maioria das festas, das coisas que aconteciam, eram na cidade, eram nos clubes aí, então as moças também, a maioria da cidade, do centro. Então eles vinham pra vir dançar, e pra paquerar, né? Quer dizer, não existia nem esse termo – paquerar – na época. (riso) Então, vinham pra cá para a cidade pra conhecer as moças, e as moças eram interessadas neles mesmo; uma que eram de fora, eram diferentes.
P/1 – Então, aí você ficava na rua, você sabia, esse é do ITA, esse não é...?
A – A gente conhecia.
P/1 – Como era, como era um cara do ITA?
A – Bom, é porque a cidade é tão pequena que a gente conhecia todo mundo, né? É a mesma coisa quando chegava uma garota de fora, a gente sabia que era de fora, então a gente já ia dar em cima porque era menina de fora, e tal... Bom, mas esses, os garotos do ITA eram assim de diversas regiões do Brasil que vinham pra cá, como vêm até hoje. Era um curso dificílimo da pessoa entrar, até hoje é difícil, uma escola de primeira linha, né. Então, no mesmo tempo existia uma richa com isso.
P/2 – Porque as moças não ligavam pra vocês, né, só ligavam pra eles?
A – É, não, quando tinha, às vezes a gente tinha que entrar de penetra nas festas, porque a gente nem convidado era, né? Então a gente entrava de penetra, e tal, daí tinha brigas, existia muita briga, muito ciúmes, os rapazes daqui tinham um pouco de ciúmes dos meninos do ITA, né? Então tinha muita briga, existia muita briga, mas sem essa, sempre briga de tapas, nunca houve assim uma violência maior. Então quando a gente ia também no CTA, que a gente chamava, e tinha também as brigas, porque daí eles revidavam, pegavam a gente lá, né. Porque tinha as moças que moravam, que vinham de fora também ___________________________________________ (NÃO SE ESCUTA, PROBLEMA DE ÁUDIO), daí a gente que apanhava. Então tinha muito isso aqui, mas era tudo na brincadeira.
P/2 – Na brincadeira.
A – E a gente dançava muito, eu fui da época do, eu vi nascer o rock, né? Foi o lançamento, é o (Splash?), esse pessoal todo do rock, rock and roll depois. Então, eu me lembro uma vez que passou um filme sobre rock, nossa, foi assim uma coisa de outro mundo na cidade.
P/2 – E para ir nesses bailes, nessas festas, vocês tinham que se arrumar bonitinhos?
A – Tinha, tinha que _______.
P/2 – E onde comprava roupa, por exemplo?
A – Olha, a roupa, não existia roupa pronta, né? Você tinha que mandar fazer, então você tinha que ter alfaiate, você tinha que ter costureiro pra fazer uma camisa, você ia na casa de confiança, comprava tecido e mandava fazer as roupas.
P/2 – Quem comprava era a mãe, ou vocês já podiam escolher? Na sua época de juventude, já davam palpite na...
A – Não, eu fui criado, desde pequeno minha mãe mandava eu me virar, sabe. Então, nesse ponto, eu tinha um, eu mesmo já escolhia, eu já, desde garoto eu já escolhia minhas roupas. Então a gente mandava, tinha um alfaiate que fazia, por exemplo, para ir num baile tinha que ir de terno, não entrava sem ser de terno, de jeito nenhum. E os bailes de debutante, na época, tinha que ser de smoking, então qualquer garoto assim, da época, classe média, tinha um smoking, tinha um smoking em casa, mandava fazer. Porque ele sabia que tinha dois, três, quatro bailes por ano que tinha que ser de gala, né, smoking, e outros de terno. Então você tinha terno, você tinha que ter smoking; o menino de 15, 16, 17 anos, tinha essas roupas, né. E era assim, eu acho que roupa pronta mesmo só tinha uma marca me parece, assim, de jaqueta, de camisa, (Mac______?), se não me engano. Mas o resto você tinha que mandar fazer tudo, agora meia, essas roupas mais íntimas você tinha pra comprar.
P/2 – E onde comprava, você lembra o nome?
A – Então, eu me lembro, tinha ali, na Rua XV tinha algumas lojas ali, (Casa_______?), se não me engano. E tinha essa, a que eu citei agora a pouco, a Casa Confiança, que além de vender as roupas esporte, e tal, tinha tecidos e essas roupas íntimas.
P/2 – E sapato, onde comprava?
A – Sapato também não tinha assim, quase, loja especializada em sapatos. Vendia mesmo, quem vendia esses tecidos, ou vendia essas roupas, vendia também o calçado. Mas começou, acho que foi na década de 40, não, de 50, sim, de 50, 50 e pouco começou, né? Pouco, uma ou duas lojas, eram muito poucas lojas. E tinha uma coisa, a pessoa aqui do interior tinha pouca informação, né, pra você ter uma idéia, as coisas não tinha essa mídia que tem hoje, então você, às vezes você ia pra São Paulo para fazer compras. A pessoa que tinha um poder aquisitivo um pouco melhor ia pra São Paulo, ia para o Rio, porque daí você trazia novidades que você não encontrava no interior. Então, a maioria das pessoas que tinham assim um certo poder aquisitivo iam pra São Paulo, ou Rio de Janeiro, pra fazer essas compras, para trazer novidades, né? Você ia lá você via moda, a moda entrando, e aqui demorava pra chegar, as coisas eram tão atrasadas que demorava.
P/2 – E como é que ia para São Paulo, ou para o Rio, ia de trem, ia de ônibus?
A – Ia de ônibus, o pessoal ia muito de ônibus, ia muito, usava muito o ônibus. Meu pai já tinha carro na época, mas eu, por exemplo, se eu quisesse ir eu teria que ir de ônibus.
P/2 – E aí, já ia nessa época pela Dutra, ou ainda ia pela estrada...?
A – Ia pela Dutra.
P/2 – Dutra.
A – A Dutra tinha uma via só, não duas, era uma via só, na época... Eu sei porque aconteceu um acidente comigo ________________...
(PROBLEMA NO ÁUDIO, NÃO DÁ PRA ESCUTAR NADA – por volta de três minutos)
A – Na hora que estava, porque a gente voltava, então a gente sai hoje nessa hora, e naquela época não, então a gente saia assim sete horas, oito horas, ficava na festa até às 11:00, e depois voltava. Tinha hora pra começar e tinha hora pra terminar, sempre tinha hora pra começar e pra terminar. Para você ter uma idéia, sabe que eu não tinha a chave de casa? Eu saia assim, pra essas assim, eu nunca tive uma chave de casa. A porta ficava aberta, minha casa era um sobrado que ficava ali na esquina, ali onde é a Coronel Monteiro com a Rua Sete, né, e era um sobrado porque embaixo era uma loja que meu pai tinha feito e alugava o salão. Então a porta ficava aberta, a gente entrava, subia a escada, daí meus pais sempre falavam: “O último que chegar fecha”. (riso)
P/2 – Aí tinha que conferir se estava todo mundo em casa?
A – É, mas, geralmente, quem chegava mais tarde mesmo era eu mesmo. Então eu já sabia que era eu que estava chegando mais tarde, por causa das meninas, não, as minhas irmãs eram mais novas, não, tinha uma dois anos mais velha que eu, mas não chegava tão tarde como a gente que era, o homem sempre chegava mais tarde, tinha isso, né. Tinha horário para as moças, e tinha horário para a gente. (riso)
P/2 – E aí, onde pegava essa condução, por exemplo, você estava em Jacareí numa festa, acabou a festa tinha um lugar onde o ônibus passava?
A – Não, tinha o trajeto do ônibus que a gente conhecia, né.
P/2 – Que era um ônibus, não tinha uma rodoviária, um local onde se pegava?
A – Tinha.
P/2 – Ah, tinha.
A – Tinha, tinha o lugar certo pra apanhar o ônibus, mas tinha também o lugar que a gente já sabia que o ônibus passava, que era o trajeto dele. Então, se a gente não pegava na rodoviária, pegava no trajeto, numa esquina qualquer, ele parava. Não tinha assim ponto, você mandava parar ele parava, pedia pra parar.
P/2 – E você estava falando que São José era pequena, todo mundo se conhecia, isso mudou quando começou a construção da Dutra, aumentou, não aumentou?
A – Bom, São José começou a crescer realmente depois que o CTA veio pra cá. Daí começou, depois do CTA começou a chegar as indústrias, uma atrás da outra, daí ______________________...
(PROBLEMA NO ÁUDIO – NÃO SE ESCUTA NADA)
A – A cidade teve um bum muito grande, começou a crescer muito, e perdeu um pouco sua identidade também, né? Por crescer muito nessa época, você vê o comércio mesmo, você tem dificuldade pra ver quem é da terra mesmo. Tem pouquíssimo, comércio mesmo, comerciante que é nascido e criado aqui, né? A não ser agora, essa turma mais jovem, mas os mais velhos era mais difícil.
P/2 – Porque começou a vir gente de fora pra montar comércio em São José?
A – Não, é que começou a chegar muita indústria, tal, e às vezes você sendo da cidade você não percebe certas coisas. Você não, você se acomoda, a pessoa às vezes não enxerga, vem uma outra pessoa com uma outra visão, então o que aconteceu com São José dos Campos foi mais ou menos isso, gente com outra visão chegava e via a carência de certas coisas na cidade, e montava.
P/2 – Você tem algum exemplo que você lembre, que tenha acontecido, de uma coisa que veio de fora e montou aqui por causa dessa mudança?
A – Pra você ter uma idéia, teve um prefeito aqui que ele trouxe o Pão de Açúcar pra cá, cedeu um terreno para o Pão de Açúcar – você imagina, ceder um terreno pra eles virem pra cá para montar o Pão de Açúcar! -, e a Lojas Americanas também.
P/2 – Não, mas isso de certa forma não atrapalha o comerciante que é da cidade, porque, por exemplo, o supermercado, onde as pessoas compravam as coisas de supermercado, não era nos armazéns mesmo?
A – Nos armazéns e no mercado.
P/2 – Então...
A – Então, por isso, mas na idéia dele – desse prefeito – ele achava que o comércio aqui, pelo crescimento rápido que estava tendo a cidade, não ia conseguir acho que...
P/2 – Atender.
A – Atender esse pessoal todo que estava vindo de fora. Então eu tenho a impressão que seja isso, né? Não foi um crescimento lento. Porque, quando é um crescimento mais lento, as próprias pessoas da cidade vão percebendo que a cidade precisa disso, precisa daquilo, então...
P/2 – Foi muito rápido.
A – Foi muito rápido, né, foi muito rápido, eu acho que na década de 60 assim, foi muito rápido. O CTA acho que veio pra cá no começo de 50, não, no fim da década de 40, começo de 50, não sei. E daí pra frente começou a crescer muito, depois veio a Embraer ainda pra cá – a Embraer veio mais tarde, bem mais tarde –, mas é isso.
P/2 – Quer dizer que do comércio da sua infância você lembra da Casa Confiança, e da Casa Diamante você lembra?
A – Casa Diamante, lembro. Casa Diamante tinha, eles tinham mais ou menos o que a gente trabalhava também, sabe, um pouco, mas eles eram um comércio bem mais, era um comércio muito bom a Casa Diamante; tinha presentes, brinquedo, sabe, tinha muito presentes, e era uma loja muito boa, e ficava ali na Rua XV, né.
P/2 – Então, eu queria agora falar da...
A – O meu tio também, quando ele foi, ele fez a mesma coisa que o meu pai, né? Quando ele veio pra cidade, que ele montou loja também, começou com armazém, tal, depois ele começou com eletrodomésticos, então foi uma das primeiras lojas de eletrodomésticos, então ele foi um dos primeiros a vender televisão. Quando a televisão veio para São José dos Campos, foi na década de 50, eu me lembro que ele deixava a televisão ligada e fechava assim a loja com, não é bem fechava, deixava com aquela, era uma, como se fosse uma grade a porta, e as pessoas ficavam assistindo, e ficavam assim bastante pessoas, tudo assim vendo, à noite, sabe, ele deixava ligado. Deixava assim, na parte da noite até o horário de umas 10 horas assim, vamos dizer, e as pessoas ficavam assistindo na rua porque não tinha televisão. Então eu me lembro que ele começou, foi um dos primeiros a começar a vender televisão aqui em São José dos Campos. A loja dele ficava ali também, na Rua Coronel Monteiro com a Rua XV, ficava na esquina.
P/2 – Como é que chamava?
A – JB Peneluppi. Ele trabalhava com geladeiras, a marca Frigidaire, só existia essa também na época, e a televisão era Admiral, só tinha essa também, não tinha outras marcas. Eu me lembro, não tinha assim uma grande quantidade de marcas, mas eu me lembro dessas.
P/2 – Então o seu pai veio, e montou também, o seu pai estava também no campo, e depois veio para a cidade e montou a loja?
A – Veio para a cidade.
P/2 – Em que ano foi isso, que ele montou a loja?
A – Foi em 1923, ele começou, ele começou alugando um ponto comercial ali na, começou ali na Rua 7 de Setembro, que hoje é o calçadão. Depois ele teve a oportunidade de comprar o ponto dele mesmo, então ele comprou uma casa, e ao lado da casa tinha o salão que era da loja, que é até hoje, onde é até hoje. Mas antes ele teve no calçadão.
P/2 – No calçadão. Já começou atendendo...?
A – Não, ele começou com Secos e Molhados, que chamava na época. E, daí, como vendia de tudo, vendia enxada, vendia de tudo, até ele vendia louças, vendia violão, essas coisas, pandeiro, vendia tudo, era muito diversificado na época. Eram poucos itens, então dava pra você diversificar, não tinha esse negócio de lojas especializadas que têm hoje, né? Então a pessoa o que botava pra vender, vendia.
P/1 – Agora, pra montar um negócio desses nos Anos 20, precisava de muito dinheiro? Quero dizer, como é que ele chegou a montar o negócio dele?
A – Foi assim aos poucos, foi muito difícil pra ele, porque o movimento também era muito devagar naquela época. Então com muita, eles eram muito econômicos, então eles foram fazendo economia, foram crescendo aos poucos. E as pessoas também, você tinha uma facilidade muito grande pra comprar as coisas, né? Não existia juros, ninguém falava de juros, assim de, por exemplo, você queria comprar uma propriedade; eu me lembro que o meu pai falava que quando ele comprou ali, onde é a loja, o cara queria ir embora daqui de São José, o dono ali do imóvel queria ir embora, e ele sabia que meu pai estava interessado, ofereceu para o meu pai, e meu pai falou assim: “Olha, eu não tenho dinheiro pra comprar isso aí, isso é muita coisa”, e tal, “Não, mas, Vitório, você paga do jeito que puder...”, que não sei quê, que isso aquilo, “que eu preciso ir embora”. Então, a pessoa se desfazia, então meu pai assumiu uma dívida, mas sem pagar juros, você entende? Então foi, aos poucos ele foi amortizando essa dívida com essa pessoa, e conseguiu comprar o imóvel. Porque depois ele, com a reserva que ele tinha do comércio, que ele já tinha há muito tempo, ele conseguiu comprar esse imóvel. Eu me lembro dos primeiros terrenos que eu comprei aqui em São José, também não tinha juros, eu pagava por mês, então a economia que a pessoa fazia, o pouco que ele fazia de economia ele ia pagando, né. Não é como hoje, você compra alguma coisa você tem que pensar, ninguém te vende nada sem cobrar o juro. E às vezes tinha uma certa inflação, o que acontecia? Passava um tempo, aquilo já não era aquele valor, o valor caía. Mas a inflação era pequena naquela época, né? Mas existia inflação, e é mais é isso.
P/1 – E como é que ele lidava com os fornecedores, quer dizer, com quem ele, de quem ele comprava as mercadorias pra revender? Também tinha essa negociação?
A – Tinha, tinha também isso, era um, era assim uma confiança muito grande que existia entre as pessoas assim. Existia uma confiança muito grande. Meu pai conhecia os fornecedores mesmo, conhecia o dono. Por exemplo, eu me lembro que meu pai, as compras que ele fazia ele sabia quem que era a pessoa, o dono, conhecia, sabe? Tinha essa relação de conhecer, um conhecer o outro. Hoje você, por exemplo, eu compro alguma coisa lá para a minha loja hoje eu nem sei de quem eu estou comprando, nem sei, é diferente. Mas naquela época não, tinha uma, meu pai eu me lembro que ele comprava muito do Gabriel Gonçalves, que era um atacadista em São Paulo, ele conhecia o dono. Ele até, na época ele teve uma idéia até muito boa, tal, mas até não fui, devia ter ido, trabalhar em São Paulo com esse pessoal. Que já era um comércio mais evoluído, então meu pai falou comigo se eu gostaria de trabalhar lá com eles, pra ter uma, pra pegar uma experiência melhor, né, mas eu acabei não indo, fiquei por aqui mesmo. Até depois eu me arrependi, porque eu acho que teria aprendido muita coisa. Então ele conhecia as pessoas. É interessante hoje, que eu vou comprar de alguma firma de São Paulo, de outro lugar assim, eles: “Ah, tua firma aqui é número seis...”. Quer dizer, é interessante.
P/2 – Ela já nasceu com o nome de Casa São José?
A – É, sempre foi Casa São José.
P/2 – Tem alguma história por causa do nome, ou não, que você saiba?
A – Não sei, acho que é em homenagem à cidade talvez, mas eu, assim, acho que foi só por isso mesmo.
P/2 – E o seu pai vendia, você estava falando enxada, violão, e tal, atendia o pessoal da área rural?
A – Vendia de tudo, vendia as coisas pra pesca, e atendia essa parte rural, né? Que eram as coisas para a lavoura, inseticidas, trabalhava com fomicidas, inseticidas. E foi indo, foi modificando aos poucos, porque o mercado, começou o pessoal a ficar mais concentrado ali, em tipo de armazém, mais no mercado. E ali ele começou, daí começou com material de construção, tinha também, vendia material de construção, e foi diversificando, daí foi entrando tintas, essas coisas.
P/2 – Em que ano que mudou para material de construção, você lembra?
A – Olha, foi mais ou menos na década de 40, por aí, 40, 40 e pouco. Porque eu já me lembro que eu morava, na minha casa o quintal dava para a loja, sabe, tinha uma entrada do quintal, e a gente passava para a loja. Então, como eu, de pequeno me lembro já que nessa época, na época que eu nasci já estava assim, mais ou menos, mais com material de construção. Foi na década de 40.
P/1 – Na verdade, não é que mudou, quer dizer, aquela diversidade toda foi se reduzindo, se reduzindo, porque você sempre vendeu material de construção, ou não?
A – Não, antes era, vendia assim esses cereais, né? Essas coisas, como eu falei, trabalhava até com vinho, era como armazém mesmo, que chamava. Você vendia ali chapéu de palha, você vendia essas coisas pra roça, e mantimentos.
P/1 – Mas até porque não tinha, então, loja de material de construção, tinha loja de material de construção nesse começo, nos anos 20, anos 30, onde que comprava material de construção? Não sei, é uma curiosidade minha, estou...
A – Existia, existia porque as pessoas já construíam, nessa época já existia. Devia ter em outros lugares ali, devia ter outra loja, outros lugares ali que eu não me lembro. Assim, me lembro depois que eu fiquei maior, daí eu me lembro, mas é que foi pedindo aquilo, o comércio ele foi mudando porque ele viu esse segmento. E daí começou a entrar outras lojas, entrou, tinha o Depósito Brasil que vendia material de construção, ali no centro mesmo tinham outras. Tinha essas, eu me lembro de lojas de hidráulica que tinha o próprio encanador, mas especialização não existia na minha época. Tanto no meu ramo, como em outro ramo qualquer, não tinha especialização, né?
P/1 – Mas, quando virou material de construção, aí os fornecedores eram todos de fora do Vale, não tinha fornecedor do Vale, você lembra?
A – Não, era tudo de São Paulo. Fornecedor era só de São Paulo, a gente só comprava de São Paulo.
P/1 – Aí vinha o vendedor...
A – Existia muita coisa importada também, né. As ferramentas, por exemplo, eram todas importadas, na década de 40, essa época assim, 50. Depois que entrou, depois de 64, que entrou o governo militar, proibiu a importação, então já não podia importar nada. Então nós ficamos 20 anos assim.
P/1 – E como é que comprava isso, quer dizer, como é que importava?
A – Tinha os importadores, que eram todos de São Paulo, e a gente fazia essas compras dos importadores. Então tudo era importado, não existia nada. Pra você ter uma idéia, vamos dizer o tênis, hoje o pessoal conhece como tênis, a gente conhecia como keds, por que? Porque o keds era importado, era marca americana, era keds, “o cara está de keds”, “vai usar um keds, vai só usar pra ficar esporte”. Então as ferramentas assim eram de origem alemã, inglesas, americanas, tinha de todo lugar ali da Europa, todo lugar tinha...
P/1 – Agora, o material de trabalho rural era fabricado aqui, enxada?
A – É, aí era fabricado aqui. Aqui eu já me lembro, mas também era de alguma indústria que veio de fora e começou a fazer aqui, né.
P/1 – Tipo o que assim?
A – Eram umas marcas assim...
P/1 – Mas era do Vale?
A – Não, do Vale não tinha nada. Não tinha indústria nenhuma.
P/1 – Quer dizer, era uma enxada fabricada...
A – Era uma enxada, era em São Paulo, as fábricas eram em São Paulo.
P/2 – É coisa que a gente sempre escuta falar, né.
A – Que o quê?
P/2 – Que o arame farpado vinha eu acho que da Alemanha, uma coisa assim.
A – Vinha, tudo importado, era tudo importado.
P/2 – E vinha de trem pra cá? Por exemplo, seu pai comprava as enxadas em São Paulo?
A – Em São Paulo.
P/2 – Como é que entregava aqui?
A – Entregava pelo transporte, né.
P/2 – Então, mas trem, ou caminhão, você sabe isso?
A – Não, de trem vinha muito esses negócios de cimento, essas coisas mais pesadas. Agora, essas miudezas assim vinham de caminhão mesmo, era entregue...
P/1 – Mesmo antes da Dutra?
A – De transporte. Não, antes da Dutra eu não sei, não, eu acho que a Dutra, eu não me lembro antes de...
P/1 – Você não lembra?
A – A Dutra, eu não sei em que época que construíram a Dutra, né?
P/1 – 50, começa nos anos 50, então 51...
A – Ah, é.
P/1 – Porque não tinha a Dutra antes, como é que chegava, você lembra?
A – Não tinha a Dutra.
P/2 – Passava caminhão nessa antiga Rio-São Paulo? Dava pra passar caminhão?
A – Dava, era uma estrada de terra, era estrada de terra, era essas coisas assim. Como a estrada que ia pra Caraguatatuba, era de terra, tudo de terra, passava carro, mas com dificuldade. Então era isso.
P/2 – Então é provável que viesse de caminhão esse tipo de material para o seu pai?
A – É, de caminhão.
P/2 – Aí, quando ele resolve mudar pra material de construção, provavelmente porque o mercado estava exigindo isso, o que é que tinha, São José estava começando a construir mais?
A – É, ele começou com, é, ele foi mudando aos poucos, daí ele acabou com esse arroz, feijão, essas coisas todas. E, quando ele comprou esse outro imóvel, ele já veio com essa mudança, então ele partiu mais pra essa parte de ferragens. Porque, hoje, a loja é casa de ferragens, né? Não é bem material de construção, porque eu não vendo, eu só vendo mais acabamento, coisas assim, coisas menores, mais miudezas, não vendo azulejo, tijolo, cimento, essas coisas eu não vendo.
P/2 – Quer dizer, você também...
A – Mas meu pai trabalhou com isso, sabe. Não, quando eu comecei a trabalhar ele já estava nesse segmento só de ferragens, na década de 50, 60, ele já começou com ferragens mesmo, e tintas.
P/2 – Mas, provavelmente, então porque estava tendo uma exigência do mercado?
A – É.
P/1 – Provavelmente, também, porque o setor da habitação também deve ter se transformado...
A – Isso, transformado. Tinha muita, existiam muitos armazéns, né, era mais comum do que... Porque, você vê, era a Casa Diamante que também vendia um pouco desse, de ferragem, sabe, tinha isso também um pouco. Meu pai trabalhava com louça também, vendia xícara, prato, essas coisas, depois foi tirando, foi tirando alguma coisa, só deixou tintas, material elétrico e ferragem, ferramentas.
P/2 – E tem alguma imagemda infância, assim, da sua juventude em relação ao comércio, que você lembre que aconteceu com você, mas aí bem focado na loja do seu pai?
A – Assim, de eu ter feito alguma outra coisa de comércio?
P/2 – É, de você... Por que você começou lá com uns 10 anos mais ou menos, já a freqüentar a loja?
A – Eu freqüentava a loja desde a época que eu nasci, porque eu nasci, a loja tinha comunicação, né? Então, eu desde garotinho já ficava ali perturbando.
P/2 – Então, isso, você lembra, você embrulhava alguma coisa, você comprava, como é que era?
A – Meu pai era meio assim, às vezes ele mandava a gente varrer a loja, pequenininho, “Você tem que começar por baixo, tem que varrer a loja”. (riso)
P/2 – Então, garoto você já varria a loja? Fazia pacote, por exemplo?
A – Fazia, ensinava a gente a fazer pacote, e tal. Porque não tinha, tinha que fazer esses embrulhos, tal, então tinha muito isso. Não tinha tanta coisa pronta, você tinha que, tudo você tinha que pesar, tudo era por peso, não existiam essas embalagens que existem hoje, o produto, tudo era contado, e por peça, e por peso. A gente usava muito a balança, tudo a gente pesava praticamente.
P/2 – Pesava prego, por exemplo?
A – Prego, pesava corda, todas essas coisas que a gente vendia assim, (breu?), todas essas coisas, (cabuleto?), essas coisas todas que a gente vendia tinham que ser pesadas, não tinha embalagem como tem hoje, embalagem de 1 quilo, hoje tem uma facilidade maior. Você vai comprar um prego e já tem lá, e, não, lá antigamente tinha que pesar, 100 gramas, 200 gramas, era assim.
P/1 – E como é que ele fazia a contabilidade disso?
A – Não existia esse controle que tem hoje, de estoque, não existia esse controle, era mais no olhômetro... (riso)
P/1 – Mas não tinha assim, o balanço anual?
A – Tinha o balanço anual, tinha o balanço anual que você fazia o balanço anual, mas era tudo mais difícil pra você... Hoje já é, a facilidade é bem maior, né? Então dava, a gente fechava a loja pra fazer balanço, fechava uns três, quatro dias, sabe.
P/1 – Contava tudo.
A – Contava tudo, e tal, fim de ano, né?
P/1 – E só ia pensar nisso um ano depois?
A – É. E o comércio também, em São José, ele fechava na hora do almoço também, tinha esse negócio.
P/2 – Ah, fechava? Como é que era isso?
A - Fechava.
P/2 – Abria que horas, de manhã?
A – Abria, vamos dizer, 8:00 horas da manhã.
P/2 – Tá.
A – 7:30, esse horário assim, 7:30, 8:00 horas. E depois fechava para o almoço, duas horas de almoço.
P/2 – Fechava meio dia?
A – É, você fechava, todo mundo fechava na cidade.
P/2 – Todo mundo.
P/1 – Aí, ia o que, ia almoçar...?
A – Ia almoçar, descansava, e tal, depois voltava todo mundo de novo.
P/2 – Abria às duas?
A – É, acho que era assim, mais ou menos, das onze à uma hora.
P/2 – Ah, tá.
A – Das onze horas até à uma hora.
P/1 – E você acha que ficou fechando até quando mais ou menos?
A – Em que época?
P/1 – Pra ter uma idéia...
A – Em que época. Olha, quando eu comecei, em 67, acho que foi até 70 e pouco, 74, 75, por aí.
P/1 – Fechava tudo?
A – É, porque eu me lembro, 67, depois 70. Depois começou, acho que a não fechar porque...
P/1 – Supermercado não fecha, né?
A – É, não tinha supermercado, né, naquela época não tinha, não existia supermercado. Depois é que veio, começou a vir pra cá, né?
P/2 – E como é que, porque pra vender ferragem é complicado, como é que dispunham os produtos, assim, na prateleira tinha alguma organização?
A – É, era muito em caixas, era tudo, não tinha esse auto-serviço, não existia esse auto-serviço.
P/2 – É, então como é que organizava, por exemplo, o vendedor, como é que ele ia achar? O cara chegava lá e pedia um parafuso qualquer...
A – Estava tudo em caixinhas, eram caixas de madeira, ou senão na própria embalagem, no plástico, tal.
(INTERRUPÇÃO PARA O ENTREVISTADO TOMAR ÁGUA)
P/2 – Então, você estava falando, eu te perguntei sobre a organização dos produtos na loja.
A – Então, começou, era tudo em caixinhas, tinha os balcões, o atendimento, não existia ninguém se servir como tem hoje, muito auto-serviço, quer dizer, a maioria. Então era tudo em caixinhas, depois eu me lembro que eu fui pra São Paulo, tal, peguei umas idéias, e vim com umas idéias de armário, sabe. Eu fiz na loja os armários, e com a mostra na frente dos armários, na porta dos armários era aquele eucatex furado, eu colocava as mercadorias, as ferramentas, todas assim pra pessoa identificar, o funcionário ver onde estava. Então eu me lembro que implantei isso aí uma época, acho que foi, casei em 69, foi mais ou menos na época, na década de 60, logo que eu entrei na loja, sabe, que passou para o meu nome mesmo, mudou a razão social, então eu fiz essa mudança. Me lembro que foi uma das mudanças que eu fiz ali.
P/1 – Quando você assumiu a loja você era bem novo, então?
A – Eu tinha 21 anos.
P/1 – E o que aconteceu, assim, pra você assumir a loja?
A – Meu pai estava já cansado um pouco, sabe, ele... Eu estava meio assim, sabe, a gente estava meio brigado, então ele estava querendo vender a loja. Eu estava fazendo, eu tive uma idéia também de entrar num ramo desse de confecção, sabe, então eu comecei, tinha uma costureira em Santana, eu comecei a fazer camisa, sabe, porque não é, como é eu falei pra você, não tinha nada pronto. Então era uma coisa, que se encontrava alguma coisa pronta, assim, em São Paulo, no Rio você encontrava lojas. Então em São Paulo, você ia, tinha camiseiros lá que faziam e vendiam aquela camisa, os números, né? Então eu comecei nesse ramo, sabe, tinha uns 18, 19 anos, eu comecei a fazer roupa.
P/1 – Você já não estudava?
A – Não, estudava, mas eu com um amigo, tal, nós resolvemos. Porque eu tinha essa costureira em Santana, ela costurava muito bem, então eu via que as pessoas falavam assim: “Pô, onde é que você arrumou essa camisa?”, e a gente não falava onde era, dizia: “Ah...”. Brincava, né, a gente falava: “Não, eu fui lá no Rio e comprei”. Então, os garotos ficavam tudo assim curioso, sabe, e a gente que comprava o pano aqui mesmo e mandava fazer nessa costureira. E ela costurava muito bem, ela tinha umas idéias, tal, e ela até era de origem japonesa. E a gente começou com aquilo, e via que os próprios amigos começaram a se interessar, os próprios conhecidos, eu com esse amigo começamos a fazer camisa. Então a gente ia na costureira, por exemplo, o cara se interessava, começou assim, ele se interessava, a gente – eu sabia mais ou menos o tamanho dele –, e a gente arrumou um molde na época com a costureira, e fazia pra ele; “Você quer? Que cor você quer?”, assim, assim, assado, “tá, eu vou comprar”, a gente falava que ia comprar pra ele dar mais valor.
P/1 – E era baratinho, caro?
A – Era barato, ele ia, como a gente mandava fazer, a costureira ela era baratíssima, então a gente comprava o pano, fazia, e dava pra ele, depois trazia pra pessoa. E a pessoa ficava satisfeitíssima, então nós começamos, “poxa vida, por que é que a gente não monta um negócio assim, né?”. E nós estávamos pra montar esse negócio, então abrimos...
P/2 – Como se chama esse amigo?
A – (Fazolo?), a gente chama ele de (Fazolo?), (Fazolinha?), mas o nome dele é José Carlos Fazolo.
P/2 – Daí vocês iam abrir então?
A – É, nós íamos abrir uma confecção. Como eu disse pra você, só tinha uma, ou duas confecções na época que faziam roupa pronta. Então a gente pegava, fazia, e dizia pra eles que – pra essa turminha aí – vinha do Rio; porque se falasse: “Eu mandei fazer”, não tinha tanto valor.
P/1 – Mas aí é que está, qual que era diferença então, da camisa, pra essa que vem do Rio, ou pra essa imaginária que vem do Rio? Qual que era a diferença, como é que era uma e como é que era a outra?
A – Não, é que, sabe o que acontece, é que a gente ficava... Por isso mesmo, quando começou isso, o que é que acontece? Você começa a pensar na coisa, né, então nós começamos a bolar o tipo, como é que ia ser, botava um botãozinho aqui, outro botãozinho ali...
P/1 – Mas o botãozinho comprava lá no centro de São José?
A – Tinha na loja, na Casa Confiança, a gente comprava o tecido lá. Por exemplo, o cara falava: “Olha, eu quero mais ou menos essa como está com você, listradinha”, tal, então a gente pegava, e nós estávamos começando isso. Então, daí falamos: “Não, esse negócio do Rio, vamos montar mesmo um negócio mais certo, porque até nas lojas nós vamos vender daí, vamos partir para um negócio maior, não vamos vender no particular”.
P/1 – Dizer que era do Rio era melhor do que dizer que era de São Paulo, era mais...?
A – É, no Rio era mais, o Rio era, vamos dizer, era mais vanguarda de moda. No Rio tinha mais lançamento das coisas, no Rio.
P/1 – Mas você ia para o Rio, ou não? Ou nunca foi para o Rio?
A – Não, eu fui assim uma vez só. Mas eu ia mais pra São Paulo, mas em São Paulo também tinha muita coisa. Então você via, você ficava olhando vitrine, tal, você via assim uma coisa, e você modificava outras, tal. Até podia ter dado certo, não sei.
P/2 – Porque aí vocês resolveram não montar a confecção?
A – Não montar, mas daí falamos com essa costureira que nós íamos arrumar mais gente, tal, daí eu já até pensava num salão, já tinha arrumado, nós tínhamos arrumado tudo já pra montar isso daí. Mas, aí, meu pai falou com esse meu amigo: “Olha, fala para o Tonio vir aqui” – ele me chamava de Tonio, né -, que a gente precisava conversar. Daí, ele conversou, e falou: “Olha, eu estou pra vender a loja, você tem que decidir, ou você...”.
P/1 – Por que é que ele ______________?
A – Porque ele estava já cansado e, assim, já estava há muito tempo no comércio, estava com 65 anos, ele trabalhou desde os 13 anos, porque o meu pai trabalhou na lavoura, trabalhou na enxada, certo, então a vida dele foi dura, difícil. Então ele queria desfazer, né, não queria mais ficar na loja, ele já tinha uns imóveis que dava pra ele viver de aluguel, então ele me chamou, daí eu falei: “Bom, é melhor eu pegar uma coisa mais certa”, daí eu me decidi a ficar realmente. Daí, eu tinha, vamos dizer, 18, 19 anos, e ele falou: “Você fica aí um tempo, depois eu passo pra, depois eu faço um acordo com você”. E eu fiquei com a loja, fiquei pagando por mês pra ele.
P/2 – Você não tinha irmãos?
A – Tinha, eram quatro irmãs, tenho, quero dizer, uma já faleceu também.
P/2 – Então, mas nessa época, assim, irmãos que pudessem assumir...
A – Era o único que podia assumir, era eu, que era o homem, porque minhas irmãs eram casadas, tal.
P/1 – Elas estavam casadas, não se cogitava...
A – Estavam casadas, não se cogitava, né, na época. Tinha meus cunhados, tal, mas eles também tinham atividades deles, eram comerciantes também, então não tinha nada assim, tinha...
P/2 – Tinha que ser com você?
A – É, ou comigo, ou vendia. Estava nesse pé. Então eu, realmente, eu achei melhor pegar porque eu não tinha outra opção; já tinha parado de estudar, estava assim meio indefinida a minha vida, então eu dei continuidade, e estou lá há mais de 40 anos...
P/2 – E como é, vamos falar um pouco assim da – misturando um pouco a sua fase com a fase do seu pai -, vendia fiado na época do seu pai?
A – Vendia.
P/2 – Você vendia também?
A – Vendia também, sempre vendemos fiado.
P/2 – Como é que era esse sistema, _________?
A – Bom, eu não peguei muito esse sistema de caderneta – porque tinha esses negócios -, na época meu pai já vendia, tal, tinha as notas fiscais, a pessoa assinava, tinha uma... É, mas tinha muita gente que às vezes era conhecida, existia muito isso no comércio, a gente acabava cedendo, vendendo assim sem nenhum documento, mas a maior parte era toda documentada.
P/2 – Você não pegou?
A – O que?
P/2 – Essa parte.
A – De caderneta, esses negócios, acho que eu não peguei. De marcar, de mandar marcar, essas coisas eu não peguei tanto não.
P/2 – Mas você vendia a prazo?
A – Vendia a prazo.
P/2 – E aí, como é que era?
A – Era...
P/2 – Carnêzinho?
A – Não, não existia carnê, né? Não existia carnês, carnês veio depois. Era assim uma nota fiscal que a pessoa assinava e, depois, você entregava a primeira via, a segunda via você ia pra receber com a segunda via.
P/2 – Nota promissória, uma espécie de nota promissória, ou não, só a nota fiscal?
A – Não, só a nota fiscal. Sabe que no começo nem nota promissória existia, depois é que veio a nota promissória, que nós implantamos lá, mas no começo não, era só a nota assim e a pessoa pagava depois.
P/2 – E que prazo, por exemplo, 30 dias, 60 dias?
A – É, 30 dias. Não tinha esse negócio muito, de prestação, não existia também a prestação – no começo, quando eu comecei a trabalhar, não existia a prestação -, assim, comprar à prestação não tinha quase no meu ramo, era mais assim 30 dias, no máximo.
P/2 – E a clientela não mudou, quem comprava com seu pai continuava comprando com você?
A – Não, mudou muito, né, mudou muito, São José mudou muito. Porque tinha aquele pessoal que veio de fora, tal, continuou, comprava no centro. Depois, com os shopping centers mudou muito o perfil dos fregueses. Têm pessoas ainda, até hoje, que vão, mas são raríssimas, mas têm fregueses desde a época do meu pai que vêm, lembram do meu pai, falam, têm umas pessoas que sempre chegam na loja ali, às vezes comentam que lembram da época do meu pai, disso, daquilo, então tem muito isso. Mas depois que entrou shopping em São José mudou o perfil dos fregueses, mudou muito.
P/2 – Como assim, como mudou? Ficou exigente?
A – Mudou porque o centro, não sei, ficou – o público do centro, né -, tem o pessoal que compra no centro, que gosta de ir para o centro ainda, às vezes vai no shopping mais pra passear, mas compra no centro. Então tem esse público.
P/2 – Por que aqui você vende, ou não vende no shopping, nunca vi uma loja _________?
A – Não, tem, tem lojas de... Hoje, o material de construção ele vende de tudo, vende de tudo, é a mesma coisa o supermercado, quer dizer, acabou aqueles magazines de eletrodomésticos, você vê que hoje o supermercado vende de tudo também. Até no supermercado tem o meu ramo lá, dentro do supermercado você encontra, às vezes alguma coisa que a pessoa não acha, então vai lá. Então acontece muito isso, a pessoa às vezes vai, num tipo de coisa que a pessoa às vezes não acha nesses lugares, em shopping, tal, então vão lá. Não acham em supermercado, então vai na loja pra procurar. Mas tem o público do centro, que vai para o centro, comprar no centro, e têm muitos fregueses também daquela época, mas são mais raríssimos, são mais...
P/1 – Mas você sempre ficou com uma loja só?
A – Eu tive loja no shopping também, eu tive uma experiência no shopping de dez anos. Eu fiz uma loja que minha filha - ela estava fazendo administração, a mais velha –, então até pensando nela, e ela que até bolou o nome da loja, sabe, chamava-se (Plug?). Logo no começo do Center Vale, nós montamos a loja. Eu sei que, quando ela se formou, eu cheguei pra ela e falei: “E aí, filha, você quer pegar a loja pra você”, tal, ela falou: “Não, pai, não é isso que eu quero”. Então, mas ela não ficou, e eu via que o shopping também era um pouco difícil.
P/2 – E a (Plug?) vendia o que no shopping?
A – Vendia o que eu vendia no centro, só que em menor quantidade, menor quantidade, e algumas coisas que eu vendia no centro eu não vendia lá, coisas maiores, que era uma loja pequena ali no Center Vale, loja de shopping pequena. Então não era quase, mas era o mesmo ramo.
P/2 – Você foi pra lá logo no começo do Center Vale?
A – Logo no começo.
P/2 – Em que ano foi isso?
A – Ah...
P/2 – 70 e alguma coisa...?
A – Foi quando iniciou o shopping, acho que, o shopping tem quantos anos? Acho que uns 15, 16 anos. Então há 16 anos atrás.
P/2 – E, mesmo assim, você ficou 10 anos, né?
A – Fiquei 10 anos, mas daí eu resolvi sair porque justamente essa minha filha não quis também, e estava muito trabalhoso, eu tinha que levar a toda hora mercadoria pra lá. Porque era, o espaço era pequeno, dava muito trabalho e não estava compensando o retorno, porque os encargos eram muito caros.
P/1 – Mas, então, tinha quando o shopping, quando chega o shopping tem uma expectativa, né?
A – É, engraçado. Olha, sinceramente foi, acho que, dentro desse ramo, não existia em shopping o meu ramo de negócio, certo. Foi uma novidade, sabe, pra shopping na época. Tanto que as pessoas elogiavam muito, gostavam do tipo da loja lá. Daí que começou a entrar essas grandes de material de construção dentro de shopping, mas foi muito depois, porque não existia na época, então foi uma coisa inédit em shopping, o meu ramo.
P/2 – E era diferente a decoração do shopping, da (Plug?)?
A – Era completamente diferente, era outro nome até, não era Casa São José.
P/2 – Não, mas por ser em shopping ela era mais...
A – É, mais moderninha, né? Era mais moderninha por causa de ser em shopping.
P/2 – Era mais iluminada?
A – É. E essa minha filha, daí falou: “Não, pai, eu quero estudar”, e tal, foi estudar fora. Até hoje ela mora do país, mora na Inglaterra, e está muito bem, graças a deus, eu acho que foi até uma boa opção dela.
P/2 – Você fazia promoção, Peneluppi, pra vender alguma coisa na loja?
A – Olha, mais no shopping, a gente entrava nessas promoções. No centro, ali, até que não, algumas vezes assim de certas épocas do ano que exigia, a gente fazia alguma coisa, mas não era tanto.
P/2 – E eu ia te perguntar, quando você estava falando dos vendedores da época do seu pai, eles eram vendedores contratados, da população, eles tinha treinamento? Eu queria que você falasse da época do seu pai e, depois, da sua época.
A – Não, treinamento não tinha, a gente... Existia muita gente da família trabalhando, eu tive tios que trabalharam com meu pai, primos, sabe, era muito assim ligado com a família, que vinha, você dava emprego para os familiares. E os funcionários também duravam muito tempo, eu me lembro que quando eu comecei na loja, que foi passar para o meu nome, eu tive que dispensar toda aquela turma antiga porque eram pessoas de 18, 20 anos, 15 anos, então eu não queria começar com certos encargos altos. Porque não existia fundo de garantia naquela época, não tinha fundo de garantia, então você tinha que indenizar as pessoas, os funcionários, você tinha uma indenização. Então, pelo tempo de loja que eles tinham, eles tinham direitos adquiridos de indenização. Então o que acontecia? Meu pai não era assim de mandar as pessoas embora, eu não me lembro de ele mandar as pessoas embora, é interessante, as pessoas ficavam mesmo durante muito tempo; então tinha um amigo dele que trabalhava com ele há muito tempo. E a gente quando entra quer ver sangue novo, você imagina eu com 21 anos trabalhando com pessoas de 50, 60 anos, então a idade dos balconistas era essa, acima de 50. Eu falei: “Poxa vida, como é que um cara de 21 anos vai comandar esse pessoal que já vem com...”, eles são, eram pessoas boas, mas tinham os vícios de funcionários antigos, tinham horários deles que eles faziam, e certas coisas. Então eu tive que falar para o meu pai: “Olha, nós temos que acertar com o pessoal, e nós vamos ter que ir pagando eles aos poucos”, pagando, fazendo um de cada vez, um acerto de cada vez. Então você tinha que indenizá-los, como eles não tinham, hoje existe o fundo de garantia, que o funcionário sai e tem aquele dinheiro reservado, naquela época não, você tinha que fazer indenização, então você fazia um acordo com a pessoa. Você fazia os acordos, e eu fui fazendo acordo com esse pessoal mais antigo, depois que eu fiz um por um - isso demorou três anos, depois -, quando eu entrei tinha 18, com 21 anos que eu terminei o acordo com esse pessoal que trabalhava há muito tempo com meu pai. Ficou alguns funcionários mais novos, de cinco, seis anos, mas...
(INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO)
P/2 – Então, aí você falou, quando acabou esse acordo com...
A – Aí eu fiz esse acordo com todos eles, e foi um acordo bom para os dois lados. Eu fiz mais porque eu ia pegar, a loja ia passar para o meu nome, eu queria fazer as transformações que eu gostaria de ter, tinha que trabalhar com pessoas, funcionários mais novos, assim, mais ou menos da minha idade. Pra não ter essa diferença muito grande de idade. Então eu fiz essa mudança.
P/2 – Aí você, então, contratou novas pessoas?
A – Contratei, contratei um gerente – meu pai não tinha gerente -, na época eu contratei um rapaz, e foi indo. Não, ele já estava trabalhando já ali, mas como ele era mais ou menos assim da minha idade, tinha pouco tempo de firma, dei oportunidade pra ele ser gerente. E foi indo assim.
P/2 – E que critérios você usou pra contratar esses novos vendedores?
A – Bom, a gente, os que eu contratei eu conhecia já de outros lugares, trabalhando em outros lugares. Às vezes trabalhando num bar, também não tinha tanto, lanchonete não existia quase, era bar, que a gente chama. Então tinha o bar dali da frente, que eu conhecia um rapaz que trabalhou, outro indicação, essas coisas assim, né.
P/2 – Quantos vendedores você tinha nessa época, você lembra?
A – Tinha a caixa, uma caixa, a minha irmã trabalhava comigo no escritório, no começo, essa irmã mais nova.
P/2 – Aí tinha o gerente...
A – Tinha o gerente, tinha mais uns três assim, eram uns sete, seis. Depois eu cheguei a ter 18 trabalhando comigo.
P/2 – Quantos você tem hoje?
A – Hoje nós temos 12 funcionários.
P/1 – E essas modificações que você fez, como é que foi a reação do teu pai?
A – Olha, eu tive uma época - logo no começo que a loja passou para o meu nome, e assim mesmo que daí ele saiu, se distanciou-, eu dei uma bambeada, sabe, eu fiquei meio assim inseguro, no começo. Porque eu queria, como ele estava, a loja estava meio com pouco estoque, eu precisei fazer uns empréstimos, sabe, em banco, pra crescer, pra comprar mais mercadoria, tal. E fiquei um pouco meio assim, inseguro quanto a pagamento, esses negócios todos, foi uma fase meio assim, de insegurança, logo no começo. Daí eu falei para o meu pai, cheguei nele e falei: “Olha, pai, estou assim nessa situação, estou achando que não vai dar”, fiquei meio, né. Mas ele me deu a maior força, sabe, eu até nem esperava que ele fosse dar essa força pra mim. Mas foi uma coisa que eu achei muito bacana da parte dele, porque ele me deu a maior força, falou: “Não, o começo é assim mesmo, você está assim, tal, vai em frente”. Então ele me deu força nessa época. Foi daí que eu pegava esses empréstimos, e ia pagando, às vezes ia renovando os empréstimos, os juros também, na época, não eram como eram hoje, eram bem mais baixos, né. Então fui me afirmando aos poucos, mas eu tive que, no começo foi assim.
P/2 – Peneluppi, você, continua nesse pensamento do transporte de mercadoria pra sua loja. Então a mercadoria continuou vindo de São Paulo, você continuou comprando em São Paulo?
A – Hoje já não é só de São Paulo.
P/2 – Então, mas na época que você, década de 60...
A – Vinha de São Paulo, a maioria vinha de São Paulo.
P/2 – Você lembra do frete?
A – Do Rio também.
P/2 – Do Rio também. Você lembra do frete, se ele caro, se ele era barato? Porque você pagava o frete, não é isso?
A – É.
P/2 – Você lembra?
A – Não, o frete sempre foi, nunca foi barato porque tem a despesa da transportadora de trazer, sempre foi, nunca foi barato. Sempre foi em torno de 2, 3% do valor.
P/2 – É a mesma relação hoje?
A – É a mesma relação hoje, é uma coisa que não modificou, porque os encargos hoje modificaram muito, hoje tem muito encargo. Na minha época, quando eu comecei, de uns 10 anos, 15 anos pra cá que os encargos aumentaram muito, os impostos, né. Então a carga tributária hoje é muito grande para o comércio, e naquela época você conseguia melhores resultados porque o encargo era bem menor.
P/2 – E você trabalha com cheque também, com cartão...?
A – Cheque, cartão.
P/2 – Com cartão. Mas a sua...
A – Com carnês.
P/2 – Carnês?
A – Carnês também.
P/2 – Quando é que entrou o carnê? Você estava falando que primeiro...
A – Olha, o carnê começou mais nessas lojas de eletrodoméstico, né? Começou muito nessas lojas, a pessoa comprava eletrodoméstico e pagava com carnêzinho, começou muito nesse ramo. No meu ramo mesmo não existia tanto, era mais essa venda com duplicata, como você falou. Eu, de um tempo pra cá que eu entrei...
P/2 – Você entrou com carnê.
A – É, de uns 10 anos pra cá que eu entrei no carnê, porque existia muito assim, presentes, loja de presentes, lojas de jóias que tinha muito esse negócio de carnê, e ótica, mas eu entrei há pouco tempo, não faz muito tempo não.
P/2 – O menor produto da tua loja o que é? Um preguinho?
A – (indagação)
P/2 – O menor produto da tua loja o que é, um preguinho?
A – O menor em tamanho?
P/2 – É, de tamanho.
A – Tamanho, é, pode ser um preguinho, um parafusinho... (riso)
P/2 – Um parafusinho. E o maior, o que é que você vende que é maior de tamanho e de caro, vamos dizer assim?
A – Eu vendo esses, eu vendo até hoje esses fogões à carvão, né.
P/2 – Você vende isso?
A – Vendo até hoje, esses fogões à carvão, de lenha. Até hoje eu vendo.
P/2 – Quanto custa um fogão?
A – Fica em torno de... Tem assim vários preços, né, mas o mais barato é 260, por aí.
P/2 – Esse compra com carnê, então?
A – É, com carnê, ou com cheque, com... È, com cheque, ou carnê, mais ou menos assim.
P/1 – E quem que compra esse tipo de fogão, que tipo de pessoa?
A – Sitiantes, pessoas que têm...
(FIM DO CD 01 – INÍCIO DO CD 02/02)
A – As pessoas dizem que a comida ali tem... Vendo muitas chapas também, de fogão, chapas de ferro que eles montam, esses fogões à lenha.
P/1 – Você vende muito produto ainda pra pessoas que...
A – Que não usam...
P/1 – Gás.
A – Isso. Ruralistas, pessoas de sítio, gostam de ter isso em casa, porque diz que a comida é diferente, então eles... Vendo panelas de ferro também, ainda tem alguma coisa de resquício daquela época.
P/2 – Você começou a trabalhar com carnê há dez anos, não é?
A – Dez, 15 anos.
P/2 – Dez, 15 anos, que critério você usava para provar o crédito de uma pessoa?
A – Eu usava esse critério normal que o comércio usa, né, SPC.
P/2 – Já tinha SPC quando você começou a usar?
A – Já. Bom, já tinha também não tão no começo, o SPC não é tão, deve ter o que, acho que uns 25 anos, talvez. Mas agora a gente faz esse tipo de consulta.
P/2 – Você modernizou, passou tudo pra computadores?
A – Tá, tá tudo em computador, mudei tudo está fazendo acho que uns 10 anos, oito anos, por aí.
P/2 – Você começou a passar tudo pra...
A – É.
P/2 – Pra informatizar.
A – Isso.
P/2 – Estoque inclusive?
A – Estoque.
P/2 – Seu estoque é informatizado?
A – É informatizado hoje.
P/2 – Se tivesse que pegar uma coisa, assim, pra você definir pra gente o que mais mudou – de quando você começou pra hoje -, o que é que você diria que mais mudou?
A – Que mais mudou?
P/2 – Que mais mudou.
A – Bom...
P/2 – Sistema de venda, sistema de compra...
A – Eu acho que as coisas que eu faço de compras, e assim, é a mesma. Apesar que naquela época tinha muita visita de viajante, hoje já não tem tanto isso. Eu compro muito por telefone, por catálogos, naquela época ninguém mandava catálogos pra você, quando eu comecei, hoje têm muitos catálogos, é tudo mais...
P/2 – Pela internet você recebe?
A – Pela internet a gente recebe lista de preços, é mais assim. Antes, passava o vendedor, daí que você falava que aquele produto ia aumentar.
P/1 – E era oral, quer dizer, não tinha foto pra mostrar, não tinha catálogo.
A – Não, não tinha quase ilustrações como tem hoje, hoje existe mais informação do produto do que antes.
P/2 – Então ele chegava pra você, e falava assim: “Peneluppi, olha, tem um novo alicate”.
A – É, e daí mostrava ali, mas tinha na pasta dele, não tinha pra te dar catálogos, sabe, não tinha essa...
P/2 – Aí você comprava no escuro, algumas coisas, ou não?
A – É, muitos eu comprava.
P/2 – Podia devolver, se você não gostasse de uma mercadoria, naquela época tinha isso?
A – Olha, não tinha muito esse negócio de devolução, não. Hoje existe uma proteção maior, até para o consumidor, o consumidor tem uma proteção muito grande hoje, de devolução, tal, naquela época não existia isso, né. Então, o cara comprava e não podia devolver, e hoje já tem uma proteção maior.
P/2 – Então você acha que o que mais mudou foi o sistema de compra, ou não?
A – Não, eu acho que o sistema de compra mudou também, acho que tudo mudou um pouco, o perfil do consumidor também mudou, mudou tudo. Acho que um pouco teve essas mudanças, né.
P/2 – Como mudou o perfil do consumidor, ele é mais exigente hoje, ou não?
A – Ele é mais exigente, ele conhece, é, ele é mais exigente do que antigamente. Hoje ele exige mais, acho que procura mais também, e tem mais informação. Hoje a pessoa faz muita coisa em casa, ele está fazendo muita coisa, ele compra o produto e ele mesmo vai, e faz, e coloca, instala. Antes a pessoa mandava fazer, tinha muito isso, hoje o cara já está fazendo um pouco disso, de elétrica, de encanador, tal, então tem muito isso.
P/2 – A Casa São José fazia anúncio nos jornais daqui da região?
A – Fazia sim, um pouco.
P/2 – Quem pensava no anúncio?
A – Era tudo eu mesmo que pensei, eu nunca fiz anúncio maior, em televisão, nunca acreditei muito. Sabe, no meu ramo assim.
P/2 – Você fazia aonde?
A – Eu fazia mais em jornal, assim.
P/2 – Que jornal você fazia?
A – Era o Vale Paraibano, tinha o Jornal Agora também, que é daqui, na época. Fazia essas revistas de clube também, tinha essas revistas de clube assim, a gente fazia. E aniversários da cidade, sempre a gente fazia alguma coisa. Mas eu nunca fui muito de fazer publicidade em rádio, desses negócios não.
P/2 – Sua loja hoje ela funciona como, de que horas a que horas, de quando a quando?
A – Abre às 8:00 horas, e vai até às seis e meia.
P/2 – De segunda...
A – De segunda à sexta, sábado até a uma e meia.
P/2 – Aí abre às 8:00 também?
A – 8:00 horas.
P/2 – E fecha?
A – Abre às 8 e pouco, realmente abre às oito e meia. É que tem um pessoal que chega um pouquinho mais cedo, mas abre mesmo 8 e meia.
P/2 – Seus vendedores, hoje, eles recebem algum tipo de treinamento?
A – Olha, é o treinamento ali mesmo que a gente dá assim, de produto, tal, e sempre eu gosto de ensinar a pessoa, e vou dando chance pra eles.
P/2 – Você mesmo ensina?
A – É, não, sempre tem os mais experientes, um gerente, um subgerente que ensina, vai ensinando dentro de como você gosta de trabalhar. Porque cada um tem um modo de agir, então a gente...
P/2 – E você disse que dá oportunidade...
A – Eu vou dando oportunidade assim, a pessoa entra, um garoto, eu gosto de pegar garoto novo que nunca trabalhou noutro lugar do mesmo ramo, eu não gosto já de pegar uma pessoa experiente que já veio. Por exemplo, uma caixa de supermercado, eu não gosto, eu prefiro ensiná-las do meu modo de trabalhar, e mesma coisa com funcionário também, gosto de pegar pessoas mais novas assim, que querem trabalhar, e ensinar dentro do que eu acho certo. Não sei, sempre foi assim comigo.
P/2 – Eu queria voltar numa outra coisinha, daqui a pouco a gente acaba, queria voltar numa outra coisinha; como é que você conheceu a sua esposa? Voltar para a sua vida agora...
A – É aquele negócio de vir garoto de fora. Ela veio de fora, ela veio de Jundiaí, o pai dela trabalhava no Banespa, Banco do Estado, então ela veio para morar pra cá. E a gente, como eu disse pra você, as pessoas de fora a gente sempre ficava de olho. Então chegou uma garota de fora, todo mundo ficava de olho. (riso) Então foi o caso dela, daí nós fomos apresentados, tal, a gente...
P/2 – Aonde vocês foram apresentados?
A – Nós nos reunimos muito ali no jardim.
P/2 – Da praça?
A – É, na praça. Então ficava aquela turminha, e sempre, foi ali que uma outra garota me apresentou. E ela trabalhava ali no Banco Comercial, começou a trabalhar ali no Banco Comercial, onde é hoje o Itaú, na esquina ali. E foi assim.
P/2 – Daí você ia ao banco?
A – Não, ao banco eu não ia, eu não tinha conta no banco.
P/2 – De repente...
A – É, mas eu fiquei conhecendo ela assim, daí nós começamos a namorar. Ela estava estudando, não, eu estudava em outra escola. Ficamos conhecendo assim, fomos conhecendo um dia à noite que fomos apresentados, e começamos a sair, e tal, e a namorar.
P/2 – Quanto tempo vocês namoraram antes de casar?
A – Olha, nós namoramos um tempinho, ficamos longe três anos. É, terminamos o namoro, ficamos três anos, ela teve outros namorados, eu também, e daí voltamos e casamos. Daí foi mais rápido, durante um ano nós ficamos noivos e casamos.
P/2 – Em que ano você casou?
A – Foi em 69.
P/2 – Você casou aqui mesmo, em São José?
A – Aqui mesmo.
P/2 – Teve festa?
A – Teve, teve festa no Tênis Clube.
P/2 – Foi bonita a festa?
A – Foi, foi muito bonita. (riso)
P/2 – Teve baile, como é que foi, conta pra gente...
A – Não, baile não teve. As festas também, foi bonita sim porque era o casamento da gente, é sempre bonito. Foi um casamento, na igreja foi muito bonito, na época estava esse – não sei se você já ouviu falar de _________, um movimento cristão, então eu tinha feito (cursinho?), ela também, então foi um movimento assim muito quente da religião na época. Então nosso casamento, nesse ponto foi muito bonito, na igreja. Depois teve a festa ali no Tênis Clube, foi ali, o casamento foi na igreja Nossa Senhora de Fátima.
P/2 – Você tem filhos?
A – Tenho três filhos, duas meninas e o garoto. A mais velha tem 33 anos, essa que mora na, ela fez (NBA?) na Inglaterra, mora lá até hoje. A primeira se formou em administração na GV, e a segunda se formou na São Francisco, Direito, trabalhou na Embraer, agora está no HSBC, em São Paulo, na parte jurídica. E tem meu filho, que tem 26 anos, Daniel, é Daniel, Giovana e Cristiana. O Daniel ele se formou também na GV, Administração, ele faz auditoria, trabalha na Century, está trabalhando em São Paulo no ramo de varejo, prestando serviço para o varejo. E se ele quiser, um dia, dar continuidade na loja, eu já falei pra ele...
P/2 – Você acha que o Daniel que é o mais, teria uma tendência maior a seguir no comércio?
A – É, porque a minha filha ela já tem a vida dela lá em Londres, a Giovana também, ela é advogada, ela tem um perfil de advogada, então não tem nada a ver com o comércio. E o Daniel, eu acho legal isso que ele faz, sabe, porque cada hora ele está num lugar, está numa firma – auditoria, é auditor -, ele vai, por exemplo, ele ficou quase dois anos morando no Rio, porque ele estava trabalhando lá pela Century, em vários supermercados lá ele esteve. Agora ele voltou pra São Paulo, está no Carrefour, trabalhando, prestando serviço para o Carrefour. Eu acho muito bom o que ele faz, né.
P/2 – Ele dá dicas pra você, assim, de alguma coisa que ele viu: “Pai, vi tal coisa...”?
A – Ele é meio fechadão, sabe, de vez em quando eu tiro alguma coisa dele sim.
P/2 – Ah, tá.
A – Ele vê muito essa parte de segurança, está nessa, implantando essa parte de segurança nesses supermercados, então alguma coisa a gente conversa. Eu troco idéias com ele sobre isso, mas eu acho bom o que ele faz, não sei se ele vai querer dar continuidade, como foi o meu caso. Porque eu não tive opção, ou eu pego ou eu caio. Ele não, ele já teve essa opção de se formar, graças a deus, e tem essa opção de escolha, né?
P/2 – Você tem netos, Peneluppi?
A – Não, não tenho, infelizmente não tenho, ainda não.
P/2 – E eles vêm sempre pra cá, os seus filhos?
A – Vêm, vêm sempre pra cá. Principalmente o Daniel, que namora aqui, tem a namoradinha dele aqui, então ele está sempre aqui.
P/2 – Você faz compras?
A – Eu faço as compras.
P/2 – Não, pra você, pessoais agora. Hoje você compra uma camisa? Porque a costureira não tem mais, né?
A – Não, não tem. Eu sempre, eu mesmo, fiz compras.
P/2 – Você sempre fez as compras pra você?
A – Eu fiz. Engraçado isso, interessante, porque eu me lembro que eu era pequeno mesmo, e minha mãe falava: “Não, vai lá você mesmo, e você escolhe, você compra”. Sabe, então eu moro como eu morava ali no centro, era fácil. Então eu tenho isso, minha mulher nem gosta de comprar as coisas pra mim, ela nem não gosta.
P/2 – Você que compra tudo, suas camisas?
A – Sempre foi assim. Tudo, eu não compro, ninguém...
P/2 – Você gosta de fazer compras, então?
A – Eu gosto, eu gosto, eu tenho uma... Eu gosto porque, como eu falei pra você, eu trabalhei com isso, eu ficava vendo essas coisas, eu ficava vendo moda, eu ficava vendo essas coisas, então eu gosto. Eu sou um desses caras, é difícil, né, homem gostar disso? Porque eu tenho até paciência de ficar vendo vitrine, tal, eu vejo com a minha mulher, vamos muito em shopping, fico vendo vitrine. (riso)
P/2 – Onde você compra hoje, por exemplo, uma camisa você compra no shopping ou você compra no centro, aqui em São José?
A – Bom, hoje em dia eu não sou muito de fazer compra, isso eu estou falando mais na juventude, né, mas hoje eu ganho muito, minhas filhas vivem me dando presente, então às vezes compro alguma coisa assim, sempre eu compro, mas a maioria eu compro. Lógico que hoje a gente precisa menos de roupa do que quando era mais jovem, o jovem já...
P/2 – Mas aí você vai aonde, você vai nos dois lugares, no centro e no shopping?
A – Eu vou no centro, vejo no centro, vejo no shopping se tem alguma coisa que me agrada, pode ser no centro, pode ser no shopping, em qualquer lugar.
P/2 – Mudou muito o comércio do centro com os shoppings?
A – Muito.
P/2 – Piorou?
A – Mudou bastante.
P/2 – Caiu?
A – Olha, para a gente caiu, viu. Porque nós tínhamos bem mais movimento, tinha mais movimento, principalmente no sábado, sábado era um movimento terrível no centro. Então, com esse negócio do shopping, o que é que aconteceu? O pessoal já não levanta cedo pra fazer compra, já levanta mais tarde, então o comércio no centro ficou muito reduzido o horário. Mas, de um modo geral, eu acho que piorou, o centro, acho que... Não sei, São José é diferente hoje.
P/2 – O quê que difere?
A – É diferente, é bem diferente, a gente não sabe mais aonde, você vê, os bairros aí estão todos crescendo, você vê o satélite, hoje é uma cidade. Então tem aquele ali que mora naquele lugar, ele não vai mais para o centro, tem tudo ali pra ele.
P/2 – O comércio nos bairros ele acaba também _________?
A – É, também ficou muito bom o comércio nos bairros. Porque antes era só o centro mesmo, o comércio era no centro, o cinema era no centro, o clube era no centro, tudo era no centro. Agora, hoje, não. Eles, aqui em São José dos Campos principalmente, eu acho que esse prefeito ele está dando uma atenção muito grande para o centro, ele fez várias melhorias nos prédios, tal, ele recuperou muita coisa, embelezou bem a cidade.
P/2 – E isso ajuda a comércio?
A – Isso ajudou bastante de um tempo pra cá, mas o centro ficou muito abandonado. Uma que foi proibido construir no centro, então o que aconteceu? Os moradores... Proibido construir prédio, teve uma época que construíram alguns prédios no centro, de moradias, mas depois foi proibido. Então o que aconteceu? As pessoas foram morar nos bairros, foi todo mundo mudando, foram pra outros bairros, morando longe do centro. E, com isso, esvaziou um pouco o centro. Então, você vê, no centro não tem um supermercado, não tem, não é verdade? Tem certos ramos que não têm no centro.
P/2 – Quer dizer que o segredo é você ter moradia no centro para o comércio...?
A – Eu acho que sim, pra não morrer o centro totalmente. O certo era ter dado continuidade, porque os edifícios que fizeram naquela época foram, não foram bem pensados, vamos dizer, no problema de estacionamento. Então tinham que fazer aqueles edifícios sem o estacionamento, então o que acontece? Pararam, mas se tivesse continuado, com estacionamento, a fazer edifícios ali no centro, você vê, nós temos essa orla do banhado, ela é linda, pô!
P/2 – É mesmo.
A – Então foram construídos alguns prédios ali, mas se você enche de prédios ali você tem aquela vista para o banhado, é outro papo, não é como você estar vendo outra construção, um outro prédio do teu lado, então você tem essa vista toda do banhado que não tem construção nenhuma, né. E parou.
P/1 – E por quê? Porque não pode construir prédio?
A – Não, hoje pode. Mudou a lei de zoneamento, agora pode, mas ficou muito tempo assim, ficou 20 anos sem poder. Então nesses 20 anos o que aconteceu? A cidade espalhou bastante. Também foi bom isso, em certo aspecto, mas o centro ficou abandonado. Se não têm moradias, as pessoas não saem quase ali, não tem, virou tudo comércio. Eu me lembro ali, a Rua 7 virou calçadão, a Rua Vilaça tinha moradias, todas aquelas ruas transversais eram moradias. O que aconteceu? Virou ponto comercial, mas fechou o comércio acaba. Então o centro fica vazio, então como não é... Agora, têm certas cidades do interior que você vai visitar, ainda existe isso no centro, aquele...
P/2 – Aquela coisa meio...
A – Borbulho no centro ali, que não tem em São José. Aqui ficou muito assim, né.
P/2 – Bom, Peneluppi, que lições você tirou do comércio?
A – Olha, o comércio te dá muita experiência de vida, né? Assim, uma, a principal que eu acho é a humildade, que a pessoa tem que ter, dá muita humildade. De você estar ali servindo, sabendo que você e, com o tempo, você, mais tarde, mais velho como eu estou no comércio, você sente uma certa satisfação não de lucro, sabe, de você ter reconhecimento, das pessoas chegarem lá: “Poxa, você está aqui ainda, você...”, não sei quê, sabe, esse reconhecimento de amizade, das pessoas te reconhecerem. Você às vezes dá uma, às vezes você vê que a pessoa está querendo uma coisa, não sabe, você dá uma luz para a pessoa, o que é que ela tem que fazer, o que é que não tem. Então, essa satisfação de experiência que você adquiriu, de conhecer o ramo que eu trabalho, por exemplo, e eu pegar e servir bem uma pessoa - mesmo que às vezes eu, o pouco tempo que estou ali embaixo na loja – mas eu sinto isso, sabe, uma certa satisfação pessoal que te dá. Que eu acho que por isso que eu não tenho vontade, assim, de abandonar, sabe. Por enquanto ainda não.
P/2 – Certo, e o que é que você achou de dar essa entrevista para a gente?
A – Eu achei interessante, foi a primeira vez que eu faço isso. (riso)
P/2 – Primeira vez?
A – Primeira vez que eu faço isso, nunca aconteceu isso antes, nunca falei assim, acho que é a primeira vez. Mas foi bom, foi legal, porque eu acho interessante partir de vocês fazerem isso. Você que é uma coisa, você vê como é São José dos Campos, até vem um pessoal de fora pra fazer isso. Coisa que nós já devíamos ter feito isso também!
P/2 – Mas a gente já está amigo da cidade, né?
A – É, então...
P/2 – Então tá. Peneluppi, obrigada pela sua entrevista.
A – Eu que agradeço, tá, muito obrigado.