Patrícia Tassi passou pela experiência de manter um relacionamento amoroso com o companheiro na prisão por muitos anos. Difícil foi superar as dificuldades de se restabelecer financeira e emocionalmente após sua morte.
Todo Lugar tem uma história para contar: Santa Cruz do Rio Pardo
Amor bandido
História de Patrícia Tassi
Autor: Lia Cristina Lotito Paraventi
Publicado em 25/11/2018 por Lia Cristina Lotito Paraventi
Depoente Patrícia Tassi
Entrevistadora Ana Paula de Oliveira
17/10/2018
Santa Cruz do Rio Pardo HV 006F2
R - Meu nome é Patrícia Tassi, eu tenho 44 anos, o que mais que é para eu falar?
P/1 - Onde você nasceu?
R - Eu nasci em São Caetano do Sul, São Paulo.
P/1 - Você poderia falar um pouquinho sobre os seus pais? Nome dos seus pais, o que os seus pais faziam.
R - Meu pai chama Rubens Tassi, minha Mãe chama Vera Lúcia Bizarro Tassi.
P/1 - E o que eles faziam?
R - O que eles faziam? Meu pai era representante comercial e a minha mãe era dona de casa... mas eu fiquei... como eu sou uma filha adotada, eu fiquei pouco tempo com eles quando era pequena, porque o meu pai bebia muito e usava droga, então o meu avô... porque foi o meu avô que foi me buscar em Minas Gerais. Na verdade eu nasci em Pouso Alegre, Minas Gerais, mas o meu documento é de São Caetano. Meu avô foi me buscar em Minas Gerais para me dar ao meu pai, filho dele, para ver se ele melhorava de beber e de droga, mas não resolveu nada. Meu avô me deixou lá, eu fiquei uns anos com eles, os quatros primeiros anos eu fiquei com eles, como não estava dando certo e a minha mãe de criação judiava de mim, e meu pai também bebia muito, meu avô resolveu me pegar, eu fiquei com meu avô, eu não fiquei na casa deles. Eu não tenho muita coisa para contar deles porque eu não convivi muito com eles, quem foram meu pai e minha mãe foram os meus avós, que eu lembro.
P/1 - Então pode contar sobre eles.
R - Meu avô é a pessoa que eu mais amo no mundo, eu morro de saudades dele... ele foi muito importante, ele foi o meu pai gente, ele foi o meu pai. Ele fez tudo para mim, minha avó também, foi a melhor mãe do mundo. Eu tenho muitas saudades deles, faz muitos anos que eles morreram. Eles foram muito importantes, se não fosse eles eu não sei o que seria de mim. Eu teria que ficar em um abrigo, algum lugar, porque eu não queria ficar em casa. Quando eu fiz 13 anos, meu avô faleceu, minha avó e meu avô. Um morreu, passaram dois meses o outro morreu. Então era pra eu voltar para a casa do Rubens, que é o meu pai no papel, eu não quis voltar com ele, eu estava namorando, comecei namoradinho assim de 13 anos, paquerinha, o pai dele morreu também e nós resolvemos morar juntos, dois doidos, tudo criança. Eu brincava de boneca ainda quando eu casei, ele saia para fazer as coisas e eu brincava de boneca na minha casa, de carrinho de rolimã na rua, nós brincávamos que nem criança... o que mais que eu posso contar? Eu casei muito nova, não é? Então não tem muita coisa assim de... tem...
P/2 - Que lembrança, assim, que mais forte que você tinha do seu avô? Alguma coisa que ele fazia com você ou sua avó que você guarda?
R - ... meu avô me levou para andar quando inaugurou o metrô, ele foi me levar para conhecer. Me levava no circo, me levava no Holiday on ice, que era um negócio de patinação no gelo, eu fiz (balé) [00:03:35] com eles, eu fiz capoeira, sabe? Eu fiz bastante coisa, eu fiz a escola Fisk quando eu era pequena, de inglês. Eu sempre estudei em colégio particular, nunca estudei em escola pública, nunca. Estudei no Objetivo, no Pentágono, no Externato Santo Antônio, foram as escolas que eu passei.
P/1 - É... vamos ver aqui... e você lembra, assim, de coisas que te marcaram na criação? Eles eram de idade... assim, se tinha costume, algumas regras que te chamava atenção, que te marcou?
R - Não, porque eles me deixavam fazer tudo. Eu fui muito mimada, muito mimada mesmo, eu tinha de tudo, tudo que eu queria, nunca faltou nada para mim, nunca deixaram faltar nada, nem material e nem de sentimental, nunca. Eu não tenho assim... o quê que eu posso falar deles? São tudo para mim, amor de filho para... eu não tenho amor de avô por eles, eu tenho amor de filha. Eu não consigo sentir pelo meu pai o que eu sinto pelo meu avô, eu não tenho esse sentimento, nem se compara, eu tenho uma gratidão, alguma coisa assim, apesar que a gente não se dá muito bem, a gente discute muito. Eu lembro muita coisa que ele fez para mim quando eu era pequena, então eu tenho mágoa até hoje. Sabe, ele me batia muito... a Vera me empurrou uma vez da escada... o ponto que foi, para eu ir para a casa dos meus avós, foi quando a Vera me empurrou da escada. Eu tinha que limpar a (inint) [00:05:17], ajudar ela a limpar, ela me empurrou da escada e eu quebrei o braço e a perna, depois eu fui lá para o Márcia Braido que era o hospital de criança que tem lá em São Caetano, daquele dia para frente eu não voltei mais para casa. Então eu começo a lembrar dessas coisas quando ele começa a falar, até hoje, já passaram quarenta anos, mas ainda não superei, e olha que eu vou no psicólogo pra caramba. Ainda não consegui superar, não consigo.
P/1 - Mais assim, eu falo, voltando nos seus avós se você lembra se eles contavam algumas histórias...
R - Sempre contavam... minha avó pegava uma mesa grandona e punha um lençol assim e fazia... antigamente tinha uns fantoches que punha a mão dentro... uns negócios, acho que é fantoche que chama aquilo lá. Ela brincava com aquilo lá todo dia de noite pra eu dormir, ela me punha no quarto para eu dormir, levava leite para mim com chocolate, e fazia teatro de fantoche para mim... ou senão ela lia história para mim... minha infância com os meus avós foi muito boa.
P/1 - Muito rica, não é?
R - Muito rica. Eu tenho muita coisa... nossa... o que mais que eu posso lembrar de quando eu era pequena? Eu acho que não tem mais nada.
P/1 - E você era a única criança da casa, ou eles tinham outros filhos?
R - Não, só eu. Por isso eu acho que tinha... os outros netos dos meus avós nasceram muito depois, são bem mais novos que eu hoje em dia. Então, demorou muito, até eles terem netos legítimos eu já estava mocinha. Então a atenção foi só para mim, só tinha eu de criança.
P/1 - E filhos deles eram adultos?
R - Já eram casados, os dois. Ele tem dois filhos, o meu vô, meu pai e o irmão dele. O irmão dele é médico. Então demorou muito e.... ele e meu pai tem mais de dez anos de diferença de idade, então demorou... meu pai não pode ter filho, ele é estéril, ele levou uma bolada nas partes e ele não pode mais ter filho. O outro filho demorou para casar, e tudo... os anos foram passando, então só tinha eu mesmo.
P/1 - Foi bastante...
P/2 - Dá escola né?
P/1 - é... agora vamos ver se tem... tem assim também, você lembra da casa da sua infância?
R - Lembro. Como que era a casa?
P/1 - É, como que era?
R - Tinha banheira, ok? Era chique. É filha, eu adorava aquilo lá, aliás quando meu vô falou que eu iria morar lá, só porque eu iria para a casa dele, primeira coisa, eu tinha que ir na banheira, criança, não é? O negócio é banheira. Tinha uma sala bem grandona, depois a cozinha bem grandona, você subia umas escadas, tinha três quartos em cima e o banheiro com a banheira. Aquela banheira lá era a minha vida, eu falo, eu queria tomar banho toda hora, (inint) [00:08:32] ficar na banheira. Quando meu avô me chamou para ir para lá, eu já lembrei da banheira na hora, eu adorei, eu falei: “ah, eu vou morar em uma casa que tem banheira, só eu que tenho banheira, meus amiguinhos não tem banheira”, ainda falava assim para os meus amigos: “eu tenho banheira na minha casa e vocês não têm”. Não é banheirinha de plástico não, que nem os meus amigos falavam, é grandona mesmo... eu lembro disso daí.
P/1 - E quais eram as suas brincadeiras favoritas? Se tinha muitos amigos?
R - Nossa, eu brincava de taco, brincava de elástico, brincava de boneca, brincava de carrinho de rolimã, eu brincava de peteca, eu brincava... que mais? De vôlei na rua com a criançada, jogava bola, nossa brinquei muito. Aproveitei bastante meu (inint) [00:09:19] de brincar.
P/1 - E tinha muitos amigos?
R - Tinha, bastante gente. Lá na rua da minha vó eu tive sorte porque tinha bastante criança da minha idade, então a gente brincava, uns oito, nove, dez. Enquanto a vó não gritava para ir pra rua, eu já apanhei para entrar para dentro de casa quase, minha vó gritando, ela ameaçava querendo bater mas nunca encostou a mão em mim. Eu ficava de castigo, ela me punha de castigo. Eu aprendi, até hoje com os meus filhos, eu nunca bati nos meus filhos, nunca encostei a mão neles, negócio é castigo, dói mais. Eu aprendi isso quando eu era pequena também.
P/1 - E você tinha no seu imaginário, enquanto criança, o quê que você queria ser quando crescesse?
R - Eu queria ser cantora. Gente cada (inint) [00:10:03]... não é? Não tem nem voz para isso, mas quando eu era pequena eu achava que eu ia ser cantora.
P/1 - E você acabava praticando isso na escola de alguma forma...
R - Não, eu cantava... eu gosto de música até hoje, gosto de vários tipos de música, não tem um estilo assim... eu gosto muito de cantar, mas a voz não colabora para ser cantora.
P/2 - E você cantava?
R - Eu cantava.
P/2 - Como que era assim a hora? Em que momento você cantava?
R - Nossa, no meu tempo, quando eu era pequena o negócio era o negócio de Xuxa gente. Era... Xuxa e um... agora esqueci o nome, acho que era Balão Mágico, tinha Simoni lá, aquele ursinho Pimpão para mim, nossa, era tudo. Eu ficava louca quando via essas coisas... o que mais que tem, que eu era pequena que eu lembro agora? Acho que não tem mais nada.
P/1 - E em relação a educação, a escola, qual a primeira lembrança que você tem da escola?
R - A primeira lembrança que eu tenho, eu estudei no colégio de madre, primeiro ano no Externato Santo Antônio, eu vou falar para você, eu não posso ver madre até hoje, eu tenho medo... as madres são muito rígidas, e no meu colégio só estudavam meninas, a escola que eu estudava. A gente tinha que ir de sapato preto, que dava que nem de madre, meia até para cima do joelho, saia até quase no pé, blusa de social, gravata, chapéu, todos os dias eram assim. Antes de começar a aula tinha a missa, a gente tinha que cantar o Hino Nacional depois, o Hino do Externato Santo Antônio, depois que a gente ia para a classe.
P/1 - E aí teve algum professor que te marcou?
R - Professora Marli, professora de ciências, eu lembro dela até hoje, é a única professora que eu lembro, o resto das professoras eu não tenho lembrança. Eu tive um professor de história, mas aí eu já era mocinha, ele foi muito legal comigo, me deu a maior força... eu sou muito boa em matemática, mas nas outras... assim, de português eu tenho um pouco de dificuldade, então eu tive duas professoras que... quando... eu comecei a gostar de matemática por causa dessa professora Marli, eu comecei mal na escola, todo mundo não vai muito legal em matemática. Depois que eu conheci a professora Marli, ela dava aula de ciências e de matemática, eu pequei gosto por matemática, ciências, então eu comecei muito bem na escola. Então, eu lembro dessa professora por causa disso.
P/1 - Te ajudou a superar.
R - Me ajudou muito a superar a minha dificuldade.
P/1 - E como que era o trajeto para ir para a escola?
R - Eu ia de carro. Meu avô ia me levar e ia me buscar. Eu chega pela manhã na escola e saia bem a tarde, lá pelas cinco horas. Eu entrava na escola às 6 horas da manhã, tinha que estar na escola. Depois às cinco horas meu avô ia me buscar, eu ia para casa. Aí de lá, se eu fosse fazer alguma coisa, seu eu ia para o (balé) [00:13:10], fazia (balé) [00:13:12] umas três vezes por semana, eu fiz 8 anos de (balé) [00:13:15], até na sapatilha de ponta.
P/2 - Você gostava?
R - Eu não tinha esse corpinho assim, sabe, eu era bem diferente.
P/2 - Você gostava de balé?
R - Eu adoro (balé) [00:13:26], adoro mesmo... e para dançar? No teatro a primeira vez que nós fomos nos apresentar, eu e as menina... gente que vergonha... eu fiquei tão impressionada que começou a música, as meninas, a gente tinha coreografia para dançar, as meninas todas dançando e eu... quando abriu a cortina eu vi aquele povo todo lá em baixo, eu não consegui me mexer do lugar, depois que eu fui entrar na coreografia, depois... deu um choque na hora que eu vi.
P/1 - E aí Patrícia, vamos para a parte da sua juventude. Qual foi o seu primeiro namorado?
R - Meu primeiro namorado foi meu primeiro marido, eu fiquei casada com ele 18 anos.
P/2 - Primeiro assim, como você conheceu? Como foi o começo do namoro? Sabe, esses detalhes você vai contando.
R - Pode falar? Eu conheci o Cláudio perto da... ele morava perto da minha casa, e as crianças naquele tempo, como até hoje tem também, as crianças tinham muito preconceito com ele porque ele era negro, e isso me abalava muito, eu não gostava disso, mesmo que eu era pequena, sabe, os outros xingavam ele de neguinho, de preto, de macaco, eu nunca gostei disso daí. Ele saia da rua dele, que era perto de casa, para brincar lá na rua, foi assim que eu conheci ele, brincando. Como eu contei antes, eu fiquei com meus avós até 13 para 14 anos, depois eu fui morar com ele. A gente sempre se deu bem, desde pequeno, sempre nos demos bem, tanto como amigo e depois eu comecei a gostar dele, eu... os outros (discriminavam) [00:15:14] tanto ele, as vezes não deixavam nem ele brincar, tinha certas crianças que não deixavam nem ele brincar porque ele era preto, assim negro. Então, isso daí para mim... a gente foi... eu tinha amizade com ele, começamos a dar uns beijinhos, foi o meu primeiro beijo, meu marido...
P/2 - Conta esse momento. Como foi que aconteceu?
R - ... a gente estava brincando de vôlei na rua, então tinha dois times, estava toda a molecada na rua, depois a gente estava jogando e a bola caiu lá no terreno, tinha o muro, e tinha o terreno vazio, ele pulou lá para pegar a bola e eu pulei lá também... eu que fui beijar ele, não foi ele... aí foi o nosso primeiro beijo. Eu fui chegando perto dele, ele ficou meio assim, eu fui lá beijar ele... fiquei com vontade de beijar ele e eu fui mesmo. Quando eu quero uma coisa, eu vou lá e faço, então eu peguei... desde pequena... eu peguei fui lá e beijei ele, e desde aquele dia ficamos beijando 18 anos. Meu marido, ele... eu fiquei dos 14... quando o meu marido fez 18 anos, ele falou para mim que ele viria para Sorocaba que ele iria fazer um curso de telefonia, que mexe nas caixas de telefone, na rua antigamente tinha, hoje em dia não tem mais é outro tipo de tecnologia. Iria vir ele e mais alguns meninos para Sorocaba, passou os dias, ele me ligava todos os dias, a gente conversava pelo telefone... como eu estava... o quê que eu fazia gente? Eu comecei a trabalhar de fazer nota fiscal, essas coisas, em uma lojinha que vendia produto de limpeza. Um dia que eu cheguei em casa, que eu estou vendo o jornal nacional, estava passando o meu marido na televisão, tinha sequestrado o juiz, o promotor e o delegado de Sorocaba, tinha feito roubar o Banco do Brasil. Quando eu cheguei em casa que eu estava jantando, eu vejo o meu marido lá na televisão, preso, contado todas as coisas que ele tinha feito, sabe? Eu não acreditava que era a mesma pessoa que eu estava vendo na televisão que era o meu marido, eu não acreditava nisso. Então, eu fiquei 18 anos com ele, e eu fiquei 16 anos indo na porta da cadeia, porque ele ficou preso... ele iria ficar preso 30 anos, ele só não ficou os 30 anos porque mataram ele antes.
P/1 - Lá na prisão?
R - Não. Foi assim, eu tive 17 filhos com ele, só que eu só tenho 2 filhos vivos, porque eu e ele nós tínhamos problemas genéticos, naqueles anos em que eu fiquei grávida, os médicos não sabiam ainda, não tinha que nem hoje em dia coisas para saber o porquê meus filhos nasceram com cefalocele, todos os meus filhos tinham um tipo de cefalocele. Tem várias... tem cefalocele... tem várias... pode causar várias doenças. Eu já tive filho com hidro, que tem água na cabeça, e meus filhos é assim, eles nasciam, viviam alguns meses e morriam, então foi, foi... a Geovana não é filha dele de sangue... um vez eu estava indo na cadeia... no começo eu fiquei meio arredia de ir na cadeia visitar o Cláudio, mas os meus filhos foram todos feitos lá na cadeia. Um dia eu descobri que ele estava vendendo drogas lá dentro da cadeia, eu fiquei revoltada com ele porque eu fazia tudo para levar as coisas para ele. Fiquei revoltada com ele, eu fiquei 1 ano sem visitá-lo. E nesse ano, eu peguei... um dia eu fui... que vergonha de falar isso... eu fui para um luau na praia, luau na praia é cachaça, maconha, e é bebendo e fumando e todo mundo lá passando (mal) [00:19:28]... eu peguei e conheci o pai da Geovana, ficamos juntos lá na praia... fui lá na beirinha da água lá... acabou saindo... quando eu fui ver eu estava grávida da Geovana. Aqui também viu? Aqui para ter filho era bom, fala? Até hoje eu tenho até medo. Eu peguei tive a... quando eu estava grávida da Geovana, quase tendo a Geovana, o Cláudio... chegou dois caras na porta da minha casa, me levaram até lá na porta do presídio, me puseram lá dentro porque o Cláudio queria falar comigo e eu não atendia mais, não respondia as cartas, nada. Então ele pegou... na hora que ele me viu com aquela barrigona, ele sabia que o filho não era dele, que eu não estava visitando ele, ele pegou deu um soco perto da parede de onde eu estava que eu pensei que era pra mim aquele soco, ele perguntou para mim quem que era o pai da criança, eu falei para ele quem era. O pai da Geovana queria assumir ela, queria ficar comigo, mas eu não quis ficar com ele porque eu não gostava dele, eu gostava do meu marido, então eu assumi a Geovana sozinha. Ele pegou, conversou algumas coisas comigo, e falou que a partir (inint) [00:20:42] se eu não queria mesmo ficar com o pai da Geovana, que a partir daquele momento que a Geovana ia ser filha dele, como é até hoje com a minha filha, ele é muito importante para ela, não é? Então a Geovana... quando passou assim, que ela nasceu, e porque lá na cadeia é outro mundo, eles tem outra vida, nem parece que é ... que é aquilo... cadeia é outro mundo, totalmente diferente. Quando a Geovana nasceu, eu comecei a levar a Geovana para fazer as visitas junto comigo, e os presos sempre falaram, que como ele era negro, e a Geovana minha é branquinha, clarinha, os presos começaram a falar as coisas para ele lá na cadeia, que ele era chifrudo, que ele era corno, que ele era não sei o que... ele foi lá e matou um cara que estava falando as coisas, sabe... então ele era muito... ele só tinha... é assim, ele era uma pessoa... que o nome, como ele fala... para os outros eu sou Claudião, mas para você eu sou bebê. Nem a mãe dele, porque ele ficou todos esses anos na prisão e a família nunca foi visitar, a única visita que ele tinha era a minha. Então, nem com a mãe dele ele não tinha muito... era só eu mesmo, mas assim, ele me tratava como se eu fosse uma rainha, apesar de tudo, de ele ficar preso, que não pode dar... as vezes eu tinha... as vezes eu fico pensando, eu tinha mais atenção dele, as vezes, do que se eu tivesse um marido que trabalhasse dentro da minha casa. Porque como não adiantou, e ele explicou lá as coisas, como era o jeito lá na cadeia, eu fiquei... a primeira cadeia que eu fui foi para o Carandiru, ele ficou quase, acho que quase uns 10 anos eu fiquei no Carandiru, e aquilo lá não é fácil não, é muito difícil... são sete mil pessoas que têm lá dentro, são sete... não sei quantas visitas que tem para você... eu sempre tinha que chegar um dia antes para dormir na porta da cadeia para eu visita-lo, sempre foi assim. Eu sempre fui a primeira a entrar e a última a sair. Eu já dormi na cadeia uma vez, eu e ele, a gente... eu cheguei lá na cadeia para visitá-lo, ele pegou e fez um baseado, nós começamos a fumar lá dentro da cela, conversamos, conversamos, namoramos, todas as coisas, depois pegamos no sono, nós dois, e fica fechando lá onde a gente fica na visita, fica fechado a cortininha... quando nós acordamos estava aqueles presos todos falando, aquele monte de gente falando, na visita não é assim, a gente ficava na sala sozinho, eu e ele em uma cela só, quando nós acordamos já eram 6 horas da tarde, a visita acaba, às 4 horas tem que estar na rua, e para eu sair de lá de dentro? Teve que chamar o diretor, gente do céu... eu levei suspensão... dormimos nós dois lá dentro... lindo, coisa mais linda que fala... eu saindo de lá, fiquei dois meses sem poder visitá-lo, e ele levou castigo lá dentro também. Saí do Carandiru, já puxei rebelião... todas as rebeliões que tiveram no Carandiru eu estava lá dentro, eu já pensei que iria morrer, muitas vezes eu pensei que eu iria morrer lá dentro. Lá dentro da cadeia é assim, quando tem rebelião você não consegue... porque muita gente... pôs todo mundo dentro da cela, todas as... tudo que é família assim de visita põem em uma cela com criança, as outras são as pessoas mais de idade, a gente só via as coisas da rebelião, só escutávamos aquelas bombas estourando e os policiais gritando para liberar as visitas... e o meu marido e os outros presos com umas... eles arrancam as grades e faz umas armas deste tamanho, umas lanças, chama (highlander) [00:24:29] lá dentro, chamava na época. E eles todos lá com medo... fecharam a galeria, que as galerias eram os corredores, eles ficavam nas pontas, só que a cela do meu marido é onde vendia droga, ele ficava no pavilhão 9, a cela dele, lá eles vendiam drogas, quando eu fui... teve um dia que eu nunca vou esquecer, quando eu fui sair com a Geovana para ir tomar banho, eu fiquei acho que uns dois ou três dias lá dentro, que essa rebelião durou... quando eu fui sair da... porque o chuveiro estava quebrado, eu tinha que ir para outra cela para tomar banho e dar banho na Geovana. Quando eu fui sair, que eu saí assim e passei no corredor, que eu olhei para frente, vinham vindo dois homossexuais vindo pelo corredor, saiu do nada das outras celas, assim da ponta, furou eles todinhos com a faca. Mataram eles na minha frente, eu nunca vou esquecer... e nessa rebelião eu também vi... os presos começaram... eles conseguiram, eu não sei o que aconteceu lá, um preso que era do seguro, que eles não aceitam o seguro conviver com os outros presos, não sei o que aconteceu com o cara do seguro, passou lá e eles arrancaram a cabeça dele e começaram a chutar a cabeça dele, eu nunca vou esquecer, a cabeça assim e eles chutando e o corpo pulando assim do chão.
P/2 - Porque vocês não podiam sair? Ficaram três dias?
R - Na rebelião?
P/2 - Presos, é.
R - Porque os presos... porque eles iriam invadir, não é? E quando eles invadem lá o Carandiru, a coisa é feia, eles matam mesmo, eles não querem nem saber, eles passam por cima. Quando eu sai do Carandiru, que foi o Suplici, eu conheci o Suplici porque ele teve que ir lá fazer negociação com os presos, por isso que... não sei... a gente sabia mais pela televisão, a gente não via... a gente fica em uma cela trancado para a gente se proteger de bomba, de... essas coisas que acontecem... como era muito grande lá, gigante aquele presídio lá, o Carandiru, então a gente via tudo pela televisão, eu nunca vou esquecer. Eu via...foi quando... quando eu cheguei na cadeia, virou a cadeia... começou a passar no Gugu, nunca vou esquecer, era um domingo. Então a gente acompanhava tudo pela televisão o que estava acontecendo, a gente não via nada, a gente só ficava trancada na cela... agora porque que demorou tudo isso eu não sei.
F: Como era feita a alimentação das crianças, das pessoas, das pessoas que estavam...
R - Então, eu tive sorte porque eu levei leite, eu dava peito para a Geovana, eu levei leite e fruta, mas assim, as visitas se ajudavam, porque é uma coisa inesperada, não é? E lá no Carandiru também... o Carandiru gente, era uma cidade, Carandiru não era um presídio normal, lá dentro tinha lugar que vendia produto de limpeza, tinha cantina, tinha igreja lá dentro, igreja de evangélico, espírita e católico. Era uma cidade lá dentro, então os presos iam recolhendo as coisas e iam distribuindo para as mães, para as mulheres, para os filhos... assim que a gente sobreviveu lá dentro, mesmo assim no último dia a gente ficou sem nada... até conseguir liberar.
P/2 - E quando terminou esse (inint) [00:27:47]?
R - Terminou assim, eu nunca vou esquecer, liberaram tudo, o Cláudio não queria me deixar sair, ele ficou com medo, mas quando eu fui sair os policiais... eu nunca sabia que cavalo subia escada, os cavalos todos subindo as escadas com os policiais, e choque, mais um monte... um monte que eu não sei nem quantos que tinham... então ele teve que me deixar ir embora. Passei pelo meio dos cavalos com a Geovana, para eu conseguir sair de lá de dentro. Passei bastante coisa assim. Depois o Cláudio foi... depois de uns dez anos que ele ficou no Carandiru ele foi transferido para o Dacar, porque ele teria outro julgamento, ele foi transferido para outro lugar, ele foi para Santo André, apesar que eu conheço muitos lugares, porque ele ficou muitos anos preso, ele passou por várias cadeias.
P/2 - E você sempre ia visitar?
R - Sempre, ele sempre mandou dinheiro para eu ir visitá-lo. Toda sexta-feira meu marido, se fosse nos dias de hoje, ele deposita, um exemplo, uns 800 mil reais para mim, que é para eu comprar as coisas para ele, que era para eu comprar as coisas para a minha casa, e o dinheiro para eu fazer a visita para ele. Eu já fui para Presidente Bernardes, eu já fui para Iaras, eu já fui para... nossa eu fui para tantas... eu nem me lembro mais, é tantas cadeias... eu já fui para o... como é que chama? Eu esquecia agora... tem muitas cadeias.
P/2 - Você tinha só a Geovana nessa época?
R - Eu tinha só a Geovana, quando a Geovana fez... quase... acho que oito anos que a Geovana tinha... quando a Geovana fez um ano eu estava tendo outro filho... no dia do aniversário da Geovana de um ano, eu estava no aniversário da Geovana eu fui ter o Gabriel, um dos meus filhos que morreu, eu tive que sair do aniversário da Geovana para ir ter neném... eu ia direto, todo ano eu estava grávida. Então eu cheguei, fiquei grávida do... não... aí eu fiquei doente, eu tive um tumor muito feio aqui no ovário, eu tive que fazer... me deu hemorragia interna, ele estourou de tão grande que estava... estourou o... como é que chama? O ovário. Então começou a me dar hemorragia interna, tive que fazer uma cirurgia, arrancaram metade do útero, a trompa, e o ovário, fiz tratamento, tudo certinho... então eu peguei... primeira visita... fiquei uns tempos sem visitar o Cláudio, porque eu estava doente, eu não conseguia, tinha que esperar os pontos, tudo. Então, na primeira visita que eu fui fazer para ele, não passou... não deu dois meses, não veio a menstruação para mim, quando eu fui ver estava grávida... eu nem imaginei. Então eu fui no médico, o médico falou assim: “não existe, isso não existe”, todos os meus filhos que morreram eram meninos, todos eles... o médico falou: “não existe o corpo que você tem”, eu já tinha uns trinta e quatro anos, trinta e três quando eu fiquei grávida do Cláudio, o médico falou que ele não era meu filho não que ele era filho de Deus, que Deus pôs na minha barriga. A minha gravidez foi de risco, eu já estava morando para cá, porque a polícia ficou muito no meu pé onde eu estava morando. Eu tive que mudar, porque a polícia invadia a minha casa por causa do Cláudio, por causa do dinheiro do banco, eles pensavam que o dinheiro do banco estava comigo, não é? Então eles pegaram e ficaram muito no meu pé, então eu peguei e mudei para cá, meu pai vinha muito trabalhar aqui. Aqui eu conheci... algumas vezes que meu pai veio para cá, eu vinha com ele, então eu também conhecia algumas pessoas aqui... então eu resolvi ficar para cá, tinha seu Darci que era muito amigo do meu pai, seu Darci Parmegiana ele foi muito importante para mim também. Com tudo que meu pai não podia fazer por mim lá, seu Darci fazia por mim aqui em Santa Cruz, sabe? Então eu me sentia protegida. O seu Darci e a Teresinha são o padrinho e a madrinha do Cláudio. Eu comecei a fazer o pré-natal aqui, não pude fazer, tive que ir lá para Assis, então eu fazia aqui e fazia em Assim, porque a minha gravidez era de risco e eu tenho a pressão muito alta... até, quando eu tive o Cláudio eu tive eclampsia, quando eu tive ele. O Cláudio nasceu menina, não me deu trabalho na minha gravidez, o Cláudio nasceu, quando ele fez nove meses o Cláudio nasceu, nove meses certinho. O Cláudio nasceu a cara do pai, igualzinho, a cor, assim mais escurinho, sabe? Você olhando para o pai dele e olhando para ele fala que é filho dele, não tem como... só a cor, o pai dele era bem mais escuro, bem negro mesmo, bem escuro. Então, o que mais agora?
P/2 - Então o Cláudio ele ficou bem? O Cláudio seu filho...
R - Qual dos Cláudios? Que eu tenho dois...
P/1 - Seu filho não teve nenhum problema, não é? Neurológico, nem nada...
R - O Cláudio não teve nenhum problema.
P/2 - ... o Cláudio seu filho.
R - Meu filho nasceu grandão com quase quatro quilos e duzentos...
P/2 - E foi tudo bem?
R - Foi tudo bem.
F: Ele chegou a conhecer o pai? O pai conheceu ele o Cláudio?
R - Não, o meu filho não conhece o pai, porque mataram ele quando ele tinha dois meses. Mas o pai conheceu ele.
P/2 - E quando viu, como foi essa (inint) [00:33:08] esse momento, o seu marido...
R - Então... como eu sou assim, não é? O meu jeitinho... o meu marido era corinthiano roxo, eu sou palmeirense, porque eu esqueci de contar, quando eu era pequena eu ia para o estádio com meu avô. O meu avô era descendente de italiano, ele me levava lá para o Palestra Itália, então eu peguei gosto menina, eu gosto de futebol até hoje, eu sofro por causa do Palmeiras. E o meu marido corinthiano... eu peguei o meu filho, peguei uma saidinha de maternidade bem bonitinha, comprei tudo do Palmeiras, o macacãozinho do Palmeiras, tudo do Palmeiras, a bolsa do Palmeiras. Peguei e fui visitar, fui levar o filho dele para ele conhecer, nossa quero ver meu filho, quero ver o meu filho... quando eu cheguei lá ele não acreditava, ele falou: “tira essa roupa desse menino”. Mas chorou, chorou, abraçou o filho dele, chorou bastante... depois que ele foi ver a roupinha, agora que ele foi ver o menininho mesmo, quando ele foi ver... a roupa do Palmeiras, os presos tiraram o maior barato da cara dele, ele foi mostrar o Cláudio para a cadeia inteira, lá no Dacar. Nós ligávamos, aí que ele não conseguia nem dormir... ligava direto... a enfermeira lá de Assis... eu tive o Cláudio lá em Assis, não pude ter ele aqui porque não tinha recursos se acontecesse alguma coisa comigo e com ele, aqui não tinha. Então, quando eu cheguei lá em Assis... o quê que eu estava falando?
P/2 - ... que então ele ficou tão feliz, você comentou. Que ele ligava...
R - Ele ligava tanto... quando eu fui ter o Cláudio a enfermeira pegou o celular porque ele não parava de ligar, ele descobriu o telefone do hospital, ele não parava de ligar. Então assim, ele foi muito atencioso comigo, muito atencioso mesmo.
P/2 - Depois que o Cláudio nasceu ele também continuou?
R - O quê?
P/2 - Assim, querendo saber notícia?
R - Ah sim, não é? O meu pensamento... o Cláudio ele, no decorrer dos anos que ele ficou preso, a cabeça dele começou a mudar muito, e ele assim, ele ficou tão desesperado por causa do filho dele que ele queria fazer tudo... ele ficou tão desesperado porque ele não iria sair da cadeia que ele falou para mim, ele falou assim, teve um dia que eu fui lá visitá-lo e ele falou assim: “eu não aguento mais ver você puxando (cadeira) [00:35:26], você viveu a minha vida você não viveu a sua vida”, eu nunca traí o meu marido, e olha que eu era pequena, nunca traí ele, só fiquei com o pai da Geovana, mas não foi traição porque para mim eu não iria ficar mais com ele. Então eu peguei... a gente, está sumindo as coisas da minha cabeça, estou nervosa, dá para parar um pouquinho?
F: Patrícia, só, a gente estava conversando, ficou uma parte que a gente queria que você voltasse... quando você foi morar com o Cláudio, quando os seus avós faleceram, vocês trabalharam para conseguir? Vocês foram para uma casa, só vocês dois?
R - Não, foi assim, a mãe dele... a família dele morava na favela, favela mesmo, hoje em dia fala comunidade mas para mim era favela. Então, a mãe dele... teve uma vizinha da mãe dele que doou um pedacinho de chão lá para a gente, então ele fez o madeirite e fez o barraco, e pôs umas duas telhas, umas telhas lá, então eu pegava o lençol, punha no chão porque era de terra, não tinha nem chão, não tinha nem cimento mesmo, não tinha dinheiro nem para o cimento para fazer o chão. Então nós colocávamos um lençol no chão e dormia lá. Não tinha fogão, nada, as minhas vizinhas que me ajudavam ainda a fazer comida por que... e outra, eu era criança e nem sabia fazer comida, eu fui aprendendo com a vida mesmo, a fazer comida, essas coisas, eu não sabia nada. Eu casei muito nova, na minha Avó eu nunca fiz comida, essas coisas... minha Avó era uma ótima cozinheira mas eu nunca tinha feito. Quando foi para eu fazer na prática mesmo, nossa Senhora difícil, para mim era difícil.
F: E como você sentiu essa transição? Assim, entre uma vida abastada, e uma vida de extrema pobreza?
R - Difícil. O Cláudio arrumou emprego de... antigamente tinha uns caminhões de leite, que entrega saquinhos nas casas, e o meu marido, o Cláudio arrumou emprego de distribuir leite. Então ele saia bem cedinho de madrugada, ia entregar o leite, (inint) [00:37:35], ele sempre se virou, ele nunca... não vou falar para vocês que eu tinha tudo, não é? Eu nunca passei fome com ele como eu já passei com outra pessoa, que eu vou chegar nessa parte ainda.
P/2 - E voltando então, para depois no final...
R - Mas senti bastante diferença no estilo de vida. Totalmente diferente.
F: E assim, você disse que logo, dois meses depois que o Cláudio nasceu seu marido faleceu na cadeia...
R - Não, mataram ele na rua.
F: ...ah, ele já estava solto?
R - Foi assim...
P/2 - ...conta essa parte, para fechar esse (inint) [00:38:09].
R - ...o Cláudio ele estava dando muito trabalho no final do... depois de uns 15 anos que ele estava na cadeia, ele não estava aguentando mais, que nem eu falei para vocês. Então ele estava muito nervoso, estava muito assim... sempre teve advogado, só que o crime dele, juiz, promotor e delegado... e outra, eles não sequestraram eles e mataram eles, ou fizeram algumas coisas. Eles judiaram muito, eles enfiaram ripa de bambu embaixo das unhas deles, ele... nossa... um monte de crueldade, cortaram a ponta dos dedos deles, sabe? Então assim, é uma coisa que realmente não tem com a pessoa ficar na rua, uma pessoa dessa... entendeu? Por isso que eu falo, era totalmente diferente ele comigo do que ele com os outros, porque olha a visão que os outros vão pensar dele, que ele era muito ruim, não é? E ele era ruim para os outros mesmo, ele só era bonzinho comigo.
F: Então ele ficou 16 anos preso?
R - Ele ficou 16 anos preso... no último ano, quando fez 15 anos, ele falou para mim que não estava aguentando mais ficar na cadeia, e depois quando eu tive o Cláudio foi o ponto, ele falou assim: “eu quero morrer, eu não quero ficar 30 anos preso, eu não estou aguentando mais, eu prefiro morrer do que ficar na vida que eu estou levando, não quero mais ver você sofrer, eu morrendo você fica livre, você vai poder viver, você não vai ficar vivendo em função de mim”, porque eu ia com duas crianças fazer visita e eu estava grávida, e eu trabalhava, eu sempre me virei. Eu trabalhava e final de semana cadeia, não é fácil gente, só quem passa por isso sabe como é difícil. Então, depois que ele fez 16 anos, o advogado, eu nunca vou esquecer o nome dele, chama doutor Paulo, ele falou para mim assim, quando tiver a próxima saidinha o Cláudio vai sair, eu peguei e falei assim: “meu Deus do céu, ele vai sair mesmo?”, ele falou: “ele vai, eu consegui que ele saia”, eu nem acreditei, então ele veio, eu estava morando aqui. Ele saiu, ele veio, apareceu em casa já era umas 10 horas da noite, ele veio para cá, e ele estava com... tinha uma pessoa lá que era perto da família dele, que estava preso junto com ele que estava devendo muito dinheiro para ele, coisa de drogas, então ele falou assim: “eu vou para a casa da minha mãe buscar o dinheiro que eu tenho lá com o cara, tenho que ir buscar e volto depois... pego o dinheiro amanhã, eu vou amanhã cedo, ele falou: “pego o dinheiro amanhã, e amanhã à noite eu estou aqui, eu volto para ficar com vocês”, eu disse: “está bom”. Então ele foi e não voltou nunca mais, porque mataram ele lá. Ele foi lá cobrar a dívida dele, o cara não quis pagar, o meu Cláudio tinha dois metros e dois de altura, o pai do meu filho, era um puta de um negão, então ele se achava também porque era fortão, não é? Ele bem falava: “eu tenho o peito de aço”, esse cara que ele foi cobrar é um menininho pequenininho, baixinho, o apelido dele era batatinha, nem sei o nome dele, é vizinho de frente com a casa da mãe dele, eles moravam. O Cláudio pegou e foi cobrar ele, isso porque me contaram, porque eu não estava lá para ver, o Cláudio foi pegar o dinheiro eles tiveram uma desavença, brigaram, o Cláudio deu um empurrão nele, ele bateu a cabeça no paralelepípedo na rua da favela, ele bateu a cabeça assim, cortou aqui, o paralelepípedo pegou assim e cortou o rosto dele, aí o batatinha foi lá para o hospital, cortou feio. O Cláudio pegou a moto dele e jogou do outro lado da rua, e o Cláudio bebendo e usando drogas lá no meio da favela, e fazendo todas essas coisas aí. Quando esse menino chegou do hospital, o Cláudio estava sentando na guia da rua, ele já veio com uma faca desse tamanho, ele pegou e cortou aqui, como ele não conseguiu e se jogou em cima dele assim, ele cortou aqui, ele não conseguiu ele pegou e enfiou aqui e cortou para cá, que o facão estava bem afiado, então ele ficou lá... ele foi degolado (inint) [00:42:27], ficou só uma pelinha aqui nele, não é? Eu vi, porque eu que vi... quando foi... aí ligaram para mim... meu pai ligou para mim. Eu tinha o Cláudio bebezinho, a Geovana estudava na Babylândia, eu era representante comercial aqui, eu ganhava bem, eu tinha uma vida boa aqui. Eu tinha carro, eu converso, assim, eu conheço o pessoal das fábricas, então eu estava me arrumando para... o Cláudio... espera aí... aquele dia lá o Cláudio estava comigo? Ah, estava o Cláudio e a Geovana em casa, eu estava arrumando eles para eles irem para a escola, eles estudavam na Babylândia para eu ir trabalhar. Como é escolinha particular então a gente tem flexibilidade dos horários, não é? Na hora em que eu acabei de trocar o Cláudio que eu fui abrir a porta do carro o meu celular estava tocando, e era o meu pai, aí ele falou: “onde você está?”, eu falei assim: “eu vou sair agora, eu vou levar as crianças para a escola que eu vou trabalhar”, ele pegou e disse assim: “vai lá para dentro da sua casa”, eu falei: “mas para quê que eu vou para dentro da minha casa?', ele falou: “vai lá para dentro da sua casa, vai, senta lá no sofá”, eu falei: “mais o quê que aconteceu?”, aí ele pegou e falou: “mataram o Cláudio”, gente, mais eu gritei, que os meus vizinhos vieram todos me socorrer, eu gritava tanto... desesperada, eu gritava... meus vizinhos pensaram que estava acontecendo alguma coisa comigo. Desmaiei, passei mal. Eu queria ver de qualquer jeito, então o seu Darci que é o padrinho do meu filho, ele pegou e foi na minha casa, ele e a Terezinha foram me levar lá para ver ele... quando eu cheguei lá, tiveram que adiar o... como é que fala? O velório dele, para dar tempo de eu chegar lá, porque é muito longe daqui até lá Santo André... ele estava em Santo André, então eu cheguei lá... para você ver, não é? Quando eu cheguei lá no velório do Cláudio, a favela alugou um ônibus para eles irem no velório dele, de tanta gente que tinha lá, só que aquelas pessoas que estavam lá, eu não sei... a curiosidade mesmo das pessoas, porque ninguém ali nunca ajudou ele, nunca ligou para ele, eu pensei que eu iria chegar e não iria ter ninguém, nem a família dele, eu pensei. Quando eu cheguei lá estava lotado de gente, lotado... quando os outros iam me vendo, os outros iam virando a cara que já conhece o meu jeito. Quando eu cheguei lá dentro, que eu pus o pé lá, que eu vi o caixão lá, a mãe dele quando me viu desmaiou na hora, aí saiu todo mundo, todo mundo saiu de lá de dentro da salinha, ficamos eu e ele. Eu peguei, como ele era muito safado, eu peguei já fui batendo no meio da cara dele, para mim era mentira, eu não queria acreditar, eu fiquei em choque. Eu batia na cara dele e falava: “para de fazer isso daí que é mentira, isso daí você está fazendo para ficar na rua, sei lá”, então eu peguei, não estava bom para mim eu do lado do caixão, eu peguei e subi em cima do caixão, daquele negócio, eu arranquei aquela telinha lá que eles colocam, eu peguei e fiquei olhando para ele, não acreditando. Eu vi que o corpo dele estava todo duro, e estava um cheiro assim meio esquisito... meu pai no meio do caminho, quando eu estava indo para Santo André, meu pai ligou para mim e contou com ele tinha morrido, que foi a história que eu contei antes... ah, falei: “então se cortaram o pescoço dele, tem que ter o corte no pescoço”, e eu vi o esparadrapo aqui, eu não fui abrir aquilo lá menina? Foi a pior coisa que eu fiz na minha vida, nossa, mais saiu um cheiro, tudo aberto aqui... então eu abracei ele e fiquei chorando com ele... fiquei... sei lá... não queria deixar nem enterrar ele, os irmãos dele são muito grandes, eles conseguiram me tirar de lá... e toda hora que eu estava lá, vinha uma mulher só, ela chama Andreia, ela era minha colega, toda hora ela ia levar suco para mim, suco para mim... e aquele suco lá tinha calmante, mas aquilo lá não resolveu, ela falou: “eu te dei tanto remédio Patrícia, e não resolveu nada”, eu falei assim: “não resolveu muita coisa mesmo”... eu não quero mais falar disso.
P/2 - E você voltou para cá para Santa Cruz e continuo aqui?
R - É.
P/2 - Com seus filhos.
F: E o quê que ficou dessa etapa da tua vida?
R - Ficou como assim? O que você quer saber?
F: Assim, de lição, de mensagem, de reflexão da sua vida, de ponto, de meta, de mudança?
R - Como que eu encaro essa parte?
F: É.
R - Eu não sei. Eu penso que é vida...
F: Não fechou esse ciclo ainda?
R - Ainda sofro.
P/2 - Foi uma bela história de amor, não é?
R - Foi. Eu tive que jogar tanto... eu tinha uma sala dessa cheia de carta, foi muito romântico o meu romance com ele. De carta, de não poder ver, desesperada para vê-lo final de semana, por isso que eu sempre dormi na porta da cadeia, não via a hora. Só não chegava dois dias antes porque eu não podia, porque senão eu iria, ficaria lá esperando. Eu sempre fui a primeira a entrar, e a última a sair, sempre. Eu amei muito ele...
F: Então você considera assim, uma etapa de um amor louco, um amor grande...
R - Eu amo ele até hoje...
F: ... infinito então?
R - ... eu amo ele até hoje. Eu penso nos meus filhos, nos meus netos, mas eu queria morrer para ficar com ele. Eu penso que ainda nós vamos nos encontrar. Eu amo ele até hoje, não consegui gostar de alguém como eu amo ele, nunca.
P/2 - Então é uma bela história de amor, hein?
R - Ele é o amor da minha vida. Eu fico perguntando, eu vou no psicóloga e as vezes eu começo a chorar por causa disso e ela fala: “mas Patrícia”, porque eu sou uma pessoa que eu gosto de namorar bastante, depois que eu fiquei com o Cláudio... depois que a idade vai passando aí eu sei separar o quê que é amor, o quê que é gostar, o quê que é sexo, o quê que é... sabe assim? Então, eu mesmo namorando com outras pessoas e tudo, mas eu choro por causa do Cláudio ainda, eu não consigo esquecer ele, não consigo, não dá. Ninguém supera ele nunca no meu coração, na minha vida, (inint) [00:48:49].
P/2 - Então vamos fechar essa parte, não é? E vai ficar essa memória gravada aqui, esse amor gravado.
F: Amor eterno.
R - Amor eterno. Esse Cláudio que eu tenho escrito aqui, está escrito Cláudio e Geovana amor eterno. Esse Cláudio que está escrito aqui não é o meu filho, é o Cláudio, e aqui era a Geovana, que eu fiz, eu nem tinha o Claúdio ainda. Mas agora para o meu filho, eu falo que é o nome dele, senão eu tenho que fazer outra. Ele não quer que escreva Cláudio, ele quer que escreva o nome dele inteiro aqui no braço, eu falo: “ah então eu estou louca”, eu vou fazer mais duas tatuagens daqui uns dias que eu vou escrever o nome das minhas netas (inint) [00:49:31]. Eu tenho bastante tatuagens, todas as minhas tatuagens tem alguma história, não são tatuagens que eu faço assim por causa de um desenho, nada... não é? Eu tenho...
P/2 - Você tem várias tatuagens?
R - Eu tenho. Eu tenho aqui, eu tenho aqui, eu tenho aqui, eu tenho nas costas, eu tenho desse lado, tenho desse, tenho na nuca, tenho na perna...
F: Você pode falar um pouquinho dessas tatuagens?
R - Essa daqui é com o meu amor da minha vida, é o Cláudio e a Geovana, amor eterno está escrito aqui, aqui está escrito Oxóssi e Iansã, porque eu sou médium, eu sou espírita, então isso aqui faz parte da minha vida, minha religião, eu sou da Umbanda. Esse golfinho aqui eu fiz, aqui ó, eu fiz porque eu gosto muito de água, essas coisas, eu amo golfinho gente, eu acho o animal mais lindo que tem na natureza, eu quis fazer uma homenagem então eu fiz um golfinho aqui. Aqui na nuca está escrito em japonês, está escrito amor perverso, aí eu não posso explicar porque está escrito isso. Aqui nas costas tem uma lua, eu sou uma pessoa, eu sou uma mulher que eu gosto da noite, eu tenho que tomar remédio para dormir porque senão eu não durmo, eu posso acordar... a minha vida é a noite, a noite para mim é outra coisa, eu gosto de trabalhar a noite, eu tenho disposição a noite, eu sempre gostei de trabalhar a noite por causa disso, meu rendimento é bem maior. De dia eu sou meio caidona, pela manhã eu já estou bem desanimada, mas a noite para mim... então eu tenho a lua aqui. Que mais que eu tenho? Ah, eu tenho um duende... será que tirou do lugar? Eu tenho um duende aqui na minha perna, porque eu gosto de duende, eu acho bonitinho, fala... eu tenho uma imagem aqui dos meus... coisa da minha religião aqui, e agora eu vou fazer mais duas, que eu vou fazer o nome das minhas netas, que são importantes na minha vida, minhas netas. Eu estou vivendo o momento de avó agora que... gente como é bom ser avó, gente. Como é lindo ser avó, gente. Eu estou muito feliz, muito, minha outra neta vai nascer daqui uns dias, então eu estou muito feliz... a minha família foi... o meu filho está em um abrigo, e semana passada ele ficou na minha casa, um dia, foi tão lindo... Foi tão lindo o Cláudio na minha casa, brincando com a cachorra, sabe, fazendo de tudo para pegar o meu filho de volta gente... então, eu não aguento mais ficar longe do meu filho.
P/2 - Quantos anos ele está agora?
R - Ele tem 11 anos.
P/2 - 11 anos.
R - Daqui uns 4 meses ele faz 12, já está chegando no... fugiu do abrigo final de semana, fiquei louca... foram achar ele em Sodrélia, o Cláudio e um pessoal lá, um povo... molecada... eu fiquei desesperada. Ela ligou para mim e perguntou se o Cláudio estava na minha casa, que ele tinha fugido do abrigo, nossa, eu fiquei... eu nem sei falar para vocês, o quanto que eu chorei, fala... eu não sabia se eu ficava em casa, se eu saía, se eu ia atrás dele, para esperar ele se ele viesse para casa, ela falou: “fica esperando, se ele aparecer aí você liga”, aí acharam ele lá na estrada. Agora ele está de castigo, a semana... segunda-feira ele ia ficar na minha casa de novo com a Geovana, eles iam ficar todos na minha casa, eu pedi muito para a Geovana descer com a Ana, para eu ficar com a minha família na minha casa, eu quero fazer um almoço para eles, mas o Cláudio não pode vir porque está de castigo, não é? Merece também, porque não pode fugir, não é?
P/2 - Agora vai adiar o almoço?
R - Agora vou adiar o almoço para outra vez. Agora ele está sem celular, eu comprei um celularzinho para ele, e pus o chip e tudo, então a gente se fala pelo telefone, mas agora a tia pegou o telefone, então está sem falar com ele. Eu só vou vê-lo domingo.
F: Encerrou aquela fase da tua vida, o Cláudio faleceu, vocês em Santa Cruz, você estava trabalhando, você estava ganhando bem, você tinha uma casa, você tinha um carro, os teus filhos estavam em uma escola particular, você tinha um padrão de vida relativamente bom, só que eu conheci uma outra pessoa, eu não conheci...
R - Você me conheceu no fundo do poço.
F: ...eu não conheci. Então, o que foi entre a tua estabilidade e hoje?
R - Eu conheci o Neto, ele foi para mim... eu conheci uma pessoa...
P/2 - Então o Cláudio se foi...
R - ...o Cláudio morreu, eu sofri bastante, muito mesmo, nossa, eu nem sonho de falar para vocês...
F: Você voltou para Santa Cruz?
R - Eu voltei no mesmo dia... não, no outro dia que enterraram ele eu vim embora, eu tinha que trabalhar, eu tinha que pôr os meus filhos na escola, ele morreu, mas eu não.
F: A vida continuou?
R - A vida continuou, mesmo sofrendo, chorando, tendo que ir no psicólogo, no psiquiatra, porque foi aí que eu precisei começar a tomar remédio, depois que o Cláudio morreu. Para você ver como foi muito assim, começou a me dar ataque epilético depois que o Cláudio morreu, foi depois que ele morreu que começou, porque nunca tinha me dado ataque epilético, eu sou epilética, então tenho que tomar remédio. Então assim, o Cláudio morreu, depois que passou alguns anos eu conheci uma pessoa que fez muito mal para mim, sabe, fez muito mal para mim. Uma pessoa... eu gostei dele, sabe? Mas ele era uma pessoa muito agressiva, uma pessoa que... eu não conseguia me libertar dele, eu nem acredito que eu estou hoje aqui sozinha e não estou com ele, porque onde que eu estou ele vai atrás de mim, ele me persegue. Eu não posso mais ter Facebook, essas coisas, porque eu não tenho condição de ter, porque ele não me deixa em paz. No meu Facebook ele começa a escrever um monte de coisas, nas redes sociais...
P/2 - Mais conta como foi então. Você continuou trabalhando...
R - Continue trabalhando, vivi a minha vida, passou uns anos eu conheci essa pessoa.
F: Como você conheceu ele?
R - Eu conheci ele no... um amigo dele nos apresentou. Quando eu o vi, eu gostei dele, mas não como... assim como homem, sabe? Eu tive uma atração física por ele, o jeito dele, ele é altão, grandão, o jeito dele falar, no começo era diferente do que foi no final. Então ele acabou me conquistando, eu chamei ele para ficar em casa, então começou o inferno na minha vida. Quando começou o inferno na minha vida eu comecei a beber muito, eu descontava tudo na bebida.
P/2 - Você não bebia antes? Antes você não bebia.
R - Bebia muito pouco, que nem todo mundo bebe, uma cerveja quando saí, alguma coisinha. Depois que eu conheci o né... sempre bebi, desde a adolescência, fumava maconha... então eu conheci o Neto, minha vida... eu descontava tudo na cachaça, eu comecei a tomar um litro de 51 por dia, se deixasse. Faltava comida na minha casa, mas não faltava pinga. E ele não bebe, o Neto, só eu. E eu não sei explicar, eu não entendo até hoje porque que eu fiquei com o Neto tanto tempo, o vício me deixando me levar, foi aí que eu conheci o fundo do poço. Por causa da minha bebida, por causa da... droga eu não sou chegada, meu negócio, meu problema é a pinga, eu não sou chegada em cerveja, nada, meu problema é a pinga, entendeu? Eu tenho uma doença, eu tenho uma doença porque eu amo a pinga, só que eu não posso, ela faz mal para mim. Então eu peguei, comecei a beber muito, só bêbada, bêbada, pegaram e recolheram o meu filho da... e muitas brigas, porque a gente brigava de se bater mesmo, de se bater, aqui vocês sabem disso, de se bater mesmo.
P/2 - E os meninos, a Geovana e o Cláudio?
R - Eles moravam todos juntos comigo, morava o Iuri que é o marido da minha filha hoje em dia, quando eu mudei para cá, a última vez, que eu conheci o Neto, eu pequei e saí... eu vim para cá para (inint) [00:57:45]. Eu já mudei de Santa Cruz acho que umas duas vezes, toda vez que eu vejo menina, quando eu vejo estou voltando para Santa Cruz. Eu tento levar a minha vida em outro lugar, quando eu vejo, eu tenho que voltar para Santa Cruz. Primeiro porque a minha família está aqui, que são os meus filhos, e meus netos, mas sempre eu tenho que voltar para Santa Cruz, não tem jeito, meu lugar é aqui, eu não vou sair mais, não adianta querer ir embora porque Santa Cruz (inint) [00:58:10]...
P/2 - Ele é daqui, o Neto?
R - Não, ele é lá de São Caetano. Eu conheci o Neto em São Caetano, eu não conheci ele aqui em Santa Cruz, eu conheci ele lá.
P/2 - Então as brigas... continua contando...
R - Então, a gente sempre... no começo, no primeiro mês foi uma belezinha, no segundo também, no terceiro já começaram as brigas, eu já comecei a beber, não sei porque... não queria ver ele, não sei explicar, não sei explicar como que aconteceu. Eu peguei, deixa eu ver o quê que eu vou falar...
P/2 - As crianças...
R - ...eu estava tão desesperada para me sair do Neto, para me desvencilhar dele que eu pedi para me internar, eu já... quando pegaram o meu filho, e tudo, eu pedi para me internar... eu vi aqui, conversei aqui, me falaram que eu tinha que ir procurar o grupo de apoio lá na pastoral, para ver se eles conseguiriam uma internação para mim, eles iriam ver aqui e ver a Fátima lá do postão, que via essas coisas, acho, antigamente. Eu conheci a pastoral da sobriedade, eu conheci duas pessoas que são muito importantes na minha vida que é a Carla e o Valdir. Eu os conheci e a Carla que conseguiu a minha internação, eu fui lá para a Missão Belém em Jundiaí. No dia que eu fui para me internar, o Neto não queria deixar, eu nem saí de casa. O Alexandre que trabalha aqui no CREAS, eu não sei onde que ele trabalha agora, o Alexandre teve que ir me buscar, me pegar... na hora que o Neto saiu, que ele foi comprar não sei o quê, eu liguei para o Alexandre e ele foi me buscar. Teve que o chaveiro abrir o portão e a porta. O Alexandre me pegou e me levou lá para o Galego, eu nem peguei as coisas, porque tinha que ser tudo correndo...
F: Patrícia, só fala quanto tempo você ficou com o Neto até ser internada, fala um pouco da sua filha nesse meio tempo, que quando você foi internada só estava o Cláudio com você, nesse período.
R - A Geovana já tinha casado, não é?
F: Conta isso aí, quanto tempo você ficou com o Neto, para a gente ter essa ideia da Geovana, rapidinho, onde ela estava, e daí a internação como foi.
R - A Geovana ficou no abrigo também. A Geovana foi abrigada e o Cláudio também, só que a Geovana fugiu várias vezes, e outra, Geovana ficou quase dois meses desaparecida, quando... ninguém achava ela, nem no abrigo, nem em casa... não sei se vocês lembram disso?
F: Lembro.
R - Coisa na polícia, eu passei uma coisa que eu não sei explicar.
F: Isso antes de ser internada?
R - Antes de eu ser internada.
F: Ah ok. Mas quanto tempo você ficou com o Neto?
R - Eu fiquei com o Neto acho que uns quatro anos...
F: E nesse meio tempo o quê que aconteceu?
R - Nesse meio tempo aconteceu. Então a Geovana sumiu, desapareceu, foi uma parte bem difícil da minha vida também, porque ninguém sabia da minha filha, minha filha ficou desaparecida, parecia que nunca mais eu iria ver a minha filha na minha vida. Porque ela não estava no abrigo, não estava na minha casa, todo mundo procurando ela, a polícia procurando, pondo cartaz, pondo não sei o quê e nada da Geovana aparecer. Teve um dia que ela apareceu em casa pedindo ajuda para mim, eu desmaiei na hora quando eu vi a minha filha, e a primeira coisa que eu fiz foi avisar, porque o conselho tutelar estava atrás da minha filha, aqui o Creas estava atrás da minha filha, todos os órgãos, não é? A polícia tinha boletim de ocorrência de desaparecimento, eu avisei que a Geovana estava em casa, e ela não queria que eu ligasse porque ela estava com medo que o conselho tutelar iria lá buscar ela, mas depois conversando com todas elas, elas acharam melhor que a Geovana ficasse em casa. Então a Geovana foi desabrigada por causa dessas coisas, não é que nem o Cláudio, é diferente... o que está acontecendo, não é? É bem diferente, a idade, tudo, as coisas. A Geovana sempre... nesse tempo a Geovana já namorava com o marido dela de hoje em dia, que é o pai das minhas netas, com o Iuri. Então, eu posso voltar lá na internação?
P/2 - Sim.
R - Então, o Alexandre pegou e me escondeu lá no Galego. Como o Neto sabe que eu tenho muita amizade com a dona Luzia que é a dona do Galego, é um restaurante que tem aqui, uma pousada que tem aqui, restaurante. Como ele sabe que eu tenho muita amizade com os donos de lá, eu conheço todo mundo lá no Galego, todo mundo me conhece, desde a mulher que limpa até os donos, eu conheço todo mundo, e é muito grande lá. Então ele pegou, foi lá atrás de mim, de lá... não, primeiro eu fui para a Pensão dos Viajantes... não, fui para o Galego, do Galego eu fui para a Pensão dos Viajantes, porque ele foi lá fazer escândalo, foi atrás de mim. De lá, o Alexandre, uma hora que eles pegaram um carro, uma hora que deu, ele me pegou e me levou para a Pensão dos Viajantes, ele viu o carro descendo, ele desceu lá na Pensão dos Viajantes, da Pensão dos Viajantes eu vim aqui para o Hotel Thale, lá em cima de volta. Já estava a noite, o hotel tem porteira, essas coisas, avisamos para a polícia e tudo, ele pegou e... eu dormi lá no hotel, jantei, dormi... pedi comida no quarto... a Carla foi me levar algumas coisas, porque eu saí quase sem roupa sem nada com pressa para me levarem lá para a Missão Belém, onde eu fiquei internada, para a clínica. De lá eu fui para a Missão Belém, no outro dia de manhã nós saímos bem cedinho mesmo, saímos daqui e fomos lá para Jundiaí, demorou bastante, o caminho daqui até lá eu tive que parar em todos os postos de gasolina de tão nervosa que eu estava, eu tinha que ir ao banheiro porque me deu até dor de barriga. Cheguei lá na Missão Belém, sofri bastante porque não é fácil, é difícil, é difícil ficar em um lugar como eu fiquei. A Missão Belém é um sítio, eu tenho medo de bicho, dessas coisas. Muitas mulheres, todas as mulheres, a maioria das mulheres, a única mulher lá que nunca usou drogas era eu, o resto... a maioria das mulheres, são todas da Cracolândia. Então, eu já conhecia o mundo da cadeia, mas não conhecia como é o jeito das pessoas de um lugar que usa crack, eu não tenho contato com crack, eu não sei como que funciona. Então, vi mulher morrendo lá dentro, uma mulher teve hemorragia, vi bigato saindo das partes íntimas de uma mulher, eu nunca pensei que eu iria ver isso na minha vida. E lá na Missão Belém por causa do meu jeito, eu comecei a me destacar, logo eu virei coordenadora de uma casa. Então lá na Missão Belém eu tinha uma casa, com 28 senhoras, e eu conheci uma pessoa muito importante na minha vida, ele se chama padre Gilson, ele é da Missão Belém, eu amo muito ele, ele foi meu grande amigo.
P/2 - Como coordenadora, como que era?
R - Como coordenadora é assim, a gente tem a casa, eu sou coordenadora, eu tenho uma vice coordenadora para me ajudar, eu tenho uma cozinheira, eu tenho uma pessoa que lava a roupa, eu que tive que escolher essas pessoas para me ajudar, e lá na minha casa na Missão Belém, eram todas avós com mais de 60 anos, e todas elas estavam lá por causa do crack. Chegou uma avó lá para mim com 70 anos, ela estava na Cracolândia usando crack, muito triste de ver, sabe? A minha história, muitas vezes eu fico pensando, perto da história dos outros, eu não passei nada ainda, porque tem coisa muito difícil. Então o padre Gilson ele foi meu apoio lá na Missão Belém, eu nunca pensei que um padre ia ser... e o padre Gilson ele é muito gente boa... você vê o padre Gilson ele está de chinelo, bermuda, de camiseta, ele só põe a roupa quando ele vai rezar a missa. Ele é companheiro, ele é amigo, ele é novo ainda, ele foi um dos fundadores da Cracolândia, superou todo o vício dele, ele era traficante na Cracolândia, ele se superou e hoje em dia ele é padre, então ele é um grande exemplo para todo mundo, ele é um exemplo mesmo.
F: E você foi tratada lá sem nenhum remédios para deixar...
R - Não, sem remédio nenhum... não, eu tomo os meus remédios...
F: ...não, não em relação ao álcool...
R - Não, lá não tem remédio para álcool não. O álcool ou qualquer droga, eu penso assim, isso é comigo, eu penso, você tem que ter um motivo porque você está no vício você não enxerga nada, porque como eu que bebo, que bebia antes, não bebo mais hoje em dia graças a Deus, a gente fica bêbada e a gente nem vê o dia passar. Então você tem que ter um motivo, não sei... tem que acontecer uma tragédia na sua vida, que nem aconteceu, que tiraram os meus filhos, para você tomar uma atitude, entendeu?
F: Entendi.
R - Tem que ser a emoção e o coração, tem que acontecer alguma coisa muito importante que você fala: “ou é o vício ou os meus filhos”, então eu tive que escolher entre a pinga e a minha família, que são os meus filhos.
P/2 - E lá nesse lugar que você ficou, até conseguir não sofrer com a abstinência, você se apegou...
R - Eu não tive abstinência de cachaça gente, eu tive abstinência do cigarro. Nossa, como eu sofri por causa do cigarro, eu fiquei 1 ano e 2 meses, mais ou menos, na Missão Belém, e depois de coordenadora eu fui... tem a pessoa que toma conta da Missão Belém que ela se chama Sheila, e eu fazia... como eu sou muito boa de matemática como eu falei para vocês antes, eu gosto de matemática, eu fazia o balanço do sítio, então eu tinha muita responsabilidade. Eu comecei a viver para as avós, eu nem gostava muito das avós, hoje em dia eu dou muito mais valor para idoso do que antes eu dava, apesar de eu ter o meu avô e minha avó de referência como pai e mãe porque já eram bem mais velhos, nossa, mas agora eu acho que avô e avó são sagrados, depois que eu cuidei de tantas avós. As minhas avós eu tinha que trocar a fralda, eu tinha que dar comida na boca, tem hora para tudo, tem que ter as comidas certinhas para as avós. Todas as avós tomam medicamentos, eu tinha uma enfermeira só para a minha casa... posso parar um pouquinho só para assoar o nariz?
F: Como que você (inint) [01:09:46]...
R - A Missão Belém... eu saí da Missão Belém porque ia ter a audiência do Cláudio... o padre Gilson pediu para eu ir lá para Belém do Pará cuidar de um sítio com 120 mulheres.
P/2 - Você foi?
R - Não, eu falei para ele: “não padre, eu não posso, eu tenho o meu filho, agora eu estou bem, fiquei esse ano, eu acho que já estou bem”, o tratamento lá é seis meses, eu fiquei a mais porque eu quis, porque eu achava que não estava no meu tempo ainda. Então quando eu achei que eu estava preparada eu saí da Missão, eu saí da Missão Belém, eu vim para cá para Santa Cruz, eu guardei o dinheiro da Bolsa Família de todo o tempo que eu fiquei internada, o Alexandre me ajudou nessa parte, então quando eu saí de lá eu tinha algum dinheiro. Primeiro lugar que eu vim quando saí da Missão Belém foi para Santa Cruz, o Alexandre mandou dinheiro para mim de lá de São Paulo, eu peguei o dinheiro e vim para cá, chegando aqui eu conversei com a... o combinado foi assim, eu iria me internar, mas eu pensei, quando eu sair de lá, eu vou para onde? Porque eu larguei a minha casa com tudo dentro...
P/2 - A sua casa quando você foi internada era aqui?
R - Era aqui em Santa Cruz. Eu larguei a minha casa, os meus cachorros, eu larguei tudo e fui embora. Quando eu voltasse eu iria para onde? Quando eu cheguei aqui o meu pai falou que iria me ajudar a recomeçar, mas quando eu cheguei aqui ele não quis me ajudar, eu peguei, a Carla... o único lugar que tinha para eu ficar era em uma clínica em Ourinhos, então eu fui para lá. Eu não estava mais aguentando, só tinha eu de mulher o resto todos homens, tinha uns 40 homens e só eu de mulher, eu não estava mais aguentando ficar lá, eu não estava naquela fase de ficar internada, eu tinha ficado muito tempo internada, já estava boa, fiquei desesperada...
P/2 - Você falou que o Neto... você começou a contar sua sensação, seu sentimento em relação a essa violência, então fala de novo, e assim, um pouco... não assim, o que ele fazia, mas...
F: o que ficou de tudo isso.
R - Como eu estava falando para vocês aqui, para mim era uma tortura porque a pessoa mexe tanto com o seu psiquiátrico, com sua cabeça, que a violência não é só de bater, de você apanhar não, a violência é pior do que isso, sabe? E o meu começou com tortura psicológica, depois que foi partindo para a agressão. Então, hoje em dia, a violência que eu sofri com ele, eu que tinha tanto amor entre eu e o meu marido, foi o extremo. Tudo que eu senti pelo meu marido de amor, que eu tinha pelo meu falecido marido de amor, eu vivi o extremo com o Neto que foi a violência doméstica, eu ser maltratada dentro da minha casa, eu passei fome com ele, eu fiquei cinco dias, gente, sem comer nada, só tomando cachaça e água... quando eu comi eu passei até mal.
P/2 - Agora, você acha que ele tratava você assim?
R - Porque ele é assim, tanto é que hoje em dia ele mora na rua. A família dele não aceita ele, sabe? Ele é uma pessoa que tem algum distúrbio mental. Depois com o tempo eu fui vendo, para mim ele não é normal da cabeça, ele tem algum distúrbio, eu não sei como chama, eu não sei como é, mas uma pessoa normal não faz o que ele fazia comigo não, de jeito nenhum, uma pessoa normal não faz o que ele fez. Quando eu saí da Missão ele foi me buscar, ele me achou, lá na Missão Belém ele foi me visitar, aqui em Ourinhos nessa clínica que eu estava, ele foi me visitar... ele ficou morando na rua em Ourinhos para ficar atrás de mim. Um dia, eu vi aqui para Santa Cruz, quando eu fui voltar para a clínica o Neto estava lá na rodoviária, eu dei de cara com ele, eu nem sabia que ele estava aí, porque eu estava internada, eu não sabia, eu só ficava lá dentro. Dei de cara com ele na rodoviária, como eu não estava mais aguentando ficar na clínica, eu não tinha saída, eu não tinha para onde ir, eu não tinha a ajuda de ninguém, o Neto me estendeu a mão, ele falou como todo homem fala, como todo homem que é violento sempre fala, que eu sempre vou mudar, mas sempre muda para pior, nunca melhora, ele comigo foi assim, sempre foi piorando, cada vez que vai e que volta é pior, ele nunca melhorou, nunca, foi cada vez piorando mais. Eu acho que se nós nos vermos hoje em dia a coisa vai ficar muito feia... a última surra que eu levei dele não faz um ano ainda, faz bem menos, eu levei 53 pontos, eu levei soco no olho, eu levei ponto aqui, ele pegou o cabo da faca e batia na minha cabeça, levei bastante pontos na cabeça, levei pontos nas costas. Como eu tenho o bumbum meio grande, e ele gosta, ele falou: “se eu não fosse dele, eu não ia ser de ninguém”, ele quebrou um pirex no chão, porque ele é bem maior que eu, e como ele batia muito na minha cabeça eu fiquei tonta, eu não conseguia reagir, eu estava tipo desmaiando porque é muito forte as pancadas com o cabo da faca na cabeça. Eu não conseguia ter reação, ele me segurou de um jeito, ele pegou um pirex daqueles de vidro grosso, tacou no chão, me pegou pelos cabelos e me colocou sentada, aí cortou aqui tudo a minha... eu estou com as nádegas toda cortada, corte deste tamanho assim por causa da grossura daquele vidro está marcada aqui, então...
P/2 - Como você conseguiu depois disso, como é desfecho, como que acabou?
R - Quando ele me bateu essa última vez ele foi preso, ele ficou 6 meses preso, eu fiquei em São Caetano ainda, porque eu tinha mudado com ele para lá. Eu fiquei poucos tempos com ele lá, fiquei alguns meses e ele me bateu de novo, não demorou muito para ele me bater. E eu... como antes eu bebia muito e depois sóbria é totalmente diferente, dói mais ainda porque quando você está alucinada você esquece, é diferente de quando você está sóbria vendo mesmo. Então eu peguei... quando ele foi preso e tudo... a minha filha ligou para mim falando que estava grávida, eu nunca vou esquecer, mãe, você não vai ficar brava comigo? Eu falei: “o quê que aconteceu Geovana, pelo amor de Deus fala logo”, porque é ficar longe dos filhos... ela falou para mim, era uma segunda-feira pela manhã, umas 10 horas da manhã, ela ligou para mim e falou assim: “mãe, eu estou grávida de novo, eu vou ter outro bebê, você vai ficar brava comigo?”, eu falei assim: “não porque eu estou contente demais, porque eu sou avó, porque se fosse comigo eu estava desesperada”, falei bem assim para a minha filha. Então o Neto quando foi... eu comecei a trabalhar lá em São Paulo, quando eu comecei a trabalhar teve a audiência da gente, da cadeia passou 6 meses, eu estava trabalhando, eu estava namorando, eu estava com uma casa só para mim, a Geovana começou a ligar para mim pedindo para eu vir para cá para ajudá-la e eu não aguentei, eu também estava com muita saudade do Cláudio. Quando eu apanhei a última vez, quando o meu pai me viu ele começou a chorar, eu estava toda deformada mesmo, no rosto, tudo.
P/2 - Você que deu parte dele?
R - Os vizinhos chamaram, ele ia me matar. Quando a polícia chegou na minha casa, ele estava com a faca no meu pescoço e não queria me soltar, o policial teve que usar de força para me tirar dele, ele iria me matar naquele dia, eu vi a morte passando na minha frente. E as dores que eu estava sentindo, eu estava sem enxergar, porque eu levei dois socos no olho, eu estava sem enxergar, com o meu olho espirrando sangue, espirrava sangue... as minhas partes aqui, a calça, eu fui todinha ensanguentada para a delegacia. Na hora que a policial feminina me viu, ela me deu um abraço, eu dei um abraço nela naquela hora, eu pedi, eu falei para ela: “socorro, me tira daqui que eu vou morrer, ele vai me matar”, ele falava assim: “se você me soltar eu vou matar ela mesmo”, e os olhos dele estavam alucinados, estava um louco, totalmente transtornado, sabe? Então para ele me matar ali... aquele dia eu pensei que eu iria morrer de verdade, as dores que eu estava sentindo, porque apanhar dói muito... os cortes que eu tenho, as marcas que eu tenho dele, da violência que eu tenho... cada pedaço do meu corpo aqui se você olhar eu tenho marca de apanhar dele.
P/2 - E foi depois que ele foi preso que você conseguiu se reorganizar, começar a trabalhar...
R - Eu consegui, comecei a trabalhar, comecei a namorar com o menino que eu namorei aqui em Santa Cruz, não sei como que ele apareceu lá em São Caetano, eu namorei com o Osvaldo. Então a Geovana começou a me ligar para eu vir... teve a audiência, o juiz foi lá e soltou ele, e a advogada fez de tudo para ele ser condenado, mas ele não foi. Porque eu já tenho... eu tenho vários boletins de ocorrência contra ele, ele tem vários... não é a primeira vez que ele vai preso, eu acho que já é a terceira vez que ele vai preso por causa dele me bater. Eu sempre falei, não tem como não falar porque você aparece toda machucada na rua, você vai falar o quê? que eu caí? Eu não vou mentir, eu falo a verdade, porque não adianta. Então, por onde que eu falo agora?
P/2 - Voltou para cá...
F: A pedido da Geovana...
R - Isso aí foi agora a pouco tempo. Eu estou aqui vai fazer acho que 2 meses, faz pouco tempo que aconteceu isso.
P/2 - Que ele saiu faz pouco tempo, da prisão?
R - Sim, faz uns dois meses... agora... quando ele saiu, eu não queria vir para cá, eu não queria vir de jeito nenhum, porque eu estava trabalhando, eu estava namorando, eu estava com a minha casa. Quando eu estava trabalhando eu podia ter mais condições de vim ver os meus filhos mais vezes, porque eu gosto daqui, mas o problema daqui é que não tem emprego, não é que não tem emprego, tem emprego, mas é muito difícil. A mulher do PAT não aguenta me ver mais porque eu vou lá quase todos os dias, gente, eu sei até o nome dela, já me conhece, já sabe até o quê que eu estou procurando. Então, eu estou correndo atrás, vai fazer dois meses que eu estou morando aqui, o meu pai me ajudou. Quando eu mudei para cá, a Geovana ligou e eu fui para a casa da Geovana, e eu e o marido dela, a gente não se dá muito bem, porque quando eu estava morando aqui e eles moravam comigo, eu trabalhava, eu trabalhei algum tempo, quando eu chegava em casa eles não faziam nada, e o Iuri ele fumava maconha junto com a Geovana, então eu... não adianta... eu não consigo, a gente não consegue se dar bem. E ele é muito desaforado, ele não me respeita, ele é muito desaforado, então a gente não se dá bem. Eu falei para a Geovana que eu queria ficar na casa dela pouco tempo, eu comecei a procurar um lugar para eu ficar, depois meu pai... então a Geovana pegou... eu fui para a casa da Geovana, quando eu cheguei lá fiquei uns 5 dias e o Iuri pediu para eu sair fora da casa, porque ele não queria que eu ficasse lá. Eu vim aqui, o pessoal do CREAS aqui... quando eu cheguei aqui, eu vim aqui avisar que eu cheguei, tudo que estava acontecendo... então o meu pai pegou depois... o Iuri me pôs para fora, no outro dia pela manhã eu tinha vindo fazer uma ultrassom com a Geovana, eu encontrei com um pessoal que eu conhecia que era lá dessa clínica que eu fiquei internada, lá de Ourinhos. Como o Iuri me pôs para fora, eu resolvi ficar uns dias na casa deles até liberarem a minha casa, que eu já tinha arrumado um cantinho lá, uma casa que é bem baratinha para pagar o aluguel. Eu fiquei na casa desse pessoal, só que os primeiros dias foram bons, depois menina, o que começou de chegar de cachaça nessa casa e de drogas... e é uma casa bem em frente da delegacia, eu falei: “gente, um dia eu ainda vou ser presa ainda”, e eu não tinha lugar para ficar, meu pai ficou com raiva e falou que não iria me ajudar mais não, que era para eu pegar... me puseram para fora da casa, porque eu não aceitava mais, eu ficava com duas crianças pequenas que tem lá, e todos eles usando drogas, dia e noite. Eu tinha que sair daquela situação, meu pai não quis me ajudar mais, eu iria acabar tendo que ir para uma clínica, porque eu não tinha lugar pra ficar... o dia que era para ir para clínica mesmo... e a gente... como eu falei para vocês, o meu relacionamento com ele é difícil, é difícil mesmo... eu peguei... ele é uma pessoa... ele parece uma pessoa para os outros, mas eu acho que só quem conhece as pessoas mesmo é quem faz parte daquela família, na família que você mostra realmente quem você é. O que você é para os outros é uma coisa, ele faz assim, com a família é outra, não é? Então, eu realmente conheço ele, e sei do que ele é capaz de fazer, ele mente muito, ele bebe até hoje, ele já tem 73 anos.
P/2 - Mais você... você teve que sair dessa casa não é?
R - Não, então. No dia que foi para eu me internar mesmo, para me internar agora dessa vez, ele pegou e ligou para mim, eu tive uma conversa muito séria com ele. Ele falou assim: “então vamos fazer assim”... porque já estava contrato pronto e tudo, só faltava mesmo eu pegar a chave da casa, ele foi lá na imobiliária e eles começaram a enrolar, não é Ana Paula? A Ana Paula me ajudou, Ana Paula ligava na imobiliária para mim, a Ana Paula via...
P/2 - Ana Paula de onde é?
R - É ela.
P/2 - Não, mas fala de onde...
P/2 - Ah, a Ana Paula é do CREAS. Ela está me entrevistando aqui, eu esqueço que só estou eu aqui aparecendo, penso que está todo mundo aparecendo aqui para mim, já. Até o moço da câmera está aparecendo...
P/2 - E você... aí da casa... conseguiu...
R - Consegui a casa, agora eu estou nessa casa, nós estamos aqui no CREAS, é duas ruas aqui para baixo, é aqui no centro. A casa é bem simples mesmo, eu não tenho nada, eu tenho uma cama, eu tenho uma televisão, que tem um armarinho que põe a televisão em cima, eu tenho a geladeira e o fogão, eu não tenho mais nada dentro da minha casa...
P/1 - Mas está recomeçando, não é Patrícia?
R - ... e tem a Pietra que é a minha cachorrinha, que é a minha companheirinha...
P/1 - Porque... qual que era o discurso que você falava mesmo? Porque o pai queria que você voltasse para a clínica, não é? O quê que você colocava.
R - O quê?
P/1 - Você falava que... o seu tempo da clínica...
R - Foi assim, como ele... a palavra de um homem... o meu marido, apesar de tudo, ele foi bandido mais ele era homem.
P/2 - Como assim?
R - Ele era homem, se ele falasse para você é tal coisa, é tal coisa. Então, eu tenho uma palavra de uma mulher, eu acho que... eu não consigo mentir, gente. Tem muitas coisas que eu venho aqui e não é nem para eu falar, mas eu falo, eu não consigo ser mentirosa, se acontecer comigo eu falo mesmo, porque eu tenho que falar, eu já tenho que falar para eu poder ficar bem. O quê que vocês querem que eu continue...
P/1 - Porque você falava que não queria voltar para a clínica, não é? Por você estava em um momento, já se recuperou...
R - Não, não quero, eu estou em outra fase. Faz tempo que eu não bebo, gente, faz mais de dois anos, e olha que o inimigo está me cercando, porque eu passei por essa casa que tinha muita droga, eu agora conheci um moço, eu comecei a namorar com ele, ele trabalhava do lado da minha casa em uma construtora, ele era pedreiro, mais velho do que eu, então eu pensei que ele iria ser uma pessoa boa para mim, os primeiros dias foram bem mais depois... ele mora em outra cidade, ele mora em Bernardina, aqui é Santa Cruz, eu não sei se é perto ou longe porque eu não conheço... esses dias agora, que nem ontem, a gente teve uma briga muito feia, ele chamou a polícia para ir lá na minha casa, porque ele tinha um dinheiro lá em casa, e ele bêbado. Ele começou a beber dentro da minha casa, bebendo dentro da minha casa, chegando bêbado, fazendo inferno na minha vida, eu ficava olhando para ele e pensando assim, gente, será que quando eu bebia eu fazia a mesma coisa? Que horror, meu Deus. Porque quando você está sóbria, é outra coisa, e quando você vê a pessoa bêbada e tudo que ela faz... eu tinha vontade de pegar e sair da minha casa esses dias, semana passada, porque eu não aguentava a hora que ele ia chegar em casa... como ele morava em outra cidade e trabalhava aqui ele ficou uns dias na minha casa, nossa, e bebida e gritando, e não sei o que. Eu falei para ele: “não, eu não quero mais ficar com você”, e ele que estava me sustentando, ele me dá de tudo, ele recebe dinheiro, ele dá na minha mão, como ele recebeu dinheiro e deu na minha mão, eu faço o que eu quero com o dinheiro. Eu comprei presente do dia das crianças para os meus filhos, eu comprei presente para a minha neta que vai nascer, comprei presente para a Ana que está aí, para a bebezinha, comprei presente para o Cláudio, comprei presente para a Geovana, com o dinheiro dele. Mas infelizmente ele não é a pessoa para mim, e ontem ele chegou muito bêbado com garrafa de 51 na minha casa, eu não posso porque a 51 é o meu amor e eu não posso com ela, ela me derruba, ela acaba com a minha vida, então, eu peguei ontem... ele tinha o dinheiro lá em casa, eu não quis deixar ele ficar lá, ele chamou a polícia para ir lá buscar o dinheiro dele, foi buscar. Então, eu tenho medo que hoje à noite ele apareça em casa, porque eu não quero mais passar o que eu passei com o Neto, eu já fui perseguida, eu já fui violentada, eu já passei por bebida, eu já passei por drogas, eu já passei por muita coisa, e o que eu quero hoje para mim, se fosse para eu falar alguma coisa que eu queria hoje é arrumar um emprego, é só isso que falta para mim, porque eu consegui ficar com a minha família. Hoje é um dia muito feliz para mim, que eu estou dando essa entrevista, porque hoje a minha filha foi com a minha neta lá na minha casa, foi a primeira vez que elas foram na minha casa, e eu estou tão feliz, eu estou aqui, a minha neta está aqui do lado, a minha filha que vai ter outro bebê daqui uns dias... a minha filha ela é uma pessoa difícil, quem conhece ela sabe que ela tem um gênio muito forte. A Geovana usou muita droga também, eu bebia muito, e ela usava drogas, eu nem ligava, eu não podia julgá-la se eu estava dando o exemplo, porque bebida querendo ou não é droga, acho que é uma das piores drogas que tem, porque é uma droga que você compra em qualquer esquina, todo lugar que você bate o olho tem um bar, então a tentação é muito grande. Não é como uma droga que você tem que ir lá na biqueira, buscar a droga lá na favela, sei lá, qualquer lugar que seja, é qualquer lugar mesmo, qualquer lugar que você anda... você vê, a minha droga está em todos os lugares, se eu sair daqui, de frente quase aí tem um bar, então tem que se vigiar direto. A pastoral, eu estou indo nas reuniões da pastoral da sobriedade toda segunda-feira, é muito importante para mim.
P/2 - Por quê?
R - Porque lá... eu não vejo o dia que chega segunda-feira, e agora quinta-feira também tem o outro grupo que eu gosto de participar porque a gente que está em recuperação, eu acho que vou ficar em recuperação o resto da vida, eu penso assim, eu estou em recuperação o resto da vida. Essa semana que eu vi a garrafa de 51, esses dias, eu fiquei olhando bastante mesmo... comecei a viajar na garrafa, do nada me peguei viajando naquilo, falei: “pode parar”, eu estava quase recaindo já, eu falei: “não, pode parar, eu não posso, gente, ela tem que ficar no extremo de mim”. Então, eu tenho que me vigiar, as reuniões são muito importantes pela tentação que a gente... todo mundo tem vontade, de vez em quando eu também tenho vontade, tem dia que eu sinto o gosto de cachaça na minha boca, de tanta vontade, mas isso daí, eu não vou perder tudo o que eu passei lá na Missão Belém, o ano que eu passei longe dos meus filhos, tudo que eu passei eu não vou perder mais por causa disso daí não, de jeito nenhum. Então, hoje em dia o que eu mais queria é arrumar um emprego, para eu conseguir pegar o meu filho, tirar o meu filho do abrigo, e para eu viver a minha vida em paz, eu quero ter uma vida em paz... e ainda, como eu falei para vocês que eu gosto de namorar bastante, ainda acho que eu vou arrumar alguém que vai me fazer muito feliz, porque eu acho que depois de tudo isso que eu passei na minha vida, eu acho que eu mereço ter alguém bom do meu lado, porque todo mundo tem alguém bom e porque que eu não tenho? Por que que Deus não vai me dar alguém? Então eu tenho certeza que Deus está olhando por mim, e que ele vai me dar uma pessoa boa ainda, porque eu vou conhecer. Que vai saber cuidar de mim como eu vou cuidar dele também, e a gente vai ser muito feliz ainda, eu tenho fé em Deus, e em Nossa Senhora que vai dar tudo certo.
P/1 - E agora só o fechamento, não é? Você colocar para a gente como foi contar a sua história.
R - Até estou sentindo um... eu não sei falar o que eu estou sentindo ao contar a minha história, eu pensei que eu não conseguiria falar nada, porque a hora que eu vi... quando a Ana Paula falou para mim do projeto de vocês e tudo, para mim eu falei: “ah eu vou”, mas quando chega na hora é diferente, não é? A gente fica meio... então quando eu vi a câmera, assim, vocês aqui... eu falei: “ah, agora eu não vou conseguir falar nada”, mas acabei falando. Eu estou sentindo o quê? Eu não sei, eu espero alguma dessas palavras, do que eu passei na minha vida, que sirva de alguma coisa para alguém, que sirva de ajuda para alguém, ou que alguém que esteja passando uma violência dentro de casa, como eu passei até pouco tempo atrás agora, faz muito pouco tempo mesmo, meus pontos ainda doem quando muda o tempo, então está fresco ainda. Então, se alguma mulher estiver passando o que eu passei, porque a gente tem que dar um jeito, a gente tem que se libertar de alguma forma, e não é fácil, é difícil, sabe? Porque é assim, eu tenho medo que o Neto venha para cá ainda, e todo mundo fala isso para mim, a Carla falou segunda-feira: “eu tenho certeza que daqui uns dias o Neto estará aqui atrás de você”.
P/2 - Você tem medo por quê?
R - Para eu apanhar?
P/2 - Não...
R - Porque agora ele vai acabar de me matar. Eu conheço ele, a gente está em um ponto que agora, a raiva que ele está de mim, de tudo que aconteceu, agora ele vai me matar, porque eu não vou mais voltar para ele, ele pode fazer o que for, eu não vou mais voltar para ele, de jeito nenhum. Toda vez eu falo, falo... quantas vezes eu vim aqui no CREAS e falei que não iria ficar com ele, eu vou lá e acabo voltando com ele? Quantas vezes...
F: ... só diz, porque que tinha a volta? Porque voltava?
R - ... não sei. Porque eu não tinha ninguém, não tinha opção, não tinha nada, e a pessoa sempre fala que vai mudar. Eu sempre falava: “Patrícia como que você é trouxa de acreditar”, porque ninguém que está dentro da situação, não enxerga como os outros que estão de fora, é diferente. Então, eu vim falar aqui hoje, que se alguém estiver passando o que eu estou passando para pedir ajuda para se libertar disso, denunciar como eu denunciei ele, parar de passar isso porque é muito sofrimento. A vida é tão bonita, gente, a vida é tão boa, sabe? Para quê que eu vou ficar apanhando e sofrendo todos os dias, todas as horas? Porque o Neto nem trabalhar trabalhava, era sofrimento o dia inteiro e a noite, e para me bater não tinha dia e não tinha noite, entendeu? Qualquer coisa era motivo de brigar, porque duas pessoas na casa... ou senão quando trabalhava, era sempre eu, sempre eu que trabalhei e não é certo isso. A pessoa te bate e tudo, e você trabalha para ela ainda? Você vive para ela, faz tudo para ela, e a pessoa ainda vai lá e te bate. Eu não queria que ninguém passasse pelo que eu passei, ninguém, eu não desejo isso para ninguém. Eu não tenho inimigo, graças a Deus, meu inimigo é o Neto hoje, tenho inimigo sim, é o Neto, mas eu não desejo isso a ninguém.
F: E como você vê o seu futuro agora? Daqui para a frente, para a gente fechar essa entrevista.
R - Meu futuro? Como que eu vejo? Nossa, eu quero trabalhar. Amanhã eu vou comprar uns esmaltes, umas coisas, eu vou pedir para a minha filha por um anúncio na internet que eu estou fazendo unha, que eu sou manicure, eu sou cozinheira, eu sou faxineira, eu estou procurando emprego de qualquer coisa. Amanhã eu recebo o Bolsa Família, o dinheiro do Bolsa Família eu vou comprar algumas coisas para ver se engata alguma coisa, eu vou falar para todo mundo que eu estou fazendo unhas, que eu já tenho as coisas, e esperar o meu futuro. Eu quero trabalhar, gente, ter meus filhos e minha família, minhas netas. A minha neta... a minha vida agora... eu olho para a minha neta, ela é a minha continuação, não é? Porque se não fosse eu, não teria ela. E agora eu estou passando uma fase que eu vou ter outra neta, então é mais continuação da minha vida ainda. Então, eu estou vivendo um momento com a minha família, assim, maravilhoso, só falta o Cláudio aqui comigo, mas... agora eu estou em uma transição da minha vida... começando uma outra fase, porque eu mudei para cá sem nada, eu vou recomeçar. O meu futuro, é isso que eu falei, eu quero ter os meus filhos e os meus netos do meu lado, e ter uma pessoa boa que fique comigo, é só isso que eu quero, não quero mais nada.
F: Muito obrigada.
R - Obrigada.
F: Você vai conseguir, já conseguiu.
P/1 - Está conseguindo.
F: Parabéns viu Patrícia pela história.
F: Parabéns mesmo pela força, não é?
F: É, e obrigada por você ter contato com tanta sinceridade, ok?
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