Identificação. Infância em São Paulo. Atividades comerciais do pai. Descrição das casas que morou e lembranças da infância. Os empregos que teve. A compra de uma banca no Mercado Municipal. Atividades teatrais e a saída do Mercado. A sociedade do Amor aos Pedaços. A faculdade e os ensaios de teatro. O funcionamento do Mercado Municipal. A venda de pedaços de bolo por peso. A expansão da rede e o sistema de franquias. A divisão da sociedade e ida para o mercado exterior. O processo de adaptção e as receitas de família. Avaiiação de seu trabalho. O mercado americano e seus projetos futuros.
Meu nome é Reinaldo Abramovay, nasci em 10 de novembro de 1959 na maternidade São Paulo, em São Paulo, capital. Meu pai se chama David Abramovay e nasceu no Rio de Janeiro. Minha mãe chama-se Esther Abramovay e nasceu em São Paulo. Meu avô paterno nasceu na União Soviética e a minha avó paterna, na Inglaterra. O meu avô materno nasceu na Rússia e a minha avó materna, na Romênia. Meus avós paternos vieram na década de 20, depois da Primeira Guerra Mundial. Os avós maternos vieram na década de 30, pouco antes da Segunda Guerra Mundial.
Meu pai teve três, quatro atividades na vida dele. A primeira foi uma lavanderia e tinturaria que ele teve, muito grande na época, entre 1968 e 1978. Depois, na década de 80, ele chegou a ter lanchonetes, casas lotéricas e postos de gasolina. E de 1988 até os dias de hoje ele tem uma financeira, mas está se aposentando. Meu avô materno foi alfaiate a vida inteira, fazia ternos na cidade. Minha avó, esposa dele, cuidava da casa e cozinhava muito bem. O sonho dela era ter uma doceria. Meu avô paterno faleceu quando eu tinha três anos de idade, então não sei direito o que ele fazia. Minha avó então se casou de novo, com um hoteleiro.
Eu ia na lavanderia que o meu pai tinha. Ele tinha aqueles carrinhos que você carrega roupas e pendura cabides em cima. Eu devia ter cinco ou seis anos ficava correndo com os carrinhos, junto com meu irmão. Também ficava olhando as máquinas de passar. Às vezes eu também viajava com meu pai para o interior, onde ele ia comprar madeira para fazer aqueles cabides de ferro com uma madeira em baixo. Dos trabalhos do meu pai, esse é o que eu mais me lembro, no período da minha infância. Na minha adolescência já era a época que ele estava com as lanchonetes e eu comecei a ajudar. Fiquei uns seis meses trabalhando com ele. Eu fazia um pouco de tudo. Apesar de trabalhar com meu pai, ele tentava botar um esquema bem: "Ô, você trabalha aqui, é meu filho, mas tem que fazer mais que qualquer pessoa que trabalha aqui." Então, tinha que bater cartão de ponto. Eu atendia o balcão, ficava no caixa, ajudava a fechar o caixa. Nessa época eu já tinha 17 anos. A lanchonete em que eu trabalhei ficava no Jabaquara. Mas também tinha na rodoviária do Glicério, no metrô do Largo São Bento, na Avenida Ipiranga. Eu gostava do que fazia. E enquanto eu gostei, foi legal. Mas a partir do momento que eu vi que não tinha espaço para mim e comecei a não concordar com o jeito que ele dirigia o negócio ou que meus os meus irmãos trabalhavam, eu fui tomar meu rumo sozinho mesmo. Eu tenho três irmãos mais velhos e nessa época todo mundo trabalhava com o meu pai.
Eu tive uma infância muito legal. Primeiro porque, de quando eu nasci até os 7 anos, eu morei em uma casa na Madre Teodoro, que é uma rua paralela à Rua Estados Unidos, em São Paulo. Era uma casa gostosa e a gente sempre brincava muito na rua de amarelinha, pega-pega, esconde-esconde, brincadeiras que hoje é difícil você ver crianças brincar. A gente ficava esperando o sorveteiro, aqueles da carrocinha que tem até hoje. Tinha também o vendedor de bijuzinho que batia aquele "clá, clá, clá, bijú!" A gente tinha uma turma muito legal lá de criança, um dormia sempre na casa do outro. Depois nós mudamos para uma casa na Padre João Manoel, uma casa super grande, em frente a onde é o consulado dos Estados Unidos. Hoje tem um prédio lá, mas tinha um campo de futebol. Dentro da casa tinha um parquinho. Minha irmã tinha uma casa de boneca de 30 metros, que era separada da casa. E também tínhamos salão de jogos, mesa de pingue-pongue. Então a gente tinha muitos amigos.
Todo domingo era dia de festa, dia de churrasco, dia de jogar futebol. Era super gostoso, eu tive uma infância bem legal. E a gente também subia na jabuticabeira que tinha em casa pra pegar a fruta no pé. Nessa época eu tinha um vizinho que o apelido dele era Rivelino. Ele jogava futebol bem à beça e era um cara bem simples. Eram caseiros de uma loja na Rua Augusta. Então, na casa dele ele criava galinha, tinha até cana plantada. A gente pulava o muro e ficava chupando cana e brincando com as galinhas dele. Ele era de uma classe social diferente da minha e a gente ficou muito amigo. Me trouxe uma visão diferente do mundo. Por exemplo, seis pessoas dormiam no mesmo quarto, era um mundo muito diferente do meu. Eu ia muito para o Guarujá nas férias, a gente também tinha uma casa supergrande e gostosa lá. Tinha campo de futebol, então a gente fazia gincanas, organizadas pelos meus irmãos mais velhos. Eles também organizavam passeios de bicicletas, então a turma do Guarujá era centralizada na nossa casa, naquela redondeza. Eu passei muito tempo lá, ficava três meses por ano indo para a praia. Naquela época tinham poucos prédios no Guarujá, era uma coisa super gostosa ir para lá. Eu tive uma infância bem aproveitada. Aos 13 anos, porém, eu fui morar em apartamento e aí eu conheci um outro estilo de vida. Já não podia brincar na rua, tinha muito carro, tinha que tomar certos cuidados. Então a gente começou a ir brincar mais no clube. Foi assim até os meus 15 anos quando, apesar de estar estudando, eu tive que começar a trabalhar.
Meu pai chegou para mim e falou: "Olha, agora não tem mais mesada, agora você vai trabalhar, eu não vou te dar mais dinheiro porque minha educação é essa." Na época eu lembro de ter xingado muito o meu pai dentro de mim, porque eu via todos meus amigos tendo mesada, tendo um monte de coisas e eu não. Mas meu pai não pôde me proporcionar isso. Naquela época era uma época de mudança na vida dele e também acho que era um pensamento dele eu ter que batalhar pelo meu sustento. Então, eu trabalhava e estudava ao mesmo tempo. Eu trabalhava então numa loja na Avenida Cidade Jardim, que hoje não existe mais. Chamava-se Visard Vigotex. O dono da loja era um amigo do meu irmão. Ele primeiro me deu um emprego no Natal, para eu empacotar as compras das senhoras. Então, quando elas compravam os vestidos, eu os empacotava e dava um lacinho na caixa. Isso foi em dezembro, mas eu acabei ficando porque depois veio a liquidação. E eu gostei do trabalho. Fiquei lá seis meses empacotando, ajudando a arrumar quando chegava coleção nova, a separar tamanho. Eu gostava porque, primeiro, foi o meu primeiro contato com o mundo de negócios, o mundo do comércio, diferente daquela idade da escola. E segundo porque foi o primeiro momento em que eu comecei a ganhar dinheiro pelo que eu fazia. Então eu tentava, de uma maneira ou de outra, ter quase a mesma coisa que os meus amigos tinham. Mas que eles tinham de pai para filho, para mim vinha com o trabalho que eu fazia e isso foi legal.
Eu comecei a querer trabalhar e tentar achar um caminho para mim mais cedo. Queria uma coisa que eu gostasse e que me remunerasse pelo trabalho que eu estivesse fazendo também. Eu estudava de manhã e trabalhava à tarde. E quando dava, eu trabalhava também de fim de semana para ganhar um pouco mais, porque a loja tinha um ótimo movimento aos sábados. Aí eu comecei a unir o trabalho com o estudo e também com hobbies, como teatro que eu gostava de fazer. Eu tentei unir essas três coisas ao mesmo tempo. Depois de sair da Vigotex eu trabalhei como contato numa revista. Foi o trabalho que eu menos gostei. Trabalhei por dois meses, mas era um trabalho para o qual eu não nasci. Você precisa ir atrás do anunciante e depende muito do veículo. E a sensação que me dava era de que eles anunciavam lá veículo onde eu trabalhava mais como favor do que como um bom negócio para trazer o retorno do investimento num anúncio. Saí de lá e fui trabalhar como pesquisador, na verdade pesquisa de mercado. Trabalhei fazendo uma pesquisa sobre máquina de lavar roupas: se a dona de casa tinha ou não tinha, quantas vezes usava, qualquer coisa assim. Não foi um trabalho que eu possa dizer que amei, mas também não detestei. Eu tinha uma espécie de mobilete e, como a pesquisa era sempre no subúrbio de São Paulo, acabei conhecendo um pouco da cidade. Na verdade um outro mundo de São Paulo que não era a zona sul onde eu morava. Era a zona leste, zona norte... E eu vi como São Paulo era grande. Fiquei quatro meses nesse trabalho.
Depois disso eu acabei abrindo uma pizzaria. Nessa época eu já tinha entrado na faculdade de filosofia, onde estudei um ano, na PUC. Depois eu transferi para psicologia. Eu fazia faculdade à noite, trabalhava de manhã e fazia teatro à tarde. Depois a faculdade foi para o período da manhã. Nessa época eu fui trabalhar no Mercado Municipal, à tarde. Alguém tinha uma dívida com o meu pai e pagou com essa banca que vendia frutas natalinas, macarrão, bacalhau, azeitona, cereais, laticínios e etc. no Mercado Municipal. Então meu pai pediu minha ajuda, pediu para eu ir lá de sábado dar uma olhada para ele. Eu fiquei um sábado, fiquei o segundo, o terceiro sábado. Acabei gostando de ficar lá e eu fiz um acordo com meu pai, que me vendeu a banca. Eu paguei para ele em três anos com o dinheiro do próprio negócio. Depois, no próprio mercado, eu acabei comprando mais uma loja pequena que vendia um pão italiano e massas. E comprei a terceira, que vendia bacalhau, queijos e outras coisas que eu não vendia na minha loja. Fiquei então com três bancas no mercado, ao mesmo tempo em que eu estudava psicologia na PUC. Eu tinha aulas de manhã, de tarde, tinha dias que tinha trabalhos à noite, tinha finais de semana que precisava estudar... Eu seguia tentando fazer um mix do mercado com a faculdade, à noite, eu ainda ia fazer teatro, coisa que eu gostava muito. Eu comecei a fazer teatro no Antunes nessa época e sentia que estava muito difícil de conciliar. O mercado é um trabalho que você precisa acordar bem cedo já que funciona das cinco da manhã às quatro da tarde. Mas eu não chegava antes das sete da manhã porque não conseguia acordar mais cedo. Ficava estudando até tarde da noite. Eu tinha quem me ajudasse a trabalhar, mas na tentativa de unir as três coisas, eu comecei a sentir que não estava fazendo nada bem feito: nem a faculdade, nem o mercado e nem o teatro. Comecei a achar que o mercado estava me sacrificando muito, mas por outro lado precisava do dinheiro que eu ganhava lá porque nessa época já tinha saído de casa e morava sozinho desde os 19 anos. Eu precisava ganhar pro meu sustento. Fui percebendo que ia ter que mudar alguma coisa na minha vida. Nessa época, eu vendia muito para restaurante. Eu tinha um atacado muito grande no mercado e um dos meus clientes era a Amor aos Pedaços, na época uma lojinha de doces na Rua da Consolação. A dona, que se chamada Ivani e ela era prima da minha cunhada, me chamou para ser sócio dela. Ela tinha aberto a loja há uns seis meses. Um dia antes de me fazer a proposta, eu vi que tinha sido roubado por quem tinha trabalhava comigo no mercado. Como eu acredito muito no lado muito espiritual da vida, interpretei isso como uma mensagem de Deus e pensei: "Estou roubado e uma pessoa me chama para ser sócio.”.
Em uma semana eu saí do mercado e entrei como sócio da Ivani naquela loja da Consolação. Assinei o contrato no mesmo dia. Na época tínhamos três, quatro funcionários. Combinei com ela que eu ficaria de manhã e ela ficaria à tarde. Então, de manhã eu tinha o trabalho, à tarde eu ia para a faculdade e à noite para o teatro. Um ano depois eu acabei trancando a faculdade no terceiro ano de psicologia. Eu senti que o trabalho estava indo legal e comecei a gostar cada dia mais do que eu estava fazendo na doceria. Então passei a me dedicar só à loja e ao teatro. Com o tempo eu fui me dedicando cada vez mais e ficava com o dia praticamente todo lotado. No Antunes começaram a pedir pra ficar de manhã, de tarde e às vezes até a noite, o que começou a me trazer dificuldades de conciliar o trabalho com o teatro. Mas eu me comprometi comigo mesmo. Na época a gente estava abrindo a segunda loja e o negócio estava indo bem. Então, eu acabei optando por continuar com o negócio que eu estava gostando. Até tinha um pouco de arte (havia o bolo) e também era o que estava me pagando, eu estava ganhando dinheiro naquilo e começando a me dar bem financeiramente. Então eu deixei o teatro para um segundo momento da minha vida. Fiz um projeto assim: "Ó, eu vou ter quatro, cinco lojas, vou ganhar ‘x’ e vou voltar a fazer teatro.” Só que isso nunca aconteceu.
A primeira peça eu fiz na Cipe, Movimento Juvenil, quando eu tinha 12 anos. Chamava-se "Pluft, o Fantasminha" e eu era o tio Gerúndio, que ficava dentro do caixão. Eu me lembro que levei meus pais para assistir e eles falaram assim: "Pô, você quase que não sai do caixão nessa peça inteira." Mais tarde eu comecei a fazer teatro na Hebraica. Eles contrataram um diretor chamado Reinaldo Santiago que até hoje está aí. Certa vez eu fui fazer um teste na Hebraica e eu conheci uma pessoa que cuidava do setor de cultura lá, chamada Amália Zeitel. Ela viu que eu adorava teatro e falou: "Olha, por que você não tenta fazer teatro profissional?" Então eu fui fazer um teste onde, na época, me falaram que era o melhor. Ela mesma me sugeriu: "Olha, os melhores locais para você fazer teatro em São Paulo são o Macunaíma e o Antunes Filho, que tem no Sesc um departamento de teatro que faz pesquisas, super legal.” Então eu fui no Macunaíma mas só fiquei dois meses porque não me adaptei ao estilo que eles trabalhavam. Fui então fazer o teste no Antunes Filho. Eu nunca vou esquecer como foi um dos dias mais felizes da minha vida, porque ali eu comecei a ver o que era teatro levado a sério, o que era pesquisa teatral, o que era estudo teatral, estudo do personagem. Mas só tinham dez vagas e eu falava: "Pô, como é que eu vou entrar..." Tinha uns cem candidatos e o teste levava de dois a três minutos nos quais você tinha que estudar com alguém e representar. Era um texto do Guimarães Rosa, não lembro qual. Eu passei no teste e fiquei super feliz naquele dia. Lembro que fomos todos para uma sala para eles falarem os nomes dos que passaram. E quando o meu nome foi falado, eu dei uma cambalhota no chão de alegria e o assistente do Antunes, Ulysses Cruz, que ficou meu grande amigo também e hoje é diretor de teatro, falou: "Pô, você queria mesmo estar aqui!" "Eu queria mesmo!" Foi engraçado. Mas mesmo fazendo parte do grupo eu acabei não encenando a peça de lá porque na época eu estava começando outro negócio. No total eu fiz teatro por uns três anos e nunca cheguei a me apresentar profissionalmente, só no amador. No Antunes mesmo eu saí umas duas semanas antes de apresentar Romeu e Julieta. Eu estava no elenco, mas o diretor queria mais tempo e eu não podia dar. Eu guardo lembranças super legais de lá, onde aprendi muita coisa pra minha vida, como tentar enfrentar o mundo de frente. Quando eu saí, ele falou “Não sai, fica, você tem um futuro legal." Eu disse que um dia eu voltaria e acabei saindo. Uma das coisas que aprendi foi que eu sempre teimei com ele: “Como é que em dois minutos você pode saber quem vai ou não vai ser um bom ator? Como dá pra você sentir em dois minutos o potencial de alguém?” E ele falava assim: "Olha, tem duas coisas: uma é você sentir o potencial e a outra é que, às vezes, eu procuro alguém pelo papel perfil do papel que eu preciso. Então, por exemplo, se a peça tem a ver com a escravidão, eu tenho que ter um ator que é negro, não adianta.”. E algumas vezes eu pude acompanhá-lo escolhendo.
É incrível como a percepção e a sensibilidade dele foram se desenvolvendo com o tempo e ele começava a ver. "Olha aquela pessoa, dá para você perceber a neurose dela pelo peso, pela história dela, pelo jeito de andar, pelo jeito de falar, se ela é nervosa ou não é." Isso me ajudou muito na vida, a ter sempre uma sensibilidade de estar olhando, de tentar observar ao máximo quem você está trazendo para trabalhar com você ou quem vai ser teu sócio, ter sempre uma boa percepção de escolha. Trago muitas coisas daquela época pra vida. Primeiro porque no teatro você tem que ler muito. Tanto com o Reynaldo, tanto com o Antunes, você tinha que ler Jung, tinha que ler Freud, tinha que ler muita coisa. Se a peça era Romeu e Julieta, você tinha que fazer aula de esgrima, que tentar estudar o personagem ou a peça que se estava fazendo. E segundo porque o Antunes é um diretor muito rígido. Uma ótima pessoa, um ótimo caráter, mas que exige que você vá até o fundo e essa exigência entrou um pouco na minha personalidade. Talvez tenha sido no ensaio que a gente estava fazendo e ele parou tudo no meio e berrou: "Pô, você está atrapalhando, você não sabe o que é teatro!" Tinha umas 30 pessoas no palco e eu cheguei no ouvido da menina que estava contracenando comigo e falei: "Ih, eu não sei quem fez essa cagada, mas vai se danar." Ele veio na direção da gente e, quando percebi, quem tinha feito a cagada era eu. Ele disse: "Você não viu que você atrapalhou a cena? Você não está entendendo o que é teatro." Deu um break e falou: "Agora todo mundo vai tomar café, nós vamos repetir essa cena daqui a 15 minutos." Uma menina, que mais tarde virou uma grande amiga minha, falou para mim: "Sabe Reinaldo, você está levando tudo muito a sério. Relaxe. Quando você vai brincar de pega-pega, tenta imaginar que você vai brincar de pega-pega aqui no palco." Eu falei: "Mas eu vou entrar brincando?" "É, teatro é você imitar a vida de uma maneira sadia." Nós fomos tomar um café e na volta eu disse que iria entrar no palco como se estivesse brincando mesmo. E entrei. Ele parou o ensaio e eu já pensei: "Ih." Ele veio: "É isso, isso é teatro, é isso o que eu quero de ocês." E daí em diante eu entendi o que é ser ator e um pouco do que era o mundo do teatro. . E acho que eu faço isso até hoje, de ‘brincar de pega-pega, relaxar’. Por exemplo, nós inauguramos uma loja em Chicago há dez dias atrás, agora no final de outubro de 94. Para o setor de Chicago e Estados Unidos inteiro, eu tenho um casal como sócios. A Linda estava muito tensa com a primeira loja. Ela fez treinamento e eu tentei mostrar para ela como a tensão dela passava para quem trabalhava com ela e para o cliente. “Então assim, relaxa!”. Ela até brincava comigo, inglês, quando vim embora “Eu já peguei a mensagem, relax." Outra coisa que eu aprendi foi a não ser puxar saco na vida e ir até o fundo naquilo que a gente acredita. Se você me convencer que estou errado em alguma coisa, eu posso ser o mais teimoso do mundo, mas se você me convenceu a acreditar em algo novo, talvez até melhor do que aquilo que eu acreditava, eu cresci. E isso eu também levei pra minha vida quando eu saí de lá para o trabalho da doceria.
Comprar ou vender bancas no mercadão é uma questão de oportunidade. Uma vez uma pessoa me falou: "Reinaldo, sempre que alguém diz que você é um cara sortudo, você fica zangado." Eu falei: "Pô, mas eu trabalho tanto e o cara vem e diz que eu sou sortudo. Que sorte, que nada, isso é trabalho." Ele falou: "Você sabe o que é sorte? Sorte é a soma do trabalho com a oportunidade." Então eu diria que eu sou um sempre sortudo, porque tentava estar no momento certo, no local certo, atento às oportunidades. No mercado é uma coisa que vem normalmente, de família para família, é mais fácil quando você está lá dentro. Por outro lado, o valor de você ter uma banca de mercado é muito relativo. Hoje ele funciona muito mais como base ou depósito, do que como venda de varejo. O movimento que você tem no varejo no mercado hoje é muito mais fraco. Existem milhares de supermercados, tem postos de venda de Ceagesp, então não é todo mundo que vai para o mercado. Assim, o valor dele é muito relativo. Como é da prefeitura, você paga um aluguel para ela e, quando vende, o que você faz é passar o direito de passe.
Quem frequenta o Mercado Municipal são normalmente pessoas que gostam muito de comida e de cozinhar. Quem compra lá são pessoas que vão atrás de um peixe fresco, de algo diferente que não encontram perto de casa. Tem também clientes antigos, pessoas que vão lá há muitos anos mais pela magia do próprio Mercado Municipal. Trabalhar lá dentro me ensinou uns truques que me ajudam na doceria. Por exemplo, o que os donos de banca fazem para uma ameixa que não está boa, ficar brilhante: você pega uma ameixa, põe groselha, joga um pouco de álcool e você põe fogo. Essa groselha vai derreter e entrar na ameixa e ela ficará brilhante. O consumidor imagina que a ameixa brilhante é melhor que ameixa seca e nem sempre isso é verdade. Outros, para esconder o mofo das nozes, colocam álcool e queimam para que o calor tire o mofo. Só que o pontinho desse mofo continua nas nozes, que devem ser usadas em dois, três dias ou voltam a dar problemas se não forem bem armazenadas. Então, estando do outro lado do balcão, como eu já sabia disso, quando eu comparava nozes eu sabia identificar quando alguém estava me vendendo um produto de boa qualidade ou não. Tem também o exemplo da manteiga. Eu tinha um vizinho de banca que comprava a manteiga do mesmo fornecedor que eu e todo sábado ele vendia dez blocos e eu, apenas um. Eu não me conformava: "Pô, mas a minha banca é em frente à dele." Eu brigava com meu fornecedor: "Olha, a manteiga que você vende para ele não é a mesma que você está vendendo para mim." “Reinaldo é a mesma, você quer ver? Sábado eu vou chegar com a manteiga, você vai lá, escolhe os dois blocos que você quer e os dez que sobrarem eu mando para ele." Quando eu vendi as bancas para ir trabalhar na doceria, meu vizinho me chamou: "Olha, vem aqui, vou te ensinar." Ele deixava a manteiga dar uma derretida, punha um pouquinho d'água e punha para congelar sobre o mesmo bloco da manteiga. No dia seguinte ele tirava esse bloco da geladeira, cortava e punha a metade do bloco em cima para venda. O que acontecia é que a manteiga começava a derreter, porque ele tinha acoplado água, e começava a ficar suada. Então a dona de casa compra essa manteiga acreditando que está fresquinha, sem saber que está pagando pelo peso da água. Tem também o queijo de Minas: você compra soro e enfia dentro do queijo. Além de fazer o queijo durar, o soro conta no peso que o cliente tá pagando. Eu posso passar duas horas te contando histórias que eu aprendi lá. Mas eu acho que hoje ninguém mais faz esse tipo de coisa porque você tem um controle mais rígido. E foram essas lições que eu tive lá que me ajudaram a saber usar um produto de qualidade quando eu comecei a doceira.
Quando me associei ao negócio, as sobremesas eram vendidas por fatia, não por quilo. E tinha salgadinhos que ela fritava na hora. Com o tempo a gente acoplou sorvete, bombom e naquela época tínhamos mais ou menos dez tipos de bolo. Hoje são mais de quarenta. O sucesso se deve aos conceitos diferentes, novos. Primeiro tem o conceito de você poder comprar fatias de bolo para sua casa. Antigamente você entrava numa doceria e comprava um bolo inteiro, docinhos, bombas. O Amor aos Pedaços começou então a te dar a opção de levar no mesmo prato três, quatro sabores diferentes de bolo. Com o tempo as fatias começaram a ser vendidas por peso por uma questão de controle. Chegou um momento que a gente tinha três lojas e não podia estar em todas. Então o problema era que, se a menina que atendia era amiga da cliente, a fatia dela era maior. Se ela não ia com a cara da pessoa, dava uma fatia menor e no dia seguinte a pessoa voltava: "Olha, eu vim aqui ontem à tarde e a menina que estava aqui me deu um pedaço desde tamanhinho." Aí você dava um pedaço maior. A gente começou a sentir que tinha problemas para você distinguir um bolo por fatias, a não ser que você deixasse pré-cortado, mas isso não funcionava num bolo muito caseiro. Então o sucesso foi assim: a gente usava produtos de qualidade e nunca tentávamos enganar ninguém. Tentamos fazer algo proporcionasse um preço justo. E dar uma opção pra pessoa ter aquele bolo ao invés de fazer em casa, um bolo que avó dela fazia. Então era tentar oferecer uma coisa bem caseira sem que a pessoa tivesse que perder o tempo em casa fazendo. Hoje você tem milhões que tentam fazer a mesma coisa, mas naquela época não tinha, fomos os pioneiros nesse ramo de bolo em fatia por peso. E começamos a perceber que o mercado tinha um nicho grande para o nosso negócio e começamos a galgar um caminho. A gente tinha o sonho de ter uma loja no shopping em São Paulo, que era o the best na época. E começamos a correr atrás disso.
Começamos com a loja na Consolação, depois abrimos a segunda no Itaim Bibi e a terceira em Moema. A gente também sentiu que tinha espaço para ter uma loja no Guarujá e chegamos a ter uma loja em Campos do Jordão. Foi então que o shopping nos convidou, mais ou menos de 88 para 89. Em 1990 a gente começou a perceber que o nosso crescimento por conta própria era delimitado. A gente tinha 11 lojas próprias e era muito difícil tomar conta de todas elas. Então começamos a estudar sobre franquias e abrimos a primeira em Campinas, em 1991. Primeiro fizemos um teste com uma loja em que a gente era sócio e cuidamos delas como se fosse uma franquia. Com o sistema de franchising a coisa começou a crescer mais. Então, a partir de 1993 nós abrimos franquias no Rio de Janeiro, Curitiba, Portugal, Miami. Em dezembro de 1993 já estávamos com 40 lojas no total. Foi nessa época que a gente dividiu a empresa em dois: meus ex-sócios (que na época já eram a Silvana, a Ivani e o marido) ficaram com a parte do Brasil, Itália, Suíça e Austrália, e eu fiquei com os direitos do Amor aos Pedaços fora do Brasil, com exceção daqueles três países. Eles queriam ter uma opção para se um dia, devido a qualquer problema, tivessem que sair do Brasil. E eu não me opus porque, afinal, o mundo é bem grande. Então fiquei com os direitos da marca e da operação em todos os outros países. Atualmente estou operando em Miami, Chicago e Portugal e, graças a Deus, tá indo legal.
Trabalhar em Portugal ou Brasil é muito similar. E eu entendi bem o que é Brasil depois que eu abri loja em Portugal, que é da onde a gente veio. O jeito de a gente lidar com as coisas, com os negócios, nosso sistema tem muito a ver com Portugal. O paladar, o jeito que eles lidam, como é que eles visualizam o negócio economicamente, a forma de retorno deles. Brasileiro tem aquela coisa de que tem que ser um retorno super-rápido e no mundo isso não é verdade. Quando você abre um negócio e ele te dá um retorno em quatro anos, ele já é considerado um bom negócio. O retorno médio é de cinco anos. E em Portugal a coisa é muito parecida com o Brasil. Existem leis trabalhistas que, em minha opinião, não são produtivas. Lá você não pode mandar um funcionário embora, ele é vinculado a você praticamente o resto da vida. Você só pode mandar por justa causa. Isso vem desde a época da revolução que eles tiveram lá e essas coisas brecam um pouco o capitalismo. Mas eles estão percebendo que com isso você acaba indo contra a eficiência de um bom funcionário, porque se alguém trabalha com um potencial muito grande e você começa a nivelar todo mundo por igual, sem se importar se o cara é melhor ou não, ele não vai crescer. Isso eu senti isso do Brasil e Portugal. Com os Estados Unidos já é outro mundo, é uma selva. Você precisa ser muito bom, precisa saber trabalhar muito bem, precisa saber administrar muito bem os funcionários, senão você perde, vira um tremendo pagador de imposto, de seguro. É uma lei em que você paga muito advogado também, então tem que estar sempre andando na linha e tomar muito cuidado para não escorregar ou cometer deslizes. Você tem controles muito grandes, tanto de higiene como de matéria-prima. E pra gente trabalhar com essa matéria-prima nos Estados Unidos é mais fácil que a matéria que vem para cá, porque ela é muito mais bem controlada do que aqui. Lá, um carimbo da FDA é um carimbo da FDA. Se você comete algum problema e alimenta alguém com alguma coisa imprópria, você vai ser julgado e vai pagar por isso. Tem um judiciário que funciona muito bem. É muito difícil, por exemplo, alguém fazer aqueles truques do mercado lá porque é a terra do processo, qualquer coisa alguém está te processando. Se meu fornecedor me oferece uma mercadoria não adequada, ele toma um processo imenso, assim como eu, se eu vender um bolo para alguém e ficar provado que houve negligência da minha parte. O negócio em si dança, então, a responsabilidade é muito grande. A mão-de-obra lá é muito mais cara: você paga uma média de seis dólares por hora de trabalho, enquanto aqui paga isso talvez por dia. Por outro lado, é uma mão-de-obra que te dá conforto porque é muito mais qualificada que a daqui. O funcionário de seis dólares te rende praticamente o que te rendem três funcionários daqui, por assim dizer. Isso gera consumo também.
Então o universo americano e de alguns outros países é muito maior que o daqui, para se fazer um negócio. Pra começar, lá não tem inflação. No Brasil, nos últimos dez anos em que eu tive a doceria, sempre tive inflação. Tanto nos Estados Unidos quando em Portugal, a economia é estável. Em Portugal você tem uma inflação de 6,5% ao ano. No Brasil, sei lá, hoje eu posso estar falando que a inflação é 3% e daqui um mês, é de 20%. Você não sabe. O que aprendi trabalhando em uma economia estável é que eu posso estar pensando no desenvolvimento do meu negócio a médio e a longo prazo: "Olha, esse ano eu vou abrir tantas lojas, eu vou investir tanto, eu vou vender tanto, eu vou pagar tanto de imposto, eu vou pagar tanto de mão-de-obra, meu lucro final é esse." Você faz um planejamento. Mas aqui no Brasil é impossível, a gente sempre teve que ir na raça: "Ah, vamos abrir, vamos ver o que dá." E essa maneira de planejar lá você também leva para as compras. Por exemplo, a loja de Portugal e de Miami, você pega o ano passado para esse ano: "Ah, eu vendi cinco por cento a mais". Então você começa a planejar a compra de matéria-prima: "Ó, esse mês que vem eu sei que é um mês bom, o mês passado eu sabia que era um mês fraco." Eu posso comprar mais, comprar menos, e isso funciona, é uma cadeia. Funciona comigo, funciona com o meu fornecedor e então você começa a ter cadeias produtivas que dão muito emprego. E você acaba tendo mais tempo para desenvolver a área de marketing e outras áreas do negócio, ao passo que, no Brasil, a gente passa muito tempo quebrando a cabeça de como vai ser o mês que vem, o que é que vai acontecer. Mas o nosso potencial é muito grande, é só uma questão de saber usar esse potencial lá fora. No Brasil, o trabalhador, o empresário, seja quem for, não fica a dever pra ninguém. Só que a gente se sente terceiro mundo. Quando eu abri a loja em Miami, e agora em Chicago, a gente abriu com a mentalidade brasileira. Demorei um ano e meio, dois, para aprender o que é ter um negócio na América, como é que você tem que trabalhar. E isso foi um aprendizado apanhando. E foi com esse requebrar brasileiro que a gente está conseguindo dar a volta por cima. Em Portugal é a mesma coisa.
Nós temos um sistema, um conceito novo de bolo em fatia que eles não têm. Foi muito difícil conseguir uma loja em shopping lá. Eles não acreditam no negócio, assim como não acreditavam quando abriram as primeiras lojas de cookies por lá. Nós não deixamos a desejar para nenhuma empresa americana. Acredito até que poucas têm os manuais que a gente tem de operação, de higiene, de produção, da fábrica ou da loja, tão bem feitos. A gente está tentando ser o mais profissional possível.
Antes de ir pra lá, as pessoas sempre me passavam assim: "Vocês vão vender o doce nos Estados Unidos, nossa, o doce é muito doce para eles!" E eu sempre respondia: "Você já comeu Donut's nos Estados Unidos, que é super doce?" A gente adaptou um pouco, tirou o açúcar de certos doces e fez algumas modificações antes de ir para o mercado americano. O doce que a gente mais vende lá é o que eu achei que não fôssemos vender: o bolo com marshmallow. É um bolo negro, de chocolate com cobertura de creme, coberto com marshmallow e calda de chocolate. Ainda é muito cedo para falar de bolo preferido lá. Miami não é bem Estados Unidos, você tem muito latino por lá. Em Chicago só temos dez dias. Eles queriam cheese cake e a gente desenvolveu. Está um baita sucesso, mas chesse cake é um doce americano. Então existe um mercado tremendo de gente que adora coisa com mais ou menos açúcar. E eu estou aprendendo com a clientela de lá.
Agora que eu entrei lá, corrigi falhas em Miami e estamos começando com a loja em Chicago, a expansão vai depender muito do faturamento dessas lojas nos próximos dez meses. Estamos abrindo mais duas lojas em Chicago nos próximos seis a oito meses. Uma grande diferença dos Estados Unidos em relação ao Brasil é que lá você tem como captar recursos para poder fazer seu negócio sem encostar em alguém. Você pode ir num banco, pode lançar ações, tem vários caminhos. É um país que tem muito dinheiro. Então, se cada loja tiver um faturamento que em torno de 400 mil a 450 mil dólares por ano, a previsão é ter mil lojas em sete anos. Para mim é um número assustador, eu não estou preparado para esse número. Mas é legal porque você fala: "Pô, mil lojas!." Quer dizer, o universo é outro, bem diferente do Brasil, onde você pode ter 50, 60 lojas desse ramo.
O sonho da minha avó era abrir uma doceria. Ela viu os dois primeiros meses da loja, logo que eu me associei. Depois ela faleceu. Ela já estava meio velhinha naquela época, mas eu acho que tinha um certo "karma" na família que ia para esse lado. Tem umas duas receitas que eu faço hoje que vieram da minha avó: uma torta de morango que a gente vende aqui no Brasil, e o fundo da torta de limão que eu faço agora nos Estados Unidos e em Portugal.
O jeito que o meu pai dirigia o negócio e o meu jeito eram bem diferentes. Quando eu me associei ao Amor aos Pedaços, ele veio: "Mas por que você vai se associar?" Hoje a quem perguntar ele vai dizer: "Eu falei para você que era um bom negócio." Naquela época lembro que ele falou: “Você já tem o teu negócio." E eu tentava mostrar que eu tinha visualizado uma outra opção. Meu pai nunca foi uma pessoa que ajudou e falou: "Toma o dinheiro, eu te empresto." Ele falou: "Olha, se você precisar de um banco eu te avalizo." Já foi uma grande ajuda. E isso me deu certas barreiras que eu tive que ultrapassar porque nem sempre eu podia contar com a ajuda dele. Mas a tranquilidade de saber que você tem um avalista me ajudou muito no meu negócio. E também a opção de falar: "Você vai batalhar sozinho, mete a cara e você vai deitar no colchão que você plantar." Hoje eu tenho certeza que sou um orgulho para o meu pai. "Pô, olha que negócio bonito que ele fez, quantas lojas ele abriu." Eu gosto de desafios. E ir para os Estados Unidos é um desafio. Levar uma coisa brasileira pra ficar lá. Porque normalmente o empresário brasileiro, o banqueiro brasileiro, eles gostam de ir lá para fora, compram uma grande operação, trazem para cá e acham que isso vai ser um sucesso. Temos exemplos de coisas que vieram e não deram certo. Agora, sair do Brasil, levar daqui para lá e dar certo, é uma coisa muito difícil e que eu sinto que estou conseguindo. Só estou no começo desse trabalho, quer dizer, estou voltando a trabalhar o que eu trabalhava no Amor aos Pedaços quando a gente começou: 12 a 14 horas por dia, na loja mesmo, em cima do negócio.
As pessoas vinham para mim: "Ué, você não vai parar, para que é que você precisa de abrir outra loja? Você é louco!" Acho que todos os meus amigos me chamam de louco porque a minha vida é diferente. Eu acabo passando 15 dias fora do Brasil para trabalhar, quando as pessoas vão para passear. Eu gostaria de ver o Amor aos Pedaços vingar em dois países. Um é o Japão, que eu acho um mercado tremendo. Passei três dias da minha lua-de-mel lá porque eu queria conhecer, ver como é. Acredito demais lá e vejo um tremendo potencial para o nosso negócio. O segundo é a França porque, mesmo tendo muitas docerias lá, eu ainda acho que o nosso doce é um doce diferente do que o francês está acostumado.
O Amor aos Pedaços, o Luv'n Pieces, tem uma missão que é poder dar opção das pessoas comprarem um doce feito numa loja por um preço justo, caseiro, gostoso, sem você ter que fazer em casa. Eu acho que a minha missão nessa empresa é poder proporcionar isso para o maior número de pessoas possíveis, em lugares diferentes. Essa é minha missão como empresa. Minha missão particular, como brasileiro, eu acho que é tentar mostrar que o Brasil é um país viável, capaz de ter um negócio bom, que a gente é capaz ir para outro país abrir um negócio e fazer dar certo. Infelizmente a imagem que o Brasil tem lá fora, hoje, é muito ruim, eles olham pros brasileiros de um jeito diferenciado. Até mesmo em Portugal é assim. Então, eu sempre acredito que se o meu negócio der certo lá fora, de um jeito ou de outro, eu posso ajudar a mostrar a cara boa do nosso país. É um desafio muito a longo prazo e que só virá no dia em que eu fizer um baita sucesso e der super certo em vários países: “Ó, essa é uma franquia do Brasil." "Ah, do Brasil?".
Com a minha vivência nos Estados Unidos e Portugal eu comecei a presenciar que as pessoas têm uma cultura muito grande, têm história, não esquecem o que aconteceu há 30 ou 40 anos. E o Brasil tem uma carência muito grande em preservar a história, preservar o caminho. Essa entrevista é a minha forma de contribuir.
Memórias do Comércio da Cidade de São Paulo (MCSP)
Amor aos pedaços
História de Reinaldo Abramovay
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 12/07/2005 por Museu da Pessoa
P - Reinaldo, você poderia inicialmente dizer seu nome completo, local e data de nascimento.
P - Reinaldo Abramovay, nasci em 10 de novembro de 1959 na maternidade São Paulo, em São Paulo.
P - E o nome e o local de nascimento dos seus pais?
P - É David Abramovay, nasceu no Rio de Janeiro, e Esther Abramovay, nasceu em São Paulo.
P - E os seus avós paternos e maternos?
R - Os meus avós paternos, um nasceu na União Soviética, a minha avó paterna nasceu na Inglaterra. O meu avô materno nasceu na Rússia e a minha avó materna nasceu na Romênia.
P - Quando é que eles vieram para o Brasil?
P - É na década de, meu pai na década de, paterna, na década de 20, materna na década de 30, depois da Primeira Guerra, antes da Segunda Guerra Mundial.
P - E qual era a atividade do seu pai Reinaldo?
P - É, ele teve três, quatro atividades na vida dele. A primeira, uma grande atividade que ele teve, foi lavanderia, ele tinha uma lavanderia, tinturaria muito grande na época. Depois, ele partiu para o ramo de lanchonetes, chegou a ter casas lotéricas e postos de gasolina e hoje ele tem uma financeira, está se aposentando.
P - E você pode só situar mais ou menos cronologicamente para a gente ter uma...
P - Ele teve a lavanderia na, nos anos de 1970 até 1978, ele teve de 68 a 78, se não me falhe a memória, e as lanchonetes ele teve nos anos 80, na década de 80, e a financeira veio de 88 ate 94 e tal.
P - E, Reinaldo, algum dos seus avós era comerciante também?
P - O meu avô por parte da minha mãe ele era alfaiate, fazia ternos na cidade, foi a profissão a vida inteira dele, e a minha avó por parte da minha mãe era, cuidava da casa e cozinhava superbem. O sonho da minha avó era ter uma doceira, coincidência. E do meu pai ele, o meu avô, pai do meu pai, quando eu nasci ele já, ele, eu tive muito pouco contato com ele porque eu acho que aos três, quatro anos ele faleceu, então nem sei direito o que ele fazia. Depois, essa minha avó casou de novo, viveu 50 anos com o padrasto do meu pai, vamos falar assim, que é quem eu tive mais contato, né.
P - Ele era comerciante?
P - Ele era hoteleiro.
P - Hoteleiro?
P - É, hoteleiro.
P - E Reinaldo, você lembra na infância se você ia visitar o trabalho do seu pai, assim?
P - Ô, ia, porque era a lavanderia, e ele tinha aqueles carrinhos que você carrega roupas, você pendura cabides em cima e eram os carrinhos que eu ficava, eu devia ter seis anos, cinco anos, eu ficava correndo com os carrinhos com meu irmão. Ficava olhando as máquinas de passar, e, às vezes, eu saía, e viajava também com meu pai, às vezes, para o interior, que ele ia comprar madeira para fazer cabide para pendurar roupas, aquelas, cabides de ferro com uma madeira em baixo. Foi o trabalho do meu pai que eu mais me lembro quando eu era, na minha infância. Na minha adolescência já era a época que ele já estava com as lanchonetes, aí eu já comecei uma época a ajudar, a trabalhar junto com ele, tentei trabalhar junto, fiquei uns seis meses, tal.
P - Você trabalhava direto no balcão?
P - Bom, eu fazia um pouco de tudo, tinha que bater cartão de ponto, apesar de trabalhar com meu pai, ele tentava botar um esquema bem: "Ô, você trabalha aqui, é meu filho, mas tem que fazer mais que qualquer pessoa que trabalha aqui, faça cumprir seu horário." Mas isso também eu fiquei uns seis meses trabalhando com ele lá, mas eu fazia, atendia balcão, ficava no caixa, ajudava a fechar caixa e tal, nessa época eu já tinha 17 anos.
P - E era uma lanchonete na estação Jabaquara?
P - Na Jabaquara, tinha na rodoviária do Glicério, tinha no largo São Bento do metrô, tinha na rua, na Avenida Ipiranga, eu ficava, eu ajudei mais, quando eu trabalhei com o meu pai, eu fiquei mais no Jabaquara.
P - E você gostava de ficar atrás do balcão?
P - Olha, eu acho que eu sempre procurei trabalhar e mexer e tentar fazer algo que eu goste. Lá, enquanto eu gostei, foi legal eu fiquei, a partir do momento que eu vi que não tinha espaço para mim, que eu tinha três irmãos, eu tenho três irmãos mais velhos, todo mundo trabalhava com o meu pai, e eu visualizei, não concordava com o jeito que ele dirigia o negócio, que os meus irmãos trabalhavam, eu fui tomar meu rumo sozinho mesmo.
P - E Reinaldo, você pode falar um pouquinho só da infância, você tem alguma imagem marcante, alguma lembrança?
P - Minha infância, eu tive uma infância muito legal, eu guardo momentos superlegais da minha infância, primeiro porque quando eu nasci eu sempre morei, eu sempre morei em casa, né. Na minha infância, era na Madre Teodoro, é uma rua paralela à Rua Estados Unidos, em São Paulo, e era uma casa gostosa e a gente sempre brincava muito na rua de amarelinha, pega-pega, esconde-esconde, brincadeiras que hoje é difícil você ver crianças brincar, né, aqui em, numa cidade como São Paulo. E a gente ficava esperando o sorveteiro, que, daquele da carrocinha que tem até hoje, que outro dia eu vi ele andando na rua, o bijuzinho que batia aquele "clá, clá, clá", bijú, e a gente tinha uma turma muito legal lá de criança, um dormia sempre na casa do outro. Isso até uns sete anos, que eu morei nessa casa. Depois nós mudamos para uma casa na Padre João Manoel, que é uma casa supergrande, em frente aonde é o consulado dos Estados Unidos, hoje tem um prédio lá, e tinha um campo de futebol...
P - Dentro da casa?
P - Dentro da casa, tinha um parquinho, minha irmã tinha uma casa de boneca que era 30 metros de casa de boneca, separada da casa, e tinha mesa, tinha salão de jogos, mesa de pingue-pongue, de, então a gente tinha muitos amigos, todo mundo vinha jogar bola de domingo. Era dia de festa, era dia de churrasco, era dia de futebol, era supergostoso, eu tive uma infância legal. E aí aos 13 anos eu fui morar em apartamento, e aí eu conheci um outro estilo de vida porque já não podia brincar na rua, tinha muito carro, tinha que tomar certos cuidados, aí a gente começou mais ir brincar para o clube, isso foi até os 15 anos. Depois dos 15 anos, foi a época que aí eu já, apesar de estar estudando, eu já tive que começar a trabalhar, mas a minha infância em si foi um momento de subir na jabuticabeira para pegar, porque tinha árvore de jabuticaba em casa, para pegar a jabuticaba do pé para comer. E eu tinha um vizinho nessa casa da Padre João Manoel que o apelido dele era Rivelino, que ele jogava futebol bem a beça, e ele era um cara bem simples, eles eram caseiros de uma loja na Rua Augusta. Então, na casa dele ele criava galinha, tinha cana plantada, então a gente pulava o muro e ficava chupando cana, brincando com as galinhas dele. Era uma classe social diferente da minha na época e a gente ficou muito amigo, me trouxe uma visão diferente da, tipo seis pessoas dormiam no mesmo quarto, é um mundo diferente, mas que eu fiquei muito amigo dele. E eu ia muito para o Guarujá nas férias, que a gente também tinha uma casa supergrande, gostosa lá, que também tinha campo de futebol, então a gente tinha gincanas, tinha, como eu tinha irmão mais, irmãos mais velhos, eles sempre organizavam turmas de gincanas, passeios de bicicletas em Guarujá, então a gente era, a turma do Guarujá era centralizada, era na nossa casa e aquela redondeza. Eu passei muito tempo lá, que eu ficava três meses por ano no Guarujá, indo para a praia, naquela época tinham poucos prédios no Guarujá, era uma, era uma coisa supergostosa ir para lá. Então eu tive uma infância supergostosa, aproveitada, tal.
P - E você disse que começou a trabalhar com 15 anos?
P - Com 15 anos, 15 para 16 anos, meu pai chegou para mim e falou: "Olha, agora não tem mais mesada, agora você vai trabalhar, eu não vou te dar mais dinheiro porque minha educação é essa e tal." Na época eu acho que eu xinguei muito o meu pai dentro de mim, porque eu via todos meus amigos tendo mesada, tendo um monte de coisa, e eu não. Meu pai não pôde me proporcionar isso, naquela época era uma época de mudança na vida dele e também acho que era um pensamento dele, que eu tinha que batalhar pelo meu sustento, foi a época que eu comecei a trabalhar, estudar e trabalhar ao mesmo tempo.
P - E qual foi o seu primeiro emprego?
P - Meu primeiro trabalho, eu trabalhei numa loja na Avenida Cidade Jardim, que hoje não existe mais essa loja, que chamava Vigotex, Visard Vigotex. O dono da loja era um amigo do meu irmão, ele primeiro me deu um emprego no Natal para eu empacotar as, quando as senhoras compravam os vestidos eu empacotava e dava um nó, um lacinho na caixa. Isso foi em dezembro, eu acabei ficando, porque depois veio a liquidação, eu gostei do trabalho, era uma coisa gostosa, tal, eu fiquei lá seis meses empacotando, ajudando a arrumar, quando chegava coleção nova, separar tamanho, foi um emprego gostoso.
P - Você gostava de fazer os pacotes?
P - Eu gostava, porque primeiro, eu acho que foi o meu primeiro contato com o mundo de negócios, o mundo do comércio, o mundo do, diferente daquela idade da escola, né, e, segundo, foi o meu primeiro momento que eu comecei a ganhar um dinheiro pelo o que eu fazia. Então eu tentei, de uma maneira ou de outra, eu tinha quase a mesma coisa que os meus amigos tinham, mas de outro, vinha de outro jeito, o que deles vinha de pai para filho, para mim vinha com o trabalho que eu fazia, isso foi legal, eu comecei a querer, mais cedo, a trabalhar, a tentar achar um caminho para mim, uma coisa que eu gostasse e que me remunerasse pelo trabalho que eu estivesse fazendo também.
P - Você trabalhava o dia inteiro e estudava à noite?
P - Não, eu estudava de manhã e trabalhava à tarde, e quando dava eu trabalhava de fim de semana também para ganhar um pouco mais, a loja tinha movimento de sábado e tal. Aí eu fui, aí conforme, depois desse trabalho, eu comecei a unir o trabalho com o estudo e com hobbys, que às vezes eu gostava de fazer tipo teatro também, eu tentei unir três coisas ao mesmo tempo.
P - Você pode contar um pouco mais dos três?
P - Posso. Ó, depois da Vigotex eu trabalhei, o trabalho que eu menos gostei foi de contato numa revista, foi um trabalho de dois meses que eu tive, mas era uma trabalho que não, eu não nasci para fazer isso, para ser contato de revista, que você precisa ir atrás do anunciante e depende muito do veículo, né, naquele, no veículo que eu trabalhava eu acho que as pessoas anunciavam lá, a sensação que me dava naquela época, eles anunciavam lá mais como favor do que como um bom negócio para trazer o retorno do investimento num anúncio. Depois desses dois meses, é, que eu trabalhei, eu fui trabalhar, eu trabalhei quatro meses de pesquisador, foi um trabalho, não é um trabalho que eu amei, mas não é um trabalho que eu detestei, era um trabalho que eu tinha uma, tipo um mobilete e eu, como a pesquisa era sempre no subúrbio de São Paulo, eu acabei conhecendo um pouco de São Paulo, um outro mundo de São Paulo, do que a zona sul onde eu morava, né, que era a zona leste, zona norte, é um ... Eu vi como São Paulo era grande, trabalhei quatro meses nesse local.
P - Era pesquisador de mercado?
R - É, pesquisa de mercado, na época eu trabalhei fazendo uma pesquisa sobre máquina de lavar-roupa, é, se a dona de casa tinha e não tinha, quantas vezes ela usava, qualquer coisa assim. Depois disso eu acabei, é, abrindo um pizzaria. Aí eu já fazia, já tinha entrado numa faculdade, na época eu entrei numa faculdade de filosofia, que eu estudei um ano de filosofia. Depois eu transferi para psicologia, porque na PUC é básico o primeiro, eu pedi transferência para psicologia, e eu fazia faculdade à noite, e eu trabalhava de manhã, fazia teatro à tarde, depois com psicologia, a faculdade foi para de manhã e à tarde, aí foi a época que fui trabalhar no mercado municipal. É, que foi alguém que devia, tinha um dívida com o meu pai, pagou essa dívida com essa banca no Mercado Municipal, uma banca que vendia frutas natalinas, macarrão, bacalhau, azeitona, cereais, laticínios, tal, em geral, e o meu pai pediu minha ajuda para eu ir lá de sábado para dar uma olhada para ele porque ele estava sendo, ele não conseguia ficar lá, não conseguia cuidar do negócio porque não era o negócio dele.Eu fiquei um sábado, fiquei segundo sábado, terceiro sábado. Aí acabei gostando de ficar lá e eu fiz um acordo com ele e ele me vendeu lá, e eu paguei para ele lá em três anos com o dinheiro do próprio negócio, tal, a loja, depois no próprio mercado eu comprei, acabei comprando mais uma loja pequena que vendia mais um pão italiano e massas e depois comprei mais uma banca, que vendia bacalhau, vendia outras coisas, queijos que eu não vendia na minha loja. Aí fiquei com três bancas no mercado, ao mesmo tempo que eu tinha as bancas, eu estudava psicologia na PUC, então, como a psicologia na PUC você tinha horários, de manhã, de tarde, tinha dias que tinha trabalhos à noite, tinha dias que tinha de fim de semana, então eu tentava fazer um mix do mercado com a faculdade e à noite eu ia ainda fazer teatro, que era uma coisa que eu gostava muito. Quer dizer, gosto até hoje mas não faço, mas eu ia...
P - Aonde você fazia teatro?
R - Eu comecei primeiro a fazer, o teatro eu comecei na Hebraica. Eles contrataram um diretor que se chamava Reinaldo Santiago, que é ele, está aí até hoje, e eu comecei a fazer teatro com ele. De lá eu fui, não a primeira peça para dizer a verdade eu fiz na Cipe, Movimento juvenil, que eu tinha 12 anos, chamava "Pluft, o Fantasminha", eu era o tio Gerúndio, que ficava dentro do caixão, eu me lembro que eu levei meus pais para assistir e eles falaram assim: "Pô, você quase que não sai do caixão nessa peça inteira." E, "Pluft, o Fantasminha", depois continuei a fazer esse teatro na Hebraica. Depois eu fui fazer um teste, na Hebraica eu conheci uma pessoa que cuidava do setor de cultura da Hebraica, chamada Amália (Zeiteu?), e ela viu que eu adorava teatro ela falou: "Olha, por que você não tenta fazer teatro profissional e tal." Eu fui fazer um teste, na época me falaram que o melhor, ela mesmo me sugeriu, falou: "Olha, o melhor local para você fazer teatro em São Paulo, você tem o Macunaíma e você tem o Antunes Filho que tem um, no Sesc, um departamento de teatro que ele faz pesquisas, superlegal. Eu fui no Macunaíma e fiquei dois meses, não me adaptei ao estilo que ele, que eles trabalhavam e fui fazer o teste no Antunes Filho. Eu nunca vou esquecer que foi um dos dias mais felizes da minha vida, porque eu queria entrar, eu comecei a ver o que é que era teatro a sério, o que é que era pesquisa teatral, o que é que era estudo teatral, estudo do personagem. Eu fui fazer esse teste para entrar no Antunes, mas tinham dez vagas só, e eu falava: "Pô, como é que eu vou ..." tinha acho que uns cem candidatos, e o teste se resumia em dois minutos, dois a três minutos que você tinha que estudar com alguém e na hora representar, aí eu fui representar e eu acabei passando no teste, eu fiquei superfeliz naquele dia. Eu me lembro que o, quando ele, quem falou, eles, nós fomos todo mundo para uma sala, aí eles passaram: "Ó, os que passaram no teste tal, tal, tal." Na hora que falaram meu nome eu dei uma cambalhota no chão de alegria, e o assistente do Antunes, que ficou meu grande amigo também, chamado Ulysses Cruz, que hoje também é diretor de teatro, falou: "Pô, você queria mesmo estar aqui." Eu falei: "Eu queria, tal." Foi engraçado que daí eu fiquei amigo do Antunes, mesmo fazendo parte do grupo, eu acabei não encenando peça de lá, porque aí foi uma época que "O Amor aos Pedaços" que, foi assim, quando eu entrei no Antunes eu estava no Mercado, aí eu queria fazer um negócio, eu comecei a gostar a beça e eu queria, eu senti que o Mercado Municipal, estava muito difícil conciliar o Mercado Municipal, porque é um trabalho que você precisa acordar supercedo, porque funciona das cinco da manhã às quatro da tarde.
P - Que horas que você chegava no mercado?
R - Eu não chegava antes das sete da manhã mesmo, eu não conseguia acordar mais cedo, porque eu acabava estudando até à noite, eu botava alguém para me ajudar trabalhar, e até que eu consegui um determinado tempo a unir as três coisas, mas aí começou a ficar assim. Eu acabei, eu senti que eu acabava não fazendo certo, bem feito, nem a faculdade, nem o mercado e nem o teatro. Eu comecei a achar que o mercado estava me sacrificando muito, mas por outro lado eu precisava do dinheiro que eu ganhava lá, porque nessa época já morava sozinho, eu já tinha saído de casa. Eu fui morar sozinho quando eu tinha 19 anos, então eu precisava do sustento, eu precisava, eu comecei a perceber que alguma coisa ia ter que, eu ia ter que mudar alguma coisa na minha vida. Nessa, no Mercado Municipal eu vendia muito para restaurante, eu tinha um atacado muito grande, eu vendia para os restaurantes de São Paulo, num, um dos meus clientes chamava Amor aos Pedaços, que era uma lojinha de doces na Rua da Consolação, de uma mulher chamada Ivani. Ela era prima da minha cunhada, a Ivani me chamou para ser sócio dela, ela tinha aberto a loja uns seis meses naquela época, e eu sai do mercado, um dia antes eu vi que quem tinha trabalhado comigo tinha me roubado e como, eu acredito muito no lado muito espiritual da vida, eu achei, eu olhei isso como uma mensagem de Deus, tipo: "Ó, eu estou roubado, e uma pessoa me chama para trabalhar, para ser sócio." Em uma semana eu sai do mercado e entrei de sócio com a Ivani, no mesmo dia que eu sai, eu fui lá assinei com ela o contrato, e a gente acabou se associando naquela loja da Consolação. Na época a gente tinha três, quatro funcionários, com esse, combinei com ela que eu ficaria de manhã e ela ficaria à tarde. Então eu fiquei assim, de manhã eu tinha o trabalho, à tarde eu ia para a faculdade, e à noite eu ia para o teatro, e depois de um ano acabou, a faculdade também acabou dançando, porque aí eu senti que o trabalho estava indo legal, eu comecei a gostar cada dia mais do que eu estava fazendo na doceira, e eu queria me dedicar também mais ao teatro. Aí a faculdade, eu tranquei a faculdade no segundo ano e meio, terceiro ano da faculdade de psicologia da PUC, e comecei a me dedicar só para a loja e para o teatro. Com o tempo eu fui me dedicando cada vez mais, eu ficava com o dia praticamente lotado mesmo, e no Antunes, ele começou a querer que se, o pessoal que estava trabalhando e fazendo teatro lá tinha que ficar de manhã, de tarde e às vezes até a noite, e começou a ser difícil conciliar o trabalho com o teatro. Eu me comprometi comigo mesmo, né, na época, que a gente estava abrindo a segunda loja e que o negócio estava indo bem, eu acabei optando em continuar pelo negócio que eu estava gostando, tinha um pouco de arte, havia o bolo e tal, e que também estava me, eu estava ganhando dinheiro naquilo, eu estava começando a me dar bem naquilo que eu estava fazendo financeiramente. Eu deixei o teatro para uma, para um segundo momento da minha vida, eu fiz um projeto assim: "Ó, eu vou ter quatro, cinco lojas, vou ganhar "x", vou voltar a fazer teatro, só que isso nunca...
P - Quanto tempo você fez de teatro no total?
R - Uns três anos.
P - E você nunca chegou a apresentar...
R - Profissional não, só amador.
P- Mas com o grupo do Antunes?
R - Com o grupo do Antunes não, eu saí antes. Eu saí acho que duas semanas antes que eles estavam apresentando, eles iam apresentar Romeu e Julieta.
P - Ah, e você estava no elenco do Romeu e Julieta?
R - Eu estava, mas aí eu não apresentei, porque aí ele queria mais tempo, e eu não podia dar, eu guardo lembranças superlegais de lá, eu aprendi muita coisa em minha vida lá: tentar enfrentar o mundo de frente. E aí eu saí, ele falou: "Não, fica, você tem um futuro legal." Eu falei: "Não, um dia eu volto, tal." Eu acabei saindo, mas eu aprendi uma coisa legal lá, que foi, eu sempre teimei com ele, como é que em dois minutos você pode saber quem vai ser bom ator ou não vai ser bom ator? Como que dá pra você sentir em dois minutos o potencial de alguém, e ele falava assim: "Olha, tem duas coisas, uma coisa é você sentir o potencial, outra coisa, às vezes, eu procuro alguém pelo papel, pelo perfil do papel que eu precisava, então você preciso, se a peça tem a ver com a escravidão, eu tenho que ter um ator que é negro, não adianta eu ter um ator branco para fazer escravo porque na época do Brasil a maioria dos escravos eram negros, então eu procuro achar um negro, por exemplo, eu estou dando um exemplo." E eu fiquei com ele algumas vezes que ele escolhia, ele, é incrível como a percepção e a sensibilidade dele foi se desenvolvendo com o tempo que ele começava a ver. "Olha, como aquela pessoa, dava para você perceber a neurose dela, o peso, a história dela, pelo jeito dela andar, pelo jeito dela falar, se ela é nervosa, se ela não é." Isso me deu, na minha vida me ajudou muito a ter sempre uma sensibilidade de estar olhando, tentar olhar ao máximo quem você está trazendo para trabalhar com você, ou quem que vai ser teu sócio ou não, tentar ter uma percepção de escolha.
P - Reinaldo, você falou do personagem, você representou um personagem neste teste de dois minutos, quem era esse personagem, qual era?
R - É um texto do Guimarães Rosa, eu não me lembro o nome dele, mas naquele teste, a gente tinha que testar, treinar com Guimarães Rosa, e um pedaço do Romeu e Julieta também, eram os dois que a gente, porque eu tive dois testes, o primeiro teste ele escolheu metade das pessoas para fazer o segundo teste, com Romeu e Julieta e aí depois eu fui fazer o segundo teste.
P - E como que você sentiu que o teatro te influenciou no trabalho? Você estava falando agora há pouco alguma coisa a respeito disso.
R - Bom, aí foi um pouco de, o seguinte, porque teatro, primeiro você tem que ler muito, tanto com o Reynaldo, tanto com o Antunes, você tinha que ler Jung, você tinha que ler Freud, você tinha que ler Jung, você tinha que ler, você tinha que ler muita coisa. Então se a peça era Romeu e Julieta você tinha que fazer aula de esgrima, você tinha, tinha uma coisa de tentar estudar o personagem, ou a peça, você, que a gente estava fazendo, e segundo porque eu me lembro no ensaio que estava, o Antunes é um diretor muito rígido, que é, o que é que eu quero dizer rígido, não é que ele seja ruim. Eu acho que ele é ótimo, uma ótima pessoa, um ótimo caráter, mas ele exige de você, que você vá até o fundo, e essa exigência foi que entrou um pouco talvez na minha personalidade, talvez, que foi no ensaio que a gente estava tendo, ele parou o ensaio no meio e berrou e falou assim: "Pô, você está atrapalhando, você não sabe o que é teatro." E a gente estava, tinha umas 30 pessoas no palco, eu me lembro que eu tinha, uma menina que estava fazendo, contracenando comigo e eu cheguei no ouvido dela e falei: "Ih, eu não sei quem fez essa cagada, mas vai se danar." Ele veio vindo em direção da gente, quando vi, quem tinha feito era eu, eu que tinha feito esse problema, ele veio para mim: "Você não viu que você atrapalhou a cena, tal, você não está entendendo o que é teatro." E deu um break e falou: "Agora, todo mundo vai tomar café, nós vamos repetir essa cena daqui a 15 minutos." E veio uma menina, que virou uma grande amiga minha, e falou para mim: "Sabe Reinaldo, você está levando tudo muito a sério, relaxe, sabe, quando você vai brincar de pega-pega, tenta imaginar que você vai brincar de pega-pega, aqui no palco." Eu falei: "Mas eu vou entrar brincando?" Ela falou: "É, teatro é você imitar a vida de um maneira sadia." Nós fomos tomar um café e voltamos, aí quando nós voltamos eu falei agora eu vou entrar como se estivesse brincando mesmo, e entrei como se tivesse numa brincadeira e ele: "Para o ensaio." Eu falei: "Ih." Ele veio: "É isso, isso é teatro, é isso que é, isso que eu quero de vocês." E aí, daí em diante eu entendi o que é ser ator, um pouco, o que é que era o mundo do teatro, e isso, e esse lado dele de fazer você ir até o fundo, que é assim, se você vai fazer um velho, como é que você vai fazer um velho, se você não é um velho, é uma pessoa jovem, então você tem que estudar o que é um velho, ver como ele reage, como ele não reage, como é que ele senta num banco, como ele olha para o céu. Isso eu aprendi um pouco na minha vida, tentar ver as pessoas, e eu aprendi outra coisa também nesse grupo, que era não ser puxar saco na vida, tipo ir até o fundo naquilo que a gente acredita, tipo assim, se você me convencer que estou errado em alguma coisa, eu posso ser o mais teimoso do mundo, mas a partir do momento que você me convenceu eu cresci porque eu deixei de lado algo que eu acreditava para acreditar em algo novo, mas talvez melhor daquilo que eu acreditava. Isso eu aprendi nesse grupo, trabalhando com ele, que: "Ó, vai fundo, tal." E isso eu tentei usar o resto da minha vida quando eu saí de lá para o trabalho da doceira.
P - No trabalho teve algum dia assim que você aplicou, assim, essa coisa de relaxa, você está brincando de pega-pega?
R - Eu acho que isso eu faço até hoje, e eu, nós inauguramos uma loja em Chicago há dez dias atrás, agora em, final de outubro de 94, e eu tenho um casal que eles são meus sócios para o setor de Chicago e para os Estados Unidos inteiro, o nome dela é Linda, e ela estava muito tensa como primeira loja, e ela fez treinamento, e eu tentei mostrar para ela como a tensão dela passava para quem trabalhava com ela, e tentei mostrar para ela que a tensão dela ela passava para o cliente, então assim, relaxa, então ela brincava comigo, porque o dia que eu vim embora, ela falou para mim assim, em inglês: "Eu já peguei a mensagem, relax." Eu falava: "Quando você tiver um problema, relaxa, não tenta trazer o nervoso para você." Isso não quer dizer que eu não traga para mim, às vezes, quando você tiver um problema dentro de casa, ou um problema no trabalho, ou um problema de sociedade, mas é tentar, quando surge um problema, tentar não deixar ele entrar muito dentro de você e tentar dar uma olhada nele, para resolver ele, porque se você trás tudo para dentro, você tem um enfarte, e assim, relax, isso que eu aprendi lá eu trago, eu uso até hoje, porque você vê, isso foi agora, isso do Antunes foi há dez, 12, dez anos atrás, então foi tipo: "Relaxa para poder dirigir o negócio numa boa, e tal, não adianta você ficar nervoso ficar tenso que a coisa não vai.
P - Reinaldo, era fácil comprar e vender bancas no Mercado Municipal?
R - É, eu acho que é uma questão de oportunidade, eu aprendi, um vez uma pessoa virou para mim e falou assim: "Reinaldo sempre que alguém, que você é um cara sortudo, você fica zangado." Eu ficava: "Pô, mas eu trabalho tanto, e o cara vem, diz que eu sou sortudo, que sorte, isso é trabalho." Ele falou: "Você sabe o que é que é sorte, sorte é a soma do trabalho com a oportunidade." Então eu diria que eu sou um sempre sortudo, porque eu acho que eu sempre tentava estar no momento certo, no local certo, quando surgia a oportunidade, porque como o Mercado é uma coisa que vem normalmente, de família para família, é difícil você estar lá dentro, e, às vezes, é difícil você entrar porque às vezes as pessoas não querem sair, e então depende muito da oportunidade. Por outro lado, o valor de você ter uma banca de mercado é muito relativo, porque no fundo, hoje, ele funciona muito mais como base, como um depósito, do que como venda de varejo, porque o movimento que você tem no mercado hoje é muito mais fraco, porque hoje você tem milhões, milhares de supermercados, você tem postos de venda de Ceagesp, você tem um monte de coisa. Então não é todo mundo que vai para o mercado, então varejo no mercado, hoje, é muito mais baixo que há anos atrás, então o valor ele é muito relativo, ele é da prefeitura, você aluga, você paga um aluguel para a prefeitura, então o que você faz é passar o direito de passe.
P - Quem é que compra no mercado, quem é que vai até lá comprar?
R - Mercado Municipal, são normalmente pessoas que gostam muito de comida, que gostam muito de cozinhar, porque o mercado ele tem um lado espiritual muito forte, ele tem uma energia que eu acho superlegal, superforte. Quem compra lá são pessoas que têm, que vão atrás de um peixe fresco, de uma, algo diferente que não encontram perto de casa, gente que, e também é, clientes antigos, né, pessoas que vão, (fim da fita 048/ 01-A) né, pessoas que vão lá muitos anos, que continuam indo pela magia do próprio Mercado Municipal, mas o Mercado Municipal me ensinou uma coisa que me ensinou muito para a doceira, que foi os truques que você aprende estando lá dentro.
P - Quais por exemplo?
R - É, quando uma ameixa é boa ou não é, né, que é que as pessoas fazem numa ameixa para ela ficar brilhante, você pega uma ameixa, põe groselha, joga um pouco de álcool e você põe fogo, o fogo derrete o álcool com o fogo vai derreter essa groselha, essa groselha entra na ameixa ela fica brilhante. O consumidor na verdade ele vê uma ameixa, ele imagina que a ameixa brilhante é melhor que ameixa seca e nem sempre isso é verdade porque tem ameixas, eu estou usando exemplo da ameixa, que ela vem brilhante porque ela vem muito bem selecionada, ela foi muito bem cuidada, ela foi muito bem escolhida, ela foi muito bem armazenada. E tem outros que você põe o mofo das nozes, você tem nozes, as nozes começa a dar mofo, você põe álcool e queima, porque o calor tira o mofo, só que o mofo, o pontinho do mofo continua nas nozes, às vezes a dona de casa vem e compra as nozes, não que ela esteja mofada, mas ela tem que ser usada em dois, três dias, senão ela volta a dar problemas, se ela não for bem armazenada, isso para doceira, o que é que aconteceu? Isso eu sabia, quando eu comparava nozes, no outro lado do papel, eu sabia quando alguém estava me vendendo um produto de boa qualidade ou não, ou manteiga, o exemplo da manteiga é o melhor, eu tinha um vizinho que comprava a manteiga do mesmo lugar que eu, e de sábado ele vendia dez blocos de manteiga no mercado, eu vendia um, eu não me conformava: "Pô, mas a minha banca é em frente a dele." Eu olhava a manteiga, brigava com meu fornecedor: "Olha, a tua manteiga que você vende para ele não é a mesma que você está vendendo para mim." "Reinaldo é a mesma, você quer ver, sábado eu vou chegar com a manteiga, você vai lá, escolhe os dois blocos que você quer e os dez que sobrarem eu mando para ele." E eu fiz isso, na hora de cortar a manteiga. No dia que eu sai do mercado, que eu vendi o mercado para ir para a doceira, o meu vizinho me chamou: "Olha, vem aqui, vou te ensinar." Então ele deixava a manteiga meio, dar uma derretida, punha um pouquinho d'água e punha para congelar a mesma manteiga, um bloco que ele tinha lá, aí no dia seguinte, ele cortava esse bloco, tirava da geladeira, punha a metade do bloco em cima, né, como a gente fazia, e botava o bloco para vender, fora da geladeira porque manteiga saia do congelamento e ficava exposta para vender ao cliente, fora de congelamento, o que é que acontecia? A manteiga começava a derreter, porque ele tinha acoplado água naquela manteiga, e ela começava a suar, aí a dona de casa que passa, essa manteiga está fresquinha e ela compra a manteiga fresquinha que não é, e paga o peso da água, isso é. Eu acho que hoje ninguém mais faz isso porque hoje você tem um controle, que antigamente o controle era fraco, estou te contando da manteiga, da ameixa, das nozes, eu posso passar duas horas te contando histórias que eu aprendi lá, do queijo, né, que você compra soro, o queijo de Minas e enfia dentro do queijo, porque você vai vender por peso, então o soro faz o queijo durar, mas, no fundo, você está pagando o peso de água, por preço de queijo, e vai explicar para alguém, por que eu tentava, às vezes, quando eu saí do mercado eu falava para o pessoal: "Lava esse queijo quando chegar na tua casa, porque um queijo de minas, eu sempre falei tira do pacote e lava." Vai para a tua mãe e fala que você quer: "Mãe lava, não esquece de lavar o queijo." "Não, tem que deixar nessa aguinha que vem." Não tem, tem que pegar e lavar mesmo e cobrir, deixar na geladeira sem essa água. Se você quer, põe uma água da torneira tal, então essas coisas eu fui aprendendo no mercado, e isso eu tentei, com essa lição que eu tive lá saber usar um produto de qualidade quando eu comecei a doceira.
P - Então a doceira já existia?
R - Já, seis meses.
P - Com esse nome de Amor aos Pedaços?
R - Isso, me associei com ela.
P - E já com essa característica de vender por peso?
P - Não, na época ela vendia por fatia, e ela tinha salgadinhos. Fritava na hora e tinha essas sobremesas, e com o tempo foi dando certo, porque a gente começou, naquela época a gente tinha três, quatro funcionários lá, com o tempo a gente acoplou sorvete, bombom, tinha dez tipos de bolos mais ou menos naquela época, a gente foi, hoje são mais de 40, né.
P - O que é que determinou o sucesso do produto do Amor aos Pedaços?
P - Foi um conceito diferente, é um conceito novo que nem hoje está sendo nos Estados Unidos...
P - Por peso?
P - Não, o primeiro é o conceito de você poder comprar para sua casa fatias de bolo. Por exemplo, antigamente você entrava numa doceira e você ia comprar um bolo inteiro, ou docinhos, bombas, tal. No Amor aos Pedaços começou você ter opção levar num prato, três, quatro sabores diferentes de bolo, então você queria uma fatia, duas fatias. Com o tempo, o que era fatia virou por peso, porque a gente não tinha como controlar, porque funcionava assim, chegou num momento que eu não podia ficar numa loja, porque a gente tinha três lojas, então a menina que atendia, se você era amigo dela a fatia dela era maior, eu não vou com a cara dela, então para você eu vou te dar uma fatia menor, aí no dia seguinte a menina voltava. "Olha, eu vim aqui, a menina que estava aqui ontem à tarde, me deu um pedaço desde tamainho." Aí você dava um pedaço maior, a gente começou a sentir que tinha problemas para você distinguir um bolo por fatias, a não ser que você deixasse pré-cortado. Então se você viesse com uma fôrma, mas isso não funcionava num bolo muito caseiro. Então acho que o sucesso foi assim, primeiro a gente usava produtos de qualidade, nunca tentar enganar ninguém, tentar fazer algo que a gente achasse que é um preço justo. Dar uma opção para pessoa ter aquele bolo ao invés dela fazer em casa, um bolo que avó dela fazia, então era tentar fazer uma coisa bem caseira que a pessoa não tivesse que perder o tempo em casa para fazer. O começo da doceira foi esse, e eu acho que o sucesso derivado foi por aí. Hoje você tem milhões que tentam fazer a mesma coisa, mas naquela época nem tinha, a gente que foi o pioneiro nesse ramo de bolo em fatia por peso, o sucesso foi baseado nisso, e aí a gente começou a perceber que o mercado tinha um nicho grande para o nosso negócio e a gente começou a galgar um caminho. Que a gente tinha um sonho, ter uma loja no shopping em São Paulo, que era o the best na época, e a gente começou a ir atrás disso.
P - Quando vocês abriram a loja no shopping?
R - Olha, a gente começou com uma loja na Consolação, depois essa loja foi para o Itaim, depois foi para Moema e a gente sentiu que tinha espaço para ter uma loja no Guarujá. Chegamos a ter uma loja em Campos do Jordão, e aí o shopping convidou a gente, e a gente foi para o shopping em 1988, que a gente começou a ter loja em shopping, 88 para 89, em 1991. Em 1990, a gente começou a perceber que o crescimento nosso próprio ele era delimitado, porque a gente tinha 11 lojas próprias e era muito difícil você tomar conta de 11 lojas próprias. A gente começou a estudar sobre franquia em 1989, e a gente abriu a primeira franquia em 1991, foi o primeiro teste que a gente fez com uma loja em Campinas, que a gente era sócio, e tinha uma pessoa sócio, que a gente cuidou da loja como se fosse uma franquia, e aí com sistema de franchising, a coisa começou a crescer mais. Aí abriu uma ___________ franchising no Rio, nesse ano, 93 abriu em Curitiba, em 1993, 92. Nós abrimos loja em Portugal, em 90 e, final de 93, não, começo de 93, a gente abriu a primeira loja em Miami, em 1993, em dezembro, já com 40 lojas no total. Foi a época que a gente dividiu a empresa em dois, eu acabei ficando com a parte de fora do Brasil, com exceção de três países, e as minhas ex-sócias, que na época, que já era Silvana, e a Ivani e o marido ficaram com a parte do Brasil e mais esses três países.
P - E você ficou com as lojas e a marca no exterior?
R - Eu fiquei com direitos do Amor aos Pedaços para fora do Brasil. É gozado falar assim, que parece que é prepotente, né, pô os direitos... Outro dia alguém me perguntou se a gente ia dividir as estrelas, Marte e a Lua, né, mas eu fiquei com os direitos para fora do Brasil, com exceção da Itália, da Suíça e da Austrália.
P - Por que essas três exceções?
R - Porque elas queriam ter uma opção de qualquer problema, o dia que não, tivesse que sair do Brasil, e eu não me opus também porque não, o mundo é bem grande, né, e aí eu fiquei com os direitos da marca e da operação com os outros países, e agora eu estou com essas operações indo, graças a Deus, legal, de Miami, de Chicago e de Portugal.
P - E, Reinaldo, qual que é a grande diferença de trabalhar fora, ter uma loja Amor aos Pedaços fora, você poderia...
R - A grande diferença como?
P - Em relação a São Paulo, o que você fazia antes.
R - Bom, primeiro que Portugal e Brasil é muito similar, eu entendi bem o que é Brasil depois que eu abri loja em Portugal, que é da onde a gente veio. O jeito da gente lidar com as coisas, com os negócios, nosso sistema tem muito a ver com Portugal.
P - Por exemplo.
R - É, o paladar, o paladar, o jeito que eles lidam, como é que eles visualizam o negócio economicamente, a forma de retorno deles, e português, brasileiro tem aquela coisa, tem que ser um retorno super-rápido, no mundo isso não é verdade. Quando você abre um negócio, se o negócio te dá um retorno em quatro anos, ele já é considerado um bom negócio, o retorno médio do negócio é em cinco anos. Quer dizer, em Portugal a coisa é muito parecida com o Brasil, você tem leis trabalhistas que eu acho super, na minha opinião, não-produtivas. Em Portugal você não pode mandar um funcionário embora, ele é vinculado a você praticamente, entre aspas, o resto da vida, você tem que provar que ele, você só pode mandar por justa causa, então tem coisas que, isso vem desde a época da Revolução que eles tiveram lá, então tem coisas que brecam um pouco o capitalismo, eu acho, mas eles estão, eu acho que eles estão percebendo isso, porque você acaba indo contra a eficiência de um bom funcionário, que trabalha, alguém com um potencial muito grande, porque você começa a nivelar, todo mundo por igual, não importa se o cara é melhor ou não é, essa é o que eu senti do Brasil e Portugal. Com os Estados Unidos já é outro mundo, é uma selva lá. Você precisa ser muito bom, precisa saber trabalhar muito bem, precisa saber administrar muito bem os funcionários, uma loja como negócio, senão você perde, você é um tremendo pagador de imposto, você paga seguro, você, é uma lei que você paga muito advogado também, então você tem que estar sempre andando na linha, e tomar muito cuidado para não escorregar, para não cometer nenhum deslize, para não cometer nada errado. Você tem controles muito grandes, tanto higiênico, como de, controle de uma maneira geral, então a matéria-prima que vem para os Estados Unidos, para gente trabalhar é mais fácil que a matéria que vem para cá, porque ela é muito mais bem controlada que aqui, lá um carimbo da FDA, é um carimbo da FDA. Se você comete algum problema, e você alimenta alguém com alguma coisa imprópria, você vai ser julgado, você vai pagar por isso, quer dizer você tem um judiciário que funciona, né, muito bem, e você tem, o nosso tipo de trabalho, a mão-de-obra lá é muito mais cara, mas por outro lado ela te dá o conforto, porque ela é muito mais, como eu diria, ela é muito mais qualificada que a daqui, então ao passo que lá você paga uma média de seis dólares por hora por funcionário e aqui você deve talvez pagar isso por dia, o funcionário de seis dólares, ele te rende praticamente o que te rende três funcionários daqui, vamos dizer assim. Isso gera com que você tenha um consumo também, então o universo americano, e o universo em alguns países que eu estou sentido é muito maior que o universo daqui para você fazer um negócio.
P - E na compra das mercadorias, como no caso do mercado onde você aprendeu que tinha o brilho da ameixa, a manteiga, tal, existe alguma coisa parecida lá, na escolha das mercadorias?
R - Bom, primeiro que é muito difícil lá de alguém fazer isso, como aqui está ficando também, porque agora a vigilância sanitária mudou, eles estão ficando em cima, então isso vai acabar, isso tem que acabar aqui. Lá o cara que fazer isso, além de você, lá é a terra do processo, né, qualquer coisa alguém está te processando, então, se alguém faz isso para... eu, que sou um comprador e me fornece uma mercadoria não adequada, ele toma um processo imenso, assim como se eu vender um bolo para alguém e ficar provado que foi negligência da minha parte, eu estou, o negócio em si dança, então a responsabilidade é muito grande, e lá é mais fácil, porque lá, primeiro você não tem uma inflação que nem, porque no Brasil, eu trabalhei os últimos dez anos que eu tive a doceira, eu sempre tive inflação. Lá, é uma economia estável, existe uma diferença muito grande, isso tanto em Portugal também, você tem uma economia estável. Em Portugal você tem uma inflação é 6,5% ao ano, no Brasil sei lá, hoje eu posso estar falando que a inflação é três, daqui um mês é 20, daqui, você não sabe. Então você trabalha numa economia instável, trabalhar numa economia instável, que é que eu aprendi, que a minha cabeça eu posso estar pensando no desenvolvimento, fazendo um projeto a médio e longo prazo no meu negócio: "Olha, esse ano eu vou abrir tantas lojas, eu vou investir tanto, eu vou vender tanto, eu vou pagar tanto de imposto, eu vou pagar tanto de mão-de-obra, tal, tal, meu lucro final é esse." Você faz um planejamento, aqui não, é impossível, aqui para nós sempre foi, a gente tinha que ir na raça: "Ah, vamos abrir, vamos ver o que dá." Abria, legal, vamos abrir quatro lojas sem ter dinheiro, você me ajuda, eu te pago em quatro vezes, lá você tem um maneira de se planejar, e essa maneira de se planejar, também vai para as compras. Porque você sabe quando você está vendendo, se você pegar, por exemplo, a loja de Portugal e de Miami, pega o ano passado para esse ano, você vai ver que a alteração é "x", é um pouco. "Ah, eu vendi cinco por cento a mais", o que você comprou de matéria-prima, você começa a se, você se prepara para isso: "Ó, esse mês que vem eu sei que é um mês bom, o mês passado eu sabia que era um mês fraco." Eu posso comprar mais, comprar menos, e isso funciona, é uma cadeia, né, assim como funciona comigo, funciona com o meu fornecedor, então você começa a ter cadeias produtivas, que dão muito emprego, e que funcionam, onde as pessoas trabalham e acabam sendo remuneradas justamente pelo trabalho delas, e acaba sendo mais fácil, tem tempo para você desenvolver a área de marketing, outras áreas, ao passo que aqui a gente ficava muito quebrando a cabeça de como vai ser o mês que vem, o que é que vai acontecer, sei lá. Eu tive Páscoa no Amor aos Pedaços que teve plano que entrou uma semana antes da Páscoa, eu estava lotado de ovo de Páscoa! Quer dizer, a gente tinha que se requebrar, e esse se requebrar brasileiro que eu aprendi aqui é que eu acho que está me ajudando lá fora, porque assim, tudo que a gente passa no Brasil, o potencial nosso é muito grande, então é, agora é só uma questão de saber usar esse potencial lá fora, eu acho que o Brasil, o trabalhador, o empresário, seja que for, não deixa, não fica a dever a ninguém. Só que a gente se sente terceiro mundo, né, e quando eu abri a loja em Miami, e agora em Chicago, a gente já está corrigindo isso, a gente abriu com a mentalidade brasileira, eu demorei um ano e meio, dois, para aprender o que é que é você ter um negócio na América, como é que você tem que trabalhar. E isso foi um aprendizado apanhando, e com esse requebrar brasileiro, que a gente conseguiu, está conseguindo dar a volta por cima, em Portugal é a mesma coisa.
P - Reinaldo, você falou que o sonho da tua avó era ter uma loja de doces, uma confeitaria?
R - É, o sonho da minha avó era esse.
P - Ela chegou a ver o sucesso do Amor aos Pedaços?
R - Ela viu. Não, ela viu os dois primeiros meses da loja, quando eu me associei ela presenciou, viu, depois ela faleceu.
P - E ela gostou do...
R - Gostou, eu acho que é, ela já estava meio velhinha naquela época, mas eu acho que tinha um certo "karma" na família que ia para esse lado.
P - E ela conhecia receitas?
R - Ela tem alguma, tem umas duas receitas que eu faço hoje que vieram até da minha avó.
P - Quais?
R - É uma torta de morango que a gente vende, e o fundo da torta de limão que eu faço agora, só que aqui no Brasil não, mas nos Estados Unidos e em Portugal.
P - E o que é que o seu pai achou, enfim, do sucesso dos negócios, pensando no, enfim, na forma como ele educou...
R - Bom , a minha, o pensamento do meu pai, é, o jeito que ele dirigiu o negócio e o meu jeito era bem diferente. Eu me lembro quando eu me associei ao Amor aos Pedaços ele: "Não, mas por que você vai associar?" Hoje você fala para ele vai dizer: "Não, eu falei para você que era um bom negócio, tal." Naquela época eu me lembro porque ele falou: "Não, você já tem o teu negócio." E eu tentava mostrar que eu tinha visualizado uma opção, meu pai nunca foi uma pessoa que ajudou e falou: "Toma o dinheiro, eu te empresto." Ele falou: "Olha, se você precisar de um banco eu te avalizo." Já foi uma grande ajuda, isso me deu certas barreiras que eu tive que ultrapassar porque eu não podia contar nem sempre com a ajuda dele, mas eu acho que a tranqüilidade de você saber que você tem um avalista me ajudou muito no meu negócio e também a opção de você falar: "Você vai batalhar sozinho, mete a cara e você vai deitar no colchão que você plantar." Hoje eu tenho certeza que a gente tem de ser para o meu pai um orgulho, né. "Olha, pô, olha que negócio bonito que ele fez, quantas lojas ele abriu." Eu gosto de desafio. Então você ir para os Estados Unidos é um desafio, você levar uma coisa brasileira, porque normalmente o empresário brasileiro, o banqueiro brasileiro, eles gostam de ir lá para fora, compra uma grande operação, traz para cá, e acha que isso vai ser um sucesso. Com certeza, nem sempre isso é verdadeiro, você tem hoje exemplos de coisas que vieram e não dão certo. Agora, você sair do Brasil, levar daqui para lá e dar certo, é uma coisa muito difícil e que eu sinto que está dando certo, só que eu estou no começo desse trabalho, quer dizer, eu estou voltando a trabalhar, que eu trabalhava no Amor aos Pedaços quando a gente começou, que quando você, eu vou viajar lá fora para ver as operação Portugal, operação Miami, Chicago, você trabalha 12 a 14 horas por dia, na loja mesmo em cima do negócio.
P - Tem alguma coisa para ensinar para os americanos em termos de comércio, de operação de comércio?
R - Olha, o nosso sistema, assim, eu não vou ser prepotente e dizer que nós temos que ensinar para eles, eu acho assim, primeiro: nós temos um sistema, um conceito novo, o conceito de bolo fatia eles não tem, foi muito difícil para conseguir uma loja em shopping lá, porque eles não acreditam que a gente vá vender numa loja "x", eles falam: "Não, vender bolo, você vai vender tudo isso em bolo, não pode ser, tal." Assim como eles não acreditavam quando tinha cookies, quando abriram as primeiras lojas de cookies nos Estados Unidos, é um conceito novo, e lá a gente fortaleceu o conceito também em café também, né, que é um bolo, o café e tal. Então tem esse conceito novo, a parte de manualização nossa está muito boa, não deixa a desejar para nenhum americano, nenhuma empresa americana, eu acho que tem, poucas têm os manuais que a gente tem de operação, de higiene, de produção, da fábrica, ou da loja tão bem feitos como a gente, a gente tem, está tentando ser o máximo profissional possível. O Martin de Chicago, eles ficaram surpresos com o trabalho que a gente apresentou para eles, tanto é que a gente abriu quase perfeita.
P - Existe algum tipo de bolo por exemplo que faça mais sucesso nos Estados Unidos?
R - Ainda é muito cedo para eu te falar isso, porque, como a gente abriu em Miami, não é bem Estados Unidos, você tem muito latino lá, então eu não estou, lá foi um mercado, ainda a gente se preparou para um passo maior, Chicago que a loja abriu há dez dias. Eles vêm e querem cheese cake, a gente desenvolveu o chesse cake e está um baita sucesso, mas chesse cake é um doce americano. Os doces que a gente mais está vendendo lá, são os doces que eu achei que não fosse vender, que é bolo com mashmellow, que a gente sempre teve a impressão, antes de ir para os Estados Unidos, a gente adaptou um pouco o doce, tirou o açúcar de certos doces, fez algumas modificações para ir para o mercado americano, porque as pessoas sempre me passavam assim: "Ah, o doce, vocês vão vender o doce nos Estados Unidos, nossa, o doce é muito doce para eles." E eu sempre respondia: "Você já comeu donut's nos Estados Unidos?" Que é superdoce, então você tem um mercado tremendo de gente que adora coisa com açúcar, e esses bolos que são os bolos, pelo que eu sempre ouvi, que é um bolo negro, que a gente tem que é bolo de chocolate com cobertura de creme, coberto com mashmellow e calda de chocolate, é o bolo que eu mais vendo na loja, quer dizer eu estou aprendendo com a clientela de lá.
P - E qual é a previsão de abertura de lojas nos Estados Unidos, Reinaldo?
R - Antigamente eu tinha muita previsão, né, agora que eu entrei lá, que eu corrigi falhas em Miami, que a gente está começando com a loja em Chicago, tudo vai depender muito do faturamento dessas lojas nos próximos dez meses, porque eles, nós estamos abrindo mais duas lojas em Chicago nos próximos seis a oito meses, se o faturamento delas mostrar que eu nem abri o negócio, tem um monte de gente que quer investir lá, né, você tendo um bom negócio nos Estados Unidos, dinheiro não é o problema, e o crescimento também não é. Porque você tem como captar, é uma grande diferença do Brasil também, você tem lá como captar recursos para você poder fazer seu negócio sem encostar em alguém, você pode ir num banco, você pode lançar ações _______ você tem vários caminhos, porque lá é um país que tem muito dinheiro, se der certo isso, e a cada loja tiver um faturamento que vai em torno de 400 mil a 450 mil dólares por ano, a previsão do Martin lá é você ter mil lojas em sete anos que para mim é um número superassustador, eu não estou preparado para esse número, é um número deles, americanos para aquela região se o negócio vingar lá, nós ainda estamos no começo do processo e é legal porque você fala: "Pô, mil lojas." Quer dizer, o universo é outro, é diferente do universo do Brasil que você pode ter 50 lojas, 60 lojas do tipo desse ramo, né?
P - Tem algum país que você sonha ter uma loja, por algum motivo, não estritamente comercial?
R - Eu não sei, às vezes, eu tenho umas idéias, assim, que eu nem sei da onde sai, um país que eu sempre, as pessoas vinham para mim: "Ué, você não vai parar, para que é que você precisa de abrir loja, você é louco." Acho que todos os meus amigos me chamam de louco, porque a minha vida é diferente, eu acabo passando 15 dias fora do Brasil trabalhando, e 15 dias, quando as pessoas vão para fora do Brasil passear, eu estou indo para fora do Brasil para ir trabalhar, e eu acabo meio passeando no Brasil. Eu tenho um país que eu queria ver vingar Amor aos Pedaços. São dois países que eu queria ver dar certo, que eu acho, por vaidade minha, não sei se eu vou até lá, eu já tive interessados para ir, mas a gente acabou não fechando o negócio. Um é o Japão, que eu acho um mercado tremendo, na minha lua de mel três dias no Japão que eu queria conhecer o Japão, eu queria ver como é, eu acredito demais lá, eu acho que lá é um mercado tremendo em potencial para o nosso negócio, e o segundo é na França. Você vai perguntar: "Mas na França, que tem doceiras, tem ___________ . " Eu acho que é na França, porque eu ainda acho que o nosso doce é um doce diferente do que o francês está acostumado, só que hoje, antes de chegar neste mercado, com a experiência que a gente vem adquirindo, que eu estou percebendo nesses últimos dois, três anos, é se preparar para como chegar, então eu brinco, todo mundo fala: "Olha, o dia que eu chegar no Japão eu sou cego."
P - Reinaldo, tem algum sonho, enfim, algum projeto para o futuro que você quer realizar independente da parte comercial?
R - Eu acho que o Amor aos Pedaços, o Luv'n Pieces, tem uma missão, que é você poder dar opção das pessoas comprarem um doce feito numa loja por um preço justo, caseiro, gostoso, sem você ter que fazer em casa. Eu acho que a minha missão nessa empresa porque, esse acaba sendo o meu negócio, e a missão jurídica, vamos poder dizer assim, é você poder optar e proporcionar esse, essa opção para o maior número de pessoas possíveis em lugares diferentes, essa é uma missão como empresa. Eu tenho uma missão particular minha, como brasileiro, eu acho que é você tentar mostrar que o Brasil é um país viável, que você é capaz de ter um negócio bom, que a gente é capaz de sair do Brasil, ir para outro país abrir um negócio e dar certo, e começar mostrar a cara um pouco do Brasil, e tentar fazer um esforço, não sei ainda de que maneira, mas eu sempre acredito que se o meu negócio der certo lá fora, de um jeito ou de outro, isso pode ser o, você pode ajudar um país, mostrar a cara boa de um país, então essa é uma missão pessoal minha, um desafio meu. Mas eu acho que esse desafio é muito a longo prazo, porque isso só vai vir o dia que eu fizer um baita sucesso, e der supercerto, em vários países, que as pessoas vão saber: "Ó, essa é uma franquia do Brasil." "Ah, do Brasil." "Ah, do Brasil?" Porque a imagem que o Brasil tem lá fora, hoje, queira ou não queira, infelizmente é muito ruim, sempre eu senti barreiras quando o pessoal sabia que eu era brasileiro, procurando loja no shopping, nos Estados Unidos e até em Portugal que a, o nosso pátria mãe, vamos dizer assim, eles olham os brasileiro meio assim, com uma imagem diferenciada.
P - E, Reinaldo, só para concluir, a última pergunta, o que é que o senhor achou de dar o seu depoimento e contar a sua história para o Museu da Pessoa?
R - Por quê?
P - Não, que é que você achou de ter dado o seu depoimento e ter contado a sua história de vida para o Museu da Pessoa?
R - Quando você me ligou hoje e falou do trabalho que vocês estavam fazendo, eu achei superlegal porque, pela minha vivência dos Estados Unidos e Portugal, é que você começa a presenciar que as pessoas têm uma cultura muito grande. Elas têm história, elas não esquecem o que aconteceu há 30 anos atrás, há 40 anos atrás. Elas têm uma história, e eu acho que o Brasil tem uma carência muito grande em preservar a história, preservar o caminho, então a minha proposta quando você me ligou foi, se eu puder contribuir com isso, eu vou contribuir de uma forma que eu achar que seja mais válida para o projeto de vocês. Eu acho que é esse o meu, o porquê de eu estar aqui agora, tentando acrescentar no trabalho que vocês estão fazendo, que eu estou sentindo que é um trabalho muito profissional.
P - Está bom, muito obrigado.